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OS SACRIFÍCIOS JUDAICOS

Damos sequência, agora, ao segundo texto da série sobre a Liturgia (o


primeiro pode ser lido aqui).

O texto é da autoria de Raphael Cavalcanti.

****************

Simbolismo e valor dos sacrifícios do Antigo


Testamento
Ao demonstrar aos hebreus a superioridade do sacrifício e do sacerdócio de
Cristo sobre os sacrifícios e sacerdócio do Antigo Testamento, S. Paulo
declara que a Lei Antiga era apenas a sombra e a imagem das realidades da
Nova Lei (cf. Hb 10,1).

O Antigo Testamento era, com efeito, a preparação do Novo. Nele se


ocultava, como na raiz, a flor do novo Testamento que devia desabrochar à
luz do Sol de justiça.
Era o pedagogo que devia vigiar sobre o povo débil e carnal, confiado à sua
tutela, até ao tempo destinado por Deus para a realização do mistério de
Cristo. Tinha por missão introduzir os homens numa esperança melhor,
capaz de aproximá-los de Deus.

A graça e a glória do Antigo Testamento vêm-lhe, pois, da sua relação com


o Novo. Esta relação encontra-se, sobretudo, nos inúmeros sacrifícios que
Javé se dignava receber dum povo ainda carnal e tão inclinado à idolatria.

Além do fim essencial de todo sacrifício – adorar o Criador e reconhecer o


Seu supremo domínio sobre todas as criaturas –, os sacrifícios da Lei
Antiga tinham uma significação mais elevada e misteriosa. Prefiguravam o
sacrifício do único Mediador, do Deus feito homem, o qual “por uma única
oblação obteve para sempre a perfeição para os que são santificados” (Hb
10,14). Por consequência, todo o valor destes sacrifícios provinha do
sacrifício por excelência que Jesus Cristo devia oferecer a Deus em odor de
suavidade. Eram sem dúvida pobres e vácuos: não continham a graça.
Todavia, além da pureza legal, produziam indiretamente a justiça interior,
enquanto eram protestações da fé dos judeus no Messias futuro.

Os sacrifícios do Antigo Testamento podem distribuir-se em duas grandes


classes: sacrifícios patriarcais e sacrifícios mosaicos.

1 Sacrifícios patriarcais
i. Caim e Abel. Dos filhos de Adão, o primeiro, Caim, era agricultor e
ofereceu a Javé um sacrifício dos produtos da terra; o segundo, Abel, era
pastor e ofereceu em sacrifício os primogênitos do rebanho com a sua
gordura. O Senhor olhou favoravelmente para o sacrifício do segundo e
dignou-Se recebê-lo; mas não olhou, ou olhou menos favoravelmente, para
o sacrifício do primeiro.

ii. Noé. Ao sair da arca da aliança, depois do dilúvio, constrói um altar e


oferece a Javé em holocausto animais e aves puras.

iii. Abraão. Quatro séculos mais tarde, Abraão eleva altares a Javé, sem
dúvida para Lhe oferecer sacrifícios. Para selar a antiga aliança com Javé,
recebe ordem de oferecer uma vitela de três anos, uma cabra e um bode de
dois, uma rola e um pombo. Corta as vítimas pelo meio, à exceção das aves,
e coloca as duas metades uma em face da outra. Ao anoitecer o fogo passa
pelo meio; e é de supor que, depois do fogo que representava Javé, Abraão
passasse também entre as duas partes das vítimas (1).

iv Melquisedeque. Melquisedeque, rei de Jerusalém, sai ao encontro de


Abraão e oferece ao Senhor o sacrifício do pão e do vinho.

v. Jó. Seguindo o exemplo dos antigos patriarcas, Jó oferece


periodicamente, de manhã, um sacrifício expiatório por cada um de seus
filhos.

