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Relações
Internacionais:
Teoria e História
MÓDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTES
TEÓRICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo: Dilemas e


Perspectivas
Unidade 2 - Conceitos Fundamentais
Unidade 3 - Correntes Teóricas das Relações Internacionais
Unidade 4 - O Realismo

Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo


Contemporâneo: Dilemas e Perspectivas

Ao final desta Unidade inicial, o aluno


deverá estar apto a:
identificar os principais pontos da
agenda de relações internacionais
contemporâneas;
estabelecer o conceito e as
características da Globalização;
estabelecer a importância das
relações internacionais para o Brasil;
assinalar a evolução histórica e a
importância de Relações
Internacionais como disciplina
acadêmica.
Em um curso de educação a distância por meio da Internet, o estudante tem
um papel central no estabelecimento de uma relação de qualidade com o
conteúdo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter o melhor
aproveitamento possível do curso.

As Relações Internacionais no mundo contemporâneo

Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro vídeo


educacionalda série: Conexão Mundo ("Aldeia Global - Mundo Digital"),
disponível no youtube.

https://youtu.be/HTil3nMmCoU

Conexão Mundo é uma série de 20 programas sobre relações internacionais


que oferece informações necessárias à compreensão dos novos processos de
intercâmbio entre as nações. Os programas enfocam toda a história das
relações entre os povos, os tratados e políticas para a nova ordem
internacional e procuram desvendar conceitos como o de “globalização”,
“blocos econômicos” etc.
As últimas décadas do século XX foram marcadas pela intensificação das
relações entre os povos, de uma maneira como nunca experimentada
anteriormente. Cada vez mais, as distâncias estão menores, tempo e espaço
perdem o significado que tinham para nossos pais e avós, e as pessoas de
diferentes locais do globo tomam consciência de que “a menor distância entre
dois pontos é uma tecla”.

O século XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo está menor,


globalizado, interligado física e eletronicamente; pode-se tomar café em Londres
e almoçar em Washington; as fronteiras perdem sua importância; o sistema
internacional vê-se cada vez mais integrado; a tecnologia alcança milhões de
pessoas, e não há limite ao conhecimento humano. O último século do segundo
milênio presenciou uma evolução tecnológica inimaginável!

O Processo de Globalização

O termo globalização pode ser


entendido como fenômeno de aceleração e
intensificação de mecanismos, processos e
atividades, com vista à promoção de uma
interdependência global e, em última escala, à
integração econômica e política em âmbito
mundial. Trata-se de conceito revolucionário,
envolvendo aspectos sociais, econômicos,
culturais e políticos. Registre-se, ademais, que
essa é apenas uma das várias conceituações do fenômeno, o qual não é recente,
mas se acelerou a partir da segunda metade do século XX.

Um dos aspectos mais importantes da globalização envolve a ideia


crescente do “mundo sem fronteiras”. Isso é perceptível em termos como “aldeia
global” e “economia global”. Poucos lugares do mundo estão a mais de dez dias
de viagem, e a comunicação através das fronteiras é praticamente instantânea.
Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com
consequências que ultrapassam os benefícios econômicos, pois as conquistas
sociais e políticas de um membro do bloco logo deverão chegar aos territórios
de todos os outros. Princípios como a democracia e a prevalência dos direitos
humanos podem ser defendidos e arguídos em troca de benefícios econômicos.
Cite-se, por exemplo, o caso de países como Grécia, Portugal e Espanha, que,
para serem aceitos na então Comunidade Europeia, tiveram que promover
importantes mudanças econômicas, sociais e políticas. O mesmo se aplica à
Turquia, que aspira a tornar-se parte da moderna Europa.

No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), há a chamada


"cláusula democrática", a qual estabelece que apenas países sob regimes
democráticos podem participar do bloco. Essa cláusula evita as alternativas
autoritárias em alguns países do Mercosul, em momentos de crise institucional.

Assim, o atual processo de globalização envolve a integração econômica


mundial em diversos níveis, com a redução das distâncias em virtude do
desenvolvimento de mecanismos de produção e distribuição de bens em escala
global, e do fortalecimento dos meios de comunicação. Nesse contexto, novos
atores, como as organizações não governamentais, as empresas transnacionais,
a opinião pública e a mídia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos
Estados.

Uma leitura essencial sobre o tema é o artigo de Paulo Roberto de Almeida,

“Contra a Antiglobalização”.
Dilemas da Globalização

Entretanto, a globalização também é marcada por problemas em escala


mundial. Nesse sentido, há a criminalidade, que ultrapassa as fronteiras dos
Estados, com organizações criminosas exercendo suas atividades ilícitas no
âmbito internacional. Crimes como o narcotráfico, o tráfico de armas, o tráfico de
pessoas e de animais e a pirataria, todos esses há muito não são problemas
exclusivos de um ou outro país, mas questões globais que devem ser encaradas
sistemicamente. E a base do crime organizado é a lavagem de dinheiro, que
movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano no mundo, ou 4% do Produto
Interno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Assim, ao lado das grandes conquistas, há novos e grandes desafios:


parte significativa da população mundial ainda permanece no século XIX.
Nações ricas e prósperas convivem com Estados que comportam milhões de
miseráveis. Alguns locais do globo ainda não saíram da Idade Média! Novas e
antigas doenças afligem milhões. Cite-se, ainda, a parte significativa da raça
humana que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional
presencia crises econômicas, políticas, culturais e sociais. E o destino da
humanidade permanece uma grande incógnita.

Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos Internacionais

Outro importante tema de relações internacionais neste mundo


globalizado envolve os problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade
toma consciência de que o meio ambiente não pode ser tratado como assunto
interno dos Estados e que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra
é um corpo único e seus recursos são patrimônio de todos os seres humanos e
das futuras gerações. Daí que os males causados ao meio ambiente afetam toda
a humanidade.

Convém registrar que, para Relações Internacionais como disciplina


acadêmica ou área do conhecimento, empregaremos iniciais maiúsculas,
enquanto que, quando nos referirmos ao objeto de estudo, usaremos o termo
em minúsculas.
No último quartel do século XX, a proteção ao meio ambiente passou a
ser uma das grandes preocupações da comunidade internacional, não só na
esfera de governo, mas também entre todos os habitantes do planeta. A
Conferência do

Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influência, e multiplicaram-


se nas últimas décadas os tratados sobre todos os aspectos ambientais, tanto
assim que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados sobre
o tema.

Também a proteção aos direitos humanos é um assunto em voga,


sobretudo quando notícias de violações a esses direitos nos chegam de todas
as partes do planeta. No moderno sistema internacional, agressões contra uma
pessoa devem ser consideradas crimes contra toda a raça humana. O intenso
trabalho das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no
continente americano refletem essa nova realidade.

Ademais, à medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem


também os conflitos, outro componente marcante da agenda internacional desde
sempre. E no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas.
Nesse sentido, o século XX foi marcado por uma grande quantidade de guerras
por todo o globo, inclusive com dois conflitos que envolveram praticamente toda
a sociedade internacional.

De fato, uma das grandes certezas do século XXI é que nele ainda
presenciaremos o fenômeno da guerra. Entretanto, alguns cogitam mesmo que
a guerra, neste século, não será mais entre países, mas entre civilizações
(HUNTINGTON, 1998).

Importância do conhecimento de Relações Internacionais

Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas,


grandes desafios! E é nesse contexto que se percebe a necessidade de
conhecimento das relações internacionais. Atualmente, quem não estiver
informado sobre o que ocorre no mundo poderá ver-se bastante limitado, pessoal
e profissionalmente.

Hoje, a sociedade internacional está tão interligada, tão integrada em um


processo de globalização, que situações ocorridas na China podem afetar a nós,
brasileiros, do outro lado do planeta. Daí que o problema do outro passa a ser
também um problema nosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o
bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se você não é parte da
solução, é parte do problema!

Assista à aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonçalves, por
ocasião de curso presencial ministrado no ILB. Aqui
Aumente o som de seu equipamento e bons estudos!

https://youtu.be/KvPHAAnXsgQ

O Brasil e as Relações Internacionais

Como quinto maior país do globo em população e dimensão territorial, e


estando entre as maiores economias do planeta, com condições e pretensões
de se tornar uma grande potência, o Brasil não pode se furtar a ter um papel de
destaque nas relações internacionais. As transformações e acontecimentos no
mundo globalizado farão cada vez mais parte de nosso dia a dia, em uma
tendência praticamente irreversível.

Estamos estrategicamente localizados, temos fronteiras com


praticamente todos os países sul-americanos, e com o Atlântico, principal via
para a Europa e a África. Ademais, somos uma nação tida como pacífica e
respeitadora do direito internacional e com incontestáveis atributos de liderança
regional. Finalmente, não devemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os
recursos naturais e um povo multiétnico, empreendedor e, nos dizeres de
Gilberto Freyre, com suas peculiares “características antropofágicas”.

Pouco significativa diante de suas potencialidades é a atuação brasileira


no cenário internacional. Apenas nas últimas décadas do século XX é que o
Brasil começou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o
desenvolvimento dos primeiros cursos de Relações Internacionais no País e com
o aumento do interesse nas questões internacionais por parte de diversos
setores da nossa sociedade.

É premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum


conhecimento de Relações Internacionais. Na Administração Pública, essa
demanda é mais evidente. No Poder Legislativo, é fundamental que aqueles que
assessoram os legisladores conheçam as principais linhas da política
internacional tão bem quanto conhecem a política interna brasileira. Afinal,
política interna e política externa estão estreitamente relacionadas: as ações
daquela afetarão e serão afetadas por esta e vice-versa.

Um sítio interessante para o estudante e o profissional de Relações


Internacionais é o Inforel, que traz cobertura atualizada das questões gerais
da área e também de defesa nacional, além de artigos com análises
interessantes.

As Relações Internacionais e a Constituição Brasileira

A importância das relações internacionais também pode ser percebida na


maneira como o tema é tratado na Constituição Federal. A Carta Magna, já em
seu Título I, referente aos “Princípios Fundamentais”, estabelece, no art. 4º, os
princípios que regem as relações internacionais do Brasil:
· independência nacional;
· prevalência dos direitos humanos;
· autodeterminação dos povos;
· não intervenção;
· igualdade entre os Estados;
· defesa da paz;
· solução pacífica dos conflitos;
· repúdio ao terrorismo e ao racismo;
· cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
· concessão de asilo político.

Ainda no que concerne à Lei Maior, também os direitos e garantias


fundamentais estão intimamente relacionados às experiências vivenciadas pela
comunidade das nações ao longo de sua história. Foi graças às revoluções em
países como a Inglaterra, a França, os EUA e a Rússia, e à difusão desses
princípios para além de suas fronteiras, que o mundo moldou uma cultura de
direitos fundamentais que hoje são inquestionáveis em todo o planeta. E a
violação a esses direitos gera repulsa da comunidade internacional.

A Constituição de 1988 inovou ao elencar, de forma sistemática, os


princípios que regem nossas relações internacionais. Para maior
aprofundamento, sugerimos a leitura do artigo 'Os princípios das relações
internacionais e os 25 anos da Constituição Federal', do Professor Alexandre
Pereira da Silva, disponível na Biblioteca deste curso, em 'Textos
complementares'.

Vereshchetin (1996), por exemplo, vê no que chama de “fator direitos


humanos” um dos principais meios de retomada de uma cultura mínima de
proteção internacional no pós-Guerra. O relacionamento entre Estado e
indivíduo, que tradicionalmente foi objeto de preocupação de leis internas, não
mais pode ser considerado uma questão puramente doméstica dos países.
A Constituição da Rússia de 1993, por exemplo, trouxe como princípio a
incorporação das normas internacionais ao sistema jurídico interno e a
prevalência dos acordos internacionais dos quais a Federação Russa faça parte,
caso estes estabeleçam regras que difiram daquelas estipuladas em lei interna.
Isso tem se mostrado uma tendência constitucional em vários países. Quando
não há dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais têm dado o rumo
da interpretação.

Na década de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polônia,


por exemplo, decidiram que a Constituição e as normas internas deveriam ser
interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas
tivessem força efetiva.

Há, portanto, em todo o planeta, sinais de uma crescente


interdependência até mesmo no campo jurídico, e o Tribunal Penal Internacional
nada mais é que uma expressão e consequência disso.

O Poder Legislativo e as Relações Internacionais

As relações internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder


Legislativo. Em nosso sistema jurídico-político, quaisquer tratados que o Brasil
celebre com outras nações ou com organizações internacionais devem
necessariamente passar pelo aval do Congresso Nacional antes de serem
ratificados.

O art. 49 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer, logo nos


dois primeiros incisos, as competências exclusivas do Congresso Nacional:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a
permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele
permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei
complementar;
(...)
E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuições mais específicas, pois
é a Casa Legislativa que avalia e aprova nossos embaixadores, autoridades
máximas das missões diplomáticas brasileiras, designados para representar o
País no Exterior. Compete também ao Senado autorizar as operações externas
de natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Cada Casa Legislativa possui comissões encarregadas dos temas de


relações exteriores e defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo, a
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19
membros titulares e 19 suplentes, é competente para tratar das questões que
envolvam as relações internacionais do País.

A legislação brasileira evidencia a importância do Poder Legislativo nos


destinos das relações internacionais. E quanto mais o Brasil busque integrar-se
na comunidade das nações e ocupar o seu devido papel de destaque, mais
importante se faz o conhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas
da área.

O Estudo das Relações Internacionais

Antes de concluirmos a primeira Unidade, convém apresentar algumas


considerações gerais sobre o estudo das relações internacionais como
disciplina, as áreas de atuação do profissional da área e a realidade brasileira.

O estudo de Relações Internacionais envolve conhecimentos gerais de


Direito, Economia, Administração, História, Filosofia, Sociologia, Antropologia,
Estatística e, sobretudo, de questões internacionais contemporâneas.

O interesse por temas de relações internacionais aumentou mais ainda


após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao assistirmos àqueles
dramáticos acontecimentos em tempo real, alguns véus foram retirados, e aos
poucos tomamos consciência de que as distâncias físicas se estreitavam ao
mesmo tempo em que as distâncias culturais e sociais aumentavam. O
terrorismo passa também a ser uma questão global, que afeta países nos
hemisférios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente.
No campo profissional, as relações internacionais são aplicáveis em
diversas áreas. No Brasil, há profissionais dessa área atuando em vários setores
da Administração Pública e da iniciativa privada.

Em termos de carreira, uma das mais


conhecidas é a diplomacia. O diplomata é o
legítimo representante do Governo e da nação
junto a outros povos e organizações
internacionais. Para se tornar um diplomata no
Brasil, é necessário o ingresso na carreira por
meio de concurso público, promovido pelo Instituto Rio Branco (IRBr) do
Ministério das Relações Exteriores. Aprovado no concurso, e, submetido a um
período de treinamento no IRBr, o diplomata inicia uma carreira como Terceiro
Secretário, podendo chegar a Embaixador.

No serviço público, além da Chancelaria, o profissional de relações


internacionais tem diante si alternativas de trabalho nos vários órgãos da
Administração Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre há uma “assessoria
internacional” em cada ministério, secretaria, autarquia e empresas públicas. E
o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presença de profissionais
de relações internacionais nas principais carreiras de Estado.

Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre aos que possuem


formação na área. Além das grandes corporações multinacionais e
transnacionais, as empresas brasileiras de médio e grande porte já percebem a
necessidade de atuarem em uma economia globalizada. Assim, em um mundo
cada vez mais integrado econômica e financeiramente, as empresas precisam
de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema
internacional. Aquelas que desconsideram essa percepção frequentemente
acabam por sucumbir.

Além disso, há a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizações


Internacionais e Organizações Não Governamentais que atuam no globo: ONU,
OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Brasília
tem representação da maior parte dos organismos internacionais dos quais o
Brasil é membro e, com isso, o mercado do profissional de relações
internacionais se amplia na capital federal.

Relações Internacionais como disciplina independente

Até o início do século XX, as relações internacionais não eram estudadas


como disciplina independente. O estudo do tema estava sempre sob o manto de
outras ciências, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Ciência Política.

À medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as


relações entre os Estados mais diversificadas, relações estas que envolviam
conflito e cooperação, e que muitas vezes culminavam em situações que
interferiam diretamente no cotidiano das pessoas e na política interna das
nações, percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem a
conduta dos atores em um cenário internacional. Essas teorias e seu estudo
deveriam constituir uma nova área do conhecimento, independente e com
autonomia para gerar suas próprias percepções da realidade. Daí o
aparecimento das primeiras cátedras de Relações Internacionais pelo mundo.

Os cursos de Relações Internacionais surgiram na primeira metade do século


XX, nas principais universidades europeias e norte-americanas. Foram
constituídos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se
desenvolviam as relações entre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que
impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao grande trauma
da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes até então,
que envolvera diversas nações do globo e causara pesadas perdas, sobretudo
no território europeu. Assim, os temas centrais eram:

 O que havia conduzido o mundo a uma situação de conflito tão drástica?


 O que leva os Estados à guerra?
 É possível se evitar o conflito entre os povos?
 Como agem os atores internacionais e quais forças que interferem na
conduta desses entes?
Claro que, no decorrer do século XX, o estudo de Relações Internacionais
diversificava-se à medida que os laços entre os povos tornavam-se mais
complexos e novos temas, como cooperação, desenvolvimento, integração, paz,
direitos humanos e globalização, vinham à baila. Atualmente, a disciplina é
ampla e alcança as mais diferentes áreas de estudo, e evolui à medida que
também evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, hoje há
cursos de Relações Internacionais nas principais universidades do mundo e
profissionais da área atuando nos mais variados segmentos dos setores público
e privado.

O primeiro curso de Relações Internacionais no Brasil foi instituído na


Universidade de Brasília, na década de 1970, fazendo da capital da República o
referencial brasileiro em estudos internacionais. Até meados da década de 1990,
havia apenas dois cursos de Relações Internacionais no Brasil – na Universidade
de Brasília e na Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro). Hoje, são dezenas
de instituições que oferecem a graduação em Relações Internacionais por todo
o País. Trata-se, portanto, de carreira de grata expansão. Mesmo assim, a
contribuição brasileira para as relações internacionais ainda é muito incipiente,
sobretudo para um país que tem potencial para se tornar uma grande potência
entre seus pares.

Feitas essas primeiras considerações acerca do tema de nosso curso, realize


as atividades propostas e, em seguida, passemos às teorias e aos principais
conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relações
Internacionais.
Unidade 2 - Conceitos Fundamentais

Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de


identificar e definir os seguintes conceitos fundamentais
de relações internacionais:
• Sociedade Internacional;
• Atores;
• Forças Profundas;
• Sistema Internacional;
• Potência;
• Hegemonia.

Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias


para o estudo do conteúdo e para a autoavaliação do cursista. Tenha um bom
aproveitamento!

Conceitos Fundamentais

Essencial para o desenvolvimento de nosso curso é a compreensão de


conceitos fundamentais de Relações Internacionais. Nesse sentido, seria
complicado tentar iniciar qualquer análise de Relações Internacionais sem as
noções desses conceitos. Dentre eles ressaltamos:

 Sociedade Internacional;
 Atores;
 Forças Profundas;
 Sistema Internacional;
 Potência;
 Hegemonia.

Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que assista atentamente


aos dois vídeos seguintes do Conexão Mundo,
“Conceitos Fundamentais de Relações Internacionais”, disponíveis no sítio do
ILB.

https://youtu.be/yvSMugjjQ5I?list=PLugtxNDlqgi8EYU0anS69ecwooNQ_bMju

https://youtu.be/H4diQ26YtBo?list=PLugtxNDlqgi8EYU0anS69ecwooNQ_bMju

A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes


desses conceitos.

Sociedade Internacional

Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o


estudo de Relações Internacionais refere-se à temática que envolve a Sociedade
Internacional.

Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos


desse conceito?

A ideia de Sociedade Internacional – termo


cunhado por Hugo Grócio no século XVII – permite
direcionar a atenção para a atuação padronizada
dos Estados. Apesar da ausência de uma
autoridade central no cenário internacional, os
Estados exibem padrões de atuação que estão
sujeitos a, e constituídos por, restrições de diversas
naturezas – históricas, sistêmicas, legais e morais,
entre outras.
Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional à
evolução histórica das relações entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-
nações organizados em âmbito espacial determinado. Podemos identificar a
evolução da Sociedade Internacional a partir das relações entre os grupos
primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando à Idade
Contemporânea, com a ascensão do Estado nacional e soberano nos séculos
XVIII e XIX e o seu declínio, no século XX, frente a um sistema cada vez mais
globalizado e interdependente.

Sociedade Internacional

Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formação


dos Estados nacionais, que só se deu, nos moldes como os concebemos hoje
(compostos de povo, território e soberania), há dois séculos. Mesmo que não
houvesse consciência dos povos a esse respeito, não há como negar a
existência “de fato” de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, a
partir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e
diferenciados, exercendo relações políticas, culturais ou comerciais entre si, tem-
se uma Sociedade Internacional embrionária. Das tribos passaram-se aos
reinos, às cidades-estados e aos impérios, e estes, vistos em um contexto macro
e nas relações entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundo antigo.

Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um


Sistema Internacional da Antiguidade, refletia mais um conjunto de sociedades
regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e até sem
consciência da existência umas das outras. Era uma época em que as forças
naturais limitavam a comunicação entre Oriente e Ocidente, e a “Sociedade
Internacional do sistema grego” mantinha pouco contato com a “Sociedade
Internacional do extremo oriente” – na qual o império dinástico chinês era o
principal ator.

Somente com as grandes navegações e o expansionismo europeu pelo


planeta é que se estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim, desde o
século XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela força
da economia e do comércio, seja pela força dos canhões e das conquistas
coloniais europeias. Paul Kennedy, em sua obra já clássica Ascensão e Queda
das Grandes Potências, analisa, com clareza, como o extremo oeste do
continente euro-asiático, conhecido como Europa, com uma diversidade de
povos e reinos autônomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas,
consegue expandir-se pelo mundo e, em pouco mais de dois séculos, tornar-se
o centro de uma sociedade global, subjugando forças tradicionais como a China
e o Império Otomano.

O termo “internacional” foi utilizado pela


primeira vez em 1780, pelo filósofo inglês Jeremias
Bentham, em sua obra Princípios de Moral e
Legislação. Essa é a época do apogeu dos Estados
nacionais, com o início do declínio do absolutismo
no continente europeu. Era um período em que a
ideia de nação ainda estava muito ligada à figura do
soberano. A Sociedade Internacional representava, para os europeus, a
“Cristandade”, com seus paradigmas e princípios seculares. O Estado soberano
era o principal ator internacional.

Foi com a Revolução Francesa que o conceito de nação deixou de ter


caráter puramente simbólico e passou a relacionar-se diretamente à questão da
soberania. Esta passou a residir essencialmente na nação, onde o súdito tornou-
se cidadão e as relações entre os Estados, até então simbolizados e conduzidos
pelos monarcas, estenderam-se às relações entre os povos. O século XX
esclarece essa nova perspectiva: as relações entre nações não são
necessariamente relações entre os Estados, muito pelo contrário.

Sociedade Internacional

Não há dúvida de que essa Sociedade Internacional é dinâmica e tem sua


evolução diretamente relacionada à evolução dos grupos, povos, reinos,
Estados, Impérios e nações, enfim, de todos os atores que a compõem ou a
compuseram e das forças que influenciam a sua atuação.

Qual é, então, o conceito de sociedade internacional?


A resposta para essa pergunta é percebida de maneira diferenciada pelos
teóricos das Relações Internacionais, que podem ser reunidos em três grandes
grupos (CERVERA, 1991).

Para os teóricos do primeiro grupo, é simplesmente impossível definir


Sociedade Internacional. Limitam-se, assim, ao estudo dos componentes da
Sociedade Internacional e à evolução das relações entre eles.

Os teóricos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade


Internacional em contraposição a outros grupos sociais. Por essa ótica, a
pergunta que se busca responder é “Como é a Sociedade Internacional? ” É
irrelevante, portanto, para esses autores, a formulação de um conceito teórico
para Sociedade Internacional. De qualquer maneira, eles não deixam de
apresentar sua definição de Sociedade Internacional, mas apenas para
instrumentalizar suas explicações, como veremos adiante.

O terceiro grupo, majoritário, afirma não só ser possível, mas também


necessário, proceder à definição do termo “Sociedade Internacional”, para que
se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenômenos internacionais e
das relações que se desenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com
essa percepção, apresentaremos nosso conceito de Sociedade Internacional.
Antes, porém, vejamos alguns conceitos de autores renomados.

Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional é o “conjunto de seres


humanos que vivem sobre a terra”. Percebemos uma definição genérica e
abrangente, que põe completamente de lado as estruturas em que os seres
humanos estão agrupados, como as nações ou os Estados nacionais. Para o
autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com o de
“humanidade”. Chega-se a perceber mesmo uma concepção idealista, pois a
Sociedade Internacional teria em primeiro plano o indivíduo, independentemente
de suas origens e do grupo ou povo a que pertence.

Hedley Bull (2002), com base em uma análise sistêmica, definiu


Sociedade Internacional como um “grupo de comunidades políticas
independentes que não formam um sistema simples”.
Juan Carlos Pereira (2001) apresenta uma definição mais precisa e
completa: “um âmbito espacial e global em que se desenvolve um amplo
conjunto de relações entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou
geograficamente organizados e com poder de decisão.” O autor acredita que a
Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma Comunidade Internacional.

Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como


“aquela sociedade global (macrossociedade) que compreende os grupos com
um poder social autônomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantêm
entre si relações recíprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais é
assentada certa ordem comum”.

Por fim, cabe apresentar nossa própria conceituação de Sociedade


Internacional, que é baseada na corrente historiográfica, pela qual buscamos
reunir elementos que consideramos essenciais para a compreensão do termo e
de sua evolução desde a Antiguidade. A nosso ver, Sociedade Internacional
pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneira sistêmica
em uma esfera internacional sob a influência de forças profundas.

Desmembremos esse conceito para melhor compreensão.

Ator Internacional

A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de


um conjunto de entes. Esses entes nada mais são do que os Atores
internacionais. Ator internacional é toda autoridade, organização, grupo ou
pessoa que representa ou pode vir a representar um papel de destaque na
Sociedade Internacional. A percepção desses atores varia conforme o tempo e
a corrente teórica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na
atualidade, podem ser considerados os mais importantes: os Estados nacionais,
os atores governamentais interestatais (as organizações internacionais), os
atores não governamentais interestatais (i.e., organizações não governamentais
e empresas multi- e transnacionais, entre outros) e os indivíduos.

Não são todas as pessoas, grupos ou organizações que podem ser


identificados como Ator Internacional. Para nossa classificação, é necessário
que a atuação desses entes tenha destaque em escala global. Por exemplo, uma
associação estabelecida dentro de determinado país e voltada em suas
atividades e interesses prioritariamente ao âmbito interno daquele país não é um
Ator internacional.

Não obstante, qualquer grupo, organização ou indivíduo pode vir a tornar-


se Ator internacional. Grandes empresas transnacionais de hoje foram, no
passado, pequenas organizações comerciais, algumas de natureza familiar, que
atuavam exclusivamente no interior de seu país de origem, não sendo à época
Atores internacionais. À medida que essas empresas cresceram, expandiram-se
para além das fronteiras de seus Estados de origem e começaram a atuar e
influir na Sociedade Internacional, tornaram-se Atores internacionais.

Sistema Internacional

O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-


se à atuação sistêmica na esfera internacional. Adotamos uma abordagem
sistêmica, em que o aspecto relacional é importante. Sistema pode ser
conceituado como “conjunto de elementos e instituições entre os quais se possa
encontrar alguma relação” ou, ainda, “conjunto ordenado de meios de ação ou
de ideias, tendente a um resultado”. A abordagem sistêmica em relações
internacionais vê o conjunto de inter-relações entre os Atores internacionais
como sujeito a padrões e normas – enfim, a forças profundas –, que remetem ao
conjunto mais amplo, o sistema internacional como um todo.

As primeiras considerações a respeito do modelo sistêmico para explicar


as Relações Internacionais tomaram por base referências da Biologia e da
Química. Nesse sentido, pode-se associar a noção de sistema ao corpo humano,
no qual vários subsistemas – circulatório, nervoso etc. – são compostos de
órgãos que se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia de sistema,
portanto, está relacionada a um ordenamento nas relações entre componentes
e à interdependência entre esses componentes.
Raymond Aron, em sua obra clássica Paz e
Guerra entre as Nações, recorreu ao conceito de
sistema para evocar a dinâmica das relações
internacionais. Assim, a Sociedade Internacional tem
características suficientemente estáveis para que
possamos percebê-la como um sistema onde os Atores
conduzem suas relações dentro de certos padrões.

Cabe aqui, também, apresentar um conceito de


Sistema Internacional, de acordo com Frederic S.
Pearson e J. Martin Rochester (2000, p. 641):

Sistema Internacional. Conjunto de relações em âmbito mundial nas áreas


política, econômica, social e tecnológica, em torno do qual ocorrem as relações
internacionais em um dado momento.

Há ainda autores que separam as noções de Sociedade Internacional e


de Sistema Internacional para identificar certos períodos históricos. Por exemplo,
Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto e harmonia
internacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, à Europa do
pós-1815. Em contrapartida, Sistema Internacional traduziria a existência de
vários polos de poder que interagem entre si e não necessariamente se
harmonizam no todo, o que alguns autores defendem corresponder ao mundo
pós-1945.

Forças Profundas

Finalmente, de acordo com a nossa concepção de Sociedade


Internacional, o terceiro elemento fundamental são as “forças profundas”. A ideia
de “forças profundas” origina-se da corrente historiográfica das Relações
Internacionais cujos principais expoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste
Duroselle. De acordo com esses historiadores, as forças profundas nada mais
seriam que determinados fatores que influenciariam as ações das coletividades.
As condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses
econômicos e financeiros, os traços da mentalidade coletiva, as grandes
correntes sentimentais – todas essas forças profundas formaram o quadro das
relações entre os grupos humanos e, em grande parte, lhes determinaram o
caráter. O homem de Estado, nas suas decisões ou nos seus projetos, não pode
negligenciá-las; sofre-lhes a influência e é obrigado a constatar os limites que
elas impõem à sua ação. Todavia, quando ele possui quer dons intelectuais, quer
firmeza de caráter, quer temperamento que o levam a transpor aqueles limites,
pode tentar modificar o jogo de semelhantes forças e utilizá-las para seus
próprios fins.

Juan Carlos Pereira denomina tais forças profundas de “fatores


condicionantes” (PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica alguns desses fatores: fator
geográfico, fator demográfico, fator econômico, fator tecnológico, fator
ideológico/sistema de valores, fator político-jurídico e fator militar-estratégico.

Portanto, a Sociedade Internacional é composta de entes – Estados,


organizações internacionais, organizações não governamentais, empresas
transnacionais, indivíduos, entre outros – que são influenciados pelas forças
profundas – fatores geográficos, demográficos, migratórios, políticos,
econômicos e financeiros, ideológicos, religiosos, tecnológicos etc. – em suas
ações sistêmicas na esfera internacional.

Uma leitura complementar recomendada é a do texto sobre Rio Branco e as


Forças Profundas, de Arno Wehling:

Visão de Rio Branco – o homem de estado e os fundamentos de sua política.

Além do clássico Histoire des Rélations Internationales, obra-mestra da


historiografia francesa das relações internacionais, caberia destacar dois livros
de Renouvin e Duroselle já traduzidos para o português: Introdução à História
das Relações Internacionais – publicada em 1967 pela Difusão Europeia do
Livro, de São Paulo – e Todo Império Perecerá – um dos últimos grandes
trabalhos de Duroselle, lançado no Brasil em 2000.
Potência

Além dos conceitos já tratados, cabem, neste curso introdutório, algumas


observações – ainda que sem aprofundamento – a respeito de outros conceitos
essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer
das próximas unidades. Passemos a eles.

O Sistema Internacional é composto por uma diversidade de atores.


Nesse contexto, o Estado ocupa papel de destaque, mas existem diferenças
marcantes entre os Estados na esfera internacional e o grau de influência (poder)
que eles exercem. Assim, importante para a compreensão das relações
internacionais é a ideia de Potência e das diferentes gradações dessa
classificação.

Há inúmeras definições para Potência.

Segundo Martin Wight (2002), Potência é “um Estado moderno e


soberano em seu aspecto externo, e quase pode ser definido como a lealdade
máxima em defesa da qual os homens hoje irão lutar”.

Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potência
Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como aquele Estado “mais ou
menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um
ou mais âmbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de
relacionar tais âmbitos para alcançar uma vantagem”.

Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade


Internacional, Martin Wight relaciona Potências Dominantes, Grandes Potências,
Potências Mundiais e Potências Menores. Potências Dominantes e Potências
Mundiais seriam subdivisões do gênero Grande Potência, uma vez que ambas
as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade de
influência significativa no Sistema Internacional. Em última análise, a
diferenciação poderia ser restringida a Grandes Potências e Potências Menores.
Wight define Potência Dominante como aquela capaz de medir forças contra
todos os rivais juntos. E cita exemplos ao longo dos séculos, como Atenas, à
época das Guerras do Peloponeso, o Império Romano, a Espanha de Carlos V
e de Filipe II, a França de Luís XIV, a Grã-Bretanha no século XIX e os EUA no
século XX.

Outro termo muito utilizado e cujas características vão além da Potência


Dominante, conforme definida por Wight, é o de Superpotência. Esse termo,
cunhado com o advento da Guerra Fria, designava exclusivamente URSS e
EUA. Esses países, em virtude de suas capacidades nucleares – com poder de
destruição global –, inúmeras vezes associadas ao poderio militar convencional
e à influência político-ideológica mundial, tinham status único na comunidade
das nações.

Gounelle (1992) indica quatro características das Superpotências:

- têm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;

- dispõem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos


armamentos convencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de
outros meios de destruição em massa;

- assumem a liderança de uma aliança militar (os EUA da OTAN e a URSS


do Pacto de Varsóvia);

- pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.

Convém lembrar que a ideia de Superpotência ultrapassa em muito o


poderio exclusivamente militar. De fato, a capacidade de destruição massiva do
planeta é o elemento central do conceito de Superpotência, mas o aspecto de
liderança de um bloco de nações e de pretensões de estabelecimento de uma
sociedade universal em seus moldes político-econômico-ideológico-sociais não
pode ser desconsiderado.

Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma


Superpotência: os EUA. Alguns autores vislumbram a possibilidade de a China
vir a ocupar, na segunda metade do século XXI, o lugar da URSS. Entretanto,
ainda não há que se falar na China como Superpotência, uma vez que esta, além
de não dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente ao poderio de
Estados como EUA e Rússia, não tem pretensões – nem condições – de projetar
um modelo sócio-político-cultural-ideológico seu para o mundo. A Rússia, por
sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruição
massiva do planeta, não pode ser chamada de Superpotência, exatamente
porque também não tem condições de aspirar a qualquer pretensão hegemônica
no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os
vencedores da Guerra Fria, são hoje o único Estado com as características
básicas da superpotência, e, de fato, essa nação tem-se tornado tão poderosa
que já se cunha o conceito de Hiperpotência, algo sem precedentes na História.

A Hiperpotência dispõe de um aparato bélico superior ao das demais


Potências juntas. Esse aparato não se resume ao acervo das armas de
destruição em massa, mas inclui armamento convencional significativo e
capacidade de operação militar em mais de um teatro no globo. Ademais, trata-
se de uma Economia de peso diante do sistema, sua influência na política
internacional é marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo sócio-cultural
e político para outras regiões do planeta.

Assim, os EUA não encontram, no início do século XXI, adversários


militares à altura, e são a Grande Potência econômica e a liderança mundial. Do
ponto de vista econômico, por exemplo, apenas a coalizão das grandes
economias europeias pode fazer frente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das
economias asiáticas. A projeção de poder dos norte-americanos no mundo não
encontra precedentes, e alguns analistas já começam a analisar a política
externa estadunidense como uma política de império. De qualquer maneira, o
conceito de Hiperpotência ainda se encontra em desenvolvimento.

O conceito de Wight para Potência Dominante tem grande proximidade


com a ideia de hegemon, ou seja, uma potência tão poderosa que seria
necessária uma coalizão de todas as demais nações para contê-la. A concepção
de hegemon ultrapassa a esfera exclusivamente político-militar, de modo que o
Estado que detém esse título influencia a Sociedade Internacional em esferas
diversas, como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e até o Direito.
Além disso, essa influência do hegemon não ocorre necessariamente de
maneira impositiva. De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um
misto de coerção e consenso. Finalmente, convém lembrar que o hegemon
continua influenciando a Sociedade Internacional mesmo após perder esse
status.

Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje é mantida mais por
outros meios – o que alguns autores chamam de soft power (poder suave) –,
como a presença marcante na compilação e divulgação de notícias e diversões,
na produção de bens de consumo, nas inúmeras formas de cultura popular e sua
identificação com a liberdade política e de mercado, do que propriamente por
meio do hard power (poder militar).

Além da potência hegemônica, há outros atores estatais com capacidade


significativa de influência na Sociedade Internacional. Esses são as Grandes
Potências, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-
se a potência dominante, chegando, muitas vezes, a alcançar esse objetivo. De
fato, as relações internacionais seriam um grande tabuleiro onde essas
Potências disputariam poder em um jogo de influência. Como exemplos atuais
de Grandes Potências teríamos China, França, Rússia, Alemanha, Japão e Grã-
Bretanha.

As potências menores constituem a maioria. Seu grau de influência no


sistema varia significativamente. Nesse grupo, poderiam ser relacionadas desde
as Potências Mundiais menores – como Espanha e Índia – até as Potências
Regionais – Argentina e Egito, por exemplo. Vale destacar que uma Potência
Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potência e até a Potência
Dominante. Os EUA são um bom exemplo disso.

Max Gounelle (1992) comenta que, à medida que dispõe de capacidade


de influenciar de maneira significativa os outros entes da Sociedade
Internacional em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser
classificado como Microestado, Potência Local, Potência Média, Grande
Potência ou Superpotência.

Os microestados são aquelas pequenas soberanias que persistem em


nossos dias e que, em sua maioria, tiveram origem na formação histórica dos
Estados nacionais europeus ou no processo de descolonização. Encontram-se
constantemente sob amplo grau de dependência frente a uma Potência e
integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizações
internacionais. Conviria exemplificar nessa categoria países como o Principado
de Mônaco e a República de San Marino, diversos Estados-arquipélagos no
Pacífico ou até algumas Repúblicas da América Central e Caribe. Apesar de
minimamente influentes na Sociedade Internacional, esses entes ganham força
quando se associam e se fazem representar em organismos internacionais onde
tenham poder de voto igual ao de outros Estados.

As Potências Locais são as mais numerosas. Participantes das atividades


comuns da vida internacional, esses entes têm como objetivos principais sua
própria sobrevivência e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral,
não têm grandes pretensões internacionais de projeção de poder e acabam
também associados às Grandes Potências ou a Potências Regionais. Como
exemplos para essa categoria, temos países como Bolívia, Paraguai, Camboja,
Albânia e Moçambique.

São classificados como Potência Regional ou Potência Média aqueles


Estados aptos a representarem certo papel de destaque em grandes áreas
geopolíticas. Egito, Síria, Nigéria, Brasil, Argentina e Irã são exemplos de
Potências Regionais ou Médias. Esses países exercem influência em virtude de
suas aptidões de liderança sob certos limites geográficos, fundadas em seus
potenciais materiais ou demográficos, sua envergadura ideológica ou seu peso
militar, econômico e até social.

Gounelle, no entanto, diferencia Potências Regionais de Potências


Médias ao afirmar que estas últimas têm ambições mundiais restritas às suas
próprias capacidades. Tais pretensões poderiam ser limitadas a domínios
específicos (nuclear, cultural, econômico, diplomático). A França, a Alemanha, a
China e o Japão estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle relaciona
como Potências Médias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente
de Grandes Potências, ou seja, Potências com interesses globais e capacidade
de influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domínios. Ao chamar
Potências como China e Grã-Bretanha de Potências Médias, Gounelle o faz
comparando-as às Superpotências – à época, URSS e EUA.
Hegemonia

Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra International


Relations: the Key Concepts, de Martin Griffiths e Terry O’Callaghan (London:
Routledge, 2002).

Hegemonia, em grego, significa “liderança”. Em sentido amplo, portanto,


em Relações Internacionais, o hegemon é o líder – ou o Estado líder – de um
grupo de nações.

Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicáveis,


presume-se que haja uma certa ordem na Sociedade Internacional. Daí que,
apesar de ser o Estado mais poderoso no cenário internacional, o hegemon só
pode exercer sua liderança (hegemonia) se houver relações de poder entre entes
em um meio internacional.

Hegemonia consiste, então, no exercício de uma liderança ou comando


em uma sociedade, com base em recursos de poder. Esses recursos
fundamentam-se em dois aspectos: coerção e consenso. Assim, toda relação de
poder tem por base os graus de coerção e consenso exercidos por um ente ou
mais de um sobre os demais. À medida que é alterada essa relação, muda
também a liderança no grupo.

Para o exercício da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar


nas esferas de consenso e coerção. Uma relação que se baseie apenas na
coerção – por meio de recursos de força militar ou econômica – não pode ser
verdadeiramente hegemônica, da mesma maneira que é impossível a liderança
da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dos demais atores.

As relações internacionais têm sido marcadas pela disputa, por parte das
Potências, da hegemonia na Sociedade Internacional. Essa hegemonia, além de
política, pode ser militar, econômica, cultural ou ideológica. Pode ser regional ou
global. Um Estado que seja a Potência hegemônica em uma dessas áreas muito
provavelmente o será na maioria das outras. É claro que tal liderança pode ter
diferentes gradações e que uma grande Potência econômica em nossos dias
pode não ter o mesmo poder de influência cultural ou até militar no cenário
internacional.

A Sociedade Internacional será sempre marcada por um hegemon, cujo


interesse é manter o status quo do sistema, diante de outras Potências que não
pouparão esforços para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da
estabilidade hegemônica, o hegemon tem que ter capacidade de garantir a
ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes da
comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria
dispor de alguns atributos: liderança em um setor econômico ou tecnológico e
poder político baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos
a capacidade de obter consenso sobre sua liderança.

Hegemonia

Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existência de


uma hegemonia, que tenha tanta capacidade quanto vontade de fornecer “bens
públicos” internacionais, como lei, ordem e moeda estável. Conforme didática
explicação de Griffiths (2004, p. 26-27):

(...) os mercados não podem crescer em produção e distribuição de bens


e serviços se não houver um Estado que forneça certos pré-requisitos. Por
definição, os mercados dependem da transferência, por meio de um mecanismo
de preço eficiente, de bens e serviços que possam ser comprados e vendidos
entre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os
mercados dependem do Estado para lhes dar, por coerção, regulamentos, taxas
e certos “bens públicos” que eles sozinhos não podem gerar. Isto inclui uma
infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos, uma
infraestrutura coerciva que assegure a obediência à lei, além de um meio de
permuta estável (dinheiro) que assegure um padrão de avaliação dos bens e
serviços. Dentro das fronteiras territoriais do Estado, os governos fornecem tais
bens. É claro que, internacionalmente, não existe Estado no mundo capaz de
multiplicar sua provisão em escala global. Baseando-se na obra de Charles
Kindleberger e na análise de E. H. Carr sobre o papel da Grã-Bretanha na
economia internacional no século XIX, Gilpin argumenta que a estabilidade e a
“liberalização” da permuta internacional dependem da existência de uma
“hegemonia”, que tenha tanta capacidade quanto vontade de fornecer “bens
públicos” internacionais, como lei, ordem e uma moeda estável para o comércio
financeiro.

Em termos gerais, essa é a Teoria da Estabilidade Hegemônica.

É uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do


debate teórico travado entre neorrealistas e neoliberais.

As Potências hegemônicas são as Grandes Potências na concepção de


Wight, e o hegemon nada mais é que a Potência Dominante. A hegemonia
político-ideológica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotências
no contexto da Guerra Fria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada
como ameaça à hegemonia econômica dos EUA.

Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria,


imaginava-se que a União Soviética se tornaria uma grande potência
econômica.
Isso é especialmente válido para os anos 30: enquanto as economias
ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929, a economia soviética
crescia a taxas espantosamente altas.

Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para


esta aula do Professor Joanisval. Aqui .

Essas observações introdutórias são suficientes e fundamentais para a


compreensão das unidades seguintes e para a discussão dos temas tratados
neste curso.

Artigo interessante para concluir os estudos desta Unidade é o texto de João


Marques de Almeida, sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.
Unidade 3 - Correntes teóricas das Relações Internacionais

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:


- indicar e caracterizar as principais correntes teóricas das Relações
Internacionais no Século XX;
- identificar os principais debates teóricos da disciplina

Teorias de Relações Internacionais

O objeto material de qualquer ciência se define pela parcela de realidade


que se pretende conhecer mediante a formação de teorias e a utilização de um
método científico (CERVERA, 1991). A teorização sobre as Relações
Internacionais surgiu quando se buscou explicar a existência e as condutas dos
entes internacionais. É na Grécia Antiga, com a obra de Tucídides, História da
Guerra do Peloponeso, que se tem a primeira manifestação embrionária de uma
teoria de Relações Internacionais.

Há algo que as ciências naturais e as ciências sociais, conforme Karl


Popper, certamente têm em comum: a necessidade da teoria para se
desenvolverem. Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55):

"A ciência exige algo mais do que fatos e descrições de fatos. Exige uma
explicação de por que ocorreram, que efeitos causaram e algumas predições
(ou, no caso das ciências sociais, conjecturas) sobre seu comportamento
provável no futuro, uma mescla de causalidade, teleologia e prospecção. No
campo das ciências sociais, como em outras ciências, a teoria é chamada a
ministrar essas explicações, pondo ordem ao mundo heterogêneo e muitas
vezes incompreensível dos fatos isolados, e a arriscar algumas predições."

A Teoria do Equilíbrio de Poder

Começamos por essa teoria por uma razão simples: para muitos
estudiosos da política internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder, também
conhecida como Teoria do Balanço de Poder, é o que mais próximo existe de
uma teoria política das relações internacionais. Arnold Toynbee, conhecido
historiador, chegou mesmo a dizer que tal teoria constituía uma “lei” da História.

Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nação,


multiplicaram-se também as teorizações a respeito das relações internacionais.
Em um contexto de anarquia internacional e de conflito entre os Estados, as
práticas dos agentes e dos atores na Sociedade Internacional levaram à
formulação de uma teoria que pode ser considerada a precursora da análise
convencional realista das relações internacionais, a Teoria do Equilíbrio de
Poder.

A Teoria do Equilíbrio de Poder percebe o cenário internacional em uma


situação de equilíbrio, no qual o poder é distribuído entre os diversos Estados.
Quando um Estado começa a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente
aos demais, há uma perturbação no equilíbrio, e faz-se necessária uma coalizão
das Potências para conter o Estado “pretensioso” e restaurar a ordem. Assim,
pressupondo o Estado como um ator racional, a teoria defende que o balanço ou
o equilíbrio de poder é a escolha preferível e, portanto, a tendência do sistema
internacional. A Teoria orientou as relações internacionais nos quatro séculos
compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). Foi útil para justificar as condutas dos Estados e ações de
governantes em um contexto anárquico e conflituoso, como será visto nas
Unidades 2 e 3 do módulo seguinte deste nosso curso.

Alguns autores distinguem entre o equilíbrio de poder como uma política


(esforço deliberado para prevenir predominância, hegemonia) e como um padrão
da política internacional (em que a interação entre os Estados tende a limitar ou
frear a busca por hegemonia e, como resultado, resulta num equilíbrio geral).

Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanças no


cenário internacional e no equilíbrio de forças, em virtude dos traumas causados
pelo conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto à opinião pública
internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento
de que essa doutrina não poderia perdurar em um sistema em que a guerra
deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato pós-guerra foi marcado por
novas concepções sobre as relações internacionais, baseadas em uma nova
corrente teórica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na solução
pacífica das controvérsias e na busca de uma estrutura supranacional que
garantisse a paz: o Idealismo das Relações Internacionais.

Foi, portanto, na primeira metade do século XX que os primeiros teóricos


de Relações Internacionais começaram a desenvolver suas explicações sobre o
tema em um contexto de disciplina autônoma. Claro que, em virtude de um objeto
de estudo tão complexo, diversas foram as correntes teóricas instituídas nas
últimas décadas. Como não é este um curso de teoria, pretendemos apresentar
apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.

A fase idealista

O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente teórica de


Relações Internacionais, surge em um contexto do final de um conflito muito
marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupação
daqueles que então começavam a teorizar sobre as relações internacionais:

Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor,


como evitar o conflito, sobretudo bélico, entre os Estados?

No que se refere ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima


nunca poderia ter sido mais favorável ao Idealismo. A Grande Guerra havia
demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para
assegurar a ordem e a paz internacional. As enormes perdas humanas e
materiais produzidas pelo conflito foram responsáveis, também, pelo advento de
uma opinião comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada
como instrumento de política dos Estados. Pregava-se, ademais, o
estabelecimento de um modelo de segurança coletiva capaz de evitar novas
contendas.

Assim, sob os auspícios do discurso idealista e moralizante do presidente


estadunidense Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Nações
(SDN), com o objetivo de ser a organização central de um sistema de segurança
coletiva e um fórum em que os Estados pudessem resolver suas contendas de
maneira pacífica. A SDN, portanto, contribuía para acentuar o otimismo frente ao
futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema
dirigido para preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante
se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organização
internacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes à solução pacífica
e de propostas de desarmamento. Importância significativa foi dada pelos
idealistas ao Direito Internacional e às instituições jurídico-normativas que
garantissem a ordem nas relações entre os Estados: ganhava força o
institucionalismo nas relações internacionais.

