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Universidade Federal do Pará

Instituto de Ciências Exatas e Naturais


Curso de Especialização em Matemática

Aluzimara Nogueira Bezerra

Isometrias do Plano

Belém
2011
Aluzimara Nogueira Bezerra

Isometrias do Plano

Monografia apresentada ao Curso de Matemática


da UFPA, como requisito para a obtenção parcial
do grau de ESPECIALISTA em Matemática.

Orientador: José Miguel Martins Veloso


Doutor em Matemática - USP

Co-orientador: Marcos Monteiro Diniz


Doutor em Matemática - Paris 6

Belém
2011
Bezerra, Aluzimara
Isometrias do Plano / Aluzimara Bezerra - 2011
52.p

1.Geometria.. I.Tı́tulo.
CDU 514
Aluzimara Nogueira Bezerra

Isometrias do Plano

Monografia apresentada ao Curso de Matemática


da UFPA, como requisito para a obtenção parcial
do grau de ESPECIALISTA em Matemática.

Aprovado em 21 de dezembro de 2011

BANCA EXAMINADORA

José Miguel Martins Veloso


Doutor em Matemática - USP

Cristina Lúcia Dias Vaz


Doutora em Matemática Aplicada - UNICAMP

Márcio Lima do Nascimento


Doutor em Matemática Aplicada - USP
Resumo

Estuda-se o conjunto das isometrias do plano euclidiano e se utiliza o software educacional


Geogebra para exploração visual das isometrias.

Palavras-chaves: Isometrias, Plano Euclidiano, Geogebra.


Abstract

We study the isometries of the Euclidean Plane and use the software Geogebra to explore
visually the isometries.

Keywords: Isometries, Euclidean Plane, Geogebra.


Agradecimentos

Desejo expressar minha gratidão a José Miguel M. Veloso não somente pela
orientação eficiente, mas especialmente pelo interesse, dedicação, apoio e valiosas sugestões
em todas as fases de preparação deste trabalho.

Agradeço em especial ao professor Marcos M. Diniz pela co-orientação, pelo


incentivo e por sua valiosı́ssima e imensurável colaboração nas figuras e animações deste
trabalho.

Agradeço também a todos os professores que contribuı́ram em minha formação


acadêmica.
Sumário

1 Introdução 5

2 Isometria do plano 7

2.1 Definições e propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

3 Translações 15

3.1 Descrição das translações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3.2 Translação no Geogebra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3.3 Exemplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

4 Rotação 25

4.1 Descrição das rotações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

4.2 Rotação no Geogebra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

4.3 Exemplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

5 Reflexão 35

5.1 Descrição das reflexões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

5.2 Reflexão no Geogebra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

5.3 Exemplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

Referências Bibliográficas 48
5

1 Introdução
A obra de M.C. Escher é admirada no mundo todo, não somente pela beleza de suas figuras
e desenhos, mas também pela magia que parecemos sentir quando entramos em contato
com ela. Escher parece brincar em suas obras com o mágico e o real, ora elaborando
desenhos de construções impossı́veis, mas que à primeira vista parecem naturais, ora
jogando com o infinito, através de repetições de padrões que se encaixam perfeitamente,
preenchendo o plano da obra (veja, por exemplo, [2]). Por detrás dessas obras, aparecem
os objetos de estudo deste trabalho: as isometrias.

As isometrias do plano são transformações que preservam distâncias, agindo


em objetos sem alterar sua forma ou suas medidas. Podem ser encontrados exemplos de
isometrias na natureza, em obras de artes, construções arquitetônicas e em diversas outras
áreas. As principais isometrias são as translações, as rotações e as reflexões. De fato,
qualquer isometria pode ser obtida como combinações de isometrias desses três tipos.

O Geogebra é um programa computacional de Geometria Dinâmica, de acesso


livre e multiplataforma. Sua simplicidade e capacidade de produzir transformações no
plano, aliados ao seu caráter dinâmico, com possibilidade de animações, faz dele a ferra-
menta ideal para apresentação e manipulação das isometrias aqui estudadas, justificando
assim sua utilização nesse trabalho.

Este trabalho se inicia com a definição de transformações do plano e com a


apresentação de algumas de suas propriedades. A seguir são identificadas quais delas
são isometrias e são demonstrados alguns dos principais resultados básicos acerca dessas
transformações.

A definição geométrica de vetor é relembrada no Capı́tulo 3, onde são estuda-


das as translações e suas principais propriedades. O aplicativo Geogebra é apresentado
resumidamente, com detalhamento da ferramenta Transformações Geométricas. É feita,
como exemplo, uma simulação da reconstituição do corredor de leões do Portal de Ishtar.

No Capı́tulo 4, são apresentadas as rotações em torno de um ponto e algumas


de suas propriedades. É utilizada a ferramenta Rotação em Torno de um Ponto por um
Ângulo do Geogebra, para refazer parte de um dos desenhos de M.C. Escher.
1 Introdução 6
Finalmente, o Capı́tulo 5 é dedicado ao estudo das reflexões em relação à uma
reta. Translações e rotações recebem neste capı́tulo um novo olhar, podendo serem vistas
como composições de duas reflexões. É demonstrado o principal resultado do trabalho:
qualquer isometria pode ser obtida através de composição de uma translação, uma rotação
e, eventualmente, uma reflexão. Portanto, qualquer isometria pode ser obtida através de
no máximo, cinco reflexões. É utilizada então a ferramenta Reflexão por uma Reta do
Geogebra para fazer uma montagem sobre a obra Narciso, de Caravaggio.
7

2 Isometria do plano
Iniciaremos este capı́tulo dando um significado preciso para a palavra transformação,
depois exibiremos uma definição de isometria do plano e suas principais propriedades
algébricas e geométricas.

2.1 Definições e propriedades básicas

Definição 2.1.1. Uma transformação do plano é uma aplicação bijetora do conjunto dos
pontos do plano sobre si mesmo.

Se f é uma transformação do plano então temos que para todo ponto Q do


plano existe um único ponto P tal que f (P ) = Q.

Daı́ segue a existência da aplicação f −1 , chamada inversa da transformação


f , definida por f −1 (Q) = P se, e somente se, f (P ) = Q. Uma verificação simples mostra
−1
que f −1 é também uma transformação do plano e, além disso, f −1 =f

Indicando por g ◦ f a aplicação composta de duas transformações f e g do


plano, definida por (g ◦ f ) (P ) = g (f (P )) para todo ponto P , é imediato verificar que
g ◦ f é ainda uma transformação do plano. Temos também a validade de

(h ◦ g) ◦ f = h ◦ (g ◦ f )

quaisquer que sejam as transformações do plano f , g e h.

Exemplo 2.1.1. A mais simples das transformações do plano é a transformação identi-


dade, definida por Id (P ) = P , para todo ponto P do plano. Assim, temos

f ◦ Id = f = Id ◦ f e f ◦ f −1 = Id = f −1 ◦ f

onde f é uma transformação qualquer do plano.

Exemplo 2.1.2. Seja O um ponto do plano, a transformação que rotaciona todos os


pontos do plano de um ângulo fixado θ em torno do ponto O é uma transformação do
plano.
2.1 Definições e propriedades básicas 8
Seja F o conjunto de todas as transformações do plano. Reuniremos as pro-
priedades mais importantes da composição de transformações nos seguintes enunciados:

(a) se f , g ∈ F, então g ◦ f ∈ F;

(b) se f , g, h ∈ F, então (h ◦ g) ◦ f = h ◦ (g ◦ f );

(c) existe em F um elemento Id tal que f ◦ Id = f = Id ◦ f para todo f ∈ F;

(d) para todo f ∈ F existe um elemento f −1 ∈ F tal que f ◦ f −1 = Id = f −1 ◦ f .

