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GOMES, Núbia Pereira e PEREIRA, Edimilson de A.. “Mato do Tição: Isolados Negros, Desolados
remanescentes.” In: Mundo encaixado: significação da cultura popular. Belo Horizonte: Mazza,
1992
Introdução (fragmentos...)
Sobre a ambiguidade da cultura popular. Os autores nos falam que “a cultura popular só se
define em relação à outra instância, da qual difere: o modelo cultural erudito – dentro de uma
condição histórica determinada. A transmissão dos conhecimentos populares pela tradição
(muitas vezes só oral) mantém a força do passado e do conservadorismo. Essa permanência de
valores antigos também se liga ao fato de a cultura popular adotar esquemas tradicionais do
modelo dominante, e seria impossível que tal não ocorresse, já que o modelo alternativo se
elabora a partir do modelo hegemônico. A cultura popular apresenta uma dupla face
conservadora, pois sustenta a transmissão de sua própria herança cultural adquirida dos
antepassados e adota valores da tradição dos grupos dominantes. Mas há um outro lado nesse
processo, quando o povo recria a partir do modelo imposto, modificando-o, refazendo-o,
dando-lhe nova perspectiva: essa é a ação dinâmica da cultura popular. A convivência do
conservadorismo e do dinamismo reforça a complexidade da cultura popular” (págs 22 e 23)
Ver Luigi Sartriani (antropólogo italiano) que analisa as culturas subalternas - “ao mesmo
tempo que protesta contra o modelo imposto, a cultura popular se deixa prender por ele,
apresentando-se funcionalmente como contestadora e entorpecida (ou resistente e vencida)”
(pág 23)
Forças antagônicas
Parte IV
Introdução
“Os níveis de igualdade entre grupos sociais não são estabelecidos apenas pela conjunção de
fatores étnicos e culturais. A própria dinâmica desses fatores atribui-lhes inúmeras
possibilidades de reorganização, gerando o que se poderia entender como igualdade em
diferença.” (p. 280)
“No Novo Mundo o colonialismo forjou um modelo social estratificado, impondo aos africanos
cativos e aos seus descendentes brasileiros a vivência na marginalidade.” (p 280)
“O olhar sobre a cultura afro-brasileira depara-se com uma verdade factual nem sempre
acompanhada por uma reflexão teórica abrangente e relativizada: abrangente enquanto
tentativa de comparar os diferentes modelos culturais, e relativizada enquanto percepção das
particularidades de cada modelo investigado. Sob certos aspectos, a própria cultura atua como
força relativizadora de eventos desencadeados pelo homem. Diante do tronco de uma árvore,
é provável que sejam dessemelhantes as intenções manifestadas pelo habitante de uma aldeia
de pescadores e outras manifestadas por um homem dedicado à criação de rebanhos. Entre a
possibilidade de construir uma canoa e a de erguer a cerca que evite a fuga do rebanho
delineam-se diferenças que não são apenas de ordem objetiva: em torno das intenções de
utilização do tronco da árvore se desenvolvem modalidades específicas de percepção do
mundo, voltadas para a consolidação de estruturas culturais também específicas (p 280 -
281)”
“ (...) os mesmos moradores afirmam que o ferro elétrico é mais prático e confortável que o
antigo ferro a brasa, que a estrada – aberta recentemente – seria mais segura se possuísse
iluminação. Ao pesquisador paracerão incoerentes e desencontradas tais opiniões, mas cabem
inteiramente na visão mítica dos habitantes do Mato do Tição. A ambiguidade simbólica que
fundamenta o sagrado – permitindo a convivência do Cristo, mártir cristão, e do conga da
Umbanda – impregna o sentido da vida diária” (283)
Estudo do sagrado
Simultaneidade entre o homem arcaico e o homem moderno – nesse caso simbolizados pelo
homem do campo e o pesquisador.
“Em Mato do Tição observamos essa ambiguidade, quando o homem, sabedor dos mistérios
religiosos, participa também, como ser histórico, de uma sociedade tecnicista e pragmática.”
(p 285)
“(...) aquilo que o pesquisador entende como seu discurso sobre a cultura do Outro é, em
grande parte, a sua construção sobre as construções de outras pessoas. ” (GEERTZ. Ver
também Gilberto Velho – observando o familiar)
“Mato do Tição é hoje um relicário, lugar onde se guardaram expressões do passado, algumas
das quais tão arcaicas que beiram a visão de mundo experimentada em outros tempos.