Javé ordena aos amigos de Jó, após a discussão que tiveram com ele, que
ofereçam um sacrifício de sete touros e sete carneiros, para expiar a
loucura dos seus discursos.

vi. Moisés. Depois da promulgação do Decálogo, no Sinai, Moisés ordena


ao oferecimento de holocaustos e a imolação de touros em sacrifícios de
ação de graças. Metade do sangue derrama-o sobre o altar, e com a outra
metade asperge o povo, dizendo: “Este é o sangue da aliança que Javé
concluiu convosco”.

2 Sacrifícios mosaicos
Saídos do país do Egito em que assistiram ao culto solene e deslumbrante
dos falsos deuses, e vivendo no meio de povos entregues à idolatria, os
judeus não se podiam limitar a um culto meramente interior. Corriam o
perigo de cair nas práticas supersticiosas dos povos dos arredores, como já
tinha sucedido no sopé do Sinai, onde erigiram um bezerro de ouro a que
ofereceram os sacrifícios.

Por isso queria Deus Lhe fossem oferecidos sacrifícios, que, embora em si
não tivessem nenhum valor intrínseco, conferiam, no entanto, uma certa
santidade legal e exterior – sanctificat ad emundationem carnis – e até
supunham ou provocavam sentimentos interiores, da grandeza da
Majestade divina, da pequenez da criatura, da fealdade do pecado, sem os
quais as prescrições rituais degenerariam em puro formalismo.

Os sacrifícios idolátricos e humanos eram absolutamente proibidos pela


Lei.

Quatro aos sacrifícios prescritos, estudaremos sucessivamente:

1º as espécies de sacrifícios;
2º os seus oferentes;
3º o tempo dos sacrifícios;
4º o seu ritual.

2.1 As diversas espécies de sacrifícios


Os sacrifícios da Lei Antiga podem dividir-se em duas grandes classes:
sacrifícios cruentos (com derramamento de sangue) e sacrifícios
incruentos (sem derramamento de sangue).

2.1.1 Sacrifícios cruentos

i. Holocausto

O mais completo e o mais perfeito dos sacrifícios cruentos é o holocausto,


em que a vítima é oferecida toda a Deus e consumida inteiramente no altar
pelo fogo sagrado, para exprimir a plena sujeição de todos os seres ao
absoluto domínio de Deus.

As vítimas que podiam servir para os holocaustos eram:

1º) O bezerro, que não podia ter mais de um ano, e o touro que não devia
ter mais de três. A vítima devia arder completamente; as pernas e as
entranhas deviam ser lavadas de antemão. As partes da vítima, antes de
serem depostas no altar, deviam ser salgadas. O holocausto devia arder
toda a noite até de manhã. O músculo isquiático, que unia a perna à anca,
não era oferecido a Deus, mas deitado fora com as cinzas, para comemorar
a luta de Jacó com o Anjo que o feriu nesse músculo, o qual imediatamente
perdeu seu vigor.

2º) O cordeiro, de oito dias a um ano; e o bode, de um ano a dois.

3ª) a rola, adulta e revestida de penas; o pombo, pelo contrário, sempre


novo.

As duas primeiras espécies de vítimas deviam ser acompanhadas de três


dízimos de ephi de farinha diluída em meio hin de azeite(2). Ajuntava-se-
lhe mais uma libação de meio hin de vinho.

ii. Sacrifícios pacíficos

A vítima podia ser macho ou fêmea, pertencer ao gado graúdo ou miúdo.


Só as partes gordurosas eram queimadas; as restantes podiam ser comidas
pelos sacerdotes ou por qualquer israelita que estivesse em estado de
pureza legal.

Obrigatório só era o sacrifício de dois cordeiros na festa do Pentecostes,


mas cada qual podia oferecer sacrifícios pacíficos, especialmente em ação
de graças, espontaneamente ou em cumprimento de um voto. Estes
sacrifícios eram acompanhados de oblações.

iii. Sacrifícios pelo pecado

As vítimas destes sacrifícios eram umas fixas e as mesmas para ricos e


pobres, outras variáveis. Tinham direito a escolhê-as: o leproso, a mulher
que acabava de dar à luz, a testemunha falsa, o que fizera falso juramento
sem o saber, o que, desconhecendo a sua impureza, comera duma vitela, e
enfim o que entrara no templo em estado de impureza legal.