Anarquia internacional não significa “desordem”, mas, sim, ausência de um


governo central superior aos Estados (que são soberanos e só prestam contas
a si mesmos e a outros Atores do sistema). Anarquia é, portanto, ausência de
governo.

O Idealismo partia do princípio de que as relações internacionais


encontram-se em estado de natureza, ou seja, de anarquia internacional. As
nações devem buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um
contrato social em âmbito internacional que ordene as relações entre os povos.
Os Estados, acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo com os
mesmos princípios morais que guiam a conduta do indivíduo. Para estimular ou
obrigar esses Estados a seguir tais princípios, seria fundamental que se
institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em
alcançar a paz e a prosperidade. O estudo de Relações Internacionais, como
disciplina autônoma, mostrou-se como uma ciência da paz.

A fase idealista

O Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas visões de mundo


opostas, em que o ponto de partida é a dicotomia anarquia x ordem. Apesar de
Tucídides, com História da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os
conceitos de soberania e a tese do estado de natureza, já ter iniciado a moldar
uma concepção anárquica do mundo, é com Thomas Hobbes, em Leviatã, e, em
seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Capítulo III da obra Segundo
Tratado do Governo Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de
natureza anárquico a respeito das relações internacionais.

Segundo Lijphart (1982), as noções de soberania e de anarquia


internacional inspiraram três teorias interligadas: a do governo mundial, a do
equilíbrio de poder (ou balanço do poder) e a da segurança coletiva.

Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia é responsável


pela tensão internacional, é necessário celebrar um contrato social internacional
para instituir um governo mundial soberano e único, para pôr fim à anarquia.

A teoria do equilíbrio de poder, ao contrário, defende que a luta pelo poder


entre os Estados soberanos tende a gerar um equilíbrio, o qual não alimenta uma
tensão perpétua, mas cria uma ordem internacional.

Para a teoria da segurança coletiva, o melhor seria que os Estados se


empenhassem em tomar medidas coletivas contra todo agressor, o que acabaria
atenuando a anarquia internacional.

Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os


Estados soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado por Lijphart, essas três
teorias correspondem a estágios sucessivos de uma progressão em direção a
uma centralização cada vez mais repleta de autoridade e poder (no sentido
balanço de poder > segurança coletiva > governo mundial). O mundo nunca
passou do segundo estágio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos
autores idealistas.

Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa,

soberania é normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e Thomas

Hobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, a

história do sistema de Estados modernos, do século XVII em diante, é uma

tentativa de se distanciar da rigidez dessa concepção original em busca da ideia

de igualdade formal.
Para as Relações Internacionais, é particularmente importante a visão
construída por Hugo Grócio sobre a sociedade internacional a partir da teoria do
contrato. Grócio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o
direito um conjunto de normas ditadas pela razão e sugeridas pelo appetitus
societatis. A base da doutrina de Grócio é a solidariedade, ou potencial
solidariedade, entre os Estados em relação à aplicação da lei internacional, e
procura estabelecer uma ordem mundial restringindo os direitos dos Estados de
irem para a guerra por motivações políticas e promover a ideia de que a força só
pode ser legitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade
internacional como um todo.

Grócio, como se observa, apresenta uma hipótese inversa à do equilíbrio


de poder. Para ele, existe um fundamento comum de normas morais e jurídicas,
e o mundo é uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso
normativo suficientemente amplo e intimidador para que a noção de estado de
natureza e de anarquia internacional não seja aplicável. A tese de Grócio parte
da noção de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorização,
desconsiderando a relação necessária entre anarquia e guerra, relação esta
reduzida a mera “hipótese” (e não a um “dado” ou “premissa”, como fazem os
realistas).

A fase idealista

A teoria e a prática das relações internacionais desde a Primeira Guerra


Mundial, principalmente com o Pacto da Liga das Nações (o Pacto de Paris), a
Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal
Internacional de Nuremberg, derivam da fórmula grociana, que concebe a
sociedade internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da
sociedade doméstica usada pelos teóricos do contrato social dos séculos XVII e
XVIII.
Edward Hallett Carr, autor do clássico Vinte Anos de Crise: 1919-1939,
cuja primeira edição foi lançada logo após o desencadeamento da Segunda
Guerra Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utópica e
a prática realista dos Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam
as relações internacionais e os argumentos que utilizavam ao tratarem das
interações entre os povos:

O aspecto teleológico da ciência da política internacional tem estado


evidente desde o princípio. Surgiu de uma grande e desastrosa guerra; e o
objetivo-mestre que inspirou os pioneiros da nova ciência foi o de evitar a recidiva
dessa doença do corpo internacional. O desejo passional de evitar a guerra
determinou todo o curso e direção iniciais do estudo. Como outras ciências na
infância, a ciência política internacional tem sido marcada e francamente utópica.
Ela se encontra no estágio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o
pensamento, a generalização sobre a observação, e poucas tentativas são
efetuadas de uma análise crítica dos fatos existentes e dos meios disponíveis.
Neste estágio, a atenção está concentrada quase exclusivamente no fim a ser
alcançado.

Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson – que refletia o


pensamento idealista geral e que continha a resposta de Wilson: “se não
funcionar, teremos que fazê-lo funcionar! ”, quando indagado se aquele modelo
moralizante e pacifista funcionaria – e esclarece:

"O advogado de um plano para uma força de polícia internacional, ou para


a ‘segurança coletiva’, ou de algum outro projeto para uma ordem internacional,
geralmente responde à crítica, não com um argumento destinado a mostrar como
e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declaração
de que ele tem que ser posto a funcionar porque as consequências de sua
ausência de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por alguma
panaceia alternativa."

Após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações foi um esforço


específico da política internacional de substituir o princípio do equilíbrio de poder
pelo princípio da segurança coletiva. Tal princípio, que sustentou a criação
daquela Organização, foi elaborado para remover a necessidade de equilíbrio ou
balanço. Para os realistas, essa sua remoção no período entreguerras teria sido
justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema
internacional pós-1945 deixou de ser explicado em termos do princípio idealista
da segurança coletiva, e noções de bipolaridade e multipolaridade, típicas das
análises de balanço de poder, o substituíram. Chegou-se mesmo, nos períodos
mais quentes da Guerra Fria, em se falar de “balanço de terror”.

Para reforçar e ilustrar os conceitos acima, assista ao vídeo.

A fase realista

A década de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente


instabilidade internacional, consequência de comoções políticas, econômicas e
ideológicas, internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade
das Nações e da política de apaziguamento das democracias europeias, marca
a decadência da perspectiva idealista para a teoria das Relações Internacionais.
Nesse período, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que
ganhava força, o Realismo Político.

Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a


mudança no aporte teórico. O Realismo representou, em um primeiro momento,
a reação dos especialistas às insuficiências teóricas e práticas dos idealistas, no
contexto de convulsões internacionais dos anos trinta e da própria Segunda
Guerra Mundial. Para os realistas, o apelo à opinião pública e à razão humanista,
preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-
se necessário retomar as ideias de segurança nacional e de força militar como
suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, os
Estados poderiam assegurar a paz internacional e a solução pacífica das
controvérsias. Carr assinalava que o significado último da crise internacional era
"o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de
interesses".
A pragmática nova geração de estudiosos do pós-Segunda Guerra
Mundial baseava-se no pensamento clássico maquiavélico e hobbesiano e via
na defesa dos interesses nacionais, em relação a poder, o grande eixo da
conduta dos Estados soberanos no meio internacional. O Realismo encontrou
maior respaldo nos EUA. Desse país, a doutrina realista difundiu-se pelo globo,
tornando-se a corrente teórica mais relevante para explicar as Relações
Internacionais.

Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e também em


unidade própria.

Atualmente, cerca de 90% da produção acadêmica dos EUA em Relações


Internacionais têm por fundamento a corrente realista.

Behavioristas e pós-behavioristas

A terceira fase da Teoria das Relações Internacionais desenvolveu-se


também nos EUA como “resposta aos excessos do Realismo”. Trata-se de uma
aproximação com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou
conhecida como behaviorista ou científica. Para Arenal (1984, p.82):

No início dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em


política de segurança nacional repensam os postulados do realismo político, com
base no caráter impreciso e intuitivo dos mesmos para a análise da realidade
internacional, e buscam um enfoque de caráter científico capaz de dar resposta
à complexidade das Relações Internacionais. O impacto dos métodos de
pesquisa e os modelos das ciências físico-naturais são notados com força nas
pesquisas que começam a pôr em marcha. A partir desse momento, uma onda
de cientificismo, que trata de desenvolver uma ciência das Relações
Internacionais, com base na aplicação de métodos quantitativo-matemáticos,
invade as Relações Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva
behaviorista ou conducista.
Para os behavioristas, o objetivo das Relações Internacionais é o
comportamento dos atores. O estudo desse objeto deve atentar para parâmetros
que envolvam fases como a coleta e a elaboração de dados, o tratamento
quantitativo desses dados e, finalmente, a produção de modelos dentro do rigor
científico das ciências exatas. Para os behavioristas, os estudos devem estar
sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem
científica das ciências sociais deve ser elaborada com base em dados empíricos,
rejeitando-se análises provenientes do Direito, da História ou da Filosofia. Entre
os vários enfoques da corrente behaviorista, convém destacar a Teoria da
Tomada de Decisões, a Teoria Sistêmica das Relações Internacionais e a Teoria
dos Jogos. Os autores científicos mais renomados são Morton Kaplan, David
Singer e G. T. Allison.

O desenvolvimento da corrente “científica” gerou um grande debate nos


anos sessenta entre os tradicionalistas filosófico-intuitivos (idealistas e realistas)
e os científicos (behavioristas).

Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David
Easton (1969) chamou de “nova revolução da ciência política”, e que se
convencionou chamar de pós-behaviorismo. Essa nova revolução ter-se-ia
produzido devido a uma profunda insatisfação com a pesquisa política e os
ensinamentos behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da
política em uma ciência segundo o modelo físico-natural. As bandeiras
levantadas pelos pós-behavioristas são ação e relevância. O novo movimento,
sem abandonar o enfoque científico do behaviorismo, dirige sua atenção à
conduta humana enquanto tal e aos problemas reais do mundo, às motivações
e aos valores subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com ênfase
ao caso concreto, dando atenção a um objeto de análise que difere dos objetos
das ciências exatas. O pós-behaviorismo constituiu, portanto, a síntese do
debate entre as concepções tradicionalistas e as científicas.
Realismo, Pluralismo e Globalismo

Atualmente, a doutrina reconhece três grandes correntes teóricas das


Relações Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e o Globalismo. São também
chamados de paradigmas teóricos, dado que as variadas teorias que existem na
disciplina podem ser encaixadas em uma dessas três correntes. O Realismo
trabalha mais com os conceitos de poder e equilíbrio de poder, o Globalismo com
dependência, e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de
tomada de decisão e transnacionalismo.

Vamos abordá-las brevemente a seguir.

Assistindo ao vídeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos


conteudistas deste curso, você terá uma visão introdutória do surgimento do
Realismo.

Realismo

O Realismo tem algumas proposições básicas.

Primeiro, o Estado é o ator principal no meio internacional, e o estudo das


relações internacionais foca essa unidade política. Atores não estatais, como as
empresas multinacionais, são menos relevantes para a análise, e as
organizações internacionais, como a ONU ou a OTAN, não possuem existência
autônoma ou independente, porque são compostas de Estados, as verdadeiras
unidades soberanas, independentes e autônomas, que determinam o
comportamento dessas organizações internacionais.

O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, que era uma forma de


“gerência” do poder na visão realista, foi paralisado, durante a Guerra Fria, pelo
veto – os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e,
por consequência, impediam a organização de funcionar. No pós-Guerra Fria,
apesar da superação das rivalidades dentro do Conselho, a Organização ainda
não funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstância, do
“interesse” dos Estados para atuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste
entre a ação rápida na Guerra do Golfo e a inércia diante da crise iugoslava.
Segundo, os Estados são atores unitários. São unitários porque quaisquer
diferenças de visão entre os líderes políticos ou burocracias dentro do Estado
são, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma só voz.

Terceiro, os Estados são atores racionais. Isso porque, dados certos


objetivos, trabalham com alternativas viáveis para alcançá-los, à luz de suas
capacidades, por meio de uma análise de custo-benefício. Os realistas
reconhecem a existência de problemas como falta ou ruído de informação,
incerteza, pré-julgamento e erros de percepção, mas, contudo, pressupõem que
os tomadores de decisão não medem esforços para alcançar a melhor decisão
possível.

Finalmente, para os realistas, a segurança nacional é a questão de maior


importância para a agenda de política exterior de qualquer Estado. Questões
políticas e militares dominam a agenda e são chamadas de “alta política” (high
politics). Os Estados atuam para maximizar o interesse nacional. Em outras
palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingirem qualquer
objetivo que tenham estabelecido, o que inclui preocupações de alta política
relativas à sobrevivência do Estado (segurança) assim como os objetivos de
baixa política ligados a esse campo, como comércio, finanças, câmbio e bem-
estar.

A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganistão, após os ataques


terroristas de 11 de setembro de 2001, e sua guerra preventiva contra o Iraque,
em 2003, evidenciam o conflito alta política x baixa política, pois, durante os
quatro anos do Governo Bush, os democratas o criticaram constantemente por
ter abandonado as questões de economia doméstica em nome da segurança
nacional. Até mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA: vêm sendo negados
a vários suspeitos, estrangeiros e nacionais, direitos garantidos
constitucionalmente, em ampla afronta ao princípio do devido processo legal
(due process of law), conquista de mais de dois séculos da sociedade norte-
americana.
Pluralismo

Assista à aula introdutória, gravada no curso presencial no ILB, sobre


Pluralismo. Vamos lá!

Os anos de 1980 e 1990 deram força à corrente teórica conhecida como


Pluralismo, que veio para desafiar as proposições do Realismo. Nessa corrente
normalmente se enquadram os neoliberais.

O Pluralismo é baseado em quatro proposições básicas.

Primeiro, atores não estatais são importantes na política internacional.


Organizações internacionais, por exemplo, podem tornar-se, em algumas
questões, atores independentes, ao contrário do que defendem os realistas. Elas
são mais do que simples fóruns em que Estados competem e cooperam uns com
os outros. O corpo de funcionários de uma organização internacional pode reter
um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim
como ao fornecer informações sobre em que representantes de Estado baseiam
suas demandas (como acontece com o FMI em relação aos países que pedem
empréstimos além de suas cotas, e, por consequência, precisam seguir o
receituário do “consenso de Washington”).

Similarmente, organizações não governamentais, como a WWF, e


corporações multinacionais, como a Petrobras, a IBM, a Sony, a General Motors,
a Exxon, o Citicorp, entre várias outras, também desempenham papéis
importantes na política mundial. Atualmente, lembram os pluralistas, até mesmo
na área comercial as ONGs têm sido chamadas a atuar.

Para os pluralistas, também não se poderia negar o impacto de atores não


estatais, como grupos terroristas (como a Al Qaeda), comerciantes de armas da
máfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.

Segundo, para os pluralistas, o Estado não é um ator unitário. O Estado é


composto de indivíduos, grupos de interesse e burocracias que competem entre
si. Apesar de as decisões serem noticiadas como decisões de “tal país”, é
geralmente mais correto se falar em decisão feita por uma coalizão
governamental particular, uma agência burocrática do Executivo ou mesmo um
único indivíduo. A decisão não é tomada por uma entidade abstrata chamada
“Brasil”, “China” ou “EUA”, mas por uma combinação de atores por trás da
definição da política externa.

Diferentes organizações podem apresentar perspectivas distintas em


determinada questão de política externa. Competição, formação de coalizões e
compromissos eventualmente resultarão numa decisão que será anunciada
como uma decisão do país. Essa decisão “estatal” pode ser o resultado de
lobbies levado a efeito por atores não governamentais (como o lobby dos
fazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsídios agrícolas, das
empresas multinacionais, de grupos de interesse, ou mesmo de um ente amorfo,
a opinião pública). Assim, para os pluralistas, o Estado não pode ser visto como
um ator unitário, uma vez que tal rótulo perderia de vista a multiplicidade de
atores que formam e compõem a entidade chamada de “Estado-nação”.

Terceiro, os pluralistas desafiam a suposição realista de que o Estado é


um ator racional. Dada a visão pluralista e fragmentada do Estado, pressupõe-
se, ao contrário, o choque de interesses, a barganha e a necessidade de
compromisso que nem sempre levam a um processo de tomada de decisão
racional.

Por fim, para os pluralistas, a agenda da política internacional é extensa.


Embora a segurança nacional seja importante, os pluralistas também se
preocupam com um número variado de questões econômicas, sociais,
energéticas e ecológicas que têm surgido com o aumento da interdependência
entre os países e as sociedades nos séculos XX e XXI. Alguns pluralistas, por
exemplo, enfatizam o comércio e as questões monetárias e energéticas, as quais
estariam no topo da agenda internacional. Outros dedicam-se à solução do
problema demográfico e da fome no Terceiro Mundo. Outros, ainda, focam a
poluição e a degradação do meio ambiente. Nesse sentido, os pluralistas
rejeitam a dicotomia entre alta política (high politics) e baixa política (low politics)
dos realistas.
Globalismo

Para introduzir o conceito de Globalismo, assista ao vídeo e, em seguida, leia


atentamente o texto que se segue!

Historicamente, o Globalismo se relaciona com o surgimento do Terceiro


Mundo na política mundial. Nesse sentido, representa uma visão ignorada e
desprestigiada da realidade internacional. Para eles, a hierarquia, como uma
característica chave, é mais importante do que a anarquia, dada a desigualdade
na distribuição do poder dentro do sistema.

Vimos que os realistas organizam seus estudos em torno da questão


básica de como a estabilidade pode ser mantida num macroambiente anárquico.
Os pluralistas se perguntam como mudanças pacíficas podem ser promovidas
num mundo que é crescentemente interdependente política, militar, social e
economicamente. Os globalistas, por sua vez, se concentram na questão de por
que tantos países do Terceiro Mundo na América Latina, na África e na Ásia não
têm conseguido se desenvolver. Para muitos globalistas, mais ligados à linha
marxista, essa questão faz parte de um campo maior de análise: o
desenvolvimento do capitalismo no mundo.

Os globalistas são guiados por quatro proposições.

Primeiro, é necessário entender o contexto global em que Estados e


outros atores interagem. Os globalistas argumentam que para explicar o
comportamento em qualquer nível de análise – o individual, o burocrático, o
societário e o estatal –, é necessário, antes, entender a estrutura geral do
sistema global no qual esses comportamentos se manifestam. Assim como os
realistas, globalistas acreditam que o ponto de partida da análise é o sistema
internacional. Numa extensão mais larga, o comportamento de atores individuais
é explicado por um sistema que fornece limitações e oportunidades.

Segundo, os globalistas realçam a importância da análise histórica na


compreensão do sistema internacional. Apenas rastreando a evolução histórica
do sistema é possível entender sua estrutura atual. O fator histórico chave e a
característica definidora do sistema como um todo é o capitalismo. Até mesmo
os Estados socialistas precisam operar dentro desse sistema econômico, que
constantemente restringe suas opções.

Terceiro, os globalistas assumem que existem mecanismos de dominação


que impedem que o Terceiro Mundo se desenvolva e que contribuem para o
desenvolvimento desigual ao redor do planeta. A compreensão desses
mecanismos requer o exame das relações de dependência entre os países
industrializados do Norte (América do Norte e Europa) e os vizinhos pobres do
Hemisfério Sul (América Latina, África e Ásia).

Finalmente, os globalistas defendem que os fatores econômicos são


absolutamente críticos para se explicar a evolução e o funcionamento do sistema
capitalista mundial e a relegação do Terceiro Mundo para uma posição
subordinada. A economia funciona como uma espécie de “alta política” para os
globalistas.

Para fins didáticos, podemos traçar o seguinte quadro, que relaciona os


três paradigmas das Relações Internacionais:

Realismo Pluralismo Globalismo


Unidades Estado como Estado e atores Estado, classes,
analíticas principal não estatais, como elites, sociedades e
unidade de organizações atores não estatais
análise. burocráticas, como operadores do
elites, sociedades, sistema capitalista.
indivíduo, grupos
de indivíduos,
organizações
internacionais,
corporações
multinacionais,
organizações não
governamentais.
Concepção de Estado unitário e Estado não unitário Estado não unitário e
ator racional. e não racional: racional, visto sob a
desagregado em perspectiva histórica
componentes, do desenvolvimento
alguns dos quais do capitalismo.
com atuação
transnacional.
Dinâmica Estado como Conflito, barganha, Política externa
comportamental maximizador de formação de como padrões
seus próprios coalizões e racionais de
interesses na compromissos nos dominação dentro e
política externa. processos entre Estados e
transnacionais e de sociedades.
tomada de decisão
em política
externa, não
necessariamente
levando a
resultados ótimos.
Agenda Segurança Agenda múltipla, Questões
nacional como com questões econômicas como
questão mais socioeconômicas mais importantes.
importante. tão ou mais
importantes do que
questões de
segurança
nacional.

Outras correntes teóricas

Registre-se, outrossim, que as correntes citadas nesta unidade são as


mais difundidas e tradicionais. Não obstante, neste contexto de pós-
modernidade, ganham força perspectivas de vanguarda, com destaque para o
Construtivismo. Porém, foge ao escopo deste curso a análise dessas outras
correntes.
Passemos, portanto, aos principais debates que marcaram a Teoria das
Relações Internacionais no século XX.

OS GRANDES DEBATES TEÓRICOS

Idealismo X Realismo

O debate entre realistas e idealistas iniciou-se na década de 1930. Não


obstante, conforme acentua Arenal (1984), trata-se “de um debate que está
presente, com maior ou menor força, em toda a história da teoria internacional,
inclusive tendo recobrado força com novas perspectivas em nossos dias”. De
acordo com John Herz (1951, p.8), o Idealismo é um tipo de pensamento político
que “não conhece os problemas que surgem do dilema da segurança e poder”,
ou que o faz “somente de uma forma superficial”. O Realismo, por sua vez, ao
contrário, considera fatores de segurança e poder inerentes à sociedade
humana.

Arenal relaciona as características essenciais do Idealismo e do Realismo


na Tabela 1:

TABELA 1: IDEALISMO X REALISMO


IDEALISMO REALISMO

1) Crença no progresso: diante da 1) Pessimismo antropológico: nega a


suposição de que a natureza humana possibilidade de evolução para uma
pode ser compreendida não como sociedade mais humanista. A política
imutável, mas como potencialidade de poder sempre foi e será o cerne
que se atualiza progressivamente ao das Relações Internacionais.
longo da História.

2) Visão não determinista do mundo: 2) Visão determinista do processo


a fé no progresso careceria de sentido histórico: a ordem internacional
se não fosse acompanhada de uma dificilmente pode ser modificada pela
similar crença na eficácia da mudança ação humana. É possível
por meio da ação humana.
compreender o processo histórico,
mas não alterá-lo.

3) Racionalismo: considera que uma 3) Distinção entre os códigos de


ordem política é racional e possível na conduta moral do indivíduo e do
Sociedade Internacional e que, como Estado: a ética pública é diferente da
os indivíduos são morais e racionais, ética na vida privada. O homem de
da mesma maneira os Estados são Estado, enquanto defensor da
capazes de comportarem-se de forma comunidade nacional, não está
racional e moral em suas relações. É limitado em sua atuação pelas normas
a racionalidade que conduz ao éticas e morais que regem os
progresso. particulares. Daí o conceito de “razão
de Estado”, em virtude do qual
condutas inaceitáveis em âmbito
interno do Estado seriam plenamente
aceitáveis na política internacional.

4) Harmonia natural de interesses: os 4) Ausência de harmonia natural de


Estados teriam interesses mais interesses: os Estados encontram-se
complementares que antagônicos. em uma competição constante, uma
Daí a ideia de que é possível a vez que é difícil se obter a confiança
cooperação entre os povos por um fim entre os entes estatais que lhes
último de paz e integração. permita escapar dessa situação.

Idealismo x Realismo

Assim, para os idealistas, a política é a arte do bom governo, e o poder


político não constitui fenômeno natural, lei imutável da natureza. A Sociedade
Internacional, em um primeiro momento, poderia até se encontrar em um estado
de natureza, mas a anarquia internacional seria naturalmente substituída não por
um sistema baseado no equilíbrio de poder, mas por uma ordem fundamentada
na lei internacional, em instituições e na cooperação entre os povos. Assim, a
conduta racional dos Estados os levaria à constituição de um poder
supranacional, uma confederação de nações, que garantiria a segurança e a paz
no Sistema (a “paz perpétua” de Kant).

Os realistas, por sua vez, consideram a política internacional uma


constante e interminável luta pelo poder, definido em capacidade de influência.
Negam o otimismo idealista. Atuar racionalmente significa agir em favor dos
próprios interesses; ou seja, de aumentar o poder, a capacidade ou habilidade
de controlar os outros entes internacionais. Partindo do princípio de que o
homem não é naturalmente bom e que se reúne em sociedade apenas porque é
a melhor maneira que encontrou para garantir a segurança essencial à sua
sobrevivência diante da guerra de todos contra todos, o Realismo percebe o
Estado como um gladiador envolvido em um combate perpétuo pela
sobrevivência na Sociedade Internacional anárquica em que as relações de força
predominam.

O Realismo não considera a moral ou a ética como limites à ação do


Estado, mas a prudência, o senso de oportunidade e o cálculo racional. Essa
consideração explica o pragmatismo e a falta de credulidade em organizações
internacionais como instituições que não sejam apenas meros instrumentos de
alguns Estados no jogo de poder internacional. Um governo mundial baseado
apenas no Direito e no desejo global de paz é inconcebível para o Realismo.

Tradicionalistas x Científicos

O debate entre os enfoques clássico e científico ou entre tradicionalistas


e behavioristas ultrapassa, na ótica de Arenal, o debate entre realistas e
idealistas. Afinal, ensina o mestre, tanto os partidários da análise clássica quanto
os da perspectiva científica podem inscrever-se nas visões realista ou idealista.
O debate entre tradicionalistas e behavioristas tem caráter metodológico.
Faremos apenas algumas breves considerações introdutórias a esse respeito.

Luciano Tomassini (1989), ao relacionar as principais diferenças entre os


dois debates, lembra que, enquanto o primeiro debate (idealistas x realistas) tem
sua origem específica no âmbito das relações internacionais, o segundo
(tradicionalistas x científicos) está centrado na totalidade das ciências sociais,
tendo ocorrido em virtude da “revolução behaviorista”. Os científicos buscavam
alcançar, nas ciências sociais, o nível de exatidão similar ao das ciências exatas.
Daí a tentativa de adoção de técnicas semelhantes às utilizadas nas ciências
naturais – como as da química, da física e até da biologia – e a busca de “leis
naturais” para explicar as relações sociais.

Uma segunda distinção, segundo Tomassini, repousa no fato de que,


enquanto o primeiro debate referia-se a questões substanciais – aspectos da
natureza humana, dos fundamentos da Sociedade Internacional, da essência do
poder –, o segundo debate teve cunho metodológico. Nesse sentido, tanto
pensadores realistas quanto teóricos idealistas poderiam assumir uma
perspectiva científica em suas análises.

Finalmente, Tomassini assinala que, se o debate entre idealistas e


realistas, por tratar de questões substanciais, faz com que as duas correntes
sejam eternamente irreconciliáveis, o segundo debate estabelece uma paulatina
aproximação das colocações e um entendimento final, dando origem aos pós-
behavioristas. Os neorrealistas são o melhor exemplo desse resultado.

Os behavioristas criticavam os tradicionalistas pelo fato de estes


dissociarem o sistema internacional do sistema nacional, e também porque os
tradicionalistas ignoravam as variáveis internas – como, por exemplo, o processo
de tomada de decisão no âmbito interno –, as quais seriam, na concepção
científica, fundamentais para a compreensão da política exterior. Ademais, os
behavioristas não davam atenção a questões filosóficas e morais, como a busca
da paz, a moralidade da Sociedade Internacional, ou quais seriam os melhores
mecanismos para a estabilidade internacional baseada no crescimento e na
cooperação entre nações.

A resposta tradicionalista às críticas behavioristas fundamentava-se no


fato de que a Sociedade Internacional é complexa demais para que se chegue a
“leis” que expliquem o sistema e a conduta dos atores com base na análise de
variáveis isoladas. Lembravam, ainda, que o método quantitativo não permitia a
compreensão de situações chaves – fundamentadas em aspectos intuitivos ou
racionais. Finalmente, assinalavam que, devido ao sigilo, em Relações
Internacionais é longo o tempo até que se tenha acesso a determinadas
informações que seriam essenciais para “quantificar a análise científica”. Na
resolução de questões urgentes na Sociedade Internacional, não é possível,
outrossim, esperar até que se consigam os dados estatísticos ou a conclusão
das várias análises de casos em que os científicos querem basear-se.

Certamente foi de grande relevância a contribuição behaviorista para a análise


das relações internacionais. Afinal, foi possível aperfeiçoar os métodos da teoria
e sistematizar as análises sob uma perspectiva mais empírica. Não obstante, o
aspecto intuitivo ou racionalista das ciências sociais jamais poderá ser
desprezado. Nesse sentido, não se pode querer atribuir às ciências humanas
equivalência em relação às ciências naturais, exatas. Em Relações
Internacionais, assim como em qualquer ciência social, o homem – seja sob seu
aspecto individual, seja por meio de suas manifestações coletivas – é o objeto
central de estudo. Tentar explicar as relações humanas com base apenas nos
critérios exclusivamente quantitativos pode conduzir o analista a erro em sua
avaliação.

A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais

Segundo Tomassini, o enfoque sistêmico para explicar as relações


internacionais encontra-se “entre os aspectos substantivos que dividiram os
realistas e idealistas durante o primeiro pós-guerra e as questões metodológicas
que foram objeto das disputas entre tradicionalistas e científicos” após a
Segunda Guerra Mundial. Há, entretanto, aqueles que situam a corrente
sistêmica na escola científica.

A escola sistêmica encontra suas origens na década de 1950, quando se


começou a aplicar conceitos de análise de sistemas ao estudo das Relações
Internacionais. Sua principal diferença frente ao enfoque convencional consistia
no fato de que, enquanto os tradicionalistas concebiam as relações
internacionais como um conjunto de interações entre unidades independentes e
soberanas – os Estados –, não sujeitas a pautas nem a qualquer previsibilidade,
a análise sistêmica percebia as relações internacionais influenciadas ou
determinadas pela estrutura ou pelas tendências de uma unidade mais ampla,
que seria o Sistema Internacional em seu conjunto.
Um sistema geral pode ser definido como algo substantivado em um
conjunto de elementos ou partes interconectados. Essa conexão entre os
diversos elementos ocorre por meio de um princípio claramente identificável ou,
mais simplesmente, por um rol de interação hipotético entre seus distintos
componentes. Pode-se dizer, portanto, que um sistema é um conjunto de
unidades que interagem entre si de acordo com padrões relativamente regulares
e perceptíveis, alguns dos quais podem configurar subsistemas que se
relacionam com o conjunto, seguindo o mesmo tipo de padronizações, e cujos
limites ou parâmetros também são reconhecíveis, mas que, em geral,
permanecem abertos a influências de um meio ambiente externo.

A maior preocupação da perspectiva sistêmica está na interação entre os


componentes de um Sistema Internacional e nos efeitos que o sistema tem sobre
a conduta dos atores. Daí a atenção maior aos mecanismos e à estrutura do
conjunto que às partes específicas.

Tomassini conclui que os enfoques sistêmicos têm permitido conhecer e


melhor compreender as relações existentes entre as distintas unidades
nacionais, o Sistema Internacional em seu conjunto e os diversos subsistemas
que operam em seu interior. O enfoque também é importante para:

· a percepção das funções que desempenham as estruturas e sua


influência sobre o comportamento das distintas unidades;

· a necessidade de trabalhar com diferentes níveis de análise, com os


limites entre um Sistema Internacional e seus elementos contextuais;

· a natureza fechada ou aberta do sistema diante desse contexto; e

· a interação observável entre o sistema e os diferentes segmentos que o


integram.

A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais

Um termo muito usado na análise sistêmica é o de “subsistema”, que


também será explorado no decorrer deste curso. Aplicado às Relações
Internacionais, normalmente vem associado à ideia de região – “subsistemas
regionais” – ou às relações dentro de um setor (subsistema econômico, militar
etc.).

A região, concebida como um subsistema, implica categorizar o todo (ou


sistema) em partes distintas. O subsistema apresentaria as mesmas
características do sistema, sendo que em um nível diferente. A busca por
padrões e processos característicos se daria da mesma forma que na análise de
sistemas, embora não necessariamente apresentando os mesmos resultados.

Por exemplo, poder-se-ia considerar a integração uma tendência


periférica em um sistema mundial e, ao mesmo tempo, uma tendência dominante
em um subsistema. Essa é, particularmente, uma das conclusões de alguns
pesquisadores a respeito da formação de blocos econômicos. Dentro do sistema
mundial, esta seria uma tendência dominante apenas entre países periféricos, e
não entre as principais potências. Paulo Nogueira Batista Jr., por exemplo,
argumenta que os EUA e a União Europeia (UE) não têm e nem pretendem ter
acordo de livre comércio entre si. Tampouco está em cogitação uma área de livre
comércio entre os EUA e o Japão, ou entre o Japão e a UE. Isso não impede
que os EUA, a UE e o Japão mantenham inter-relacionamento comercial
substancial e crescente ao longo do tempo. O que os norte-americanos,
europeus e japoneses têm feito nas últimas décadas é negociar, no âmbito
multilateral, em rodadas sucessivas de liberalização, a gradual e seletiva
diminuição de barreiras ao comércio internacional.

Usamos o texto intitulado Estratégias Comerciais do Brasil: Alca, União


Europeia, OMC e Negociações Sul-Sul, preparado para o seminário “O Brasil
e Oportunidades de Integração”, patrocinado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento e pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, realizado em
04 de novembro de 2003.

Concepções relativas a hierarquia, que normalmente eram empregadas


no estudo do sistema macropolítico da política internacional, podem ser
aplicadas, com a mesma validade, na análise de subsistemas regionais. Assim,
um ator estatal pode apresentar papel significante em um nível e apenas
modesto em outro. Índia e Brasil são bons exemplos. Além disso, dois processos
sistêmicos relevantes, como o conflito e a cooperação, podem igualmente se
manifestar no nível subsistêmico e, ainda, provocar um efeito spillover sobre o
macrossistema. O conflito palestino-israelense é ilustrativo disso.

Trataremos mais adiante, na Unidade 5, das ideias de subsistema


econômico, militar e ideológico, entre outras.

Entre os principais expoentes da escola sistêmica nas Relações


Internacionais estão Morton Kaplan, Karl Deutsch e Richard Rosecrance. No
caso do Neorrealismo, cuja perspectiva é eminentemente sistêmica, tem-se em
Kenneth Waltzseu grande expoente.

Sugerimos as obras de Waltz, particularmente Teoria das Relações


Internacionais (Theory of International Politics) para o estudo mais aprofundado
da perspectiva neorrealista de relações internacionais, e, ainda, O homem, o
estado e a guerra.

Realistas x Pluralistas

Outro debate relevante é o que se dá entre realistas e pluralistas. Os


pluralistas colocam o caráter anárquico da Sociedade Internacional e a
importância da segurança em segundo plano, o que é fortemente criticado pelos
realistas, para os quais nenhuma análise das relações internacionais será
completa sem se considerar a estrutura anárquica do Sistema e o dilema da
segurança. Para os pluralistas, dada a complexa interdependência da Sociedade
Internacional, o uso militar da força tende a ter menos utilidade na resolução de
conflitos.

Os pluralistas nem sempre usam os conceitos de sistema e de equilíbrio


nas relações internacionais, dado que não concebem atores autônomos e
predeterminados no cenário internacional. Eles criticam as previsões baseadas
em análises de balança de poder dos realistas por serem demasiado genéricas.
Ao contrário do mundo idealizado pelos realistas, os pluralistas veem
indeterminação e imprevisibilidade, dado que não há separação entre política
externa e política interna, sendo aquela mera extensão desta, pois não deixa de
ser influenciada por fatores como a opinião pública, a indústria do lobby e
processos de barganha entre os atores internos (políticos, agências burocráticas
etc.). A noção de Estado-nação dos pluralistas, ao contrário do que concebem
os realistas, é difusa, irracional e altamente permeável.

A Teoria da Estabilidade Hegemônica, que vimos na Unidade 2 ao


tratarmos de hegemonia, é exemplo de uma tentativa de conjugação da
perspectiva realista com a pluralista. Alguns consideram essa teoria um
“compromisso parcial” entre ambas as correntes.

Outros debates

Há discussões mais recentes e igualmente relevantes, como os debates


entre neorrealistas e globalistas e entre neorrealistas e neoliberais. Vamos
abordá-los na próxima Unidade.

Também sobre o debate teórico de relações internacionais, veja o texto


de William Gonçalves, Relações Internacionais.

Mudanças na Teoria das Relações Internacionais

A partir de 1990, a Teoria das Relações Internacionais passou a enfrentar


um problema epistemológico, uma vez que estava acostumada a trabalhar com
os conceitos de Estado nacional, soberania, território nacional, interesse
nacional, entre outros. Alguns autores identificam, na década de 1990, a
ramificação das escolas da Teoria das Relações Internacionais em três direções:
o Realismo, nos EUA; o Pluralismo, na Europa e na literatura mais recente da
América Latina; e o Globalismo, nas interpretações da esquerda ainda presente
na América Latina e em outros países do Hemisfério Sul.
O Realismo passou a sofrer várias críticas devido à dificuldade do Estado
em administrar forças transnacionais. O Globalismo se enfraqueceu com a crise
do socialismo real. O Pluralismo se revelou inadequado, uma vez que as suas
preocupações com as questões sociais teriam sido desprezadas pela nova
política internacional (SARAIVA, 1997, p. 361-362).

Os seguintes movimentos passaram a ter relevância para a análise das


relações internacionais contemporâneas:

 soma de fluxos transnacionais como fator que afeta o cotidiano das


pessoas e leva à crise do Estado-nação, cujo universalismo e soberania
são questionados;
 relativização do conceito de soberania, surgindo expressões, nos meios
diplomáticos, como “soberania operacional”;
 atores não estatais não necessariamente agem contra o Estado, mas
exigem mudanças de sua conduta – na política interna e externa;
 atores não estatais forçam o Estado a levar em conta a Comunidade
Internacional, uma vez que a interdependência torna-se fato, e os
problemas globais (ecologia, migrações, epidemias, narcotráfico, direitos
humanos, terrorismo) passam a ser de responsabilidade de todos;
 o Sistema Internacional passa a ser composto de sistemas confederados,
o que solapa a identidade tradicional;
 a Economia desliga-se do espaço nacional e das regulamentações do
Estado, funcionando para o exterior.

A transição da bipolaridade para a globalização ocorreu, no entanto, sem


que a nova ordem internacional demonstrasse capacidade para superar
problemas globais, como o endividamento internacional, a hegemonia do
mercado financeiro, o arrocho econômico mundial requerido para o ajuste de
economias centrais e o desemprego estrutural. Esses também são temas
importantes para os teóricos de Relações Internacionais no século XXI.

Um filme interessante para se entender, na prática, teoria das relações


internacionais é “Sob a Névoa da Guerra” (Errol Morris, EUA, 2003),
documentário em que o ex-Secretário de Defesa dos EUA, Robert McNamara,
faz uma análise da política externa dos EUA na II Guerra Mundial.
Como sugestão de leitura, reforçamos a indicação da última grande obra de
Jean-Baptiste Duroselle, Todo império perecerá: teoria das relações
internacionais. Interessante, ainda, um livro básico para a compreensão do
Realismo, A Política entre as Nações, de Hans Morgenthau. Finalmente,
convém conhecer a Escola Inglesa de Relações Internacionais por meio de
duas obras fundamentais: A Política do Poder, de Martin Wight, e A Sociedade
Anárquica, de Hedley Bull. Veja a referência completa sobre essas obras na
Bibliografia Complementar, no menu de apoio.

Unidade 4 - O Realismo

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:


• identificar as características da principal corrente teórica das Relações
Internacionais e as críticas a essa corrente;
• descrever a evolução do pensamento realista nas Relações Internacionais
ao longo do século XX;
• discorrer sobre a validade do Realismo no século XXI.

O Realismo

A tentativa mais notória do século XX para explicar as relações


internacionais foi conduzida por um grupo de pensadores que contemplavam a
realidade internacional com base nas relações de força, poder e dominação.
Esses autores foram os representantes da corrente teórica conhecida como
Realismo Político ou, simplesmente, Realismo. Trata-se da doutrina mais
clássica e aceita das Relações Internacionais, chegando-se a ponto de muitos a
considerarem o tronco central do estudo teórico do tema. Após os ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001, ela teve notório fortalecimento. Devido a
essas peculiaridades, optamos por dedicar uma unidade específica a essa
corrente.
Entre os fundamentos do Realismo, buscaremos analisar as ideias que mais
se destacam, a saber:

 a percepção de um sistema internacional anárquico, sem uma autoridade


central superior aos Estados e titular legítima do uso da força;
 o caráter praticamente exclusivo do Estado como o único ou, ao menos,
o principal ator internacional;
 o desprezo pelo institucionalismo e pelo papel efetivo das organizações
internacionais no sistema;
 a percepção de que os Estados são entes unitários e racionais ao
conduzirem sua política externa;
 a heterogeneidade desses atores, quanto a aspectos econômicos,
políticos, culturais etc.;
 o predomínio da competição e da dimensão conflitiva sobre todas as
formas de relações entre os atores internacionais;
 a busca da racionalidade na conduta dos Estados, que atuam na esfera
internacional perseguindo sempre seu interesse nacional;
 o interesse nacional definido com base no poder, que conduz a uma
paradoxal ordem internacional no sistema anárquico, ordem esta imposta
pelas Potências hegemônicas aos demais Estados e em benefício das
primeiras;
 a preocupação com a segurança como umas das grandes orientadoras
da conduta dos atores, no que os realistas consideram ”alta política” (high
politics) em contraposição à chamada baixa política (low politics);
 a ideia de equilíbrio de poder na ordem internacional, estabelecido pelas
Potências.

O Realismo

Os realistas tiveram por objetivo inicial definir as características que fariam


do campo de estudo das Relações Internacionais uma ciência própria. Daí
buscarem distinguir, preliminarmente, a política internacional da política interna
dos Estados. Desenvolveram, então, a percepção anárquica do sistema
internacional.
Assim, os realistas percebem o sistema internacional como anárquico, no
qual não existe poder central ou superior dos Estados soberanos. Para os
realistas, os Estados não reconhecem e não se submetem a qualquer autoridade
que não a sua própria, também não estando, em última análise,
internacionalmente sujeitos nem mesmo às regras do Direito. Nesse sentido, os
Estados “são livres para fazer sua própria justiça e podem recorrer à força para
defender seus interesses nacionais” (SENARCLENS, 2000, p. 16).

O pensamento realista inspira-se nas concepções de Thomas Hobbes


sobre o “estado de natureza” e, reproduzindo a visão hobbesiana sobre o
homem, percebe os Estados numa situação de guerra permanente – não
necessariamente de conflito armado –, na qual perseguem seus interesses
nacionais.

Nesse contexto anárquico, o Estado é visto internacionalmente como um


ente unitário e que atua em política externa de maneira racional, sendo o cálculo
estratégico essencial para garantir sua sobrevivência. Nesse sentido, o interesse
nacional definido em termos de poder guiará a conduta dos Estados, e, em meio
à guerra de todos contra todos, são essenciais para a sobrevivência de qualquer
ente a garantia de sua segurança e o aumento de sua capacidade de influência
no sistema.

Em âmbito interno, segundo Hobbes, os homens associam-se e abrem


mão de parte de sua independência para garantir sua segurança, transferindo
uma parcela de seu poder para um soberano – o Estado – que, tornando-se o
único e legítimo titular do uso da força (coerção), protege-os e garante a ordem.
Na esfera internacional, entretanto, declaram os realistas, não há uma
autoridade superior à qual os Estados estejam dispostos a transferir parcela de
seu poder ou soberania em troca de segurança.

Para garantir sua segurança, os Estados irão buscar aumentar seu poder
– definido pela capacidade de influenciar os demais Estados e de ser
influenciado o mínimo por eles –, projetando-o no sistema internacional. Esse
poder relaciona-se intimamente com o uso da força – sobretudo de poderio
político-militar e os aspectos econômicos relacionados a ele. Em outras palavras,
quanto mais forte for um Estado frente a seus pares, menos sujeito a ser
subjugado por estes ele se encontra.

Pág. 4 - O Realismo

Paradoxalmente, uma vez que é impossível a coexistência em um sistema


internacional caótico, os realistas acreditam que há uma ordem internacional
estabelecida pelas Potências – Estados mais poderosos –, que a impõem aos
demais Atores. A ordem se fundamenta, portanto, em um equilíbrio de poder
instituído pelas relações entre as Potências. Quando uma Potência aumenta sua
esfera de poder, entrará em atrito com as demais – que não aceitarão ver sua
capacidade de influência diminuída. Dessa maneira, o sistema poderá ser levado
ao desequilíbrio, chegando-se ao conflito entre os Estados poderosos, que
culminará, por sua vez, em uma nova ordem imposta pelos vencedores.

Os realistas não acreditam em uma ordem internacional instituída por princípios


morais e fraternos. Qualquer forma de cooperação internacional será conduzida
pelos Estados enquanto esses perceberem que a cooperação garantirá mais
segurança que a não cooperação. As instituições internacionais são frágeis e
somente prevalecem enquanto for mais conveniente para as Potências. No meio
internacional, o Direito acaba quando a força começa.

Destarte, para os realistas, os Estados só seguirão e defenderão o Direito


Internacional enquanto isso lhes for interessante. Caso as instituições jurídicas
internacionais contrariem interesses de um Estado, este não se furtará a violá-
las, desde que tenha capacidade –potencialidade de uso da força – para fazê-lo
e para suportar as reações dos outros Estados que defendam aqueles institutos.
Periodicamente, os governos recorrem à força e violam os princípios de Direito
Internacional, produzindo, inclusive, argumentos jurídicos para justificar sua
política de agressão.

Outro aspecto importante do pensamento realista é a percepção do Estado como


o único, ou, no mínimo, o principal Ator nas Relações Internacionais. Nessa
perspectiva, os demais Atores – reconhecidamente as organizações
internacionais – não seriam mais que instrumento de manobra das Potências
para garantir sua hegemonia na Sociedade Internacional. Segundo Senarclens
(2000, p. 18):

De fato, as grandes potências definem as condições da segurança internacional


e se arrogam em uma boa margem de manobra na interpretação dos princípios
da Carta das Nações Unidas. Elas dominam as organizações internacionais; as
utilizam continuamente para servir aos seus próprios fins [das grandes
Potências], notadamente para efetivar suas ambições políticas e seu desejo de
hegemonia. (...) Para os realistas, (...) o direito e a moral nas Relações
Internacionais não fazem mais que exprimir a racionalização dos interesses dos
principais Estados que dominam a política mundial.

(...) Definitivamente, as normas jurídicas e as instituições são frágeis; sua


implementação é frágil, uma vez que os Estados interpretam a seu bel-prazer as
obrigações que elas impõem; [os Estados] as transgridem invocando a defesa
de seus interesses nacionais. Contrariamente ao que ocorre na esfera estatal
interna, não há [no meio internacional] um poder legítimo capaz de instaurar e
assegurar uma ordem política impondo sua arbitragem frente aos conflitos entre
os Estados; nenhuma autoridade é capaz de produzir um conjunto de normas
jurídicas universalmente reconhecidas como legais. Não existe uma corte
internacional capaz de julgar de maneira sistemática e coerente as diferenças
entre os Estados, nem forças policiais [internacionais] que possam coibir
agressões a fim de estabelecer a paz. O indivíduo que viole a lei dentro de um
Estado é passível de sanção. O Estado que transgrida o direito internacional em
geral não é punido.

O institucionalismo, portanto, não encontra abrigo na perspectiva realista.

Ademais, a liberdade de ação dos Estados na esfera internacional estará


relacionada à força que cada um deles tenha frente aos demais. Em Paz e
Guerra entre as Nações, Raymond Aron, partindo do pressuposto de que os
Estados são soberanos – e, portanto, livres para perseguir sua própria justiça –,
admitiu que o direito desses entes de recorrer à força constitui uma das
especificidades das relações internacionais.

No que concerne ao meio internacional heterogêneo, os realistas afirmam


que, apesar de os Estados serem juridicamente idênticos e terem direitos iguais
de pronunciar-se perante o concerto das nações, na prática, a capacidade de
exercerem sua soberania varia consideravelmente.

O que os realistas buscam deixar claro é que não se pode querer igualar
a China a Liechtenstein, ou o Brasil à Somália, ou ainda, ou ainda, os EUA ao
Afeganistão. Não adianta, portanto, querer arguir o artigo 2º da Carta das Nações
Unidas para que se imponha o princípio da igualdade entre os Estados nas
relações internacionais. Os Estados são distintos uns dos outros quanto à
grandeza territorial, populações, localização geográfica, capacidade militar,
níveis de desenvolvimento em que se encontram, recursos econômicos,
capacidade de exploração desses recursos. É exatamente em virtude dessas
diferenças que os Estados terão maior ou menor influência no sistema
internacional e buscarão formas de defender seus interesses.

