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MOTIVAÇÃO: MITOS,
CRENÇAS E MAL-ENTENDIDOS

de "pura reação" (condicionamento) e o que deve ser


• Cecília W. Bergamini reconhecido como "motivação autêntica". Este artigo
Professora do Departamento de Administração tem como objetivo delimitar o domínio de cada um
Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV e da desses fenômenos tão heterogêneos, mostrando, em
Faculdade de Economia e Administração da USP. particular, quais são as formas de comportamento
definidas pela psicologia como o resultado da ação das
RESUMO: Se no âmbito das especulações puramente variáveis extrínsecas ao indivíduo e que, pelo simples
intelectuais, o fenômeno da motivação não parece apre- fato de o induzirem à ação, foram erroneamente con-
sentar maiores dificuldades, no domínio concreto do sideradas como típicas da verdadeira motivação.
conhecimento prático, uma confusão generalizada ins-
talou-se há muito, não permitindo que progressos sig- PALA VRAS-CHA VE: Motivação, condicionamento,
nificativos sejam feitos por aqueles que buscam eficácia comportamento, variáveis extrínsecas, variáveis in-
no dia a dia de trabalho dentro das organizações. trínsecas, estilo motivacional.
Trata-se da confusão entre aquilo que se deve chamar

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 30(2) 23-34 Abr./Jun.1990 23


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o QUE EXISTE SOBRE A MOTIVAÇÃO mesmos para fazerem jus às responsabilidades


que lhes foram confiadas, ficarão facilmente de-
A diversidade de interesses percebida entre os siludidos ao perceberem que o resto do mundo
indivíduos permite aceitar, de forma razoavel- não é tão responsável como eles, considerando,
mente clara, a crença segundo a qual as pessoas com certo pessimismo, que existe uma grande
não fazem as mesmas coisas pelas mesmas quantidade de pessoas que não levam nunca nada
razões. É dentro dessa diversidade que se encon- suficientemente a sério. Muitos indivíduos que
tra a mais importante fonte de compreensão a res- regem suas vidas de forma sistematicamente lógi-
peito de um fenômeno que apresenta aspectos ca, procurando usar de toda objetividade possível
aparentemente paradoxais: a motivação humana. nas decisões que tomam, sentir-se-ão pouco à von-
Dessa forma, parece inapropriado que uma sim- tade convivendo com decisores mais intuitivos e
ples regra geral possa ser suficiente para explicar superficiais, que se apóiam em informações pouco
esse fenômeno de maneira mais precisa. significativas. Por outro lado, existem ainda outras
Em realidade, como os indivíduos são dife- pessoas que prezam, sobretudo, o apreço dos de-
rentes uns dos outros, não somente desde o nasci- mais por elas e estão incondicionalmente preocu-
mento sendo portadores. de sua própria bagagem padas em viver uma vida socialmente harmo-
inata (código genético, experiências da vida intra- niosa. Assim sendo, esses hábeis diplomatas estão
uterina e do momento do parto) como também sempre prontos a rever suas posições e opiniões
porque eles acumularam experiências que lhes pessoais e isso faz com que muitas vezes sejam jul-
são pessoais ao longo das suas diferentes etapas gados como alguém que não pensa pela própria
de vida (infância, adolescência, maturidade e ve- cabeça, perdendo um tempo precioso a se preocu-
lhice), torna-se necessário, o mais urgentemente par com as opiniões alheias.
possível, rever certos princípios muito divulgados No geral, a grande maioria dos pressupostos
dentro do campo das crenças populares. Quando básicos que apóiam as teorias voltadas à expli-
se fala de motivação, parece indispensável, logo cação da motivação do ser humano foram sim-
de início, mudar um provérbio no qual muito se plesmente concebidos a partir de um conjunto de
acredita, que é: "Faça aos outros o que queres que te dados estatísticos e, por isso mesmo, abstratos,
façam", para um outro ainda desconhecido que que retratam o perfil de uma amostra da popu-
diz: "Faça aos outros aquilo que eles querem que lhes lação, mas não explicam, realmente, a maneira
seja feito" . particular pela qual cada um dos componentes
A sociedade está rica de exemplos que ilustram desse grupo leva a sua existência de ser humano
até que ponto os indivíduos têm expectativas motivado. Sob o ponto de vista da compreensão
diferentes e, portanto, cada um deles está voltado intelectual, essas informações podem ser bastante
para a busca dos seus próprios organizadores de conhecidas e sua lógica, na grande maioria dos
comportamentos motivacionais ímpares. Os in- casos, mostra-se racionalmente irrefutável. É jus-
contáveis objetivos motivacionais e as diferentes tamente nesse tipo de abordagem que reside o
maneiras de persegui-los deixam isso claro, grande engano gerador dos principais mal-enten-
chegando mesmo a personificar as múltiplas fa- didos a respeito daquilo que se tem estudado co-
cetas e variações típicas do fenômeno da moti- mo motivação.
vação humana. Essas tentativas teórico-racionais, que explicam
Não é tão fácil compreender o outro e valorizar apenas um ser humano abstraído de sua natureza
de forma justa suas intenções e seus motivos. Uma existencial, tornaram possível a emergência e a
pessoa que demonstre entusiasmo frente aos de- rápida difusão de pontos de vista, opiniões e
safios oferecidos pelas oportunidades com as crenças pessoais tão abundantes quanto díspares
quais se defronta, estando pronta a agir com rapi- sobre a fenomenologia da motivação, os quais têm
dez na resolução de problemas, terá muita facili- levado mais à confusão do que ao esclarecimento.
dade em acreditar que todo o mundo reage com a De fato, com tantas explicações a respeito das
mesma rapidez. Isso, não há dúvida, pode provo- características específicas da motivação, os teóricos
car nos outros mais prudentes que ela a de- contemporâneos tinham à mão tudo aquilo de que
sagradável impressão de que se trata de alguém necessitavam para construir uma "nova torre de
temerário e irresponsável. Outros mais, que se Babel". Previsivelmente, todo esse acervo de mitos,
deixam guiar pelo desejo de dar o melhor de si crenças e mal-entendidos, transforma em missão