Só eram queimados: 1) nos sacrifícios públicos, o bode do dia da Expiação,


os bodes pelo pecado de idolatria e o touro pelo pecado do povo, ficando as
outras vítimas para os sacerdotes; 2) nos sacrifícios particulares, o touro
pelo pecado do Sumo Sacerdote.
As partes gordurosas destas vitimas eram queimadas no altar; o resto, fora
do acampamento. O sacerdote oferente tinha o direito de comer do resto
das vítimas.

iv. Sacrifícios pelo delito

O delito diferia do pecado em que este era uma ação feita conscientemente,
mas sem testemunhas; e aquele, uma ação praticada inconscientemente,
mas diante de testemunhas. O sacrifício pelo delito diferia do sacrifício
pelo pecado apenas em que a vítima era sempre um carneiro.

v. Sacrifícios especiais

1) Sacrifício de consagração: Consistia em um touro pelo pecado, um


carneiro em holocausto e um outro para a consagração. Com o sangue
deste eram ungidos os sacerdotes na orelha direita, na mão e no pé direito,
sendo a vítima em seguida queimada em holocausto e comida pelos novos
consagrados.

2) Sacrifício do leproso: Consistia em um cordeiro pelo delito, outro


em holocausto e uma ovelha pelo pecado. Estes dois últimos podiam ser
substituídos por duas rolas ou dois pombos, se o leproso fosse pobre.
Várias oblações, fora do acampamento e diante de Javé, precediam a unção
do leproso e os seus sacrifícios.

3) Sacrifício da vaca ruça: Esta devia arder inteiramente com pau de


cedro, hissope e carmesim. As cinzas misturadas com água serviam para
purificar no terceiro e sétimo dia aqueles que, por tocarem os cadáveres,
tinham contraído impureza legal. Esta purificação simbolizava a
purificação da alma maculada pelo pecado.

2.1.2 Sacrifícios incruentos

Os sacrifícios incruentos consistiam, sobretudo em oblações e libações que


acompanhavam os sacrifícios cruentos.

i. Oblações
As substâncias alimentares previstas pelo ritual mosaico para as oblações,
eram: espigas, grão, flor de farinha, pão, bolos, azeite, incenso, vinho. O sal
era indispensável a toda oblação. Elemento preservador de corrupção,
significava a aliança indissolúvel de Deus com o povo.

1) As oblações acompanhavam os holocaustos, os sacrifícios pacíficos, o


sacrifício do leproso e o sacrifício do nazireu. Havia ainda a oblação diária
do Sumo Sacerdote, a das primícias da messe no dia imediato ao Sábado da
Páscoa, a dos dois pães no dia do Pentecostes, a dos doze pães que eram
renovados todos os sábados, além de outras oblações feitas em particular,
ora em obediência à lei, ora por devoção ou em satisfação dum voto.

2) Entre as oblações eram obrigatórias as primícias dos frutos naturais, a


saber: do trigo, da cevadas, do vinho, da figueira, da romãzeira, da oliveira,
do mel (sexagésima parte da colheita), e de frutos preparados, como:
farinha, vinho novo, azeite e lã de ovelha.

O tratado Bikkurim da Mischna prescreve o ritual das oblações das


primícias. Os frutos, dispostos em açafates de salgueiro ou de metal
dourado ou prateado, são trazidos a Jerusalém com grande pompa ao
canto dos Salmos pelos habitantes das diferentes localidades. Os grandes
funcionários do templo e até o rei vão buscar os novos frutos, cantando o
salmo 150 alternado com o salmo 29. À entrada do templo faz-se a agitação
da oferenda que é, sem seguida, levada até junto do altar e aí oferecida. Os
sacerdotes de serviço naquela semana dividiam entre si as primícias
oferecidas.