O artigo 2º da Carta da Nações Unidas dispõe que a ONU é "fundada sobre o


princípio da igualdade soberana de todos os seus Membros.

Destarte, para os realistas, a política internacional de cada Estado é


conduzida considerando-se as próprias potencialidades e as daqueles com os
quais o Estado vá relacionar-se. A heterogeneidade – econômica, política,
militar, cultural, ideológica, social – é a regra no sistema internacional, e não
levar isso em consideração pode ser tremendamente desastroso para qualquer
Ator.

O conflito e a questão da segurança

A política internacional, como toda política, tem por base os conflitos


relacionados à distribuição do poder e dos recursos econômicos. Os Estados
atuam na arena internacional considerando essa disputa por poder e por
recursos econômicos. E os governos não devem ter objetivos maiores que os da
defesa de seus “interesses nacionais”, entre os quais o mais importante é
assegurar sua sobrevivência. É exatamente a conduta dos Atores internacionais
em uma persecução - muitas vezes desordenada - por seus interesses nacionais
que leva à situação de conflito e caos. Daí a assertiva de Morgenthauem A
Política entre as Nações:

A política internacional, como toda política, é uma luta pelo poder.


Quaisquer que sejam os fins últimos da política internacional, o poder é sempre
o fim imediato.

Os realistas percebem diferentes maneiras pelas quais os Estados


buscam sua segurança. Para assegurar a independência, dependendo da
posição e do status internacional, optam pela proteção de uma grande Potência,
a participação em sistemas de segurança coletiva ou em alianças políticas ou
militares. De qualquer maneira, a maioria dos Estados dispõe de forças armadas
para garantir sua segurança. Aqueles que renunciaram a elas (a Costa Rica é o
caso mais notório), necessariamente confiam sua defesa à proteção de uma
Potência hegemônica.

Philippe Braillard, em Teoria das Relações Internacionais (1990, p. 115),


resume bem os principais conceitos do pensamento de Morgenthau:

Para Morgenthau é o poder (power) e, mais precisamente, a procura pelo


poder, que é o fundamento de toda a relação política e que constitui, assim, o
conceito chave de toda a teoria política. Esta procura do poder está inscrita
profundamente na natureza humana, onde tem a sua origem, natureza que não
é essencialmente boa, já que ela confere a todos os homens um ardente desejo
de poder ou animus dominandi, e os faz, com frequência, agir como uma ave de
rapina, pelo menos ao nível das relações dos grupos sociais entre si. Temos, por
isso, no fundamento da teoria política de Morgenthau, uma visão filosófica do
homem, uma antropologia, marcada pelo pessimismo, que é fortemente
inspirada pela obra do teólogo Reinhold Niebuhr, um dos mestres do
pensamento da escola realista americana.

No que respeita particularmente à política internacional, a aspiração ao


poder por parte das diversas nações, cada uma procurando manter ou modificar
o status quo, conduz, necessariamente, a uma configuração que constitui o que
chamamos de equilíbrio [de poder] (balance of power) e as políticas que visam
conservar esse equilíbrio. Ao estabelecer uma ligação necessária entre a
aspiração das nações ao poder e as políticas de equilíbrio, Morgenthau pretende
evitar o erro cometido pelos que acreditam que podemos escolher entre a política
fundada no equilíbrio e uma política, de um gênero melhor, esquecendo que
todos os Estados procuram os seus interesses, exprimidos em termos de poder.

Também sobre o Realismo, veja o texto que trata da moral nas Relações
Internacionais numa perspectiva realista, de Marcelo Beckert Zapelini.

Críticas ao Realismo

Claro que o Realismo tem sofrido pesadas críticas ao longo de décadas.


Por exemplo, afirma-se que a teoria negligencia aspectos sociais, culturais ou
mesmo econômicos, dando valor exacerbado a fatores político-militares. Outra
crítica é de que o conceito de poder na perspectiva realista estaria mal definido
e seu emprego demasiado vago, uma vez que o poder seria, ao mesmo tempo,
“um fim, um meio, um motivo e uma relação”.

Há, ainda, aqueles que lembram que o interesse nacional definido em


termos de poder é discutível, uma vez que é complicado determinar e quantificar
esse interesse. Ademais, o Estado jamais poderia ser considerado um Ator
unitário e racional, e as decisões e ações de política externa são fruto de um
complexo conjunto de interesses de forças em diferentes níveis da sociedade
interna. Daí que interesse nacional seria um conceito bastante subjetivo, tanto
em virtude da diversidade das forças do interior do Estado que estabelecem
quais são as prioridades e os interesses da nação, quanto devido à
heterogeneidade do sistema internacional.

Finalmente, há a ponderação de que a teoria realista assenta-se numa


visão das relações internacionais limitada à configuração dessas relações nos
séculos XVIII e XIX, ou mesmo na primeira metade do século XX, sendo
inadequada ao sistema internacional contemporâneo, marcado pela diversidade
de Atores e de grupos, como organizações internacionais, organizações não
governamentais e empresas transnacionais.

O conhecimento da perspectiva realista é fundamental para a compreensão


das relações internacionais. Além da já citada obra de Morgenthau, sugere-se
a leitura dos trabalhos de Raymond Aron, com destaque para Paz e Guerra
entre as Nações e dos livros de Henry Kissinger.

O Neorrealismo

O Neorrealismo é uma versão mais atual do Realismo. Pegou emprestado


alguns elementos do cientificismo behaviorista e, assim, deu um renovo para a
corrente realista. O Neorrealismo deriva de um movimento epistemológico que
ficou conhecido como Estruturalismo. Segundo os estruturalistas, a sociedade
se define pelas condições de possibilidade de toda organização social. A análise
dos diferentes sistemas constitutivos da Sociedade Internacional e de sua
articulação mostra serem eles a aplicação de certo número de leis lógicas
encontráveis em toda sociedade. Tal ponto de vista se casou com algumas
perspectivas “clássicas”, como as que veem as “leis” da anarquia e do poder
como explicativas da realidade (como a “lei” do balanço de poder já estudada),
dando luz ao Neorrealismo. Para os estruturalistas, são essas as invariantes ou
constantes que dão unidade necessária à fundamentação científica. Enfim, para
os estruturalistas, o importante é identificar os padrões, os arranjos, as
organizações sistemáticas em determinado estado.
Em suma, o Estruturalismo foi fundamental para o desenvolvimento dos
métodos “científicos” ao ensinar que o processo científico básico é o analítico,
da decomposição das coisas, e que se deve privilegiar o aspectorelacional da
realidade, uma vez que as relações são constantes, enquanto que os elementos
podem variar.

Kenneth Waltz (2002) se utiliza do Estruturalismo para criar o seu


Neorrealismo, também chamado de Realismo Estrutural, ao final da década de
1970, que ele modestamente chama de “revolução de Copérnico” no âmbito das
Relações Internacionais.

Waltz identifica três níveis de análise nas Relações Internacionais: o


Indivíduo, o Estado e a Sociedade (economia doméstica/sistemas políticos), e o
Sistema Internacional (ambiente anárquico). Dos três níveis de análise
identificados por ele, concentra-se no terceiro nível, para dizer que a anarquia é
uma constante, um “dado” na estrutura do Sistema Internacional. Enquanto esse
primeiro critério da estrutura, a anarquia, é uma constante, o segundo, a
distribuição de capacidades, é uma variável, pois varia entre os Estados. O
referencial empírico para essa variável é a quantidade de Superpotências que
domina o sistema. Dado o pequeno número de tais Estados – importante
perceber que ele escrevia na época da Guerra Fria –, e, além disso, para Waltz,
não mais que oito já foram importantes, a política internacional, segundo ele,
poderia ser estudada em termos da lógica de poucos sistemas.

O Neorrealismo foca mais as características estruturais do sistema


internacional estatocêntrico do que as unidades que o compõem (os Estados).
Em outras palavras, é a estrutura que molda e conforma as relações políticas
entre as unidades. Para Waltz, o Realismo tradicional, por se concentrar nas
unidades e nos seus atributos funcionais, é incapaz de trabalhar com mudanças
de comportamento ou na distribuição de poder que ocorre independentemente
das flutuações entre as próprias unidades. Assim, apesar de o sistema ainda ser
anárquico e as unidades ainda serem autônomas no Neorrealismo, a atenção
voltada para o nível estrutural fornecia-lhe uma imagem mais dinâmica e menos
restrita do comportamento político internacional emergente. O Neorrealismo
busca explicar como as estruturas afetam o comportamento e os resultados,
independentemente das características atribuídas ao poder e ao status.
O Neorrealismo

Para Waltz, o sistema internacional funciona como o mercado, o qual está


interposto entre os atores econômicos e os resultados que eles produzem. É o
mercado que condiciona seus cálculos, seus comportamentos e suas interações.
Assim, para ele, é a estrutura do sistema internacional que limita o potencial de
cooperação entre os Estados e que, por consequência, gera o dilema da
segurança, a corrida armamentista e a guerra.

Waltz lembra que as empresas devem desenvolver sua própria estratégia


para sobreviver em um meio competitivo, sendo difíceis ações coletivas que
otimizem o lucro a longo prazo.

Waltz usa a noção de poder estrutural – espécie de poder que pode estar
operando quando os Estados não estiverem agindo da forma que se esperava,
dada a desigualdade de distribuição de poder no sistema internacional. Percebe-
se que Waltz se inspirou em Durkheim, para quem a sociedade não é a simples
soma de indivíduos e que todo fato social tem por causa outro fato social, e
jamais um fato da psicologia individual. Em seu trabalho sobre o suicídio,
Durkheim procurou demonstrar que, mesmo no ato privado de tirar a própria vida,
conta mais a sociedade presente na consciência do indivíduo do que sua própria
história individual. Ou seja, o ambiente é mais importante do que o agente, e
essa é a tese por trás do Neorrealismo de Waltz.

Isolando a estrutura, Waltz argumenta que uma estrutura bipolar


dominada por duas Superpotências é mais estável que uma estrutura multipolar
dominada por três ou mais Superpotências, pois é mais provável que se sustente
sem guerras espalhadas no sistema. Para ele, há diferenças expressivas entre
multipolaridade e bipolaridade. Na multipolaridade, os Estados confiam em
alianças para manter a segurança, o que é inerentemente instável, uma vez que
existem potências demais para se permitir que qualquer uma delas trace linhas
claras e fixas entre aliados e adversários. Em contraste, na bipolaridade, a
desigualdade entre as Superpotências e cada um dos outros Estados assegura
que a ameaça posta a cada um deles seja mais fácil de ser identificada, e, no
sistema bipolar da Guerra Fria, a URSS e os EUA mantinham o equilíbrio central,
confiando mais nos próprios armamentos do que nos aliados. Ficam, assim,
minimizados os perigos decorrentes de previsões erradas. A intimidação nuclear
e a inabilidade das Superpotências em superarem mutuamente as forças
retaliadoras aumentam a estabilidade do sistema. Ou seja, para Waltz, a
estrutura do sistema em si gerava a estabilidade.

Os conceitos de multipolaridade e de bipolaridade serão abordados com mais


detalhesno próximo módulo. Waltz foi criticado por Raymond Aron, para quem
a estabilidade da Guerra Fria tinha mais a ver com as armas nucleares em si
do que com a bipolaridade. Muitos críticos argumentaram que o modelo de
Waltz era muito estático e determinístico, além de desprovido de qualquer
dimensão de mudança estrutural (revolução). Mas essas, na verdade, são as
características do Estruturalismo. Em Waltz, os Estados estão condenados a
reproduzir a lógica da anarquia, e qualquer cooperação que ocorra entre eles
ficará subordinada à distribuição de poder. Os neoliberais criticam Waltz por
exagerar o grau de “obsessão” dos Estados pela distribuição de poder e por
ignorar os benefícios coletivos que podem ser alcançados pela cooperação.
Abordaremos esse debate entre neorrealistas e neoliberais mais à frente.
Outros acusaram Waltz de tentar legitimar a Guerra Fria sob o manto da
ciência. Com o fim da Guerra Fria, um dos polos da estrutura ruiu, a URSS, o
que não se harmonizava com as expectativas da teoria de Waltz, segundo as
quais as Superpotências amadureceriam para se tornar “duopolistas
sensíveis” no comando de uma estrutura crescentemente estável.

Os Últimos Grandes Debates

Visto o Neorrealismo, agora podemos abordar os últimos grandes debates


teóricos de interesse para o presente curso introdutório. Tais debates, que
surgiram nas últimas décadas do século XX, refletem as teorizações que se
fizeram necessárias para explicar as significativas mudanças nas relações
internacionais produzidas pelo processo de globalização e pelo aumento da
interdependência entre os Atores.

Neorrealistas X Globalistas
Um dos últimos debates que merece referência neste curso é o que se dá
entre neorrealistas e globalistas.

Como visto, a corrente neorrealista surge com o objetivo de desenvolver


uma análise mais precisa das Relações Internacionais, baseada nos
pressupostos realistas clássicos, mas com adaptações que tinham que
considerar a nova realidade internacional mais complexa.

Como já referido, Waltz (2002) reafirma a perspectiva tradicional realista:


o princípio da soberania estatal confere à Sociedade Internacional
características próprias e limita os domínios da cooperação internacional,
prejudicando qualquer integração durável. O autor retoma a ênfase na teoria do
equilíbrio de poder diante do Sistema Internacional anárquico, no qual os
Estados competem e atuam em defesa de seus interesses, que podem ser
percebidos como, no mínimo, a sua própria preservação, e, no máximo, a
dominação universal.

O Globalismo, por sua vez, usa algumas das categorias que o


Neorrealismo usa (como o poder estrutural), pois também deriva do
Estruturalismo, mas surge como uma corrente alternativa. Os globalistas
reconhecem, como os neorrealistas, que há limitações estruturais para a
cooperação entre os Estados, mas defendem que isso se dá mais em razão da
hierarquia do que da anarquia no Sistema. Para eles, a hierarquia, como uma
característica chave, é mais importante do que a anarquia, dada a desigualdade
na distribuição do poder dentro do sistema. Os globalistas enfatizam o poder
estrutural e centram as capacidades chaves no sistema econômico. Para eles,
uma divisão peculiar do trabalho ocorreu historicamente no sistema mundial
como resultado do desenvolvimento do capitalismo como a forma dominante de
produção.

Como já referido na Unidade 3, o Globalismo busca explicar as relações


internacionais não em virtude de cooperação ou conflito, mas sob a ótica do
subdesenvolvimento de vários países. Os globalistas buscam analisar as
Relações Internacionais dentro de um contexto global e geral, assim como fazem
os neorrealistas, mas acreditam que o que deve ser explicado são as relações
de dominação, ou seja, como a minoria consegue dominar a maioria, doméstica
ou internacionalmente, e essa dominação encontra na Economia seu aspecto
central.

“Existe uma influência marxista no globalismo, principalmente nas


análises sobre o padrão de evolução histórica das relações de dominação (o
conflito seria o motor da dinâmica entre as classes sociais). Existe também um
enfoque na totalidade, ou seja, não é possível entender o capitalismo sem
entender as relações de exploração. Afirmam também, nessa perspectiva global,
que qualquer solução localizada deve ser vista apenas como uma etapa da
solução global. ” Miguel Burnier, Debate Interparadigmático das Relações
Internacionais, no Caderno Pet Jur n. IV.

Neorrealistas X Globalistas

O Globalismo vê um sistema-mundo capitalista composto por um núcleo


(o centro) e a periferia. As áreas centrais se engajaram, historicamente, nas
atividades econômicas mais avançadas: bancária, industrial, agricultura de alta
tecnologia etc. A periferia tem fornecido matéria-prima, como minérios e madeira,
para a expansão econômica do centro. O trabalho não qualificado é sufocado, e
aos países periféricos é negado o acesso a tecnologias avançadas nas
áreas/setores em que podem vir a competir com os países centrais. O
relacionamento polarizado entre as duas categorias é um dos motores do
sistema.

Assim, não basta um consenso ideológico a favor do capitalismo (como


pensam os neoliberais) ou uma concentração do poder militar entre as
hegemonias do centro (como pensam os neorrealistas) para que um conflito
sério no sistema possa ser evitado. Para os globalistas, não bastaria nenhum
dos dois se não fosse a divisão da maioria numa camada inferior maior.

Autores globalistas, como Immanuel Wallerstein, acreditam que o


sistema-mundo continuará a funcionar como tem feito nos últimos quinhentos
anos, em busca do acúmulo sem fim de bens e capital, e que a periferia será
cada vez mais marginalizada na medida em que a sofisticação tecnológica do
centro se acelerar.
Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência

Este último debate é o mais relevante para o mundo que se descortina


diante de nossos olhos neste início do século XXI. Também pode ser referido
como um debate entre neorrealistas e pluralistas, já que os liberais e neoliberais
se reúnem no paradigma pluralista.

Como pano de fundo desse debate temos a Teoria da Interdependência.


Esse debate teórico ganhou força nas décadas de 1980 e 1990 e perdura até os
dias de hoje. O debate se dá em torno de questões como: se o sistema
internacional mudou ou não sob o impacto da interdependência, e quais as
implicações de tal mudança para a teoria e prática das relações internacionais.
No fundo, quando surgiu o debate, a questão era se o modelo clássico da
“anarquia” estava perdendo seu poder explicativo frente à “interdependência”
entre os Estados, se a agenda tradicional das relações internacionais passou ou
não a reduzir a importância da “alta política” (high politics – segurança militar,
dissuasão nuclear) e a elevar a “baixa política” (low politics – comércio, finanças
internacionais etc.).

Na época em que surgiu, a discussão era travada entre os que


acreditavam que o sistema internacional não estava sofrendo nenhuma
mudança sistêmica (a escola neorrealista) e os que argumentavam que o
Realismo passou a ser um guia inadequado para a compreensão das mudanças
dramáticas ocorridas nas relações internacionais como resultado das forças
econômicas transnacionais (a escola neoliberal).

Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência

A razão desse debate era a crise do sistema Bretton Woods, a crise de


conversibilidade do dólar e os choques de petróleo, eventos que abalaram todo
o mundo. E, claro, não se pode deixar de citar, o fracasso dos EUA na Guerra
do Vietnã.
Segundo Waltz (2002), a direção da interdependência econômica
dependia da distribuição de poder no Sistema Internacional. O significado
político das forças transnacionais não decorre de sua escala; o que importa é a
vulnerabilidade dos Estados às forças fora de controle e os custos da redução
de exposição a essas forças. Para Waltz, no sistema bipolar então vigente, o
grau de interdependência era relativamente baixo entre as Superpotências, e a
persistência da anarquia, como princípio central organizador das relações
internacionais, garantia que os Estados continuassem a privilegiar a segurança
acima da busca por riquezas (GRIFFITHS, 2004).

Do outro lado do debate estavam os neoliberais, que afirmavam que o


crescimento das forças econômicas transnacionais, como os fluxos financeiros,
a crescente irrelevância do controle territorial frente ao crescimento econômico
e a divisão internacional do trabalho tornavam o Realismo obsoleto. Os
benefícios coletivos do comércio e a influência dos fluxos financeiros para as
políticas domésticas dos Estados assegurariam uma cooperação maior entre os
Estados e contribuiriam para o declínio do uso da força entre eles.

Um dos fortes defensores das teses neorrealistas foi Stephen Krasner.


Para Krasner (1983), os Estados soberanos continuam sendo, nos tempos de
hoje, agentes racionais e interesseiros, firmemente preocupados com seus
ganhos relativos. Argumentou que os períodos de abertura na economia mundial
correspondem aos períodos nos quais um Estado é nitidamente dominante. No
século XIX, foi a Grã-Bretanha; no período 1945-1960, os EUA. Por
consequência, concorda com Waltz: o grau de abertura depende, em si, da
distribuição de poder entre os Estados. A “interdependência” econômica é
subordinada ao equilíbrio de poder econômico e político entre os Estados, e não
o contrário. A teoria da Estabilidade Hegemônica, vista na Unidade 2, trata desse
ponto.

Krasner também ataca os globalistas. Para ele, os Estados nem sempre


colocam a riqueza acima dos outros objetivos. O poder político e a estabilidade
social também são cruciais, e isso significa que, embora o comércio aberto possa
fornecer ganhos absolutos para todos os Estados que se comprometerem com
ele, alguns Estados ganharão mais do que outros, e essas diferenças de poder
são o principal fator determinante e explicativo do comportamento dos Estados.
Krasner ataca os globalistas pelo fracasso em explicarem o envolvimento dos
EUA na Guerra do Vietnã, que provocou tão intensas discordâncias domésticas
para tão pouco ganho econômico. Se os EUA frequentemente desejavam
proteger os interesses das corporações norte-americanas, reservaram o uso da
força em larga escala, todavia, para as causas ideológicas. Isso explicaria a
guerra contra o Vietnã, uma área de importância econômica insignificante para
os EUA, e a relutância no uso da força durante as crises do petróleo nos anos
de 1970, que ameaçaram o fornecimento do produto em todo o mundo
capitalista.

Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência

Krasner atacou de frente a “interdependência” neoliberal, e todo o


institucionalismo supostamente por trás dela. Segundo ele, Estados pequenos e
pobres do Sul tendem a apoiar os regimes internacionais que distribuem
recursos autoritariamente, ao passo que os Estados mais ricos do Norte
favorecem regimes cujos princípios e regras dão prioridade aos mecanismos de
mercado. Regimes internacionais “autoritários” são aqueles conjuntos de regras,
normas, princípios e procedimentos que aumentam os poderes soberanos dos
Estados individualmente, dando aos Estados o direito de regulamentar fluxos
internacionais (migração, sinais de rádio, ativos financeiros, aviação civil etc.) ou
de distribuir acesso a recursos internacionais (fundo do mar, atmosfera, etc.). Os
Estados do Terceiro Mundo procuram, na verdade, proteção. Tentam se proteger
contra a operação de mercados em que eles se encontram em desvantagem.
Não seria por outro motivo o apoio de países do Terceiro Mundo ao Fórum Social
Mundial, cujas preocupações têm sido a regulamentação dos fluxos financeiros
internacionais e a imposição de uma tributação sobre eles (a chamada “taxa
Tobin”).

Regimes internacionais são normalmente definidos como princípios, normas,


regras e processos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas
do Ator convergem para uma dada questão setorizada (issue area). Os
regimes implicam não apenas normas e expectativas que facilitam a
cooperação entre os Estados, mas formas de cooperação.
Krasner, assim, identifica uma dicotomia regulamentação/Terceiro Mundo
versus desregulamentação/Primeiro Mundo, que, no fundo, evidencia relações
de poder. Krasner, desse modo, rejeita, mais uma vez, a hipótese de que os
Estados perseguem simplesmente riqueza, e argumenta que os Estados do
Terceiro Mundo também se envolvem em lutas pelo poder, querendo diminuir
sua vulnerabilidade ao mercado e exercer um controle estatal maior sobre ele (é
o que estaria por trás, por exemplo, das discussões na China sobre o controle
ou não dos fluxos de capital – deixar ou não fechada a conta de capital do
balanço de pagamentos). Assim, a soberania dá aos Estados do Terceiro Mundo
uma forma de “metapoder” ou poder de uma ideologia coerente para atacar a
legitimidade dos regimes do mercado internacional e as injustiças do capitalismo
global (GRIFFITHS, 2004).

Portanto, para os neorrealistas, a tentativa de estabelecer regimes


internacionais como meio de superar ou atenuar os efeitos da anarquia não
funciona. Tais regimes não disfarçam as diferenças de poder existentes nas
relações internacionais e tampouco conseguem alterar a importância da
soberania dos Estados.

Neoliberais como Robert Keohane (2001) tentariam derrubar essas teses,


buscando uma resposta positiva para a questão de se as instituições explicam
ou não o comportamento dos Estados. O argumento básico de Keohane é que,
num mundo interdependente, o paradigma realista é de uso limitado para ajudar
a compreender a dinâmica dos regimes internacionais, ou seja, as normas,
regras e princípios que governam as tomadas de decisão e as operações em
relações internacionais sobre determinadas questões, como o dinheiro.

Neorrealistas x Neoliberais e a Teoria da Interdependência

Os neoliberais usam o modelo da “interdependência complexa”. Trata-se


de um modelo explanatório das relações internacionais que pressupõe múltiplos
canais de contato entre as sociedades, uma ausência de hierarquia entre
questões de agenda e uma diminuição da utilidade do poder militar, ou um papel
minimizado para o uso da força. A “interdependência complexa” é o resultado da
multiplicação das interconexões globais e da aceleração de fluxos financeiros,
demográficos, de bens, serviços e de informações, com operadores
extremamente variados: organizações intergovernamentais, multinacionais,
organizações não governamentais, sociedade civil, dentre outros, os quais
passam a ganhar espaço nas decisões e discussões internacionais, e o Estado
deixa de ter o único papel relevante nas relações internacionais, embora ainda
proeminente.

Sob condições de interdependência complexa, os neoliberais afirmam que


é difícil para Estados democráticos delinearem e perseguirem políticas exteriores
racionais, como defendem os realistas.

Os neorrealistas, tornando o debate mais acalorado, responderam


dizendo que não é verdade que a distribuição de poder político e militar não se
relacione com a condição de interdependência complexa. A Teoria da
Estabilidade Hegemônica é normalmente citada como a conjugação das ideias
do realismo com as ideias pluralistas de interdependência (vide Unidade 2). Ela
explica, por exemplo, a ligação entre o poder hegemônico e o grau de
interdependência complexa no comércio internacional. Waltz, ao falar sobre a
importância do equilíbrio de poder, mostrou que a interdependência, longe de
tornar obsoleto o poder, dependia da habilidade e da disposição dos EUA em
fornecer as condições sob as quais os outros Estados estariam participando da
concorrência por ganhos relativos e cooperando para maximizar seus ganhos
absolutos com base em uma cooperação no comércio e em outros setores de
controvérsia.

A Teoria da Estabilidade Hegemônica procurou responder ao argumento


neoliberal de que o crescimento da interdependência econômica entre os
Estados os estaria enfraquecendo e atenuando o relacionamento histórico entre
a força militar e a capacidade de sustentar interesses nacionais. Afinal, está a
interdependência econômica que testemunhamos no mundo atual reduzindo a
importância do poder militar? A resposta dessa teoria é negativa, como visto.

Portanto, para autores como Gilpin, a liderança hegemônica dos EUA e o


antissovietismo foram as bases do compromisso com o “internacionalismo
liberal” e com o estabelecimento de instituições internacionais para facilitar a
grande expansão comercial ocorrida entre os Estados capitalistas nos anos de
1950 e 1960 (chamados de “anos dourados” por Eric Hobsbawm). Giovanni
Arrighi, em sua obra O longo século XX, apresentou tese no mesmo sentido.
Sem a presença de um hegemon, não teria havido os anos dourados do pós-
Guerra.

Conclusão

O Realismo continua sendo a principal corrente teórica de Relações


Internacionais. No século XXI, análises sob uma ótica realista passam a
considerar diferentes fatores e novos Atores. Não obstante, esses novos
elementos não conduzem à decadência ou obsolescência do paradigma, mas,
sim, a novas adaptações. As teses neorrealistas são bons exemplos. De fato,
com as mudanças na política internacional que vêm ocorrendo neste início de
milênio, motivadas pelas pretensões hegemônicas de projeção de poder da
Hiperpotência norte-americana, nunca o mundo pareceu tão realista.
Nesta Unidade então, estudamos a principal corrente teórica das Relações
Internacionais: O Realismo. Volte ao início da Unidade e verifique se os
objetivos propostos foram alcançados.

Sociedade Internacional: Aspectos Gerais

• apresentar os aspectos gerais que caracterizam a Sociedade Internacional;


• assinalar as subestruturas que compõem a Sociedade Internacional e sua
importância na compreensão da mesma.

Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento do


curso, é sua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário e
preciso para os estudos.
Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

Em um primeiro momento, podemos relacionar a Sociedade Internacional


à evolução histórica das relações entre os grupos, povos e Estados-nações
organizados em âmbito espacial determinado. Assim, é possível identificar a
evolução da Sociedade Internacional a partir das relações entre os grupos
primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando à Idade
Contemporânea, com a ascensão e o declínio do Estado-nação frente a um
sistema cada vez mais globalizado e interdependente.

Em nossas observações acerca da Sociedade Internacional, a análise


histórica pode ser de grande auxílio. Essa análise é definida como o estudo do
grande número de eventos ou fatos que transcenderam as fronteiras entre os
Estados e que relacionaram entre si as nações e os povos, de forma pacífica ou
conflituosa.

Conceito de Sociedade Internacional

Convém apenas lembrar que definimos Sociedade Internacional como o


conjunto de entes que interagem de maneira sistêmica em uma esfera
internacional sob a influência de forças profundas. Passemos aos elementos
fundamentais da Sociedade Internacional.

Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional

Para Rafael Calduch Cervera (1991, p. 64-55), “a Sociedade Internacional


é uma sociedade global de referência”, ou seja, constitui “um marco social de
referência, um todo social em que estão inseridos todos demais grupos sociais,
quaisquer que sejam seus graus de evolução e poder”. É uma “sociedade de
sociedades, ou macrossociedade, em cujo seio surgem e se desenvolvem os
grupos humanos, desde a família às organizações intergovernamentais,
passando pelos Estados. ”
A Sociedade Internacional pode ser percebida como um conjunto de
sociedades, sendo, portanto, heterogênea. Registre-se que há cerca de apenas
três séculos é que a Sociedade Internacional começou a adquirir características
“globais”: até recentemente, pouco contato havia entre as diversas “sociedades”
dentro da Sociedade Internacional.

Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional (cont.)

Outro ponto a que Calduch chama a atenção é que “a Sociedade


Internacional é distinta da sociedade interestatal”. Mesmo sendo o Estado o
principal Ator internacional, compreender a Sociedade Internacional apenas com
base nas relações interestatais conduziria a uma percepção obscura e, portanto,
deficiente da realidade. Não há como desconsiderar, sobretudo nos dias atuais,
a presença e influência cada vez maior de grupos diferentes dos Estados-nação
no sistema internacional. Ademais, convém lembrar que a doutrina aceita a
existência de uma Sociedade Internacional antes do surgimento dos Estados
nacionais.

Calduch afirma, ainda, que não é possível considerar a existência de uma


Sociedade Internacional em seu sentido estrito, sem que seus membros
mantenham relações mútuas intensas e duráveis no tempo. Com isso, assinala
que a mera ocorrência de ações esporádicas e ocasionais não basta para se
considerar a existência de uma Sociedade Internacional.

Discordamos dessa percepção de Calduch. Afinal, o que não se pode


conceber, nos termos apresentados, é uma sociedade global, interdependente,
como a dos dias atuais. Entretanto, Sociedade Internacional sempre houve,
mesmo que sua principal característica fosse a falta de interação entre as
sociedades/civilizações que a compunham.

A Sociedade Internacional pode ser percebida na dicotomia “anarquia x


ordem comum”. Evidente que é anárquica por não possuir uma autoridade
superior que, legítima titular do uso da força, controle ou imponha a conduta a
seus membros. Não existe um governo mundial ou uma autoridade supraestatal.
Assim, os Atores conduzem suas relações internacionais de acordo com seus
próprios interesses e, ao menos no que concerne aos Estados, não aceitam, de
maneira geral, autoridade superior no sistema.

Todavia, relembre-se que anarquia internacional não é sinônimo de


desordem. Há uma ordem comum no meio internacional, estabelecida pelos
próprios Atores para viabilizar suas relações. Nesse sentido, o papel das grandes
Potências é essencial, pois são elas que definem os rumos do sistema. Não
poderiam existir “relações internacionais” sem um ordenamento mínimo na
Sociedade Internacional.

Essa ordem internacional emana da correlação de forças e poderes entre


os Atores internacionais. Pode-se dizer que esse ordenamento é estruturado
com base em elementos como extensão espacial, diversificação estrutural,
estratificação e hierarquia, polarização, grau de homogeneidade ou
heterogeneidade e de institucionalização. São os chamados “elementos da
estrutura internacional” (Esses elementos foram apresentados por Calduch, e as
observações que faremos a respeito são provenientes do estudo de sua obra.).
Variam conforme o tempo e as diferentes sociedades, podendo ser identificados
em todas elas.

Sobre as transformações na Sociedade Internacional, interessante a trilogia


de Manuel Castells: A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder da
Identidade (Paz e Terra, 2000), Fim de Milênio (Paz e Terra, 2002).

Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

A extensão espacial

Para Calduch, “a Sociedade Internacional é uma sociedade territorial”. Daí


considerar-se essencial para a análise de qualquer Sociedade Internacional o
conhecimento do “marco espacial” em que a referida sociedade se encontra
assentada.

A Sociedade Internacional sofrerá transformações em sua estrutura e


dinamismo sempre que sua dimensão espacial for alterada, ou, ainda, quando
algum de seus membros principais experimentar mudanças em seus limites
fronteiriços ou em sua zona de influência territorial direta – como ocorreu no
Leste Europeu para a URSS. Vale lembrar que, sendo o Estado o principal Ator
internacional, suas mudanças territoriais e reações a mudanças têm marcado as
diferentes sociedades internacionais.

Portanto, da mais remota Antiguidade aos dias atuais, a constante


expansão geográfica da Sociedade Internacional gerou conflitos e mudanças
nos Atores e nas relações de poder entre eles. O que deve ficar claro é que, até
o século XX, a característica da Sociedade Internacional era exatamente a
composição espacial de diferentes sociedades internacionais, ainda que com
espaços definidos e com crescentes intercâmbios culturais, comerciais, sociais
e políticos, mas com características distintas e espaço geográfico delimitado.

O século XX marca o limite espacial da Sociedade Internacional. Esse foi


um problema que surgiu quando a Sociedade Internacional alcançou dimensões
planetárias. Com o desenvolvimento tecnológico, a ideia de “globalização”
apresenta uma Sociedade Internacional não mais espacialmente limitada ao
continente europeu, ao Ocidente ou ao “mundo civilizado”, mas às dimensões do
planeta Terra.

Não se pode mais buscar soluções para problemas locais sem um


pensamento global. Os problemas da Sociedade Internacional globalizada têm
efeitos em todo o território do planeta. Entre esses “desafios” estão o fenômeno
do esgotamento dos recursos naturais, o crescimento exponencial da população
mundial, a deterioração ambiental ocasionada pela contaminação da terra, do ar
e das águas, o uso crescente da energia nuclear para fins civis ou militares, a
utilização do espaço estratosférico e das profundezas oceânicas. Acrescente-se
a significativa disparidade de renda na esfera internacional, marcada por uma
minoria da população do globo com alto padrão de vida e a maioria vivendo em
condições subumanas, na miséria absoluta, sob regimes autoritários e sem
quaisquer perspectivas de futuro digno. Essas condições implicam
necessariamente uma reestruturação da Sociedade Internacional, em que a
questão geográfica, isoladamente, cai para segundo plano.
Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

A diversidade sistêmica

A Sociedade Internacional é composta de distintos subsistemas, cuja


correlação configura a ordem internacional imperante. Cada um desses
subsistemas corresponde a uma das áreas imprescindíveis para a existência da
Sociedade Internacional em seu conjunto. Calduch prefere chamá-los de
“subestruturas”.

Cite-se, então, o subsistema econômico, no qual está a base material e


produtiva indispensável para a existência dos grupos humanos. Incluem-se aí
tanto o conjunto dos fatores e forças de produção quanto as inter-relações
associadas ao processo econômico (produção, comércio e consumo). O
subsistema econômico não pode ser descartado para a compreensão da
Sociedade Internacional, uma vez que a Economia é uma das “forças profundas”
mais influentes na conduta internacional dos Atores.

O segundo subsistema a ser considerado é o político-militar. Compõe-se


das comunidades políticas e organizações internacionais, bem como das
relações de autoridade e dominação que elas mantêm entre si em virtude de
normas jurídicas ou mediante o exercício do poder militar.

O terceiro subsistema é o cultural-ideológico. Forma-se, segundo


Calduch, por “atores e relações internacionais desenvolvidas a partir da
existência de conhecimentos, valores ou ideologias comuns a distintas
sociedades humanas e dos processos de comunicação que deles derivam”. O
subsistema cultural-ideológico, tão importante quanto os anteriores,
desempenha um papel de mediador entre a dimensão político-militar e a
econômica, como foi testemunhado, por exemplo, nos anos da Guerra Fria.

Naturalmente, cada um dos subsistemas está conformado de maneira


particular, em virtude das características exclusivas de cada um de seus
componentes. Suas respectivas evoluções seguem ciclos e ritmos de diferentes
intensidade e duração, provocando tensões, desajustes e crises, tanto entre os
grupos que as capitalizam quanto ao conjunto da Sociedade Internacional.
Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

A estratificação hierárquica

A Sociedade Internacional constitui uma realidade complexa, cujos


membros ocupam níveis ou estratos segundo a desigualdade de poder – político,
econômico, militar, social, cultural/ideológico. Uma vez que há diferentes graus
de influência nos assuntos internacionais, existe uma hierarquia “de fato” entre
os Atores na Sociedade Internacional. Daí o conceito de Calduch para essa
estratificação: “conjunto das diferentes e desiguais posições ocupadas pelos
atores internacionais em cada uma das estruturas parciais que formam parte da
Sociedade Internacional. ”

Uma primeira observação a ser feita a respeito da estratificação é que a


hierarquia internacional não é única e imutável em cada Sociedade Internacional
e muito menos homogênea para cada subsistema. Assim, a posição ocupada
por um Estado no Subsistema econômico internacional poderá não ser a mesma
no subsistema político-militar, ou vice-versa. Para exemplificar, a influência atual
do Brasil na economia internacional é bastante diferente de sua influência na
política ou de seu poder militar, e, mais ainda, de seu papel cultural-ideológico
internacional.

Calduch lembra, também, que, junto aos Estados soberanos, “deve-se


considerar aqueles grupos internacionais cujo protagonismo fica limitado a
certas áreas da vida internacional, por exemplo, o Fundo Monetário
Internacional, para o subsistema econômico; o [extinto] Pacto de Varsóvia, para
a política; a Agência de notícias Reuters, no plano cultural”. Claro que esses
outros membros da Sociedade Internacional não podem ser desconsiderados,
pois é inquestionável sua influência nos diferentes subsistemas, em alguns
casos muito superior à da maior parte dos Estados-nacionais.

Acrescentemos a relevância no papel de alguns indivíduos na Sociedade


Internacional contemporânea, os quais exercem, efetivamente, influência como
Atores internacionais. Inegável que Bill Gates, George Soros, o Papa João Paulo
II, ou mesmo Osama bin Laden, só para citar alguns nomes mais conhecidos,
mostraram-se mais influentes nas relações internacionais, sejam políticas,
econômicas ou até culturais, que muitos países. Portanto, na Sociedade
Internacional contemporânea, o indivíduo, entendido como Ator internacional,
também ocupa um estrato dessa hierarquia.

Assim, a estratificação hierárquica em cada um dos subsistemas


internacionais pode realizar-se atendendo às diferentes características de Atores
(Estados, organizações internacionais, organizações não governamentais,
empresas multinacionais/transnacionais, indivíduos, entre outros) ou, ainda,
considerando cada um dos grupos com capacidade de participação nos
diferentes subsistemas.

Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

A polarização

Alguns Atores atraem para si outros em virtude da capacidade de


influência no sistema e da desigualdade entre os diferentes protagonistas do
cenário internacional. Introduzimos, aqui, um dos elementos essenciais para a
compreensão da estrutura do sistema internacional: a ideia de polarização.

Polarização pode ser definida como a capacidade efetiva de um ou vários


Atores internacionais para adotar decisões, comportamentos ou normas que
sejam aceitos pelos demais Atores e, por meio dos quais alcançam ou garantem
uma posição hegemônica na hierarquia internacional. Para os Atores que
ocupam essa posição de destaque, a manutenção da estrutura imperante
mostra-se questão de sobrevivência, pois qualquer sinal de mudança pode
significar que outro polo está a se estruturar, com a consequente – e, às vezes,
fatal – alteração no equilíbrio de poder no sistema. Enquanto a estratificação
considera o conjunto dos Atores, a polarização – ou polaridade – contempla
somente aqueles que dominam as relações básicas de cada subsistema
internacional.

Portanto, ao tratarmos de polarização, consideramos os membros da


Sociedade Internacional nas posições superiores da estratificação hierárquica.

Segundo Calduch, os Atores à frente de cada subsistema internacional se


veem obrigados a intervir de modo crescente e constante nas relações
internacionais, com o objetivo de perpetuar sua hegemonia. A longo prazo,
haverá uma drenagem tão grande de seus recursos e capacidades para projetos
e atuações exteriores que esses Atores terão seu poder debilitado, tanto interna
quanto externamente. Um bom exemplo disso é o que ocorreu com a URSS na
década de 1980, que culminou no desaparecimento daquele Estado em 1991.

O caso da URSS é, como dito, apenas um exemplo. A “ascensão e queda


das grandes potências”, para usar os termos de Paul Kennedy, é um fato que
pode ser constatado em diversos momentos da evolução histórica da Sociedade
Internacional, sempre relacionado à incapacidade de manutenção da hegemonia
internacional nos diferentes subsistemas ao longo do tempo. A evolução é fatal:
um Ator hegemônico surge ainda quando o Sistema está polarizando por outro
ou outros atores; aos poucos, vai ocupando o vazio de poder fruto do
enfraquecimento desse ou desses, até adquirir capacidade suficiente para afetar
o Sistema. Entretanto, depois de determinado tempo – anos, décadas ou séculos
–, a única certeza é que surgirá um novo Ator para ocupar seu espaço no
Sistema Internacional. Assim como ocorre na natureza, numa lógica darwiniana,
ocorre também na Sociedade Internacional.

Entenda-se lógica darwiniana como a capacidade de um ente se adaptar


a determinado ambiente. É importante observar que um ente muito adaptado a
determinado ambiente e, portanto, bem-sucedido, pode desaparecer se as
condições se modificam.

Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

Polarização (cont.)

Há três formas de polarização internacional:


unipolaridade;
bipolaridade; e
multipolaridade.

Entende-se por unipolaridade a situação em que um só Ator é capaz de


dirigir, de modo decisivo, a dinâmica de determinado subsistema internacional.
No seu auge, o poder de influência desse Ator é incontestável, devido à
incapacidade de outro Ator fazer-lhe frente.
O exemplo clássico de unipolaridade político-militar está no Império
Romano, entre a derrota de Cartago (136 a.C.) e seu desmembramento (476
d.C.), no contexto da Sociedade Internacional mediterrânea. Um exemplo atual
poderia ser a condição dos EUA, ao menos sob a perspectiva de poder militar,
com o fim da Guerra Fria e o colapso da URSS. Alguns autores, entretanto,
discordam e vislumbram um sistema multipolar no contexto geral.

A bipolaridade ocorre quando dois Atores dividem a hegemonia de um


subsistema. Os demais componentes do Sistema acabam migrando para a
esfera de influência de um dos dois Atores principais. É possível, ainda, que os
demais Atores optem por uma política pendular, tendendo a uma ou outra esfera
de influência conforme interesses específicos e, ao mesmo tempo, “jogando”
com a disputa entre os polos. Como exemplos de sistemas bipolares no plano
político citamos: Esparta e Atenas, na Grécia clássica; Cartago e Roma, no
mundo antigo; EUA e URSS, nas quatro décadas seguintes ao término da II
Guerra Mundial (1939-1945).

Finalmente, quando o domínio de um subsistema internacional é


disputado por mais de dois Atores, tem-se a multipolaridade. Como na
bipolaridade, a hegemonia na multipolaridade não tem uma direção única, o que
obriga os distintos polos a considerarem em suas condutas internacionais os
interesses e condutas de seus pares. Quanto maior o número de Atores
polarizando o Sistema, mais complexas e aleatórias são as relações
internacionais.

Como exemplo de multipolaridade no subsistema político-militar tem-se o


Concerto Europeu, estabelecido em 1815, com a derrota de Napoleão, e que
perdurou por cerca de 100 anos na ordem europeia. Já para exemplificar a
multipolaridade econômica, apresentamos a Sociedade Internacional de nossos
dias, uma vez que, junto às Grandes Potências econômicas (EUA, Japão,
Alemanha, China), surgem também organizações intergovernamentais e blocos
econômicos (União Europeia, NAFTA, APEC, Mercosul etc.) e ainda empresas
multinacionais ou transnacionais (Exxon, General Motors, IBM, Citicorp),
algumas das quais com capacidade para influenciar o sistema de forma muito
superior à da maior parte dos Estados soberanos do globo.

Registre-se, ademais, que, para perdurar, a relação hegemônica deve


basear-se em dois alicerces: coerção e consenso. Não se pode exercer a
liderança em um sistema por muito tempo apenas com base no uso da força, ao
mesmo tempo em que hegemonia fundamentada simplesmente no
consentimento dos pares pode ser ameaçada por uma crise de legitimidade.

Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

O grau de homogeneidade e heterogeneidade

A Sociedade Internacional encontra-se condicionada também pela


presença ou ausência de homogeneidade entre seus membros. Uma vez que
existem Atores com diferentes naturezas, composições, poder e objetivos, só é
possível estudar o grau de homogeneidade/heterogeneidade se forem
comparados Atores pertencentes a uma mesma categoria. Não se pode,
portanto, comparar Estados soberanos com organizações internacionais para se
medir o grau de homogeneidade de determinado subsistema.

Existe homogeneidade internacional quando são observadas identidades


ou similitudes internas fundamentais entre os Atores que pertençam a uma
mesma categoria e participem de um mesmo subsistema internacional,
principalmente entre os Atores estatais. Já a heterogeneidade é constatada com
a existência de divergências internas básicas entre os referidos Atores.

Uma análise das relações internacionais sob o enfoque do grau de


homogeneidade/heterogeneidade da Sociedade Internacional deve considerar:

1) a comparação entre Atores da mesma categoria; e

2) a não existência de categoria com grau de homogeneidade absoluto.

Sempre haverá diferenças entre os Atores, uma vez que a diversidade é


uma característica inata das sociedades que compõem a Sociedade
Internacional.
Um terceiro aspecto que deve ser considerado é que um elevado índice
de homogeneidade em um subsistema internacional não se transfere
automaticamente aos outros subsistemas. Assim, há casos em que são
vislumbradas relações políticas homogêneas em contraposição à
heterogeneidade econômica e sociocultural em um mesmo grupo de Atores.

Finalmente, vale observar que, para alguns autores, os sistemas


homogêneos tendem a ser mais estáveis (ARON, 1986). Afinal, a
homogeneidade permite maior grau de previsibilidade na conduta internacional
dos Atores. Trata-se, entretanto, de uma tendência que não pode ser
considerada de maneira categórica, visto que ao próprio conceito de estabilidade
são atribuídas diferentes interpretações.

Muitas vezes, os Atores fazem uso dessa dicotomia


homogeneidade/heterogeneidade para conduzir seus interesses internacionais
e influenciar a conduta de outros Atores. Exemplos são os grupos que se formam
sob a égide de bandeiras como “nações civilizadas”, “países desenvolvidos”, “em
desenvolvimento” e “subdesenvolvidos”, “capitalistas, socialistas e não
alinhados”. Enquanto o caráter homogeneidade/heterogeneidade, em alguns
casos, realmente se faz presente, em outros nada mais se tem que uma forma
de apresentação internacional pouco condizente com a realidade.

Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

O grau de institucionalização

O último elemento fundamental para o estudo das relações internacionais


identificado por Calduch é o grau de institucionalização, que, por sua vez,
resumiria todos os anteriores. Para o mestre espanhol, “o grau de
institucionalização de uma Sociedade Internacional é formado pelo conjunto de
órgãos, normas e valores que, independentemente de seu caráter expresso ou
tácito, são aceitos e respeitados pela generalidade dos Atores internacionais de
um mesmo subsistema, permitindo, dessa maneira, a configuração e a
manutenção de determinada ordem internacional. ” (CALDUCH, 1991, p. 74).
Esse conceito traduz o entendimento e o consenso social que deve
imperar entre componentes de uma Sociedade Internacional ao estabelecerem
ou modificarem suas relações mútuas. Calduch defende que não se pode
analisar o grau de institucionalização apenas com base nas normas jurídicas: há
normas que não estariam envolvidas pelo Direito Internacional, ainda que este
sintetize a maior parte das instituições fundamentais da Sociedade Internacional.

Ao estudar as instituições internacionais e suas transformações, o analista


depara-se com a estrutura da ordem internacional, os interesses dos Atores e as
forças que influenciam as condutas dos membros da Sociedade Internacional ao
longo do tempo. As instituições estão relacionadas aos valores, às normas e aos
objetivos dos membros de uma sociedade e, mesmo, à essência de seus
subsistemas.

As mudanças nas instituições refletem, portanto, as transformações da


própria sociedade em que se encontram, suas formas de cooperação e seus
antagonismos.

Finalmente, Calduch afirma que a diplomacia, o comércio e a guerra são


formas de relações internacionais presentes em diversos tipos de instituições
internacionais. Daí não ser cabível, para a análise do grau de institucionalização
de uma sociedade, a exclusão de valores ou normas que emanem diretamente
da existência de conflitos bélicos.

Portanto, compreendendo as instituições de uma sociedade, pode-se


compreender seus membros, as forças que nela interferem e os reflexos das
relações entre os Atores.
Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito

O grau de institucionalização

Um exemplo recente de dificuldades geradas em modelos institucionais


críticos é a guerra em regiões menos desenvolvidas do globo. Enquanto o
conflito entre as Potências busca seguir determinadas “leis” de conduta, um
confronto em áreas menos desenvolvidas foge a qualquer padrão. Muitos oficiais
ocidentais ficaram perplexos ao combater em 2001 no Afeganistão, porque as
milícias afegãs “desconheciam os usos e costumes do direito de guerra das
nações civilizadas”. Não havia nada parecido com as instituições da guerra
clássica no cenário da Ásia Central, o que levou à violência exacerbada de
ambos os lados no combate.