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impossível qualquer esforço de conciliar pontos de Algumas pessoas afirmam que é necessano
vista tão profundamente diferentes e, por que não, aprender a motivar os outros, enquanto outras
antagônicos. Cada teórico, então, buscou ansiosa- acreditam que ninguém pode jamais motivar
mente atingir o ápice do verdadeiro conhecimento, quem quer que seja. Essas duas maneiras de pen-
mas cada um deles serviu-se de uma linguagem sar são a ilustração da crença de que existem
pessoal, desprovida de qualquer sentido para os diferentes maneiras de justificar as ações' hu-
demais. Foi assim que se desenvolveu vasta quan- manas. No primeiro caso, pressupõe-se que a
tidade de imprecisões a respeito de um conceito força que conduz o comportamento motivado es-
que deveria ter sido proposto com maior fidedig- tá fora da pessoa, quer dizer, nasce de fatores ex-
nidade em relação às pessoas concretas. trínsecos que são, de certa forma, soberanos e a-
Dentro de um clima de confusão generalizada, lheios à sua vontade. No segundo caso, subjaz a
não se pode estranhar a aparição de grupos que crença de que as ações humanas são espontâneas
adotaram enfoques tão diferentes sobre um mes- e gratuitas, uma vez que têm suas origens nas im-
mo tema de estudo. Para alguns deles, parecia im- pulsões interiores; assim sendo, o próprio ser hu-
possível compreender esse verdadeiro mistério mano traz em si seu potencial e a fonte de origem
chamado motivação humana - portanto, melhor do seu comportamento motivacional.
seria que o assunto fosse esquecido. Para outros, a Embora seja possível reconhecer que as pessoas
confusão instaurada representava um grande de- podem agir, seja movidas por agentes externos, se-
safio, que não poderia ser vencido senão através ja impulsionadas por suas forças interiores, não se
da concentração de esforços que levassem a um pode confundir esses dois tipos de comportamen-
aprofundamento de investigações até que nova- to, uma vez que eles são qualitativamente distin-
mente o tema central fosse redescoberto. tos e por isso merecem explicações diferentes.
Como é fácil perceber, uma quantidade enorme Quando os determinantes do comportamento se
de teorias e hipóteses foram se acumulando nas encontram no meio ambiente, aquilo que se obser-
últimas três décadas, gerando interpretações e va pode ser concebido como uma simples reação
modelos os mais variados quanto à compreensão comportamental do indivíduo ao estímulo de tais
do assunto em pauta. A decorrência lógica, nasci- fatores. Autores como Herzberg, por exemplo,
da da dificuldade de escolher-se uma orientação chamam-no de movimento. Quando a ação tem
precisa, como ponto de apoio do estudo da moti- como origem o potencial propulsor, interno à
vação, fica evidente quando se descobre uma es- própria pessoa, aquilo que se observa em termos
pécie de decepção frente a tantas teorias. A partir comportamentais é realmente identificado como
daí, cada um passa a adotar sua própria interpre- motivação. No primeiro caso, a atividade compor-
tação a respeito do comportamento motivacional. tamental cessa com o desaparecimento da variável
A multiplicidade de abordagens, no entanto, exterior, enquanto no segundo, a pessoa continua
reflete, sem dúvida alguma, a importância capital a agir por si mesma o tempo necessário para que
desse aspecto tão eminentemente característico do sua necessidade interior seja satisfeita.
ser humano. Parece, pois, não somente necessário A característica da reação ou do simples movi-
como também oportuno, repensar a motivação, mento é a de ter sua origem nas teorias comporta-
examinando mais uma vez, de maneira suficiente- mentalistas, também conhecidas em psicologia
mente crítica, o acervo atual básico de conheci- como behavioristas ou experimentalistas. Nesse
mentos sobre o assunto. Talvez seja este o mo- caso, especificamente, existe uma ligação
mento de tentar novamente "colocar em pé, o ovo necessária entre o estímulo, considerado como
de Colombo". uma modificação ambiental, e a resposta compor-
tamental, que é concebida como uma espécie de
o QUE NÃO É MOTIVAÇÃO acomodação do organismo vivo às modificações
operadas no meio ambiente. Milhollan & Forisha'
Como se pode facilmente perceber, o termo assim se referem a esse respeito: "A orientação
motivação tem sido empregado com os mais comportamentalista considera o homem como um or-
diferentes significados. Tal fato tem se constituído
no primeiro e mais importante passo para a ins-
tauração de uma grande confusão sobre o real 1. MILHOLAN, F. & FORISHA, B.. From Skinner to
conteúdo por ele abrangido. Rogers Contrasting Approaches to Education. U.s.A., 1972.