3) A oblação do filho primogênito comemorava a décima praga que feria


todos os primogênitos do Egito, desde o homem até o animal.

Os filhos primogênitos do homem eram consagrados a Deus, mas como


não deviam servir no templo, eram resgatados um mês depois do
nascimento, por cinco siclos. Pouco a pouco introduziu-se o costume, não
obrigatório, de apresentar o primogênito no templo no dia da purificação
da mãe.
Os primogênitos dos animais também deviam ser apresentados a Javé. Os
dos animais puros deviam ser imolados. As partes interiores ardiam em
honra de Javé, as restantes comiam-nas os sacerdotes dentro da cidade. Os
primogênitos dos animais impuros deviam ser resgatados por uma quantia
de dinheiro, determinada pelos sacerdotes. O primogênito do jumento era
resgatado por um cordeiro ou por siclo e meio, senão era morto e
enterrado.

4) A oblação dos dízimos, não só dos produtos da terra, mas ainda dos
animais, já existia nos costumes do povo judaico e até dos pagãos, antes de
ser prescrita pela lei de Moisés. Os dízimos constituíam um dos meios de
sustentação dos Levitas, que por sua vez deviam dar o dízimo do que
recebiam do Sumo Sacerdote. Em certos casos era a própria família que
oferecia os dízimos que os comia. Enfim, todos os três anos,
independentemente do ano sabático em que se não pagava o dízimo, devia
ser reservado outro dízimo para sustentar o levita, o estrangeiro, o órfão e
a viúva.

ii. Libações

As libações consistiam na efusão dum líquido, principalmente de vinho –


sangue da uva – em honra da Divindade. O vinho era derramado no ângulo
sudoeste do altar e de lá escoava por um conduto interior perdendo-se no
solo.

As libações nunca se faziam isoladamente; seguiam-se imediatamente ou


mesmo passados alguns dias, aos holocaustos, aos sacrifícios pacíficos e
aos de ação de graças. Eram excluídas dos sacrifícios pelo delito e pelo
pecado, dos sacrifícios das aves, dos primogênitos e do cordeiro pascal.
Enquanto se fazia a libação depois do sacrifício do cordeiro da manhã e da
tarde, as trombetas tocavam nove vezes.

Esta cerimônia repetia-se nas neoménias, no dia da oblação das primícias,


depois do sacrifício do nazireu e, em geral, depois de todos os sacrifícios
não expiatórios.
2.2 Oferentes
Certos sacrifícios – como o sacrifício da manhã e o das grandes solenidades
eram oferecidos em nome de todo o povo. Outros eram oferecidos por uma
pessoa em particular, em razão duma consagração, duma festa, dum voto,
por causa dum pecado cometido, por espontânea determinação de cada um
ou em virtude de certas prescrições.

Até os gentios podiam oferecer sacrifícios, mas só holocaustos e sem


imposição das mãos nem agitação da vítima. Flávio Josefo conta que
diversos reis pagãos vieram ao templo de Jerusalém oferecer sacrifícios a
Javé, como: Alexandre Magno, Ptolomeu III Evergeto, Antíoco VII Sidetes,
Marco Agripa, etc. Outros ordenaram a celebração de sacrifícios por si
mesmos ou pelas pessoas de suas famílias, por exemplo: Dario I, Antíoco
Magno. O imperador Augusto quis que se oferecesse, à custa do tesouro
imperial, um sacrifíco cotidiano de dois cordeiros e um touro. Calígula, por
três vezes, mandou imolar em seu nome uma hecatombe.

2.3 Tempo dos sacrifícios


2.3.1 sacrifícios periódicos

Os sacrifícios particulares realizavam-se nas três grandes festas do ano e,


além disso, em diferentes épocas, segundo os motivos que os ocasionavam.
Os sacrifícios públicos, celebrados em épocas fixas, eram os seguintes:

1) Quotidiano: Consistia no holocausto de dois cordeiros de um ano, um


de manhã ao levantar do dia, outro de tarde pela nona hora, com uma
oblação de farinha amassada com azeite e uma libação de vinho. A
cessação do sacrifício perpétuo era considerada como a pior das
calamidades. Deixou de ser oferecido durante a guerra Judaica, a partir do
dia 17 do mês de Tammôz (10 de junho de 70). Em memória deste
acontecimento, os judeus consagraram este dia ao jejum.