Simultaneamente, os habitantes de Mato do Tição se projetam na fragmentação do presente,
embarcados como agentes periféricos de uma sociedade com grandes contradições” (287)
“O negro religioso – que aqui aproximamos do homem arcaico pela inserção no tempo mítico
– apreende seu conhecimento através do sagrado; o homem moderno – que se vale da
irreversibilidade da História – debate-se no espaço do profano, vivendo angustiadamente a
lembrança da totalidade. Em sua ambiguidade, os moradores de Mato do Tição traçam códigos
específicos para a vivência no sagrado e no profano: o sofrimento pela marginalidade social
está impregnado de mágoa, assinalando a surda revolta contra a opressão; o sofrimento pelas
provações religiosas é aceito como percurso iniciático, é o fardo que o homem religioso
carrega para chegar à plenitude.” (287)
“A dispersão das culturas africanas não destruiu uma das características mais sutis do sagrado:
sua dinamicidade interna, que corporifica a intenção humana de afirmar-se socialmente. Nesse
momento, se complementam o discurso histórico e o discurso simbólico: no primeiro o
homem vive a transitoriedade do profano, receoso de perder definitivamente sua casa e sua
crença; as competições sociais empurram-no para o centro dos conflitos ou relegam-no à
obscuridade das periferias. Com o discurso do simbólico, evidenciador do sagrado, o homem
se realimenta de forças primordiais constituídas fora do profano e dotadas de vitalidade
inesgotável.” (287)
“Aos negros, trazidos como escravos, a constância dos esforços e as péssimas condições de
trabalho significavam ameaças à sobrevivência. Aviltados econômica e socialmente, viam-se
proibidos de manter os rituais da terra de origem: os proprietários cerceavam a vivência do
sagrado dos negros, em conformidade com as medidas repressivas do Estado e da Igreja.
“Nessa época – tal como hoje em Minas – o culto a Nossa Senhora do Rosário encontrava na
população de negros e desclassificados sociais o seu alimentador essencial.”
“As associações religiosas reduplicaram a estratificação social dos grupos que formavam as
Minas Gerais; desse modo, brancos, negros e mulatos se reuniam em torno de irmandades
separadas, que rivalizavam entre si. (...) as irmandades de negros reforçavam a hierarquia do
preconceito social e racial, pois diferenciavam negros brasileiros (crioulos) e africanos, vetando
aos últimos o direito de exercerem cargos nas mesas diretoras das associações; o crioulo
estava situado acima do africano na escala hierárquica dos líderes das irmandades religiosas.”
(p. 290)
“A separação étnica e social que caracterizou as irmandades nos alerta para outras intenções
do caráter político, sutilmente manipuladas pelo Estado português nas Minas Gerais, na
medida em que a integração do escravo à religião do senhor era forjada através de seu
ingresso nas irmandades. A Igreja, ligada ao Estado, procurava inibir os rituais de procedência
não católica, levando os negros à pia batismal”
Mesmo nas irmandades dos devotos de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa
Efigênia observamos a restrição imposta à atuação os homens de cor. Os cargos deliberativos
das irmandades (...) eram exercidos por brancos letrados, o que denuncia a inferioridade social
dos cativos e a presença dissimulada do Estado e da Igreja junto à fé dos negros.” (290-291)
A sociabilidade consiste numa “das resistências maiores que o escravo opõe à escravidão: pois
para tornar escravo um homem, cumpre anular seus laços sociais prévios, na tentativa de fazer
do senhor único elo do escravo com o mundo (Manuela Carneiro da Cunha, 1988)”
“A sociabilidade do negro no interior das irmandades manteve-se graças à reelaboração de
mitos, crenças e percepções de mundo. Através da dinâmica do sagrado, o negro rearticulou
suas tradições, perenizando-as em meio às perspectivas do catolicismo dominante.” (p. 291)
Limites histórico-sociais
Na época da pesquisa desse livro, a população era de cerca de 11.842 habitantes, sendo que
8198 viviam na zona rural e 3644 na área urbana.
