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2004
Henrique Costa Pinto / Sónia Ramos / Rui Coelho
HISTERIA E PERTURBAÇÃO CONVERSIVA
Revista Portuguesa de Psicossomática, julho-dezembro, año/vol. 6, número 002
Sociedade Portuguesa de Psicossomática
Porto, Portugal
pp. 141-150
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patologia psiquiátrica defendendo que do. Desenvolveu uma teoria que de-
“todas as doenças do espírito são da terra fendia que um fluido magnético sai-
e não dos céus”. Este autor propôs a exis- ria de certos indivíduos favorecendo
tência de causas psicogenéticas e fantasio- a ocorrência de quadros convulsivos
sas na etiopatogenia da histeria. Thomas e de estados de transe (6).
Sydenham (século XVII), faz a distinção
entre causalidade externa (perturbações O final do século XIX vai ser marcado
excessivas do espírito) e causalidade in- por Charcot, um neurologista que intro-
terna (ruptura do equilíbrio entre o corpo duziu a noção de “lesão dinâmica” e apli-
e o espírito) e faz referência à elevada cou à histeria a metodologia da Neurolo-
ocorrência de simulações, mentiras e su- gia, efectuando uma observação e descri-
perficialidade por parte destes doentes(5) ção rigorosas dos sintomas e uma posteri-
aos quais se refere como “aqueles que or correlação anátomo-clínica (2). Este au-
amam sem medida quem mais tarde odei- tor argumentava que existiria na sua
am sem razão”(6). Assim, no Renascimen- génese patologia do Sistema Nervoso
to a etiopatogenia da histeria não está ain- Central (SNC), pelo que a histeria não se-
da totalmente definida. ria exclusiva das mulheres, e que factores
No século XIX, são três as teorias que psicogénicos estariam também envolvi-
predominam: dos, tendo desta forma valorizado a hip-
- Teoria psicológica de Pinel: este autor nose na histeria(1).
foi o primeiro a inserir a histeria na O interesse de Charcot pela histeria de-
classificação de Neuroses, sendo en- rivou do facto de dirigir em Salpêtrière
tão definida como uma neurose uma secção hospitalar onde predominava
genital, particularmente frequente a patologia histérica e epiléptica e de ter
na mulher na qual o psiquismo de- verificado que os doentes histéricos opta-
sempenhava um papel fulcral(7); vam, muitas vezes, por imitar as crises dos
- Teoria de tendência organicista de epilépticos, o que o levou mesmo a utilizar
Griesinger: para Griesinger a histeria nessas situações a expressão “histero-epi-
é a expressão de um sofrimento glo- lepsia”(6). Embora alguns autores dividam
bal dos centros nervosos e a sua etio- as crises descritas por Charcot em quatro
patogenia reside em lesões do apa- ou cinco fases (como P. Pichot)(8), optou-se
relho genital. Esta teoria vai de certa por seguir a descrição de três fases de acor-
forma ao encontro da teoria que do com Debray:
existia na Antiguidade, ao atribuir à - movimentos epileptóides (com imo-
insatisfação sexual a grande respon- bilização, sustendo a respiração e
sabilidade pelo desenvolvimento da acabando por passar à fase seguin-
histeria(6); te);
- Teoria do magnetismo animal de - contorções e grandes movimentos;
Mesmer: Mesmer foi tido na sua épo- - atitudes passionais (onde o doente
ca como um médico “maldito” que vai reviver cenas violentas ou eróti-
trabalhava com base no desconheci- cas)(9).
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difícil de obter. O prazer sexual das perso- -epilepsia. Contudo, Charcot no século
nalidades histéricas decorre essencial- XIX e Babinski no século XX estudaram
mente a nível dos seus fantasmas e não mais aprofundadamente as manifestações
tanto no acto em si. Incapaz frequente- histéricas e epilépticas passando a conside-
mente de amar, a personalidade histérica rá-las entidades distintas(13). Para Charcot a
não consegue separar-se de si mesmo e histero-epilepsia consistia numa situação
entregar-se livremente a outro(12). grave de histeria a qual incluía em sua ma-
Inconsistência do Eu: O Eu dos indiví- nifestação uma fase epileptóide. Freud de-
duos histéricos não é suficientemente fendia a total abolição do termo dado que
consistente de forma a permitir resolver para este autor constituíam duas patolo-
o conflito interno da sua identificação, o gias pouco relacionadas entre si e que só
que inevitavelmente perturba as suas re- ocasionalmente se encontravam presentes
lações com os outros(12). no mesmo sujeito(4).
Sugestionabilidade: é um fenómeno
clássico na histeria. São pessoas de uma Uma crise histérica geralmente ocorre
dependência extrema [inicialmente em durante o dia (podendo inclusive ocorrer
relação a seus pais e posteriormente em várias vezes durante o dia) na presença
relação ao(à) companheiro(a)]. Assim, de outras pessoas, tem factores desenca-
uma personalidade histérica é, por natu- deantes habitualmente de ordem emo-
reza, influenciável, inconsistente, oscilan- cional(14); um padrão de crise variável com
te e versátil(12). auras aparatosas, início progressivo em
que geralmente são tomadas por parte do
paciente medidas de segurança e a perda
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL de consciência quando existe é apenas
parcial. As convulsões são anárquicas, o
Apresenta-se como um problema de doente pode falar durante a crise(5,14), o
diagnóstico de perturbação conversiva a di- descontrole de esfíncteres é ocasional, não
ficuldade em excluir uma perturbação do é frequente ocorrer mordedura da língua
foro orgânico. A existência de uma doença e as consequências físicas da queda são
orgânica concomitante é comum em pa- pequenas lesões ou não ocorrem(4,5). O
cientes hospitalizados com perturbação doente responde de forma positiva a ma-
conversiva e, evidências de uma perturba- nobras sugestivas, a estímulos dolorosos e
ção neurológica actual ou de uma doença apresenta resposta plantar em flexão. A
sistémica com atingimento cerebral foram crise dura minutos ou mesmo horas sen-
relatadas em cerca de 25 a 50% dos doen- do a sua recuperação, regra geral, rápida.
tes com perturbação conversiva. A crise epiléptica, geralmente, tem um
início brusco, sem auras aparatosas, pode
Epilepsia ocorrer durante a noite estando o doente
A psiquiatria francesa do século XIX sozinho. O padrão das crises é constante e
relacionava a epilepsia com as neuroses, a perda de consciência é geralmente total.
mais concretamente com a histeria tendo As convulsões são simétricas, organizadas,
mesmo chegado a surgir o termo histero- não intencionais, o doente não fala du-
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13. Palha AP. Os sintomas neuróticos na epilepsia. In A do clínico geral. António A Gomes, Eduardo L Cortesão,
epilepsia em psiquiatria- contribuição para o seu estudo. Ermelinda S Silva. Lisboa:UCB, 181-215, 1986.
A. Pacheco Palha. Dissertação de doutoramento 15. Ey H, Bernard P, Brisset C. A histeria. In Manuel de
apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do psychiatrie. Henry Ey, Paul Bernard, Charles Brisset. 5ª
Porto. Porto, 51-68, 1985. edição. Paris: Masson. Trad Brasileira por Paulo Geraldes e
14. Gomes AA, Cortesão ED, Silva HR. As neuroses na praxis Sónia Ioannides. Manual de Psiquiatria: Editora Masson do
clínica. In Psiquiatria, neurologia e saúde mental na praxis Brasil. 472-489, s/d.
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