2) Sabático: Aos sábados ajuntava-se ao sacrifício cotidiano o holocausto


de dois cordeiros de um ano com a oblação e a libação.
3) Neoménia: Eram imolados dois touros, um carneiro, sete cordeiros de
um ano em holocausto, com oblações, e um bode em sacrifício pelo pecado.

4) Páscoa: Repetia-se em cada um dos sete dias, o sacrifício da


Neoménia.

5) Colheita: O sacrifício da apresentação do primeiro feixe da colheita


constava do holocausto dum cordeiro de um ano, com oblação e libação.

6) Pentecostes: O sacrifício era igual ao da Neoménia.

7) Pães do Pentecostes: A acompanhar dos pães do Pentecostes, era


oferecido um bode pelo pecado e dois cordeiro de um ano em sacrifício
pacífico.

8) Festa das Trombetas: Comemorava o início do ano civil e o primeiro


dia da criação. Além do sacrifício quotidiano e do da Neoménia, era
imolado um touro, um carneiro, sete cordeiros de um ano, com oblações e
libações, e um bode pelo pecado.

9) Expiação: O sacrifício da Expiação constava de um touro, um carneiro,


sete cordeiros de um ano, com oblações e libações em holocausto, e dois
bodes, um dos quais era oferecido em sacrifício pelo pecado e o outro
expulso para o deserto.

10) Tabernáculos: Nesta festa eram sacrificados em holocausto treze


touros, dois carneiros, catorze cordeiros de um ano, com oblações e
libações e um bode pelo pecado. Os mesmos sacrifícios se repetiam
durante seis dias, mas em cada dia ao número de touros era diminuída
uma unidade.

11) Oitava dos tabernáculos: Eram oferecidos em holocausto um touro,


um carneiro, sete cordeiros de um ano com oblações e um bode pelo
pecado.

2.3.2 Sacrifícios históricos

Além destes sacrifícios, a S. Escritura menciona outros, celebrados em


ocasiões verdadeiramente históricas. Tais são, além dos sacrifícios
celebrados pelos reis pagãos (item 2.2), os seguintes:

o primeiro sacrifício de Aarão e seus filhos (Lv 9,22.24);


sacrifícios oferecidos em Silo, no tempo do Sumo Sacerdote Jeli (I Sm
1,3; 2,12-17);
sacrifício oferecido quando a arca voltou do poder dos Filisteus (I
Sm 6,14);
sacrifício de Saul em Gálgala (I Sm 13,9.13; 15,9-22);
sacrifício oferecido em Belém pela família de Davi (I Sm 20,6);
sacrifício oferecido por ocasião do transporte da Arca para Jerusalém
(II Sm 6,17s);
sacrifício oferecido na eira de Areuna, depois da peste (II Sm 24,24s);
sacrifício oferecido quando tudo estava preparado para a construção
do templo e Salomão foi reconhecido rei (I Cr 29,21s);
sacrifícios nos lugares altos, sobretudo em Gabaão, onde se
encontrava um altar de bronze, construído outrora por Beseleel (I Rs
3,2.4-6);
sacrifícios na dedicação do templo (I Rs 8,63s; II Cr 7,1-7);
sacrifício de Elias, no Carmelo, para confundir os sacerdotes de Baal (I
Rs 19,30-39);
sacrifício de Acaz (II Rg 16,12-15);
sacrifícios oferecidos na restauração do templo por Ezequias (II Cr
29,31-35; 30,24);
sacrifício de Jozias, na festa da Páscoa, depois da restauração do
templo (II Cr 35,7-9);
sacrifício oferecido depois da vitória de Betúlia (Jt 16,22);
sacrifício de dedicação do templo, quando Zorobabel restabelece o
culto de Javé (Esd 3,4-6; 6,17);
sacrifício de Neemias de regresso à Judeia (II Mac 1,20-32);
sacrifícios por ocasião da restauração dos muros de Jerusalém (Ne
12,42);
sacrifícios do tempo dos Macabeus (I Mac 4,56; II Mac 10,3);
sacrifício expiatório de Judas Macabeu pelos mortos (II Mac 12,43),
único sacrifício pelos defuntos de que há menção no Antigo
Testamento.