Cite-se entre as principais as Convenções de Genebra de 1949 e seus


protocolos Adicionais, que regulamentam as condutas dos combatentes.

Assim, as instituições refletirão os subsistemas e a maneira como estão


ordenados. Pode-se, portanto, analisar as relações internacionais sob a ótica
das instituições que se manifestam no Sistema Internacional. É essencial,
portanto, ao internacionalista, conhecer as instituições que regem as estruturas
da sociedade objeto de seu estudo.

Assista à aula do Professor Joanisval Gonçalves, em duas partes, sobre


Sociedade Internacional, que engloba conceitos tratados neste primeiro módulo.
Vamos lá!

Concluímos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos


módulos seguintes será apresentada uma breve análise da evolução histórica da
Sociedade Internacional a partir da era moderna, com esses aspectos teóricos
operando como pano de fundo.

Conclusão do Módulo I

Concluímos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos


módulos seguintes será apresentada uma breve análise da evolução histórica da
Sociedade Internacional a partir da era moderna, com esses aspectos teóricos
operando como pano de fundo.

Dois livros importantes para se compreender a ideia de sociedade


internacional são A Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson
(Brasília: Ed. UnB, 2004) e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull (Brasília:
Ed. UnB, 2002). Bull e Watson são dois ícones da chamada Escola Inglesa de
Relações Internacionais, a qual tem uma perspectiva das relações
internacionais muito fundamentada nas ideias de sociedade internacional.

Você pode encontrar resenhas dos livros sugeridos na Internet:

# A Sociedade Anárquica e

# A Evolução da Sociedade Internacional

Parabéns! Você chegou ao final do Módulo I de estudo do curso Relações


Internacionais - Teoria e História.
MÓDULO II - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS - DA ERA MODERNA AO ENTRE-GUERRA

Unidade 1 - As Relações Internacionais na Era Moderna


Unidade 2 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX
Unidade 3 - A Primeira Guerra Mundial e o Entre-Guerras

Esta aula apresenta um panorama histórico das Relações Internacionais.


Assista com atenção!

Unidade 1 - As Relações Internacionais na Era Moderna

Ao término desta unidade, o aluno deverá ser capaz de identificar os principais


aspectos da evolução histórica da Sociedade Internacional, do início da Idade
Moderna (século XV) ao fim das Guerras Napoleônicas (século XIX). Deverá,
portanto, estar apto a discorrer sobre:
• As grandes navegações;
• As lutas entre católicos e protestantes;
• A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648);
• A paz de Westfália (1648) e
• Europa no século XVIII e a ascensão da França como Potência hegemônica.
A Sociedade Europeia da Era Moderna

O período que vai do ano 1000 até 1800 corresponde à transição do


feudalismo para o capitalismo. Nesse período, a sociedade europeia feudal –
rural, fragmentada no nível nacional, unida pela religião e marcada pelos
vínculos de vassalagem – transformou-se em outra completamente distinta, a
sociedade capitalista. Nesta, o importante era a vida urbana, influenciada pelas
transações comerciais e fundada nas relações de trabalho assalariado.

Quatro acontecimentos são especialmente importantes nesse processo: o


Renascimento, as Grandes Navegações, o advento dos Estados nacionais
absolutistas e a Reforma.

O Renascimento

Marvin Perry observa que “o termo Renascimento foi cunhado em


referência à tentativa de artistas e filósofos de recuperar e aplicar a antiga
erudição e modelos da Grécia e de Roma”. O movimento surgiu na Itália,
aproximadamente em 1350 e se estendeu até meados do século XVII. Não
surgiu na Itália por acidente. No século XIV, ela era a região mais dinâmica da
Europa: inúmeros centros comerciais, como Gênova, Veneza, Florença e Milão
se desenvolviam com vigor. Essas cidades italianas dominavam o comércio com
o Oriente e, com isso, destacavam-se no contexto europeu como Potências
comerciais e, algumas vezes, militares.

O período é um ponto de inflexão. Os contemporâneos tinham a


percepção de que davam início a um novo tempo. Tanto é assim que, para se
diferenciarem, criaram o termo “Idade Média” para se referirem aos seus
predecessores.

O Renascimento é especialmente marcado pelas mudanças ocorridas nas


artes – destacadamente na pintura, escultura e arquitetura – e nas ciências. Na
Idade Média, as artes tinham o propósito fundamental de servir à religião cristã,
vinculando-se, muitas vezes, às determinações da Igreja. Na Renascença, o
importante era a valorização do ser humano: tinha-se o antropocentrismo
renascentista se contrapondo ao teocentrismo da Igreja de Roma.

Essa percepção antropocêntrica de mundo não significa, todavia, que


houvesse uma rejeição à religião. Sem se afastarem da religião, os
renascentistas admitiam considerar o homem, obra máxima da Criação divina, o
centro de suas atenções.

A Sociedade Europeia da Era Moderna

O Renascimento (cont.)

E o Renascimento não ocorreu apenas nas Artes. A Ciência, da mesma


forma, foi afetada pelas investigações de Copérnico, Kepler e Galileu. Copérnico,
por exemplo, foi o criador da teoria heliocêntrica, que estabelecia o Sol como o
centro do universo. Isso era uma revolução, porque tirava da Terra a primazia
sobre os demais corpos celestes.

O Mapa 1 ilustra o desenvolvimento do Humanismo na Europa e a


expansão renascentista da Itália para todo o continente.

Mapa 1: O Humanismo e a Renascença na Europa

(Séculos XV e XVII)

Mapa 1: O Humanismo e a Renascença na Europa


(Séculos XV e XVII)

Fonte :http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm30.html

Interessante notar nos círculos vermelhos e verdes os principais pontos


de florescimento do Renascimento na Itália e em toda a Europa,
respectivamente. O quadrado rosa marca o local do surgimento da imprensa, e
os principais focos artísticos estão assinalados pelos pontos negros, de fato,
importantes cidades europeias. Já as setas representam a difusão do
renascimento italiano.

Sugerimos pesquisa mais aprofundada a respeito da importância do


Renascimento na formação da sociedade europeia. Uma fonte importante é A
Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson (Brasília: Editora UnB,
2004).

A Sociedade Europeia da Era Moderna

As Grandes Navegações

As Grandes Navegações, iniciadas no final do século XV, são um marco


na evolução histórica da Sociedade Internacional. Por meio delas, os europeus
aventuram-se além dos limites tradicionais de seu continente e, de maneira
generalizada, lançam-se pelos oceanos e seguem para os “quatro cantos do
mundo”, entrando em contato com as sociedades asiática, africana e americana
como nunca ocorrera antes. Com as Grandes Navegações, tem início um
processo que culminaria na hegemonia europeia no mundo e na supremacia da
chamada “civilização ocidental” sobre outros povos – muitas vezes, com
resultados fatais para as civilizações não europeias.

As Grandes Navegações podem ser consideradas o primeiro processo de


globalização da era moderna. Com elas, o comércio internacional se
desenvolveu e foram estabelecidos vínculos entre as diversas sociedades
internacionais que existiam na época. Ademais, graças ao estabelecimento dos
vínculos mercantilistas com o Novo Mundo – as Américas –, com a África e com
o Extremo Oriente, a Europa se desenvolveu, o modelo capitalista se estruturou,
e os Estados-nações europeus se tornaram Grandes Potências. Chegou-se ao
ponto em que os conflitos entre os Estados europeus repercutiam pelo planeta.

Três fatores levaram às Grandes Navegações do século XV e seguintes.


O primeiro foi o surgimento de um vívido interesse pelas vantagens que
poderiam ser obtidas por meio do comércio. Para alcançarem a Europa, os
produtos do Oriente ou da África subsaariana passavam por uma quantidade
significativa de intermediários. Tal fato encarecia substancialmente os produtos
tão desejados pelos europeus, como cravo, canela, pimenta, gengibre, noz-
moscada, seda ou porcelana. A Economia, como força profunda, impulsionaria
os europeus para as Grandes Navegações.

Em segundo lugar, havia que se considerar a escassez de metais


preciosos na Europa. Sem eles, era muito mais difícil a compra de bens da Ásia
ou da África. Isso também dificultava o desenvolvimento das relações comerciais
e, consequentemente, das relações sociais e políticas entre as diversas regiões
da Europa.

Em terceiro lugar, o século XV foi um momento de grandes melhorias na


construção de navios, nos conhecimentos geográficos e nas habilidades navais.
Nesse sentido, a tecnologia passou a ser outra força profunda a produzir
mudanças na conduta dos Atores internacionais do período. Vale lembrar que o
conhecimento, tanto de construção de embarcações quanto de técnicas de
navegação, era considerado um bem de extremo valor e cuja proteção era
questão de Estado, fundamental para países como Portugal e Espanha.

A Sociedade Europeia da Era Moderna

As Grandes Navegações (cont.)

Foram os portugueses que primeiro se lançaram em busca de novas rotas


de comércio, desafiando não só a realidade do desconhecido oceano, mas
também as ideias e temores do desconhecido gerados pelo imaginário medieval.
Apesar dos custos e dos riscos altíssimos, as viagens compensavam pelos
também altíssimos lucros obtidos. As viagens geravam, muitas vezes, lucros de
até 6.000%.
Os lucros serviam, pois, de motor que levava às incursões no litoral da
África e à posterior circum-navegação desse continente, bem como às viagens
até a Índia e à “descoberta”, pelos europeus, da América. E não tardou para que
os europeus – primeiro, os portugueses e espanhóis e, depois, holandeses,
franceses e ingleses – instalassem feitorias em locais da Ásia, África e América,
que, posteriormente, se transformaram em colônias.

O Mapa 2 ilustra os impérios coloniais português (em vermelho) e


espanhol (em verde) em seu apogeu. Destaque-se a linha divisória do mundo
estabelecida por Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas (1494), por
meio do qual, com o assentimento do Papa, os dois Estados católicos buscavam
legitimar seus direitos sobre as terras “descobertas”. Claro que nem os povos
que viviam nessas terras e nem os demais monarcas europeus foram
consultados, de modo que rapidamente Inglaterra, França e Holanda
questionariam essa hegemonia luso-espanhola, inclusive com a irônica
requisição do “testamento de Adão” que garantira aos ibéricos a herança do
mundo.

Mapa 2: Impérios Coloniais do Século XV (Portugal e Espanha)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm36.html
O fato é que logo as principais potências europeias se lançariam em busca
de novas terras e novas rotas, e uma nova era se iniciaria nas relações
internacionais.

Como observa Perry (1999, p. 280), “num desenvolvimento sem


precedentes, uma pequena parte do globo, a Europa ocidental, tornara-se a
senhora das vias marítimas, dona de muitas terras em todo o mundo e o
banqueiro e recebedor de lucros numa economia mundial que começava a
despontar”. O pequeno continente dava sinais de seu poder e da dominação que
exerceria nos séculos seguintes sobre povos e impérios de todo o globo.

Sugerimos a leitura da obra de Paul Kennedy (1991), Ascensão e Queda das


Grandes Potências, em que o autor comenta, entre outras coisas, como os
povos de um continente fragmentado, com sociedades atrasadas em relação
a outras sociedades do planeta, conseguem se lançar nos oceanos e
conquistar o mundo e as sociedades mais prósperas e desenvolvidas.

A Sociedade Europeia da Era Moderna

As Grandes Navegações (cont.)

Os efeitos para as outras regiões do mundo foram profundos: populações


inteiras – especialmente nas Américas – foram dizimadas; outras tantas,
particularmente na África, foram reduzidas à condição de escravas; plantas,
animais e doenças foram espalhadas pelos quatro cantos do mundo, e,
principalmente, dava-se início a um tipo de economia global nunca antes visto.
São forças profundas que merecem atenção: a tecnologia, dado o
aprimoramento das capacidades bélicas dos europeus e a religião, uma vez que,
junto com os conquistadores, iam os catequizadores e a ideia de “obrigação” que
tinham os europeus de “difundir o cristianismo aos povos mais atrasados”
(missões).

O Mapa 3 ilustra a época das grandes navegações e da expansão


europeia. A partir das terras conhecidas pelos europeus na Idade Média (trecho
em laranja), há a expansão por terra – com as viagens de Marco Pólo que
apresentaram a Europa ao Império Chinês – e por mar – graças a intrépidos
navegadores como Cristóvão Colombo (que descobriu a América), Vasco da
Gama (o qual, ao dobrar o “Cabo das Tormentas”, passando a chamá-lo de
“Cabo da Boa Esperança”, estabeleceu a rota marítima para as Índias,
garantindo a Portugal a hegemonia no comércio com a Ásia) e Fernando de
Magalhães (primeira viagem ao redor do mundo – apesar de ele mesmo ter
morrido no caminho) –, e um Novo Mundo surge diante do europeu
renascentista. Cite-se ainda as viagens do inglês Jean Cabot, que em 1497
chega à Nova Inglaterra, e do francês Jacques Cartier, que em 1534 chega à foz
do rio São Lourenço e “toma as terras do Canadá para a Coroa Francesa”. O
mapa revela as terras conhecidas pelos europeus no fim do século XVI (em
amarelo).

Mapa 3: As Grandes Navegações e as “Descobertas” Européias

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm34.html

Para melhor compreender o significado das grandes navegações e seu


impacto nas relações internacionais dos séculos XV e XVI, um filme
interessante é 1492: A Conquista do Paraíso, de Ridley Scott. Para saber mais
sobre o filme, veja o resumo e o contexto histórico na internet.
Leia também o texto As Grandes Navegações.

A Sociedade Europeia da Era Moderna

O Advento do Estado Absolutista

A partir do século XIII, ocorreu na Europa o fenômeno do fortalecimento


do rei e da monarquia. Por intermédio de guerras, alianças e casamentos, os reis
se fortaleceram e foram decisivos nos processos de construção dos Estados
nacionais europeus. Os Estados nacionais se formaram, então, como uma cunha
entre o poder local da nobreza e das cidades e o poder universal da Igreja.
Alguns, como Espanha, França e Inglaterra, foram bem-sucedidos. Outros, como
Itália e Alemanha, não conseguiram constituir-se em unidades nacionais até a
última metade do século XIX.

O Mapa 4 revela a divisão da Europa no século XIII.

Mapa 4: A Europa no Século XIII

Fonte: http://perso.wanadoo.fr/alain.houot/index.html
No processo de fortalecimento da monarquia, foi importante a criação de
algumas instituições. A primeira delas foi a do imposto nacional, que se
diferenciava da cobrança de tributos feita pelos senhores feudais. Enquanto esta
se fundava nas relações pessoais de vassalagem, o imposto moderno baseava-
se na ideia de que a contribuição era feita para a construção de um bem comum.

A segunda importante instituição foi a de exércitos nacionais. Se, antes,


os reis dependiam das relações pessoais com a nobreza, pois precisavam dos
senhores feudais e de seus exércitos particulares, agora tinham uma força militar
própria, mantida com os novos impostos arrecadados.

A Sociedade Europeia da Era Moderna

O Advento do Estado Absolutista (cont.)

O terceiro aspecto importante para o desenvolvimento do Estado


absolutista foi a criação de uma administração civil ligada ou ao rei ou ao Estado.
Dessa forma, o soberano se desligava das relações particulares com a nobreza
para poder governar. Ademais, tinha-se aí o embrião do que seria a burocracia
estatal, essencial para o governo dos Estados modernos.

Uma obra importante sobre o Absolutismo é "Linhagens do Estado


Absolutista", de Perry Anderson.

Os Estados absolutistas eram, pois, Estados em que o poder se


encontrava concentrado, em razão das instituições como o sistema tributário, o
exército nacional e a administração pública, nas mãos do rei. A figura do Estado
se fundia com a do soberano. Daí as palavras atribuídas a Luís XIV, soberano
absolutista francês: “L’Etat c’est moi!” (“o Estado sou eu!”).

Importante considerar, também, a preocupação dos Estados absolutistas


com a economia nacional, especialmente com o comércio. Essa preocupação se
dava, porque visava à arrecadação de fundos, especialmente sob a forma de
metais preciosos e impostos. Nesse sentido, uma nova classe, cada vez mais
próxima do soberano, se estruturou: a burguesia. Era formada pelos
comerciantes e outros profissionais liberais das cidades que ganhavam força
frente à nobreza ao contribuir para o financiamento do Estado moderno.

Por fim, o aparecimento dos estados absolutistas provocou grande


mudança no sistema internacional. Hélio Jaguaribe (2001, p. 481) observa que
“o século XVII se caracterizou na Europa pela emergência de grandes potências,
contrastando com o mundo do Renascimento, quando as cidades-estados da
Itália desempenhavam os principais papéis na arena internacional, cercadas por
países potencialmente poderosos, como a França, a Espanha e a Inglaterra, que,
no entanto, viviam em condições medievais. No princípio do século XVII, esses
países tinham conseguido em grande parte alcançar sua integração nacional, e
começavam a ter um papel internacional importante."

A Sociedade Europeia na Era Moderna

A Reforma (cont.)

No ano de 529, a Academia de Platão, em Atenas, fora fechada. Em um


decreto desse ano, o imperador romano Justiniano manifestou-se contra a
filosofia, iniciando uma acomodação do desenvolvimento cultural em direção à
Igreja. No mesmo ano, é fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande
ordem religiosa. Dali em diante, os mosteiros passariam a deter o monopólio da
educação, da reflexão e da meditação. Na Idade Média, teve plena vigência o
clássico ensinamento de Agostinho: “é necessário compreender para crer e crer
para compreender”.

No século XVI, iniciou-se um amplo movimento de reforma religiosa, que


marcou o fim do monopólio religioso da Igreja Católica Romana sobre a Europa
Ocidental. Esse movimento afetaria definitivamente a política, a economia, a
cultura, a sociedade, enfim, as relações de poder no cenário europeu e mundial.

Até a Reforma, além do monopólio sobre a fé da cristandade, a Igreja


Católica tinha um domínio cultural, político, econômico e espiritual único. Cada
aspecto da vida era rigidamente controlado. A força do Papa, o Bispo de Roma,
tanto política quanto religiosa, sobre a Europa Ocidental era tamanha que, no
século XIII, a Igreja podia proclamar que cada pessoa, praticamente em toda a
Europa Ocidental, tinha fé em Deus de acordo com sua doutrina e seus
sacramentos.

Esse controle, no entanto, acabou por se voltar contra a própria instituição.


Como observa Perry (1999, p. 231), “obstruído pela riqueza, viciado no poder
internacional e protegendo seus próprios interesses, o clero, do papa abaixo,
tornou-se alvo de um bombardeio de críticas. ”. De um lado, criticava-se a
supremacia da Igreja sobre os reis. De outro, a corrupção, o nepotismo, a busca
de riqueza pessoal por parte dos bispos e do papa, o relaxamento do
cumprimento das obrigações espirituais e a venda de indulgências. Inúmeros
cristãos passaram a criticar abertamente as práticas da Igreja e do clero. O mais
famoso e mais importante crítico da Igreja foi o monge Martinho Lutero.

A Reforma se iniciou em 1517, com as críticas de Lutero à venda de


indulgências. Indulgências eram obras que os cristãos faziam, em vida, para
reduzir o seu tempo, após a morte, no purgatório. A maior parte dessas obras
era constituída de doações à Igreja. Lutero questionava a validade moral da
venda de indulgência e a possibilidade de que elas poderiam redimir o homem
pecador. Lutero defendia que o homem, apesar de ser intrinsecamente
condenado pelo pecado original, poderia obter a redenção por meio da fé, do
arrependimento pessoal, do arrependimento pelos pecados e pela confiança na
piedade de Deus.

A Sociedade Europeia na Era Moderna

A Reforma (cont.)

Aspecto importante das teses de Lutero repousa no fato de que o monge


propunha, em última instância, a dispensa da necessidade da própria Igreja para
que o homem tivesse sua religiosidade e seu contato com o Criador. As
consequências da doutrina luterana ultrapassavam a esfera religiosa, pois
ameaçavam a dominação político-ideológica que a Igreja de Roma exercia sobre
os reinos europeus e seus soberanos.
Lutero, ao contrário de outros que atacaram a Igreja, obteve proteção da
aristocracia europeia. Mais especificamente, foi protegido por Frederico, príncipe
da Saxônia, na Alemanha. Posteriormente, Lutero deixou claro que não desejava
de forma alguma ser uma ameaça à autoridade política dos príncipes alemães.
Além disso, declarou que o bom cristão era aquele que obedecia às leis e à
ordem.

De fato, Martinho Lutero obteve a simpatia de príncipes e de cidades em


toda a Alemanha. As razões foram simples. Ao se desqualificar a Igreja Católica,
abria-se a possibilidade de confisco das terras desta pelos príncipes e nobres e
do fim dos pesados tributos que a ela eram pagos. Além disso, os príncipes
alemães sentiam-se livres para resistir ao Sacro Império Romano, do católico
Carlos V. Este, pressionado por ameaças externas – a França, a oeste, e os
turcos, a leste – acabou por assinar a Paz de Augsburgo, em 1555. Esse acordo
basicamente definiu que cada príncipe poderia determinar a religião de seus
súditos.

Filme indicado: Lutero, de Eric Till, conta a história do monge alemão que se
rebelou contra o abuso de poder na Igreja Católica há 500 anos. Trata-se de
filme interessante para auxiliar na compreensão da Reforma e da
Contrarreforma.

As 95 teses de Lutero que abalaram a Europa renascentista estão


disponíveis em um sitio interessante: a Revista Espaço Acadêmico. Veja,
também, a biografia do monge.
A Sociedade Europeia na Era Moderna

Reforma (cont.)

No Mapa 5, temos a Europa no século XVI, dividida entre os diferentes


grupos de protestantes (em verde) – calvinistas, luteranos e anglicanos –,
católicos fiéis a Roma (em rosa) e ortodoxos (em laranja). Cite-se ainda a
constante pressão do Império Otomano, baluarte do mundo islâmico e um Ator
muito relevante no cenário europeu da época. Claro que as disputas da
cristandade centravam-se em católicos x protestantes, mas alianças com
Constantinopla muitas vezes eram consideradas.

Mapa 5: A Europa à Época da Reforma: a Divisão da Cristandade

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm32.html
É importante observar que o descontentamento com a Igreja era grande
em boa parte da Europa. O protestantismo, não só da linha luterana, espalhou-
se com muita rapidez por todo o norte do continente. A reação católica, a
Contrarreforma, deu-se sob diversas formas. A primeira delas foi no campo da
atuação religiosa. Como observa Perry (1999, p. 242), “a princípio, a energia
para a reforma veio do clero comum, bem como de leigos como Inácio de
Loyola”. Loyola foi o fundador da famosa Companhia de Jesus. Como fora
treinado como soldado, ele organizou os jesuítas de forma rígida e altamente
disciplinada.

A Contrarreforma também enfatizava a pregação, a reconversão dos que


se afastaram da Igreja, a construção de templos, a censura, a perseguição a
protestantes e a outros hereges. Também é importante ressaltar que a Igreja,
por intermédio do Concílio de Trento, de 1545 a1563, modificou ou eliminou
muito dos pontos criticados pelos protestantes, como, por exemplo, a venda de
indulgências. Por outro lado, o Concílio não fez nenhuma concessão ao
protestantismo.

A Reforma significou o enfraquecimento da Igreja e o consequente


fortalecimento dos Estados. Além disso, a Europa se viu dividida em duas: uma
protestante, no norte, e outra católica, no sul do continente. Essa tensão
permaneceria e seria especialmente sentida no século seguinte.

De fato, as disputas entre católicos e protestantes teriam um importante


reflexo nas relações internacionais europeias durante mais de dois séculos, em
especial porque estavam associadas também às rivalidades entre as Potências
europeias. Do ponto de vista das relações internacionais, os novos Estados
protestantes aliavam-se para se contrapor à dominação hegemônica da Igreja e
de seu principal defensor político, a dinastia dos Habsburgos, o grandehegemon
europeu, que tinha um império que englobava a Espanha e a Áustria. Essas
rivalidades religiosas e políticas culminariam na Guerra dos Trinta Anos.

Os conflitos entre católicos e protestantes marcaram a Europa por dois


séculos, e seus efeitos alcançam nossos dias. Um filme muito interessante para
se compreender o período é A Rainha Margot, de Patrice Chéreau. Veja o
resumo e o contexto histórico do filme.
A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

A Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, primeiro grande conflito


armado dos tempos modernos, envolveu grande parte da Europa. Essa grande
confrontação do século XVII poria termo ao período de um século de disputas
entre católicos e protestantes e daria início a um novo sistema europeu de
relações internacionais cujos fundamentos alcançariam o século XXI.

O sistema internacional no século XVII foi marcado inicialmente pela


preponderância da Espanha. Seus concorrentes, porém, não tardaram a ocupar
o seu lugar de destaque. A França surgiu como um país importante enquanto a
Inglaterra preparou o terreno, especialmente nas últimas décadas do século,
para se tornar hegemônica no século seguinte. A perda da hegemonia espanhola
esteve ligada a vários fatores. Jaguaribe (2001, p. 486) observa que a
decadência espanhola “resultou da combinação de quatro causas principais:
certas debilidades institucionais; estruturas sociais predatórias; compromissos
ideológicos utópicos; e a adoção de políticas equivocadas”

Importante lembrar que a Espanha, católica, era a potência hegemônica


no início do século XVII. O domínio de Felipe III (1598-1621) abrangia toda a
Península Ibérica, as colônias da América, incluindo o Brasil, o sul da Itália,
Milão, ilhas no Mediterrâneo, Filipinas e enclaves na África.

Especialmente equivocada foi a decisão espanhola de ser defensora da


fé católica. Isso não apenas fez ressurgir, em grau muito maior, as guerras
religiosas do século anterior, mas também levou a Espanha a perder a sua
condição de principal potência do continente europeu.

O século XVII, ressalta Jaguaribe (2001, p. 485), "foi marcado pelos


conflitos religiosos mais agudos já ocorrido no ocidente. Herdados do século
precedente, eles culminaram na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)", que foi,
pois a tentativa militar dos católicos de conter o protestantismo.

O Mapa 6 ilustra a Europa em 1600, dividida entre reinos católicos e


protestantes.
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr7.html

Antes de entrarmos diretamente na Guerra dos Trinta Anos, convém um


rápido parêntese. Em 1556, o Imperador Carlos V, após ter assinado a Paz de
Augsburgo, abdicou e dividiu em dois os seus domínios: de um lado, a Espanha,
Países Baixos, colônias americanas e Itália ficaram para seu filho Felipe II (no
mapa, em laranja); de outro, a Áustria, que ficou com seu irmão Fernando (em
amarelo). Com isso, a família Habsburgo ficou dividida em dois ramos, ambos
católicos e, frequentemente, aliados.

A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

A Guerra

A chamada Guerra dos Trinta Anos começou em 1618 como conflito


religioso entre católicos e protestantes na Boêmia e adquiriu caráter político em
torno das contradições entre Estados territoriais e principados. Envolveu a
Alemanha, Áustria, Hungria, Espanha, Holanda, Dinamarca, França e Suécia.
Importante para o início da Guerra dos Trinta Anos foi a ascensão de
Fernando II ao trono austríaco, em 1619. Na época, Fernando II, imperador do
Sacro Império Romano-Germânico era também rei da Boêmia. Os rebeldes
negaram-lhe esse título e entronizaram o príncipe eleitor calvinista Frederico do
Palatinado. Segundo Perry (1999, p. 266):

A Guerra dos Trinta Anos começou quando os boêmios (...) tentaram


colocar no seu trono um rei protestante. Os Habsburgos austríacos e espanhóis
reagiram, mandando um exército ao reino da Boêmia; de súbito, todo o império
foi forçado a tomar partido dentro de linhas religiosas. A Boêmia sofreu uma
devastação quase inimaginável: três quartos de suas cidades foram saqueadas
e queimadas e sua aristocracia foi praticamente exterminada.

O resultado foi o envolvimento de outros príncipes protestantes. O mais


importante deles na primeira fase da Guerra, que vai até 1632, foi o rei da Suécia,
Gustavo Adolfo, morto em batalha naquele ano. A possibilidade de paz entre
Fernando II e os príncipes alemães leva à cena um novo Ator, a França,
preocupada com a excessiva força que poderia ter a Áustria.

Sob o comando do cardeal Richelieu, a França, apesar de católica como


os austríacos, posicionou-se contra estes. Primeiramente, de forma encoberta,
depois de maneira ostensiva. Richelieu estava convencido de que a continuidade
da França como grande poder internacional dependia da guerra contra os
Habsburgos. Assim, a França financiava ou apoiava todos os que se opusessem
ao domínio austríaco ou espanhol, ou, quando necessário, guerreavam
diretamente contra eles. A França, aliás, derrotou o até então imbatível exército
espanhol na batalha de Rocroy, em 1643. Para a Espanha, o custo dessa derrota
foi altíssimo, pois significou o fim da invencibilidade de seu poderoso exército e
a vida de 15 mil soldados.

A maneira como Richelieu se portou politicamente influenciaria o sistema


internacional pelos próximos séculos. Richelieu criou ou ajudou a criar conceitos
como o de “razão de estado” e “equilíbrio de poder”. Henry Kissinger (1999, p.
60) analisa que “de início, ele [Richelieu] queria impedir a dominação dos
Habsburgos sobre a Europa, mas ao final deixou um legado que por dois séculos
provocou seus sucessores a tentarem o primado francês na Europa. Do fracasso
dessas tentativas, brotou o equilíbrio de poder, primeiro como um fato da vida,
depois como forma de organizar relações internacionais (...). Quando a guerra
terminou, em 1648, a Europa Central fora devastada e a Alemanha perdera
quase um terço de sua população. No tumulto desse conflito trágico, o cardeal
Richelieu enxertou o princípio da raison d´état (razão de estado) na política
externa francesa, princípio que os outros estados europeus adotaram nos cem
anos seguintes”.

Convém reproduzir mais algumas das conclusões de Kissinger (1999, p.


63): “o objetivo de Richelieu era romper o que ele considerava o cerco da França,
exaurir os Habsburgos e impedir a emergência de uma grande potência nas
fronteiras da França – especialmente na fronteira alemã. Seu único critério para
alianças era que elas atendessem aos interesses da França, aplicado
primeiramente aos estados protestantes, mais tarde até ao Império Otomano
muçulmano”.

Assim, a conduta da França reflete a maneira racional e pragmática como


as grandes Potências atuam no cenário internacional. Apesar de católica, a
França não hesitou em aliar-se aos protestantes para se contrapor à hegemonia
espanhola. Essa conduta garantiria o fortalecimento da França nos anos
seguintes, de modo que, com o fim da guerra e o declínio do poder espanhol, o
Estado francês assumiria o papel de nova Potência hegemônica no continente.

A Guerra dos Trinta Anos chegaria a termo por meio da Paz de Westfália
(1648), e uma Nova Ordem seria estabelecida no cenário europeu e,
consequentemente, nas relações internacionais da Era Moderna.

Leia mais sobre a Guerra dos Trinta Anos acessando o sítio “Vultos e episódios
da Época Moderna”.
A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

A Paz de Westfália (1648)

A paz foi alcançada porque a guerra, após as suas várias fases, se


mostrou impossível de ser vencida de maneira efetiva. Segundo Jaguaribe
(2001, p. 483), “se foi possível chegar finalmente a um acordo negociado, depois
de disputas ferozes, isso se deveu à incapacidade dos Atores em conflito de
impor pela força os seus respectivos dogmas”.

O primeiro dos tratados, assinado em janeiro de 1648, pôs fim à guerra


entre Espanha e Holanda. Em outubro do mesmo ano, pressionada por seus
aliados alemães, a Espanha também selou a paz com os franceses.

Os tratados de Westfália significaram o fim das ambições dos Habsburgos


austríacos e espanhóis e a vitória da política externa francesa, iniciada com
Richelieu. Os franceses, além de acabarem com as pretensões dos seus
adversários, ainda tiveram algumas importantes conquistas territoriais. O
fantasma de uma Alemanha unificada, ameaça à França pelo leste, manteve-se
afastado por duzentos anos.

Carpentier e Lebrun (1993, p. 229) anotam que a Europa era


“politicamente muito diferente da de 1560 ou 1600. A Casa da Áustria já não era
um perigo para a paz europeia. (...) A Espanha, enfraquecida e amputada, já se
não contava entre as potências de primeira plana. A Inglaterra, saída do
isolamento em que havia ficado a seguir à guerra civil (...), as Províncias Unidas
[Holanda], independentes e aumentadas, a Suécia, dominadora do Báltico, eram
já grandes potências (...). O facto essencial era, todavia, a situação de
preponderância adquirida pela França. O reino (...) não só era mais vasto e mais
bem defendido como também dispunha de uma clientela em que se contavam
quase todos os países europeus. De resto, o prestígio intelectual e artístico da
França não cessava de crescer. Começara a era da preponderância francesa na
Europa”.
No Mapa 7, pode-se perceber a nova configuração de poder no continente
europeu, com destaque para as fronteiras nacionais e os limites assegurados
pelo Tratado de Westfália. A maior parte dessas fronteiras acabaria modificada
nos séculos seguintes.

Mapa 7: A Europa em 1648

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr9.html

A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

O Legado de Westfália

Importante sublinhar que o Tratado de Westfália marca o fim de cento e


cinquenta anos de conflito entre os nascentes Estados europeus e o fim das
ambições dos Habsburgos. Nasce, então, um novo tipo de Sistema
Internacional, cujos Atores eram, essencialmente, os Estados. Além disso, a
história posterior da Europa caracterizar-se-ia pelo princípio da anti-hegemonia,
isto é, os Estados agiriam no sentido de evitar que um se tornasse a potência
hegemônica (balanço de poder). O Tratado de Westfália, assim, foi responsável
por grandes mudanças no sistema internacional europeu. Ao contrário de boa
parte dos acordos e pactos que eram firmados anteriormente, ele não serviu
apenas para pôr fim a um conflito, mas também para tornar o Estado o principal
Ator das relações internacionais. Além disso, os Estados, independentemente
do tamanho, se viram como iguais e participantes de um mesmo Sistema
Internacional.

Trata-se de um momento histórico fundamental para as Relações


Internacionais. O Tratado de Westfália, de 1648, inaugurou uma nova fase na
história política daquele continente, propiciando o triunfo da igualdade jurídica
dos Estados, com o que ficaram estabelecidas sólidas bases para uma
regulamentação internacional mínima. Essa igualdade jurídica elevou os
Estados ao patamar de únicos Atores nas políticas internacionais, eliminando o
poder da Igreja nas relações entre os mesmos e conferindo aos mais diversos
Estados o direito de escolher seu próprio caminho econômico, político ou
religioso. Ficou, então, consagrado o modelo da soberania externa absoluta,
tendo início uma ordem internacional protagonizada por Atores com poder
supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas. Mais tarde, os
contratualistas (Locke, Rousseau) e, em 1789, a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, trariam os elementos caracterizadores da soberania que
seriam adotados por várias Constituições: unidade, indivisibilidade,
inalienabilidade e imprescritibilidade.

Importante também sublinhar que o primeiro ponto em que os diplomatas


em Westfália acordaram foi que as três confissões religiosas dominantes no
Sacro Império (o catolicismo, o luteranismo e o calvinismo) seriam consideradas
iguais. Revogava-se, assim, a disposição anterior nesse assunto, firmada pela
Paz de Augsburgo, em 1555, que dizia que o povo tinha que seguir a religião do
seu príncipe (cuius regios, eius religio). Isso não só abria uma brecha no
despotismo como abria caminho para a concepção de tolerância religiosa, que,
no século seguinte, se tornaria bandeira dos iluministas, como John Locke e
Voltaire. Além disso, a nova doutrina da Razão de Estado, extraída das
experiências provocadas pela Guerra dos Trinta Anos, exposta e defendida pelo
Cardeal Richelieu, defendia que um reino tem interesses permanentes que o
colocam acima das motivações religiosas. O antigo sistema medieval, que
depositava a autoridade suprema no Império e no Papado, dando-lhes direito de
intervenção nos assuntos internos dos reinos e principados, foi substituído pelo
conceito de soberania de Estado, inaugurando-se um novo sistema em que os
Estados têm direitos iguais baseados numa ordem constituída por tratados e pela
sujeição à lei internacional.

Essa situação político-jurídica perdura até os nossos dias, apesar de


haver hoje, particularmente da parte dos EUA, um forte movimento
supranacional intervencionista, com o objetivo de suspender as garantias de
privacidade de qualquer Estado frente a uma situação de emergência ou de
flagrante violação dos direitos humanos.

A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália

A história europeia após o tratado de Westfália é a contínua busca, por


parte da França, de obtenção da hegemonia europeia e a resistência, por parte
dos demais Atores europeus, a esse intento. Na busca desses objetivos,
imperam as relações pragmáticas e as alianças de ocasião. No século que se
seguiu à Paz de Westfália, “a raison d’état [razão de estado] passou a ser o
princípio orientador da diplomacia europeia”, registra Kissinger (1999, p. 66).

O período pode ser divido em três fases:

A primeira vai de 1648 a 1740 e é de preponderância francesa. A Áustria


recuou de suas pretensões na Alemanha e conquistou, gradativamente, vastas
regiões ao longo do rio Danúbio. A Espanha lentamente se retirava do papel de
potência de primeira ordem. A Inglaterra, a partir da Revolução Gloriosa, de
1688, tornou-se uma monarquia em que o Parlamento tinha papel
preponderante. A França, especialmente sob Luís XIV “esforçou-se (...) por
reforçar o absolutismo monárquico em França e por impor, mais ou menos
diretamente, a sua lei à Europa. Falhou, porém, nesta sua última pretensão
perante a coligação dos Estados europeus – enquanto, na Europa Central e
Oriental, a Prússia começava a salientar-se, e Pedro, o Grande, procurava
conseguir que a Rússia saísse do seu isolamento” (CARPENTIER; LEBRUN,
1993, p. 233).

Essa Europa do início do século XVIII encontra-se no Mapa, veja:

Mapa 8: A Europa no Início do Século XVIII

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr11.html

A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália (cont.)

A segunda fase vai de 1740 a 1792 e se caracteriza pela preponderância


marítima da Inglaterra e pelo equilíbrio das potências continentais. “A luta, no
mar e nas colônias, entre a Inglaterra – onde, a despeito das tendências de poder
pessoal de Jorge III, prosseguia a evolução para o regime parlamentar – e a
França – onde o absolutismo de Luís XV e Luís XVI enfrentava dificuldades cada
vez maiores – veio a dar a vantagem à Inglaterra, que se tornou a primeira
potência mundial graças à sua superioridade marítima e ao avanço resultante
dos começos da revolução industrial. Na Europa Central e Oriental, a Prússia de
Frederico II, a Áustria de Maria Teresa e José II e a Rússia de Isabel e de
Catarina II eram concorrentes entre si, mas equilibravam-se e chegaram a
acordo para crescer à custa do Império Otomano e da Polônia, que foi totalmente
desmembrada” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 247).

O último período vai de 1792 a 1815 e se caracteriza por ser o momento


do apogeu e do fracasso do projeto de uma Europa francesa. “Entre 1789 e 1815,
a Europa respirou ao ritmo da França. A ‘Grande Nação’ impôs-se, primeiro, pela
força das ideias e, depois, pela das armas. De 1792 até 1815, a guerra opôs
permanentemente a França às monarquias europeias. Napoleão Bonaparte,
herdeiro dessa guerra, tentou construir uma Europa Continental francesa. Mas a
obstinação britânica, que inspirava e financiava as diversas coligações das
coroas, acabaria por vencer o Grande Império. A França foi, então, vítima não
só dos reis como também dos povos, cujos sentimentos ajudara a despertar”
(CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 277).

Sob o prisma das Relações Internacionais, convém observar a


importância da Potência hegemônica em um sistema e o grau de influência sobre
os outros Atores. Na Nova Ordem estabelecida a partir de Westfália, a França
ascendeu à condição de Potência hegemônica, que havia sido da Espanha sob
os Habsburgos. O século que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos foi um século
francês, no qual a sociedade internacional era influenciada pela sociedade
francesa. Daí a expansão do Iluminismo pela Europa e Américas, os costumes
e até o idioma francês influenciando outros povos ou gerando reações
nacionalistas, como ocorre hoje com a língua inglesa e o american way of life.

Assim, o sistema passou a gravitar em torno da França. Essa ordem


começou a ruir quando se modificou o equilíbrio de poder no continente, em
virtude de transformações radicais no interior do hegemon. A maior dessas
transformações foi a Revolução Francesa, que abalou a estrutura de poder no
interior da Potência hegemônica e acabou repercutindo em todo o continente –
chegando inclusive ao Novo Mundo – com as guerras napoleônicas.
Mais um livro útil como referência sobre o período a partir de uma perspectiva
de Relações Internacionais, além do já sugerido anteriormente - “Ascensão e
Queda das Grandes Potências", de Paul Kennedy -, é "Diplomacia", de Henry
Kissinger.

Leia mais sobre a Guerra dos Trinta Anos acessando o sítio “Vultos e episódios
da Época Moderna”.

Unidade 2 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX

Ao concluir o estudo desta Unidade, o aluno deverá ser capaz de discorrer


sobre os principais aspectos das relações internacionais do século XIX,
particularmente sobre:
• Os antecedentes da Nova Ordem do século XIX: a Revolução Francesa e as
Guerras Napoleônicas;
• O congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu;
• As Revoluções do século XIX;
• os nacionalismos e as unificações da Itália e da Alemanha;
• a ascensão da Alemanha unificada como Grande Potência;
• o neocolonialismo;
• os novos atores entre as Grandes Potências fora da Europa;
• Estado-nação.

Bom estudo! Não se esqueça de fazer anotações, de abordar com


comprometimento os exercícios de fixação oferecidos e de, sempre que
possível, realizar atividades propostas para tornar o curso mais dinâmico: filmes,
livros, links na Internet.
A Nova Internacional do Século XIX - Antecedentes

A Revolução Francesa

A Revolução Francesa (1789) foi um evento que marcou profundamente


a sociedade europeia. Inspirada pelos ideais iluministas e liderada pela
burguesia com apoio popular, a Revolução tinha por lema "Liberdade, Igualdade,
Fraternidade" e ressonou em todo o mundo, da Europa ao continente americano,
pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses. Foi
marco e referência para grandes transformações sociais e políticas que
aconteceriam pelo mundo nos séculos seguintes.

O Mapa 9 apresenta a configuração política da Europa à época da


Revolução Francesa. Note-se como a França Revolucionária estava cercada
pelas potências absolutistas defensoras do Antigo Regime. Apesar disso, os
ideais revolucionários se expandiriam para muito além das fronteiras do Reino
da França.

Mapa 9: A Europa à época da Revolução Francesa

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr13.html
Registre-se que essa ressonância da Revolução Francesa foi tanto prática
quanto simbólica. A Revolução foi marcante por ter atingido a principal
monarquia europeia e o maior e mais populoso país europeu (se excluída a
Rússia). De fato, as transformações que marcariam a Europa e a civilização
ocidental no século XIX seriam influenciadas diretamente por aquelas mudanças
ocorridas no âmbito doméstico da França, então a Potência hegemônica no
continente. Nesse sentido, podemos perceber como transformações nas
Grandes Potências acabam afetando todo o sistema internacional,
proporcionalmente ao grau de poder dessa Potência.

Exemplo disso são as mudanças ocorridas nos EUA após o 11 de


setembro de 2001 e seus efeitos em todo o globo.

A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

Revolução Francesa (cont.)

Assim, para os defensores da ordem, a Revolução era perigosa, porque


retirava os alicerces do Antigo Regime. A título de exemplo, foi apenas em 1789
que, pela primeira vez na história da França, uma Assembleia Nacional foi eleita
e aboliu o feudalismo e seus privilégios. Além disso, também naquele ano, a
Bastilha, o símbolo do poder real, foi tomada de assalto, palácios foram
saqueados e revoltas ocorreram no campo, com os camponeses se sublevando
e questionando, de maneira praticamente inédita no país, o modelo de servidão
estabelecido pelo sistema feudal. Como se não bastasse, uma Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada como preparativo para uma
Constituição, e a Igreja foi subordinada ao Estado. Eram mudanças que
afetavam o cerne de uma ordem doméstica tradicional e que acabariam afetando
as estruturas da ordem internacional que tinha a França como principal
protagonista.

Denominou-se Antigo Regime à ordem estabelecida na Idade Moderna na


qual a monarquia absolutista conjugou-se com as principais forças políticas da
sociedade: por meio do Mercantilismo, a monarquia aliou-se à burguesia e ao
mesmo tempo manteve-se unida à nobreza e ao alto clero, concedendo
privilégios a esses dois últimos grupos, muitas vezes em detrimento da burguesia
e sempre às custas dos impostos cobrados do povo.

Não tardou, pois, a reação. As Potências Europeias promoveram ataques


contra o território francês na tentativa de restabelecer o trono de Luís XVI e o
Antigo Regime (vide Mapa 10 – em roxo, a ofensiva dos países da coalizão). As
cabeças coroadas da Europa não poderiam arriscar que um de seus membros
mais importantes fosse derrubado por um levante popular.

Nesse contexto, Luís XVI tentou fugir para o exterior. Preso no meio do
caminho, foi levado de volta a Paris e guilhotinado. A República foi proclamada,
e a França se viu, externamente, em um estado quase permanente de guerra.
Internamente, a Revolução mergulhou no Terror – aproximadamente 40 mil
pessoas morreram – e na luta entre as diversas facções. Após um período de
contrarrevolução e de agravamento dos conflitos internos, o poder passou para
as mãos dos generais. Um deles, Napoleão Bonaparte, assumiu o controle do
governo em novembro de 1799.

Mapa 10: A Revolução Ameaçada (1792-1794)

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/Rev_Emp/revemp3.html
A nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

Napoleão Bonaparte

Napoleão, “na verdade, pertencia à tradição do despotismo esclarecido


do século XVIII. Da mesma maneira que os déspotas reformadores, admirava a
uniformidade e a eficiência administrativas, era avesso ao feudalismo, à
perseguição religiosa e à desigualdade civil e defendia a regulamentação
governamental na indústria e no comércio” (PERRY, 1999, p. 339).

Apesar de não se identificar com o republicanismo e com a democracia


das fases mais radicais da Revolução, Bonaparte era visto, pelos demais países
europeus como seu continuador. Isso se deu, em grande parte, porque o general
corso estendeu, “com diferentes graus de determinação e sucesso, (...) as
reformas da Revolução a outras terras. Seus funcionários instituíram o Código
Napoleônico, organizaram um serviço civil efetivo, abriram carreiras de talento e
nivelaram os encargos tributários. Além de abolir a servidão, os pagamentos
senhoriais e as cortes da nobreza, eliminaram os tribunais clericais, fomentaram
a liberdade religiosa, autorizaram o casamento civil, exigiram que se
concedessem direitos civis aos judeus e combateram a interferência do clero na
autoridade secular. (...) Napoleão dera início a uma revolução social de
amplitude europeia, que atacou os privilégios da aristocracia e do clero – que se
referiam a ele como o ‘jacobino coroado’ – e beneficiou a burguesia” (PERRY,
1999, p. 344).

Vejamos como se deu a influência das ideias e das novas instituições,


segundo Duroselle (1976, p. 8):

- As zonas “assimiladas”, anexadas ao território do grande Império, ou


efetivamente vassalas (reino da Itália): aí, os direitos feudais foram suprimidos,
a igualdade estabelecida perante a lei, o código napoleônico adotado e a
administração calcada sobre a da França.

- As zonas de “influência”, onde a anexação foi indireta, mas o Antigo Regime foi
eliminado pelas autoridades francesas. É o caso da maior parte da Alemanha
entre o Reno e o Elba, do Grão-Ducado de Varsóvia, do Reino da Sicília e do
Reino de Nápoles.
- As zonas de “resistência positiva”, essencialmente a Prússia, onde os dirigentes
(...) calcularam que o melhor meio de encerrar a luta contra a França era pôr em
prática extensas reformas sociais (abolição da servidão e dos direitos feudais).

- As zonas de “resistência passiva”, essencialmente a Áustria e a Rússia, onde


a luta contra a França não se fez acompanhar de nenhuma reforma profunda: o
sistema senhorial foi mantido na Áustria, a servidão e o Tchin (nobreza ligada à
função pública) na Rússia.

Enfim, a Inglaterra, depois de 1800 chamada de “Reino Unido da Grã-


Bretanha e Irlanda”, que, por um lado, jamais havia sido conquistada e, por outro,
já possuía um regime suficientemente liberal para que tivesse a tentação ardente
de imitar a França.

A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

Napoleão Bonaparte (cont.)

Portanto, a Era Napoleônica foi marcada por uma série de conflitos


armados ocorridos entre 1799 e 1815, quando a França enfrentou várias alianças
de Potências europeias. O principal motivo das campanhas francesas, após
1789, era defender e difundir os ideais da Revolução Francesa, mas, com a
ascensão de Napoleão, o objetivo passou a ser a expansão da influência e do
território franceses. O império napoleônico chegou a dominar parte significativa
da Europa. Napoleão sonhava com uma Europa em que, sob a hegemonia
francesa, não houvesse mais espaço para as estruturas absolutistas do Antigo
Regime. Nessas regiões, as sementes dos ideais revolucionários de 1789 foram
plantadas e germinariam nas décadas seguintes. Para a contenção do
expansionismo francês, foram necessárias várias coalizões das Grandes
Potências.
No Mapa, pode-se ter a ideia da dimensão do Império Napoleônico em
seu apogeu (em verde).