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ganismo passivo, governado pelos estímulos fornecidos perimental de tal forma que ele ofereça um
pelo ambiente exterior. O homem pode ser manipulado, choque elétrico a cada vez que o animal acione o
o que significa que seu comportamento pode ser con- dispositivo, ele descobre aquilo que chama de
trolado através do planejamento adequado de um con- Reforço Negativo (choque elétrico) e que repre-
junto específico de estímulos ambientais. Ainda mais, senta um acontecimento punitivo que se segue
as leis que governam os homens são fundamentalmente imediatamente à ação animal, diminuindo, por
idênticas às leis universais que governam os fenômenos isso, a freqüência desse comportamento, até que
naturais". o suprima definitivamente do comportamento
As descobertas feitas por Pavlov a respeito do expresso.
Reflexo Condicionado representam um impor- Segundo Skinner, à semelhança daquilo que se
tante passo inicial para as teorias que tomaram passa com os animais estudados dentro do seu
por base a observação de animais em laboratórios. laboratório, a personalidade do homem é suscep-
Essa é a razão pela qual tais pesquisadores são tível de ser modelada de acordo com uma progra-
chamados de experimentalistas. Submetido a um mação previamente estabelecida e dentro da qual
estímulo externo (som de uma campainha), o cão há que se prever um rigoroso controle das va-
de Pavlov adota um comportamento específico, riáveis exteriores. Adotando esse enfoque, a moti-
inédito até então, que é o da salivação. vação passa a ser compreendida como um esque-
Quando Edward Lee Thorndike propõe a Lei ma de ligação Estímulo-Resposta. Dessa forma,
do efeito, a partir da observação do comporta- escolhe-se com antecedência aqueles comporta-
mento de gatos famintos no interior de uma caixa mentos que deverão ser estruturados através de
especial, ele está se referindo à estruturação de reforçadores positivos, da mesma forma que se
comportamentos específicos e dependentes do pode programar com antecedência condutas a
oferecimento de recompensas exteriores. Thom- serem extintas por reforçadores negativos, com
dike propõe a teoria segundo a qual a personali- vistas à "programação do tipo de Repertório Psí-
dade é concebida como sendo fruto da aprendiza- quico que se esteja pretendendo estruturar em cada in-
gem, quer dizer, do processo através do qual as divíduo". A teoria de Skinner é bem ilustrada
respostas comportamentais corretas passam a fa- através de sua obra Beyond Freedom and Dignity e
zer parte daquilo que os experimentalistas cha- que em português parece ter.sido traduzida com
mam de repertório psíquico. Conseqüentemente, grande propriedade sob o título de O mito da
os comportamentos ligados às respostas incorre- liberdade'.
tas e que, portanto, não foram recompensadas pe- Essas teorias inspiradas no condicionamento
lo alimento, sofrem um processo de extinção, não conseguido através de variáveis extrínsecas às
sendo mais passíveis de observação no comporta- pessoas, ilustram, de maneira clara, o comporta-
mento expresso do animal. mento reativo, que leva ao movimento e não aqui-
Skinner, mundialmente conhecido por ter ela- lo que se pode chamar de motivação. De acordo
borado a Teoria do Reforço, retoma o conceito com tais pressupostos teóricos, as ações das pes-
de recompensa proposto por Thorndike. Ele soas, nas suas mais variadas circunstâncias de vi-
pode ser considerado como o mais típico repre- da, são dirigidas por aqueles que manipulam as
sentante da escola behaviorista, elaborando os variáveis existentes no ambiente transformando-
conceitos de Reforço Positivo e Reforço Negati- as em recompensas ou em punições. Para os com-
vo como elementos decisivamente poderosos no portamentalistas, a reação é uma maneira de se
processo de estruturação e extinção de compor- comportar que foi adquirida ou estruturada em
tamentos. função das recompensas recebidas. Nesse caso,
Trabalhando com ratos e pombos, Skinner des- seria inexato admitir que as pessoas sejam "moti-
cobre que, a cada vez que os animais recebem o vadas" por outras - seria mais adequado admitir
alimento porque bicaram ou acionaram um certo que elas podem ser colocadas em movimento por
dispositivo, eles passam a repetir o comporta- meio de uma seqüência de hábitos que são o fruto
mento que foi recompensado. Ele chama, então, de um condicionamento imposto pelo poder das
de Reforço Positivo esse acontecimento (oferta forças condicionantes do meio exterior.
de alimento) que vem imediatamente após a ação
e que aumenta a freqüência da sua repetição. De 2. SKINNER, B.F. O Mito da Liberdade. Rio de Janeiro,
maneira inversa, preparando o equipamento ex- Bloch Editores, 1971.

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Admite-se então que aquilo que alguns autores empresas e que abonam a crença de que não só se
como Herzberg, por exemplo, denominam movi- pode como também se deve fazer com que as
mento nada mais é do que a reação que surge e pessoas mudem a partir de uma programação
que perdura enquanto um reforçamento positivo controlada das variáveis extrínsecas a elas. Por
está presente e que semelhantemente, desaparece exemplo, Connellan afirma: "As técnicas para a
quando tal tipo de recompensa não é oferecida ou mudança do comportamento humano existem não só
em lugar dela se oferecem ao sujeito reforçadores em teoria, mas também na prática; essas técnicas têm
negativos, isto é, punições. apresentado retorno financeiro muitas e muitas vezes.
O fenômeno aqui descrito como reação ou Hoje em dia, só existe um motivo para uma prolonga-
movimento tem sido utilizado por um grande da baixa de produtividade devido a um comportamen-
número de teorias e escolas de administração to humano inadequado: quando o custo do comporta-
com o objetivo de estudar o comportamento mo- mento desejado é maior que os benefícios da
tivacional em circunstâncias de trabalho. Os peri- mudança'", Dessa forma, ele atribui ao especia-
gos da adoção desse tipo de crença são muito nu- lista do comportamento motivacional a classifi-
merosos. Tal posição teórica pode ter conseqüên- cação por ordem de prioridade, das variáveis que
cias indesejáveis e até certo ponto perigosas, na compõem o ambiente empresarial de maneira a
medida em que essas escolas valorizam certos as- conseguir obter, exclusivamente, certos compor-
pectos que, em realidade, não têm nada a ver tamentos por parte daqueles que nela trabalham.
com aquilo que pode ser considerado como o Partindo dessa concepção, supõe-se, então, que o
mais importante quando se deseja contar com líder mais eficaz seja aquele que consiga melhor
pessoas motivadas dentro do contexto organiza- dirigir o comportamento dos seus subordinados
cional. na direção de objetivos fixados com antecedência
O perigo inicial e que merece particular pela empresa, independentemente da vontade
atenção é o de se chegar a uma falsa compreen- desses mesmos indivíduos.
são da pessoa que está verdadeiramente motiva- As numerosas pesquisas que foram feitas no
da. Não é difícil concluir que quando se adota a campo das ciências do comportamento, con-
orientação behaviorista ao descrever o ser hu- seguiram mostrar que ninguém consegue mudar
mano, está-se implicitamente de acordo com a como popularmente se afirma: "Ele mudou da
crença de que as pessoas mudam seu comporta- água para o vinho". Essas pesquisas demonstram
mento e sua maneira de ser de acordo com os unanimemente que aquilo que se consegue, na
condicionadores aos quais elas se encontram sub- realidade, é promover modificações superficiais
metidas. Talvez seja demasiado tarde quando se no comportamento, feitas a partir da própria von-
perceba que a realidade é bem diferente, na me- tade de cada pessoa que vê benefícios em "que-
dida em que as mudanças comportamentais não brar certas arestas" para melhorar seu relaciona-
são assim tão radicais e profundas como aquilo mento interpessoal, mas porque ela assim o quer.
que pretendem os psicólogos comportamentalis- Mesmo que as pessoas comecem a se mostrar
tas. Conforme afirmam Davis & Newstrom, diferentes daquilo que se está habituado a obser-
"Modificação comportamental tem sido criticada sob var, é extremamente perigoso pedir ou mesmo
vários aspectos, incluindo sua própria filosofia, méto- exigir que mudem para se encaixarem dentro de
dos e aplicabilidade. Devido à grande força das conse- um modelo julgado ideal; isso ameaça o seu
qüências desejáveis, a modificação comportamental próprio sentido de identidade pessoal definido e
pode efetivamente forçar as pessoas a mudarem seus mantido ao longo de toda a vida.
comportamentos. Nesse sentido, ela manipula as pes- A corrente fenomenológica em psicologia
soas e é inconsistente com os pressupostos do enfoque "considera o homem como fonte de todos os atos. O
humanístico, discutidos anteriormente e segundo os homem é essencialmente livre de fazer escolhas em cada
quais as pessoas querem ser autônomas e auto-rea-
lizadas. Alguns críticos também temem que a modifi- 3. DAVIS, K. & NEWSTROM, J.w. Human Behavior at
cação de comportamento dê excessivo poder aos ad- Work - Organizational Behavior. New York, McGraw-
ministradores, levando à seguinte questão: quem irá Hill Book Company, 1989, p.1I8.
controlar os controladoree?">.
4. CONNELLAN, T.K. Fator Humano e Desempenho
Existem também outros livros que tratam es- Empresarial. São Paulo, Editora Harpper & Row do
pecificamente da Administração de Pessoal nas Brasil Ltda., 1984, p.6.

