• 75004 PARIS
Cab.42.74.46.14
Dom. 42.78.80.43
~t f)J~
(jh;~CvR PUtlAU2. ~Jo
2. AQUESTÃO DO FANTASMA NA
CLfNICA PSICANALfTICA Pág. 21
Bem, aquele rapaz se apresentava como alguém bastante feliz porque estava
perfeitamente integrado. Quando lhe faziam perguntas do tipo "como
vai. .. ", tudo o que podia falar é que ele era um comerciante bem integrado
na comunidade de comerciantes do seu povoado.
o que eu gostaria de tentar hoje, esta noite, no pouco tempo que temos,
seria de justificar o uso de tal termo nessecaso. Eu acho que,
primeiramente, para falar de perversão, é preciso limpar o terreno. O
primeiro ponto: habitualmente falamos de perversão a partir de uma
fenomenologia inaceitável: a fenomenologia da conduta sexual dita
desviante. Por que uma fenomenologia inaceitável? Por duas razões, ou
melhor por duas ordens de razões.
Portanto, uma primeira razão epistemológica: o fato de que uma clínica não
pode justificar "apres-coup". um conjunto de fenômenos que são reunidos
por uma desaprovação de ordem moral. Se uma categoria das perversões
deve existir em nossa clínica, é preciso que ela própria estabeleça os
fenômenos que dela decorrem. Eis a primeira ordem de razões.
D <> L.
(a)
início,
Vocês sabem que no que diz respeito à prática sexual, se pode mudar tudo,
menos o objeto. Isso quer dizer que, se o objeto está presente, o neurótico
é capaz de grande flexibilidade com relação às suas montagens sexuais.
O que muda na perversão?
Db.$}
(a) I{)
ais, que
11
que
Aí vou escrever I{J : fazendo do objeto um falo imaginário, ou melhor,
antes um instrumento que um objeto. Como conseguir não ser um
objeto e sim um instrumento? Precisa-separa tanto, usurpar o lugar do pai,
ou seja, apropriar-se do saber suposto ao pai. O saber do pai, sabe-se
o que é, supõe-se que há ao menos um que pode domar o gozo do Outro.
Há que se observar que ele é, de certa forma, duas coisas, o que nos mostra
uma propriedade única do fantasma perverso. Do lado do sujeito há,
no fantasma perverso, ao menos dois lugares, e desde o início dois lugares.
Je se
sexual é um risco. 1: um risco porque a simples detumescência do órgão
masculino já é perigosa para a continuidade do domínio.
bre o bom
Vamos fechar parênteses e avançar.
s mostra O que mais me interessa na questão das perversões não é tanto a estrutura
á, perversa, que, evidentemente, é pouco comum, mas a facil idade com a qual o
lugares. neurótico se prende em formações perversas. Eu diria mesmo que a
formação perversa é o núcleo da nossa vida social, da vida social do neurótico,
o pela razão que dizia antes: o fantasma perverso aparece como o único no
qual, prontamente, o lado do sujeito tem já pelo menos dois lugares. A que
outro título os neuróticos poderiam manter-se juntos, a não ser no
fantasma perverso?
sma. está
ida em que
) uso Uma questão que se deve levantar, simplesmente, e vocês devem ter
sntasrna percebido: como dois sujeitos, dois neuróticos (um casal por exemplo),
sr aqui vão entrar juntos no mesmo fantasma, isto é, na mesma montagem perversa?
resenta o À primeira vista vai ser fácil, eles vão repartir esses lugares; um vai
desempenhar o instrumento e outro o saber. Mas não é tão simples, porque
a questão que vem em seguida é como dois sujeitos singulares vão entrar
rqar, como numa montagem na qual perseguem o gozo de um mesmo Outro. Ora, mas
lade é o cada um tem seu Outro!
ro,
szer gozar. Vou tentar, de uma maneira um pouco rápida, dar-Ihes a minha resposta
a essa questão. Vocês sabem, certamente, que todo neurótico sonha
a, se coloca em ser perverso. Sonha em ser perverso porque a posição neurótica é
\ mu ito insatisfatória. No que diz respeito a um gozo Iigado à sua posição de
16s, do
perversão 13 objeto, não somente esse gozo é impossível, mas justamente é dele que
o neurótico se defende. O gozo que ele tira dessa defesa é insatisfatório,
em primeiro lugar, porque não é o outro. *
Se tomarmos as coisas sob este ângulo, percebemos que a anál ise nos leva
a interrogar os fenômenos sociais de maneira bastante nova. O exemplo que
mu itas vezes uso, diz respeito a algo que me toca: as defesas dos
criminosos de guerra, no processo de Nuremberg. É uma leitura muito
interessante e vou Ihes dizer porquê. A pergunta que Ihes era colocada,
pela acusação, sobre os crimes de guerra ... Finalmente, o que o Ministério
Público se perguntava - o que não é diferente do que nesses casos
os psicanal istas se perguntam habitualmente - como se pôde ter gozado, por
exemplo, em exterminar milhões de pessoas.
* N. do A. Gozo ligado à posição de objeto, do qual o neurótico justamente se defende, mas também
é insatisfatório porque a sua defesa nunca lhe parece suficientemente segura. Em outras palavras,
14 ele fica insatisfeito em defender-se e em não defender-se o bastante.
.istatório. Ora, as respostas são totalmente defasadas em relação às perguntas: "eu fui
sempre um militar exemplar". O comandante de Auschwitz, por exemplo,
Rudolf Hess, escreveu trezentas páginas de memórias antes de ser
suposto para enforcado, nas quais se justificava; contou como ele era um funcionário
ticos, somos exemplar ... Eu acho que se tem que acreditar nessas respostas. O que
~ueo ele respondia era isso: "vocês estão enganados, o meu gozo não passava
I seja por onde vocês pensam, meu gozo não era pelo fato de matar milhões de
possível: pessoas, meu gozo era de estar numa montagem perversa com os outros
do meu partido, e para ter esse gozo estive pronto a pagar qualquer
preço, evidentemente". Então a questão não é a do sadismo do torturador,
Ide. senão nunca poderíamos sair disso (não podemos conceber que metade
bu seja, o fato da Alema nha tenha sido presa num fantasma sádico desse tipo). O gozo
pai íticos era de ser tomado numa montagem, na qual, cada um é, ao mesmo
segurança, tempo, instrumento e saber, e, numa montagem que nada persegue,
teses. com o gozo do Outro, senão o seu próprio funcionamento.
m pouco mais: Eu acho que para participar desse tipo de montagem - que é mais um
~erversa, "sernblant" de saída da neurose - o neurótico muitas vezes está disposto a
r:ronto até pagar qualquer preço. Eu vou dar um exemplo agora.
defende, mas também * N. da R. Em decorrência da má qualidade do gravação, o que apresentamos a seguir é resultante da
Em outras palavras, colaboração de participantes do debate, que identificados. O autor preferiu que sejam mantidas as
15 suas respostas, mesmo quando não identificados as peguntas.
URANIA PEREZ - No que você disse a respeito de Auschwitz, aplicaria ao
nazismo como totalidade, quer dizer, o interpretaria dentro de uma
dimensão da montagem perversa, na quat os indivíduos, por exemplo, Hitler
- que perseguia o ideal de uma raça pura - estariam na mesma posição?
*
CONTARDO - Acredito nisso... Creio que temos tendência em esquecer o
quanto a posição neurótica é desconfortável; suponhamos que sejamos uma
maioria de neuróticos (o que é provavelmente verdadeiro estatísticamente) e,
bem, se devêssemossempre viver a título de nossa neurose, que dizer,
se nunca tivéssemos tempos de montagem perversa, na nossavida social,
como também de casal (social aqui também significando casal), nossavida
seria insuportáveUO problema é que talvez não estivéssemos todos
dispostos a pagar o mesmo preço para permanecer numa montagem perversa.
z, aplicaria ao CONTARDO - Vocês sabem, certamente, que Lacan dizia que a psicanálise
luma deveria poder fundar um laço social de novo tipo; dizia também que estava
~emplo, Hitler decepcionado porque a psicanálise não inventou um novo tipo de perversão.
a posição? Gostaria de reunir as duas frases dizendo isso: em geral eu não acho que a
psicanálise possa mudar grande coisa no que diz respeito à ordem da
estrutura. Acredito, porém, que se possa habitar as estruturas (inclusive a
~jeito
sua própria) e as mõntagens perversas nas quais se é obrigado a estar preso,
f'e que
de um modo diferentê depois da experiência de uma análise. Isto é o que se
~verno
pode esperar de melhor. No fundo, o que a experiência de uma
ssoas que entra
análise nos traz? Se tivesse que dizer isso em duas palavras, diria que todo
e que uma
aquele lado, ou seja, o lado do Outro, não é habitado, é uma inchação
perversa,
do Imaginário. Talvez depois de feita essa experiência, se esteja disposto a
arece que
pagar menos caro para dominar o gozo daquele Outro, ou pagar menos caro
ontagem.
para proibir-se a si mesmo o gozo daquele Outro, na medida em que aquele
Outro é somente uma inchação. Mas eu não penso que a experiência de
uma análise possa permitir uma mudança de estrutura.
em esquecer o
sejamos uma JAI RO GERBASE - Vou formular então minha pergunta de maneira
~ísticamente) e, direta: então a perversão é um laço social? Sim ou não?
e dizer,
ida social, CONTARDO - Sim, eu acho, até que é o laço social, no sentido, diria eu,
l. nossavida corriqueiro do laço social - o que faz com que as pessoas se associem.
odos Faço essa colocação porque quando Lacan diz "o laço social é um fato de
agem perversa. discurso", ele utiliza esse termo num uso inteiramente específico
e diferente do sentido comum de laço social.
institu ição,
e perversa? JAIRO GERBASE - Eu acrescentaria apenas se, quando o Sr. afirma que
sim, que a perversão é um novo tipo de discurso e até que é o laço social por
nso que a vida excelência, o Sr. se refere à estrutura perversa ou à montagem
conhecê-lo, perversa do neurótico?
ees de
ntagens CONTAR DO - Sim, é muito importante isso. Refiro-me à formação
perversa, quer dizer, a complacência neurótica para com a montagem
perversa. Penso que haveria montagens perversas, que o nosso laço social
uito minha cotidiano seria uma montagem perversa, mesmo que não houvesse perversos
ensando de estrutura. Não é necessário que haja um perverso de estrutura para que
se o Sr. dois neuróticos façam um casal perverso - perverso no sentido de
o. É isso formação e não de estrutura. Posso dar um exemplo banal, banal, diria eu,
porque pertence a fenômenos da vida amorosa banal. Uma posição, diria
assim, de complacência histérica, como esta palavra do amor tão
corriqueira que uma mulher diz para seu homem: "faça de mim o que
s perversas.