O conjunto F munido da operação de composição e satisfazendo às proprie-


dades acima listadas, possui uma estrutura algébrica conhecida como estrutura de grupo.
Diremos então que (F, ◦) (ou simplesmente F) é o grupo das transformações do plano.

Duas transformações do plano f e g podem ou não satisfazer a propriedade


comutativa f ◦ g = g ◦ f . Se esta propriedade for sempre satisfeita pelos elementos de um
grupo G diremos que G é um grupo comutativo ou abeliano. O grupo das transformações
do plano não é abeliano.

Definição 2.1.2. Um subconjunto não vazio G de transformações do plano é um subgrupo


de F se satisfaz as seguintes condições:

(i) se f , g ∈ G então g ◦ f ∈ G;

(ii) se f ∈ G então f −1 ∈ G

Definição 2.1.3. Uma transformação do plano f é uma isometria se a distância entre


dois pontos arbitrários P e Q do plano é igual à distância entre os pontos P 0 = f (P ) e
Q0 = f (Q).

P f (P )

Q f (Q)

Figura 2.1: Isometria: d(P, Q) = d(f (P ), f (Q)).


2.1 Definições e propriedades básicas 9
Exemplo 2.1.3. Dado um vetor ~v a aplicação que a cada ponto P associa o ponto f (P )
−→
tal que P f (P )= ~v é uma isometria denominada translação por um vetor ~v . Veremos as
translações com mais detalhes no Capı́tulo 3.

f (P )
~v
P

~v
(a) A imagem de um ponto P . (b) Capa do livro Regelmatige Vlakverdling, Escher.

Figura 2.2: Translação por um vetor ~v .

Exemplo 2.1.4. Dados um ponto O do plano e um número real α pertencente ao intervalo


−π < α ≤ π, a aplicação f que fixa o ponto O e associa a cada ponto P do plano, P
distinto de O, o ponto f (P ) pertencente à circunferência de centro O e raio OP e tal que
a medida do ângulo orientado ]P Of (P ) é igual a α é uma isometria denominada rotação
de um ângulo α em torno de um ponto O. Veremos as rotações com mais detalhes no
Capı́tulo 4.

f (P )

P
α

O
(a) A imagem de um ponto P . (b) Prato de Samarra.

Figura 2.3: Rotação de um ângulo α em torno de um ponto O.

Exemplo 2.1.5. Dado uma reta r no plano, a aplicação f que associa a cada ponto P
do plano sua imagem em relação à reta, f (P ), é uma isometria denominada reflexão.
Veremos as reflexões mais detalhadamente no Capı́tulo 5.
2.1 Definições e propriedades básicas 10

r r

f (P )

(a) A imagem de um ponto P . (b) Taj Mahal.

Figura 2.4: Reflexão em relação a uma reta.

Desafio: Tente identificar, na figura abaixo, de autoria do artista M. C. Es-


cher, isometrias dos três “tipos”, dados nos Exemplos 2.1.3, 2.1.4 e 2.1.5

Figura 2.5: M. C. Escher.

Proposição 2.1.1. O conjunto de todas as isometrias do plano é um subgrupo de F.

Prova: Seja Isom o conjunto de todas as isometrias. Temos que Isom é não
vazio, pois a função identidade é claramente uma isometria e, portanto, Id ∈ Isom.

Suponha f, g ∈ Isom, isto é, que f e g sejam duas isometrias, e P , Q dois


pontos quaisquer. Como f é uma isometria,

d(P, Q) = d(f (P ), f (Q))

e, como g é uma isometria,

d(f (P ), f (Q)) = d(g(f (P )), g(f (Q))).


2.1 Definições e propriedades básicas 11
Logo, dados dois pontos P e Q, d(P, Q) = d(g ◦ f (P ), g ◦ f (Q)), portanto

g ◦ f ∈ Isom. (2.1)

Além disso, como f é uma isometria,

d(f −1 (P ), f −1 (Q)) = d(f (f −1 (P )), f (f −1 (Q)))

= d(P, Q)

e, portanto,
f −1 ∈ Isom. (2.2)

As relações (2.1) e (2.2) dizem exatamente que Isom é um subgrupo de F.

Proposição 2.1.2. Toda isometria do plano preserva colinearidade, isto é, se f é uma
isometria e P , Q e R são três pontos colineares, então f (P ), f (Q) e f (R) são colineares.
Além disso, preserva a relação “estar entre”, isto é, se Q estiver entre P e R, então f (Q)
estará entre f (P ) e f (R).

Prova: Se dois pontos forem iguais, o resultado é imediato. Suponhamos f


uma isometria do plano e P , Q, R três pontos distintos colineares, com Q entre P e R,
satisfazendo portanto
d(P, Q) + d(Q, R) = d(P, R).

Sejam P 0 = f (P ), Q0 = f (Q) e R0 = f (R). Como f é uma isometria, então temos que


d(P, Q) = d(P 0 , Q0 ), d(Q, R) = d(Q0 , R0 ) e d(P, R) = d(P 0 , R0 ). Logo,

d(P 0 , Q0 ) + d(Q0 , R0 ) = d(P 0 , R0 )

e, portanto, P 0 , Q0 , R0 são colineares, com Q0 entre P 0 e R0 .

Proposição 2.1.3. Toda isometria do plano preserva ângulos, isto é, se f é uma iso-
metria e P , Q e R são três pontos, então os ângulos ∠P QR e ∠f (P )f (Q)f (R) são
congruentes.

Prova: Se P , Q e R forem colineares, a medida do ângulo ∠P QR será 180◦


ou 0◦ , conforme Q esteja ou não entre P e R. Como pela Proposição 2.1.2 f preserva
colinearidade e a relação de “está entre”, então a medida do ângulo será preservada.

Se P , Q e R não forem colineares, como f é uma isometria, então temos


que os segmentos P Q, QR e RP são congruentes aos segmentos f (P )f (Q), f (Q)f (R) e
2.1 Definições e propriedades básicas 12
f (R)f (P ), respectivamente. Logo, pelo caso de congruência L−L−L (lado, lado, lado) os
triângulos P QR e f (P )f (Q)f (R) são congruentes, e portanto ∠P QR e ∠f (P )f (Q)f (R)
são congruentes.

Vejamos agora algumas propriedades elementares envolvendo pontos fixos de


uma isometria do plano.

Definição 2.1.4. Diremos que uma transformação do plano f fixa um ponto P se


f (P ) = P . Neste caso, P é chamado um ponto fixo da transformação f . Dado um
subconjunto A do plano, diremos que f fixa A ponto a ponto se f (Q) = Q qualquer que
seja o ponto Q pertencente a A, isto é, se f fixa os pontos de A.

Proposição 2.1.4. Se uma isometria do plano fixa dois pontos distintos de uma reta
então ela fixa ponto a ponto, esta reta.

Prova: Sejam f uma isometria do plano e A, B pontos distintos do plano tais


que f (A) = A, f (B) = B. Queremos provar que f (P ) = P para todo P pertencente a
←→
reta AB .

Se P = A ou P = B não há nada a provar, de modo que podemos considerar


←→
P pertencente a reta AB e distinto dos pontos A e B.