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situação. O ponto focal dessa liberdade é a consciência recompensa ou a punição que estão ligadas a ela
humana. Comportamento é, assim, apenas a expressão são retiradas, o comportamento do indivíduo de-
observável e a conseqüência de um mundo do ser inter- saparece, ou melhor, que tal comportamento não
no, essencialmente privado. Portanto, só uma ciência se mantém por si mesmo. Se todas as vezes que
do homem que comece com a experiência, tal como é alguém falta ao trabalho ou se atrasa dá-se uma
imediatamente dada nesse mundo pode ser adequada ao punição sob forma de perda salarial, a partir do
organismo humano": A idéia subjacente a essa momento em que essa conseqüência indesejável
crença é que cada homem vive uma realidade desapareça, o comportamento não desejável rea-
subjetiva, própria a ele, privada e pessoal, cheia parecerá, isto é, ela voltará a faltar e atrasar-se.
de sentimentos, emoções e percepções que não Por outro lado, se um aumento no nível de ven-
pertencem senão a si mesmo, e que somente a ele das é recompensado por uma gratificação espe-
é dado orientar-se na direção que considere como cial, a partir do momento em que esse prêmio
a melhor. deixe de ser oferecido, o comprometimento dos
A visão sistêmica em administração também vendedores diminuirá e as vendas cairão a um
oferece modelos destorcidos da compreensão da nível provavelmente inferior àquele atingido
motivação humana. Ela parece ter aceitado como antes do sistema de premiação.
verdadeiros os pressupostos dos teóricos beha- É válido lembrar e ressaltar, uma vez mais, que
vioristas a partir dos quais um determinado estí- se torna impossível deixar de utilizar fatores ex-
mulo (input) será o suficiente para disparar neces- ternos que foram anteriormente colocados em
sariamente uma resposta que lhe corresponda ação (prêmios ou punições). Ainda que muitos
(output). A visão sistêmica concebe o ser humano dos empregados se queixem da qualidade das
como um sistema aberto, composto de partes que refeições financiadas pela empresa, será ainda
interagem entre si de maneira organizada e pre- mais dramático retirar-lhes esse benefício. Talvez
visível. É suficiente pensar nas experiências do seja essa a razão pela qual Herzberg" faz a dis-
dia-a-dia para que se veja claramente como é tinção entre fatores de motivação e fatores ex-
temerário apostar na previsibilidade sobre aquilo trínsecos que chama de higiênicos. Ele propõe
que as pessoas farão no futuro. A partir da visão que os primeiros sejam espontaneamente escolhi-
sistêmica, cada ser humano deveria funcionar de dos e perseguidos pelo indivíduo. Os fatores de
maneira semelhante a um computador, sendo ali- manutenção ou higiene oferecidos pela empresa,
mentado de informações e estímulos, para poste- quando inexistem, fazem com que as pessoas
riormente processálos devolvendo o produto adotem condutas passivas. Para que o movimento
desse processamento sob a forma de comporta- seja restabelecido, é necessário acenar com tais fa-
mentos desejáveis, ou que tenham, previamente, tores - como se fosse constantemente necessário
sido planejados como tais. empurrar ou puxar as pessoas para que se
O perigo maior de considerar os fatores ex- movam.
trínsecos ao indivíduo como a força motriz da sua Raramente se faz justiça a D. McGregor que já
motivação é o de levar uma razoável quantidade em 1954 mostra a diferença entre a satisfação de
de empresas a cometerem erros grosseiros. Muito necessidades básicas atingida por meio do ofere-
tempo e energia foram perdidos no planejamento cimento de fatores exteriores às pessoas e as ne-
de medidas tais como: horários flexíveis, férias cessidades que ele denomina de sociais e de Ego.
adicionais, condições ambientais de trabalho, con- Em seu livro, publicado antes dos trabalhos de
cessão de prêmios, planos de benefícios, aumen- Herzberg, que apareceram em 1959, McGregor já
tos de salário por mérito, lugares especiais no levanta a suspeita de que deverá haver uma certa
estacionamento etc. porque acreditou-se que tais distinção entre fatores intrínsecos e extrínsecos
fatores teriam o condão de aumentar a motivação quando utiliza a metáfora da "cenoura na ponta
daqueles que trabalham. Essas pessoas, a partir da vara". É ele que afirma: "0 indivíduo cujas ne-
de então, passaram a supor que essas eram as
únicas fontes de satisfação que suas organizações
5. MILHOLAN, F. & FORISHA, B. Op. cit.,p. 17.
lhes poderiam oferecer.
Quando se consideram fatores extrínsecos ao 6. HERZBERG, F.; MAUSNER, B. & SNYDERMAN,
indivíduo como elementos que condicionam a B. The Motivation to Work. New York, John Wiley &
reação, é importante ter em mente que quando a Sons, Inc., 1959.