17 você quiser". Basta o homem acreditar nisso (e ela deve tê-lo encorajado)
para que possam funcionar numa montagem perversa. Habitualmente isso
não dura muito tempo; apenas o tempo de um jogo sexual, porque a
estrutura histérica, se é somente da mulher, vai fazer com que, se o
homem acreditar nisso demais, ela diga-lhe: "você está pirado", ou seja, vai
mostrar-lhe sua castração, e tudo pára ai, como também pode não parar.
*
CONTAR DO - Não posso responder porque não se trata de um paciente. O
que me surpreendeu no caso desse rapaz, é que havia todos os elementos para
uma grande infelicidade neurótica, mas, o que aparentemente o subjetivava
era a sua função social de comerciante numa cooperativa de comerciantes.
A sua palavra de sujeito era aquela. É por isso que eu tinha o sentimento
que aquela montagem perversa, ou seja, aquela montagem associativa,
dava-lhe uma subjetivação de troca (falso self).
m paciente. O *
elementos para
o subjetivava CONT AR DO - Não. Lacan escreve desta maneira, em função do
ornerciantes. (D O 3l. E a posição propriamente neurótica do fantasma, quer dizer, à
;entimento Demanda do Outro, com relação à qual deveria normalmente me oferecer
xiativa. como objeto, eu respondo com palavras, ou seja, pelo gozo fál ico ( $ ).
Respondo em nome do pai, em nome daquele que eu chamo
para me defender contra essa Demanda. É isso que devemos chamar de
, Charles fantasma do neurótico, vocês vêem, trata-se de um fantasma solitário, quer
sdo até dizer, o neurótico está aí enquanto singular, face a seu Outro. Não
lue uma das é um fantasma que se possa entrar mais de um.
,etomar
'0 com o que O que me interessa é a maneira como o neurótico pode chegar a entrar numa
montagem perversa que lhe torne possível uma vida social, ou seja,
prender-se cçrn outros numa mesma montagem. Mas existe realmente
o lado do um fantasma neurótico. Por exemplo, quando dois neuróticos dormem na
osto. Há, no mesma cama, cada um a título de seu fantasma neurótico - é verdade que
Jeito ao lado não há relação sexual - cada um faz amor com o seu Outro. E normalmente
mca é cada um fala com o seu Outro. E é tudo o que acontece. Por isso entrar
prática numa montagem perversa é tão tentador.
~algo que se
urer dizer, Para colocar o que acabei de dizer me inspiro mais num escrito de Lacan
iue isso se que se chama "Subversão do sujeito e a Dialética do Desejo" do que
ue está no Seminário sobre a "Lógica do Fantasma" - porque no Seminário sobre a
"Lógica do Fantasma" o que me interessa sobretudo é a dedução
lógica do objeto "a".
ecessário
3, é algo Vocês sabem que não devem confiar nos títulos dos Seminários de Lacan,
e porque com raras exceções, como no "Seminário da Angústia", Lacan não
a perversa. fala nunca daquilo que está no título, porque do título ele
sempre diz "eu falarei amanhã".
I PARTE
Por isso vou propor uma espécie de nosografia, e de qualquer modo isso nos
permitirá, amanhã, falar mais precisamente da prática, ou seja, o que
nós esperamos de uma psicanálise. Então, ~ara dizer-Ihes como eu articulº-
fantasma e sintoma, vou ser obrigado a considerar as coisas de muito
longe, ou seja, daquilo que me parece ser ~ origem da estrutura. A origem,
entre aspas,já que se trata de uma oriqem jn ítica e não genética.
O fato de que "isso fala", tem uma consequência que Lacan destacou: se
"isso fala", "isso deseja", se "isso deseja", não significa que isso deseja
alguma coisa. ~ um problema constante na psicanálise. A linguagem comum
nos faz pensar o desejo como desejo de alguma coisa. Mas o desejo não
implica em nenhum objeto como alvo a ser alcançado: cata que haja objeto é
preciso que o desejo se transforme em demanda.
23
Se simplesmente "isso fala", "isso deseja" (mas ninguém sabe o que isso
. deseja), e como simplesmente há desejo, a posição do sujeito frente a
esse desejo é inteiramente indeterminada, enigmática. O corpo do sujeito é
alguma coisa frente a esse desejo. Se eu escrevo pequeno .a no sentido
do objeto, é alguma coisa no sentido do nada.
Se há desejo ($), portanto, deve haver lugar de saber (S2), um lugar onde
estão depositados os significantes, que faz com que um significante (SI)
possa produzir sujeito. Mas esse saber não é absolutamente enunciável, é
) simplesmente o fato de, por exemplo, nós supormos que a linguagem está
1 entre nós. Não é enunciável, porém, é um saber.
24 ~5
o que isso Este saber suposto (S2 ) sobre o desejo que apareceu no Outro ($) permitira
frente a uma operação, que já constitui.a estrutura propriamente dita, isto é,
o do sujeito é um laço entre o desejo no Outro e esse a. Com respeito a este, temos que
sentido recordar que se ele designa o corpo real do sujeito, esse corpo real é nada
face ao desejo, pois um é completamente heterogêneo em relação ao outro.
DO SUJEITO Penso que esta primeira operação é uma metáfora pela qual esse a igual a
a nada pode se transformar em uma significação em relação ao saber suposto
(S2) sobre o desejo que apareceu no Outro. Aqui eu escrevo uma fórmula
que é a da metáfora em .Lacan.
a, 1 (~)
nicialmente, a
m lugar onde Vejam que por uma simples primeira operação, que naminha opinião é
ificante (SI) universal, já há um efeito de homo eneização entre o sujeito e o Outro,
enunciável, é Qor ue do lado do Outro é linguagem e do lado do sujeito não é mais o reaL
inguagem está ~o~eu corpo e sim uma~ignificação, algo da ordem da linguagem.
~
I
I
I
.l. (significação
I
nguagem- a / ,,
I
.h mínima indeter-
I
existir minada)"
Esta primeira operação tem um efeito imaginário: mesmo que essesaber seja
indeterminado, o simples fato de supor que possa haver saber sobre o
desejo no Outro, transforma essedesejo em uma Demanda, porque se
"isso quer", em algum lugar se deve saber "o que isso quer". Então, "isso
quer algo", ou seja, essedesejo é uma Demanda.
t
o importante é que essa Demanda me seja endereçada. Essaprimeira
operação é o que faz com·que essedesejo no Outro me diga respeito. É algo
muito importante, pois eu creio que sem isso não se pode viver.
) do Sujeito "Seria melhor não ter nascido", porque é fundamentado num raciocínio
falso: é que se eu não tivessenascido, não haveria desejo no Outro e
nííicacão mínima portanto, nada faltaria ao Outro. Trata-se de uma defesa que volta, de certo
go objeto modo, para o Outro e que é fundada na idéia de que haveria desejo
naginário inde- no outro porque há sujeito.
srrninado
Costumo dizer por isso que os autistas são teólogos, porque colocam de
Simbólico e maneira perfeita.o problema teológico segu inte, como vocês sabem:
mente se Deus é perfeito, porque então precisou criar? Ou seja, se há criaturas é
, do sintoma - no porque Deus é imperfeito. O raciocínio autístico é esse. É um raciocínio
teológico, porque ele tem por consequência que para restabelecer
a perfeição de Deus é preciso que não haja criatura.
ls vêem, a
corno objeto As duas outras estratégias de defesa são, a defesa neurótica e a defesa
r suposto do psicótica, pois eu acredito, com Freud, que as psicoses são também
estratégias de defesa.
27
~ Tomemos a estratégia neurótica. Ela vai no mesmo sentido daquilo que já
foi falado: é preciso (e é isso que vem espontaneamente) determinar
a Demanda do Outro para poder sair de uma posição objetal indeterminada.
É preciso poder responder à questão "mas o que é que isso quer de mim,
o que isso quer que eu seja?" ...
Desta nova metáfora vamos obter uma nova significação, determinada, assim
como é determinado o saber suposto a um pai. Voltaremos depois sobre a
ligação de tudo isso com o sintoma, sobre o tipo desta significação e
do gozo a ela ligado. Antes disso, porém, vamos nos deter sobre a
consequência desta segunda metáfora: se o saber determ inado é suposto a urr
sujeito que segura a defesa contra a Demanda do Outro, este saber é limitado
- por exemplo, um saber sexual. Sendo limitado, este saber transforma
aquilo que era a Demanda indeterminada do Outro em uma Demanda
determinada, dominada pelo saber do pai.
DEFESA ------------------~----------------------
Saber +- S2 O
a
•
I
s (significação fálica)
determinado [O
suposto
ao Pai ~ O a
determinada
o determ inado
I
") Se o saber suposto ao pai pode dominar a Demanda, que era indeterminada,
então essa Demanda torna-se determinada tal como o saber do pai pode
dominá-Ia. Com essa Demanda vamos poder jogar, jogar naquilo que
chamamos habitualmente fantasma. Vamos poder nos situar como
objeto determinado face a essa Demanda, não arriscando nada, porque
28 ela é determinada pelo saber suposto ao pai, saber que dela nos protege. 29
.t: ~ _.__ -----
:laquilo que já Então, podemos jogar tranquilamente, porque não é mais a Demanda
terminar indeterminada que podia nos absorver.
I indeterminada.
quer de mim, A neurose é muito difícil de se viver porque a decalagem * entre o saber
suposto ao pai e a demanda indeterminada do Outro (da qual
esse saber é considerado como podendo nos defender), fica evidente para
va metáfora. todo neurótico. "De pai nunca se tem o bastante", porque simplesmente
)r um sujeito supor um saber determinado, com um sujeito determinado - por
er dizer, exemplo, o pai - é necessariamente supor um dominio restrito de uma
Demanda, Demanda que era total.
fipo,
er o domínio Essa Demanda não é apagada pela metáfora paterna. Por isso o neurótico está
sempre exposto à angústia. E não somente à angústia, porque no estágio
da simples metáfora paterna, a escolha, por exemplo entre histeria
eterminada, assim e obsessão, ainda não está feita.