2.4 Ritual dos sacrifícios


A celebração dos sacrifícios mosaicos tinha um ritual próprio. Vamos
descrever sumariamente as frases principais.

1) Condução da Vítima. As vítimas dos sacrifícios públicos eram


compradas à custa do tesouro público. Os particulares podiam trazer as
suas próprias vítimas ou comprá-las em Jerusalém. No tempo de Nosso
Senhor, o tráfico das vítimas se fazia mesmo no templo. O oferente devia
guiar a vítima ou se fosse pequena, levá-la com os pés atados. As vítimas
dos sacrifícios mais santos – holocaustos, sacrifício pelo pecado e pelo
delito, sacrifícios pacíficos públicos – eram introduzidas pela porta do
norte, chamada da oblação; as outras entravam pela porta do sul e eram
colocadas diante da face de Javé.

2) Agitação. Quando um hebreu (as mulheres e os gentios não eram


admitidos a esta cerimônia) trazia ao templo uma oblação ou uma vítima
viva para os sacrifícios públicos ou para o sacrifício pelo delito do leproso,
o sacerdote vinha ao seu encontro à entrada do templo e, colocando as
mãos sob as do oferente, balançava a oblação de diante para trás, de trás
para diante, de cima para a baixo e de baixo para cima. Alguns agitavam a
oblação também da direita para a esquerda e da esquerda para a direita.
Estes movimentos significavam a apresentação da oferenda a Javé. (3)

3) Imposição das mãos. A imposição das mãos significa naturalmente a


transmissão da autoridade, do poder, da bênção e dos bens.

Empregada outrora pelos Egípcios nos sacrifícios, aparece pela primeira


vez na S. Escritura na consagração de Aarão e seus filhos. Cada um impõe
as mãos sobre a cabeça das vítimas por eles imoladas.

A imposição de ambas as mãos sobre a cabeça da vítima, devia efetuar-se


em todos os sacrifícios de quadrúpedes, depois da apresentação e antes da
imolação. Era feita por todos e cada um dos que ofereciam o sacrifício. No
dia da Expiação só o sumo sacerdote impõe as mãos sobre o bode ao qual
transmite simbolicamente a personalidade culpada de Israel. O bode é
depois repelido para o deserto, como indigno de estar na presença de Javé.

Mas a imposição das mãos não tem sempre a significação simbólica de


transmitir a outrem a responsabilidade dos pecados próprios. As mais das
vezes exprime simplesmente a comunicação do que o homem é, do que tem
ou do que deseja consagrar a Deus. É uma quase prolongação da própria
personalidade. Tal é o exemplo; a significação da imposição das mãos
sobre os levitas. Estes são como que a oblação dos filhos de Israel, os
incumbidos de servir ao Senhor.

4) Imolação. A imolação da vítima fazia-se durante o dia e da seguinte


maneira: As vítimas dos sacrifícios mais santos eram ligadas a anéis do
lado norte do altar; as outras, no átrio, do lado do oriente. Puxava-se o
animal pela boca de maneira a obrigá-lo a estender o pescoço, que em
seguida era cortado pelo cutelo sagrado. O sangue era recolhido num vaso.
A degolação podia ser feita por qualquer israelita, à exceção dos surdos,
dos loucos ou dos menores; mas, na prática, eram os sacerdotes e os levitas
que se encarregavam desta operação.