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cessidades de nível inferior foram satisfeitas não está preender, e então prever os modos como os indivíduos
motivado para satisfazê-las mais. Praticamente, elas são motivados, poderíamos influenciá-los, alterando os
deixam de existir (...) A administração indaga fre- componentes desse processo de motivação. Tal com-
qüentemente por que o pessoal não produz mais. Pa- preensão poderia certamente levar à obtenção de
gamos bons salários, damos ótimas condições de tra- grande poder, uma vez que permitiria o controle do
balho, proporcionamos estabilidade de emprego, além comportamento sem as armadilhas visíveis e impopu-
de excelentes benefícios adicionais. O pessoal, entre- lares do controle. Os primeiros trabalhos acerca da
tanto, parece não estar disposto a despender senão um motivação demonstraram preocupação em encontrar
esforço mínimo. O pessoal reivindicará insistente- os modos pelos quais o indivíduo poderia ser motiva-
mente maiores salários. Torna-se mais importante do do e aplicar mais do seu esforço e talento a serviço do
que nunca comprar bens e serviços materiais que seu empregador. É mera questão de justiça acrescen-
eventualmente satisfaçam, até certo ponto, essas ne- tarmos que muitos desses teóricos também se preocu-
cessidades frustradas. Embora o dinheiro represente pavam em encontrar uma resposta que fosse coerente
apenas um valor limitado no preenchimento de muitas com a dignidade e independência essenciais do indiví-
necessidades de alto nível, talvez se torne o foco prin- duo. Talvez devêssemos sentir alívio quanto ao fato de
cipal do interesse se for o único meio disponioel'". que não foi encontrada qualquer fórmula garantida de
Parece indispensável levar em consideração motioação'":
que o ser humano, diferentemente dos animais, Por princípio, na medida em que se aceite o
não possui apenas comportamentos orientados caráter individual da motivação, é imperioso que
por condições impostas pelo meio ambiente. Ou- se abandone a maior parte das tentativas de expli-
tras variáveis muito importantes estão em jogo e cação e de tratamento estatístico, que conduzem a
será ingênuo não as levar em conta. Caso seja generalizações grosseiras retratando o comporta-
aceito como verdade que tudo aquilo que se faz mento de uma população estudada, não chegan-
numa empresa seja apenas movimento, um do a explicar nenhum daqueles elementos que
grande número de maneiras de agir, tipicamente caracterizam os componentes da amostra como
humanas, ficarão sem explicação. seres humanos únicos e autodeterminados. A sen-
Qualquer pessoa que tenha sido treinada para sibilidade para a percepção das pessoas torna-se
bater à máquina, operar um computador ou agora para o cientista o principal instrumento de
manobrar uma ponte rolante, bem como utilizar- pesquisa. Em primeiro lugar, essa sensibilidade
se das diferentes ferramentas de produção que se deve estar voltada para o indivíduo que procura
encontram à sua volta, sofreu, em verdade, treina- conhecer o outro, ou melhor, a condição básica é
mentos específicos através de condicionamentos. que o próprio pesquisador possua uma clara au-
Todavia, a partir do momento em que essas pes- topercepção daquilo que o motiva. Em segundo
soas se acham engajadas num processo criativo, lugar, é necessário que o observador use ade-
que sentem a alegria de ter contribuído para o de- quadamente tal sensibilidade, impedindo-se de
senvolvimento da empresa à qual pertencem, ou projetá-la sobre os outros, ou atribuir ao ser obser-
mesmo quando buscam desenvolver laços afe- vado necessidades e orientações motivacionais
tivos, não se poderá mais compreendê-las sob o que sejam suas.
enfoque sistêmico, nem as considerar como sim- Um exame dos diferentes enfoques sobre moti-
ples objetos de condicionamento. Persistindo vação, por superficial que seja, coloca em evidên-
nesse enfoque estar-se-á bem longe de compreen- cia como é facil as pessoas atribuírem aos outros
der o ser humano na sua maneira pessoal e mais objetivos que na realidade são os seus. Cada pes-
autêntica de ser. soa se caracteriza por um perfil motivacional
próprio, ou como se pode dizer com maior pre-
o QUE É MOTIVAÇÃO cisão, cada pessoa é portadora de um estilo de
comportamento motivacional. Embora já se te-
Felizmente, alguns autores como Handy, por
exemplo, procuraram refutar pontos de vista sim-
plistas e alertar seus leitores sobre as dificuldades 7. McGREGOR, D. Motivação e Liderança. São Paulo,
que podem encontrar quando procuram traba- Editora Brasiliense, 1966, p. 11.
lhar com pessoas realmente motivadas. A esse 8. HANDY, E.B. Como compreender as organizações. Rio
respeito, propõe o autor: "Se pudéssemos com- de Janeiro, Zahar, 1975, p. 27.