O município era parte da antiga Estrada do Serro (que fazia ligação de Sabará com a cidade de
Serro Frio, muito importante para a capitania)
(ver na página 293 – “Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Jaboticatubas era subordinado
à jurisdição da Paróquia do Santíssimo Sacramento de Taquaraçu de Cima, pertencente a
Caeté (GONÇALVES e COSTA, 1988:25)” “Em 1878 a freguesia da atual cidade de Jaboticatubas
foi desmembrada de Caeté, passando a pertencer ao município de Santa Luzia, na condição de
distrito”)
“No passado, os engenhos de cana, movidos por escravos, eram peças importantes no
quotidiano das fazendas; as demais culturas destinavam-se à subsistência de libertos e cativos”
(p 296)
À época de 1986 a 1988, projeto da Empresa Etecco, 1400.000 mudas de café – complexo
industrial com capacidade de beneficiamento de 15000 sacas de café/ano.
A autora considera a comunidade de Mato do Tição como uma “ilha de vivência do sagrado em
meio à fragmentação moderna” (p 299)
“O sítio de Mato do Tição ocupa uma área de três hectares, incrustada entre as montanhas. A
parte habitada corresponde ao vale, cortado pelo córrego chamado Chico Matias. A vegetação
densa circunda as residências, obrigando os moradores à prática da queimada e derrubada de
árvores para a ampliação das roças ou hortas.
Duas versões explicam a origem do nome Mato do Tição. De acordo com a primeira, o lugar
recebeu essa designação por causa das tochas que os negros acendiam para se aquecerem do
frio das noites e para iluminar o caminho durante a locomoção nas trilhas. Os pequenos
pontos luminosos piscavam longe, ora fixos – denunciando o momento de união em volta da
fogueira – ora móveis, avisando que os negros se deslocavam pelo mato. O tição aceso passou
a ser a característica da região e, ao se referirem ao local e a seus habitantes, as pessoas
diziam “lá no mato do tição”, “lá no matição”.” (página 299)
Segundo Nilce de Siqueira, essa denominação diferenciava as famílias ali constituídas dos
outros moradores da cidade.
A segunda versão era de Divina de Siqueira: “Aqui era uma mata, que num tinha estrada. Nós
navegava num trizinho que tinha nem uns 25 centímetros de largura, só cabia o pé, nem
estrada de cavalo direito num era, era de cavaleero. Era uma mata fechada, com aquele
trizinho dentro, num existia luz, nem de querosene. Usava candeia, usava mesmo o tição. Teve
uma mata e a mata tomô fogo, aí quemô, quemô, quemô e ficô o tição aceso aí pra muito
tempo. Muito tempo ficô esse tição aceso d´uma madeira chamada manelume. Ele quemô
tanto, que tão grosso que era, ficô aceso quemano e ficô com o nome de Mato do Tição” (p
300)
Em 1981 o direito de usucapião em nome dos Siqueira foi reconhecido pela Comarca de
Jaboticatubas (ver documentos página 300 e 301)
“O sítio de Mato do Tição encontra-se dividido entre os membros da família Siqueira. Dois
lotes, que antes pertenciam aos irmãos Julio de Siqueira e Isaura de Siqueira, foram vendidos a
terceiros: com essa operação o sítio de Mato do Tição perdeu sua unidade territorial. A
fragmentação dessa unidade nos permitirá discutir, posteriormente, a experiência social e
religiosa da comunidade de Mato do Tição: entre o sagrado e o profano, o passado e o
presente, a marginalidade e a interação social, a família Siqueira se caracteriza como um dos
importantes redutos da cultura afro-brasileira.” (302)
Os autores falam que, após a lei que aboliu o cativeiro em 1888, os antepassados da
comunidade de Mato do Tição, então libertos, “receberam como data de alforria as terras hoje
pertencentes à comunidade. O doador e ex-senhor não previu que os negros do Mato do Tição
teriam seu patrimônio violado: partes de suas terras foram cercadas por usuários da região,
evidenciando a frágil garantia de posse.” (p 304)
“A terra foi tirado um pouco, vendeno, de uma passo pra outro, foi passano de mão em mão.
Chegô em mão de um fazendeiro que por atividade pediu uma abertura de fazê bebida de
água pra boi. Então dero, porque as coisas era muito difícil, num tinha condição de compra
arame pra cerca. Então deu ele, com mode assim de amizade, o pedaço e cerco.” (Divina de
Siqueira)
A autora afirma que os negros do Mato do Tição têm na vivência do sagrado sua mais sutil e
vigorosa forma de resistência. A descoberta dos antepassados é a fonte de garantia para
manutenção da identidade do grupo.
Residências, à época desta pesquisa não ultrapassava 15. Contruídas de adobe, pequeno
porte, agua potável vinda de cisternas, sem rede de esgoto, utilização de fossas.