5) O sangue. O sangue dos quadrúpedes era recolhido em um ou dois


vasos de prata e continuamente remexido para não coalhar. O sacerdote,
nos holocaustos e nos sacrifícios pacíficos e pelo pecado, vertia-o no canto
nordeste e sudoeste do altar. Nos sacrifícios pelo delito, o sacerdote com o
indicador da mão direita molhado no sangue, tingia sucessivamente os
quatro cantos do altar, começando pelo sudeste e acabando pelo sudoeste.
O sangue que sobrava era derramado numa cavidade ao sul do altar, donde
era conduzido ao cedrão por um cano. O sangue das aves era extraído
diretamente do corpo da vítima, para tingir os cantos do altar ou ser
derramado na sua base.

A efusão do sangue no altar constituía a parte mais importante do


sacrifício; sem ela ninguém podia lucrar os seus efeitos.

6) Partição. Antes de ser partida em pedaços, a vítima devia ser esfolada,


exceto no sacrifício pelo pecado, na consagração dos sacerdotes e no rito da
vaca ruça. Os animais eram suspensos pelas patas traseiras a traves de
cedro sustentadas por oito colunas de pedra colocadas ao norte do altar.
Ali eram esfolados pelos sacerdotes ou, se as vítimas fossem muito
numerosas, também pelos levitas.

As peles seguiam a sorte das carnes dos animais, isto é, ou eram


queimadas, ou pertenciam aos sacerdotes ou aos oferentes. No holocausto
a vítima ardia toda; a pele era destinada ao sacerdote que celebrava o
sacrifício.

Em seguida a vítima era cortada em pedaços, exceto quando devia ser


entregue inteira ao sacerdote ou ao oferente, pois neste caso, só lhe
tiravam as entranhas e as gorduras. Nos outros casos cortavam-lhe
sucessivamente a cabeça, as coxas, as espáduas, etc. As pernas e as
entranhas deviam ser lavadas. Nos sacrifícios pacíficos particulares só se
cortava a coxa direita e o peito, que pertenciam aos sacerdotes. Estas
partes da vítima deviam ser agitadas de novo, com a gordura e as
entranhas.

7) Transporte para o altar. No holocausto seis sacerdotes conduziam


as vítimas pequenas – ovelhas ou cabras – e mais dois levavam, um a
oblação, outro a libação. Para a condução do carneiro eram precisos onze e
para a do touro vinte e quatro sacerdotes, dos quais dois para a oblação e
dois para a libação. Junto do altar a vítima era salgada e depois colocada
em cima, em determinados lugares, onde era queimada.

8) Combustão. Esta realizava-se no altar dos holocaustos. Os restos das


vítimas pacíficas particulares, podiam ser queimados na cidade, mas só
durante o dia. As vítimas imoladas por engano e as que tinham algum
defeito eram queimadas no átrio ou na colina do templo, ou ainda fora da
cidade no lugar onde se deitavam as cinzas.

9) Manducação. Nos sacrifícios pacíficos públicos e nos sacrifícios pelo


pecado e pelo delito, só os sacerdotes da família do sacrificante podiam
comer a vítima. Nos sacrifícios pacíficos particulares a coxa e o peito
cabiam ao sacerdote e podiam ser comidos na cidade por ele e por todos os
membros da família que estivessem puros. Só os sacerdotes podiam comer
os primogênitos. Aos que ofereciam o sacrifício pertencia o resto das
vítimas pacíficas particulares, o dízimo dos animais e das vítimas pascais.

As vítimas, assadas ou cozidas, podiam ser comidas por todos os homens


puros, mas só em Jerusalém e no mesmo dia ou na noite seguinte. Os
particulares que comiam as vítimas no Templo podiam servir-se dum
pouco de vinho, do que os sacerdotes estavam proibidos.