: depois sobre a
ificação e Trata-se de uma posição que eu chamaria de neurótica de base. De certa
sobre a forma é a simples sexuação, ou seja, sexuação macho ou fêmea na castração.
ido é suposto a um
te saber é limitado Seria preciso mostrar como a metáfora paterna é algo que se pode ler nas
~rtransforma fórmulas da sexuação de .Lacan. Para tomar somente as duas primeiras
a Demanda linhas de cima:
Homem Mulher
.ito
3x !~ 3x !~
nrninado
tJx !~ ~x !~
Do lado homem, há ao menos um que não é castrado, 3x ao menos !~
um pai, ao menos um que pode dominar a Demanda do Outro. Do lado
scão fálical
.mulher, não há nenhum que escape à castracão 3 x É muito!~.
interessante, porque esquecemos muitas vezes, quando falamos das
fórmulas de sexuação, que esses dois lados andam juntos, isto é, não há
homem sem mulher e, mesmo que se seja sexuado do lado homem,
sabemos que há outros que são sexuados do lado mulher. Há uns, pois - e a
era indeterminada,
histérica não pára de lembrar isso a todos os homens que ela encontra -
er do pai pode
para quem ninguém escapa à castração.
iaquito que
uar como
nada, porque * N. da T. A tradução mais próxima seria "defasagem", ainda que não dê totalmente o sentido do
Ia nos protege. 29 "decallage", Por isso optamos pelo neologismo.
É uma maneira de dizer que a sexuação, na medida em que é dupla, mostra
já toda a fraqueza da defesa neurótica, ou seja, da suposição de um pai
não castrado. A fraqueza é que simplesmente há uns que são mulheres, que
são sexuados do lado mulher, e os homens não podem ignorar isso.
Os únicos que ignoram, diga-se de passagem, são os perversos. Os perversos
são todos os sexuados do lado homem, por uma razão simples, pois, como
vimos ontem, a perversão não suporta falhas no dorrunio da Demanda do
Outro; portanto, se são todos sexuados do lado homem, nada
questiona a posição do p_aie de seu saber.
De outro lado, temos o que se chama fobia de espaço, por exemplo, a fobia
das janelas abertas, que como vocês sabem é uma atração para atirar-se janela
afora. Outra fobia magnífica, porque poética, é a fobia do vento,
é a fobia de ser levado. Na fobia do espaço, o que o fóbico teme? É que
se o pai não faz bastante medo, vou me encontrar no lugar do objeto
(objeto da Demanda indeterminada do Outro) ou seja, se o pai não me
defende, eu vou ser levado pela Demanda indeterminada do Outro.
E o fóbico está sempre entre os dois palas, como dizia antes.
dupla, mostra êAcho que essa é a posição neurótica de base. O que se chama depressões
de um pai neuróticas, por exemplo, termo comum na Psiquiatria, embora esta não
mulheres, que saiba o que fazer com elas, já que não cedem aos anti-depressivos, são
depressões muito severas. São neuróticos que, nesse quadro, estão
sr isso.
muito fortemente a par da fraqueza da metáfora paterna (fraqueza
;. Os perversos
verdadeira, já que, como vimos, o saber suposto ao pai é sempre parcial).
3S, pois, como
repetindo, estão tão a par dessa fraqueza que se encontram reduzidos,
Demanda do
de maneiras diferentes, à posição de objeto da Demanda
Ia
indeterminada do Outro.
Mas não vou entrar agora nos detalhes das estratégias histéricas e
obsessivas. O que me importava era, propor-Ihes esta idéia de uma
neurose de base.
Vamos parar por aqui. Falaremos disso noutro momento. Mas, (para Ihes
dizer isso de um modo simples), é melhor ser submetido a obrigações
sexuais, digamos, masoquistas, vestir-se com um colete de couro
toda noite, etc ... do que receber bronca no trabalho todo dia. Significa
que o sintoma tem um núcleo sexual e que isso prolifera.
Mas, ao mesmo tempo, essa origem, esse nucleo sexual do sintoma que
é o saber suposto ao pai, determina a Demanda imaginária do Outro,
em relação à qual somos um objeto determinado, o que nos
permite uma prática do fantasma.
32 3
da do lado S2 E5 = 1
l que não 2) a • .h (sign ificação fá Iica)
do é dizer "se
eu sou aquela
~
~ndeter~inada o
posso o a (objeto determinado)
can podia dizer, (determinada)
Vocês vêem que as duas coisas são completamente ligadas ... Para mim,
icas e
não há outro acesso ao núcleo sexual do sintoma, numa análise, senão o de
le uma
tentar apreender qual e
a determinação imaginária do objeto do
fantasma. Se soubermos de que objeto se trata no fantasma praticável
de alguém, então saberemos qual é a Demanda à qua~ ele é confrontado e,
ue chamamos
consequentemente, teremos acesso ao saber que modela essa Demanda.
que força,
Teremos, portanto, acesso ao núcleo sexual do sintoma.
que cada um de
re supôs
E uma escolha na prática. No meu trabalho, por exemplo, eu caminho pelo
sso
imaginário, do ponto de vista tático, se assim posso dizer. Parece-me que o
3terminação
acesso que eu posso permitir ao paciente à sua determinação simbólica,
passa pelo reconhecimento de seu lugar imaginário no fantasma.
m saber sexual,
é bastante Para um neurótico não é uma coisa evidente, já que esse lugar está
3estende (como obviamente desconhecido. Quando ele fala de seu fantasma, como dizia
dizer? Quer ontem, fala do ponto de vista de sua significação de sujeito e não
o sintoma desde a sua posição de objeto. Apesar disso, creio que é por ai o modo
mais fácil de apreender as coisas.
Mas, (para Ihes De qualquer forma, importa sublinhar o laço entre Demanda do Outro, tal
obrigações qual é modelada pelo saber suposto ao pai, e esse saber.
couro
I dia. Significa Tanto que é impossível dizer se operamos sobre o fantasma ou sobre o
sintoma. Tocar esse saber que comanda o sintoma é tocar nessa Demanda
que o saber modela. Tocar essa Demanda é também tocar nesse saber.
sintoma que
Ido Outro, Eu falei do fantasma, a respeito do que chamei fantasma praticável do
)s neurótico. Praticável quer dizer fantasma edfpico. Não quero dizer
fantasma incestuoso: quero dizer a posição de objeto tal qual é determinada
pelo saber suposto ao pai. Na realidade, considero que também se trata de
fantasma na relação desse objeto indeterminado à Demanda indeterminada.
Agora, no que diz respeito à questão do recalque, penso que na defesa, isto
é na metáfora paterna, esta metáfora que supõe um saber (lugar a partir
do qual se opera a determinação simbólica), creio que se trate do
recalque secundário.
Vocês sabem que Lacan, quando, em controle, lhe falavam coisas desse
tipo "é certamente a mãe devoradora", ele respondia: "o que é certo
é que seu paciente não disse isso".
É a respeito do que você falava do analista, pagar para ser analista. Lacan na
"Direção da Cura" fala disso também. Mas agora você evoca a possibil idade
de um analista psicótico, A sua posição à respeito, de como opera essa
relação do anal ista como objeto causa para o anal isante, e ele sendo
psicótico, perverso, neurótico, de que maneira ele pode, digamos assim,
operar nesse lugar, como objeto a, se a relação de gozo que ele
tem é diferente, por exemplo.
CONTAR DO - Será mais fácil para mim responder amanhã, porque para
poder fazê-Io preciso primeiramente situar a psicose no meu esquema e em
segu ida defender esta idéia que eu defendo, que uma psicanál ise - não
uma terapia - uma psicanál ise da psicose é possível; é possível para o
psicótico fazer uma análise acabada, condição para que ele se torne analista
A partir desses dois pontos eu poderei responder. Mas amanhã eu falarei
precisamente da maneira como eu vejo o fim de anál ise e, por consequênci
36 como o fim de análise situa o analista. Prefiro esperar. 17
muitos analistas e *
istória
gar a permitir-lhe CONTAR DO - Um dos nomes do pai, não o. Então tome ios as linhas de
l-seque cima das fórmulas de sexuacão: do lado homem há ao 11)6 .• os um que não é
submetido à castração. Do lado mulher, não há nenhum. Para aquela que é
sexuada do lado mulher (eu disse "aquela" mas poderia muito bem ser
una, ou seja, se a um homem), saber que não há nenhum, significa poder se sustentar com um
IS aceitar que essa gozo diferente do "gozo fálico". (o gozo que nos permite a posição
I nós neuróticos, paterna). Ora, o movimento histérico é reinvindicar esse gozo outro que
itrênico fala que fálico como o que justamente prova que o pai não o é; que há alguma coisa
/oradora que ele não sabe dominar, já que justamente não se o reconhece, e que
aranha, o acesso a um outro gozo é possível.
A partir disso, a histérica "conclui" que ela conhece o que escapa ao pai,
I coisas desse como, por exemplo, "o que é a mulher", e então, se ela sabe o escapa
nre é certo ao pai, é ela quem de direito pode ocupar esse lugar.
Do lado da histérica, obviamente não é fácil sustentar esse lugar e ela nunca
uto poucos vai parar de se perguntar "o que é a mulher" que ela pretende ser. Do lado
ltra-indicação. homem, o que vai acontecer é que ele vai considerar a mu Iher como a
depositária de um saber sobre o gozo do Outro, que será um saber mais
"forte" que aquele do pai, já que é um saber que saberia também o que
íncia, eu fiquei com escapa ao pai. Será que estou lhe respondendo?
tinente fazê-Ia
tema... **
analista. Lacan na cONTARDO - Acho que há diferença, você tem inteira razão em apontar
ca a possibiIidade isso. A prova é que os fenômenos fóbicos são muito frequentes na histeria.
10 opera essa A diferença que eu faço é a seguinte: a posição fóbica se detém no que
ele sendo acontece na sexuação, ou seja, no fato de que não há nenhum que escape
igamos assim, à castração. A histeria começa quando se acrescenta, "se sou eu que sabe
e ele isso, posso me colocar nesse lugar".