Seja P 0 = f (P ), como f preserva colinearidade entre pontos, f (P ), f (A) e f (B)


←→
serão colineares, ou seja, P 0 ∈ AB. Além disso, d(A, P 0 ) = d(A, P ) e d(B, P 0 ) = d(B, P ),
pois f é uma isometria do plano. Teremos então que P = P 0 como consequência imediata
da seguinte observação:
←→
“dados um número real λ e uma reta AB, existe um único ponto P pertencente
←→
a reta AB tal que
AP
= λ,
BP
onde o quociente leva em consideração o sentido dos segmentos orientados1 AP e BP ”.
AP AP 0 0
←→
De fato, como = e P, P ∈ AB, segue que P = P 0 .
BP BP 0
Teorema 2.1.1. Se uma isometria do plano fixa três pontos não colineares então ela é a
transformação identidade.
1
Se os segmentos orientados AP e BP tiverem o mesmo sentido, o quociente é positivo, caso contrário,
é negativo.
2.1 Definições e propriedades básicas 13
Prova: Dados f uma isometria do plano e A, B, C pontos não colineares do
plano tais que f (A) = A, f (B) = B e f (C) = C, pela Proposição 2.1.4, temos que f fixa
←→ ←→ ←→
ponto a ponto cada uma das retas AB, BC, CA. Precisamos mostrar que f fixa qualquer
ponto P não pertencente a nenhuma dessas retas.

Q1 Q2
P

B r

A C

Figura 2.6: Se a isometria fixa A, B e C, então fixa qualquer ponto P .

Seja então P um tal ponto e r uma reta que passe por P , distinta das retas
←→ ←→ ←→
P A, P B e P C (lembre-se que por um ponto passam infinitas retas!), como mostra a
←→ ←→ ←→
Figura 2.6. Como as retas AB, BC, CA são concorrentes duas a duas, r pode ser paralela
a, no máximo, uma delas, devendo intersectar ao menos duas. Como A, B e C não
pertencem a r, então r intersecta essas retas em pontos distintos, digamos, Q1 e Q2 , que
são fixos pela isometria f . Portanto, usando novamente a Proposição 2.1.4, f fixa r, logo
fixa o ponto P .

Corolário 2.1.1. Se f e g são isometrias do plano tais que f (A) = g (A), f (B) = g (B)
e f (C) = g (C) para três pontos não colineares A, B, e C do plano, então f = g.

Prova: Sabemos pela Proposição 2.1.1 que g −1 ◦ f é uma isometria do plano.


Por outro lado,

(g −1 ◦ f )(A) = g −1 (f (A)) = g −1 (g(A)) = (g −1 ◦ g)(A) = Id(A) = A.

Analogamente, temos que (g −1 ◦f )(B) = B e (g −1 ◦f )(C) = C. Pelo Teorema 2.1.1 temos


que g −1 ◦ f = Id e, portanto, f = g.
Portal de Ishtar (restaurado). Museu do Antigo Oriente Próximo, Berlim.
15

3 Translações
Veremos neste capı́tulo as isometrias denominadas translações. A Figura 3.1 apresenta
parte do mosaico pertencente ao Portal de Ishtar. Nela podemos ver principalmente
representações de flores e de leões transladados horizontalmente. Construı́do por volta de
575 a.C., a mando do rei Nabucodonosor II, na Babilônia, o Portal de Ishtar tornou-se a
principal entrada da cidade e foi dedicado à deusa Ishtar. A reconstrução do Portal de
Ishtar está no Museu do Antigo Oriente Próximo, seção do Museu Pergamon, em Berlim.

Figura 3.1: Mosaico pertencente ao corredor de leões do Portal de Ishtar.

3.1 Descrição das translações

Definiremos agora translação no plano, mas antes precisaremos nos lembrar do conceito
de vetor. Dois segmentos de retas orientados são equipolentes se possuem a mesma norma,
direção e sentido. Um vetor é uma classe de equivalência de segmentos orientados equi-
polentes1 .
1
A equipolência é uma relação de equivalência. Lembre-se que uma relação é de equivalência se satisfaz
as propriedades simétrica, reflexiva e transitiva.
3.1 Descrição das translações 16
A Figura 3.2 mostra a translação determinada pelo vetor ~v aplicada a um
triângulo ABC.

A0
~v

B0 C0
A

B C

Figura 3.2: Translação do triângulo ABC por um vetor ~v .

Se ~v é o vetor dado pelo segmento orientado P P 0 , denotaremos por −~v o vetor


relativo ao segmento orientado P 0 P .

Recordaremos também a definição de “soma de ponto com vetor” dada por:


P +~v = P 0 se, e somente se, o segmento orientado P P 0 é o representante de ~v com origem
P . Esta operação tem as seguintes propriedades:

1. se P + ~v = P + w
~ então ~v = w;
~

2. se P + ~v = Q + ~v então P = Q;

3. (P + ~v ) + (−~v ) = (P + (−~v )) + ~v = P .

−→ −→
Uma vez que P + P P 0 = P 0 é usual denotarmos o vetor P P 0 também como
P 0 − P , ou seja, escrevemos ~v = P 0 − P . Podemos dizer também que o segmento orientado
−→
P P 0 é o representante do vetor ~v com origem P , isto é, ~v =P P 0 .

Definição 3.1.1. A soma de ponto com vetor nos permite definir a aplicação chamada
translação na direção do vetor ~v , ou translação de vetor ~v , ou simplesmente, translação
no plano por:
T~v (P ) = P + ~v , para todo P do plano.

A transformação identidade (ver Ex. 2.1.1) é considerada uma translação, as-


sociada comumente ao vetor nulo2 .
2
O vetor nulo pode ser formalizado como o vetor representado por um segmento degenerado qualquer
PP.
3.1 Descrição das translações 17
Proposição 3.1.1. Toda translação é uma transformação do plano.

Prova: Seja T~v a translação por um vetor ~v . Para mostrarmos que se trata
de uma transformação do plano, basta mostrarmos que se trata de uma transformação
bijetora ou, equivalentemente, que é uma transformação invertı́vel. Basta observar então
que a translação T−~v é a inversa de T~v . De fato, pelo item 3, é imediato que

T−~v ◦ T~v (P ) = (P + ~v ) + (−~v ) = P ;

T~v ◦ T−~v (P ) = (P + (−~v )) + ~v = P.

Proposição 3.1.2. O conjunto T das translações do plano é um subgrupo abeliano do


grupo das isometrias do plano.

Prova: Sejam P , Q, R e S pontos do plano. Vamos mostrar primeiramente


que a operação de composição é comutativa, isto é:

T −→ ◦ T−→ = T−→ ◦ T −→ .
PQ RS RS PQ

Suponha X 0 = T −→ (X), X 00 = T−→ (X 0 ) = T−→ ◦ T −→ (X) e Y 0 = T−→ (X). Considere o


PQ RS RS PQ RS
0 00 0
quadrilátero XX X Y , como mostra Figura 3.3.

Q R S

P X0 −→
RS X 00

−→
X RS Y0

Figura 3.3: O quadrilátero XX 0 X 00 Y 0 é um paralelogramo.

−→ −→ −→
Como X 0 X 00 = RS = XY 0 , segue que os segmentos X 0 X 00 e XY 0 são paralelos e
tem a mesma medida. Logo, como todo quadrilátero que possui um par de lados opostos
congruentes e paralelos é um paralelogramo, segue que o quadrilátero XX 0 X 00 Y 0 é um
−→ −→ −→
paralelogramo e, portanto, Y 0 X 00 = XX 0 = P Q. Daı́, temos que

T −→ ◦ T−→ (X) = T −→ (Y 0 ) = T −→ (Y 0 ) = X 00 = T−→ ◦ T −→ (X).


PQ RS PQ Y 0 X 00 RS PQ
3.1 Descrição das translações 18
Agora vamos mostrar que a composta de duas translações é uma translação.
Dado M = T−→ (Q). Mostraremos que
RS

T−→ ◦ T −→ = T −→ .
RS PQ PM

Seja X um ponto qualquer do plano. O fato de a operação de composição de translações


ser associativa e comutativa, temos

T −→ (X) = T −→ (T −→ (P ))
PM PM PX

= T −→ (T −→ (P ))
PX PM

= T −→ (M )
PX

= T −→ (T−→ (Q))
PX RS

= T −→ (T−→ (T −→ (P )))
PX RS PQ

= T −→ ◦ (T−→ ◦ T −→ )(P )
PX RS PQ

= (T−→ ◦ T −→ ) ◦ T −→ (P )
RS PQ PX

= (T−→ ◦ T −→ )(X).
RS PQ

Da demonstração da Proposição 3.1.1, já sabemos que a inversa de uma translação é uma
translação, o que conclui a demonstração de que o conjunto das translações é um subgrupo
abeliano.