Mapa 11: O Império Napoleônico em seu Apogeu (1810-1811):

A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

Napoleão Bonaparte (cont.)

Em 1812, Napoleão conduziu uma campanha vitoriosa contra os russos


chegando até Moscou. Entretanto, a vitória logo se converteu em grande derrota.
Os russos simplesmente abandonaram Moscou, depois de destruir os campos
cultivados e de incendiar a cidade. Sem abrigo ou provisões, o exército francês,
enfrentando o rigoroso inverno, foi obrigado a deixar a Rússia sob o intenso fogo
do exército russo, perdendo aproximadamente 95% dos cerca de 600 mil
homens que participaram da desastrosa campanha.
Aproveitando-se do enfraquecimento de Napoleão, Áustria, Prússia,
Rússia, Inglaterra e Suécia formaram a 6.ª Coalizão e declararam guerra à
França. Napoleão derrotou os exércitos da Rússia e da Prússia, enquanto os
exércitos franceses estavam sendo derrotados na Península Ibérica por forças
espanholas e inglesas. Após a Batalha de Leipzig, a Batalha das Nações, em
1813, os exércitos de Napoleão abandonaram os principados alemães. A
rebelião contra o império se estendeu à Itália, Bélgica e Holanda.

Em 1814, um grande exército da 6.ª Coalizão invadiu a França e ocupou


Paris. Napoleão, obrigado a renunciar, foi exilado na Ilha de Elba (próxima da
Córsega, sua terra natal), e a monarquia francesa restaurada com Luís XVIII,
irmão de Luís XVI. Os membros da Coalizão reuniram-se, então, no Congresso
de Viena para restaurar as monarquias na Europa.

No entanto, enquanto era traçado o novo mapa europeu, em março de


1815, Napoleão fugiu de Elba, voltou à França, e iniciou a formação de um novo
exército. O rei enviou uma guarnição de soldados para prendê-lo, mas estes
aderiram a Napoleão. Luís XVIII fugiu para a Bélgica.

Contra Napoleão foi rapidamente formada uma 7.a Coalizão, composta


por Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia. Sem tempo para preparar um exército,
Bonaparte enfrentou novos combates, mas foi derrotado definitivamente na
Batalha de Waterloo (18 de junho de 1815). Napoleão foi então mantido
prisioneiro na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde morreu em 1821. Luís
XVIII reassumiu o trono francês com o apoio do Congresso de Viena. Chegaram
ao fim as Guerras Napoleônicas.

Apesar da derrota definitiva em 1815, as ações de Napoleão e os ideais


revolucionários atingiram, de forma irreversível, o Antigo Regime em boa parte
da Europa e aceleraram o processo de modernização do continente. Seus efeitos
alcançaram o continente americano, repercutindo nos processos de
independência de toda a América Latina e nos princípios jurídicos e políticos que
regeriam os novos governos na região. O mundo passou, portanto, por grandes
transformações em virtude da Era Napoleônica. As relações internacionais
nunca mais seriam como antes.
A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu

O fim das guerras napoleônicas marcou o início de um sistema


internacional baseado no equilíbrio de poder entre as Potências europeias que
durou cem anos, até a Primeira Guerra Mundial. Foi o mais longo período de paz
da história da Europa ou, pelo menos, o período em que não houve nenhuma
guerra que envolvesse, de forma generalizada, as Potências europeias. Durante
40 anos, isto é, entre o Congresso de Viena e a Guerra da Crimeia (1854), não
houve uma guerra sequer entre as grandes Potências e, nos 60 anos seguintes,
exceto pela Guerra Franco-Prussiana de 1871, nenhum conflito importante
ocorreu.

O Congresso de Viena foi marcado pelo medo e pelas lembranças


trazidas pelos 25 anos anteriores. Os homens que reconstruíram o mapa da
Europa em 1815 o fizeram preocupados em evitar que a ordem sofresse novos
abalos. Apesar de todos os negociadores serem adversários da Revolução,
estavam perfeitamente conscientes de que a Europa de 1815 não poderia voltar
a ser aquela de 1792. Não obstante, estavam determinados a evitar novas
catástrofes. Para isso, seriam utilizados dois princípios: o da legitimidade e o do
equilíbrio europeu. Nas palavras de Duroselle (1976, p. 4):

Primeiro, restabelecer a ‘legitimidade’ dos soberanos. Mas ‘na ordem das


combinações legítimas, ligar-se de preferência àquelas que podem com maior
eficácia concorrer para o estabelecimento e conservação de um verdadeiro
equilíbrio’. Serão, então, utilizados com flexibilidade e em proveito dos grandes
Estados os dois princípios, um moral e jurídico, o da legitimidade, outro,
puramente prático, o do equilíbrio europeu.

Como resultado dos debates de Viena, o mapa da Europa sofreu


alterações importantes que refletiam a nova configuração de poder estabelecida
pelas Grandes Potências. A Alemanha, por exemplo, passou de 300 Estados
para 38 (comparar o Mapa 12 com o Mapa 11).
Um fato, porém, não pode ser deixado de lado. Na conformação do novo
sistema de equilíbrio europeu, a França continuava a grande preocupação. Sua
condição hegemônica tinha sido excessivamente danosa para as outras
Potências europeias. O Congresso de Viena foi realizado sob o signo de se evitar
que ela ameaçasse novamente o resto do continente.

Dois tratados pós-Congresso de Viena merecem destaque. O primeiro é


o Tratado da Santa Aliança, firmado entre o Czar da Rússia, o Imperador da
Áustria e o Rei da Prússia, em 26 de setembro de 1815. O segundo é o tratado
conhecido como o da Quádrupla Aliança, entre os Quatro Grandes (Inglaterra,
Rússia, Áustria e Prússia) em 20 de novembro de 1815.

A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu

O Tratado da Santa Aliança estabelecia a restauração na Europa da


ordem religiosa e monárquica, fundamento do Antigo Regime que a Revolução
Francesa quis derrubar. Fundando-se no mundo cristão, excluía o sultão
otomano, apesar de o Czar desejar que o sistema abarcasse a França e a
Espanha. Segundo Duroselle (1976, p. 5), “a ‘Santa Aliança’, produto dos sonhos
do Czar tinha pouca consistência, e que a verdadeira realidade era a Quádrupla
Aliança, assinada secretamente a 20 de novembro de 1815 entre a Rússia, a
Inglaterra, a Áustria e a Prússia, contra a França. ”

Mapa 12: O Congresso de Viena (1815)


Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix1.html

Até 1830, o equilíbrio europeu foi assegurado graças aos entendimentos


entre Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia – os “Quatro Grandes” – e à
estabilização política da França. Como resultado de habilidosa diplomacia, já em
1818 os franceses conseguiram associar-se à política de garantia da ordem na
Europa. Estava estruturado o Concerto Europeu, por meio do qual as Grandes
Potências europeias conduziriam o continente por décadas. O equilíbrio de
forças entre Inglaterra, Rússia, Áustria, Prússia e França garantia a estabilidade,
uma vez que nenhum desses Estados ou qualquer outro país europeu era
suficientemente poderoso para enfrentar sozinho uma coalizão formada pelos
demais. Assim, estabelecia-se um verdadeiro consórcio entre as Grandes
Potências europeias, que lhes permitiu projetar seu poder sobre toda a Europa
e pelo mundo. O século XIX seria o século da Paz na Europa e da hegemonia
europeia sobre todo o planeta.

A partir de 1815, a ação dos países europeus intensificou-se em escala


mundial. A Inglaterra, por exemplo, divulgava mais e mais o liberalismo político
e econômico, e a expansão desses ideais liberais foi um dos objetivos da política
externa inglesa no século XIX, pela qual os britânicos atuaram, direta ou
indiretamente, na independência das colônias espanholas e portuguesas na
América e na organização dessas novas nações americanas. Da mesma forma,
os russos cada vez mais se preocupavam com a decadência e o fatiamento
territorial do Império Otomano. Isso explica, em grande parte, a concorrência e
a inimizade que iriam marcar as relações entre Inglaterra e Rússia em boa parte
do século XIX.

A Europa que emergiu do Congresso Viena estava ansiosa pela


eliminação dos traços da Revolução Francesa. Era uma Europa legitimista,
clerical, desigual, aristocrática e, principalmente, reacionária.

Importante registrar, no entanto, que o fantasma de 1789 não


desapareceu. Intelectuais, trabalhadores, liberais, democratas, burgueses
estavam descontentes com o restabelecimento do Antigo Regime. Sob diversos
matizes ideológicos, o século XIX testemunhou um longo desenrolar de
revoluções.

A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

O Século das Revoluções

A Europa pós-Congresso de Viena foi marcada pelo equilíbrio de poder


entre os Estados europeus, o que permitia certa estabilidade no cenário
internacional. Apesar desse quadro de tranquilidade, o século XIX foi tempo de
revoluções tanto políticas quanto econômicas.

Politicamente, houve três grandes ondas revolucionárias: 1820, 1830 e


1848. O período entre 1817 e 1850 foi época de crise econômica e baixa de
preços, ou seja, período de grande tensão. As grandes ondas revolucionárias de
1830 e 1848, bem como as investidas contrarrevolucionárias, estão indicadas
nos Mapas 13 a 15.

A onda revolucionária de 1830 marca a derrota definitiva dos aristocratas


pelo poder burguês na Europa Ocidental e o triunfo do liberalismo moderado.
Propagou-se o sistema parlamentar (com inspiração no modelo britânico) de
qualificação por propriedade (voto censitário) sob monarquias constitucionais.
No Mapa 13, as estrelas em amarelo apontam as insurreições, as setas
pretas a propagação da onda revolucionária, e as setas vermelhas os
movimentos de repressão dessa onda.

Mapa 13: As revoluções de 1830

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix4.html

A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

O Século das Revoluções

A França era o ponto de irradiação, dada a classe média liberal e radical


que se formara com o movimento jacobino na época da Revolução Francesa.
Em 1830, também já era possível notar o aparecimento de uma classe operária
como uma força política autoconsciente e independente, que começava a reunir
os jacobinos mais extremados. Já em 1848, a agitação popular tornava-se
contrária à classe média liberal (o “perigo vermelho”).
No Mapa 14, as setas vermelhas indicam a difusão da nova onda
revolucionária francesa e, as setas verdes, a difusão da onda austríaca. As
estrelas vermelhas e verdes apontam os centros revolucionários.

Mapa 14: As Revoluções de 1848

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix5.html

Os radicais ficaram desapontados com o fracasso dos franceses em


desempenhar o papel de libertadores internacionais. Esse desapontamento,
junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 e a nova consciência
das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país, despedaçou o
internacionalismo unificado (centrado na França) a que os revolucionários
tinham aspirado durante a Restauração (o pós-1815). Em 1848, as nações de
fato se sublevaram separadamente.
A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

O Século das Revoluções

Os radicais, os republicanos e os novos movimentos proletários se


retiraram da aliança com os liberais, dado que o liberalismo moderado se tornara
hostil em razão do seu maior medo, a república social e democrática (em
oposição à monarquia constitucional), a qual era, nesse momento, o slogan da
esquerda.

No Mapa abaixo, os quadrados indicam os centros de contrarrevolução e


as setas o movimento da contrarrevolução.

Mapa 15: A Contrarrevolução de 1848

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix6.html
De uma forma geral, as revoluções de 1848 foram revoluções sociais de
trabalhadores pobres. Quando se viram diante da revolução “vermelha” (ameaça
à propriedade), os moderados liberais e os conservadores se uniram. Os
trabalhadores ficaram isolados diante da união de forças conservadoras e ex-
moderadas aliadas ao velho regime. Com essa aliança, os regimes
conservadores restaurados estavam preparados para fazer concessões ao
liberalismo econômico. A década de 1850 viria a ser, de fato, um período de
liberalização sistemática: fim da legislação de guildas e liberdade para se praticar
qualquer forma de comércio; fim do severo controle estatal sobre a mineração;
realização de uma série de tratados de livre-comércio etc. Nesse momento, a
burguesia deixava de ser uma força revolucionária.

Esses fatos abriram o caminho para a Revolução Industrial a partir da


segunda metade do século XIX (vários autores se referem a ela como “Segunda
Revolução Industrial”, para distingui-la do avanço industrial no século XVIII).
Com a retirada da nobreza e a diversificação das formas de se fazer dinheiro
(início da chamada haute finance – conjugação dos capitais comercial e
financeiro), as décadas de 1850 e 1860 foram prósperas e capazes de incorporar
os cidadãos instruídos ao mercado de trabalho.

A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes

O Século das Revoluções

De 1850 até pelo menos 1873, o tempo foi de prosperidade. Como


observa Duroselle (1976, p. 21), a prosperidade, “interrompida por alguns
recessos, rompe o ímpeto revolucionário. Este só voltará a ressurgir na França
em 1869 aproximadamente. Com um nível de vida momentaneamente
acrescido, as massas toleram mais facilmente o jugo, se tiverem a impressão de
que o poder favorece a expansão. ”

Em termos gerais, em 1850, a ameaça revolucionária estava encerrada.


Os partidários da ordem estabelecida saíram vitoriosos. Em parte, o fracasso
revolucionário de 1848 se deveu ao “perigo vermelho”. Na França, Napoleão III
ascendeu ao poder, criando o II Império.

A outra grande revolução europeia foi de natureza econômica, como já


referido, com a Revolução Industrial. Após 1850, a economia europeia se
expandiu com rapidez. Novas máquinas e novas tecnologias apareceram por
toda parte.

Napoleão III (1808-1873) foi o criador do Segundo Império francês na


metade do século XIX. Governou entre 1852 e 1870, até sua derrota na Guerra
Franco-Prussiana. Carlos Luís Napoleão Bonaparte era sobrinho de Napoleão I.
Eleito presidente da nova República Francesa, deu um golpe de estado em 1851,
que lhe permitiu assumir poderes ditatoriais e transformar a Segunda República
no Segundo Império. Entre as ações de política externa de Napoleão III estão a
intervenção na Guerra da Crimeia, o apoio ao Piemonte nas guerras que
enfrentou como consequência da unificação italiana e a promoção e instalação
de um efêmero Império no México, na pessoa de seu sobrinho, Maximiliano da
Áustria. Em 1870, por ocasião da Guerra Franco-Prussiana, a derrota do Exército
francês na batalha de Sedan provocou o aprisionamento do Imperador, cujo
regime foi derrotado.

Antecedentes

O Século das Revoluções (cont.)

A Revolução Industrial modificou toda a sociedade europeia. Se na


sociedade pré-industrial do século XVIII a agricultura ainda era o centro das
atividades humanas, no século XIX a vida se deslocava progressivamente para
as cidades e para as indústrias. Simultaneamente, o poder, a influência e os
valores da aristocracia perderam força. Em seu lugar, ganharam importância o
dinheiro e a capacidade individual. A modernização da sociedade colaborou,
também, para a progressiva universalização do voto e para a secularização da
sociedade. Por fim, a tecnologia ampliou a diferença entre o Ocidente e as
demais regiões do mundo.
O Mapa 16 ilustra a Europa do século XIX sob plena efervescência da
revolução industrial. O mapa destaca as minas de carvão (em marrom), em torno
das quais se desenvolveram centros siderúrgicos (em vermelho) e industriais
(em roxo). Também na base da revolução industrial estava a indústria têxtil, cujos
centros são destacados em azul. O mapa registra, ainda, as principais cidades
industriais e os centros financeiros (quadrados verdes).

Mapa 16: A Europa Industrial no Século XIX

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix3.html

Procure se informar mais sobre a Revolução Industrial, processo que alterou


definitivamente os rumos da História e a partir do qual as relações
internacionais seriam redefinidas, com o poder se concentrando cada vez mais
nas nações ditas "industrializadas".
Um livro interessante sobre o século XIX e a Revolução Industrial é Germinal,
de Émile Zola.
Amplamente considerada a obra máxima de Émile Zola, Germinal (1885)
elevou a estética e a descrição naturalistas a um novo patamar de realismo e
crueza. O romance é minucioso ao descrever as condições de vida subumanas
de uma comunidade de trabalhadores de uma mina de carvão na França. Após
ter contato com ideias socialistas que circulavam pela classe operária
europeia, os mineradores retratados na obra revoltam-se contra a opressão e
organizam uma greve geral, exigindo condições de vida e trabalho mais
favoráveis. A manifestação é reprimida e neutralizada, entretanto permanece
viva a esperança de luta e conquista.

Antecedentes

Divisão da Europa – Nacionalidade X Legitimidade

A Europa de 1815 foi construída sobre o princípio de que era essencial


preservar o continente de uma possível ameaça francesa. Assim, no redesenho
do mapa continental, o princípio da nacionalidade fora deixado em segundo
plano. Nem por isso, no entanto, inexistia a afirmação da nacionalidade.

O nacionalismo foi um dos filhos das ondas revolucionárias da primeira


metade do século XIX. O nacionalismo se propagou a partir da classe média e
teve nas escolas e nas universidades seus grandes defensores. Vários
movimentos nacionalistas jovens começaram a se espalhar a partir das
revoluções de 1830: a Jovem Itália, a Jovem Polônia, a Jovem Suíça, a Jovem
Alemanha, a Jovem França e a Jovem Irlanda.

Parte da onda nacionalista vinha dos escombros do Império Otomano, o


qual, nas palavras do Czar, era o ancião enfermo da Europa.

Progressivamente, o Império Otomano foi perdendo terras para austríacos,


russos e para nações que iam surgindo de suas fraquezas. A primeira delas foi
a Grécia, cuja independência foi tema de preocupação durante toda a década de
1820. Finalmente independente em 1830, serviu como exemplo para muitos
outros: a Sérvia, alguns anos depois, conquistava autonomia, e, em 1856,
Romênia e Bulgária se tornaram independentes.

O Império Otomano existiu aproximadamente de 1300 a 1922 e, no


período de maior extensão territorial, abrangeu três continentes: da Hungria, ao
norte, até Aden, ao sul, e da Argélia, a oeste, até a fronteira iraniana, a leste,
embora centrado na região da atual Turquia. Por meio do Estado vassalo do
janato da Crimeia, o poder otomano também se expandiu na Ucrânia e no sul da
Rússia. Seu nome deriva de seu fundador, o guerreiro muçulmano turco Osman
(ou Utman I Gazi), que fundou a dinastia que governou o império durante sua
história.

No restante da Europa, no entanto, apenas a Bélgica se tornou


independente da Holanda, em 1830. Para isso, assumiu o caráter de nação
neutra, com aval das Grandes Potências. A neutralidade belga, garantida pela
Grã-Bretanha, seria violada em 1914 pelo avanço alemão contra a França e
contribuiria para que Londres declarasse guerra a Berlim.

Outras tentativas de independência no continente europeu fracassaram.


A Polônia não conseguiu a autonomia diante da Rússia (1830), e a Hungria
alcançou uma semi-independência em relação à Áustria (1867). Dos
movimentos nacionais de afirmação, os mais importantes foram os da Itália e da
Alemanha, países que se unificaram a partir da segunda metade do século. De
fato, a unificação da Itália e, sobretudo, a da Alemanha, seriam acontecimentos
importantes para alterar o equilíbrio de poder na Europa estabelecido pelo
Concerto Europeu, e afetariam diretamente as relações internacionais do
período, culminando nos processos que levaram à I Guerra Mundial.

Os processos de unificação da Itália e da Alemanha podem ser percebidos no


Mapa 17.
Antecedentes

A Unificação da Itália

A unificação da Itália foi resultado de uma habilidosa política externa e do


aproveitamento das oportunidades quando elas surgiram. O artífice desse
processo foi Cavour, primeiro-ministro do Estado do Piemonte (norte da
península itálica). Ele conseguiu, graças às alianças com Napoleão III, um aliado
contra os austríacos que ocupavam o norte da Itália. A sua primeira vitória se
deu em 1858. Em troca da cessão da cidade de Nice e da região de Saboia,
Cavour obteve a promessa de auxílio da França ao Piemonte em uma eventual
guerra deste contra a Áustria. Por ocasião do conflito, entretanto, a ajuda
francesa seria menor do que o esperado, e Napoleão III, receoso das possíveis
implicações que uma aliança contra a Áustria poderia ter, acabou retirando seu
apoio antes do esperado. Mesmo assim, o Piemonte se viu vencedor e aumentou
seu território com a conquista da Lombardia.

Camillo Benso, conde de Cavour (1810-1861), político italiano, foi


Presidente do Conselho em 1852. Aliou-se a Napoleão III contra a Áustria, porém
este firmou a paz em 1859 sem consultá-lo. Cavour demitiu-se quando Victor
Emanuel II, Rei da Sardenha, aceitou as condições do Imperador francês. No
início de 1860, ajudou Giuseppe Garibaldi na conquista do Reino das Duas
Sicílias. Conseguiu a proclamação do Reino da Itália em17 de março de 1861 e
de Vítor Emanuel II como seu primeiro soberano.
Mapa 17: Unificação da Itália e da Alemanha no Século XIX

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix7.html

Posteriormente, pequenos Estados italianos – Parma, Módena, Toscana


e Romanha – votaram pela união com o Piemonte. Com as conquistas do sul da
península, foi proclamado o reino da Itália, em 1861. Faltavam, porém, a cidade
de Roma e o Vêneto. Só em 1866 La Vénétie foi incorporada, como recompensa
pelo apoio dos italianos aos prussianos durante a guerra contra a Áustria. Roma,
por fim, foi ocupada em 1870, quando os franceses retiraram os seus soldados
da cidade em razão da Guerra Franco-Prussiana. Com a anexação de Roma e
dos Estados Papais, estava consolidada a unificação da Península Itálica sob
uma única autoridade: o Reino da Itália.
Antecedentes

A Unificação da Alemanha

Não seria temerário afirmar que a unificação da Alemanha, ocorrida em


1871, foi, após o Congresso de Viena, o evento mais importante da política
internacional do século XIX. A unificação alemã provocou o desmoronamento
dos fundamentos do equilíbrio internacional surgidos em 1815 e levou a política
internacional ao retorno às lutas irrestritas do século XVIII. Ademais, seus efeitos
estariam diretamente relacionados com eventos marcantes do século seguinte,
como a I e a II Guerras Mundiais, a Guerra Fria e a integração europeia.

O principal temor dos franceses do século XVII era a unificação alemã.


Richelieu, por exemplo, via na Alemanha unificada uma ameaça potencialmente
mais perigosa para a França. A unificação, entretanto, somente foi possível
porque a Prússia conseguiu, ao longo de 150 anos, construir um Estado forte o
bastante para que pudesse, no fim do século XIX, almejar a preponderância
entre os Estados alemães.

Também não se pode esquecer a ação deBismarck, primeiro-ministro


prussiano que soube, por meio de uma política interna autoritária e uma política
externa cuidadosa e pragmática, unificar a Alemanha. A maneira racional,
pragmática e calculada como Bismarck conduziu a política alemã ficou
conhecida como Realpolitik.

Assim, externamente, o Chanceler prussiano foi bem-sucedido em três


guerras. Junto com a Áustria, atacou e conquistou territórios da Dinamarca, em
1864. Dois anos depois, a luta pelos espólios dessa conquista fez com que os
austríacos declarassem guerra à Prússia. Vencedores, os prussianos
conseguiram afastar a Áustria dos assuntos alemães. Continuando com a sua
Realpolitik e derrotada a Áustria, Bismarck conquistou territórios e forçou os
Estados alemães menores a se aliarem a ele.

Em 1871, sabedor de sua vantagem militar, Bismarck provocou os


franceses. Estes declararam guerra e foram rapidamente derrotados. Como
vitória, Bismarck conseguiu o apoio suficiente de que necessitava para que os
outros Estados alemães aceitassem integrar-se à Prússia, formando o Império
Alemão, ou Segundo Reich

Otto von Bismarck (1815-1898), o “Chanceler de Ferro”, foi o grande


artífice e primeiro chanceler do segundo império alemão. Seu pai era um
latifundiário de origem nobre, e sua mãe pertencia à burguesia. Em sua
personalidade, fundiam-se a sutileza intelectual e o provincianismo da
aristocracia conservadora. Entrou na política em 1847. Como delegado da
primeira Dieta prussiana, destacou-se como um dos mais férreos conservadores.
Quando eclodiu a Revolução de 1848, foi para Berlim e pediu que o rei Frederico
Guilherme IV reprimisse a sublevação. Seu conselho não foi levado em
consideração, mas sua lealdade foi recompensada ao ser nomeado
representante prussiano na Confederação Germânica, a liga dos 39 estados
alemães, em 1851. Passou a ser embaixador na Rússia em 1859 e foi designado
para a França em 1862. Designado Chanceler prussiano no mesmo ano,
procedeu com uma série de reformas internas e deu início à sua Realpolitik, que
garantiria a vitória sobre Grandes Potências europeias, como a Áustria e a
França, e conduziria à unificação alemã. Em 1890, desentendeu-se com o Kaiser
(ou Imperador) em virtude do direcionamento da Política Externa do Reich,
sendo demitido e deixando a vida pública.

Depois da unificação, a Alemanha desenvolveu-se de maneira


significativa, sobretudo nas áreas industrial e militar. Em três décadas, o país já
se mostrava a principal Potência do continente em desenvolvimento industrial e
tecnológico, superando a França. Ademais, com uma intensa política de
construção naval, logo as marinhas mercante e de guerra alemãs ameaçavam a
hegemonia britânica no mundo.

Na virada do século, os alemães já deixavam claro que desejavam ocupar


seu lugar de destaque entre as Grandes Potências, sendo fundamental para isso
o estabelecimento de um império colonial e a conquista de novos mercados pelo
planeta. Entretanto, as pretensões do Reich acabariam chocando-se com os
interesses das Grandes Potências tradicionais – em especial, Grã-Bretanha e
França –, o que levaria a Europa à Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914.
Antecedentes

Expansão colonial

Outro aspecto importante da Sociedade Internacional do século XIX é a


nova expansão colonial. Durante todo o século, mas sobretudo em sua segunda
metade, desenvolveu-se um processo de conquistas europeias sobre a África e
Ásia, denominado Neocolonialismo. Na virada do século, praticamente todo o
continente africano, à exceção da Etiópia e da Libéria, estava sob jugo das
Potências europeias como parte de seus impérios coloniais.

O Neocolonialismo foi a principal expressão do Nacionalismo e do


Imperialismo, este último a forma assumida pelo capitalismo a partir da Segunda
Revolução Industrial, segundo os globalistas.

Os defensores do Estado-nação entendiam o Estado como progressista


(capaz de desenvolver uma economia, tecnologia, organização burocrática e
força militar viáveis), ou seja, precisava ser pelo menos territorialmente grande.
Para a sociedade burguesa moderna, liberal e progressista, a unidade estatal
natural deveria ser extensa, daí o decorrente expansionismo colonial. O padrão
de programa nacional do século XX seria diferente: Estado totalmente
independente, homogêneo territorial e linguisticamente, laico e provavelmente
republicano/parlamentar.

O sionismo, que refundaria o Estado de Israel, seguiria esse padrão: tomar o


território, inventar uma língua e laicizar as estruturas de um povo cuja unidade
histórica havia sido apenas a prática de uma religião comum.

A concepção nacionalista de Estado do século XIX se casou


perfeitamente com os objetivos capitalistas. O domínio das Potências europeias
sobre povos dos outros continentes não foi apenas econômico, mas também
militar, político e social, impondo à força um novo modelo de organização do
trabalho que pudesse garantir, principalmente, a obtenção de matéria-prima para
as indústrias europeias. À violência militar e à exploração do trabalho somam-se
as imposições sociais, incluindo a disseminação do cristianismo entre os povos
nativos, num processo de aculturação, sob a justificativa de que se estaria
levando os valores ocidentais da “civilização” aos povos primitivos. Era o “ideal
civilizador do homem branco”.

Nesse processo mercantil-civilizador, a África foi conquistada e dividida,


o mesmo acontecendo com parte da Ásia. Impérios tradicionais como a China
sucumbiram à hegemonia europeia. O mundo nunca se mostrara tão
eurocêntrico, e as nações europeias efetivamente eram as protagonistas das
relações internacionais. O planeta como um todo tornou-se o tabuleiro do jogo
de poder entre as Potências europeias.

Antecedentes

Expansão Colonial (cont.)

Paralelamente ao fornecimento de matéria-prima pelas colônias, os


europeus buscavam mercados consumidores para seus produtos em outras
partes do mundo, por exemplo, no continente americano. E esses mercados
eram disputados pelas Grandes Potências.

A partir da segunda metade do século XIX, portanto, as preocupações


europeias se tornaram mundiais. As rivalidades se projetavam nos outros
continentes. “O século XIX é extraordinariamente dinâmico: vai assistir-se à
expansão da Europa pelo mundo, tanto pela ação política dos seus Estados,
pelos fluxos migratórios, pelo escoamento das suas economias, como pela sua
influência civilizadora. ” (PELLISTRANDI, 2000, p. 115). As Grandes Potências
europeias cuidavam de estabelecer seus impérios coloniais subjugando os
povos dos outros continentes, particularmente da Ásia e da África. O quadro de
1914, conforme ilustra o Mapa 18, seria de um mundo partilhado entre as
Potências Europeias, com a Grã-Bretanha e França detentoras dos maiores
impérios coloniais.
Mapa 18: Impérios Coloniais em 1914

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix8.html

Especialmente importante é o Congresso de Berlim, em 1885. As razões


políticas do imperialismo de final do século XIX eram tão importantes quanto as
razões econômicas. Para as nações recém-unificadas – Itália e Alemanha – a
obtenção de territórios na África e na Ásia significava prestígio e
autorreconhecimento. Para a França, profundamente traumatizada após a
derrota de 1871 (na Guerra Franco-Prussiana), as conquistas coloniais eram um
meio de readquirir respeito.
Antecedentes

As novas Potências – Estados Unidos da América e Japão

A segunda metade do século XIX vê também o aparecimento de dois


Atores importantes no jogo político internacional: Estados Unidos da América
(EUA) e Japão.

Os EUA começaram a se projetar como Potência após a violenta Guerra


Civil, travada para impedir a separação dos estados do sul do país. Pouco antes,
os norte-americanos haviam consolidado o seu processo de expansão colonial
às expensas do México. Além disso, em 1867, compraram da Rússia o Alasca
e, após derrotarem a Espanha, em 1898, adquiriram Porto Rico, Filipinas e um
virtual controle sobre Cuba. Da mesma forma, o Oceano Pacífico tornava-se uma
área de projeção de poder dos EUA.

Internamente, os EUA iniciaram um vigoroso processo de industrialização


graças a um mercado interno crescente, a uma estrutura tarifária protecionista
para afastar a concorrência estrangeira, a uma estrutura estável de comércio e
ao grande número de inovações tecnológicas. Em 1914, às vésperas da I Guerra
Mundial, o país já era, de longe, a principal Potência industrial do planeta.

Sobre a situação dos EUA frente a outras potências na virada do século, vide
Paul Kennedy, op.cit.

O Japão é outro exemplo de rápido crescimento econômico. Até 1854,


mantivera-se fechado ao exterior. Nesse ano, uma esquadra norte-americana
forçou o país a abrir-se e aceitar o comércio com o exterior. “Decidido a preservar
a independência do país, um grupo de samurais (...) tomou o governo. A
Restauração Meiji de 1867, como ficou conhecido esse episódio, devolveu o
poder ao imperador” (PERRY, 1999, p. 473).

Inspirado por uma forte ideologia nacionalista, o governo Meiji iniciou um


importante conjunto de reformas: os privilégios sociais foram eliminados, o
serviço militar obrigatório foi implantado, uma Constituição foi elaborada, e
passou a existir parlamento. Além disso, a economia foi rapidamente
modernizada. Fábricas foram instaladas, tecnologia europeia foi comprada,
ferrovias, portos, estradas e telégrafos instalados. Em menos de 20 anos, o novo
poder japonês dava sinais de existência: em 1894, derrotava a China, e, em
1905, a Rússia.

Na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), pela primeira vez na era moderna


uma Potência do Oriente derrotava um poderoso Estado europeu.

Antecedentes

O Estado-nação

O Estado-nação é o resultado moderno da experiência de formação e


construção do Estado desde Westfália e pressupõe a formação propriamente
dita de uma burocracia (no sentido de separação dos meios administrativos dos
patrimônios particulares dos agentes da administração). Testemunhou-se um
processo de racionalização da atividade estatal. A relação entre poder político e
território sofreu uma revolução, com uma completa transformação das relações
do poder político central com as múltiplas tradições locais – o estabelecimento
de uma única lei, uma única língua, uma única política fiscal e preceitos políticos
uniformes para todo um território.

Havia razões políticas e econômicas por trás desse processo. De um lado,


a necessidade de um contrato social voltado para a “coisa pública”, em que os
“objetivos públicos” deixariam de ter nos corpos estamentais de privilégios os
intermediários da ação político-administrativa estatal; e, de outro, a necessidade
de facilitar a circulação dos bens num território, através da redução, simplificação
e uniformização do sistema tributário (com a superação da fragmentação
legislativa e do patrimonialismo fiscal), e de estimular o equilíbrio entre as regiões
de um Estado e o aumento das trocas inter-regionais.

Uma das consequências desse processo foi a anulação sistemática das


tradições locais de vários povos; ou seja, a partir das várias identidades dever-
se-ia inventar uma identidade nacional que integrasse a população em novos
referenciais de pertencimento, de associação. Assim, os vários Estados
buscaram constituir internamente suas nações. A mesma demanda conjuntural
ocorria nas grandes massas territoriais e étnicas do centro-leste europeu
(Império Prussiano, Império Austro-Húngaro e Império Russo). Todos passaram
a buscar pelo caráter de sua nação e a igualmente se perguntar se de várias
nações era possível formar um espírito comum. Enfim, construir um Estado-
nação significou, do século XIX ao XX, não apenas desenvolver uma economia
e uma organização econômico-político-militar viável, mas também agrupar vários
grupos sociais localmente circunscritos com suas línguas, tradições, costumes e
leis próprias num grande agrupamento social politicamente representado e
juridicamente nivelado por um Estado laico regido por um conjunto geral de leis
soberanas – a Constituição.

Estados constitucionais e não constitucionais aprenderam a avaliar a


força política que era a capacidade de apelar para seus súditos na base da
nacionalidade (o Czar da Rússia não apenas baseava seu governo nos
princípios da autocracia e da ortodoxia como passou a apelar aos russos como
russos na década de 1880). A escola primária passou a ser o meio de se ensinar
às crianças a serem bons súditos e cidadãos. Os Estados criaram nações, ou
seja, o patriotismo nacional, e cidadãos linguística e administrativamente
homogeneizados (a Itália usou a escola e o serviço militar para fazer italianos,
os EUA tornaram o conhecimento da língua inglesa condição para a cidadania
americana, a Rússia tentou dar à língua russa o monopólio da educação, com o
fim de “russificar” as nacionalidades menores). Esse processo auxiliava a definir
as nacionalidades excluídas da nacionalidade oficial, que, caso contrário,
poderiam vir a oferecer resistência e a se refugiar em algum partido socialista.

Esse era o pano de fundo para um século “de extremos”, o século XX, em
que os principais Atores internacionais se confrontariam numa intensidade nunca
antes vista na história da Sociedade Internacional.
Conclusão

O período de 1815 a 1914, quando comparado aos séculos anteriores e ao


século XX, foi de relativa paz para a Europa. Excetuando-se a Guerra da
Crimeia (1854), não existiram grandes conflitos entre as principais potências.
O sistema de equilíbrio de poder estabelecido no Congresso de Viena
mostrou-se bastante bem-sucedido e só foi desarticulado a partir do momento
em que Bismarck conseguiu unificar a Alemanha.
Após 1871 e especialmente após 1890, a Europa viveu tempos de incerteza.
A guerra voltou a ser considerada alternativa cada vez mais provável. França
e Alemanha não poderiam se reconciliar por causa da Alsácia-Lorena, território
que a primeira perdera para a segunda na Guerra Franco-Prussiana de 1870-
1871. França e Inglaterra estavam envolvidas em um grande processo de
divisão colonial na África. A Inglaterra e a Rússia, por causa da Índia e da Ásia
Central, encontravam-se em permanente estado de tensão. Na Ásia, uma nova
Potência surgia: o Japão. Além disso, a mais complexa das áreas de conflito
não pode ser esquecida: os Bálcãs. Ali, os interesses contraditórios de Áustria-
Hungria, Rússia, Sérvia e Império Otomano fomentavam uma rivalidade
crescente. Uma disputa de poder daria início à I Guerra Mundial (1914-1918),
que, por sua vez, poria fim à “Era dos
Impérios”.

A Era dos Impérios, de Eric Hobsbawm (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988), é
obra fundamental para a compreensão do período que antecede a I Guerra
Mundial e no qual se consolida a hegemonia europeia no mundo.
Unidade 3 - A I Guerra Mundial e os Entre-Guerras

Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de:


• identificar os principais fatos que levaram à deflagração da I Guerra Mundial;
• descrever a dinâmica de desenvolvimento da I Guerra Mundial;
• explicar a relação entre o Congresso de Versalhes e o estabelecimento de
uma
nova ordem internacional;
• deliminar o estabelecimento da Crise de 1929.

Esperamos que você tenha um excelente aproveitamento em seus estudos!

A I Guerra Mundial

Para muitos estudiosos das relações internacionais, o século XX não se


inicia em 1901, mas em 1914, com a deflagração do maior de todos os conflitos
que o mundo presenciara até então: a I Guerra Mundial. Durante muito tempo
chamado de a Grande Guerra, esse conflito, que durou de 1914 a 1918, iniciou-
se na Europa e acabou envolvendo outras nações do globo, inclusive novas
Potências emergentes que não pertenciam ao continente europeu, com
destaque para os EUA e o Japão.

Nunca se havia tido um conflito tão destrutivo e arrasador como a I Guerra


Mundial. Trata-se do primeiro grande confronto internacional da era industrial.
Foi maciço o uso das ferrovias, e “os caminhões se tornaram tão importantes
quanto os cavalos no abastecimento de soldados no campo” (ROBERTS, 2002,
p. 681). Pela primeira vez, foram empregados de maneira efetiva novos
equipamentos de combate, como o avião e o tanque de guerra. Também foram
utilizados, por ambos os lados em luta, gases letais, responsáveis por milhares
de baixas.

http://www.brasilescola.com/
Ao final do conflito, o sistema internacional mudaria definitivamente. A
Europa sofreria intensa destruição, os impérios coloniais começariam a ruir, e a
hegemonia europeia no mundo daria seus últimos suspiros. A Sociedade
Internacional se apresentaria ainda mais complexa e com novos Atores não
europeus a ditar suas regras. A Belle Époque seria apenas nostalgia.

A I Guerra Mundial

Causas da Grande Guerra

Crise e incerteza. Esses eram os sentimentos que dominavam a Europa


após 1890. Essa data não é aleatória. É o ano em que Bismarck deixa de ser o
Chanceler alemão. Bismarck sabia muito bem o que queria: manter a França
permanentemente enfraquecida e sem chances de revanche, além de afastada
das preocupações territoriais. Seus sucessores, especialmente o Kaiser
Guilherme II, não tinham planos nesse sentido, ou, se os tinham, eram confusos,
erráticos e provocativos. A isso se somava o fato de que cada país europeu tinha
a sua lista de reivindicações.

A França não esquecia a perda da Alsácia-Lorena para a Alemanha. Tal


fato era o motor do nacionalismo francês. Além disso, preocupada em recuperar
prestígio, a França lançou-se, com todas as suas forças, na corrida colonial.

A Rússia buscava expandir-se na Ásia Central, no Extremo Oriente e nos


Bálcãs. Como resultado dessa política, atritou-se com os ingleses na disputa
pelo Afeganistão, com o Japão (guerra em 1905), e permanecia em constante
estado de tensão com os austríacos e com os otomanos pela hegemonia da
península balcânica.

Convém lembrar que a França havia sido derrotada na Guerra Franco-


Prussiana, duas décadas antes.
Entre outras consequências, havia perdido o território da Alsácia-Lorena para
os alemães. As décadas que se seguiram à derrota francesa foram marcadas
por um profundo sentimento revanchista, pela baixa estima francesa e pelo
desejo de ver a Alemanha subjugada a qualquer custo.
A I Guerra Mundial

Causas da Grande Guerra

Os britânicos, por sua vez, temiam as ambições russas na Ásia Central e


as pretensões coloniais francesas na África. Passaram, também, a temer cada
vez mais os alemães, principalmente depois que estes ensejaram uma política
de construção naval em 1897. Além disso, a Alemanha unificada revelou-se
formidável concorrente econômica, superando os ingleses em áreas como
química, siderurgia e energia, mostrando-se, por fim, a partir da queda de
Bismarck, mais e mais interessada em estabelecer um império colonial e disputar
espaço com outros países europeus na África e Ásia.

A Áustria-Hungria era percebida, assim como a Rússia e o Império


Otomano, como a Potência decadente da Sociedade Europeia. Cercados por
todos os lados, os austríacos tinham interesses conflitantes com os russos e com
os eslavos da península balcânica. Além disso, sendo um país multiétnico, o
Império Austro-Húngaro defrontava-se com crescentes pressões domésticas das
minorias internas que desejavam maior autonomia. Cada vez mais, a Áustria-
Hungria sustentava sua segurança no apoio da Alemanha. Tratados de não
agressão e assistência recíproca foram celebrados entre os dois Estados
germânicos nos anos anteriores à I Guerra Mundial.

O temor de Bismarck de ver a Alemanha ameaçada nos fronts oriental e


ocidental tornou-se realidade, em grande parte, em virtude da política externa de
Guilherme II. Preocupado em mostrar-se forte e influente, mas sem a habilidade
política de Bismarck, o Kaiser acabou atraindo para si muitos inimigos. Grã-
Bretanha, França e Rússia se aliaram, principalmente, para fazer frente ao
poderio alemão.

Para agravar a situação, as políticas governamentais nas Potências


europeias eram ditadas por ânimos nacionalistas e não havia nenhuma
instituição internacional que pudesse mediar conflitos. O Congresso de Viena há
muito deixara de ter importância e nada de significativo surgira em seu lugar. É
verdade que existia, desde 1899, a Corte Internacional de Justiça de Haia.
Infelizmente, no entanto, ela se mostrou ineficaz. A paz anterior a 1914 era obtida
pelas ameaças mútuas, e não pelas decisões da Corte de Haia. A guerra, por
sua vez, era articulada por meio de alianças secretas entre as Potências: era a
diplomacia secreta que marcava as relações internacionais da Europa até a I
Guerra Mundial.

Acrescente-se a isso o recrudescimento dos discursos nacionalistas,


como o pan-germanismo e o pan-eslavismo, que pregavam a reunião dos povos
de etnia germânica e eslava, respectivamente, em uma só nação, ou a coalizão
dos Estados de uma mesma etnia contra ameaças de Estados de outras. Esses
movimentos também questionavam a existência de impérios multiétnicos como
o Otomano, o Austro-Húngaro e mesmo o Russo, e defendiam a independência
dos povos sob o jugo de Viena, Constantinopla e São Petersburgo. Outra forma
de nacionalismo era o francês, com forte viés revanchista contra a Alemanha e
desejoso de recuperar a “grandeza da França”. As minorias nacionais como se
encontravam na Europa de 1914 podem ser vistas no Mapa 19.

Mapa 19: A Europa de 1914 – Minorias Étnicas


A I Guerra Mundial

Causas da Grande Guerra

Assim, as relações internacionais às vésperas da I Guerra Mundial eram


marcadas pela disputa entre as Grandes Potências por mercados e pelo
interesse das novas Potências, em especial a Alemanha e a Itália, de possuírem
impérios coloniais e de se equipararem às principais Potências coloniais
europeias. Também caracterizava as relações internacionais anteriores à
Grande Guerra uma significativa corrida armamentista entre os principais Atores
europeus, com rivalidades que afloravam entre eles e refletiam-se em um
sistema de alianças estabelecidas, na maior parte das vezes, por meio da
diplomacia secreta.

As diferenças entre as Potências eram, ademais, significativas. Na arena


europeia havia novas Potências, como a Alemanha e a Itália, que desejavam
ampliar seu poder e tinham interesses conflitantes com as Grandes Potências
tradicionais e ainda poderosas Grã-Bretanha e França, que buscavam manter-
se na liderança da Sociedade Internacional a qualquer custo. Havia, ainda, os
grandes impérios em decadência – o Império Russo, o Império Austro-Húngaro
e o Império Otomano – que, em virtude das dificuldades domésticas, em especial
dos movimentos nacionalistas separatistas em seu interior, viam-se
enfraquecidos demais para permanecerem, ainda durante muito tempo, em
condição de igualdade com a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha.

No início do século XX, a estrutura do Concerto Europeu fora


definitivamente substituída pela política de alianças. De um lado, ainda sob a
articulação de Bismarck, as chamadas Potências Centrais – Alemanha e Áustria
– assinaram com a Itália, em 1882, o Tratado da Tríplice Aliança, que dava a
cada parte garantia de assistência das demais em caso de ataque por uma
Potência externa. Como resposta à Tríplice Aliança, franceses, britânicos e
russos constituíram a Tríplice Entente, a qual reuniria as Potências aliadas na
Grande Guerra.

A Europa, antes de 1914, viu-se, pois, em uma série de crises. Após


sobreviver a duas ou três realmente graves, o assassinato do Arquiduque
Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi o estopim que deu
início ao conflito.

A Áustria considerou o assassinato a oportunidade ideal para resolver, de


forma definitiva, os problemas com a Sérvia. Sob a alegação de que o governo
sérvio era responsável pelo assassinato, fez uma série de exigências. Em suas
exigências, os austríacos contavam com o apoio irrestrito do Kaiser alemão.

Sobre o conflito... Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando


e sua esposa foram assassinados por um nacionalista sérvio quando visitavam
a cidade de Sarajevo, que se encontrava em uma região conturbada do
Império Austro-Húngaro.

A I Guerra Mundial

Causas da Grande Guerra

A Sérvia, por sua vez, como país eslavo, acreditava que contaria com o
apoio da Rússia. Como em um dominó, o sistema de alianças fez com que a
guerra entre austríacos e sérvios atingisse, também, alemães e russos. Estes
últimos, graças a outra aliança, atraíram para o conflito os franceses. Os ingleses
entraram na guerra para defender a Bélgica, país que fora invadido pelos
alemães. Assim, um sistema de alianças rígido e um sistema de mobilização
militar conduziram os europeus para a Guerra. De um lado, estavam Inglaterra,
França, Rússia e Sérvia. De outro, Alemanha e Áustria-Hungria. Durante o
desenrolar do conflito, muitos outros países se envolveriam. O Mapa 20 retrata
essas alianças às vésperas da I Guerra Mundial
Mapa 20: A Europa de 1914 – As Alianças

Fonte: http://www.geografiaparatodos.com.br/index.php?pag=mapastematicos

Sobre a Guerra: As hostilidades se iniciaram quando, diante da ineficácia das


gestões diplomáticas, a Áustria declarou guerra à Sérvia, em 28 de julho de
1914. A Rússia, aliada dos sérvios, mobilizou-se contra a Áustria, e a
Alemanha, aliada do Império Austro-Húngaro, declarou guerra à Rússia em 1.º
de agosto. As tropas alemãs cruzaram a fronteira de Luxemburgo, em 2 de
agosto, e, no dia seguinte, 3 de agosto, a Alemanha declarou guerra à França,
a qual era aliada da Rússia. O governo britânico declarou guerra à Alemanha
no dia 4 de agosto, em virtude de os alemães terem violado a neutralidade
belga, da qual os ingleses eram garantes. A Itália permaneceria neutra até 23
de maio de 1915, quando, então, declarou guerra à Áustria-Hungria. O Japão
declarou guerra à Alemanha em 23 de agosto de 1914 e, em 6 de abril de
1917, os Estados Unidos fizeram o mesmo.
A I Guerra Mundial

A Guerra

Inicialmente, os que iam para o front acreditavam que a guerra terminaria


em poucas semanas. Não é falso dizer que os soldados, de ambos os lados, iam
para a guerra entusiasmados pelo fervor nacionalista, acreditando que
alcançariam vitória fácil e rápida. Infelizmente, no entanto, o conflito acabou por
ser longo e penoso.

As operações militares na Europa se desenvolveram em três frentes: a


ocidental ou franco-belga, a oriental ou russa e a meridional ou sérvia.
Posteriormente, surgiriam novas zonas de combate, com a intervenção do
Império Otomano, da Itália e da Bulgária.

Durante décadas, cada um dos países fez planos detalhados. Os


alemães, por exemplo, tinham o famoso Plano Schlieffen. Elaborado pelo
general Schlieffen, previa o pior cenário possível: uma guerra em dois fronts –
um contra a França, outro contra a Rússia. Para o sucesso do plano, era
necessária uma rápida vitória contra os franceses, para, depois, vencer a Rússia.
Temerário, arriscado e de difícil execução, o plano acabou por fracassar. A
almejada rápida vitória contra os franceses acabou transformando-se na estática
guerra de trincheiras, que durou a maior parte dos quatro anos de conflito.

Os russos assumiram a ofensiva, na frente oriental, no início da guerra,


mas foram detidos pelos exércitos austríacos e alemães. Em 1915, as Potências
Centrais haviam conseguido expulsar os russos da Polônia e da Lituânia e
tinham tomado todas as fortalezas limítrofes da Rússia, que ficou sem condições
de empreender ações importantes por falta de homens e de suprimentos. O
fracasso na guerra contribuiria para o aumento da crise político-institucional
interna da Rússia, que culminaria na deposição do czar, no estabelecimento de
um governo republicano e na revolução bolchevique de outubro de 1917.