**
cONTARDO - O que ela sabe do fato da sexuação, por assim dizer, é que o
pai é castrado. Isso já foi dito pOF Freud a respeito da castração feminina.
O que ela vai ter que incrementar para se colocar nesse lugar está como
dizia, no registro da máscara, ou seja, ela vai se apresentar como o lugar ond
está o falus, como sendo o falus, isto é, o falus que ela sabe faltar ao pai.
porqueeis a Para começar, vou responder a uma pergunta que me foi colocada hoje de
. É aosolhos do manhã. Era a propósito da inibição; evidentemente, já que eu falei do
J seja,um sintoma, da angústia, a inibição vem em seguida.
Paraela, a
Eu creio que a inibição está no mesmo registro do sintoma, e essaé também
a posição de Freud. Eu penso que é um sintoma especificamente neurótico
porque, se tomarmos a inibição, por exemplo, da neurose obsessiva -
pois é o mais frequente ~ vê-se muito bem como isso funciona. apoio
dizer, é que o paterno é também o lugar onde se constitu i o ideal do eu. O problema do
ãofeminina. ideal é que não há nada mais incômodo do que conseguir atinqf-lo, pois
estácomo se se atinge o ideal, então não se o tem mais. A única maneira de preservar o
no o lugar onde ideal do eu é impedir-se de atingí-Io. A inibição obsessiva está sempre
iltar ao pa i. nesseregistro, ou seja, é preciso tentar agradar os olhos de seu ideal mas
tem-se que cuidar para não alcançá-Ia. A inibição para a escrita, por exemplo,
nunca é tão temível como no obsessivo cujo avô tenha sido
um grande escritor ...
Acho intessante notar também inibições no campo fóbico. Isso não quer
dizer que a fobia seja uma inibição. Não se deve confundir uma fobia de
objetos cortantes, por exemplo, (que sempre está, como eu dizia, relacionada
com o significante paterno, com o qual o fóbico tenta amedrontar-se) com
uma inibição. A inibição na fobia aparece cada vez que se teme colocar em
perigo o pai. O que dizia esta manhã é que o lugar paterno está
exposto justamente na fobia. Por consequência, vemos como a inibição
intervém por medo de tocar o ideal.
39 • N. da R. Aspas do Autor
Uma segunda questão colocada esta manhã era em torno do fato de que eu
não falei da categoria do Real. Voltarei sobre isso amanhã, mas, vocês já
podem ver, se se lembrarem do esquema de hoje que a posição objetal
primeira do sujeito, aquela na qual o objeto seria "nada", trata-se
propriamente do real, do real do corpo. E no segundo tempo do
fantasma, isto é, objeto indeterminado, algo face à Demanda indeterminada
do Outro, trata-se duma posição de objeto imaginária, na medida em
que o objeto é oferecido a uma Demanda imaginária, mas também real,
no sentido propriamente Lacaniano. E isso é sensível, pois, como vamos
ver em seguida, na crise psicótica, vê-se bem como o sujeito se faz
oferenda real duma Demanda imaginária. Pensem, por exemplo, nos
fenômenos de auto-mutilação da esquizofrenia e também nos de saco de
objetos, quer dizer, o paciente se apresenta como um saco que contem
seu corpo despedaçado, esperando que o outro meta a mão e se sirva. A
dimensão da oferenda é real, mesmo que seja feita para uma
Demanda imaginária.
Isso é engraçado, mas o lado menos engraçado foi que se acreditou que, face
iuito rapidamente à ausência de simbolização, era preciso responder, na cura, com uma espécie
.ose. como a de simbolização forçada; dizia-se, por exemplo, que com o psicótico é
J seja, a ameaça preciso ter pulso, desempenhar o pai severo, como se se pudesse, na
cessode defesa transferência, suprir a ausência de simbolização. Só colocando-se no lugar
:0, que vai de Deus para acreditar nisso.
conta do sujeito.
lt ~ca.Trata-se 'Oque quer dizer, portanto, forclusão do nome do pai? Não é a forclusão de
um significante determinado - leiam novamente o Seminário de Lacan
sobre as psicoses. Trata-se do fato de que o Sujeito não consegue se inserir
mitam uma numa filiação, seja ela paterna ou não, pouco importa. O que
)ssacl ín ica é significa inserir-se numa filiação?
s manifestações
I relação do sujeito Sabemos bem o que isso quer dizer para o neurótico: no campo da linguagem
so somente ter-se-à um polo, a partir do qual tudo toma significação. O neurótico
gnóstico a estabelece seus valores, suas significações ditas fálicas, medindo-os
sempre no metro-padrão.
iusência de todo Vocês conhecem aquelas tabelas de medir distâncias entre as cidades: há uma
dírios, lista de cidades na vertical e outra na horizontal e, fazendo-se um
minha experiência 41 cruzamento, se obtém a distância entre as duas cidades. O neurótico é um
centralista, quer dizer, se estivêssemos na França, haveria na horizontal
uma cidade só, Paris, e todas as distâncias às outras cidades se mediriam
somente em relação a Paris. Então, para calcular a distância entre
\ Toulouse e Montpellier, somente se poderia fazê-Io com relação a Paris.
r
~ Este ponto de referência único é o que falta no psicótico.
Penso que o que Lacan fala na "questão preliminar" ... não é tanto da
estrutura psicótica mas sobretudo do desencadeamento da crise psicótica.
De onde ele parte, do ponto de vista da evidência clínica? Ele constata que,
quando a crise psicótica se desencadeia, há sempre apelo ao nome do pai.
Se um sujeito que não dispõe do registro de filiação for obrigado, por uma
injunção, a reportar-se ao polo paterno, que para ele não é simbolizado,
o seu mundo desmorona.
o que acontece é que dentro de seu saber ele não encontra um significante
que possa desempenhar esse papel. E nessemomento verifica-se o que é
chamado de crepúsculo do mundo, porque o saber que até ai
segurava e organizava o seu mundo desmorona.
Diagrama
NEUROSES PSICOSES
-
Histeria Pai enfraquecido ) do delírio c
Q)
- pobreza de alucinação
'-
o
N
auditivas
::::l
- riqueza de alucinações o
~
cinestésias, visuais.
}
- facilidade de constituição .~
-----------, . do dei írio -o
c
Obsessão eu
Pai incastrado ) - alucinações auditivas '-
eu
Q.
---------~ - pobreza de alucinações
visuais
6
Fobia Pai constitucionalmente
insuficiente
- abandono objetal a
Demanda do Outro(depressão)
-~o
c.
eu
E ..
ID
Neurose de Pai terrificante - excesso de significação Vl
o ,
"base" o
(mania) Vl
Q.t
Na minha experiência isso nunca falha. Tenho que levar isso em conta.
Então, essa é a idéia que eu fqço: o que foi forcluído, o pai simbólico
que vai voltar no real, não é uma abstração, não é a simples função do pai,
46 e sim o pai tal como a neurose do Outro já o tinha preparado. É o 47
) no real, introduz que teria sido chamado, numa época pré-lacaniana, de neurose familiar.
e me levou Vocês entendem o que quero dizer?
;e esperar uma CONTAR DO - Você acha? Mas é preciso levar em conta o que se verifica,
ar uma psicose seja uma paranóia, uma esquizofrênia ou uma psicose maruaco-depressiva.
Suponha que o pai torcluído seja o da histeria, e isto é notoriamente
o pai enfraquecido. O que vai acontecer no momento da crise, do lado da
psicose? O que é que define majoritariamente o que nós chamamos de
esquizofrenia? É que a alucinação prevalece sobre a constituição
do delírio. A reconstituição de uma fi Iiação com relação ao pai real é um
trabalho sempre a refazer; não é surpreendente se pensarmos que o
mstituição .~ pai que retorna no real tem a cara do pai histérico.
c
a.>
I....
ração '+-
o
O que é um pai de obsessivo senão um pai não castrável? O que se verifica
N na paranóia é o inverso da esquizofrenia, ou seja, uma primazia do delírio
:::J
ações o- sobre a alucinação, exceto a alucinação auditiva, que é justamente
C/l
a.>
is. a voz do pai. Então, constituir essa filiação, em função de um tal pai real,
J~
é algo que se torna sempre possível e coloca o paranóico ao abrigo da
stituição posição de oferenda real à Demanda do Outro.
-o
c
:ivas ~ No que diz respeito à fobia, vimos esta manhã que o próprio dela era o lado
m
Q.
iacões duplo: de um lado um pai que se quer terrificante e de outro lado um
medo da sua fraqueza, medo de ser levado pela Demanda do Outro. Era
6 disso que eu falava à respeito das fobias de espaço.
o
Ia ,~
(depressão) ceo Vê-se bem que na psicose maníaco-depressiva o ciclo de excesso de
E ~
ch "ü) significação da mania corresponde a esse tipo de presença paterna tendo
C/l CI)
cação o ~ significação demasiada; a fase depressiva corresponde realmente à
.~ Q.
C/l a.> identificação ao objeto, num silêncio deste pai.
Q. "'O
Sou forçado a pensar que o pai que retorna no real, na crise psicótica,
) no Real, na
retorna inclusive com o que fazia a sua especificidade num quadro neurótico,
a do lado
que é aquele ao qual o sujeito teria sido destinado se fosse um neurótico.
cONTARDO - (lendo uma pergunta que foi formulada por escrito) "Será
em conta. que, numa relação terapêutica com psicóticos, não se realizaria uma
iirnbólico
montagem perversa igual à que falamos ontem?" - Acho
função do pai, inteiramente verdadeiro.
). É o 47
o psicótico (cujo mundo, que era organizado pelo seu saber de defesa, entra
em crepúsculo, na crise) tem que lidar com um Outro, o Outro da Demanda
indeterminada, um Outro que ele considera como sabendo o que ele quer;
não que ele supõe saber, mas um Outro ao qual ele atribui propriamente
o saber sobre o que ele precisa. Contra este Outro ele vai tentar
eventualmente elaborar um dei írio, quando o pai que retorna no real
lhe permite isso.
Falar é muito perigoso porque tudo o que se pode dizer é ouvido como um
imperativo superegóico, um mandamento direto, cujos efeitos são
imediatamente reais. Eu me lembro de uma paciente que me ensinou isso;
devo dizer que eu tinha cortado sua frase, interrompendo a sessão.