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nha recursos para determinar tal perfil, há aque- olhos .alguém completamente desmotivado. É
les que, não conhecendo as características do seu dessa maneira que se nega às pessoas a possibili-
próprio esquema de fatores motivacionais, usam- dade de colocarem em ação suas habilidades, ca-
no como ponto de partida para explicar o com- pacidades e expectativas pessoais, que são indu-
portamento das pessoas com as quais convivem. bitavelmente os aspectos mais relevantes dentro
Para comprovar essa tendência natural do ser hu- do processo motivacional.
mano, é suficiente que se peça aos supervisores Há grande diferença entre o movimento, cau-
que relacionem os objetivos que acreditam ser os sado pelas reações aos agentes condicionantes ex-
que mais freqüentemente perseguem os seus su- trínsecos ao indivíduo, e a motivação, que nasce
bordinados. Em seguida, solicita-se aos subordi- das necessidades intrínsecas e que encontra sua
nados de tais supervisores que citem aqueles fonte de energia nas emoções - assim sendo, ela
objetivos motivacionais que mais desejariam ver pode então ser compreendida como algo interno a
atendidos em situação de trabalho. Na maior cada um. Apesar do seu caráter claramente in-
parte dos casos, as duas listas serão incom- trínseco, a motivação pode servir-se de fatores
patíveis, pois aquilo que os supervisores julgam existentes no meio ambiente como meios de satis-
ser esperado por seus subordinados não é a mes- fazer uma necessidade interna, mas isso não sig-
ma coisa que estes últimos esperam da organiza- nifica que sua compreensão possa ser reduzida à
ção na qual trabalham. busca desses fatores em si mesmos. E por isso ela
Determinado aquilo que as pessoas buscam a não se confina aos limites de tais fatores. Por
partir das suas necessidades pessoais, a etapa exemplo, a sede é uma carência interna que se
seguinte consiste em tentar oferecer condições serve do fator externo que é a água para ser satis-
que respondam adequadamente a tais expectati- feita. A necessidade não satisfeita é a sede e nela
vas, com isso se está tentando oferecer o que al- reside a motivação, não no fator de satisfação que
guns autores, como Archer", por exemplo, é a água; não se pode confundir o fator de satis-
chamam de fatores de satisfação. Assim, se al- fação (água) com a necessidade em si mesma
guém busca oportunidades de utilizar seu poten- (sede). Todo esse processo se origina nas carências
cial em atividades de maior complexidade, o úni- internas que predispõem o indivíduo a um com-
co meio para que essa pessoa permaneça motiva- portamento de busca, que tem como finalidade
da será 0 de promover uma estratégia que permi- satisfazê-las. Trata-se de um ciclo interno, na me-
ta a ela livrar-se de tarefas repetitivas. Caso não se dida em que ele tem um início e um fim dentro do
consiga fazê-la sair da monotonia da qual se próprio mundo interior de cada pessoa e só pode
queixa, o melhor é não tentar falsas soluções. Ca- ser entendido como algo interior a ela.
so contrário, já se estaria iniciando um processo Muitos dos pesquisadores que trabalharam so-
reconhecido como o caminho seguro para a bre o tema da motivação também se esqueceram
desmotivação. Na maior parte dos casos, no en- do caráter de continuidade que lhe é inerente. Ja-
tanto, como o trabalho precisa ser feito e os obje- mais se conseguirá estar completamente satisfeito,
tivos atingidos, muitos supervisores adotam a existirá sempre uma necessidade não satisfeita
solução de colocar a caminho um procedimento que organizará ou dirigirá novas condutas moti-
típico de movimento, servindo-se de prêmios por vacionais. A satisfação de necessidades humanas
produção ou ameaçando o subordinado com passadas não toma o homem passivo e acomoda-
sanções, a fim de que tarefas rotineiras e aborreci- do à vida; pelo contrário, ela o predispõe a iniciati-
das sejam feitas. vas mais ousadas rumo à sua auto-realização e, as-
Como as pessoas não se deixam manipular, sim, jamais se atinge um estado de plena saciação,
embora aparentemente continuem a reagir pois, como disse Fromm, "0 homem sempre morre
mostrando grande movimentação, sabe-se que a antes de ter nascido plenamente">. Não é possível
qualidade da energia pessoal investida em tais
atividades condicionadas diminui gradualmente
e o empregado produz cada vez menos. À medi- 9. ARCHER, E. R. "The myth of motivation". In: The
Personnel Administrator. U.5.A., dezembro, 1978.
da que o tempo passa, baixam a satisfação pessoal
e o sentimento de auto-estima que as pessoas ex- 10. FROMM, E. Man for himself an inquiry into the psy-
perimentam. Muito rapidamente, conforme chology of ethics. U.5.A., Fawcett Publications, Inc., 1978,
mostram as pesquisas, será possível ter diante dos p.84.

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concretizar todas as necessidades e todas as po- Talvez, também seja assim que se consiga um
tencialidades do homem, isso significa que ele verdadeiro renascimento a cada ato motiva-
terá sempre à sua frente uma nova etapa a ser cionaI.
atingida rumo ao desenvolvimento completo de si
mesmo. A PSICOLOGIA DA MOTIVAÇÃO
É justamente esse enfoque sobre a motivação,
compreendido como uma predisposição interna e Seria praticamente impossível saber no que re-
inerente ao ser humano, que inverte a ordem dos side a motivação humana se não se levassem em
fatores. A grande preocupação não deve ser a de conta as descobertas feitas pela psicanálise de
buscar o que deve ser feito para motivar as pes- Freud. Sem tal enfoque, não se considera o ser hu-
soas, mas deve estar particularmente orientada no mano no seu aspecto mais autêntico, uma vez que
sentido da busca de estratégias que visam evitar não se dá a devida valorização à dimensão emo-
desmotivar aqueles que chegaram motivados cional presente em tudo o que ele faz.
para o seu primeiro dia de trabalho. Com Freud (1856-1939) os esquemas pura-
Uma vez que as impulsões motivacionais, li- mente fisiológicos e neurológicos de estudo do
gadas às características de uma personalidade ser humano ficam definitivamente abandonados
sem réplica no universo, sejam interiores a cada para valorizar-se um fator mais especificamente
um, não se pode tentar compreender quem quer humano e intrínseco da personalidade de cada
que seja a partir de generalizações. O entendi- um: suas emoções. Tais emoções, que dão o co-
mento das ações motivacionais de cada pessoa só lorido afetivo às necessidades e impulsões instin-
se esboça na medida em que se particularize a ca- tivas passam a ser, a partir desse momento, estu-
da momento e para cada um, em separado, a dadas como elementos dotados de energia
maneira de vê-las. Talvez seja bem por isso que própria e portanto, capazes de ser fontes de con-
tem sido tão difícil abandonar a crença no condi- dutas específicas. Assim, fora dos laboratórios,
cionamento como uma potente fonte de recursos de maneira mais viva e próxima da realidade
motivacionais no trabalho. Essa resistência se existencial de cada pessoa, os estudos feitos pelos
prende ao fato de que diante da descoberta psicanalistas procuram compreender o homem a
daquilo que seja verdadeiramente motivacional, partir da pesquisa do desencadeamento lógico
muitos indivíduos entrevistados tiveram que se das suas próprias experiências de vida. Uma
defrontar com o fato de reconhecerem que tudo grande preocupação surge, então, que é aquela
aquilo que haviam conseguido, quando preten- de descobrir como os sintomas e os comporta-
diam influenciar a motivação dos demais, tenha mentos exibidos pelas pessoas, no momento a-
sido simplesmente obtido através de uma estraté- tual, poderiam estar ligados a acontecimentos
gia de condicionamento por meio de recompen- vividos por essas mesmas pessoas em épocas an-
sas e punições. teriores e que fazem parte das suas histórias de
O emprego de estratégias condicionantes ofe- vida. Na busca desse desencadeamento lógico,
receu sempre uma maior simplicidade de apli- descobre-se a importância da infância na deter-
cação na prática, trazendo também maior rapi- minação das características da personalidade
dez em termos das reações comportamentais das adulta. É assim que se começa a compreender
pessoas, que eram o principal objetivo daquilo que os objetivos atualmente perseguidos pelas
que se considerou como "ação motivadora". As- pessoas têm, todos eles, uma história de vida e
sim, é muito mais difícil e complicado lançar-se à não podem ser verdadeiramente conhecidos en-
pesquisa de hipotéticas necessidades internas quanto não se chegue a ligá-los, de maneira coe-
das pessoas, para finalmente construir um plane- rente, a toda uma sucessão de experiências ante-
jamento que lhes ofereça fatores de satisfação riores, registradas numa importante instância
apropriados e compatíveis com suas autênticas psíguica que é o inconsciente.
necessidades interiores. No entanto, é só assim E, portanto, dessa maneira que as bases teó-
que se consegue acompanhar o ser humano em ricas oferecidas pela visão psicanalítica ofere-
seus níveis mais elevados de expectativas, aque- cem uma nova dimensão dos comportamentos
les que verdadeiramente levam as pessoas a humanos, propondo o caráter inconsciente da
caminharem do "menos" para o "mais" em seu motivação. As forças instintivas, também co-
caminho pessoal ao longo de toda uma vida. nhecidas como impulsões inconscientes, con-