O Império Otomano entrou na guerra em 29 de outubro de 1914, ao lado


dos alemães e austríacos. Os turcos iniciaram a invasão da zona russa da
cordilheira do Cáucaso em dezembro. O governo russo pediu auxílio aos
britânicos, que tentaram tomar o Estreito de Dardanelos. Porém, a Campanha
de Gallípoli, como ficou conhecida a ação, resultou em fracasso total para as
tropas aliadas, que foram tenazmente derrotadas pelos turcos.

A I Guerra Mundial

A Guerra

Nos Bálcãs, em 1915, os austríacos, com apoio dos búlgaros,


conseguiram derrotar e ocupar a Sérvia. Eclodiram duas lutas na região em
1916: o ataque conjunto de sérvios e italianos às forças búlgaras e alemãs e uma
ofensiva aliada sobre a Macedônia.

O triunfo obtido pelos alemães contra os russos e sérvios, em 1915, deu-


lhes condições de concentrarem suas operações na frente ocidental.
Desencadearam a batalha de Verdun em 21 de fevereiro, mas não conseguiram
conquistar esta cidade devido à contraofensiva do general francês Henri Philippe
Pétain. Os aliados contra-atacaram, por sua vez, na batalha do Somme, iniciada
em 1º de julho e na qual os britânicos usaram pela primeira vez carros de
combate modernos. Os franceses empreenderam nova ofensiva em outubro,
restabelecendo a situação que existia antes de fevereiro. Todos esses
movimentos podem ser vistos no Mapa 21.
Mapa 21: A Guerra em agosto de 1914

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun7.html

Essas batalhas de 1916 já revelavam quão assustadoramente mortífera


seria a Grande Guerra: nos cinco meses da batalha de Verdun, “os exércitos
franceses e alemães sofreram mais de seiscentas mil baixas (mortos, feridos e
desaparecidos) e, no primeiro dia da batalha do Somme (...), o exército britânico
(...) teve vinte mil mortos e quase quarenta mil feridos. No monumento em
Thiepval, dedicado aos soldados britânicos mortos em pouco mais de um ano
em Somme, há mais de setenta mil nomes, exclusivamente daqueles cujos
corpos nunca foram encontrados” (ROBERTS, 2002, p. 682).

A guerra continuaria estática. Os exércitos dos dois lados acabaram


fincando posições que se manteriam por meses. A guerra de trincheiras, com
homens com lama até o pescoço, enfiados em valas imundas e sujeitos a
doenças, como cólera e tifo, e a ataques da artilharia inimiga, alguns
empregando gases letais, seria uma traumática realidade quotidiana pela qual a
Grande Guerra seria lembrada. Nesse sentido, a I Guerra Mundial seria distinta
de todas as que a precederam e, de fato, também dos conflitos seguintes, nos
quais a guerra dinâmica, de velocidade, seria a regra. Em resumo, nos primeiros
três anos que se seguiram a 1914, poucas conquistas houveram por parte de
ambos os lados além daquelas obtidas nos primeiros meses da guerra.

Grandes Mudanças

Em 1917, os aliados tiveram um revés: a Rússia saiu da guerra. Em março


daquele ano, uma revolução culminou na implantação de um governo provisório
e na abdicação do Czar Nicolau II. Em novembro (outubro no calendário russo),
uma nova revolução, liderada pelos bolcheviques, derrubou o governo provisório
e tomou o poder. As autoridades russas propuseram à Alemanha a cessação
das hostilidades. Representantes da Rússia, Áustria e Alemanha assinaram o
armistício em 15 de dezembro, cessando, assim, a luta na frente oriental. Os
alemães puderam redirecionar suas forças para o front ocidental.

Se saíra vitoriosa contra a Rússia, a Alemanha fracassara em seu intento


de provocar a rendição da Grã-Bretanha por meio da destruição da frota aliada.
Em janeiro de 1917, a Alemanha declarava guerra submarina generalizada e
anunciava que afundaria qualquer embarcação que encontrasse em uma vasta
área do Atlântico Norte, considerada zona de guerra, não importando se fosse
navio de guerra, mercante ou de passageiros. Com isso, muitas embarcações
foram torpedeadas, causando milhares de baixas, inclusive entre civis de países
neutros, como os EUA e o Brasil.

A política de neutralidade norte-americana mudou com a guerra


submarina promovida pelos alemães. Em 3 de fevereiro de 1917, os EUA
romperam relações diplomáticas com a Alemanha, declarando-lhe guerra em 6
de abril. Uma força expedicionária foi enviada para a Europa. A sorte mudara
novamente na direção dos aliados.

Outro filme muito interessante é O Batalhão Perdido, de Russell Mulcahy


(EUA, 2001, 92 min), que conta a história real de um batalhão norte-americano
que se perde no meio das linhas alemãs durante a I Guerra Mundial.
Várias nações latino-americanas, entre elas o Peru, o Brasil e a Bolívia,
apoiariam a ação dos EUA. O afundamento de alguns navios levou o Brasil, em
26 de outubro de 1917, a participar da guerra, enviando uma divisão naval em
apoio aos aliados. Aviadores brasileiros participaram do patrulhamento do
Atlântico, navios do Lóide Brasileiro transportaram tropas norte-americanas para
a Europa, e uma missão médica foi enviada para a França.

A I Guerra Mundial

1918: o fim da carnificina

Apesar da entrada dos EUA no conflito, os primeiros meses de 1918 não


foram favoráveis às Potências aliadas. O Mapa 22 ilustra a disposição das forças
no início de 1918 (comparar com o Mapa 21). Em 3 de março, a Rússia assinou
o Tratado de Brest-Litovsk, com o qual punha oficialmente um fim à guerra com
os Impérios Centrais. Em 7 de maio, a Romênia, derrotada, assinou o Tratado
de Bucareste com a Áustria-Hungria e a Alemanha, às quais cedia diversos
territórios.

Mapa 21: A Guerra em agosto de 1914


Mapa 22 - A Grande Guerra em 1918

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun8.html

A I Guerra Mundial

1918: o fim da carnificina (cont.)

Em 1918, no entanto, a luta nos Bálcãs foi catastrófica para os Impérios


Centrais. Uma força de cerca de 700.000 soldados aliados iniciou uma grande
ofensiva contra as tropas alemãs, austríacas e búlgaras na Sérvia. Os búlgaros,
derrotados, assinaram um armistício. Além disso, os aliados obteriam a vitória
definitiva na frente italiana entre outubro e novembro. A comoção da derrota
provocou rebeliões revolucionárias no Império Austro-Húngaro, que se viu
obrigado a assinar um armistício em 3 de novembro. O Imperador Carlos I
abdicou oito dias depois, e, em 12 de novembro, foi proclamada a República da
Áustria.

A frente turca também caiu. As forças britânicas tomaram o Líbano e a


Síria, ocupando Damasco e outros pontos estratégicos. A Marinha francesa, por
sua vez, ocupou Beirute, e o governo otomano solicitou um armistício.
Depois da paz em separado com a Rússia, a Alemanha tentou uma
ofensiva final contra a França. Nesse momento derradeiro, porém, os alemães
tiveram que enfrentar as recém-chegadas tropas americanas. Cansados e com
parcos recursos materiais, os germânicos fracassaram em seus ataques finais.
Depois de quatro anos, a exaustão atingiu todos os países combatentes,
enquanto os EUA acabavam de entrar no conflito. Em fins de 1918, os principais
aliados da Alemanha – Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária – pararam
definitivamente de lutar. Áustria-Hungria e Turquia simplesmente se
desmancharam depois de quatro anos de combate.

A Alemanha, sob pressões internas e externas, pediu a paz. O Kaiser


Guilherme II abdicou, e o país se transformou em república. A Alemanha, ao
contrário de seus aliados, não se desintegrou, e o armistício foi feito antes que o
seu território fosse invadido. Isso teria grandes implicações simbólicas
posteriormente.

A I Guerra Mundial

O saldo da Grande Guerra

O saldo da guerra foi a morte de mais de 8 milhões de pessoas. Outras


10 milhões de pessoas ficaram inválidas. Economicamente, o trauma foi
profundo. A França gastou 30% da riqueza nacional, e a Inglaterra, 22%. A
produção industrial caiu entre 30% e 40%. Além disso, enormes dívidas foram
contraídas para pagar a guerra. Nunca o mundo assistira a uma hecatombe de
tamanhas proporções, com tantas baixas, tantos mutilados e tanta destruição.

Sob a ótica das relações internacionais, a Grande Guerra provocou


mudanças profundas no equilíbrio de poder no mundo. Os velhos impérios, que
foram protagonistas da política entre as nações nos quatro séculos anteriores,
desaparecem. O II Reich chega a termo, e uma frágil democracia é estabelecida
na Alemanha, que continuava como Ator de destaque no cenário europeu e cuja
recuperação influenciaria definitivamente os destinos da Europa e o sistema
internacional. Grã-Bretanha e França, apesar de vencedoras da Grande Guerra,
foram obrigadas a admitir que uma nova configuração de poder seria
estabelecida, com dois Atores não europeus tremendamente importantes, o
Japão e a nova Potência que se afirmava, os EUA.

Terminado o conflito, que deveria ter sido rápido e fácil, a Europa estava
em situação lamentável e não mais teria forças para estar à frente da Sociedade
Internacional. Os EUA já deveriam ser consultados sobre os destinos do sistema
internacional, e, no Oriente, o Japão avocava sua parcela de influência. E essas
transformações estavam apenas começando... O mundo já dava sinais de deixar
de ser eurocêntrico. A Primeira Guerra Mundial foi a grande tragédia europeia.

A Grande Guerra foi um evento marcante na história da humanidade e deu


início ao século XX. Há muitas obras a respeito. Sugere-se, para leitura inicial,
o livro de John Keegan, História Ilustrada da I Guerra Mundial (Ediouro). Os
livros de John Keegan são indicados para os que se interessam por história
militar. Também sobre a realidade da Grande Guerra, sugere-se a leitura de
Nada de Novo no Front, de Erich Maria Remarque (Porto Alegre, L&PM, 2004).
Trata-se de um romance histórico, contado por alguém que viveu a dura
realidade da guerra e foi considerado, no pós-guerra, uma obra-prima da
literatura pacifista mundial. Baseado no livro, foi feito o filme de mesmo nome
(All Quiet on the Western Front,
Lewis Milestone, 1930), também um clássico do gênero.

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Conferência de Paris, O Tratado de Versalhes e o Advento de uma Nova


Ordem Internacional

Em janeiro de 1919, 25 países se reuniram em Paris para as


conversações de paz. Os derrotados e a Rússia, entretanto, não participaram
dos debates.

Os norte-americanos, guiados pelo idealismo do Presidente Woodrow


Wilson, desejavam a criação da Sociedade de Nações, entidade que pudesse
resolver amigavelmente as questões internacionais. Também conhecida como
Liga das Nações, essa organização internacional deveria servir de foro onde os
Estados poderiam resolver suas animosidades sem recorrer à guerra, que
deveria ser definitivamente banida das relações internacionais. A paz seria
assegurada por meio de um mecanismo de segurança coletiva, e o direito
internacional, a autodeterminação e a democracia deveriam prevalecer nas
relações entre os povos. Esses valores, que constituiriam o norte moral para a
conduta dos Estados, seriam fomentados pelas instituições então criadas, como
a Liga das Nações e a Corte Internacional de Justiça (denominada à época Corte
Permanente de Justiça Internacional).

Grã-Bretanha e França, todavia, buscavam defender seus interesses de


forma mais incisiva e pragmática. Os franceses desejavam a reintegração da
Alsácia-Lorena a seu território, o desarmamento alemão e o pagamento de
indenizações de guerra. Os ingleses, por sua vez, queriam o controle sobre a
frota e sobre as colônias alemãs. Eram posições antagônicas aos anseios
estadunidenses e refletiam o realismo da política internacional europeia do
século XIX.

O Tratado de Versalhes, principal convenção de paz da Grande Guerra,


continha termos bastante duros para os vencidos. A Alemanha perdeu vários
territórios e todas as suas possessões coloniais. Além da Alsácia-Lorena,
devolvida para a França, perdeu territórios para a Lituânia e, principalmente, para
a Polônia. Como resultado das perdas territoriais para esta última, a Alemanha
foi fisicamente dividida, com a Polônia separando a Prússia Oriental do restante
do país. Tinha-se aí um dos motivos que fomentaram o nacionalismo e o
revanchismo alemães no Entre-Guerras (1919-1939).

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Conferência de Paris, O Tratado de Versalhes e o Advento de uma Nova


Ordem Internacional (cont.)

Militarmente, a Alemanha foi desarmada. O exército foi reduzido para 100


mil homens e 4 mil oficiais. Não mais teria marinha, aviação, tanques ou artilharia
pesada. Também não poderia fabricar material bélico. Por fim, o país se viu
obrigado a pagar uma grande indenização financeira para os vencedores. Para
se ter ideia da indenização que a Alemanha se viu obrigada a pagar, o valor
acordado era tão expressivo que seria pago em parcelas que só acabariam no
início da década de 1980. Claro que esse pagamento não se daria como
previsto...

Outros tratados de paz foram firmados entre 1919 e 1923. Como


resultado, inúmeros países surgiram da desintegração do Império Austro-
Húngaro, do Império Otomano e do Império Russo: Finlândia, Letônia, Estônia,
Lituânia, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e Iugoslávia. Um novo mapa político
da Europa era desenhado, com novas nações constituídas do esfacelamento
das colchas de retalho étnicas, que eram os citados velhos impérios.

O Mapa 23 ilustra a nova configuração política europeia do pós-I Guerra (em


amarelo, os novos Estados).

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun12.html
O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

Uma Nova Ordem Internacional

A Europa que saía da guerra era bastante diferente daquela que a iniciara.
De certo modo, o impacto da I Guerra para algumas nações europeias foi ainda
maior do que o da II Guerra Mundial. Sangrada e traumatizada, a Europa não
conseguiu se recuperar por meio dos Tratados de Paz. Ao contrário de uma paz
duradoura, conseguiu-se, apenas, por intermédio de tratados impiedosos, deixar
os alemães desejosos de uma revanche. Diferentemente do Congresso de Viena
(1815), que fora um exemplo de como se obter a paz, Versalhes foi a expressão
de raiva dos vencedores. O resultado é que, vinte anos depois, eclodiria outra
guerra mundial.

Novas Potências não europeias: EUA e Japão

Quais foram os verdadeiros vencedores da I Guerra Mundial? França e


Grã-Bretanha saíram em frangalhos do conflito. Perderam milhões de vidas e
tiveram uma geração inteira traumatizada. Perderam recursos industriais,
econômicos e financeiros. Para ganhar a guerra, tiveram que se aliar e se
endividar junto aos EUA. Estes, se já eram um país importante antes de 1914,
tornaram-se, após o fim da guerra, a principal Potência mundial. Inegável que a
vitória das Potências ocidentais só foi possível porque os norte-americanos
enviaram um contingente significativo para a França a partir de 1917. Os EUA
foram o fiel da balança na Grande Guerra: não apenas impediram que as
ofensivas alemãs fossem bem-sucedidas como também mostraram para os
alemães que a continuidade da guerra era inútil.

O Japão, mesmo com papel secundário na I Guerra Mundial, soube tirar


proveito do enfraquecimento das Potências europeias. Conseguiu ocupar as
possessões alemãs na China e na Oceania. Além disso, como se envolvera
apenas marginalmente no conflito, encontrava-se pronto para as suas aventuras
militares nas décadas de 1920 e 1930 e, posteriormente, na II Guerra Mundial.
O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

Idealismo na política internacional e a Liga das Nações

A Grande Guerra havia sido demasiadamente traumática. Nunca o mundo


presenciara tanta carnificina e destruição em um conflito entre “nações
civilizadas”. Os europeus, que haviam comemorado o início do ansiado conflito,
concluíram-no exaustos e dispostos a fazer daquela a derradeira guerra.

O sentimento mundial e, sobretudo, europeu, ao fim da Grande Guerra,


era de que não se poderia mais tolerar que os povos se dizimassem em um
conflito armado, e que a Sociedade Internacional deveria empreender todos os
esforços no intento de garantir um mundo pacífico e regido pelo Direito, e não
pela força.

O presidente estadunidense Woodrow Wilson foi o idealizador do


programa de construção de uma nova ordem internacional chamado Quatorze
Pontos. Esse programa, apresentado para a Conferência de Paris, previa um
acordo de paz sem anexações territoriais ou indenizações de guerra e baseava-
se no princípio da autodeterminação dos povos, isto é, cada nacionalidade teria
direito de ter a própria independência, caso, por exemplo, da Hungria, Polônia e
Sérvia. Além disso, o programa wilsoniano previa a criação de uma Sociedade
das Nações, para assegurar que o mundo não entrasse novamente em guerra.

A Sociedade das Nações, ou Liga das Nações, foi fundada em 28 de abril


de 1919. Apesar das pretensões de Wilson, ela acabou sendo bastante limitada.
Um Conselho Permanente, formado por Estados Unidos, Grã-Bretanha, França,
Japão e Itália, serviria como árbitro nas questões internacionais. Caso não fosse
bem-sucedido, a Assembleia Geral, composta por todos os membros, poderia
votar sanções morais, econômicas ou militares.

Para fins práticos, os efeitos trazidos pelo advento da Sociedade das


Nações foram desprezíveis. Como exercia, na realidade, pouco poder, quando
votava algum tipo de sanção ou de agravo, o país atingido simplesmente se
retirava da Liga. Ademais, a organização já começara enfraquecida, pois a
principal Potência mundial e pátria do seu idealizador, os EUA, acabaram não
aderindo à Liga, por decisão do Congresso norte-americano.
O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Revolução Russa

A Revolução Russa foi um dos eventos mais importantes do século XX,


tal como fora a Revolução Francesa no século XVIII. Surgiu da derrota para o
Japão em 1905 (em que disputou o território da Manchúria), dos escombros da
I Guerra Mundial, da disseminação das ideias socialistas e revolucionárias
geradas no século XIX e da incapacidade do governo czarista de ouvir os
anseios populares.

A entrada russa na Grande Guerra, tal como ocorrera em outros países,


fora celebrada pelo povo. O governo de São Petersburgo imaginava que a
superioridade numérica da Rússia em homens seria suficiente para derrotar os
alemães. Isso não se mostrou verdadeiro. Apesar de estar em inferioridade
numérica, a Alemanha soube lidar com a incompetência militar e com os
problemas logísticos russos. As derrotas militares não tardaram a surgir e,
rapidamente, transformaram-se em desastres. Além disso, a guerra pressionou,
de modo exagerado, a economia russa: os camponeses foram retirados de suas
terras para lutar no front, empresas e indústrias faliram, a inflação corroía o poder
de compra e não havia comida suficiente para abastecer as principais cidades.
Em fins de 1916, a Rússia czarista estava à beira do colapso.

Apesar disso, o Czar Nicolau II, preso aos compromissos de guerra com
a França e com a Grã-Bretanha, não dava sinais de que desistiria do conflito.
Pressionado, abdicou em março de 1917. O governo passou às mãos de um
governo moderado sob o comando de Alexander Kerenski. Entretanto, o novo
governo não eliminou o principal problema do país: a guerra. Em outubro do
mesmo ano, Lênin, líder bolchevista que retornara do exílio, preparou a tomada
do poder. Kerenski, abandonado pelo exército, fugiu. Lênin assumiu então o
governo

Lênin conseguiu retornar do exílio e chegar à Rússia para promover a


Revolução graças ao auxílio dos alemães, particularmente dos serviços de
inteligência do Kaiser, com os quais o líder bolchevista comprometeu-se a pôr
fim à participação de seu país na guerra assim que tomasse o poder.
A Revolução Russa e o Stalinismo são o pano de fundo dos filmes Dr.
Jivago e Reds, de Warren Beatty. Confira!

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Revolução Russa (cont.)

Os bolchevistas eram guiados pelas ideias de Karl Marx e Friedrich


Engels, pensadores comunistas do século XIX. Assim, tinham o objetivo de, uma
vez tomado o poder, realizar profundas mudanças na sociedade. De acordo com
Marx, a história se funda na luta de classes, e essa seria superada pela classe
mais revolucionária e vanguardista, o proletariado. A contribuição de Lênin para
a política do século XX foi a seguinte: a revolução seria feita através da condução
e organização do disciplinado partido de vanguarda de revolucionários
profissionais. A revolução de 1905 mostrara uma burguesia russa politicamente
fraca; a Constituição liberal-burguesa formulada era muito restrita, e o czarismo
tornara a se implantar. Para uma revolução sem burguesia, o partido conduziria
a classe operária com o apoio do campesinato, ansioso por terras.

As repercussões de uma revolução russa seriam mais amplas que as de


1789. A simples extensão física e a plurinacionalidade de um império que ia do
Pacífico à fronteira alemã significava que sua queda afetaria um número muito
maior de países, em dois continentes, que a de um Estado marginal ou isolado
na Europa ou na Ásia.

Uma das primeiras medidas de Lênin foi a retirada da Rússia da guerra.


Por meio do armistício de Brest-Litovsk, entregou parte importante do território e
dos recursos industriais e econômicos russos na Europa para os alemães em
troca da paz. Mesmo arriscado, foi um lance bem-sucedido. Junto com isso,
implantou um regime de partido único apoiado em uma poderosa polícia política,
a Tcheka, e no Exército. Depois de três anos de sangrenta guerra civil, inclusive
com a invasão do território russo por forças estrangeiras, a vitória e o controle
do país foram definitivamente alcançados.

Dos escombros do império dos czares surgiu um novo país, a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), primeira nação do mundo sob um
regime marxista e que se tornaria a única Potência do planeta capaz de rivalizar
com os EUA. O governo revolucionário enfrentaria ainda grandes crises políticas
e econômicas, mas conseguiria superar esses obstáculos e retomar o processo
de industrialização e de crescimento iniciado pela Rússia czarista. Entretanto,
essas transformações acarretariam a morte de milhões de pessoas, não só em
virtude da insuficiência de alimentos, mas também por causa de decisões
desastrosas da política econômica – tomadas por burocratas do Partido
Comunista – e, ainda, como resultado de perseguições e expurgos contra toda
e qualquer pessoa suspeita de ser contrária ao regime. Nesse contexto, a figura
de Josef Stalin, que assumiu o poder após a morte de Lênin, em 1924, e
governou ditatorialmente a URSS até a sua própria morte, em 1953, teve um
papel central.

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Crise de 1929

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os EUA se tornaram a principal


Potência econômica do mundo. A década de 1920 foi um tempo de grande
crescimento econômico. Empolgados com a possibilidade de lucro rápido,
milhares de pessoas se puseram a investir na Bolsa de Valores, inclusive
comprando ações a crédito. Esse movimento de especulação fez com que os
preços das ações fossem muito maiores do que elas realmente valiam.

Em outubro de 1929, a “bolha” da Bolsa explodiu. Em poucas semanas,


bilhões de dólares evaporaram. Empresas reduziram a produção, milhões de
trabalhadores ficaram desempregados, agricultores tiveram que entregar as
suas terras para os bancos, e centenas de bancos fecharam as portas. O índice
de produção estadunidense, que era de 100 em 1929, caiu, em pouco tempo,
para 60.

Externamente, os efeitos da crise também foram devastadores. Como


sempre ocorre, problemas na principal Potência repercutem rapidamente no
restante do sistema internacional. Desemprego, inflação e quebra de empresas
atingiram praticamente todos os outros países do mundo, à exceção da União
Soviética, que não dependia do sistema econômico internacional por ter sido
isolada pelas Potências, em virtude da Revolução de 1917 e do estabelecimento
do regime comunista.

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

Fascismo e Nazismo

Após a I Guerra Mundial, a Europa foi tomada por uma onda de


radicalização política. Regimes totalitários, à esquerda e à direita, apareceram
por todo o continente. Os antigos regimes liberais foram, pouco a pouco,
substituídos por regimes onde imperava a força. E isso ocorreu com o apoio
popular, que, em diversos países, manifestou descrédito na democracia.

Após 1916, o constitucionalismo liberal e a democracia representativa


batem em retirada, embora restaurados após 1945. Em 1939, os únicos dentre
os 27 Estados europeus que podiam ser descritos como democracias
parlamentares eram: Reino Unido, Estado Livre da Irlanda, França, Bélgica,
Suíça, Holanda e os quatro escandinavos. Todos eles, salvo o Reino Unido, a
Irlanda, a Suécia e a Suíça, logo desapareceriam temporariamente em virtude
de ocupação ou de aliança com a Alemanha nazista.

O Tratado de Versalhes comprometeu as chances de recuperar a


estabilidade capitalista da Alemanha e, portanto, da Europa, em bases liberais.

O comunismo, que já havia alcançado o poder na Rússia por ocasião da


Revolução de 1917, apresentava-se, para muitos europeus, como a saída da
esquerda. À direita, foi o fascismo que surgiu como o grande adversário dos
regimes democráticos.

A Itália é o primeiro país em que um regime fascista estabeleceu-se e


adquiriu importância. Benito Mussolini, antigo militante socialista, catalisou em
torno de si toda a insatisfação do povo italiano com o resultado da I Guerra
Mundial. Os italianos pouco poderiam comemorar dos resultados da Grande
Guerra. Apesar de oficialmente vitoriosos, as baixas em vidas foram altíssimas.
Além disso, a Itália não conseguiu obter o prestígio que há tanto tempo desejava.
Para as outras potências europeias, a Itália ainda era uma nação de segunda
categoria.

Também não se pode esquecer que a Itália chegou à década de 1920 em


grave crise econômica: o desemprego grassava, empresas quebravam, a
inflação era alta e os trabalhadores perdiam renda. Tratava-se de cenário
bastante propício a soluções autoritárias. Mussolini aproveitou-se da
oportunidade. Em 1921, fundou o Partido Fascista e, em 1922, realizou a Marcha
sobre Roma, dizendo-se defensor da ordem contra o caos e a anarquia.
Inicialmente, o discurso fascista manteve um aspecto de normalidade, mas, em
1925, os fascistas tomaram, definitivamente, o poder.

Sobre as questões relacionadas ao totalitarismo e ao autoritarismo da


Europa, vide Mark Mazower, O continente sombrio: a Europa do século XX (São
Paulo: Companhia das Letras, 2001). Obra teórica fundamental a respeito é
Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt (São Paulo: Companhia das Letras,
1989).

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

Fascismo e Nazismo (cont.)

O Fascismo italiano, copiado depois por muitos outros países, tinha entre seus
princípios:

 a existência do Estado autoritário, baseado na figura do chefe (ou líder)


e no partido único
 a preponderância do coletivo – ou das massas – sobre o indivíduo;
 o Estado como o árbitro nas relações entre patrões e empregados;
 a exaltação da guerra e da grandeza nacional.
Muitos outros países adotaram regimes similares ao italiano ou inspirados
nele: Espanha, Portugal, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Grécia, Bulgária, Lituânia,
Estônia, Letônia e Áustria, para citar os Estados europeus. Até no Brasil, em
1937, com o Estado Novo de Getúlio Vargas, foi estabelecido um regime
fortemente influenciado pelas ideias fascistas.

Não obstante, o fascismo não seria a opção mais autoritária de direita no


Entre-Guerras. Em 1933, chegava ao poder na Alemanha o principal discípulo
das ideias de Mussolini: Adolf Hitler. O novo líder alemão conseguiu não apenas
superá-lo como radicalizar mais ainda a ideologia fascista: estabelecia-se o
nacional-socialismo na Alemanha.

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

As origens do nazismo

O nacional-socialismo, ou nazismo, como é também chamado, surgiu em


meio à crise da década de 1920 e encontrou nos problemas da Alemanha e do
mundo no pós- I Guerra Mundial as razões de seu fortalecimento. A primeira
dessas razões é o perene revanchismo alemão oriundo da derrota e das
imposições dos vencedores da I Guerra Mundial.

Simbolicamente, os alemães não se sentiam derrotados, porque o


território alemão não fora invadido em 1918. Ademais, quando os combates
foram suspensos por meio de um armistício – e não de uma capitulação –,
parecia haver um equilíbrio entre os lados combatentes, pois ambos estavam
exauridos. A culpa para o armistício era jogada sobre as costas do poder civil,
os “entreguistas”, particularmente os socialistas que negociaram o armistício,
supostos responsáveis pelo fracasso.

Em segundo lugar, as condições do Tratado de Versalhes para a


Alemanha foram muito mais duras do que o Presidente Wilson sugerira. Os
alemães foram declarados culpados pela guerra, obrigados a pagar uma
reparação gigantesca e impedidos de ter um exército de tamanho compatível
com a realidade de uma Potência.
Por fim, as crises econômicas da década de 20 – primeiro, em 1923,
quando o país passou pela hiperinflação, depois, em 1929, resultado da quebra
da Bolsa de Nova York – se mostraram fundamentais para criar um caldo
simbólico de ódio e rancor. Razões econômicas que repercutiram em
movimentos sociais questionaram a frágil democracia da República de Weimar,
como foi denominado o regime alemão em sua breve experiência democrática
(1919-1933).

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

As origens do nazismo (cont.)

Aos ingredientes do fascismo, os nazistas juntaram o racismo –


especialmente contra judeus, eslavos e ciganos. Também aprofundaram o
autoritarismo fascista, ao resumirem o Estado a um chefe único, o Führer:
alicerçava-se um Estado totalitário, que só encontraria congênere na URSS
stalinista.

Os nazistas eram, simultaneamente, antimarxistas e anticapitalistas: o


marxismo, para os nazistas, seria obra dos judeus, e o capitalismo, por sua vez,
era desigual e individualista. Ademais, defendiam um sistema de partido único,
hierarquizado e presente em todas as etapas da vida do indivíduo – o indivíduo
não existia fora do partido –, e pregavam um nacionalismo levado às últimas
consequências.

No pós-I Guerra Mundial, o nacionalismo foi definitivamente incorporado


pela direita política. Desde o final do século XIX que as organizações de massa
do nacionalismo alemão desviaram-se do liberalismo herdado de 1848 para uma
postura militarista, agressiva e antissemita. No Entre-Guerras, ganhava ainda
mais força um novo movimento político baseado no chauvinismo, na xenofobia
e na idealização da expansão nacional, na conquista e no próprio ato da guerra.
Tal nacionalismo passou a atrair as classes médias frustradas, os antiliberais e
os antissocialistas.
Uma vez no poder, alcançado por meio de eleições democráticas, os
nazistas iniciaram profundas reformas: instituíram um modelo de partido único,
dominaram o Judiciário, estabeleceram a censura, promoveram expurgos no
serviço público e nas universidades e criaram os campos de concentração, para
onde eram enviados os elementos indesejados. Também conseguiram o rápido
rearmamento do Exército. Ao lado dessas ações práticas, os nazistas agiram
com muita força no campo simbólico. Uma palavra resume esse processo:
propaganda.

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)

Episódio marcante do Entre-Guerras foi a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).


O conflito foi caracterizado pelo confronto entre as grandes correntes
ideológicas da época e nele lutaram voluntários de diversas partes do mundo,
inclusive do Brasil.

Após a queda da ditadura de Primo de Rivera, em 1930, o rei da Espanha


Afonso XII tentou restabelecer um governo constitucional. Entretanto, as
eleições de 1931 acabaram com as pretensões monarquistas: o rei foi exilado e
a República proclamada. Apesar das resistências, a República espanhola
mostrou-se democrática e, em 1936, ganhou as eleições a Frente Popular,
composta por anarquistas, comunistas, socialistas e radicais. O novo governo
apoiou as reivindicações dos movimentos operários e camponeses, e os
trabalhadores começaram a ocupar as fábricas e a invadir terras.

O assassinato do líder monarquista Calvo Sotelo por forças anarquistas,


em 13 de julho de 1936, serviu de justificativa para o levante militar liderado pelo
general Francisco Franco, a partir do Marrocos espanhol. Para fazer frente à
revolta do Exército, o governo republicano recorreu a milícias, armando os
populares. Em dois meses, as tropas de Franco já dominavam metade do
território espanhol. Entretanto, a guerra se prolongaria por três anos,
constituindo-se em um confronto sangrento e generalizado.

Enquanto os nacionalistas, liderados por Franco, tinham apoio de setores


conservadores, como o Exército e parte do clero católico, e das províncias
ocidentais do país, os republicanos contavam com a Força Aérea e a Marinha,
com os trabalhadores, a pequena burguesia radical e parte do campesinato.
Contavam os republicanos também com as regiões industriais que ocupavam o
triângulo Madri-Valência-Barcelona. Bascos e catalães apoiavam a República.

Em 1938, os franquistas conseguiram isolar a Catalunha de Madri.


Barcelona capitulou em janeiro de 1939 e Madri em março do mesmo ano. Em
1º de abril de 1939, acabou a sangrenta guerra que dividira a Espanha, deixara
cerca de 500.000 mortos e 450.000 exilados. Estabeleceu-se um governo de
índole fascista, liderado por Franco, e que perduraria por quase quatro décadas.

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)

Economicamente, a guerra civil deixou a Espanha em uma situação


catastrófica. A renda per capita só recuperaria os níveis de 1936 em meados da
década de 1950. A malha industrial espanhola foi destruída, e o país voltou à
condição de economia eminentemente agrária. A infraestrutura foi muito
danificada, a Espanha gastou todas as suas reservas e a dívida externa cresceu.

Com o fim da guerra, o governo de Franco instaurou uma ditadura de


direita, simpática aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Esse regime se
manteria até a morte de Franco, em 1975, quando então a monarquia seria
restabelecida, e o país iniciaria um processo de redemocratização.

No que concerne às relações internacionais, a Guerra Civil Espanhola foi um


conflito que repercutiu muito além da Península Ibérica: com a participação
das Potências – Alemanha e Itália apoiando Franco e URSS auxiliando os
republicanos – e dos grupos de voluntários de diversas nacionalidades, o
conflito adquiriu um caráter internacional e extremamente ideológico.
Também sobre o Entre-Guerras, assista ao filme Tempos Modernos, de
Charles Chaplin, um clássico que ilustra o impacto da Segunda Revolução
Industrial sobre a vida humana. Trata-se do último filme mudo de Chaplin, que
focaliza a vida urbana nos Estados Unidos nos anos 30, imediatamente após a
crise de 1929, quando a depressão econômica atingiu toda a sociedade norte-
americana, levando grande parte da população ao desemprego e à fome.

O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) (cont.)

A guerra na Espanha foi o prelúdio da nuvem negra que se abateria sobre


a Europa e o mundo a partir de 1939. Nela as ideologias se confrontaram, os
regimes autoritários puderam mostrar seu poder e testar sua máquina de guerra,
e as democracias deixaram claro o misto de desinteresse e impotência para lidar
com temas que envolviam o risco de abalo da “segurança coletiva”.

Toda a extensão da tragédia causada pela Guerra Civil Espanhola pode ser
constatada pela reportagem do The Times, de 28 de abril de 1937, da qual
extraímos o seguinte trecho:

“Guernica, a mais antiga cidade dos bascos, centro de suas tradições culturais,
foi completamente destruída ontem à tarde por um reide aéreo dos revoltosos.
O bombardeio dessa cidade aberta, muito atrás das linhas de combate, durou
três horas e quinze minutos, durante as quais uma poderosa esquadra aérea
alemã, composta de bombardeiros Junker e Heinkel, e caças Heinkel, não
parava de despejar sobre a cidade bombas de1000 libras e, calcula-se, mais
de 3000 projéteis incendiários de 2 libras, de lumínio. Ao mesmo tempo, os
caças mergulhavam sobre a cidade para metralhar a parte da população civil
refugiada nos campos(...).”

A Guerra Civil Espanhola é o pano de fundo do filme Por Quem os Sinos


Dobram, de Sam Wood (EUA, 1943, 159 min), estrelado por Ingrid Bergman e
Gary Cooper.
O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional

O III Reich e os antecedentes da II Guerra Mundial

Nos três anos que se seguiram à nomeação de Adolf Hitler Chanceler da


Alemanha, em 30 de janeiro de 1933, o governo nacional-socialista promoveu
transformações que rapidamente reconduziram o país ao seleto clube das
Grandes Potências. Em 1936, o III Reich, como ficou conhecida a Alemanha
nazista, já era uma das maiores economias do mundo: havia reduzido o
desemprego em 40% já em 1934; inúmeras obras públicas estavam sendo feitas,
e a indústria retomara sua força, de modo que o país já se mostrava
internacionalmente competitivo. Como aconteceu na União Soviética, é inegável
que a opção totalitária reergueu o país.

Recuperada do ponto de vista doméstico, a Alemanha se lançaria em uma


nova empreitada de política externa. Como sempre prometera, Hitler desejava
conduzir os alemães à retomada do orgulho nacional, por meio do repúdio às
imposições estabelecidas pelo Tratado de Versalhes e da busca do “espaço vital”
a leste, indispensável para a sobrevivência do III Reich. Com ações calculadas
que jogavam com a capacidade de reação das Grandes Potências, a Alemanha
foi, aos poucos, derrubando cada imposição do acordo de paz de 1919 e
anexando novos territórios ao Reich.

Grã-Bretanha e França, ainda traumatizadas pelos efeitos da Primeira


Guerra, evitaram agir para impedir o avanço da política externa nazista. Era a
política do apaziguamento, da paz a qualquer preço, que se fez ao custo da
entrega da Áustria e da Tchecoslováquia para a Alemanha. Havia também a
expectativa, por parte das democracias europeias, de que, em seu avanço para
o leste, logo o III Reich se chocaria com a URSS. Assim, Grã-Bretanha e França
contavam com o conflito entre os dois grandes Estados totalitários, o que seria
para elas demasiadamente interessante.

Vide “A Política Exterior do III Reich: Algumas Reflexões”, de Joanisval Brito


Gonçalves. In: Albene Menezes e Mercedes Kothe (orgs.). Brasil e Alemanha,
1827-1997, Perspectivas Históricas, 170 anos da assinatura do 1º Tratado de
Comércio e Navegação. Brasília: Thesaurus, 1997.
Entretanto, Londres e Paris não consideraram o improvável: em agosto
de 1939, Alemanha e URSS assinaram um tratado de não agressão. Para
desespero das democracias ocidentais, os dois inimigos figadais aliavam-se.
Estava pronto o quadro que levaria à Segunda Guerra Mundial.

Parabéns! Você chegou ao final do Módulo II de estudo do curso Relações


Internacionais - Teoria e História.
MÓDULO III - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS -
DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL AO SÉCULO XXI

Unidade 1 - A Segunda Guerra Mundial


Unidade 2 - O Sistema Internacional Pós-1945
Unidade 3 - O Fim da Guerra Fria e a Nova Ordem da Década de 1990
Unidade 4 - O Sistema Internacional no Século XXI: Perspectivas

Unidade 1 - A Segunda Guerra Mundial

Ao final desta Unidade, o aluno deverá estar apto a:


- discorrer sobre os principais antecedentes da II Guerra Mundial;
- indicar os principais fatos que marcaram cada uma das fases do conflito.

Esta Unidade é dedicada ao estudo da II Guerra Mundial, seus antecedentes


e fases. A abordagem desse conteúdo lhe apresentará as causas que levaram
à Segunda Guerra Mundial e os relatos de como se desenrolou a guerra em
seus momentos principais. Siga em frente!

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A II Guerra Mundial estendeu-se de 1939 a 1945, alcançou todos os


continentes habitados e envolveu as Grandes Potências e seus aliados em um
confronto sem precedentes, com um saldo de mais de 80 milhões de mortos e
prejuízos econômicos incalculáveis. Seu legado produziria uma nova
configuração de poder mundial nas décadas que se seguiriam, em um
significativo conjunto de transformações no equilíbrio de poder mundial, que
alcançaria o século XXI.

Ao contrário da Grande Guerra, a II Guerra Mundial foi, de fato, travada


entre praticamente todos os povos e culturas do planeta, ampliando
expressivamente o raio de ação das relações internacionais contemporâneas.
Qualitativamente, a guerra colocaria um fim à supremacia europeia e ao
eurocentrismo no sistema internacional, retiraria da França e da Grã-Bretanha a
condição de Potências hegemônicas e deixaria a Alemanha, o Japão e a Itália
sem os espaços internacionais conquistados à força no Entre-Guerras. Ademais,
o processo de expansão e construção do mundo liberal seria substituído por uma
nova ordem internacional, bipolarizada, com a emergência dos EUA e da URSS.

A II Guerra Mundial pode ser dividida em duas fases. Na primeira, de1939


a 1941, os países europeus ainda tentam manter a condução dos destinos das
relações internacionais, e a guerra é eminentemente europeia, como o fora a I
Guerra Mundial. Entretanto, com a segunda fase, que vai de 1941 até 1945, o
conflito torna-se mundializado, com a participação de novos Atores,
particularmente os EUA, URSS e o Japão, e se prenuncia uma nova ordem
internacional.

ANTECEDENTES:

A Chegada de Hitler ao Poder na Alemanha

A ascensão de Adolf Hitler ao governo alemão, em 1933, significou uma


nova concepção de relações internacionais, marcada pelo nacionalismo ardente
que rejeitava tanto a igualdade dos povos como a dos indivíduos, desprezava os
tratados e buscava o expansionismo por meio do rearmamento, anexação de
territórios onde houvesse alemães e aquisição do espaço vital para a construção
da Grande Alemanha –Gross Deutschland.

Em 1934, as ditaduras fascistas dominavam a Europa Central e Oriental


e, em 1939, a democracia era exceção minoritária no continente. Hitler movia-se
para dominar o Leste, e Mussolini, o Adriático e o Mediterrâneo, em ações que
tinham a indiferença ou mesmo o consentimento das Potências ocidentais,
particularmente Grã-Bretanha e França.

À medida que avançava a década de 1930, aumentava a descrença na


Sociedade das Nações. A França passou a buscar alianças a Leste, mirando a
Polônia e a Tchecoslováquia. A Itália e a Alemanha, os dois grandes Estados
fascistas da Europa, aproximaram-se. A Grã-Bretanha buscava fugir de
engajamentos militares na Europa, considerando justa a reivindicação alemã por
mudanças ao mesmo tempo em que investia no reforço da coesão no âmbito do
Commonwealth e da zona esterlina. A opinião inglesa endossou o pensamento
de Keynes de reduzir as reparações alemãs, porque prejudicavam as
exportações britânicas.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

EUA e URSS

A estratégia hitleriana de dominação do Leste forçou a URSS a aproximar-


se do Ocidente, fazer alianças e aderir à Sociedade das Nações em 1934.
Todavia, os objetivos soviéticos de política exterior apresentavam uma
dualidade: formar uma frente antinacional-socialista ou atuar como o fiel da
balança entre os “dois campos burgueses do capitalismo”. O fato foi que os
ocidentais se recusaram a fechar um pacto, para a decepção dos soviéticos, e
acabaram deixando soltos Hitler na Europa, Mussolini na Etiópia e o Japão na
China. A partir daí,a URSS reforçou seu isolacionismo político, comercial e
financeiro, renunciando ao ideal do internacionalismo proletário. E,
surpreendentemente, aproximou-se da Alemanha, que, durante certo tempo,
também fora isolada pelas Potências europeias. Essa associação entre as duas
Grandes Potências totalitárias da Europa, Alemanha e URSS, que culminaria no
pacto de não agressão entre os dois países, em 23 de agosto de 1939, gerou
preocupação nos países do continente.

Apesar de ampliarem sua presença na economia mundial, sob a ótica


política, os EUA adotaram o isolacionismo, buscando não interferir nas relações
internacionais do Velho Mundo, particularmente na política europeia. Ademais,
o projeto político-comercial pan-americano dos EUA os mantinha longe da
Europa. De fato, mesmo após o início da II Guerra Mundial, a opinião pública
estadunidense permaneceu disposta a não se envolver no conflito, pois
encontrava-se dividida sobre que lado apoiar. Registre-se que o Presidente
Franklin Delano Roosevelt se reelegeu com um discurso de que os EUA não
participariam da guerra na Europa.

As relações entre as Potências Europeias

1934 foi o ano do rearmamento alemão: após se retirar da Sociedade das


Nações no ano anterior, Hitler rompeu unilateralmente com os acordos de
Versalhes e Locarno, assinou um pacto de não agressão com a Polônia (aliada
tradicional da França) e encontrou-se com Mussolini para evitar choques de
interesses na área do Rio Danúbio. A França, em reação, aproximou-se da
URSS e propôs, em vão, um pacto geral sobre o Leste europeu. A Itália, em
resposta, propôs um Pacto dos Quatro Grandes (Grã-Bretanha, França,
Alemanha e a própria Itália), que havia sido tentado no âmbito da Sociedade das
Nações, com o fim de rever tratados e liderar a Europa, o que não foi aceito pelos
países menores.

Na Conferência de Stresa, em abril de 1935, Itália, França e Grã-Bretanha


recusaram a denúncia unilateral alemã dos tratados. A Grã-Bretanha, todavia,
celebrou um acordo naval em junho do mesmo ano com Berlim, considerado
uma traição política pelos franceses, italianos e até pelos soviéticos. Em outubro,
a Itália invadiu a Etiópia, membro da Sociedade das Nações, e não recebeu
qualquer condenação ou sanção. A segurança coletiva europeia desmoronava.

O clima esquentou em 1936, com a Guerra Civil Espanhola. Era o primeiro


experimento de uma guerra civil verdadeiramente europeia, uma vez que nela
se confrontaram militarmente as correntes ideológicas de direita e esquerda,
com fornecimento de armas de ambos os lados (da URSS para os republicanos
e da Itália e da Alemanha para os franquistas). Fenômeno semelhante só voltaria
a ser visto na época da Guerra Fria.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A Política Exterior do III Reich

Após a consolidação do regime nacional-socialista no campo doméstico e


a recuperação econômica da Alemanha, Hitler prosseguiu com seu projeto de
hegemonia alemã sobre a Europa centro-oriental. Em 1938, com base no
princípio de que todos os povos alemães deveriam estar unidos sob um único
governo, o III Reichanexou a Áustria e parte da Tchecoslováquia – esta última
com o consentimento formal da Grã-Bretanha, França e Itália, na Conferência de
Munique. Hungria e Romênia aliaram-se à Alemanha, que já havia estabelecido
o Eixo Roma-Berlim (ao qual Tóquio aderiria pouco depois). Finalmente, em
1939, a Alemanha se aproximou da URSS, com Berlim e Moscou negociando a
partilha da Polônia.

Os regimes democráticos só buscaram unidade de ação contra Hitler após


a aliança com os soviéticos e a invasão da Polônia, em 1º de setembro de 1939.
De fato, franceses e britânicos foram surpreendidos pelo pacto germano-
soviético e, percebendo que não seria mais possível – pelo menos naquele
momento – o tão esperado confronto entre os dois Estados totalitários, tiveram
que deixar de lado a política do apaziguamento. Logo depois de divulgado o
acordo germano-soviético, Grã-Bretanha e França ofereceram garantias para a
Polônia, e os EUA solicitaram a Hitler que, por dez anos, não atacasse 29
nações, cuja lista lhe fizeram chegar.

Às vésperas da guerra, pareciam evidentes os objetivos da política


externa alemã:

· reduzir a influência da França no continente;

· buscar a neutralidade da Grã-Bretanha;

· instaurar um império alemão a Leste, incluindo o território soviético.

A partir da improvável e surpreendente aliança com os soviéticos, a


Alemanha pôde desencadear a invasão da Polônia. A reação de britânicos e
franceses foi tardia. Os soviéticos logo atacariam os poloneses pelo leste,
incorporariam os Estados Bálticos a seu território e, em novembro de 1939, a
Finlândia seria atacada. Começava a II Guerra Mundial.

Inúmeros filmes retratam o nazismo e a Segunda Guerra Mundial. Vejamos


alguns:
O Grande Ditador, de Charles Chaplin. Em seu primeiro filme falado, Chaplin
interpreta dois papéis opostos, o de um barbeiro judeu que enfrenta tropas de
choque e perseguição religiosa e o do Grande Ditador Hynkel (sátira a Adolf
Hitler). O clímax desse clássico é o célebre discurso final, um libelo ao triunfo
da razão sobre o militarismo.
A Lista de Schindler. Esse filme do diretor Steven Spielberg conta a história
real de Oskar Schindler (Liam Neeson), empresário alemão que salvou
centenas de judeus dos campos da morte nazistas.
Pearl Harbor. Filme que tem como fio condutor os eventos que fizeram com
que os Estados Unidos entrassem na 2.ª Guerra Mundial, logo após o ataque
japonês a Pearl Harbor.
O Pianista. Essa bela obra do diretor Roman Polanski mostra o surgimento do
Gueto de Varsóvia, quando os alemães construíram muros para encerrar os
judeus em algumas áreas.
Sobre a guerra no Pacífico, vale a pena assistir aos clássicos Tora, Tora, Tora
e Midway.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A GUERRA

A Primeira Fase: 1939-1941

Após a invasão da Polônia, em 01/09/1939, e a declaração de guerra à


Alemanha por Grã-Bretanha e França, o confronto ateve-se aofront oriental, com
a queda da Polônia em algumas semanas e os avanços soviéticos sobre os
países bálticos e a Finlândia, e à investida alemã contra a Noruega, em busca
das reservas de ferro e carvão, momento em que houve o enfrentamento entre
alemães e uma Força Expedicionária Britânica, com a derrota desta última em
Narvik. Fora isso, a guerra no fronte ocidental ainda não começara.