Ela não compreendia que a sessão havia terminado (eu era um analista
iniciante, ela era minha segunda paciente, um verdadeiro presente, ai iás).
Bem, eu pensava que lhe fazia uma interpretação e quando ela me disse
"o que está acontecendo?" eu falei "cortamos aqui". Ela foi para a
minha cozinha e cortou o braço com a primeira faca que encontrou.
Aprendi, logo, o que é esse tipo de transferência.
Temos outra pergunta sobre o que se deve entender com dei írio de
quizofrên ico qualidade. !: frase de um amigo; deve ter falado assim para se sair bem
ssaDemanda naquilo que ele queria me dizer. Mas posso dizer o que eu entendi: creio que
) sujeito que se se trata de um delírio que permite ao sujeito obter uma significação viável
srarn a no mundo e estabelecer uma forma de filiação, mesmo se for uma
ite estado, filiacão com relação a um pai real. Permite portanto, não estar exposto todo
. falar é muito o tempo ao retorno alucinatório de sua própria posição de objeto
frente à Demanda do Outro.
Mas a questão que eu me coloco: o que vai fazer retorno, já que isso não e
no simbólico? O que respondo: o que vai fazer retorno no registro
do real é uma figura do pai da qual decide aquilo que é a neurose do
Outro do sujeito. Não é absolutamente uma ótica pós- Kreschmeriana. Não
/ é disso que eu falo. O que digo é que o pai que retorna no real não vem
do céu, vem realmente do Outro tal como está aí para o sujeito.
l:preciso compreender que ele retorna no real para o psicótico. que não
pode simbolizá-Io, mas não retorna como a estátua do cornendador em
D. Juan. Quero dizer que ele não é real - retorna no real - e o que
retorna é um pai simbólico e imaginário, delineado pelo que era chamado
antigamente de neurose familiar, ou seja, o Outro do sujeito.
50 Será que me expliquei? 51
Ó de linguagem, AUR~LlO SOUZA - Tenho outra questão para colocar, é a respeito de
sa por outro quando você falou sobre a metáfora delirante. O psicótico trata de constituir
Je Lacan uma filiação a partir não do significante, mas de outra coisa que você
nto da colocou, o pai real. Fico com uma dúvida, porque, em dois momentos
diferentes, Lacan conceitualiza esta entidade, o pai real, de duas formas
diferentes, na minha ótica. No seminário sobre relação de objeto, ele fala
ento, o trabalho que há uma tendência a se ler o pai real de uma forma muito
há uma
semelhante a um certo pai que poderia existir na realidade. Mas a partir
personalidade. do momento em que ele estabelece com mais precisão os operadores
real simbólico e imaginário, nos "Quatro Discursos", diz que o pai real é
espermatozóide, alguma coisa de irredutível.
dissipar
a. E a respeito Então eu lhe pergunto se na metáfora delirante, o que o psicótico toma
o que
para constituir como uma filiação não viria através de uma disposição
ite diferente
do imaginário e duma montagem mais do que do pai real.
disseque CONTARDO - Sim, talvez eu possa ter dito isso, mas é um risco da palavra.
ie poderíamos ~ verdade o que você está falando sobre as duas posições de Lacan, do
com pai real como gerador, mas de minha parte, acho que o termo pai real deve
unos ser reservado ao pai da horda primitiva, anterior ao assassinato. É o tipo
Je não está de pai que o fóbico evoca, ou seja, o pai que seria o agente da castração.
so que
Mas creio que na constituição do delírio, não se trata do pai real e sim do
retorno no real de um pai que é simbólico e imaginário. O que quer
irn ou
dizer no real? Para dizer de uma maneira bastante simplista, uma filiação no
rovoca a crise,
simbólico seria: há um significante um e as significações se ligam a esse
3r
significante. Agora, se estivermos numa rede na qual este significante falta,
I não no sentido de que teria o seu luqar vazio, mas no sentido de que a rede
ue isso não está
istro
rrose do
neriana Não
r
.
g ermitiria todo tipo de circulação ... E por isso que falo da definição
positiva da psicose; creio que o saber de defesa do psicótico não é
deficitário por SI mesmo - não que o pai lhe falte - ele é organizado sem
. ferência única. .
I não vem Quando a crise se desencadeia, a injunção de organizar esse saber com
10.
relação a um centro normalmente provoca o que se chama de crepúsculo,
ou seja, o fato de que todo esse saber vai embora.
o, que não
Jador em A partir disso, o trabalho de delírio vai ser organizar o saber em torno de
o que
alguma coisa que não pode ser um significante, quer dizer, religar
ra chamado
significantes a algo que é de outro registro. E não porque seria o pai real
(é 'um pai simbólico, é realmente um significante), mas porque retorna em
51 outro registro, no Real. :;ignifica que não se consegue religá-Io
,.
a outros significantes. E o dei írio é o trabalho de Iigação, de tentativa
de ligação entre essas duas coisas heterogêneas.
Por que se poderia dizer, por exemplo, que as memórias de Schreber são u
texto delirante? Talvez não seja mais delirante do que qualquer texto.
religioso. !:delirante porque aquele pai, altamente simbólico que é Deus,
retoma para Schreber no Real. Para conseguir ligar um mundo de
significações a alguma coisa que seja um significante, mas que para ele é
desligado de qualquer significação, ele fica obrigado a inventar um
sistema totalmente extraordinário.
Não é por acaso que mu itas vezes os dei írios paranóicos insistem sobre a
questão da transmissão, os raios divinos de Shreber, por exemplo. Ouantas
vezes um dei írio paranóico trata de raios, de influências, que seriam ao
mesmo tempo simbólicos e reais, embora invisíveis? Eu acho que
isso coloca bem qual é a dificuldade em jogo num delírio. Trata-se de
ligar algo que é simbólico para nós, mas que para o sujeito está no Real.
Está respondida?
Acho que vocês podem perceber, seria por este viés que poderíamos cercar
melancolia neste lugar, como se - não sei se você vai concordar com isso-
o sujeito, reduzido à sua posição objetal, estivesse num luto impossível
do pai que o reduz a esse lugar, que o reduz a esse lugar por sua deficiência.
52 E, afinal de contas, a sua própria depreciação se torna um tipo de 5
------ -- -
le tentativa culto de si mesmo como dejeto. Acho que isso entra nesse trabalho
impossível do luto.
Schreber são um Mas precisaríamos, em duas palavras, ver o seguinte: vocês percebem porque
quer texto aí, do lado da esquizofrenia, o pai fraco, pelo fato de sua fraqueza imaginária,
:0 que é Deus, que volta no Real, dá lugar a uma abundância alucinatória? (Alucinação
ido de significa surgimento, diante do sujeito, do objeto que ele mesmo é).
ue para ele é
itar um Do lado da histeria, a relação do sujeito com o objeto é de outra ordem, ou
seja, não é uma relação de identidade, enquanto que a posição fóbica
oscila entre o que chamamos fobia do emblema e a identificação do
stem sobre a sujeito ao objeto (fobia de ser levado).
mplo. Quantas
e seriam ao E vocês encontram que a vertente depressiva da PMD, que não é alucinatória,
) que é justamente uma identificação à posição objetal, não um surgimento
rata-se de do objeto diante do sujeito.
stá no Real.
Poderíamos continuar, mas seria preciso estender o esquema. O
que você estava pensando sobre melancolia?
a, nesse
SO LANG E MA TTOS - O que me interessava era, conti nuando nesta
ótica, encarar o esforço para sair da melancolia, que é uma
Izinha. Eu passagem ao ato ...
a seu
lpressões CONTARDO - Você pensa numa passagem ao ato suicida?
to neurose de
do lado SOLANGE MATTOS - Sim. Uma passagem ao ato suicida e até
homicida. Então, uma resolução no real.
pai volta
CONTARDO - Sim, isto está certo, a melancolia não é um delírio, no
sentido de que dizíamos antes, de constituição de uma metáfora delirante. O
que se suporta que me detém aí, é que há uma questão para a qual não tenho resposta,
3psicose . (porque sempre tenho mais perguntas do que respostas): se você se
eter-me sobre a interessa pela melancolia, gostaria de ter sua opinião à respeito; a melancolia
I é uma psicose inteiramente distinta de uma frase depressiva da PMD ou lhe
parece pensável que seja simplesmente a parada de uma fase depressiva?
íamos cercar a SOLANGE MATTOS - Fiz essa pergunta justamente para avançar
lr com isso - nesse tipo de questionamento.
1possível
a deficiência. AURÉLIO SOUZA - No seu texto que nos foi distribuldo, você fala de
de 53 um obsessivo que fica louco, mas não psicótico ...
,.
I
Para confirmar este saber, ele estava disposto a desempenhar o papel que
queria que sua mulher desempenhasse. Chegou ao ponto de dirigir-se a algo
- eu soube da existência na época - que se chamava o Clube da Fantasia.
Aparentemente isso existe e é dirigido por um grande perverso (um
verdadeiro). A gente paga a entrada, encontra aquele grande perverso,'e
expõe a fantasia que gostaria de realizar com o máximo dedetalhes. e
o clube a organiza. Então ele participou do clube, mas isso não foi suficiente
o que precisava era que sua mu Iher reconhecesse o valor daquele saber.
55
54
Eu disse que ele estava louco, porque quando veio me ver, estava
verdadeiramente mu ito mal; não podia falar, estava babando ... Dei-lhe
um copo d'água, e as primeiras palavras que me disse foram "eu sou
louco por ela". E ele tinha razão.
3ja,
CONTARDO - Você tem razão: é uma reação a uma leitura de Lacan, que
I. Isso não
vai para uma metafísica da falta, muito frequente na França, no inicio
mulheres
dos anos setenta. Acredito que na angústia, não se trata de falta de objeto,
uando o
mas sobretudo de um excesso de presença do objeto.
a ele
Não me lembro mais quem achou esta fórmula, muito bonita: "A angústia é
erversas
ser reduzido a seu corpo", naquilo que ele tem de real. Acho que é uma
le não tinha
fórmula bonita, no sentido de que se trata de ser reduzido a isto, que seu
110 que
próprio corpo se torna o objeto investido por uma pulsão indeterminada.
iomossexual.