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o ARTIGO

frontadas com as restrições sociais e as escalas de reações" 12. Dessa forma, mais uma vez, a moti-
valores, levam Freud a comparar o psiquismo do vação é considerada como alguma coisa tipica-
ser humano a um iceberg. Com essa metáfora, o mente interna a cada um; ela é vista como uma
pai da psicanálise pretende demonstrar que força propulsora, cujas origens se encontram, na
aquilo que é realmente importante na determi- maior parte do tempo, escondidas no interior do
nação de uma orientação comportamental está indivíduo.
submerso e é, portanto, inacessível à observação Ao se falar sobre o tema instinto, torna-se im-
experimental, contrapondo-se a tudo aquilo que possível esquecer a escola psicológica que tomou
até então havia sido demonstrado pelo estudo grande impulso na década de 60, representada
do comportamento humano dentro dos labo- pelos etologistas. Observando o comportamento
ratórios experimentais. de diferentes espécies de animais vivendo no seu
São, na verdade, os conteúdos psicológicos, meio natural, esses pesquisadores, especialmente
que haviam sido jogados para o inconsciente, que, interessados na conduta instintiva dos animais,
estando dotados de forças próprias (catexias), descobriram fatos inerentes a cada espécie em
procuram liberação ao levarem o homem a agir particular, fatos esses que passam a servir como
de maneira especial numa determinada direção, ponto de partida para uma melhor caracterização
sob o comando do que passou a ser aceito como o da conduta do homem em sua maneira também
princípio do prazer. particular de se comportar.
Essas impulsões interiores orientam o compor- Konrad Lorenz, recentemente desaparecido e
tamento das pessoas deixando marcas que podem mundialmente reconhecido pelo prêmio Nobel de
ser reconhecidas nas medidas que tomam em medicina em 1973, é, sem dúvida, a maior ex-
meio aos vários contextos freqüentados por elas. pressão dentre os etologistas. Nos seus trabalhos,
Em situação organizacional, isso fica bastante publicados em 1969, esse grande observador do
claro ao se examinar o caráter das medidas pro- comportamento animal sugere ser a conduta ins-
postas, como salienta Lapierre: "Se, como supomos tintiva, não somente nos animais como também
e como a realidade das organizações nos fornece provas no homem, aquela capacidade responsável pela
diariamente, existe uma ligação entre a personalidade busca de adaptação ao meio ambiente. De acordo
dos administradores, dos líderes e o direcionamento das com ele, esse processo de adaptação comporta
suas empresas, todo o conhecimento e toda a tomada de necessariamente a utilização de um tipo de ener-
consciência da realidade humana, da realidade gia interna, que gera uma espécie de tensão, que
psíquica, em resumo, da personalidade dos dirigentes conduz a uma seqüência predeterminada de com-
será útil a uma melhor compreensão dos fenômenos portamentos com vistas à busca de um esquema
ligados à administração e liderança" 11. Para o autor, específico que tem por função diminuir ou fazer
essas influências especiais decorrem dos desejos, desaparecer essa tensão".
das convicções, dos gostos e dos interesses pes- Dentre as numerosas observações feitas por
soais de cada um. Lorenz sobre animais das mais diferentes espé-
Uma importante publicação a esse respeito é a cies, destaca-se uma que parece particularmente
de Paul Diel que faz também uma ligação entre a significativa para se compreender como foi pos-
realidade interior e a realidade exterior: "Os obje- sível chegar-se àquilo que conceitualmente de-
tos do mundo interior, os desejos não existem senão em nomina ato instintivo. Para chegar às suas des-
relação sinérgica com os objetos do mundo exterior. Os cobertas, o autor observou que uma certa espécie
objetos exteriores são os excitantes e os desejos são as de periquito exibia a conduta típica de cio, como
excitações. Os desejos têm uma tensão energética, eles
são as manifestações mais primitivas da energia
psíquica; enquanto a tensão de um desejo determinado 11. LAPIERRE, L. "Imaginário, Administração e Li-
derança". In: Revista de Administração de Empresas, FGV,
não seja eliminada pela possessão do objeto exterior, a vol, 29, nº 4, out/dez., 1989, p.6.
excitação não encontrará sua reação e o desejo persis-
tirá sob forma de tensão interior, isto é, uma intenção e 12. DIEL, P. Psychologie de la motivation: Theorie et
todos os centros energéticos aí produzidos se interin- Aplication Thérapeutique. Paris, Petite Bibliotheque Pay-
ot, 1981, p. 21.
fluenciarão mutuamente. Os desejos se encontram em
constante transformação constituindo o trabalho in- 13. LORENZ, K. L'envers du miroir - une histoire na-
trapsíquico que prepara o trabalho extrapsíquico: as turelle de la connaissance. Paris. Editions Flamarion, 1983.