Por fim, resta-nos mostrarmos somente que T −→ preserva distâncias. Sejam X


PQ
0 0
e Y dois pontos do plano e sejam X = T −→ (X) e Y = T −→ (Y ).
PQ PQ

−→
Y PQ Y0

−→
X PQ X0

Figura 3.4: O quadrilátero XY Y 0 X 0 é um paralelogramo.

É fácil notar que o quadrilátero XY Y 0 X 0 é um paralelogramo, como ilustrado


na Figura 3.4, pois
−→ −→ −→
XX 0 =P Q=Y Y 0 .
−→ −→
Portanto XY =X 0 Y 0 e d(X 0 , Y 0 ) = d(X, Y ).
3.2 Translação no Geogebra 19
Proposição 3.1.3. Uma translação na direção de um vetor não nulo não tem pontos
fixos, isto é, se ~v 6= 0, não existe um ponto X tal que T~v (X) = X.

Prova: Dados P e Q pontos distintos. Sejam X um ponto qualquer do plano


−→ −→
e X 0 = T −→ (X). Da definição, temos que XX 0 =P Q. Portanto, d(X, X 0 ) = d(P, Q) > 0.
PQ
Logo,
T −→ (X) = X 0 6= X.
PQ

Proposição 3.1.4. Dados dois pontos distintos A e B do plano, existe uma única trans-
lação T~v tal que T~v (A) = B.

Prova: A Proposição 3.1.3 nos diz que a única translação que fixa um ponto
é a função identidade. Suponhamos que haja duas translações T e T̃ tais que T (A) = B
e T̃ (A) = B. Temos então que

(T̃ )−1 ◦ T (A) = (T̃ )−1 (T (A))

= (T̃ )−1 (B)

=A

Portanto (T̃ )−1 ◦T é uma translação que fixa o ponto A e, pela Proposição 3.1.3,

(T̃ )−1 ◦ T = Id.

Logo, (T̃ )−1 = T −1 e daı́ T̃ = T .

3.2 Translação no Geogebra

O GeoGebra é um programa computacional de geometria dinâmica 3 que permite construir


vários objetos: pontos, vetores, segmentos, retas, seções cônicas, gráficos representativos
de funções e curvas parametrizadas que podem depois ser modificados dinamicamente.

Além disso, podemos digitar diretamente no campo entrada de comando equa-


ções e coordenadas. Este programa tem a vantagem de trabalhar com variáveis vinculadas
3
É um termo utilizado para nomear (indicar) um método dinâmico e interativo para o ensino e apren-
dizagem de geometria e suas propriedades, usando ambientes computacionais destinados a esse fim.
3.2 Translação no Geogebra 20
a números, vetores e pontos. Permite também determinar derivadas e integrais de funções
e oferece um conjunto de comandos próprios da análise matemática, para identificar pontos
singulares de uma função, como raı́zes ou extremos [3].

A Interface do software é constituı́da de uma janela gráfica que se divide em


uma janela de visualização, uma janela algébrica e um campo de entrada de comandos,
conforme a Figura 3.5.

As construções geométricas podem ser feitas na janela de Visualização com


ajuda do mouse, utilizando ferramentas de construção disponı́veis na Barra de Ferramen-
tas ou diretamente com o uso do teclado, digitando as informações no campo entrada
de comando. Por exemplo, entre com a informação f (x) = x2 − 9 no campo entrada de
comandos, e aparecerá o gráfico desta função na janela de visualização.

Qualquer objeto criado na janela de visualização terá sua representação e/ou


descrição algébrica na janela de álgebra.

Figura 3.5: Janela Gráfica do Geogebra.

Aqui neste trabalho nos deteremos apenas na ferramenta Transformações Geo-


métricas que está localizada na barra de ferramentas e é representada pelo ı́cone .
Nesta seção, descreveremos como utilizar a ferramenta Transladar Objeto por um Vetor
no aplicativo Geogebra. Essa ferramenta permite construir a imagem de um objeto
3.2 Translação no Geogebra 21
(ou conjunto de objetos) por uma translação por um vetor dado. Suponha que tenhamos
construı́do um triângulo T e um vetor ~v , como na Figura 3.6(a), e que desejamos criar a
imagem de T pela translação T~v . Para tal, selecionamos a ferramenta Transladar Objeto
por um Vetor, como na Figura 3.6(b), e selecionamos a seguir primeiramente o objeto a ser
transladado (no caso, o triângulo) e em seguida o vetor que determina a translação. Será
criada automaticamente a imagem do triângulo pela translação, como na Figura 3.6(c).

(a) (b)

(c)

Figura 3.6: Translação por um vetor.

Observe que o Geogebra, sendo um programa de geometria dinâmica, permite


que movamos os objetos previamente definidos, e que possamos observar com isso o efeito
sobre a construção feita. Se alteramos, por exemplo, o vetor ~v (como mostra a Figura 3.7),
a imagem do triângulo transladado mudará de acordo com a mudança efetuada no vetor.
3.3 Exemplo 22

Figura 3.7: Efeito “dinâmico” na translação por um vetor.

3.3 Exemplo

Podemos usar o geogebra para simularmos como seria o corredor de leões do Portal de
Ishtar, a partir de translações de uma imagem inserida no Geogebra4 , como na Figura 3.8.

Figura 3.8: Portal de Ishtar e vetor de translação.

Para isso, utilizamos a ferramenta translação por um vetor para gerar a imagem da figura
original transladada por um vetor ~v , de modo que a translação do primeiro leão seja
4
Para inserir uma figura no Geogebra, utilize a ferramenta Inserir Imagem
3.3 Exemplo 23
sobreposta ao segundo leão da figura original, como se pode ver na Figura 3.9.

Figura 3.9: Imagem original e sua translação por ~v (sobrepostas).

Ao fazermos translações sucessivas das imagens pelo mesmo vetor ~v , obtemos uma sucessão
de leões, como no Portal de Ishtar, conforme Figura 3.10.

Figura 3.10: Imagem original e translações sucessivas por ~v .


Lagarto, M.C. Escher. Baarn, Holanda, 1942.
25

4 Rotação
Estudaremos neste capı́tulo as rotações. Na obra Lizard (Lagarto), de M.C. Escher, que
se encontra na página anterior, podemos ver imagens de diversos lagartos rotacionados.
Maurits Cornelis Escher nasceu em Leeuwarden, Holanda, em 1898, e é um dos mais
famosos artistas gráficos do mundo. Em uma visita a um castelo mouro do século XIV,
em Granada, na Espanha, Escher ficou fascinado pela divisão regular do plano presente
nos mosaicos do castelo e isto foi o ponto de partida para uma série de trabalhos, fei-
tos em xilogravuras e litografias, que apresentam enorme riqueza em termos geométricos
e artı́sticos, e onde podemos encontrar não apenas rotações, mas todos os tipos de si-
metrias do plano. Porém, no preenchimento de superfı́cies, Escher substituı́a as figuras
abstrato-geométricas, usadas pelos árabes, por figuras concretas, perceptı́veis e existentes
na natureza, como pássaros, peixes, pessoas, répteis, etc, como na obra Peixes voadores,
apresentada na Figura 4.1.

Figura 4.1: Peixes voadores, M.C. Escher, 1954.