Creio que a angústia, portanto, é um excesso de presença objetal, porque
acho que ela está face a uma Demanda.
apel que
jir-se a algo
A questão da perda do objeto está do lado do desejo. É por isso que nenhum
Fantasia.
objeto pode satisfazer uma Demanda. Quando se fala de perda do objeto, a
um
linguagem nos leva a pensar que um objeto teria sido perdido; mas a
verso.:e
questão é que o desejo é o efeito de uma falha que existe necessariamente
hes, e
entre dois siqnificantes, efeito da falha e não da falta de algo. Um objeto
foi suficiente;
se precipita nesta falha, na medida em que este desejo se transforma
~saber.
em Demanda.
Mas não há um objeto primeiro que teria sido perdido. Todos os objetos
são segundo em relação a uma falha, que é um fato de linguagem e não o
efeito de uma privação. Está claro?
CONTARDO - Sim. O lado indeterminado deste objeto ... Creio que o que
define a Demanda do Outro, aquilo contra a qual elaboramos nossas defesas,
é justamente que não sabemos o que o Outro quer de nós. Por isso a
defesa é sempre a suposição de um saber sobre o que o Outro quer de nós,
e, portanto, para poder determinar o objeto.
Na paranóia, o sujeito, por escapar à sua própria posição objetal, não escapa
à voz do pai. É por isso que na esquizofrenia as alucinações visuais têm
a primazia. ~
AURÉLIO SOUZA - Esse é um tema que várias vezes tem sido objeto
de discussão. É o que fenomenologicamente se apreende, num certo
momento de um paciente, e de um paciente histérico, que faz um quadro de
loucura. Ele exibe certos fenômenos que sugerem uma psicose. E na
psiquiatria existe uma facilidade para se classificar como psicose histérica. Eu
56 tenho sempre me colocado contra isso; trabalhando dentro de um critério de 57
objetos estrutura, eu acho que não é pertinente, desde que as coisas não
t e não o passariam por aí.
jeito.
A meu ver, quando isso se verifica, tanto na alucinação auditiva da obsessão
(ouvir realmente), quanto na alucinação visual da histeria, acho que deve
t;;,
tão escapa
acontecer algo como isso: o sujeito neurótico está em posição de dever fazer
apelo a alguma coisa do pai que não é simbolizado para ele.
/
Quero dizer, ele está submetido a uma injunção (é a minha hipótese no
momento), como um apelo ao nome do pai, mas que o força a se
Em geral,
referir a alguma coisa que não faz parte dos seus significantes paternos.
li no
Nesse momento, o que se verifica é um efeito de retorno no Real
que não investe na estrutura - já que está bem estruturado em redor
ojeto do pólo paterno - mas que tem toda aparência de um fenômeno psicótico.
to
quadro de AUR E:LlO SOUZA - Eu gostaria de colocar outra questão sobre isso,
1a que quando você fala na possibilidade de alucinações na neurose
istérica. Eu obsessiva, eu me pergunto se o neurótico obsessivo percebe que
critério de 57 não tem (pelo menos na maneira como eu defino a alucinação) esse caráter
cinestésico de alteridade, quer dizer, por mais extravagante que seja,
no pensamento que o parasita, ele sabe que é um pensamento que sai dele.
Vocês sabem que, mu itas vezes, é pelo murmúrio que uma alucinação
auditiva começa. Na idéia daquele paciente, esse murmúrio era uma voz que
vinha do sanitário (ele não acreditava nisso no sentido da crença, mas, era
uma teoria infantil: o sanitário se ligava com o mundo dos mortos). Ele
tinha ouvido o murmúrio, e eu pensei que era uma verdadeira alucinação, já
que isso acontecia num momento especial de sua vida (uma situação de
vaudeville). Ele tinha voltado para casa e tinha encontrado sua mulher
na cama com outro; sua reação tinha sido de se trancar no sanitário
e, naquele momento, ouviu o murmúrio. Creio que ele fazia apelo a algo
do pai que não podia responder, porque ele próprio era filho abandonado de
pai desconhecido, e tinha de sua mãe uma opinião bastante med íocre.
58
~seja, 3. Nosografia - Seria possível uma
tue sai dele.
Nosografia Psicanalítica?
éias
ladeira
, que
tiplo,
nação
rrna voz que
, mas, era
JSl. Ele
ucinação, já
scão de
urlher
mo
o a algo
Indo nado de
íocre.
Conferência realizada em 27.07.86, Salvador, 8ahia.
Há uma questão que fica ainda suspensa para mim: porque um sujeito
psicótico de estrutura pode atravessar toda a sua dolescência sem crise e, de
repente, aos quarenta anos, no momento de u ma pequena promoção no
seu trabalho (que lhe dá um pouco mais de responsabilidade, por exemplo)
porque é nesse momento que uma crise se desencadeia? Porque este apelo ao
nome do pai e não um outro antes? Acho que não tenho absolutamente
nenhuma resposta a respeito, mas é uma questão com a qual
deveríamos trabalhar juntos.
Vou Ihes dar um exemplo que me ocorreu que, como todo exemplo, é
evidentemente inadequado, mas que talvez possa melhor explicar o que eu
entendo com isso. Opai que retorna não é o pai real, mas o pai simbólico
com seus corolários imaginários, só que ele retorna no real.
Bem, suponham este exemplo: tomem alguém como nós, a quem se faria a
injunção de se referir a Buda. Se ele for um neurótico, pode perfeitamente
se tornar budista e mudar de sistema de referencias. Por quê? Porque
61 justamente todo interesse será de poder se servir do valor fálico, que é um
..
valor de intercâmbio. Ele vai simplesmente mudar de sistema de valores,
organizando esse sistema em relação a um significante, que dá sua
significação a todos os outros. Isso porque o falus é um valor de troca.
Por isso nós, os neuróticos, podemos, por exemplo, mudar de idéia, suportar
muito bem a contradição, podemos dizer a alguém "sim, errei, você está
certo", porque não está em jogo o nosso ser. O importante é que haja
alguma razão.
Suponhamos que essa injuncão "torne-se budista", incida num sistema que
não é organizado em torno de um significante, algo como o que eu dizia,
do saber de defesa do psicótico. O que vai acontecer será a necessidade,
para esse sujeito, de organizar significantes que ficarão os mesmos em torno
de Buda, mas sem que se mude de sistema. Quero dizer que os
significantes vão permanecer os mesmos, mas terão que se organizar em
torno de um significante estranho a esse saber.
Se há, portanto, um saber sobre esse desejo, uma metáfora é possível, dando
ao sujeito um rnínirno de significação x , a possibilidade de habitar a
linguagem ou, melhor dizendo, ser habitado por ela.
62 63
alores, Mas acrescentamos logo que a consequência desta primeira metáfora é que se
há um saber sobre o desejo no Outro. esse desejo pode ser uma Demanda. E
'oca com relação a essa Demanda, somos realmente algo, algo de indeterminado,
porque essa Demanda, ela própria, é indeterminada, ou seja, é total.
3, suportar
:ê está Esse ponto é muito importante - já o vimos - porque acho que é com
laja relação a essa Demanda (que conhecemos na experiência cl (n ica,
notadamente a da angústia) que as estratégias de defesa se organizam. Deixo
de lado a estratégia autrstica, que não é propriamente uma estratégia de
)
ema que '-' defesa, mas uma estratéqia de lástima, no sentido de lástima por ter nascido.
Jdizia,
íaoe. Vou tomar somente as estratégias neuróticas e psicóticas. repetindo essa idéia
em torno de que para mim, nos dois casos, se trata de defesa. Defesa fundada sobre
o mecanismo da metáfora, isto é, repetições da metáfora através de uma
Ir em suposição de saber que vai permitir determinar essa Demanda.
o saber suposto pelo neurótico é um saber que vai dar uma significação
I que é a particular, a fálica, porque é um saber sustentado por um sujeito suposto que
'icante. chamamos de pai. Um sujeito a quem supomos, quase sempre, um
~ão sei se saber sexual. Isto tem como consequência que o neurótico terá que Iidar com
o uma Demanda do Outro, determinada pelo saber que ele supôs ao pai, no
quadro sexual edipiano. Em relação a esta Demanda ele pode praticar o
fantasma enquanto objeto determinado.
Je
a Do lado da psicose, o saber suposto pela operação de defesa tem, na minha
opinião, esta particularidade, eu diria, positiva, de ser um saber que não é
essa \
) . organizado em torno de um significante, Um saber ao qual um sujeito não
jo, nada, é suposto - um saber total e não parcial. Eu disse de maneira um pouco
ilustrada, que o concebo como um tipo de envelope de escritura em torno do
n. próprio mundo. É como se esse saber fosse para ser lido diretamente nessa
Demanda. Não há o terceiro que a dominaria: a própria Demanda
entre dois deve ser legivel.
.ta
E vocêsvêem que a defesa neurótica vai do lado do dormnio da Demanda
neira
do Outro, graças ao recurso a um terceiro, enquanto que a defesa
psicótica não está do lado do dorrunio e sim do lado do saber.
Evidentemente esta é toda a fraqueza e, ao mesmo tempo, todo o lado
simpático do psicótico.
~I,dando
,.
CONTARDO - A escolha, o que decide a escolha ... a primeira resposta que
( me vem é que seria algo que já estaria no Outro. Mas o ponto é
absolutamente delicado, porque o termo escolha não é usado ao acaso.
~ O próprio Freud fala de escolha da neurose. É uma questão importante porq
podemos perguntar como, em psicanálise, onde verificamos uma
determinação simbólica muito forte, como e porquê podemos falar
de escolha.
De minha parte eu resolvo essa aporia da segu inte forma: se nós não
considerarmos que numa anál ise a responsabi Iidade do paciente está engajada,
é impossível conduzir a cura. Então devemos manter juntas essas duas
coisas contraditórias: o paciente é objeto de um destino; de certa forma
o que ele se tornou já estava escrito, porém, pelo seu destino ele é
responsável. Não é fáci I, mas há que se encarar os dois aspectos.
Então esta consequência, como vocês verão é, para mim, muito importante
na prática: o saber de defesa psicótico é uma espécie de película que envolve
a própria Demanda, contra a qual esse saber deveria defender o sujeito.
Ainda duas observações sobre este esquema, algo que já dissemos: tal
esquema tem o interesse de mostrar que sintoma e fantasma são
estreitamente Iigados, já que à cada ve~ o que decide o enodar fantasmático
é a determinação simbólica, ou seja, o saber que comanda o sintoma.