32
RAE

se diante dele estivesse a fêmea, quando lhe era A satisfação de uma dada necessidade não pa-
apresentada, dentro da gaiola, uma bola verde e ralisa a ação humana, pelo contrário. O próprio
suspensa por um fio. Isso, em última análise, fato de se saciar uma necessidade faz emergir
queria dizer que, possuindo um estado interno uma outra, que disparará uma nova conduta de
de carência, o animal evidenciava aquilo que foi busca rumo a um novo esquema produtor, ou
chamado de conduta de busca, conduta essa que melhor, rumo a um novo objetivo motivacional a
tinha por finalidade encontrar, no ambiente, um ser atingido. Partindo desse ponto de vista, toda
certo elemento que possuísse três traços específi- generalização feita a respeito dos tipos de obje-
cos: ser uma bola, ter a cor verde e estar suspen- tivos motivacionais mais freqüentemente perse-
so. Caso um desses três traços estivesse ausente, guidos pela maioria dos indivíduos é ingênua e
o animal deixaria de apresentar a conduta típica inadequada. Cada uma das pessoas que foram in-
do cio e o ato instintivo, considerado como o terrogadas por meio dessa sistemática de pes-
fruto do encontro entre o estado de carência in- quisa, poderá ter diferentes estados de carências
terno e seu condizente esquema produtor, não naquele momento e, conseqüentemente, elas esta-
ocorreria. Com seus estudos, ao introduzir o belecerão comportamentos de busca que possuem
conceito de atos instintivos, que são caracteriza- orientações especiais para esquemas produtores
dos por uma cadeia de condutas diferentes umas muito diferentes entre si.
das outras, Lorenz retifica o enfoque que consi- Qualquer tipo de pesquisa desse gênero deve
dera o instinto em seu sentido mais amplo e examinar cuidadosamente a diferença individual
genérico. de cada uma das pessoas, caracterizar bem a si-
Um exame pormenorizado das proposições co- tuação na qual elas vivem, para que se possa en-
locadas por Lorenz mostrará que o comportamen- tão tirar conclusões mais realistas. Dessa forma fi-
to instintivo produzir-se-á somente quando certos cará claro que o objetivo motivacional é per-
elementos sejam contingentes, ou estejam pre- seguido a cada momento de forma diferente e a
sentes ao mesmo tempo. O ato instintivo ocorrerá direção dessa busca será prioritariamente deter-
quando houver um estado de carência interna minada por um fator interno, individual e, na
que produzirá aquilo que pode ser reconhecido maioria das vezes, permanente.
como estado anímico, capaz de disparar um com- É igualmente enriquecedor lembrar o que diz
portamento típico de busca de um certo objetivo Claude Levy-Leboyer ao terminar seu livro sobre
encontradiço no meio ambiente e que possua um a crise da motivação: liA motivação não é nem uma
conjunto específico de características bem qualidade individual, nem uma característica do tra-
determinadas. balho: não existem indivíduos que estejam sempre mo-
Transportando tal entendimento para a situa- tivados nem tarefas igualmente motivadoras para to-
ção motivacional, o conceito de atos instintivos dos. Na realidade, a motivação é bem mais que um pro-
estudado por Lorenz leva a abandonar a posição cesso estático. Trata-se de um processo que é ao mesmo
que considera a motivação como um fenômeno tempo função dos indivíduos e das atividades específi-
em si, quer dizer, como se ela fosse um todo indi- cas que eles desenvolvem. É por isso que a força, a di-
visível. Agora, portanto, o paradigma que susten- reção e a própria existência da motivação estarão estre-
ta aquilo que pode ser chamado de atos motiva- itamente ligadas à maneira pessoal pela qual cada um
cionais parece estar mais próximo do comporta- percebe, compreende e avalia sua própria situação no
mento humano em si. trabalho e, certamente, não à percepção daqueles que
À semelhança dos atos instintivos, na conduta estão fora dela como os tecnocratas, os administradores
motivacional, o indivíduo também vive um estado e os peicõlogce">.
de carência que deve ser suprido, o que só será
possível por meio da busca de um fator de satis- CONCLUSÃO
fação, que nada mais é do que aquilo que se
chamou de esquema produtor. Dessa forma, no A compreensão mais ampla daquilo que foi
momento em que a necessidade encontra o seu definido como motivação, só será conseguida na
correspondente fator de satisfação, dá-se o ato mo- medida em que se esteja atento a uma dimensão
tivacional que, conseqüentemente, determina o
aparecimento de um estado de satisfação criado 14. LEVY-LEBOYER,C. La crise des motivations. Paris,
pela satisfação da necessidade em jogo. Presses Universitaires de France, 1984, p. 134.

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:J ARTIGO
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mais intrínseca e mais profunda da natureza hu- haoior ihat is knoum 05 condiiionaied and thai one
mana.Muitos dos trabalhos que não se aprofun- seen as ilu: real mctinated behaoior. This ariicie has the
daram no exame do nível mais significativo ofe- main purpose of delimitaiing each une of ihese tu-o hei-
recido pelas necessidades e instintos humanos crogeneous concepis. First: the condiiioned behaoior
não chegaram senão a uma visão parcial do as- tha: cumes ou! of the aciion of exirinsic oartables exisi-
sunto. É necessário reconhecer, no entanto, a con- ing in lhe eninronment anil the motinaied behaoior
tribuição indispensável feita pela psicologia a ihat emerges from inirinsic forces «xisting insidc each
respeito da motivação humana. A pesquisa pcrson.Lt seems crucial to distinguish thcse itoo differ-
exaustiva desenvolvida pelos psicólogos revela ent ways of behauior if one uiants to ioork unib really
aspectos que, durante muito tempo, haviam per- motioated peopie. Thesc pcople seem to cngage thenl-
manecido como mistérios insondáveis ou mesmo seloes in soork fr)/" their oton sake, and not because
mágicos do comportamento humano - tempo Ihese actiouies might iead to externai reioards. The
no qual flutuaram opiniões pessoais, gerando motioated aciioities appcar as Juwing aims in them-
confusões perigosas a respeito da motivação do selocs raiher ihan being means to an ooiectioc.
ser humano .•
KfY TER1\1S: Motivai ion, conâitioning, behaoior,
ABSTRACT: MotivatiOll is une ioord used in extrinsu: oariaotes, inirinsic uariable«, motioational
Jl1ilny di1fcrent toiih too lIlil/llj
ways, difjcrent mean stylc.
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ings. So, it is unportant to distinguish beuocen the be-

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