4.1 Descrição das rotações

Antes de definimos rotação temos que determinar uma orientação para os ângulos do
plano. Os ângulos com medida positiva serão aqueles orientados no sentido anti- horário,
e os com medida negativa aqueles orientados no sentido horário.
4.1 Descrição das rotações 26
Definição 4.1.1. Dados um ponto O do plano e um número real α pertencente ao in-
tervalo −π < α ≤ π, a rotação de centro O e ângulo α é a função f que fixa o ponto O
e associa a cada ponto P do plano, P distinto de O, o ponto f (P ) pertencente à circun-
ferência de centro O e raio OP e tal que a medida do ângulo orientado ]P Of (P ) é igual
a α.

Denotaremos por RO,α a rotação de centro O e ângulo α. Segue da definição


que se α = 0 então RO,0 = Id, Id a transformação identidade do plano.

Observe que essa definição equivale a dizer que Q = RO,α (P ), se e somente se


d(P, O) = d(Q, O) e medida(]P OQ) = α.

Proposição 4.1.1. Toda rotação é uma transformação do plano.

Prova: Seja RO,α uma rotação de centro O e ângulo α. Para mostrarmos que
se trata de uma transformação do plano, basta mostrarmos que se trata de uma trans-
formação bijetora ou, equivalentemente, que é uma transformação invertı́vel. Observe
então que a rotação RO,−α é a inversa de RO,α .

De fato, se Q = RO,α (P ), então d(P, O) = d(Q, O) e medida(]P OQ) = α.


Logo, d(P, O) = d(Q, O) e medida(]QOP ) = −α, o que implica que P = RO,−α (Q).
Temos então que, qualquer que seja P ,

RO,−α ◦ RO,α (P ) = RO,−α (Q) = P.

Analogamente, temos que

RO,α ◦ RO,−α (P ) = RO,−α (Q) = P.

Portanto RO,−α é a inversa de RO,α . Logo, RO,α é invertı́vel e bijetora.

Antes de apresentarmos os próximos resultados, precisamos estender a de-


finição de rotação em torno de um ponto para valores de α fora do intervalo ]−π, π]:

Definição 4.1.2. Seja α ∈ R, existe um único real α̃ ∈ ]−π, π] tal que α = α̃ + 2kπ, para
algum inteiro k. Definimos a rotação de centro O e ângulo α como sendo RO,α = RO,α̃ .

Observe que, com essa definição, RO,−π = RO,π .

Lema 4.1.1. Sejam O um ponto do plano e α, β ∈ R. Então RO,α ◦ RO,β = RO,α+β .


4.1 Descrição das rotações 27
Prova: Provaremos inicialmente o resultado para valores de α e β no intervalo
]−π, π]. Seja P um ponto qualquer do plano e considere P 0 = RO,β (P ) e P 00 = RO,α (P 0 ).
Da definição de rotação segue que

d(O, P ) = d(O, P 0 ) = d(O, P 00 ) (4.1)

e que
medida(]P OP 0 ) = β , medida(]P 0 OP 00 ) = α. (4.2)

Podem ocorrer três situações para a soma α + β:

P0
P 00
P0

α β
α
β O
O
α + β − 2π
P
P P 00

(a) (b)

Figura 4.2: A composição de duas rotações de mesmo centro: RO,α ◦ RO,β .

i. Suponha −π < α + β ≤ π. Neste caso (veja Figura 4.2(a)),

medida(]P OP 00 ) = medida(]P OP 0 ) + medida(]P 0 OP 00 )

= α + β. (4.3)

Segue de (4.1), (4.2) e (4.3) que P 00 = RO,α+β (P ). Portanto RO,α ◦ RO,β = RO,α+β .

ii. Suponha π < α + β ≤ 2π. Neste caso (veja Figura 4.2(b)),

medida(]P OP 00 ) = − (2π − (medida(]P OP 0 ) + medida(]P 0 OP 00 )))

= α + β − 2π. (4.4)

Segue de (4.1), (4.2) e (4.4) que P 00 = RO,α+β−2π (P ). Portanto

RO,α ◦ RO,β = RO,α+β−2π

e, como pela Definição 4.1.2, RO,α+β−2π = RO,α+β , segue que RO,α ◦ RO,β = RO,α+β .
4.1 Descrição das rotações 28
iii. Suponha −2π < α + β ≤ −π. Este caso é análogo ao anterior, diferindo apenas na
orientação dos ângulos e no fato de que

medida(]P OP 00 ) = α + β + 2π,

não alterando o resultado.

Finalmente, se α, β ∈ R, então

α = α̃ + 2k1 π

β = β̃ + 2k2 π,

para k1 , k2 ∈ Z e α̃, β̃ ∈ ]−π, π]. Observe que

α + β = (α̃ + β̃) + 2(k1 + k2 )π

e que já provamos o resultado para os valores α̃, β̃ ∈ ]−π, π]. Portanto, da Definição 4.1.2
e do resultado para α̃, β̃, segue que

RO,α+β = RO,(α̃+β̃)+2(k1 +k2 )π

= RO,α̃+β̃

= RO,α̃ ◦ RO,β̃

= RO,α ◦ RO,β .

Proposição 4.1.2. Fixado um ponto O do plano, o conjunto das rotações em torno do


ponto O é um subgrupo abeliano do grupo das isometrias do plano.

Prova: Sabemos, da demonstração da Proposição 4.1.1, que a transformação


inversa da rotação de centro O e ângulo α é a rotação com mesmo centro e ângulo −α. O
Lema 4.1.1 nos diz que a composta de duas rotações centro O é uma rotacão de mesmo
centro. Além disso,

RO,α ◦ RO,β = RO,α+β

= RO,α+β

= RO,β+α

= RO,β ◦ RO,α .
4.1 Descrição das rotações 29
Como já sabemos, da Proposição 4.1.1, que as rotações são transformações do plano, segue
que formam um subgrupo abeliano do grupo de transformações do plano. Resta-nos mos-
trar somente que se tratam de isometrias, isto é, que preservam distâncias. Para isso, con-
sidere uma rotação RO,α e dois pontos quaisquer do plano, P e Q. Sejam P 0 = RO,α (P ) e
Q0 = RO,α (Q). Temos então que

d(O, P ) = d(O, P 0 ) e d(O, Q) = d(O, Q0 ) (4.5)

e que
medida(]P OP 0 ) = α e medida(]QOQ0 ) = α.

Esta última equação implica que

medida(]P OQ) = medida(]P 0 OQ0 ) (4.6)

Observe que, se P ou Q forem iguais a a O, então (4.5) já garante que d(P 0 , Q0 ) = d(P, Q).
Suponha então que os pontos P e Q sejam distintos de O. Precisamos considerar dois
casos:

i. Se P , Q e O forem colineares (veja Figura 4.3), então, supondo O entre P e Q,

d(P 0 , Q0 ) = d(P 0 , O) + d(O, Q0 ) = d(P, O) + d(O, Q) = d(P, Q);

se P estiver entre O e Q, então

d(P 0 , Q0 ) = d(Q0 , O) − d(O, P 0 ) = d(Q, O) − d(O, P ) = d(P, Q);

se Q estiver entre O e P , então

d(P 0 , Q0 ) = d(P 0 , O) − d(O, Q0 ) = d(P, O) − d(O, Q) = d(P, Q).

Q0
0
P Q

P
α α
O α
O
P Q Q 0

P0

Figura 4.3: Se P , Q e O forem colineares.


4.2 Rotação no Geogebra 30
ii. Finalmente, se P , Q e O forem não colineares, de (4.5) e (4.6) concluı́mos que pelo
caso de congruência L-A-L ( lado- ângulo-lado) os triângulos 4P OQ e 4P 0 OQ0 são
congruentes (veja Figura 4.4). Logo,

d(P 0 , Q0 ) = d(P, Q).