Em épocas anteriores foi maior o isolamento, pois não havia a estrada para São Sebastião do
Campinho.
Utilização de lanternas
Lado paterno: marcado pela presença indígena. Benjamim José de Siqueira era filho de
Marcolino José de Siqueira (“puri” – negro com índio) e Luduvina Maria da Conceição, filha do
senhor branco com uma índia. Esse ramo da árvore familiar herdou a cultura do branco e
deixou esvaziar a influência indígena, pois a família, através de Benjamim, veio a adotar uma
vivência religiosa católica, eivada de ritos onde permanecem, em cânticos, os vestígios da
língua latina. O menino Benjamin, órfão, foi levado por um tio a Taquaraçu de Cima, para
trabalhar como sacristão na casa do padre José Tomaz. “Ali aprendeu os gestos, cânticos, ritos
que hoje – misturados e entranhados pela corrente negra de Josefa Basílio – fazem do Mato
do Tição uma linha sagrada nas cercanias do profano, um elo com o passado e a sacralização
do mundo” (p 306)
Através da tia-avó, Constantina Augusta dos Santos, que os filhos de Josefa Basílio aprenderam
os segredos do Candombe, o movimento do corpo afro no Batuque, a alegria e a melodia das
cantigas de roda que animavam a vida nas senzalas.
Acontece no Mato do Tição, segundo a autora, “uma nova visão do sincretismo, como declara
Monique Augras, ao perceber que o negro não assimilou a religiosidade branca para revestir
seus símbolos, mas – muito mais que isso – africanizou os próprios santos dos brancos,
realizando um avesso do sincrestismo que se tem pretendido ver nas manifestações religiosas
de descendentes dos africanos.” (p 307)
“as antigas festas de brancos se tornaram propriedades dos negros, que as reescreveram com
a linguagem dos ancestrais” (p 307)
Pouco se sabe sobre a Tia Tança nos tempos de escravidão, no Capão Grosso, na Fazenda de
José Chagas.
A autora fala que a liberdade surpreendeu os negros velhos, que, acostumados com a batida
do trabalho/alimento/abrigo, se viram livres (sem trabalho), esfomeados (sem a comida dada)
e desprotegidos (sem o teto do senhor).
“Diz que os negro velho pegaro foi a chorá por causa da liberdade. Eles num sabia o que fazê,
num tinha pra onde ir, num possuía nada de seu, nem vasilha, nem casa. Podia fazê casa, mas
com quê? Podia saí, mas pra onde? Voltaro pra casa do fazendeiro, o Coronel Chico Alves, que
era o dono deles, chorano, pedino pra ficá. O fazendeiro ficô com pena e falô que eles podia
volta na hora de comê. E eles voltava, os nego velho igual Pedro Basílio e Zé Basílio, que era os
irmão da nossa avó, a Rita Basílio.” (p 308)
Alguns negros encontraram na porta a liminaridade, os espaços mínimos das margens, onde
viriam a recomeçar a história interrompida nas terras de África: a formação da família negra
surgia também ali, no Mato do Tição, quando Benjamin José de Siqueira se casou com Josefa
Basílio. A velha Tança encontrou o lugar de tia-avó, criando os filhos da sobrinha como se
fossem seus próprios meninos. Não os chamava de filhos, mas a todos reservava o tratamento
de “nenego”, palavra que mistura nenê e nego.
O sobrinho Jair – que dela aprenderia o lamento do Candombe e a fala do dialeto africano –
era o amigo, o filho que não teve, o igual que compreendia e amava.
“A vida insistia em ter Tança, varrendo o chão com a roda enorme de suas saias, juntando a
lenha espalhada pelo mato, carregando e banhando os meninos de Josefa: passaram-se cento
e vinte e seis anos desde o dia em que nasceu Constantina Augusta dos Santos.
“Hoje Jair Teodoro de Siqueira, capitão do Candombe de Mato do Tição, trabalha na colheita
de café. E o canto triste do negro sobe de novo nos campos, relembrando a difícil história dos
desaterrados, ontem da África, hoje do próprio Brasil” (p. 310)
A marginalidade do homem negro demarca seus tipos de isolamento. Não lhe basta ostentar o
registro de cidadão para sentir-se parte de uma sociedade na qual os espaços são restritos.