Assim, os primeiros passos da guerra foram lentos. Cerca de dez milhões


de soldados esperavam, na estratégia da guerra estática, os primeiros
movimentos do inimigo. Os líderes políticos franceses e britânicos decidiram
retardar ao máximo as ofensivas. Até maio de 1940, quando os alemães
iniciaram a grande ofensiva militar sobre a França, não tinha havido praticamente
embates entre as Grandes Potências no fronte ocidental.

As forças mobilizadas pareciam favoráveis aos alemães. Apesar da


manifesta superioridade, no mar, de franceses e britânicos, os alemães
possuíam, em setembro de 1939, 3.228 aviões de guerra contra os 1.377 da
Grã-Bretanha e os 1.254 da França. Em terra, os canhões e tanques alemães
também eram numericamente superiores. Construída, ainda entre 1930 e 1935,
a linha Maginot, no nordeste do país, era o símbolo da insegurança francesa
(SARAIVA, 1997). Entretanto, em termos econômicos, franceses e britânicos
viam-se superiores, particularmente graças a seus vastos impérios coloniais.

Nos primeiros meses da guerra, Grã-Bretanha e França planejavam


vencer a Alemanha pelos bloqueios em terra e pelo cerceamento dos mares.
Acreditavam que o isolamento levaria à ruína econômica do III Reich, uma vez
que toda a economia alemã voltava-se para a guerra e já estava ameaçada pela
insuficiência de matérias-primas.

Reforçava a percepção de supremacia da Grã-Bretanha e da França o


fato de também contarem com forças extra-Europa, como a venda de armas
norte-americanas no sistema cash-and-carry (pagamento à vista) no Atlântico, a
partir de novembro de 1939, ao passo que Hitler estava reduzido aos seus
próprios recursos e, no máximo, aos recursos continentais.

Hitler propôs a paz em 6 de outubro de 1939. Grã-Bretanha e França não


aceitaram, pois só lhes interessava a paz se a influência franco-britânica fosse
retomada sobre todo o continente europeu. Por outro lado, para os franceses, a
guerra era a oportunidade para arruinar definitivamente a Alemanha. Assim,
diante da reação estática de Londres e Paris e da hesitação da França, que
testemunhava amplos debates internos entre a anglofilia e a anglofobia, Berlim
preparou-se para a invasão da França em 10 de maio de 1940.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A Queda da França

Em pouco mais de trinta dias, após o início das operações contra a


França, Paris já era dos alemães. O êxodo de 8 milhões de franceses enterrava
o moral francês. Em manobra de pinça, e por meio da Blitzkrieg, a guerra-
relâmpago, as forças alemãs dividiram ao meio as tropas francesas e as
empurraram, juntamente com a Força Expedicionária Britânica, para a costa do
Mar do Norte, no que culminou na maior operação de retirada da história, quando
centenas de embarcações foram envolvidas no resgate de soldados britânicos e
franceses em Dunquerque, numa fuga desesperada para deixar o continente e
escapar dos alemães. Dunquerque foi a maior humilhação por que passaram
britânicos e franceses na guerra.

De fato, o divórcio intelectual e estratégico franco-britânico concretizou-se


com a evacuação das tropas aliadas, em especial da Força Expedicionária
Britânica, em Dunquerque, no nordeste francês. Dois dias antes de se iniciar a
evacuação de Dunquerque, em 24 de maio 1940, Hitler ordenou a contenção do
avanço das vanguardas em direção à cidade. Boulogne, Calais, Dunquerque e
Ostende eram os quatro portos no lado oposto da parte estreita da Mancha
(cabeças-de-ponte para os ingleses no continente europeu) que, em 23 de maio,
ainda não haviam sido capturados pelos alemães. Acreditava-se, nesse
momento, que a grande tarefa da Luftwaffe, a Força Aérea Alemã, estava
começando: o aniquilamento dos ingleses no norte da França pelo ar. Todavia,
a concretização da evacuação provou para os ingleses a falta de eficácia da
Luftwaffe ou, como acreditam alguns historiadores, que Hitler não estava
disposto a aniquilar os ingleses, pois esperava que se tornassem aliados do
Reich.

Winston Churchill, que se tornara primeiro-ministro após o início da


guerra, quis evitar a qualquer custo que os navios franceses se rendessem aos
alemães nos portos e acabou por afundar alguns deles, o que agravou a
anglofobia francesa. Ao final, a libertação de 340 mil soldados britânicos e
franceses seria fundamental para os andamentos posteriores da guerra, tendo
particular importância política para o duelo entre Churchill e Hitler.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A Queda da França (cont.)

Em 22 de junho de 1940, a França capitulou e passou a ser o único país


vencido a concluir um armistício. Bélgica e Holanda optaram pela rendição
militar, e seus governos foram transferidos para Londres. Um governo francês
pró-alemão se estabeleceu na cidade de Vichy, para onde fugira o parlamento.
Marechal Pétain, herói da I Guerra Mundial, tornou-se o governante da França
ocupada.

Essas primeiras vitórias do Eixo e dos soviéticos no início da II Guerra


Mundial podem ser vistas no Mapa 24 (em verde, as conquistas alemãs nos anos
de 1939 a 1941; em amarelo, o que restou da França – a França de Vichy).

Mapa 24: A Primeira Fase da II Guerra Mundial

As Vitórias Alemãs e Soviéticas na Europa

Fonte:http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux11
.html
A batalha da Grã-Bretanha (Operação Leão-do-Mar) iniciou-se em 13 de
outubro de 1940. A Luftwaffe iniciou os bombardeiros sobre Londres. Todavia,
foi testemunhada, naquelas semanas, uma das maiores ondas patrióticas da
história britânica, que, somada ao “espírito de Dunquerque”, fez com que Hitler,
ao final do mês, encerrasse a batalha para poupar aeronaves para o seu principal
objetivo: a destruição da URSS. É importante observar que o general Charles De
Gaulle e parte da elite moderada francesa migraram para Londres, onde
estabeleceram o governo francês no exílio, ou “França Livre”.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A Queda da França (cont.)

A derrota francesa significou uma ruptura da velha ordem internacional do


século XIX. O equilíbrio de poder que havia moldado a sociedade europeia, com
valores e regras de conduta comuns, ruiu definitivamente.

No Ocidente, a Itália e a Alemanha julgavam-se capazes de formular uma


nova ordem internacional. Ademais, a instabilidade europeia ocasionada pela
guerra criou o ambiente para as independências afro-asiáticas nas décadas
seguintes e para que Stalin começasse a dar a sua contribuição para a
modificação do mapa político europeu: agiu sobre os países bálticos, sobre a
Grécia e comandou várias anexações na Romênia e na Bessarábia
(transformada em Moldávia).

No Oriente, a política japonesa de substituição das potências ocidentais


na Ásia – “Ásia aos asiáticos” – levou aos privilégios econômicos sobre portos
aéreos e marítimos. A ocupação alemã da França deixara o Japão livre no
sudeste asiático. O Japão acreditava no nascimento de um novo império, não
mais contra a URSS ou a China, mas a favor de prosperidade econômica, que,
não obstante a derrota ao final da guerra, pode ser sentida até os dias de hoje.

Veja a interessante animação sobre a Segunda Guerra Mundial dando


dois cliques na imagem ao lado. Clique em qualquer lugar do mapa e
acompanhem a movimentação das tropas alemãs e, depois, a dos aliados.
ATENÇÃO: após assistir à animação, clique a tecla ESC para retornar ao curso!
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A Segunda Fase: 1941-1945

Em 1941, desapareceu o mundo que o século XIX construiu e o período


de transição iniciado na I Guerra Mundial (1914-1918). Havia um vazio de poder
no mundo com a França invadida e a Grã-Bretanha falida. A crise do mercado
financeiro comandado por Londres e, portanto, o fim da zona esterlina fizeram
ruir a ordem liberal criada pelos ingleses, que até precisaram começar a usar
reservas monetárias para pagar pelos produtos norte-americanos (cash-and-
carry), o que começou a preocupar os EUA.

As práticas comerciais começaram a mudar e a ter um novo articulador,


quando, a partir de março de 1940, os EUA iniciaram o sistema do lend-lease
(empréstimo e arrendamento) com os países que apresentassem interesse à
defesa vital dos EUA (SARAIVA, 1997). Plantavam-se as sementes do que viria
a ser o Plano Marshall e de um Sistema Internacional sob a égide de uma
Superpotência, novo conceito em relações internacionais.

Também em 1941, dois eventos importantes provocariam nova mudança


no equilíbrio de forças da guerra e da própria ordem internacional: a invasão da
URSS conduzida pelos alemães e o ataque japonês à base estadunidense de
Pearl Harbor, que provocaria a entrada dos EUA no conflito. E o ano seguinte
começaria com uma fase em que a guerra se tornara global (vide o Mapa 25 –
em vermelho, a zona de dominação alemã; em rosa, a zona de dominação
japonesa, em azul, a zona de guerra marítima; e em verde os aliados em guerra
contra a Alemanha e o Japão).
Mapa 25: A II Guerra Mundial – O Mundo em 1942

Fonte:http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux15
.html

Em 22 de junho de 1941, tropas alemãs deram início à Operação


Barbarossa, avançando sobre o território da URSS: a necessidade alemã de
espaço vital chocava-se com a necessidade soviética de espaço vital. A
operação desencadeava-se em três grandes frentes: em direção a Leningrado,
Moscou e às reservas de petróleo da Ucrânia. A máquina de guerra alemã
encontrou pouca resistência. De fato, em muitas partes da URSS, os alemães
que chegavam eram vistos como liberdadores daqueles povos do jugo de
Moscou e do totalitarismo stalinista. Logo essa percepção mudaria, graças à
violência dos alemães nos territórios ocupados, motivada sobretudo pelo
discurso ideológico nazista de destruição ou escravização daqueles
considerados “inferiores” aos arianos.
Stalin foi pego de surpresa com a invasão da URSS. O líder georgiano
não acreditava que seu país seria atacado pelos alemães, apesar dos relatórios
da inteligência soviética que afirmavam ser o ataque iminente. O Exército
Vermelho, por sua vez, estava em situação de extrema fragilidade,
particularmente em virtude dos expurgos stalinistas da década de 1930, que
desarticularam o Estado-Maior e aniquilaram o melhor que havia da oficialidade.
Demoraria algum tempo para as forças soviéticas se recomporem.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

A Segunda Fase: 1941-1945

Com a invasão, os EUA apoiaram a resistência soviética, e a URSS foi


incluída na aliança ocidental já em outubro de 1941. Logo grande quantidade de
recursos, de alimentos a armamentos, seriam enviados em socorro aos
soviéticos. Os aliados sabiam que, se a URSS caísse, a hegemonia alemã no
velho mundo seria incontestável.

A ajuda ocidental funcionou. Esta, associada ao ímpeto e à determinação


do povo soviético e ao sacrifício de mais de 20 milhões de vidas, contribuiriam
para a resistência e a contraofensiva da URSS. Em território russo, Hitler perdeu,
pela primeira vez, uma Blitzkrieg, mais devido ao despreparo das forças alemãs
diante das péssimas condições das estradas soviéticas e do terrível inverno
russo do que em virtude da capacidade de reação de Stalin.

Outro significativo ponto de inflexão na II Guerra Mundial deu-se com o


ataque japonês à base norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de
dezembro de 1941. Dentro dos planos japoneses de projeção de poder no
continente asiático e no Pacífico, o projeto da Grande Ásia, o choque com os
interesses estadunidenses era apenas uma questão de tempo. A operação
contra Pearl Harbour tinha por objetivo neutralizar os EUA no Pacífico, passo
importante para a ulterior anexação das Filipinas, da Malásia e de Hong Kong.

Pearl Harbor, considerado um ataque pérfido do Japão contra um país


que até então se dizia neutro na II Guerra Mundial, chocou e comoveu a opinião
pública dos EUA, conduziu o país para a II Guerra Mundial, por meio da
declaração formal de guerra anunciada pelo Presidente Roosevelt a 8 de
dezembro de 1941, e acarretou a união das duas guerras paralelas, a da Ásia e
a da Europa, numa só. O gigante estadunidense fora despertado e agora
envidaria todos os esforços para por fim às pretensões das ditaduras fascistas
de dominar o mundo. A nova política da Grande Potência do continente
americano, rompido o isolacionismo, tinha uma característica peculiar: raio
planetário. Os EUA estavam novamente em guerra.

No período de maio de 1942 a meados de 1943, a guerra caracterizou-se


por movimentos marcantes. A contenção do avanço japonês pelos aliados, o
desembarque das tropas anglo-americanas na Argélia e no Marrocos,
neutralizando a expansão do Reich no norte da África, e a capitulação das tropas
alemãs em Stalingrado anunciaram a reação aliada e a mudança do curso da
guerra a seu favor.

Em 1944, o rolo compressor dos soviéticos forçou o recuo gradual das


tropas alemãs na Ucrânia, na Bielo-Rússia e na Polônia. Enquanto Tóquio perdia
seus satélites, Moscou aumentava os seus, por um erro estratégico das forças
aliadas: desde janeiro de 1943, Stalin denunciava o abandono do flanco oriental,
o que, no final das contas, tornou a luta contra o Eixo uma forma de sobrevivência
do modelo planificado e socialista de Estado. Isso lhe custou a vida de vinte
milhões de soviéticos, quase dois quintos do total da guerra.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

O Dia D

Se os soviéticos avançavam no front oriental, a abertura de um


frontocidental era uma exigência de Stalin e uma necessidade na estratégia
aliada. O desembarque no continente já começara no sul da Itália, mas se
esperava realmente por uma invasão no norte da França que perfuraria a
inexpugnável “fortaleza do Atlântico” e estabeleceria as cabeças de ponte para
a reconquista da Europa Ocidental e o avanço de estadunidenses, britânicos e
seus aliados rumo à Alemanha.

No mapa é possível ver as linhas dos fronts de 1942 a 1945.


Mapa 26: A Guerra na Europa de 1942 a 1945

Fonte:http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux23
.html

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

O Dia D (cont.)

O “Dia D” finalmente ocorreu em 6 de junho de 1944. Na maior operação


militar aeronaval da História, os aliados começaram a invasão do continente a
partir da Normandia, região da França atlântica. Naquela data, 155 mil homens
dos exércitos dos EUA, Grã-Bretanha, França e Canadá, muitos dos quais
haviam sido evacuados de Dunquerque três anos antes, lançaram-se nas praias
da Normandia, ocupando 80km da costa ao norte do país. A invasão deu início
à libertação europeia do domínio nacional-socialista. Transportados por uma
frota de 14.200 barcos, protegida por 600 navios e milhares de aviões, as tropas
aliadas asseguraram uma sólida cabeça de praia no litoral francês (vide Mapa
27) e dali partiram para expulsar os alemães de Paris e, em seguida, marchar
em direção à fronteira da Alemanha. Era o primórdio do colapso final do IIIReich,
o império que, segundo a propaganda nazista, deveria durar mil anos.

Mapa 27: O “Dia D” – 6 de junho de 1944

O Desembarque Aliado na Normandia

Fonte:http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux25
.html

Simultaneamente ao desembarque do lado ocidental, a URSS, no Leste


da Europa, lançou uma poderosa ofensiva contra os alemães. Onze meses
depois, a 8 de maio de 1945, a Alemanha de Hitler rendia-se. Hitler suicidara-se
em 30 de abril de 1945, e com ele morriam as ideias megalômanas de
dominação da Europa e da prevalência da raça ariana. Acabava a guerra na
Europa.

O Japão capitulou quatro meses depois. Ao final de agosto de 1945, após


as bombas atômicas norte-americanas terem arrasado Hiroshima e Nagasaki,
em 6 e 9 de agosto respectivamente, todas as ações militares foram suspensas.
A URSS declarou guerra ao Império Japonês em 8 de agosto de 1945. Mas não
havia mais contra quem lutar. O país já se dispusera a negociar a rendição com
os norte-americanos. Pela primeira vez na história da milenar monarquia
japonesa, o Imperador falou para o povo, conclamando-o à rendição
incondicional. Terminava a maior e pior guerra que a humanidade jamais travara.

Há, ainda, alguns clássicos imperdíveis, como O mais longo dos dias, de
Benhard Wicki, que trata do Dia “D”, o desembarque aliado de 6 de junho de
1944; e Uma Ponte Longe Demais, do diretor Richard Attenborough, sobre a
Operação Market Garden, um plano ousado para obter um rápido final para a
II Guerra por meio da invasão da Alemanha e destruição das indústrias de
guerra do III Reich – esse ambicioso plano mostrou-se um dos grandes erros
da guerra e causou mais baixas aos Aliados do que toda a invasão da
Normandia.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

O imediato pós-guerra: 1945-1947

A destruição atômica de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, simboliza o


ocaso da velha ordem internacional do século XIX, o surgimento de um vácuo
de poder na Europa, o fim dos sonhos de uma terceira Grande Potência
(Alemanha) para substituir o antigo equilíbrio anglo-francês, o fim da condução
europeia das relações internacionais e o surgimento de duas Superpotências
com raios políticos de alcance planetário, EUA e URSS (SARAIVA, 1997).

Antes da definição da polaridade EUA-URSS, que só fica clara a partir de


1947, houve uma tentativa de concerto anglo-americano, em março de 1943,
momento em que já se procurava por uma nova era das relações internacionais
e em que foram discutidos, em Washington, o futuro da Alemanha e as
reivindicações territoriais dos soviéticos. Na ocasião, Roosevelt propôs um
diretório de quatro: EUA, Grã-Bretanha, URSS e China, ideia que lembrava o
Concerto Europeu do século XIX e as ideias do Congresso de Viena de 1815.
Surgiu também a ideia de um projeto federativo para a Europa, proposto pela
Polônia, que Moscou prontamente recusou, temendo a reconstrução do “cordão
sanitário” do período pós-1918 e já vislumbrando as possibilidades de projeção
da URSS na região. De Gaulle reclamou da ausência da França no diretório.

As conferências internacionais de Moscou, Cairo e Teerã, no segundo


semestre de 1943, mostraram a fragilidade da aliança entre as Potências
ocidentais e a URSS: os EUA reapresentaram as teses idealistas wilsonianas de
estabelecimento de um organismo internacional de segurança coletiva para
resolver problemas territoriais; a Grã-Bretanha preocupava-se com a expansão
soviética; e a França, com governo exilado em Londres, já não tinha voz.

A Declaração de Moscou não incluiu nada a respeito de renúncias a zonas


de influência e se resumiu a três pontos: a capitulação total da Alemanha, a
ocupação de seu território pelos três aliados e o desarmamento completo. A
Declaração do Cairo adicionou o Japão, exigindo a devolução de todas as
conquistas japonesas do projeto da Grande Ásia, especialmente dos territórios
tirados da China, como a Manchúria e Taiwan.

Por fim, em Teerã, a Grã-Bretanha propôs a criação de três organizações


regionalizadas (na América, na Europa e na Ásia), mas os EUA recusaram, pois
insistiam numa instituição de raio mundial, que, por meio de um diretório
composto entre os Quatro Grandes, atuaria como a “polícia do mundo”. Os EUA
também recusaram a tese do federalismo europeu. Como se observa, EUA e
URSS já ensaiavam, nessas discussões políticas, tornarem-se Superpotência.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

O imediato pós-guerra: 1945-1947

A Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, apenas consagrou todo


esse quadro: o multilateralismo das negociações cedeu diante do unilateralismo
do poder soviético na Europa Oriental. O Exército Vermelho já ocupava a maior
parte da região, e sua chegada a Berlim era questão de dias. O tempo das
relações internacionais já era outro: a política das áreas de influência na Europa
se tornaria o modelo da política mundial nas décadas seguintes. Esse foi o
primeiro grande legado da II Guerra Mundial. O segundo foi a materialização
bipolarizada desse modelo, que será melhor explorada na Unidade seguinte.
Os aliados, nas reuniões de São Francisco, entre abril e junho de 1945, e
em Potsdam, entre julho e outubro de 1945, tinham como projeto a criação de
instrumentos para o gerenciamento da paz no pós-guerra. A lógica das alianças
e da diplomacia secreta cederia lugar ao esforço de reconstrução das relações
internacionais com base no compromisso e no diálogo.

As reuniões de São Francisco criaram a Organização das Nações Unidas


(ONU), materializando o sonho wilsoniano, e deixaram evidente a perda de
importância da Europa no sistema internacional que então se delineava, apesar
de ter sido garantida a participação da Grã-Bretanha e da França no Conselho
de Segurança da Organização.

Interessante observar que, apesar de sua concepção idealista, o que se


evidenciava na Assembleia Geral, onde cada membro tinha um voto, dentro do
princípio da igualdade soberana entre os Estados, a ONU moldou-se em uma
estrutura de poder realista, uma vez que tinha um Conselho de Segurança, o
órgão legítimo para deliberar sobre o uso da força, no qual o poder concentrava-
se na mão dos cinco grandes vitoriosos da II Guerra Mundial: EUA, Grã-
Bretanha, URSS, França e China. Esses países tinham assento permanente no
Conselho e poder de veto, mostrando a clara diferença entre eles e os demais
Estados-membros da Organização e a desigual configuração de poder no
Sistema Internacional.

Portanto, a Carta de São Francisco, assinada em 26 de junho de 1945, criou


a ONU e tornou-se um dos grandes instrumentos de regulação da nova era
das relações internacionais: firmava-se o primado do Realismo sobre o
Idealismo que marcara a Sociedade das Nações. O sistema do veto do
Conselho de Segurança, que substituía o sistema da unanimidade anterior,
construía um diretório dos cinco grandes vencedores de 1945 (EUA, URSS,
China, Grã-Bretanha e França), para garantir o congelamento do poder e um
compromisso de controle da segurança mundial.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

O imediato pós-guerra: 1945-1947

Em fevereiro de 1947, o Tratado de Paz de Paris encerrou simbolicamente


os turbulentos anos nas relações internacionais iniciados em 1939. Desaparecia
definitivamente o mundo eurocêntrico, e as relações internacionais teriam a paz
garantida por um equilíbrio de poder baseado no duopólio EUA-URSS. O mundo
seria divido entre as esferas de influência de Moscou e Washington e começaria
um novo período no sistema internacional, que ficaria conhecido como “Guerra
Fria”.

Sobre o Brasil na II Guerra Mundial, não deixe de ver.


A Revista Veja criou um sítio interessante sobre a II Guerra Mundial. Vale a
pena conferir.

Na próxima Unidade, concentraremos nossa atenção no estudo do


Sistema Internacional pós-II Guerra Mundial. Vamos lá!

Unidade 2 - O Sistema Internacional Pós-1945

Ao final desta Unidade, o aluno deverá estar apto a:


• assinalar as características principais do Sistema Internacional pós-Segunda
Guerra Mundial
• discorrer sobre os fatores da gestação da Guerra Fria;
• identificar os principais fatos e fases desse período.

Esses objetivos devem nortear seus estudos nesta Unidade, e esperamos que
você possa, efetivamente, demonstrar os conhecimentos que eles propõem!
Recorra ao material de estudo e busque solucionar suas dúvidas!
A Guerra Fria

Muitos autores defendem que, após o fim da II Guerra Mundial, não havia
mais a ideia de uma Sociedade Internacional europeia, criada a partir de 1815.
A instabilidade internacional no período de 1919 a1939, que culminou na II
Guerra, corroeu um estado de equilíbrio de quase 100 anos. A Europa entrou
em uma profunda crise de valores e testemunhou o retorno dos egoísmos
nacionais, como ocorrera no período pós-Westfália.

Um novo sistema jurídico-político-econômico internacional foi erigido ao


final da II Guerra Mundial. Nascia a ONU, que procurava corrigir os erros de
Versalhes e com a qual renascia o ideal da segurança coletiva. Nascia também
o sistema de Bretton Woods, que criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o Banco Mundial (BIRD) para reconstruir o mundo destruído pela guerra e fazer
com que a ordem liberal-capitalista anterior retomasse seus passos.

O chamado “Sistema de Bretton Woods” foi um modelo de Ordem


Econômica Internacional que vigorou entre 1944 e 1973. Baseava-se em um
esquema de paridades cambiais fixas (mas ajustáveis), fundamentadas no ouro-
dólar – o dólar tornara-se a moeda forte da economia mundial em virtude da
posição dos EUA como hegemon no sistema. O sistema também incluía as
políticas econômicas aplicadas pelo FMI e pelo BIRD (e que, na década de 1980,
ficariam conhecidas como “consenso de Washington”), instituições que
contribuiriam para auxiliar e orientar as políticas econômicas domésticas.

No âmbito político, o mundo pós-1945 foi marcado pela hegemonia dos EUA e
da URSS e um novo modelo de política internacional: o sistema de zonas de
influência de raio planetário, característico do novo tipo de Ator – a
Superpotência. O mundo seria, portanto, dividido em zonas de influência
soviética e estadunidense. O continente americano e o Ocidente Europeu
constituíram-se em zona de influência dos EUA, e o Leste Europeu, da URSS.
No Mapa 28, é possível identificar com clareza essa zona sob a hegemonia
soviética.
Mapa 28: A Europa em 1946

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel1.html

Um dos legados mais relevantes da II Guerra Mundial foi o fato do conflito


ter trazido algumas soluções para o caos em que as relações internacionais se
encontravam desde a I Guerra, época em que não se havia logrado criar um
mundo pacífico e democrático. A partir de 1945, não houve mais guerra entre as
Grandes Potências, apesar do estado de tensão constante entre as alianças
militares ocidental e do bloco soviético, e o conflito armado foi transferido para o
chamado Terceiro Mundo. O eurocentrismo chegou a termo, e os velhos
impérios coloniais desapareceriam entre 1945 e a década de 1970.

As organizações internacionais após a II Guerra Mundial são Atores


importantes da segunda metade do século XX. Veja os sítios da ONU e da OEA,
a partir dos quais é possível ter acesso aos sistemas de organizações vinculadas
a esses organismos mundial e regional.
A Guerra Fria

A Gestação da Guerra Fria

"A Guerra Fria foi um período em que a guerra era improvável, e a paz,
impossível."

Com essa frase, o pensador Raymond Aron definiu o período em que a


opinião pública mundial acompanhou o conturbado relacionamento entre os EUA
e a URSS. O termo “Guerra Fria” deve-se ao fato de nunca ter ocorrido um
enfrentamento bélico direto entre as duas Superpotências, o qual poderia acabar
culminando na utilização dos arsenais nucleares e na consequente destruição
massiva do planeta.

A Guerra Fria substituiu o jogo da hegemonia coletiva da Europa sobre as


relações internacionais. Há muitas teorias sobre em que momento a ordem
internacional da Guerra Fria foi gestada. Alguns defendem ter sido na Revolução
Bolchevique e no cerceamento internacional da Rússia nos primeiros anos da
Revolução, outros no “cordão sanitário” do Entre-Guerras, e há os que defendem
ter sido gerada nos anos finais da II Guerra Mundial. O fato é que, após a
liberação recente dos documentos, arquivos e memórias antes proibidos para
pesquisas, os fatos que cercam a Guerra Fria passaram a ganhar novas
interpretações, reforçando a tese da sua gestação ao final da II Guerra Mundial
e como obra do erro estratégico dos aliados com relação ao flanco oriental a
partir de 1943 e da rejeição da URSS à ajuda do Plano Marshall, promovido pelos
EUA.

O Realismo nas relações internacionais parece ter tido mais influência na


política soviética do que a ideologia propriamente dita. Stalin, com seus mais de
20 milhões de mortos na guerra, ensaiava a reconstrução do país com base nas
reparações de guerra e na política de zona de ocupação. As ações do líder
soviético acabaram por confundir os formuladores da política externa dos EUA,
que associaram os movimentos de Moscou à ótica de um projeto expansionista.
A assistência norte-americana para a reconstrução soviética, acertada na
conferência de Teerã de 1943, nunca aconteceu. O bloqueio de Berlim, em 1948,
que marcou o início da tensão, foi feito por Stalin ao perceber o desenvolvimento
da doutrina antissoviética por parte dos EUA, a Doutrina Truman, que pregava a
necessidade de contenção da URSS e do expansionismo dos regimes
comunistas a qualquer custo. Em resposta à Doutrina Truman, os soviéticos
desenvolveram a Doutrina Idanov, que percebia a URSS como um baluarte do
Estado proletário sob constante ameaça das Potências imperialistas e que não
deveria poupar esforços para defender-se, sendo o maior deles a expansão do
comunismo pelo mundo.

Para os EUA, o conceito de Superpotência correspondia à conjugação da


capacidade econômica hegemônica com a vontade de construção de uma
grande área sob a influência dos valores do capitalismo, ou seja, a fusão dos
interesses da indústria e do comércio norte-americanos com a busca da
hegemonia mundial. Para a URSS, correspondia à conjugação da necessidade
de sobrevivência do modelo político-econômico planificado e centralista com a
necessidade de compensar sua fraqueza diante do Ocidente com a criação de
uma área sob a influência dos valores do socialismo.

Ao final da II Guerra Mundial, os países beligerantes haviam-se tornado


um campo de ruínas habitado por povos muito propensos à radicalização e à
revolução contrária ao sistema da livre empresa, do livre comércio e
investimento. O Primeiro-Ministro da França foi a Washington advertir que, sem
apoio econômico, era provável que se inclinasse para os comunistas.
Assustados com o aumento dos votos para os comunistas nas eleições
europeias no imediato pós-guerra, os estadunidenses desenvolveram a versão
econômica da Doutrina Truman: o Plano Marshall, que visava orientar a
presença dos EUA na reconstrução econômica da Europa Ocidental, o que seria
uma maneira de reverter o quadro de debilidade das democracias ocidentais e
do capitalismo diante da penetração soviética.

A ajuda do Plano Marshall foi oferecida aos países da Europa envolvidos


na II Guerra Mundial, inclusive à URSS. Stalin rejeitou o dinheiro americano e
denunciou o Plano Marshall como uma declaração de guerra econômica à
URSS. Ademais, impediu os países ocupados pela URSS (Polônia, Países
Bálticos, Tchecoslováquia, Romênia, Hungria, Bulgária e Alemanha Oriental) de
aceitá-lo. E, como resposta ao Plano Marshall, a URSS criou o Conselho de
Assistência Econômica Mútua (COMECOM), com o objetivo de organizar
economicamente o bloco socialista.
Em valores, a ajuda era de US$ 13 bilhões na época, o que seria
equivalente a cerca de US$ 100 bilhões em 2002.

Costuma-se dividir a Guerra Fria em três fases:

· fase “quente”, que vai de 1945 a 1955;

· fase da “coexistência pacífica”, de 1955 a 1979;

· fase da “nova Guerra Fria”, de 1979 a 1991.

Todavia, há os que separam a segunda fase em duas, com uma fase


conhecida como détente (distensão), entre 1969 a 1979, que marca a fundação
de um concerto americano-soviético e o início da decomposição ideológica do
conflito Leste-Oeste.

A Guerra Fria

A Fase “Quente”: 1945-1955

O período inicial da Guerra Fria é marcado pelo início da rivalidade entre


EUA e URSS e pela divisão do mundo em um modelo bipolar. Nos EUA, que
entre 1945 e 1949 eram os únicos detentores da arma atômica, George Kennan
denunciou as pretensões soviéticas de expandir o modelo socialista pelo mundo
e formulou a “doutrina da contenção”.

Em termos militares, houve reformas na organização militar interna dos


EUA, em 1947, e na estrutura militar da aliança atlântica. No campo doméstico,
a Lei de Segurança Nacional (1947) criava o Departamento de Defesa, a Agência
Central de Inteligência (CIA) e o Conselho de Segurança Nacional. Também foi
criada a Força Aérea estadunidense.

No plano internacional, o bloco liderado pelos EUA constituiria um sistema


mundial unificado de defesa, e foi criada, em 1949, a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), composta por EUA, França, Grã-Bretanha, Bélgica,
Canadá, Dinamarca, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega e
Portugal. Tratava-se de um sistema de defesa que deveria fazer frente a uma
eventual agressão soviética contra seus membros.
A contenção do avanço comunista deveria ocorrer nos campos político e
militar, mas também nas áreas ideológica e econômica. Daí o advento do Plano
Marshall, cujo objetivo era, por meio da ajuda econômica, garantir a presença
norte-americana na Europa Ocidental e a sua reconstrução segundo os valores
democráticos e capitalistas. Acompanhava o Plano Marshall o estabelecimento
da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OCDE), instituição que se
encarregaria de aplicar a ajuda estadunidense e servir de foro para novas
iniciativas de cooperação europeia. O Plano Marshall estabeleceria os alicerces
da reconstrução europeia e do processo de integração, que teve como marco os
Tratados de Roma de 1957, embrião da atual União Europeia.

A Guerra Fria

A Fase "Quente": 1945-1955

Segundo Giovanni Arrighi (1996), a expansão econômica mundial e a


integração europeia exigiam uma reciclagem muito maior da liquidez mundial do
que estava implícito no Plano Marshall. O rearmamento foi uma forma de superar
as limitações do Plano. A ideia era fazer com que uma economia nacional não
mais ficasse dependente da manutenção de um superávit de exportações (em
uma época de câmbio fixo, sob pena de depreciação de sua moeda). O
rearmamento nacional era um meio de sustentar a demanda, por meio do
seguinte processo:

rearmamento
(produção - tecnologi - sustentaç - fortalecimento
industrial e > as > ão e > do
desenvolvime colocada excitação mercadodomés
nto s no da tico
tecnológico) mercado demanda
doméstic
a

A assistência militar dos EUA à Europa foi um meio de continuar a prestar


assistência ao velho continente após o fim do Plano Marshall. Os gastos militares
no exterior (que saltaram entre 1950 e 1958 e entre 1964 e 1973) forneceram à
economia mundial a liquidez necessária para se expandir, num processo de
“keynesianismo militar” global.

Havia, ainda, a preocupação particular com a Alemanha. Foram feitos


investimentos em grandes quantidades na Alemanha Ocidental ao final da
década de 1940, com o objetivo de fazer do país reconstruído e de Berlim
Ocidental a vitrine do capitalismo, solidificando a ideia da área como fronteira
das democracias capitalistas. Também se buscava evitar qualquer sentimento
revanchista alemão por meio da incorporação plena do país à Aliança Atlântica.
Os EUA percebiam uma Alemanha Ocidental forte, econômica e militarmente,
como a primeira linha de defesa contra uma eventual expansão soviética rumo
à Europa Ocidental.

Diante das ações estadunidenses, a URSS reagiu. Intensificou o processo


de militarização das fronteiras, o recrudescimento da política de espaços na
Europa Oriental e a aceleração do projeto de desenvolvimento da bomba
atômica: essa seria a resposta de Moscou à política antissoviética adotada pelos
EUA.

Passo importante na fundação do sistema bipolar seria a detonação da


primeira bomba atômica soviética, em 1949. Os soviéticos haviam obtido
tecnologia nuclear dos EUA e da Grã-Bretanha por meio de uma eficiente
operação de espionagem. Isso desencadearia uma perseguição aos comunistas
– ou aqueles suspeitos de simpatia à URSS – que provocaria um período de
terror nos EUA conhecido como Macartismo. De toda maneira, com a bomba, a
URSS mostrava ao mundo que havia, a partir de então, uma outra Potência
nuclear. Começava a corrida armamentista entre as duas Superpotências.

A Guerra Fria

A Fase "Quente": 1945-1955

Além da força nuclear, Moscou buscou garantir também um sistema de


defesa convencional baseado em uma aliança militar para contrapor-se à OTAN
(que, em 1952, incorporava a Grécia e a Turquia) e, em 1955, foi criado o Pacto
de Varsóvia, integrado por URSS, Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria,
Polônia e Romênia: estabelecia-se o guarda-chuva militar de Moscou sobre a
Europa Oriental.

Ainda no que concerne à Europa Oriental, ocupada pelo Exército


Vermelho, esta foi rapidamente “sovietizada”. Moscou não aceitaria democracias
populares multipartidárias em sua área de influência. Em 1947, foi criado o
Kominform, em substituição à Internacional Comunista. O Kominform tinha por
objetivo propagar a revolução comunista no mundo e garantir o controle
ideológico dos partidos comunistas no Leste por Stalin, momento em que ficou
clara a liderança soviética sobre os movimentos de organização dos comunistas
franceses, italianos, iugoslavos, tchecos, poloneses, húngaros, romenos e
búlgaros.

Mas Moscou também se mostrava disposta a patrocinar a revolução


socialista em qualquer parte do mundo. Daí seu apoio à Revolução Chinesa de
1949, talvez o evento mais importante da história da Ásia no século XX. Com a
vitória comunista sobre os nacionalistas, a China foi reorganizada nos moldes
comunistas, com a coletivização das terras e o controle estatal sobre a
economia. Do dia para a noite, um quinto da população do planeta passava a
viver sob regime comunista. Ademais, nascia uma nova Potência, que logo
ocuparia seu espaço no cenário mundial e rivalizaria com a URSS a liderança do
bloco socialista.

No campo econômico, foi criado o Conselho Econômico de Ajuda Mútua


(COMECOM) para estruturar as relações econômicas entre os membros do
bloco socialista e para se contrapor ao Plano Marshall. O COMECOM
simbolizava o internacionalismo soviético na Economia. Composto inicialmente
por seis países (Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e a
própria URSS), o COMECOM teria a adesão da Alemanha Oriental em 1950. Em
1962, o ingresso da Mongólia representou um primeiro passo para uma
estruturação do COMECOM para além da Europa. Entre 1956 e 1968, Coreia e
República Democrática do Vietnã obtiveram o status de observadores junto ao
COMECOM. Em 1964, foi assinado acordo com a República Federativa
Socialista da Iugoslávia e, em 1972, Cuba ingressou na Organização.
A hegemonia soviética na Europa Oriental criou uma área de influência a
que Churchill chamou de “cortina de ferro”.

O bloco socialista na Europa e a cortina de ferro estão registrados no


Mapa 29, com as respectivas datas de ingresso de cada país no bloco socialista.

Mapa 29: A Expansão da URSS no Leste Europeu no Pós-II Guerra e a Cortina


de Ferro.

Fonte:http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel3.html

Para conhecer o clima de tensão da Guerra Fria, assista a Treze dias que
abalaram o mundo (Thirteen days, 2000), dirigido por Roger Donaldson, com
Kevin Costner e Bruce Greenwood. O filme conta a história da Crise dos Mísseis
de Cuba (1962), com ênfase na maneira como se conduziu o processo decisório
no Governo Kennedy e as negociações com os soviéticos, que culminariam na
reestruturação das relações entre as Superpotências.
Outro filme fundamental para a compreensão do período e da maneira
como eram tomadas as decisões é Sob a Névoa da Guerra, dirigido por Errol
Morris. Vencedor do Oscar de melhor documentário de 2004, o filme se molda a
partir de uma longa entrevista do cineasta com Robert Strange McNamara,
Secretário de Defesa estadunidense dos governos de John F. Kennedy e Lyndon
Johnson (entre 1961 e 1967). McNamara apresenta, de forma realista, como se
conduziram a política externa e as relações com a URSS e outros atores em uma
das épocas mais conturbadas da Guerra Fria.

A Guerra Fria

A Guerra da Coreia e a disputa bipolar na Ásia

Estavam, portanto, definidos os dois “condomínios” internacionais de


influência. Entre 1950 e 1953, as duas Superpotências jogaram todos os seus
esforços na demonstração de poder mundial na Guerra da Coreia. Com a
proclamação da República Popular Democrática da Coreia pelos revolucionários
comunistas, os EUA desembarcam tropas no sul do país e estabeleceram um
governo antirrevolucionário de notáveis. A ONU reconheceu a divisão do país
em dois pelo Paralelo 38 e uma guerra se iniciou em 1950, quando os norte-
coreanos invadiram o território ao sul do paralelo em resposta ao envio norte-
americano de esquadras para Taiwan e para a Coreia do Sul. Foi o maior conflito
armado desde a II Guerra Mundial.

A ONU enviou tropas multinacionais sob o comando dos EUA, e os norte-


coreanos recuaram de volta ao Paralelo 38. Migs soviéticos sobrevoaram e
bombardearam a Coreia do Sul e, com o apoio de tropas chinesas, impuseram
vitória sobre as tropas norte-americanas, as quais, por sua vez, por meio da
Operação Killer, jogaram bombas de napalm e ameaçaram a China com o uso
de armas atômicas. Só se chegou a um equilíbrio militar ao final de 1951, quando
as tropas dos EUA se retiraram, e teve início uma política de acomodação.

Em 1953, foi assinado o armistício de Panmunjom, por meio do qual se


criou uma zona de segurança separando as duas Coreias, compreendendo uma
área de quatro quilômetros ao longo do Paralelo 38, sob a vigilância da ONU.
Convém lembrar que o armistício apenas suspendeu os embates bélicos, de
modo que, tecnicamente, a guerra continua até nossos dias. As duas Coreias se
tornaram um monumento dos anos quentes da Guerra Fria (SARAIVA, 1997).

Outro país a se dividir foi o Vietnã, em 1954: Vietnã do Norte, comunista,


e o do Sul, capitalista. A posição dos EUA na Ásia estava fragilizada, e os norte-
americanos mais que nunca temiam o risco do “efeito dominó”, ou seja, de que
o que acontecera na China, na Coreia e no Vietnã acabasse repercutindo por
toda a Ásia, com o estabelecimento de regimes comunistas de influência
soviética pelo continente e a consequente perda de poder estadunidense na
região. Em virtude dessa ameaça, os tomadores de decisão nos EUA concluíram
que o país deveria envidar todos os esforços possíveis para conter o avanço do
comunismo pelo mundo. Essa decisão teria grandes repercussões pelas
décadas da Guerra Fria, entre as quais a entrada dos EUA na guerra do Vietnã
e o apoio estadunidense a regimes capitalistas do extremo oriente – Japão,
Coreia do Sul e Taiwan, por exemplo.

No que concerne à Guerra do Vietnã, dois filmes são sugeridos:


Apocalipse Now,de Francis Ford Copolla, estrelado por Marlon Brando, e
Platoon, de Oliver Stone. Ambos foram produções marcantes que revelaram
muitos dos horrores da Guerra do Vietnã, a grande chaga na política externa dos
EUA na segunda metade do século XX.

A Guerra Fria

Mais disputa bipolar

A fragilidade dos EUA em relação à hegemonia global também começava


a acontecer em outras regiões do planeta. A Comunidade Econômica Europeia
foi instituída, em 1957, pelo Tratado de Roma, tendo como núcleo a unidade
franco-germânica, e se apresentou como alternativa ao plano norte-americano
de integração do continente. Na incontestável zona de influência norte-
americana, a América Latina, o estabelecimento de um regime comunista pró-
soviético em Cuba, após a Revolução de 1959 (que, inicialmente, nem
tendências comunistas tinha), com o fracassado desembarque na Baía dos
Porcos, revelou que as estruturas da Guerra Fria não eram tão absolutas quanto
se desejava, e que era claro o risco da perda da influência norte-americana em
quaisquer regiões do planeta.

Os EUA começaram a perceber que grandes volumes de bombas e


maciços investimentos na segurança internacional não eram suficientes para
construir a legitimidade internacional. A URSS, por sua vez, tornava-se mais
forte, mas pouco disposta a bater de frente com os EUA.

Desembarque na Baía dos Porcos - trata-se de uma fracassada tentativa


de cubanos contrários à Revolução de desembarcarem na ilha e porem fim ao
regime de Fidel Castro. Os anticastristas encontravam-se nos EUA e tiveram
apoio da CIA e do governo norte-americano para realizar a ação armada contra
o regime de Castro.

Com a morte de Stalin e a chegada ao poder de Nikita Krushev, acabariam


os anos quentes e começaria a fase da coexistência pacífica.

A Guerra Fria

A Fase da Coexistência Pacífica: 1955-1968

Alguns autores conjugam as fases da coexistência pacífica com a


dadétente. Outros, porém, consideram que essa segunda fase marca o início da
flexibilização da ordem bipolar, e a terceira, mais tardia, marca um momento de
deliberada atitude das duas Superpotências de pôr fim à era de diferenças. Por
motivos didáticos, adotamos essa posição.

A coexistência pacífica foi a fase da flexibilização da política externa dos


EUA e da URSS em que, respectivamente, Eisenhower substituiu Truman e
Krushev substituiu Stalin.
Também caracterizaram essa segunda fase os seguintes acontecimentos:


Recuperação econômica e política da Europa
Ocidental: tentava-se o retorno da Europa ao centro das
relações internacionais, após a reconstrução proporcionada
pelo êxito dos investimentos e doações norte-americanas por
intermédio do Plano Marshall. A Europa deixava
gradativamente de ser um centro de poder alinhado
automaticamente aos EUA.

Início da desintegração do bloco comunista: a ruptura


√ chinesa (com a disputa sino-soviética no início dos anos de
1960) e o casamento de crenças divergentes de alguns
partidos comunistas com o nacionalismo (Albânia, Bulgária,
Romênia e Tchecoslováquia) começavam a descaracterizar a
unidade comunista na Europa Oriental. O condomínio
comunista não deu sinais de expansão significativa entre a
Revolução Chinesa e a década de 1970.

Descolonização das nações afro-asiáticas: a multiplicação


√ repentina de Estados soberanos e o discurso de igualdade
jurídica modificaram o quadro dos organismos internacionais,
como a ONU. Traziam-se aos foros internacionais novas
reivindicações por parte do chamado “Terceiro Mundo”.

O não alinhamento dos novos Estados pós-coloniais: a maior


√ parte dos novos Estados não era comunista em sua política
interna e considerava-se “não alinhada” em sua política
externa (Movimento dos Países Não Alinhados, que conjugou
seu discurso com o discurso do Grupo dos 77, criado pelos
países do Terceiro Mundo, por uma nova ordem econômica
internacional na década de 1970).

Articulação independente e própria dos países mais


√ industrializados da América Latina: Brasil e Argentina
começaram a construir seus próprios interesses na inserção
internacional do período. A noção de “quintal” dos EUA foi
substituída pela noção moderna de alinhamento negociado.

A crise dos mísseis em Cuba (1962): tentativa de Krushev, por meio


√ da alocação de mísseis na ilha de Cuba, de alterar o equilíbrio de poder
mundial em prol da URSS, tendo em vista o avanço do projeto de
Mísseis Antibalísticos (ABMs) dos EUA e a nova doutrina militar da
OTAN na Europa (nuclearização).

O declínio gradual das armas nucleares no equilíbrio de poder entre


√ as Superpotências: após a crise de Cuba, criou-se um acordo tácito
entre a Casa Branca e o Kremlin e iniciaram-se os processos de
negociações de acordos para controle e limitação das armas
nucleares, como os SALT I e II e o acordo sobre ABMs;

Surgimento de um novo Ator importante: a China de Mao Tsé-Tung.


√ Ao explodir sua primeira bomba atômica, em outubro de 1964, a
China mudava a correlação de forças no cenário internacional.

O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968: as


√ Grandes Potências conclamavam os países não nucleares a não
fazerem experimentos e os países nucleares a congelarem os seus
arsenais.

A Guerra Fria

A Fase da Coexistência Pacífica: 1955-1968

Assim, o mundo continuava dividido entre as esferas de poder das duas


Superpotências. Entretanto, sobretudo após a crise dos mísseis de Cuba,
quando EUA e URSS quase entraram em um confronto direto, a decisão de
Washington e Moscou foi de estabelecer mecanismos que permitissem a
convivência entre os dois blocos e evitassem uma hecatombe nuclear.

O Mapa 30 ilustra o mundo dividido entre as esferas de influência de Washington


e Moscou.
Mapa 30: Os Dois Blocos em 1955

Fonte:http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel8.html

Por mais estranho que possa parecer, há dois filmes que simbolizam bem
a percepção norte-americana dos valores do capitalismo na Guerra Fria na
década de 1980: Rambo III e Rocky IV. Em Rambo III, um veterano da Guerra
do Vietnã (Sylvester Stallone) é enviado ao Afeganistão para libertar seu mentor,
que caiu nas mãos dos soviéticos, durante a ocupação daquele país, e conta
com o apoio dos Talibãs. Interessante, sobretudo, se relacionarmos o filme à
realidade de duas décadas depois: a película retrata os vínculos dos EUA com
os guerrilheiros afegãos no combate aos soviéticos.

Stallone passa a ser o símbolo do herói estadunidense dos anos 1980 e


a causa Talibã, um dos focos da política externa dos EUA. Atente para a
dedicatória ao final do filme.

Já em Rocky IV, o personagem de Stallone encontra um adversário


diferente para lutar nos ringues de boxe: Drago (Dolf Lundgren), um lutador de
1,90 m de altura e 130 kg que representa a URSS. O programa de treinamento
de Rocky o leva à fria Sibéria, onde ele se prepara para o combate em Moscou.
O filme é marcado pela exaltação ao patriotismo norte-americano.
A Guerra Fria

A Fase da “Distensão”: 1969-1979

Muitos autores defendem que só se pode falar em Guerra Fria até o final
dos anos de 1960, uma vez que a fase que se segue é apenas um concerto entre
as duas Superpotências. Outros preferem chamar essa fase de “Segunda
Guerra Fria”, pois é o momento em que as duas Superpotências transferem sua
competição para o chamado Terceiro Mundo (Vietnã, Angola, Afeganistão, Líbia,
entre outros).

Se a década de 1960 fez transparecer uma perda de poder dos soviéticos,


a década de 1970 assinalava uma perda do domínio norte-americano e seu
relativo isolamento: na Guerra do Vietnã (1959-1975) e na Guerra do Yom Kippur
(1973), os EUA não receberam ajuda europeia. A crise do petróleo parecia
sugerir enfraquecimento no domínio internacional dos EUA, enquanto fez os
preços das jazidas de petróleo e gás natural da URSS quadruplicarem. Entre
1974 e 1979, regimes na África, na Ásia e na América Latina começaram a ser
atraídos para o lado soviético. Além disso, o escândalo envolvendo a
administração Richard Nixon (Watergate) causou uma certa desordem na
presidência dos EUA.