Q0

P0

α
α
Q
O
P
Figura 4.4: Se P , Q e O forem não colineares.

Em qualquer dos casos considerados, concluı́mos que

d(RO,α (P ), RO,α (Q)) = d(P 0 , Q0 ) = d(P, Q),

o que nos diz que RO,α é uma isometria e conclui a demonstração da proposição.

4.2 Rotação no Geogebra

Agora descreveremos como utilizar a ferramenta Rotação em Torno de um Ponto por um


Ângulo no aplicativo Geogebra. Essa ferramenta permite construir a imagem de um
objeto (ou conjunto de objetos) por uma rotação em torno de um ponto por um ângulo.

Suponha T um triângulo, O um ponto do plano e um ângulo α, como na Fi-


gura 4.5(a), e que desejemos criar a imagem de T pela rotação RO,α . Para tal, selecionamos
a ferramenta Rotação em Torno de um Ponto por um Ângulo, como na Figura 4.5(b), sele-
cionamos a seguir o objeto a ser rodado (no caso, o triângulo T ), depois clicamos no ponto
O, para especificar o centro da rotação e, finalmente, inserimos a amplitude e a orientação
do ângulo da rotação na janela de diálogo que aparece como ilustrado na Figura 4.5(c)
(no caso, para amplitude, selecionamos um ângulo já criado, α = 47◦ , que aparece na
forma de seletor no canto superior esquerdo da figura). Será criada automaticamente a
imagem do triângulo pela rotação, como na Figura 4.5(d).
4.3 Exemplo 31

(a) (b)

(c) (d)

Figura 4.5: Rotação em Torno de um Ponto por um Ângulo.

4.3 Exemplo

Neste exemplo, usaremos o geogebra para redesenhar uma das “divisões regulares do
plano” feitas pelo artista holandês M. C. Escher. Para isso, após inserir a imagem de
um dos lagartos, criamos um ponto O, que será o centro da rotação, e o ângulo θ que
foi criado com a ferramenta Seletor ou Controle Deslizante 1 , como mostra Figura 4.6(a).
Em seguida, usamos a ferramenta Rotação em Torno de um Ponto por um Ângulo para
rotacionar o lagarto em torno do ponto O de θ = 60◦ , como ilustra a Figura 4.6(b). Feito
isso, podemos mover o seletor θ, de modo a obtermos a imagem do lagarto pela rotação
1
Um seletor é a representação gráfica de um número livre, isto é, um valor escalar que pode ser
“movido”, com o uso da ferramenta mover.
4.3 Exemplo 32
de qualquer ângulo, em particular dos ângulos 120o , 180o , 240◦ e 300◦ , que são os ângulos
que geram os demais lagartos da obra de Escher, como podemos ver na Figura 4.6.

(a) (b)

(c) (d)

(e) (f)

Figura 4.6: Rotação em torno do ponto O de ângulo θ.


4.3 Exemplo 33
Outra fácil construção, mas que permite visualizar os seis lagartos simultane-
amente, pode ser feita rotacionando-se o lagarto em torno do ponto O, de 60◦ , obtendo-se
um segundo lagarto, como na Figura 4.7(b), em seguida rotacionando-se este segundo la-
garto em torno do mesmo ponto, novamente de 60◦ , obtendo-se um terceiro lagarto, como
na Figura 4.7(c). Repetindo este processo mais três vezes, obtem-se os seis lagartos que
compõem o desenho da Figura 4.7(f).

(a) (b)

(c) (d)

(e) (f)

Figura 4.7: Rotações sucessivas de centro O e ângulo θ = 60◦ .


Narciso, Caravaggio, 1594-1596. Galleria Nazionale d’Arte Antica, Roma.
35

5 Reflexão
Neste capı́tulo, estudaremos as isometrias denominadas reflexões (em relação a retas).
A obra Narciso, de Caravaggio, que se encontra na página anterior, apresenta Narciso
contemplando sua imagem refletida nas águas de um lago. O belı́ssimo efeito de reflexão
foi conseguido através do trabalho de perspectiva e pelas nuances da relação luz e sombra,
claro e escuro, que caracterizou fortemente a obra do autor. Michelangelo Merisi da
Caravaggio nasceu em Milão e se destacou como o primeiro grande pintor barroco italiano.
Esta obra se encontra em exposição na Galleria Nazionale d’Arte Antica, no Palazzo
Barberini, em Roma [7].

5.1 Descrição das reflexões

As reflexões são consideradas por alguns autores o tipo mais importante de isometrias do
plano. Esta importância se dá pelo fato de podermos obter qualquer isometria do plano
usando somente reflexões.

Dados uma reta s e um ponto P qualquer do plano. Tracemos a reta t per-


pendicular a s passando pelo ponto P e denotaremos de A o ponto de interseção entre
essas retas. Supondo que P não pertença a reta s, consideremos o (único) ponto P 0 ∈ t
que satisfaz às seguintes condições: P A + AP 0 = P P 0 e P A = AP 0 , como podemos ver
na Figura 5.1.

t
P

A
s

P0

Figura 5.1: Mediatriz do segmento P P 0 .


5.1 Descrição das reflexões 36
Notemos que a reta s é perpendicular ao segmento P P 0 e passa pelo seu ponto
médio, isto é, s é a reta mediatriz do segmento P P 0 . Observe também que se P 0 é o
reflexo de P então P é o reflexo de P 0 .

Definição 5.1.1. Dada uma reta s do plano, a reflexão em relação a s é a aplicação


que fixa todos os pontos de s e associa a cada ponto P do plano, P não pertencente a s,
o único ponto P 0 tal que s seja a reta mediatriz do segmento P P 0 .

Usaremos a notação Ls para indicar a reflexão em relação à reta s.

Proposição 5.1.1. Toda reflexão em relação a uma reta s é uma transformação do plano.

Prova: Seja Ls a reflexão em relação a uma reta s. Observe que Ls é inversı́vel


e L−1
s = Ls . De fato, se P é ponto da reta s, então Ls (P ) = P , portanto,

Ls (Ls (P )) = Ls (P ) = P.

Por outro lado, se P não for ponto de s, pela observação anterior (que se P 0 é o reflexo
de P , então P é o reflexo de P 0 ), temos que, se P 0 = Ls (P ), então Ls (P 0 ) = P . Logo,

Ls (Ls (P )) = Ls (P 0 ) = P.

Portanto, mostramos que Ls ◦ Ls (P ) = P para todo ponto P do plano. Logo L−1


s = Ls .

Proposição 5.1.2. Toda reflexão em relação a uma reta s é uma isometria do plano.

Prova: Sejam Ls a reflexão em relação a uma reta s e P , Q pontos quaisquer


do plano.

i. Se P e Q pertencem à reta s, então

Ls (P ) = P e Ls (Q) = Q,

logo,
d(Ls (P ), Ls (Q)) = d(P, Q).

ii. Suponha agora que P pertença a s e Q não pertença s. Temos então que

Ls (P ) = P e Q0 = Ls (Q) 6= Q.
5.1 Descrição das reflexões 37
Sendo A o ponto de interseção entre o segmento QQ0 e a reta s dada, temos que s é
a mediatriz de QQ0 . Portanto os segmentos AQ e AQ0 são congruentes, os ângulos
QAP e Q0 AP também são congruentes (ambos retos) e o segmento P A é comum
(veja Figura 5.2(a)). Logo, pelo caso de congruência L − A − L (lado, ângulo, lado)
os triângulos 4P QA e 4P Q0 A são congruentes, e portanto

d(Ls (P ), Ls (Q)) = d(P, Q).