Isolamento geográfico:
“Mato do Tição representa uma face pouco explorada do período pós abolição no Brasil: a
reincorporação social dos ex-escravos nas áreas do interior. De modo geral, as comunidades
rurais brasileiras estão por merecer atenção mais acurada em relação à sua organização; o
imaginário que resguardam é exemplo das visões de mundo que estrutram a existência
humana em níveis diversos.” (p. 312)
Nos centros urbanos, o negro forro deparou-se com possiblidades de trabalho assalariado
(com chances reduzidas devido à desqualificação e concorrência, reduzindo as possibilidades
de adaptação em curto prazo) e a iminência de pauperização e favelamento.
Isolamento histórico
“As origens do agrupamento não foram investigadas detidamente, o que motiva seu
desconhecimento no presente. Os negros do Mato do Tição são tão somente “os negros lá do
mato”, com suas festas e seus tambores estranhos ” (p. 313)
Os escravos não foram cidadãos constantes nos registros cartoriais; foram mercadorias ou
peças, propriedades alienáveis;
Isolamento social
Rigidez moral, autoridade dos pais, religiosidade – linhas mestras nas relações interpessoais
“A gradativa integração da ordem familiar de Mato do Tição à ética moderna das relações
interpessoais – que privilegiam a ação do indivíduo – indicam uma modificação e uma
desagregação dos conceitos religiosos que consolidam os laços familiares. (...) o egresso da
Mato do Tição é o indivíduo pobre, que enfrenta as dificuldades do desclassificado social,
herdeiro do escravismo e afastado do núcleo familiar. Os jovens que emigram para os centros
urbanos se distanciam das celebrações religiosas e se debatem entre a vontade de tornar a
elas e a vergonha de demonstrá-la em sua nova condição de homens citadinos” (p 314)
Isolamento econômico
Instabilidade
Baixos salários
Alguns (poucos) equipamentos usados pelas moradoras de Mato do Tição – forno, moenda e a
prensa (“fábrica improvisada”)
Isolamento religioso
No entanto
“ a experimentação do sagrado – traduzida no comportamento religioso – pressupõe uma
interação íntima, que une as almas e os interesses dos homens numa celebração comum. Isso
não ocorre em Mato do Tição, quando analisamos os eventos religiosos vividos na comunidade
e aqueles vividos na cidade que a cerca.” (p 317)
O fato de dividir os mesmos espaços nos cortejos não significa que haja um vínculo profundo
estalebelecido ente a comunidade e o restante da população
“A comunidade está voltada para si mesma, na expectativa de se manter coesa ante a recusa
de aceitação por parte do Outro” (p. 317)
(observação minha: me parece que a autora tem uma visão romantizada da comunidade, em
relação ao sagrado, ao isolamento, à pureza das tradições... e essa referência constante ao
sagrado e ao profano de forma separada é algo que me incomoda. Talvez seja pela época em
que o livro foi escrito... )
“As práticas são vividas na intensidade de seu valor e a tradução do mundo em símbolos
sagrados revela um homem voltado para as forças divinas. A aspereza da vida é compensada
pela vivência da fé, mulheres e homens pobres se transoformam em mães-de-santo, capitães
de Nossa Senhora do Rosário, anjos da coroação de Maria. Tal conformação existencial –
estreitamente marcada pela religiosidade – choca-se com a banalidade do quotidiano. Mato
do Tição adquire o aspecto de ilha, na qual a visão do sagrado personaliza o homem como
protagonista de uma aventura maior. Os símbolos sagrados estão no altar e nas portas das
casas, no corpo e na voz dos fieis. Em Mato do Tição o vínculo entre instante sagrado e
quotidiano se apresenta de maneira contundente. A tentativa de resgatar o homem do
esvaziamento do profano leva os moradores a experimentarem a densidade do sagrado: na
escuridão da noite, entre o silêncio das montanhas, o cântico e a reza reintegram a família dos
Siqueira em torno de si mesma, mas também a isolam pela especificidade de suas práticas – do
imediatismo social circuntante. ” (p 318)
(Outra crítica: os autores nunca aparecem no texto. É como se fosse uma descrição, onde os
antropólogos/etnógrafos não tem nenhuma participação e influência – não se fala da relação
entre os pesquisadores com os interlocutores. O próprio fato de pesquisadores irem até a
comunidade, conhecer sua cultura, seus aspectos religiosos, dentre outros, já demonstra que
essa ideia de isolamento tão reforçada no livro, na verdade é uma visão um tanto quanto rasa,
talvez romantizada e cristalizada)