I
Não pode haver, portanto, anál ise do sintoma e anál ise do fantasma, pois se
trata da mesma coisa. Porque, como já disse, o trabalho do sujeito está
sempre no sentido de uma homogeneização do seu ser e do Outro. Do lado
do sintoma esta homogeneização é "real izada" no simból ico e do lado do
fantasma é "realizada" no imaginário *
É por isso que sintoma e fantasma são duas faces da estrutura, dando da
estrutura sua definição a mais ampla, isto é, a relação de um sujeito com o
Outro; o estado possível, para ele, dessa relação. É esse estado que a
transferência evidencia experimentalmente para nós.
~
Falo transferência num sentido um pouco mais amplo do que o sentido que
se lhe dá quando se fala da transferência como colocação em jogo do
sujeito suposto saber. A colocação em jogo do sujeito suposto saber
concerne somente a transferência neurótica, quer dizer, a única que se
deveria chamar normalmente de transferência.
64 • N. da R. Aspas do autor. 65
-:
/
posta que Eu prefiro falar de transferência de um modo mais amplo, mesmo, por
exemplo, no caso das psicoses. E certo que o psicótico se dirige a nós como
aso. o sujeito que sabe; nóssomos os que sabem e ele se dirige a nós como se
ante porque estivéssemos nesse lugar, já que o saber para ele está no lugar dessa Demanda,
o saber envolve esta Demanda. Prefiro falar de transferência também
nesse caso, porque a .partir dessa relação que o sujeito estabelece quando se
dirige a nós, é que o diagnóstico se torna possível em psicanálise.
tido que forcado a responder. Considerando o que podemos dizer, será possíve r J
Mas, enfim, se uma psicanál ise não serve para mudar de estrutura, qual é
então o seu alvo?
Minha resposta - vou dá-Ia logo e depois esclarecerei o que é, para mim,
o movimento de um tratamento - é que acredito que a psicanáLise
atinge a nece i ELdedefesa como tal (não a defesa, mas sua necessidade).
Minha idéia é que experiência de uma psicanál ise leva a esta constatação,
constatação que não está no registro do saber mas no da experiência - o
que é muito diferente - de que a operação de defesa não é necessária.
~ Isso não quer dizer que vamos poder abandonar as estruturas às quais as
defesas nos conduziram. Mas o sujeito vai poder estar na sua estrutura, como
num destino, cuja necessidade não é mais fundada pela operação de defesa.
Creio - para explicitar o que acabo de dizer - que numa análise, (tomemos
o caso de uma análise de neurótico) há dois movimentos, que não são
Iineares, não se sucedem, um não precede o outro," mas são dois movimentos.
ssern Lacan, a esse respeito também, acrescentou - eu até diria, descobriu - algo
um essencial, ou seja, que a redução do sintoma ao seu núcleo é absolutamente
IS
impossível pelo viés de uma hermenéutica. Por que? Se para reduzir o
Ise sintoma ao seu essencial, ou seja, se, para reduzir ao essencial o saber
suposto que nos comanda, usamos algo que é um saber, então não
poderemos senão acrescê-Io. O saber que vamos fornecer ao paciente dentro
é de uma hermenêutica interpretativa vai se acrescentar ao saber que comanda
o seu sintoma, e o resultado de um trabalho hermenéutico será então o
acréscimo do sintoma. Inclusive o que chamamos a interpretação
1,
significante: se ela se tornar uma hermenêutica, terá exatamente o
mesmo resultado.
adejo
ío, Dizer a alguém que, ao esquecer seu guarda chuva, está perdendo seu pênis,
o é da mesma ordem que dizer ao perder seus sapatos (chaussuresl. que
está perdendo coisas seguras (choses súres). É sempre uma hermenéutica. Por
isso a interpretação significante está sempre, como dizia Lacan, no registro
do mal entendido, ou seja, ela não deve chegar como saber, pois seu efeito
como só tem interesse na medida em que racha o saber.
esa.
Isso não significa, diga-se de passagem, que, numa análise, não sejamos
levados a produzir interpretações hermenéuticas - nós o fazemos sempre,
de uma maneira ou de outra. Se uma interpretação hermenêutica tem um
efeito - um efeito na redução do sintoma - não é graças ao saber que ele
mos produz e sim ao lugar ativado na transferência, por nossa enunciação.
Vocês vêem o quero dizer: mesmo uma intervenção, que pode parecer
hermenêutica, tira o seu valor não do saber produzido, mas do lugar ativado
na transferência.
I
identificação ao sintoma como firrr possivel de um tratamento, (ou
talvez à uma identificação ao sintoma de outro tipo, da qual fala l.acan).
Uma vez que o sujeito esteja no essencial do seu si~oma (e mais uma vez,
a questão não é uma sucessão temporal), nossa tarefa será levá-to a-uma -
experiência na qual ele constatará que a necessidade do seu sintoma
pode nã~star ligada a uma operação de defesa, repetindo, nossa tarefa
será de esvaziar essa inchação - inchação que é a Demanda imaginária do
Outro.
Sigam a lógica desse raciocin io pois dissemos que é contra essa Demanda,
que é um efeito de linguagem, que a defesa organiza as estruturas.~a,
essa Demanda, sabemos que não é sustentada por nenhum sujeito, mas
e eito imaginário do simples fato de que há linguagem. Aqui, no início,
hão há um sujeito que fala, há "isso fala", e é simplesmente porque
"isso fala", "isso murmura", que Desejo aparece e, aparece porque
quando "isso fala", é entre dois significantes. A Demanda que nos persegue
é um efeito imaginário desse Desejo. ...
68 69
Iluta) e Então, atacar a necessidade da Demanda significa levar o sujeito a essa
r constatação, que atrás desta Demanda há um simples acidente
'. Isso de linguagem. E nada mais.
o de sua
:iado Vocês já compreendem, que a esse respeito, o fim de análise não é uma
experiência alegre, porque é sempre terrivelmente decepcionante constatar
que, onde nós mais tem/amos. não havia ninguém; constatar que o
r significante que produz esse Desejo não é o significante do Outro e sim
uivado do Outro barrado, quer dizer, não representa um sujeito, a não ser por um
efeito imaginário.
ste Não se deve confundir isso, na clínica, com o efeito depressivo que pode ser
ia algo induzido pela redução do sintoma ao seu núcleo, pois quando se renuncia
a seu sintoma há sempre um trabalho de luto a fazer (gostamos do sintoma)
.irnples: e além do mais (voltarei em detalhes para ver como isso acontece) no ,
I
IS momento de uma anál ise no qual o sujeito se encontra confrontado a essa
Demanda, então sua posição pode muito bem ser depressiva. Acho muito
importante não confundir essa posição depressiva, próxima da angústia,
(do seu abandono objetal à Demanda do Outro), com o efeito
as o também depressivo da despersonalização produzido pelo fim de uma análise.
Constata-se que não se fica mais disposto a pagar qualquer preço por um
sque sintoma, por exemplo, mas também poder íamos dizer, por um fantasma. que
não é uma necessidade vital de defesa.
/'
"" Há um efeito a mais, que talvez seja possível para o sujeito: produzir atos,
69 atos verdadeiros. O que isso significa? Significa ser produzido por um
significante que podemos chamar de novo, que não seria um simples
efeito de determinação de seu sintoma. Para colocar as coisas assim: ele
vai poder ser produzido por um significante que não é um efeito retroativo
do saber que determina o seu sintoma, mas por um significante que está
fora de sua determinação.
A mesma coisa pode ser dita para o fantasma: ele talvez vai poder - como
dizia Lacan - inventar uma nova perversão.
Agora, a questão que vem: como se ultrapassa essa barra de defesa? Como
um sujeito pode, em suma, em determinado momento, sair do horizonte
da determinação do seu sintoma, para nos permitir conduzr-lo a uma
experiência de esvaziamento dessa inchação? Só posso Ihes dizer ai alguma
coisa de inteiramente singular ... porque vocês compreendem bem que tudo
o que disse é forçosamente muito abstrato, pois isso não pode funcionar
em absoluto como caminho normativo para o fim de análise. Cada um
vai lá como pode.
E, já me aconteceu uma vez, de levar uma anál ise até o seu fim verdadeiro
sem que tenha tido tempo de reduzir o sintoma a seu núcleo, quer dizer, de
aproveitar rápido demais a oportunidade que me foi dada, que é tão rara,
de terminar aquela análise, de levar o sujeito àquela experiência. É muito
chato, porque o sujeito poderia justamente pretender, com toda razão,
íade da a uma simplificação de seu sintoma, mas de certo modo a continuação
do Outro, da análise depois do seu fim, se tornou para ele impossível.
Gostaria agora de atrair sua atenção sobre o fato seguinte: numa cura de
psicótjco, não há redução de sintoma, porque vimos justamente que o
m essa saber de defesa psicótico não é parcial - é total~l.~ra de psjcótico,
eira nós estamos, logo no início, no lug_ Demanda, o I gar im.ag.imírio;
e o trabalho e o mesmo o se undo movimento de uma cura de neurótico.
Então ele foi embora. Dois anos após (aconteceu que eu tinha mudado
minha manhã de folga), às 8, 30h da manhã eu tomava meu café,
pouco vestido, quando buzinaram na porta. Fui abrir pensando ser o
carteiro, mas era aquele rapaz. Eu lhe disse"mas o que está fazendo aqui",
ele respondeu "é hora da minha sessão". Era verdade, dois anos antes, seria o
horário de sua sessão. Recebi-o. Esse evento completamente imprevísivel -
vocês vêem muito bem em torno do que isso gira - significa que ao
mesmo tempo em que, por sorte, eu estava lá, não estava esperando por ele.
Mas foi a partir daquele evento que me foi possível - e para ele também -
poder Iidar com esta Demanda. Vocês vêem que sorte, eu estava lá mas
não o esperava. Isso teve consequências sobre minha prática de um modo
geral; ou seja, com pacientes psicóticos. por exemplo, não dou mais
encontros marcados. Eles sabem minhas horas de atendimento e escolhem
eventualmente dias, mas não vêm em horas fixas. Só pude me felicitar por
essa decisão, quer dizer, deixá-Ias neste sentimento de que eu estou
aí mas que, de certa forma, não os estou esperando.