Q Q

P B s
A s
A
P
Q0 0
Q0
P
(a) P pertence a s. (b) P e Q não pertencem a reta s.

Figura 5.2: Reflexão em torno de uma reta s.

Falta-nos somente demostrar que Ls preserva distância no caso em que P e Q não


pertencem à reta s.

iii. Se P e Q não pertencem à reta s, temos que

P 0 = Ls (P ) 6= P e Q0 = Ls (Q) 6= Q.

Sejam A e B os pontos de interseção entre a reta s os segmentos P P 0 e QQ0 ,


respectivamente. Os segmentos AP e AP 0 são congruentes e os ângulos P AB e
P 0 AB são ambos retos. Analogamente, QB e Q0 B são congruentes e os ângulos
QBA e Q0 BA são ambos retos (veja Figura 5.2(b)).

Da parte (ii) acima, sabemos que os triângulo BAP e BAP 0 são congruentes e por-
tanto os segmentos P B e P B 0 são congruentes e também o são os ângulos ∠ABP
e ∠ABP 0 . Como os ângulos ∠QBP e ∠Q0 BP 0 são complementares a ∠ABP
e ∠ABP 0 , respectivamente, segue que o ângulo ∠QBP é congruente ao ângulo
∠Q0 BP .

Sabemos então que são congruentes: os segmentos QB e Q0 B; os ângulos ∠QBP


e ∠Q0 BP 0 ; e os segmentos BP e BP 0 . Logo, novamente, pelo caso de congruência
5.1 Descrição das reflexões 38
L − A − L, os triângulos P QB e P 0 Q0 B são congruentes e portanto,

d(Ls (P ), Ls (Q)) = d(P, Q).

Lema 5.1.1. Sejam P um ponto não pertencente a uma reta r, P 0 o reflexo de P em


relação a reta, A o ponto de interseção entre a reta r e o segmento P P 0 e B um ponto
pertencente a reta r, B distinto de A. Se α é a medida do ângulo (orientado) ]ABP ,
então
P 0 = RB,−2α (P ).

Prova: Pela Proposição 5.1.2 temos que d(B, P ) = d(B, P 0 ), além disso, sabe-
mos da demonstração desta mesma proposição, que os triângulos ABP e ABP 0 são con-
gruentes. Logo, a medida do ângulo (orientado) ]ABP 0 é −α (o sinal negativo justifica-se
pelo fato de P e P 0 estarem em semiplanos distintos), e portanto:

medida(]P BP 0 ) = medida(]P BA) + medida(]ABP 0 )

= −α + (−α)

= −2α

Teorema 5.1.1. Sejam RO,α uma rotação de centro O e ângulo α, então existem duas
retas r e s, tais que
RO,α = Lr ◦ Ls .

Prova: Seja P um ponto qualquer do plano distinto de O e P 0 = RO,α (P ).


Sejam s a reta que passa pelo segmento OP e r a reta bissetriz do ângulo ∠P OP 0 .
Mostraremos que
RO,α (Q) = Lr ◦ Ls (Q) (5.1)

qualquer que seja o ponto Q do plano. Dividiremos essa demonstração em três casos:
5.1 Descrição das reflexões 39

Q00 r Q00 r

P0 B
Q Q
α
s α A s

2 α 2
2 Q0 β
O P O β
Q0

(a) (b)

Figura 5.3: Se Q 6= O e Q não pertencente a reta s.

i. Se Q = O, a demonstração é imediata, pois as três funções fixam O.

ii. Suponha agora Q 6= O e Q pertencente a reta s. Como Q está em s, então


Ls (Q) = Q. Sejam
Q0 = Lr (Q) = Lr (Ls (Q));
α
A o ponto dado pela intersecção entre a reta r e o segmento QQ0 ; e − a medida
2
do ângulo (orientado) ]AOQ. Pelo Lema 5.1.1, temos que

Q0 = RO,−2(− α ) (Q),
2

ou seja,
Lr (Ls (Q)) = RO,α (Q).

iii. Finalmente, suponha agora Q 6= O e Q não pertencente a reta s. Sejam Q0 = Ls (Q)


e Q00 = Lr (Q0 ) = Lr (Ls (Q)). Sejam ainda A o ponto dado pela intersecção entre
a reta s e o segmento QQ0 ; B, o ponto dado pela intersecção entre a reta r e o
segmento Q0 Q00 ; e β a medida do ângulo orientado ]AOQ. Pelo Lema 5.1.1, temos
que
Q0 = RO,−2β (Q).
 α
Agora, −β − é a medida do ângulo orientado ]BOQ0 que é a soma das medidas
2
de ]AOQ0 e ]BOA. Portanto, pelo Lema 5.1.1, temos que

Q00 = RO,−2(−β− α ) (Q0 )


2

= RO,2β+α (Q0 )

= RO,2β+α (RO,−2β (Q))

= RO,α (Q)
5.1 Descrição das reflexões 40

Teorema 5.1.2. Seja T~v uma traslação por um vetor não nulo ~v , então existem duas
retas paralelas r e s, tais que
T~v = Lr ◦ Ls .

Prova: Seja P um ponto qualquer do plano e P 0 = T~v (P ). Pela Proposição


3.1.3 sabemos que T~v não tem pontos fixos, portanto P 0 é distinto de P . Denote por
d > 0, a distância do segmento orientado P P 0 . Suponhamos s a reta perpendicular ao
segmento P P 0 e que passa por P e r a reta mediatriz do segmento P P 0 . Mostraremos que

T~v = Lr ◦ Ls .

Seja Q um ponto qualquer do plano e m a reta que passa pelo ponto Q e é perpendicular à
reta s. Então a reta m será paralela à reta que contém o segmento P P 0 (veja Figura 5.4).
Fixaremos orientações nessas retas de modo que os segmentos orientados dessas retas te-
−→
nham medida (orientada) positiva se tiverem a mesma orientação do vetor P P 0 e negativa,
caso contrário. De modo que a medida(P P 0 ) = d (> 0) e medida(P 0 P ) = −d (< 0).

s r
d
2

P P0

d d
x x 2
−x
2
−x

Q A Q0 B Q00 m

Figura 5.4: Mediatriz do segmento P P 0 .

Sejam A o ponto de interseção entre as retas m e s e

x = medida(QA).

Se Q0 = Ls (Q), segue que


medida(QQ0 ) = 2x.

Denote B o ponto de interseção entre as retas m e r e seja

Q00 = Lr (Q0 ) = Lr ◦ Ls (Q) .


5.1 Descrição das reflexões 41
d
Como medida(AB) = (pois r é a mediatriz do segmento P P 0 ), segue que
2
d
medida(Q0 B) = − x.
2
Portanto,

medida(Q0 Q00 ) = 2 medida(Q0 B)


d
= 2 ( − x)
2
= d − 2x.

Assim, podemos finalmente concluir que

medida(Q0 Q00 ) = medida(QQ0 ) + medida(Q0 Q00 )

= 2x + d − 2x

= d.

Portanto o segmento orientado QQ00 é equipolente ao segmento orientado P P 0 , logo

Q00 = T~v (Q) ,

ou seja,
Lr ◦ Ls (Q) = T~v (Q) .

Teorema 5.1.3. Toda isometria do plano f pode ser obtida através da composição de
uma translação, seguida de uma rotação e, eventualmente, seguida de uma reflexão.