3. Ineficácia dos sacrifícios mosaicos.


E agora ao terminar esta longa enumeração de vítimas, que revoltante
contradição não nos assalta! “Se lerdes a Lei, admirar-vos-ei das precisões,
dos preceitos rituais; se escutardes os Profetas, ferir-vos-ão o desdém e o
enojo que o Senhor manifesta por este culto grosseiro” (D​’Hulst, Carême,
1893, 2ª Confer., p. 61).

Javé institui a liturgia judaica. Enumera os sacrifícios, menciona as


vítimas, prescreve o ritual, tudo aprova, tudo impõe com a Sua suprema
autoridade. E tão rigorosas são as Suas ordens, que a mais leve violação –
como pôr no turíbulo carvões não sagrados – é punida de morte. A aliança
do povo com o Senhor, as bênçãos da terra e o orvalho do céu, a paz e a
vitória sobre os inimigos, tudo dependia da fidelidade às observâncias
litúrgicas.

Os Profetas de Javé, pelo contrário, reprovam, como grande abominação,


estas mesmas observâncias (cf. Sl 50,18; Is 1,11-15; Jr 6,20).

Todas as vítimas imoladas, ainda mais as puras, eram vítimas manchadas.


Apesar da sua multiplicidade, não podiam expiar um único pecado. E
todavia essa multiplicidade de vítimas era mais do que uma profecia; era,
em certo modo, uma realidade cênica e já consagrada, que representava a
futura realidade divina; era o doloroso prefácio da grande obra da Cruz;
era o caminho purpureado de sangue que subia do Éden ao Calvário.
“Olhai – diz Bossuet – e vede o pavimento do Templo; vede os hábitos
sacerdotais; vede o altar e o santuário inundados do sangue das vítimas;
vede o povo de Israel, lavado tantas vezes neste sangue; como tudo isso é
frio, se a fé me não mostra em tudo isso o Sangue do Cordeiro, derramado
pela remissão dos nossos crimes, o Sangue do Novo Testamento… Se não
olharmos para Jesus Cristo, as Escrituras proféticas não têm sabor;
aparentemente estão cheias de loucura, ao menos em alguns lugares. Mas
saboreemos nelas o Salvador, e tudo é luz, inteligência, razão” (Sermão do
II Domingo depois da Epifania. Sermon t, I. p. 520).

“Para quê tanto sangue derramado nas cerimônias antigas, se não para
representar o Sangue de Jesus? Por que motivo foi assinada e ratificada a
Aliança pelo sangue? Para nos dar a compreender que não há resgate nem
expiação nem salvação senão pelo Sangue do Cordeiro imaculado, imolado
desde a origem do mundo… Agni qui occisus est a constituitione mundi (O
Cordeiro que é imolado desde a constituição do mundo – Ap 13,8). Desde a
origem do mundo a Sua Morte foi figurada por uma multidão de sacrifícios
sanguinolentos. Tertuliano exclama admirado: O Christum in nobis
veterem! (Não tardeis [para vir] a nós, ó Cristo)” (Idem, ibidem, p. 530).

NOTAS

(1) Os caldeus serviam-se deste rito para contrair uma aliança. Os dois
contraentes passavam entre as duas metades da vítima, para significar a
sua perfeita união. Se não excecutassem o contrato, eram ameaçados da
sorte infligida às vítimas. Os árabes serviam-se de ritos semelhantes para
conjurar as calamidades que os ameaçavam. Imolavam uma ovelha,
cortavam-na pelo meio e suspendiam as duas metades a dois postes,
colocados fora da tenda. Em seguida, toda a família passava entre os dois
postes. JANSSEN, Coutumes arabes, na Revue Biblique, 1903, p. 248).

(2) Ephi – medida de capacidade para sólidos, equivalente a cerca de 38


litros.
Hin – medida de capacidade para líquidos, equivalente a 6,50 litros, pouco
mais ou menos.
(3) Nos sacrifícios pacíficos particulares ou públicos, a agitação renovava-
se depois da imolação. Não será um vestígio desta cerimônia o gesto com
que o celebrante, ao ofertório, depõe no corporal a patena e o cálice?

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