Quatro fatos são relevantes nessa fase:

1) O concerto americano-soviético, que anunciava a flexibilização deliberada


no relacionamento das duas Superpotências:

· os planos SALT (Strategic Arms Limitation Talks) congelaram por cinco anos
o desenvolvimento e a produção de armas estratégicas e o controle sobre
mísseis intercontinentais e lançadores balísticos submarinos;

· os encontros pessoais, entre 1972 e 1974, dos dois chefes de Estado


reativaram fluxos comerciais e financeiros estagnados, como aqueles entre a
URSS e os países capitalistas ocidentais (de 1970 a 1975, as exportações
ocidentais para a URSS quadruplicaram).

2) Consciência da diversidade de interesses no Sistema Internacional:


· a confirmação da vocação integracionista da Europa: a Europa dos Seis de
1957 (França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) passa a
ser a Europa dos Nove em 1973 (com a adesão da Grã-Bretanha, Dinamarca e
Irlanda), matriz do que viria a ser, duas décadas depois, o núcleo de poder da
União Europeia: criava-se uma alternativa ao sistema bipolar, mas não da forma
harmônica e autônoma que qualificara a hegemonia coletiva europeia do século
XIX;

· a América Latina aproveita o clima da détente para a sua reinserção


internacional: com a crise da liderança norte-americana na região, as relações
internacionais são desideologizadas em seus países mais importantes, como
Brasil, México e Argentina, que passam a adotar linhas de condutas próprias nos
negócios internacionais;

. quatro grandes Atores na Ásia desenvolvem capacidades de defesa de


interesses próprios na agenda internacional: Vietnã, Índia, China e Japão.
Destaque para a República Popular da China, a China comunista, que rompe
com o seu isolacionismo e retorna ao sistema internacional na década de 1970
(inclusive passando a assumir a cadeira chinesa no Conselho de Segurança da
ONU em 1971), recusando a hegemonia soviética e ensaiando uma
aproximação com os EUA, e para o Japão, que iniciava sua caminhada para se
tornar a segunda economia do planeta.

3) Esforço de construção de uma nova ordem econômica internacional pelos


países do Terceiro Mundo para a redução da dependência com relação
aos centros hegemônicos de poder:

· reforço das ilusões igualitaristas dos países afro-asiáticos: irrompem tentativas


dos países do Sul de estabelecerem um diálogo sólido com o Norte;

· a África como um todo e parte da América Latina e da Ásia buscam afirmar o


conceito de Terceiro Mundo nas relações internacionais;

· as dificuldades de diálogo encontradas na década de 1960, no âmbito das


sessões da Conferência da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento
(Unctad), levaram o Terceiro Mundo a propor a Declaração e o Programa de
Ação sobre o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional
(NOEI), convertida em Resolução da ONU em 1979.

4) Crise energética e financeira, que testou o grau de adaptabilidade do


capitalismo:

· os choques do petróleo em 1973 e 1979 tornam o Sistema Internacional da


détente vulnerável e abalam os componentes da produção, do comércio e das
finanças internacionais;

· a crise de conversibilidade do dólar, pondo fim ao sistema monetário de


Bretton Woods: diminuição da importância da economia dos EUA e elevação das
taxas de juros internacionais, anunciando o desastre para as economias que
haviam orientado a sua inserção nas relações econômicas internacionais pela
via do endividamento externo, como o Brasil, o México e a Argentina;

· os países árabes, detentores do petróleo, tornam-se Atores de relevo no


sistema internacional, passando a reivindicar posições-chaves no planejamento
das atividades econômicas em escala global;

· aceleração do processo de globalização dos mercados: as empresas, em


reação à estagnação da produção de bens, à inflação dos preços e ao custo
energético, desenvolvem novos processos de produção de bens e de
organização do mundo do trabalho e do consumo, o que acabará por provocar
uma revisão dos próprios papéis dos Estados nacionais na política internacional;
o surgimento de uma nova economia sustentada na concentração de inteligência
e na robótica, criando um novo paradigma tecnológico-industrial (momento
também conhecido como “Terceira Revolução Industrial”).

A Guerra Fria

O Fim da Guerra Fria: 1980-1991

A década de 1980 marcou o que muitos autores chamam de “Nova Guerra


Fria”. No período, mereceu destaque a exacerbação anticomunista do novo
presidente norte-americano, Ronald Reagan, estabelecendo-se um retorno ao
Realismo nas relações internacionais (em substituição ao Idealismo de Jimmy
Carter). As concessões unilaterais efetuadas pelo governo Carter foram
substituídas por uma política de confrontação diplomática e de endurecimento
econômico, com bloqueio econômico e tecnológico aos países do sistema
soviético.

O aumento das despesas militares resultou em acúmulo de déficits


orçamentários para ambos os lados. No entanto, os EUA possuíam uma clara
vantagem nesse processo: os estadunidenses podiam financiar sua dívida
pública por meio de emissão de uma moeda que era o principal meio de reserva
internacional ou pela colocação de títulos do Tesouro dos EUA no mercado –
mecanismos impossíveis de serem utilizados pela URSS, dada a sua tradicional
separação da economia mundial. Assim, segundo Paulo Roberto de Almeida, o
ocaso final do modo de produção socialista teve início quando os EUA adotaram
o programa armamentista conhecido como Guerra nas Estrelas, forçando a
URSS a tentar reproduzir o “keynesianismo militar” do governo Reagan, que se
revelava oneroso demais.

No final da década de 1980, o mundo veria o bloco socialista desmoronar,


em um processo intensificado a partir das reformas do novo líder soviético,
Mikhail Gorbatchev, que chegou ao poder em 1985. Em alguns meses, o sistema
socialista desapareceria da Europa Oriental, escapando das mãos soviéticas
sem que Moscou tivesse como impedir o processo. O assunto será tratado na
Unidade seguinte.

O Mapa 31 mostra o colapso do bloco socialista, com as novas fronteiras


europeias ao final do século XX.
Mapa 31: O Colapso do Bloco Socialista (1987-1990)

Fonte:http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel20.html

Do ponto de vista econômico, a década de 1980 testemunhou amplo


processo de conversão das economias planejadas em economias de mercado:
reformas econômicas introduzidas na República Popular da China pela equipe
de Deng Xiao-Ping; liberalização do regime soviético a partir de 1985, com a
adoção da Perestroika por Gorbatchev, que alcançou o Vietnã a partir de 1986,
espalhou-se pela Europa Oriental a partir da queda do Muro de Berlim, em 1989,
e culminou na conversão para a economia de mercado de praticamente todas
as ex-repúblicas socialistas que apareceram após a desintegração da URSS,
concluída em 1991. Do período que vai de1917 a 1991, algo ficou claro para o
mundo: o capitalismo mostrava-se muito mais adaptável ao Sistema
Internacional do que o socialismo.

Há muitos sítios interessantes sobre a Guerra Fria. Veja, por exemplo o


da TV Cultura que reserva um espaço interessante com textos sobre a Guerra
Fria. Confira também o da Educaterra, que traz no História por Voltaire Schilling,
o texto: Os Estados Unidos e o início da Guerra Fria (1945-49).

O cinema procurou explorar a temática da Guerra Fria em vários filmes


interessantes. Destacamos um filme-catástrofe de 1983, O Dia Seguinte, de
Nicholas Meyer. Trata da vida de estadunidenses após o desencadeamento da
guerra nuclear contra a URSS e a destruição causada pelas Superpotências. As
cenas são fortes, sobretudo as que mostram os efeitos da radiação sobre as
pessoas, e marcou uma posição de parte da opinião pública dos EUA contrária
à corrida nuclear. Recentemente foi produzido mais um filme retratando esse
período conturbado da relação entre as Superpotências nos anos 60, K-19: The
Widowmaker, dirigido por Kathryn Bigelow, com elenco principal formado
Harrison Ford e Liam Neeson. A história é um thriller de conspiração de guerra
baseada em fatos reais, envolvendo um acidente com o submarino nuclear russo
“K-19”, em 1961, que poderia ter causado um conflito internacional de grandes
proporções, culminando até numa guerra atômica. Esse acontecimento real foi
ocultado por vinte e oito anos pelos russos. Os marinheiros envolvidos na
operação foram afastados de suas funções e proibidos de revelar a história, até
que finalmente os fatos vieram à tona após o fim da União Soviética.

Uma sugestão de leitura é Construtores da Estratégia Moderna, de Peter


Paret, editado pela Biblioteca do Exército. Outras obras interessantes podem ser
encontradas no sítio dessa editora.

Unidade 3 - O Fim da Guerra Fria e a Nova Ordem da Década de 1990

Ao final desta Unidade, o aluno deverá estar apto a:

• discorrer sobre o surgimento de um mundo multipolar após o fim da Guerra


Fria;

• apresentar as principais características da nova ordem internacional pós-


Guerra Fria.
Estamos na reta final do nosso estudo introdutório! Seja perseverante,
estude com afinco!

Antecedentes: as transformações da década de 1980

A década de 1980 foi, para muitos, uma década de ruptura. Começaram


a aparecer, na doutrina internacional, expressões como: “queda dos impérios”,
“fim do Estado-nação”, “fim do Estado-territorial” e ascensão do “Estado-
comercial”, “fim do Terceiro Mundo”, “fim das ideologias”. A década marcou o fim
do dualismo econômico entre socialismo e capitalismo e o aprofundamento da
diferenciação entre países pobres e países ricos, com as crises da dívida externa
nos países em desenvolvimento.

Do ponto de vista das relações internacionais, o período foi de superação


do conflito Leste-Oeste e de fragmentação do Terceiro Mundo. Surgia um
sistema pós-hegemônico, no qual vários grandes Atores mundiais passavam a
reger coletivamente os negócios internacionais (multipolaridade estratégica). Um
desses novos Atores, que funcionava em uma espécie de consórcio informal, foi
o Grupo dos Sete (G7), composto por EUA, Japão, Alemanha, França, Itália,
Grã-Bretanha e Canadá, as nações mais ricas do planeta. A partir de 1992, a
Rússia, apesar de não ser a oitava economia do globo, incorporou-se ao Grupo,
que passou a ser conhecido como G8.

A tentativa de Gorbatchev de reforma do regime soviético, com a


Perestroika e a Glasnost, e o rápido abandono do comunismo nos países da
Europa Central e Oriental, seguido pelo desaparecimento da própria URSS, em
1991, provocaram a mais expressiva transformação no sistema internacional
desde o final da II Guerra Mundial. Após a perda de controle do bloco socialista,
em virtude das rápidas transformações nos antigos regimes do Leste Europeu,
a URSS viu sua influência declinar no cenário internacional. No início da década
de 1990, começou o que seria praticamente inconcebível dez anos antes: a sua
desintegração. As primeiras Repúblicas a se separarem foram os Estados
bálticos – Letônia, Estônia e Lituânia –, que haviam sido incorporados à URSS
no início da II Guerra Mundial. Após uma grave crise institucional em agosto de
1991, marcada pela vitória popular liderada por Boris Yeltsin sobre uma tentativa
de golpe da linha dura soviética, o governo de Gorbatchev perdeu a legitimidade
e, em 25 de dezembro de 1991, o último líder soviético anunciava formalmente
o fim da URSS.

A Perestroika, ou “reestruturação econômica”, é iniciada em 1986, logo


após a instalação do governo Gorbatchev. Constituía-se em um projeto
ambicioso de reintrodução dos mecanismos de mercado, renovação do direito à
propriedade privada em diferentes setores e retomada do crescimento, tendo,
entre seus objetivos, o de liquidar os monopólios estatais, descentralizar as
decisões empresariais e criar setores industriais, comerciais e de serviços em
mãos da iniciativa privada nacional e estrangeira. O Estado continuava como
principal detentor dos principais meios de produção, mas foi autorizada a
propriedade privada em setores secundários de bens de consumo, comércio
varejista e serviços não-essenciais. Na agricultura, foi permitido o arrendamento
de terras estatais e cooperativas por grupos familiares e indivíduos. A retomada
do crescimento seria projetada por meio da conversão de indústrias militares em
civis, voltadas para a produção de bens de consumo, e pelo ingresso de
investimentos estrangeiros.

A Glasnost, ou “transparência política”, desencadeada paralelamente ao


anúncio da Perestroika, tinha por objetivos alterar a mentalidade social, liquidar
a burocracia e criar uma vontade política nacional de realizar as reformas. Incluía
o fim da perseguição aos dissidentes políticos, marcada simbolicamente pelo
retorno do exílio do físico Andrei Sakharov, em 1986, e envolveu campanhas
contra a corrupção e a ineficiência administrativa, realizadas com a intervenção
ativa dos meios de comunicação e a crescente participação da população.
Avançou também na abertura cultural, com a liberação de obras proibidas, a
permissão para a publicação de uma nova safra de obras literárias críticas ao
regime e a liberdade de imprensa, o que provocou o surgimento de um número
crescente de jornais e programas de rádio e TV, que abriam espaço às críticas
ao regime.
Antecedentes: as transformações da década de 1980

Acabava definitivamente a Guerra Fria, e uma Nova Ordem Internacional


começava a se estruturar.

O Mapa 32 ilustra a nova configuração da antiga área de influência


soviética com a desintegração do bloco socialista.

Mapa 32: A Desintegração da URSS e do Bloco Socialista (1991)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel19.html

Um dos eventos mais marcantes do fim da Guerra Fria foi o acidente


nuclear de Chernobyl. Para buscar mais informações sobre essa tragédia,
considerada uma das maiores do século XX, confira o sítio.

Um novo paradigma para as relações internacionais

Após o fim da Guerra Fria, o mundo viu-se diante do desafio de produzir


um novo paradigma para as relações internacionais. A doutrina internacional não
entrava em consenso a respeito da natureza das relações internacionais ao final
do século XX. Alguns teóricos voltaram a falar em Sociedade Internacional,
conforme concebido pela Escola Inglesa, apesar do convívio entre regras velhas
e regras novas; outros preferiram falar em Sistema Internacional, defendendo
que a ordem bipolar de poder foi substituída por uma ordem multipolar; outros,
ainda, preconizaram que sequer se pode continuar a falar em equilíbrio de poder;
por fim, há os que defendiam ser a década de 1990 apenas um período de
transição nas relações internacionais.

Todavia, pode-se dizer, numa perspectiva realista, que o sistema


internacional dos anos de 1990 ainda trazia consigo a natureza anárquica, a
hierarquia das Potências, a prevalência de relações hegemônicas, a estrutura
capitalista e liberal de conformação e os conflitos de interesses. Não obstante, o
mundo passava a buscar novos princípios e regras de conduta, mudanças na
estrutura do sistema internacional, o que ficou claro a partir de meados da
década de 1980

A década de 1980 testemunhou uma expansão generalizada da


democracia, movimento que se estendeu ao Leste europeu após a queda do
muro de Berlim, em 1989, e aos novos Estados independentes oriundos da ex-
URSS, fenômeno que elevou dois fatores à condição de papel fundamental nas
relações internacionais contemporâneas: o Direito Internacional e a proteção aos
direitos humanos. Houve significativa redução nos gastos com Defesa no mundo
inteiro. Meio Ambiente também se mostrou um tema central na agenda
internacional.

Os processos de integração foram a marca do mundo Pós-Guerra Fria.


Obtenha maiores informações sobre a União Europeia e o Mercosul nos sítios
desses blocos. Veja, também, o sítio da ALADI.
Incertezas e complexidades na Nova Ordem Internacional

Contudo, o novo mundo tornava-se mais incerto, mais complexo e mais


imprevisível:

√ surgiram zonas de conflito em áreas de dissolução da URSS, nos


Bálcãs, no Oriente Próximo e em alguns países africanos
(Somália, Chade, Congo, Angola, Libéria);

√ o Terceiro Mundo desintegrou-se com as crises da dívida


externa, pondo-se fim à unidade do discurso da década de 1970;

√ novas levas de imigrantes rumaram das zonas pobres para os


países desenvolvidos;

fim do diálogo Norte-Sul, que se iniciara na década de 1960: as


√ Grandes Potências desviaram o interesse no desenvolvimento
dos países mais pobres em prol de políticas ambientais e de
combate a migrações indesejadas;

a quantidade de armas que havia no mundo, fruto da lógica da


√ Guerra Fria, somada à formação de vazios de poder e de leis em
muitos países, estimulou o aparecimento de redes internacionais
de crime e de organizações político-terroristas;

ocorreu um refluxo nas políticas de segurança em alguns


√ Estados, como foi o caso da França, que passou a realizar uma
série de testes nucleares nos anos de 1995 e 1996;

houve redução da coesão entre as Grandes Potências devido à


√ ausência de um inimigo comum: os polos ocidentais (EUA,
Europa e Japão) passam a ser guiados por percepções de
interesses especificamente nacionais;

desenvolveram-se tendências introspectivas na Europa, com a


√ institucionalização da União Europeia (UE), a nacionalização da
segurança e o protecionismo;

os EUA viram-se como única Superpotência global, mas sem


√ condições de estruturar por si uma nova ordem internacional.
Assim, sua política externa passou a orientar-se para (1) a
criação de um duopólio com a Rússia (ao alargar o G7 para G8),
com o intuito de não ter que arcarem sozinhos com a ordem a
construir; (2) o papel de “Estado catalisador” de uma ordem que
seria também construída com aliados, como na Guerra do Golfo
e na Guerra da Iugoslávia; (3) o papel de garante de uma ordem
inspirada na sua própria estrutura de Estado – liberalismo
econômico, democracia política e direitos humanos;

a Rússia, após o fim da URSS e o estabelecimento da


√ Comunidade dos Estados Independentes (CEI), emergiu com sua
antiga autonomia sem perder de vista os desígnios de influência
a exercer sobre a Europa Oriental, sendo que, dessa vez, com
apoio dos EUA, interessados em mantê-la como potência singular
no Oriente;

teve-se a contestação dos valores do Ocidente pela dinâmica


√ região formada no Leste Asiático, como liberalismo, democracia
e direitos humanos, com a negativa de sua universalidade;

√ dualidade entre modelo de desenvolvimento asiático e modelo


de desenvolvimento do “consenso de Washington” (FMI e BIRD);

√ a América Latina reaproximou-se da Europa e dos EUA;

a dificuldade para regular a nova ordem anárquico-multilateral


√ conduziu à crise de credibilidade da ONU, do Conselho de
Segurança, do FMI, do BIRD, da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e do G7;

blocos regionais foram criados: União Europeia (UE);


√ Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (APEC); Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA); Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI); Associação das Nações do
Sudeste Asiático (ASEAN); Mercado Comum do Sul (Mercosul);

vislumbravam-se conflitos de transição entre Grandes Potências,


√ como China e Rússia, que ainda mantinham riscos de confronto
com a Superpotência EUA, e também conflitos de equilíbrio
regional de poder entre Estados que buscavam uma hegemonia
regional, como Coreia do Norte, Iraque e Irã, considerados
inimigos pelos EUA pelo fato de sua ascensão perturbar a ordem
vigente;

conflitos entre comunidades e identidades nacionais (islamismo,


√ identidades nacionais na Rússia, identidades étnicas, religiosas
ou linguísticas nos Bálcãs, na África e na Ásia).

O fracasso da recente rodada comercial de Doha (2001-2008) é um


corolário disso. “ Curiosidade”
Um filme que retrata de maneira bem-humorada essa nova ordem
internacional sob a ótica de quem “perdeu a Guerra Fria” é Adeus, Lênin
(Alemanha, 2003), dirigido por Wolfgang Becker, sobre as transformações na
Alemanha a partir da reunificação, em 1989.

Globalização e regionalização

Há um consenso, na doutrina internacional, de que o mundo que surgiu


na década de 1990 caracteriza-se pelos seguintes aspectos: globalização;
regionalização; mudança de papel do Estado-nação e inexistência de uma
administração racional para os principais interesses coletivos da humanidade.
São aspectos que não vieram de forma abrupta, mas já se delineavam nas
relações internacionais desde, pelo menos, a década de 1970.

Na década de 1990, o fenômeno da globalização já se mostrava


irreversível. O mundo se integrava cada vez mais em virtude da abertura
democrática em diversas regiões, da queda de barreiras comerciais e políticas,
das novas estruturas de mercados financeiros transnacionais e do
desenvolvimento tecnológico, sobretudo o de telecomunicações. Nesse sentido,
o fenômeno da Internet não encontra precedentes e, definitivamente, passou a
unir pessoas por todo o planeta e a transmitir informações em tempo real.

Entretanto, à medida que se globalizava, o mundo presenciava o


recrudescimento de nacionalismos em várias regiões do planeta, que repercutia
tanto em conquistas políticas e sociais de alguns grupos dentro de nações
quanto em processos de independência – uns pacíficos, a maioria nem tanto.
Também associado a alguns movimentos nacionalistas, ganhou força o
terrorismo, processo facilitado pelo vazio de poder do fim da Guerra Fria e pela
oferta de mão de obra especializada e de equipamentos oriundos do
esfacelamento do sistema socialista.

Paralelamente também ao processo de globalização, percebeu-se um


incremento da regionalização. Por todo o planeta, países se aproximaram e
estabeleceram acordos de comércio, cooperação e aproximação política. Na
Europa, povos que até cinquenta anos eram inimigos figadais, tornaram-se
parceiros, e aquilo que fora tentado pelas armas, diversas vezes, ocorreu,
finalmente, por via pacífica: a formação de uma União Europeia.

Apesar de mais notório, o caso europeu não ocorreu isoladamente. Em


todos os continentes testemunharam-se processos de integração, fortalecendo
organizações e uniões regionais. Na América do Sul, a criação e o
desenvolvimento do Mercosul é um bom exemplo. Quem poderia supor, há
algumas décadas, que Brasil e Argentina teriam um no outro seu principal
parceiro e que as rivalidades militares entre os dois desapareceriam?

Há o livro de Anthony Giddens, O Mundo na Era da Globalização


(Presença, 2000). Novamente, as obras de Manuel Castells também são
essenciais para entender essa nova realidade internacional: A Sociedade em
Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder da Identidade (Paz e Terra,

2000), Fim de Milênio (Paz e Terra, 2002).

Novos temas na Agenda Internacional

Três grandes conferências pareciam anunciar uma era de


responsabilidades e consensos transnacionais com os grandes temas que
marcariam a agenda internacional na década:

a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992): difundiu as noções de
desenvolvimento sustentável, de incompatibilidade entre crescimento
demográfico ilimitado e planeta finito, de subordinação da tecnologia à
ecologia, de poluição e pobreza provocadas pelo consumo incontido, de
necessidade de medidas locais e globais para a proteção do meio ambiente;

a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena,


1993): difundiu a implementação de medidas nacionais, a interação e a ação
conjunta dos órgãos e agências da ONU e de órgãos globais e regionais para
o fomento de uma cultura comum e universal sobre direitos humanos;
a Rodada Uruguai do GATT – Acordo Geral de Comércio e Tarifas (1994), que
instituiu a Organização Mundial do Comércio (OMC): regulamentação dos
fluxos de bens, serviços e propriedade intelectual entre os países e a solução
de controvérsias a respeito.

Direitos humanos, meio ambiente e comércio internacional são, portanto,


questões-chaves desde os anos 1990. São temas que afetam não a um Estado
isoladamente ou a um grupo específico de pessoas, mas que dizem respeito à
humanidade como um todo.

A Questão da Segurança

Houve aumento considerável na demanda por serviços de garantia e


manutenção de paz junto à ONU, expresso no número crescente de resoluções
do Conselho de Segurança, apesar de esse fato não ter sido acompanhado de
vontade política para a sua implementação.

Pequenas e grandes operações de paz, com baixos ou nulos índices de


sucesso, como no Camboja, na Somália, em Ruanda e na ex-Iugoslávia,
começaram a lançar dúvidas sobre a real capacidade operacional da ONU. O
custo relativamente reduzido dessas operações em comparação com os
orçamentos nacionais de segurança demonstrava que não se tratava de um
óbice financeiro, mas de um impasse político nas relações internacionais.

A Guerra do Golfo, de 1991, pareceu anunciar um retorno do velho


imperialismo ocidental sob cobertura da ONU, o que contribuiu para tornar mais
difícil um consenso internacional de aprovação às novas operações de paz. O
que parecia para o mundo na década de 1990 era que a ONU estava falhando
em sua missão de prevenção (e os países ocidentais não estavam
incrementando seus intuitos de fiscalizar os resultados dos conflitos regionais, a
não ser quando afetassem seus interesses essenciais ou de segurança
imediata). Aumentava a descrença em resultados duradouros de intervenções
maciças e multilaterais, como ocorreu no Oriente Médio durante a Guerra do
Golfo e na ex-Iugoslávia, e, já no início do século XXI, com o Iraque. O fato é
que restrições políticas, econômicas e, muitas vezes, eleitorais conjugavam-se
para impedir a construção de um sistema de segurança global, o que reforça a
tendência das relações internacionais contemporâneas para a adversidade de
sistemas de segurança e para a regionalização.

A Europa da década de 1990 buscou a fórmula do concerto do século XIX


mais do que a construção de um novo equilíbrio de poder. A Rússia, por sua vez,
após extinguir o Pacto de Varsóvia e opor-se à extensão da OTAN ao Leste,
reivindicou papel especial nesse concerto, ao mesmo tempo em que a Grã-
Bretanha reforçou sua inclinação para a OTAN e para os EUA, e a França
buscou caminhos independentes, como a retomada do desenvolvimento de uma
força nuclear própria.

A Questão da Segurança

O Oriente Médio tornou-se um barril de pólvora após o fim da Guerra Fria


ter “descongelado” o ambiente litigioso que se formara desde 1948, com a
criação do Estado de Israel, na Palestina, pela ONU. A questão palestina tornou-
se um dos principais motivos de instabilidade na região, contribuindo para o
desenvolvimento de núcleos terroristas – alguns efetivamente apoiados por
países islâmicos –, que viam não só em Israel e nos EUA, mas também nos
valores ocidentais, um inimigo contra o qual se justificaria uma “guerra santa”. A
Guerra do Golfo evidenciou a divisão dos mundos árabe e muçulmano, e uma
comunidade de segurança ao estilo europeu ainda está longe do horizonte
regional.

O Nordeste Asiático tornou-se um complexo regional em que se


confrontam os interesses de três Grandes Potências (Japão, China e Rússia) e
da Superpotência (EUA), os quais têm raízes na questão das duas Coreias, na
questão de Taiwan e na rivalidade entre EUA e Japão relativa às políticas de
comércio exterior e a outras questões econômicas, além da rivalidade
econômica já sinalizada para o século XXI: EUA e China. A Associação das
Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e a América Latina compõem o que se
denomina de “comunidade pluralista de segurança”, para usar expressão de Karl
Deutsch: as duas regiões permaneceram à margem dos confrontos Leste-Oeste
mais importantes e criaram instituições de controle da segurança, o que tornou
o grau de tensão e de conflitos potenciais em seus territórios muito baixo. Já o
Caribe e a América Central continuaram a ser, depois da Guerra Fria, zonas de
intervenções unilaterais dos EUA, como demonstraram as operações no
Panamá e no Haiti e a política de embargo ao regime de Cuba.

A ASEAN foi estabelecida em 1967, atualmente é composta por 10 países


(Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Miamar, Filipinas,
Singapura,Tailândia e Vietnã). Entre seus objetivos, incluem-se acelerar o
crescimento econômico e social na região e garantir a paz e a estabilidade
entre seus membros por meio da cooperação entre eles.

A Pax Americana, por seus métodos e imposições unilaterais, vem sendo


cada vez mais contestada pelo Ocidente, principalmente pelos países da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia. O papel dos
EUA como principal agente do policiamento mundial, segundo muitos autores,
tem pouca chance de vingar como novo paradigma geopolítico mundial, em
virtude da sua visão unilateral e introspectiva da ordem internacional, da baixa
capacidade de diálogo, do peso do xenofobismo (principalmente em períodos
eleitorais) e da dificuldade em tolerar os interesses de outros povos e
comunidades em jogo nas relações internacionais. Isso ficou ainda mais claro
com o Governo Bush (2001-2008) e a sua política de “guerra preventiva” após
os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em território estadunidense.

Muitos livros buscam tratar das transformações das relações internacionais


após a Guerra Fria. Veja, por exemplo, O Lexus e a Oliveira, de Thomas
Friedmann
(Quetzal, 2000).
Unidade 4 - O Sistema Internacional no Século XXI: Perspectivas

Ao final desta Unidade, o aluno deverá estar apto a:


• identificar, em linhas gerais, os aspectos principais da agenda internacional
para o século XXI;
• indicar os novos Atores Internacionais que se destacam no sistema
internacional do novo século;
• situar o Brasil no contexto das Relações Internacionais.

Estamos na reta final do nosso estudo introdutório! Seja perseverante,


estude com afinco!

Observações iniciais

Com a presente Unidade, chegamos ao término deste curso introdutório


de Relações Internacionais: Teoria e História. Nos Módulos anteriores, foi
possível ter um contato inicial com aspectos importantes do estudo das Relações
Internacionais, os quais fornecem a base para se entender e discutir pontos
importantes da Agenda internacional.

Assim, neste Curso, apresentamos conceitos importantes como


Sociedade Internacional, Sistema Internacional, Ator internacional, Forças
Profundas, Hegemonia, Potências, entre outros, os quais foram explorados
quando da análise histórica feita nos Módulos seguintes.

Também passamos pelas principais correntes teóricas que buscam


entender e explicar as relações internacionais. Foi possível perceber que há
diferentes maneiras de se conceber o complicado mecanismo das relações entre
os povos, inclusive com explicações antagônicas e conflitantes, mas
fundamentadas.
O Realismo continua sendo a corrente teórica mais importante das
Relações Internacionais. A visão de mundo realista tem se mostrado imperante
no processo decisório das Grandes Potências, principalmente após o 11 de
setembro de 2001, que fez o mundo levar a sério uma nova ameaça: o
terrorismo. Ademais, ainda que não estejamos de acordo com a maneira
pragmática – para alguns até inescrupulosa – como os realistas tentam explicar
e conduzir as relações internacionais, é importante conhecê-la bem, pois
aqueles que forem de alguma maneira atuar no cenário internacional irão
deparar-se constantemente com condutas realistas, sobretudo com relação aos
temas mais sensíveis.

Outro importante tema objeto deste curso foi a Sociedade Internacional e


sua evolução ao longo dos séculos, particularmente do século XVI ao século XX.
Foram exploradas informações gerais sobre alguns aspectos relevantes da
História da Civilização Ocidental, que são necessários à compreensão do
Sistema Internacional de nossos dias.

Importante recapitular, por exemplo, a estruturação do Sistema


Internacional em unipolar, bipolar ou multipolar em diferentes épocas e
subsistemas. Vale ter em mente eventos importantes que marcaram as Relações
Internacionais da era moderna, entre os quais, convém destacar:

· a Conferência de Westfália (1648);


· a Revolução Francesa (1789);
· o Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu;
· a Revolução Industrial e o Neocolonialismo, a partir do século XIX;
· a Primeira Guerra Mundial;
· a Revolução Russa e o surgimento da União Soviética;
· o período Entre-Guerras (1919-1939);
· a Segunda Guerra Mundial;
· a Guerra Fria;
· o colapso do bloco soviético e a Nova Ordem Internacional da década de
1990.
Assista aos demais vídeos de nossa série Conexão Mundo.

A Agenda Internacional do Século XXI

Nunca vivemos em um período tão complexo quanto o dos últimos cem


anos e, em especial, no novo século que se inicia. Com a Sociedade
Internacional globalizada, cada vez mais questões nacionais e regionais acabam
influenciando todo o sistema internacional. O século XXI se inicia com uma
agenda internacional complexa, conflitante e diversificada.

Quando tratamos de agenda internacional, referimo-nos aos grandes temas


objeto da atenção da comunidade das nações.

Assim, temos que buscar analisar e entender o sistema internacional por


meio de seus subsistemas – político, econômico, social, jurídico, cultural, militar-
estratégico –, dos Atores envolvidos no processo – há muito deixaram de ser
apenas os Estados nacionais e hoje englobam organizações internacionais,
organizações não governamentais, a opinião pública, partidos políticos,
empresas multinacionais e, claro, os indivíduos –, das Forças Profundas que
afetam as condutas dos Atores – aspectos econômicos, ideológicos, culturais,
tecnológicos e estratégicos – e, finalmente, da maneira como se dão as
interações nesses subsistemas e entre eles.

Como bem já observou Amado Cervo (1994), as políticas exteriores dos


países do Sul, como é o caso do Brasil, centralizam suas preocupações em torno
dos problemas do desenvolvimento. O mesmo não ocorre com os países mais
avançados do Norte. Assim, é possível perceber duas grandes óticas das
relações internacionais contemporâneas: a) para os países avançados, as
prioridades não são relações igualitárias, mas o zelo pela paz ou a preparação
para a guerra, a composição e o desfazimento de alianças, a construção da
potência e do prestígio, a difusão de ideologias e valores; e b) para os países
atrasados, as relações internacionais assumem um caráter existencial, pois eles
dependem dos ritmos de desenvolvimento, das oportunidades de melhoria das
condições sociais, do cotidiano.

O Realismo, por exemplo, dominou o estudo das Relações Internacionais


sobretudo no mundo anglo-saxônico, e inclinou-se para a Guerra Fria e nada
disse sobre o Terceiro Mundo e as relações Norte-Sul. Os conceitos do
imperialismo e do desenvolvimento que cuidavam dessas questões não
penetraram na Teoria das Relações Internacionais, a não ser pelo Sul, com o
pensamento da CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para a
América Latina) e com as teorias globalistas da dependência latino-americanas.
Como observou Cervo, os nortistas continuam admitindo que as teorias do
desenvolvimento, desde Keynes, integram a Ciência Econômica, e não a Ciência
Política, como se a pobreza, a dominação e a dependência, a cooperação e a
exploração não fizessem parte do mundo real das relações internacionais.

As edições do Fórum Social Mundial, movimento nascido em 2001, em


Porto Alegre, que se coloca contra a cultura de Davos, hoje procuram os
caminhos para uma nova visão das relações internacionais.

Todos os anos, centenas de homens de negócios, banqueiros,


funcionários de governos, intelectuais e jornalistas, de dezenas de países, se
encontram no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Quase todos,
como já observou Samuel Huntington, com diplomas universitários em ciências
exatas, em ciências sociais, em administração ou em ciências jurídicas. São
empregados por governos, empresas e instituições acadêmicas com extenso
envolvimento internacional. De forma geral, partilham de crenças no
individualismo, na economia de mercado e na democracia política. As pessoas
de Davos controlam virtualmente todas as instituições internacionais, muitos dos
governos do mundo e o grosso da capacidade econômica e militar do planeta.
Samuel P. Huntington. O Choque de Civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997,
p. 67. A cultura de Davos é de extrema importância no mundo contemporâneo.
Em oposição a ela, nasceu o Fórum Social Mundial, criado em 2001 por
intelectuais dos países periféricos, e tem anualmente suas reuniões ocorrendo
paralelamente às reuniões de Davos. O evento, que aconteceu três vezes no
Brasil e a partir de 2004 passou a ser sediado em outros países do Terceiro
Mundo, já entrou para a agenda das grandes manifestações mundiais, com o
seu slogan de que “um outro mundo é possível”.

A Questão Da Segurança

Há muito que a ordem internacional não parecia tão insegura. Com o


colapso da URSS e o fim da Guerra Fria, acreditava-se que, finalmente, o planeta
chegaria a um estado em que a paz seria norteadora e as relações internacionais
não teriam mais na guerra um de seus aspectos centrais. A década de 1990
provou que essas aspirações continuavam uma utopia. Conflitos regionais,
guerras civis, crises institucionais em diversas partes do globo revelavam o que
os realistas sempre afirmaram: não pode existir vazio de poder – onde as forças
da Guerra Fria e do sistema bipolar não mais operavam, sem que nada as
substituísse, a anomia imperou. O século XX acabou muito mais conturbado e
complexo do que começara.

O século XXI se inicia com a questão da segurança internacional como


uma das temáticas centrais. Isso se deve, sobretudo, à nova política externa dos
EUA após os atentados de 11 de setembro de2001. A prioridade da Potência
hegemônica seria a defesa de seus interesses e a segurança de seus cidadãos,
onde quer que estivessem ameaçados. E o Governo de George W. Bush deixou
claro que, na cruzada internacional que os EUA empreenderiam, quem não
estivesse com eles estaria contra eles.

As Novas Ameaças passaram a ser uns dos aspectos mais importantes


da agenda internacional. Os problemas do crime organizado transnacional e do
terrorismo internacional foram catalisados pelos novos recursos da Sociedade
Internacional globalizada pós-Guerra Fria. Para muitos, são novas forças que
interferem na conduta dos Atores.

Ao lado da guerra contra essas Novas Ameaças, persiste o conflito


interestatal em algumas partes do planeta. A diferença reside na assimetria entre
os combatentes e nas novas tecnologias empregadas na guerra. As ações
armadas contra os talibãs do Afeganistão e a Segunda Guerra do Golfo refletem
esse novo modelo de conflito. Apesar das vitórias rápidas, as forças de ocupação
ainda terão que enfrentar, durante muito tempo, as mais tradicionais formas de
resistência nos territórios ocupados.

Sem dúvida, a problemática da segurança marcará a Agenda


internacional ainda durante muito tempo. E esse é o aspecto do qual não
podemos descuidar ao estudarmos Relações Internacionais, mesmo que o Brasil
aparente ser um país muito distante desses temas.

A Segurança e o Realismo no Século XXI

O governo de Bill Clinton nos EUA (1993-2000) apontara para uma crise
do paradigma realista e uma ascensão do pluralista. Eleito em 1992, Clinton
prometeu uma liderança global de “baixo custo” e uma dedicação maior à
economia doméstica. Diante disso, vários acadêmicos norte-americanos, como
W. Kristol e R. Kagan, passaram a defender uma política externa neorreaganista
para os EUA, que se traduziria em uma reafirmação do “excepcionalismo” do
país no cenário internacional, argumentando que fora o legado militarista da
política de Ronald Reagan que permitira a vitória contra o Iraque no início da
década, que era a presença de soldados norte-americanos no Golfo Pérsico que
continha a agressividade de Saddam Hussein e do fundamentalismo islâmico do
Irã, que essa presença era o principal fator que impedia a escalada de conflitos,
como quase aconteceu entre a Grécia e a Turquia, que foi o papel dos EUA como
líder global que manteve o regime político no Haiti, no Paraguai etc.

A década de 2000 trouxe elementos novos a esse cenário acadêmico: o


alargamento do conceito de segurança e a revalorização do Realismo. É
interessante perceber as semelhanças entre os discursos políticos da atual única
Superpotência em 1992 e em 2001. A primeira evidência da influência do
paradigma realista no pós-Guerra Fria veio na primavera de 1992, durante a
polêmica sobre a revisão feita pelo Pentágono de seu “Guia de Planejamento de
Defesa para os Anos Fiscais de 1994-1999”, o qual, originalmente, demandava
políticas cujo objetivo era impedir que, não somente as nações renegadas do
Sul, mas também outras nações industrializadas, “procurassem subverter a
ordem econômica e política estabelecida”, ameaçando, assim, a hegemonia
norte-americana.
No outono de 2001, o presidente dos EUA, depois de o país ter sido
atacado, pela primeira vez na História, em seu próprio território, por um ato
terrorista que usou aviões como mísseis, fez pronunciamento – lançando mão
de qualificativos religiosos e maniqueístas–, asseverando que, na luta contra o
terror, os países do mundo que não estivessem com os EUA, estariam,
automaticamente, contra os EUA, e, portanto, que não se aceitaria qualquer
ameaça à hegemonia norte-americana. A semelhança entre ambos os discursos
é óbvia.

Iniciou-se uma nova doutrina militar no início do século XXI: a da guerra


preventiva. Os EUA voltaram a fazer intervenções unilaterais como fizeram na
década de 1980 na América Central. O neorreaganismo cantado por Kristol e
Kagan anos antes ganhou forma.

O conceito de segurança nacional foi alargado após os atentados


terroristas de 11 de setembro de 2001, que atingiu cerca de três mil indivíduos
indiscriminados, em ação perpetrada por poucos indivíduos, comandados por
outros poucos indivíduos, sem nação, sem Estado. Diplomatas e turistas norte-
americanos passaram a ser alvos no exterior. A política de visto e de migração
precisou ser alterada. Cidadãos e estrangeiros em solo norte-americano tiveram
direitos constitucionais suspensos para averiguação. O fato é que a segurança
nacional desceu do nível analítico do Sistema Internacional para o nível analítico
do Indivíduo, dando um novo renovo para o Realismo, sob nova forma.

Processos de Integração

Os processos de integração – econômica, sobretudo, mas também


política – são outro fenômeno marcante dessa virada de milênio. Em diversas
regiões do globo, blocos se estruturam para garantir a competitividade de seus
membros no mercado internacional. Barreiras caem, a cooperação é
estabelecida, e muitos Atores passam a unir-se com antigos adversários para
melhor defender seus interesses.

Nesse fantástico fenômeno da economia global, os processos de


integração econômica conduzem a outras formas de integração e aumentam a
tolerância e compreensão “do outro” na Sociedade Internacional – ao menos
dentro de alguns blocos.

Novos foros internacionais são estruturados para discutir as questões


econômicas entre os países. A Organização Mundial do Comércio ganha força.
Ao lado desses foros para se debater a economia global, seria impossível que
não se estruturassem outros, para tratarem de questões sociais e até políticas.

Superpopulação e Subdesenvolvimento

Apesar das grandes conquistas tecnológicas e do bom padrão de vida em


algumas partes do globo, uma porção significativa da humanidade ainda vive em
nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. O problema do
subdesenvolvimento, em alguns setores da Sociedade Internacional, torna-se,
cada vez mais, relevante para os países desenvolvidos, sobretudo com relação
aos problemas causados pelas migrações e pelo crescimento populacional nos
países mais pobres.

A escassez de recursos e a distribuição das riquezas continuam sendo


temas relevantes no século XXI. Esses problemas são agravados com os riscos
de esgotamento dos recursos em virtude do crescimento demográfico mundial e
dos efeitos do modelo produtivo e de consumo da Sociedade Internacional
globalizada no meio ambiente. De fato, caso a população mundial continue
crescendo no ritmo atual, calcula-se que, por volta de 2050, já serão doze bilhões
de seres humanos sobre a face da terra, de modo que atender a demandas
básicas de todas essas pessoas – concentradas nos países menos
desenvolvidos – será um dos grandes dilemas da Sociedade Internacional. Isso
sem falar na degradação do planeta, que caminha a passos largos.

Questões ambientais

Meio ambiente é outro tema importante que merecerá atenção dos


membros da Sociedade Internacional do século XXI. Afinal, o planeta inteiro tem
sofrido os efeitos da atividade humana moderna. Questões como o
desmatamento, a poluição, a extinção de diversas espécies de plantas e animais,
o processo acelerado de desertificação em diversas fases do globo e a escassez
de água potável, as mudanças climáticas – com catástrofes a elas associadas –
e o efeito estufa marcarão a agenda internacional desse primeiro século do
terceiro milênio.

Ao interferir, modificar e destruir ecossistemas inteiros, será que o homem


prepara sua própria sepultura? Especialistas divergem. O debate apenas se
iniciou. A questão ambiental deve merecer a atenção de toda a comunidade
internacional, pois os efeitos da degradação do meio ambiente não reconhecem
fronteiras. Ademais, a preservação do planeta para as futuras gerações envolve
ações concertadas dos países ricos e pobres, uma vez que dificilmente nações
com dificuldades de desenvolvimento econômico e social poderão atentar
sozinhas para a utilização sustentável dos recursos naturais.

Novos regimes internacionais vêm sendo criados e operando no sentido


de regularizar o uso de bens de patrimônio da humanidade, como a água, o ar e
o espaço. Em 1997, líderes de 160 países firmaram o Protocolo de Kyoto,
estabelecendo que entre 2008 e 2012 sejam cortados ao menos 5% nas
emissões de gases causadores do efeito estufa na atmosfera em relação aos
níveis de 1990. O regime, que sofreu forte resistência no início, hoje vem sendo
gradativamente reconhecido como importante para a sobrevivência do planeta.
A biodiversidade, sendo considerada também um patrimônio da humanidade,
portanto, é objeto de articulação entre os Estados, para a regularização da
exploração de seus recursos.

Democracia e Direitos Humanos

A Sociedade Internacional do início do século XXI é marcada pela defesa


da democracia e dos direitos humanos em todo o planeta. Apesar de ainda
existirem governos autoritários e ditatoriais em diversas partes do globo,
acredita-se que esses regimes caminhem rumo à extinção. A democracia tem-
se apresentado como a opção definitiva de regime político. Por meio da guerra
no Oriente Médio, por exemplo, os EUA buscam exportá-la aos países árabes e
persas não democráticos; por meio das exigências para o ingresso na União
Europeia, a Europa tenta fortalecê-la no Leste Europeu. Esse é um fenômeno
que muito tem influenciado as relações internacionais.

Desde a Carta da ONU, em seus artigos 55 e 56, busca-se a formação de


uma nova ética mundial em torno dos direitos humanos. Os direitos humanos
têm sido apontados como o mínimo valorativo possível para um consenso
internacional. Autores como Delmas-Marty defendem que a lei e os regimes
internacionais devem se desenvolver a partir desse mínimo comum. Para outros
autores, como Jürgen Habermas, a melhor via seria o reforço da democracia. As
questões estão muito ligadas.

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ECONÔMICA E SOCIAL


Artigo 55
Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às
relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao
princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as
Nações Unidas favorecerão:
a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e
conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião.
Artigo 56
Para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros
da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em
conjunto ou separadamente.

Importante lembrar que o Tribunal de Nuremberg atribuiu ao indivíduo a


qualidade de sujeito de direito (ou seja, um Ator das Relações Internacionais) e
relativizou a questão das imunidades funcionais (funcionários de alto escalão
foram responsabilizados penalmente), o que é uma tendência no atual Direito
Internacional (os Estatutos dos Tribunais para a ex-Iugoslávia, Ruanda e do
Tribunal Penal Internacional trazem previsões nesse sentido). Além do indivíduo,
também a ideia de “humanidade” ganha cada vez mais importância na sociedade
global dos dias de hoje. A humanidade está até mesmo se tornando sujeito de
direito no Direito Internacional, conforme se pôde ver em uma decisão do
Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia em 1996 e, mais recentemente, com
o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de 1998, o qual prevê,
expressamente, os crimes contra a humanidade.

Um sítio de análises interessantes sobre a Nova Ordem Internacional é o de


Paulo Roberto de Almeida. Confira!

Os novos Atores Internacionais – e outros não tão novos

Outro ponto importante diz respeito aos Atores de destaque no sistema


internacional no século XXI, aí incluídos os Atores não estatais – organizações
não governamentais e empresas multinacionais, entre outros – e aqueles
Estados, ou blocos, que se destacarão como alternativa ao polo hegemônico dos
EUA – por exemplo, a União Europeia e a China.

O Tribunal Penal Internacional e o seu Estatuto, ao imporem novos limites


às ações de guerra, inclusive às guerras civis, apresenta-se como um novo Ator
que pode ter papel importante nas relações internacionais do século XXI.

Brasil e as Relações Internacionais

Convém relembrar que, como um dos maiores e mais populosos países


do globo, com uma das maiores economias do planeta e com pretensões de
liderança internacional, é fundamental que o País não se descuide de temas de
relações internacionais.

Entre os temas da Agenda internacional importantes para o Brasil,


encontram-se a consolidação do Mercosul, a aproximação com outros países na
América Latina, na África e na Ásia, a manutenção das boas relações com os
EUA e com a Europa. Ademais, não se pode esquecer a relevância da
participação brasileira nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas
(Alca), nas negociações comerciais com a União Europeia, e a atuação do País
em diversos foros e organismos internacionais, como a ONU, a OMC e a OEA.

O Congresso Nacional tem papel importante nas relações internacionais


do Brasil. Nesse sentido, dispõe de Comissões, tanto na Câmara como no
Senado, encarregadas de garantir a participação do Poder Legislativo em temas
como a escolha de embaixadores e a aprovação de qualquer tratado
internacional assinado pelo País. Daí a importância de se ter quadros no Poder
Legislativo capacitados a entender os complexos mecanismos do Sistema
Internacional.

A manutenção de quadros com conhecimentos de relações internacionais


também é importante no âmbito dos Governos e das Assembleias estaduais,
sobretudo porque os Estados-membros da Federação também têm interesses
que ultrapassam as fronteiras do Brasil.

Leia O Choque de Civilizações, de Samuel Huntington, obra indicada na


bibliografia.

Nosso curso permitiu a você familiarizar-se com aspectos relevantes do estudo


de Relações Internacionais. Esperamos que tenha aproveitado este estudo
introdutório. Nossa sugestão é que explore as indicações bibliográficas, em
especial as acessíveis por meio da Internet, ferramenta que é um dos maiores
trunfos da globalização e da integração entre os povos do mundo.

Parabéns! Você chegou ao final do Módulo III de estudo do curso Relações


Internacionais - Teoria e História.

Como parte do processo de aprendizagem, sugerimos que você faça uma


releitura do mesmo e resolva os Exercícios de Fixação. O resultado não
influenciará na sua nota final, mas servirá como oportunidade de avaliar o seu
domínio do conteúdo. Lembramos ainda que a plataforma de ensino faz a
correção imediata das suas respostas!
saberes.senado.leg.br

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