Prova: Dados f uma isometria do plano e A, B, C pontos não colineares do


plano tais que f (A) = A∗ , f (B) = B ∗ e f (C) = C ∗ (veja Figura 5.5).
B∗

C∗
B

C
A A∗
Figura 5.5: As imagens de A, B e C pela isometria f : A∗ , B ∗ e C ∗ .
5.1 Descrição das reflexões 42
Sabemos, pelo Corolário 2.1.1, que duas isometrias do plano são iguais se coin-
cidem em três pontos distintos e não colineares. Usaremos este resultado para demonstrar
o Teorema. Para isso, determinaremos uma translação T , uma rotação R e, se necessário,
uma reflexão L, de tal forma que L◦R◦T coincida com f nos pontos A, B e C, concluindo
então que
L ◦ R ◦ T = f.
−→
Sejam ~v =AA∗ e T = T~v a translação na direção do vetor ~v . Denotemos, agora,
por A0 , B 0 , C 0 as imagens de A, B e C pela translação T , conforme a Figura 5.6,



 A0 = T (A) = A∗

B0 = T (B)


C0 = T

(C) .

B∗

C∗
B B0

C C0
A ~v A0 A∗

Figura 5.6: As imagens de A, B e C pela translação T : A0 , B 0 e C 0 .

Pela Proposição 3.1.2 sabemos que a translação é uma isometria do plano, logo

d(A∗ , B 0 ) = d (T (A), T (B)) = d(A, B) = d (f (A), f (B)) = d(A∗ , B ∗ ). (5.2)

Denotemos por θ a medida do ângulo orientado ]B 0 A∗ B ∗ . Sejam R = RA∗ ,θ


a rotação de centro A∗ e ângulo θ e A00 , B 00 , C 00 as imagens de A0 , B 0 e C 0 pela rotação
R, como na Figura 5.7.
5.1 Descrição das reflexões 43

B 00


C 00
C
B B0

θ
C C0
A A00 A∗

Figura 5.7: As imagens de A0 , B 0 e C 0 pela rotação R: A00 , B 00 e C 00 .

Note que, como A0 (= A∗ ) é o centro da rotação, então A00 = A0 . Como


d(A∗ , B 0 ) = d(A∗ , B ∗ ) (equação (5.2)) e θ = medida(]B 0 A∗ B ∗ ) então B 00 = R(B 0 ) = B ∗ .
Portanto, resumindo, temos



 A00 = R (A0 ) = R ◦ T (A) = A∗

B 00 = R (B 0 ) = R ◦ T (B) = B ∗


 C 00 = R (C 0 ) = R ◦ T (C) .

Finalmente, como R ◦ T é uma isometria (isto é conseqüência das proposições 1,2 e 3)


e f é também isometria, então o ângulo ∠C 00 A∗ B ∗ e o segmento A∗ C 00 são congruentes,
respectivamente, a ∠C ∗ A∗ B ∗ e A∗ C ∗ . Dois casos agora podem ocorrer:

←→
(i) Se o segmento A∗ C 00 estiver no mesmo semi-plano determinado pela reta A∗ B ∗
que o segmento A∗ C ∗ , então necessariamente os segmentos coincidem, e portanto
C 00 = C ∗ . Nesse caso, teremos que



 R ◦ T (A) = A∗ = f (A)

R ◦ T (B) = B ∗ = f (B)


 R ◦ T (C) = C ∗ = f (C),

e o teorema fica demonstrado.

(ii) Se o segmento A∗ C 00 estiver no semi-plano oposto (veja Figura 5.8), então o triângulo
A∗ C 00 C ∗ é isósceles e, sendo M o ponto de intersecção do segmento C 00 C ∗ com a reta
←→
A∗ B ∗ , então temos que o segmento A∗ M é bissetriz do triângulo (pois ∠C 00 A∗ B ∗ é
congruente a ∠C ∗ A∗ B ∗ ) e portanto é também altura e mediana.
5.2 Reflexão no Geogebra 44

00
B∗ B

M C 00
C∗
B

C
A∗ A00
A

Figura 5.8: A imagem de C 00 pela reflexão L: C ∗ .

←→
Logo C ∗ C 00 é perpendicular à reta A∗ B ∗ e C 00 M é congruente a C ∗ M . Isto significa
←→
que a reflexão em torno da reta A∗ B ∗ , L = L ←→ , leva C 00 em C ∗ . Observe ainda
A∗ B ∗
que L(A∗ ) = A∗ e L(B ∗ ) = B ∗ e portanto



 L ◦ R ◦ T (A) = L(A∗ ) = A∗ = f (A)

L ◦ R ◦ T (B) = L(B ∗ ) = B ∗ = f (B)


 L ◦ R ◦ T (C) = L(C 00 ) = C ∗ = f (C),

o que conclui a demonstração.

Para finalizarmos, enunciaremos o resultado que afirma que toda isometria


pode ser obtida através de composição de reflexões. Este resultado é conseqüência imedi-
ata dos Teoremas 5.1.1, 5.1.2 e 5.1.3.

Corolário 5.1.1. Toda isometria do plano pode ser obtida através da composição de até
cinco reflexões.

5.2 Reflexão no Geogebra

Descrevemos nesta seção como utilizar a ferramenta Reflexão em Relação a uma Reta
no aplicativo Geogebra. Essa ferramenta permite construir a imagem de um objeto (ou
conjunto de objetos) por uma reflexão em relação a uma reta. Suponha que tenhamos
construı́do um triângulo T e uma reta r, como na Figura 5.9(a), e que desejamos criar a
imagem de T pela reflexão Lr . Para tal, selecionamos a ferramenta Reflexão em Relação
5.3 Exemplo 45
a uma Reta, como na Figura 5.9(b). A seguir, primeiramente selecionamos o objeto a ser
refletido (no caso, o triângulo) e, depois, clicamos na reta r que será a reta de reflexão.
Será criada automaticamente a imagem do triângulo pela reflexão, como na Figura 5.9(c).

(a) (b)

(c)

Figura 5.9: Reflexão em relação a uma reta.

5.3 Exemplo

Neste exemplo, usaremos o geogebra para fazer uma montagem com a obra O Narciso
de Caravaggio. Após inserir a imagem, criamos uma reta r que usaremos para refletir a
parte superior da imagem como mostra Figura 5.10.
5.3 Exemplo 46

Figura 5.10: Reta r de reflexão

Em seguida, inserimos uma nova imagem, onde só aparece a parte superior da
imagem original1 , conforme a Figura 5.11:

Figura 5.11: Imagem recortada a ser refletida em torno da reta r.


1
O recorte da imagem original pode ser feito em qualquer editor usual de imagens, como Gimp, Paint,
CorelDraw, etc.
5.3 Exemplo 47
Finalmente utilizamos a ferramenta Reflexão em Relação a uma Reta para
gerar a imagem da figura original pela reflexão em relação à reta r, como ilustrado na
Figura 5.12. Observe que a imagem gerada é diferente da imagem original.

Figura 5.12: Imagem original e imagem montada através da reflexão.


Referências Bibliográficas

[1] ALVES, Sérgio & GALVÃO, Maria Elisa Esteves Lopes. Um estudo geométrico das
transformações elementares. São Paulo, IME-USP, 1996.

[2] ESCHER, Mauritis C. Gravura e Desenhos. TASCHEN GmbH, 2006.

[3] HOHENWARTER, Markus & HOHENWARTER, Judith. Documento de Ayuda de


GeoGebra Manual Oficial de la Versión 3.2. Disponı́vel em: http://www.geoge-
bra.org/help/docuen.pdf. Acesso em: 01 de novembro de 2011.

[4] LIMA, Elon Lages. Isometrias. Coleção do Professor de Matemática. 2a ed. Rio de
Janeiro, SBM, 1996.

[5] MAXWELL, E. A. Geometry by Transformations. Cambridge, 1975.

[6] SCHATTSCHNEIDER, Doris & WALKER, Wallace. Caleidociclos de M. C. Escher.


TASCHEN GmbH, 2004.

[7] Disponı́vel em: http://www.galleriaborghese.it/barberini/it/palazzo.htm. Acesso


em: 15 de dezembro de 2011.

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