72 73
Acrescento também que foi muito importante para aquele paciente, que
ue estava se formando em Matemática. Ele ficou totalmente curado. O
que chamo de curado é que ele pode viver muito bem sem ter entrado
numa neurose de empréstimo. O que ele fez com aquilo que poderíamos
considerar sua loucura? É isso, lidar com o seu sintoma: ele era
hipocondríaco, tornou-se manipulador em radiologia.
10
O que faz com que eu considere esta cura como um sucesso? Eu o vejo de
tempos em tempos, a cada 8 meses mais ou menos: ele vem me ver, por
simpatia; telefona-me e vem me ver. Portanto eu o encontro ainda, e
tudo o que ele pode dizer, me confirma esta idéia: se é verdade que ele pode
atravessar a vida "corretamente", não é a titulo de um valor fál ice. ou seja,
ele não se tornou um falso neurótico. E foi por isso, em decorrência do
"acaso" daquele encontro (que eu disse não saber como, porque não foi
previsto, e nem sei prever) que a destitu ição deste lugar da Demanda
do Outro foi possível.
* *
* N. da R. - Da mesma forma que nos debates anteriores, o fato de haver participantes e perguntas
não identificados (distantes do microfone) não impediu a transcriçdo das respostas do A.utor, pelo
interesse que podem conter.
le
73 ** N. da R. - Pergunta refere-se à saída do lugar da Demanda e sua relação com a cura do neurótico.
CONTARDO - Nunca se sabe, de antemão. No caso de um neurótico,
parece-me que, no apres-coup. eu posso apreender porque isso foi
possível, enquanto que no caso de um psicótico, eu não posso, mesmo no
apres-coup.
Não se pode prever suas intervenções e seus atos. Então, em que ele pode
confiar? Ele pode confiar no fato de que fez uma análise. É a ressalva da qual
eu falava, a respeito do prestar-se ao engano na transferência. Porque
o que faz aOsicão particular do analista, neste engano aceito, sua única
ressalva, é que p~r côntã própria eie fez a experiência desta Demanda
Cõfuo uma inchação. Creio que é a única ressalva, mas muito importante,
porque sem ela a análise se torna uma manipulação.
*
si
IS CONTARDO - O problema é que com pacientes que estão nesse tipo de
estado (psicóticos de estrutura fora da crise), e que estão escrevendo ...
Recordo-me, por exemplo que, pouco antes de sair da França, vi um jovem
psiquiatra que veio me ver com um manuscrito: era uma tentativa de
lual sistematização da organização do mundo. Deixou-me o manuscrito,
e veio me ver por esta razão: estava angustiado com a idéia do que poderia
acontecer se o seu manuscrito fosse conhecido. Eu o li, era muito
interessante; tratava-se de uma descrição do mundo, uma tentativa
extraordinária que continha um catálogo, que ele queria exaustivo, dos
objetos. Além disso, havia uma utopia da sociedade, organizada a partir
dos cinco sentidos do homem. Não era tanto um sistema delirante, porque
não era uma metáfora dei irante depois da crise como a de Schreber: era
um empreendimento de conhecimento, quer dizer, ele escrevia
do esse saber (S2 na metáfora psicótica).
I,
Ele me deu uma pista que podia me parecer como uma intervenção possível
para um analista; falou-me de seu sistema e, no fim, disse o que, para ele,
parecia ser a coisa mais importante "você entende, numa sociedade dessa
sem dinheiro, não haveria prostituição". Pensei, naquele momento, que
ele estava me dizendo por onde eu poderia intervir, mas não me
aventurei, porque o problema é que, se eu tivesse intervindo como se
intervem num caso desses, teria tido nove em dez chances de desencadear
uma crise. Como falar, estando seguro de que aquilo que se vai dizer não vai
produzir um efeito de apelo ao Nome do Pai?
Tudo o que eu fiz foi dizer que era muito interessante, que ele deveria
continuar. De qualquer modo há dez anos está escrevendo, e não há razão
para que ele não escreva até a sua morte. Então, eu não me sentia capaz de
tomar a responsabil idade de desencadear uma crise psicótica.
Por isso é muito difícil trabalhar com a psicose de estrutura fora de crise,
pois o risco de desencadeá-Ia está sempre presente. E por isso prefiro .
trabalhar com os escritores.
III
Mas acho essaquestão muito importante para nós hoje: conseguir cercar o
saber psicótico positivamente. Do ponto de vista dessesaber, eu não tenho
certeza que possamos dizer que se trata de uma estrutura fora discurso. *
Porque quando se diz que a psicose não funda um laço social, no sentido do
discurso, será que falamos da psicose de estrutura ou da crise psicótica?
Existem pessoas- eu não compartilho de seu ponto de vista mas por elas
tenho estima - pensem na aventura de Laing, na Inglaterra, na formação de
comunidades psicóticas. Não compartilho absolutamente da ótica prática
deles, porque creio que uma coisa é respeitar o trabalho de constituição
do dei írio, e outra é empurrar a loucura, ou seja, fazer da loucura, da crise
psicótica, um ideal.
A idéia que eles tinham no início, porém, era que se podia fundar uma
comunidade psicótica; esta idéia foi retomada em muitos serviços na França,
nos apartamentos terapêuticos, onde cinco ou seis pacientes vivem juntos.
Isso não me parece desprezível.
Mas, enfim, a priori, não tenho certeza de que a psicose não possa fundar
um laço social; claro que seria um laço social, para nós neuróticos,
completamente impalpável. Como conceber um laço entre sujeitos, cujo
caminho não seria orientado, que estariam todos numa indiferença - já
que no campo do saber deles não há um significante que dê a significação
a todos os outros e toda significação se equivale? A respeito da estrutura
psicótica fora da crise ainda ... tomem muitos sujeitos que a psiquiatria
chama de psicopatas. Para mim são, muitas vezes, psicóticos de estrutura.
Vejam a relação que eles têm com a delinquência: não é necessáriamente do
lado da perversao, pois eles não se tomam como seus próprios legisladores,
mas de certa maneira eles estão numa vida de R91'8~
ew.. que pode muito
~'Y
,
<.Ao.
. "
76 * N. da T. Hors-discours no original. 77
rcar o bem se assemelhar à delinquência. Será que 'entre esses sujeitos existe
tenho um laço social?
·so.*
itido do Para concluir, diria que para saber isso precisaria que eles pudessem viver
cal numa sociedade que não fosse dominada pelo sintoma neurótico,
o que é impossível.
toem
ma JAI RO GERBASE - Imaginei que sua investigação, neste sentido, poderia
ser também positiva e você chegasse a concluir que psicose não faz um
laço social, e encontrasse um instrumento para chegar a essa conclusão.
r elas Então imaginei que sua conclusão poderia ser duas; inventar um quinto
ação de discurso ou considerar entre os quatro discursos de Lacan um que
.ática desse conta da questão da psicose com o discurso. Que expectativa
ção você tem disso?
a crise
CONT ARDO - Eu não sei, pois estou esperando algo, prefiro nada prever;
tratar-se-ia de chegar à conclusão que a psicose não funda um laço social
na ou à idéia de um quinto discurso? Prefiro não me definir de antemão. Mas
IFrança, você tem razão em notar que se nós nos interessamos pela psicose sob
.intos. um ângulo positivo, essa pergunta está no horizonte.
Creio que nunca teríamos interesse em reter toda essa hermenêutica edipiana
como na psicose e isso, penso, o analista pode fazê-to mesmo sendo
neurótico.
? - Você disse que uma pessoa com estrutura psicótica poderia se tornar
analista desde quando tivesse atravessado o fim de análise ...
Essa é uma pergunta interessante: o que faz com que, tendo acabado a
análise, se decida a fazer profissão disso. Mais interessante ainda pois
acho nesse momento que, não há gozo do lado do analista.
*
CONTAR DO - Apesar de não ter objeção de princípio talvez tenha uma
razão de fato. O preço a pagar para exercer a profissão de ana Iista é ser
radicalmente do lado desejo e não do lado gozo. Eu não colocaria a
pergunta nesses termos "quem está pronto a pagar esse preço", e sim "como
se faz para que haja alguns para paqá-lo" - e isso é um mistério.
Minha explicação, pelo menos o que digo a mim mesmo, é que o fim da sua
própria análise é uma experiência bastante excepcional para que se possa
decidir, não num movimento de benevolência de oferecer aos outros a
mesma experiência {porque senão a posição do analista seria sádica,
79
78 * N. da R. Pergunta não identificada.
enquanto que é mais masoquista) e sim decidir repetir essa experiência por si
próprio, da única maneira possível, ou seja, do outro lado.
Será que um perverso, um psicótico, podem fazer essa escolha? Mais uma
vez, não há razão, de princípio, para dizer que não, embora seja
n
bastante raro.
alvo Quanto ao analista perverso, já seria mais delicado, porque ele naturalmente
o vai ficar na sua própria estrutura; será que ele vai poder resistir à tentação de
sa oferecer a si mesmo uma fatia de gozo?
Do lado da sugestão poderia ter sido algo como "mas você não é tão burro
assim", ou seja, algo que não se deveria dizer. Então, como acabou a
sessão? Por sorte, em determinado momento, ele falou //€U precisaria
79 ultrapassar todos esses problemas", e então eu disse a ele "no que diz
-
II
1I11
respeito a ultrapassagem, não abuse com isso amanhã".
Ele saiu contente e tirou a carteira.
o que aconteceu nesse diálogo? Não era sugestão. No lugar ao qual ele se
dirigia, no qual ele me colocava, o do pai, pôde escutar uma palavra que era
um esboço de preocupação; não era uma palavra a respeito dele, era minha
preocupação que passava. E um pequeno deslocamento do lugar da
estrutura, a partir do qual sempre lhe foi desejado coisas ruins. Não é
sugestão, é falar numa pequena decalagem, dos lugares de onde
ele próprio me situa.
**
na *
:0,
CONTAR DO - O passe deveria colocar as condições para que a transferência
jo seja ainda possível. O problema é que no tempo de Lacan o passe existia
também porque, através do passe, havia o desejo dele. É isso que sustentava
a transferência necessária para passar o passe. Hoje não é tão óbvio, porque
sta é sempre difícil, após o fim da análise, reatar transferência com alguém
que é um par.