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A CRIATIVIDADE NA EDUCAÇÃO

Davy Litman Bogomoletz

http://www.psicopedagogia.com.br/entrevistas/entrevista.asp?entrID=38

O que você vê como o ponto mais importante da abordagem da psicanálise


para a questão da educação e da aprendizagem?

Esse é um tema interessante. Eu poderia dizer, para ficar num único aspecto,
que Winnicott (psicanalista) percebeu uma coisa que outros psicanalistas não
viram, e que é a espontaneidade e tudo aquilo que gira em torno dela ou de
sua ausência. Que diferença há, por exemplo, entre um aluno que aprende
bem porque é submisso e outro que aprende bem porque é espontâneo? Eu
diria que a diferença está em que o aluno espontâneo talvez não tire notas
tão boas quanto o submisso, mas terá muito mais curiosidade, terá muito mais
ideias próprias, fará muito mais ligações entre as várias coisas aprendidas, e
assim por diante. Consequência: ele usará bem melhor os conhecimentos
adquiridos quando estiver fora da escola.

Na minha opinião, essa diferença não era muito apreciada, até pouco tempo
atrás. E então as escolas começaram a se preocupar com a espontaneidade e
a não-submissão, mas acho que houve muita confusão nessa área, e muita
gente meteu os pés pelas mãos tentando entortar para o lado de lá o que
antes estava torto para o lado de cá. Winnicott discute tudo isso, mas a partir
das próprias bases iniciais do desenvolvimento emocional da criança, e esse
conhecimento a meu ver é fundamental para quem quer ter realmente uma
boa noção de como funcionam crianças normais. (E também, obviamente, as
que precisam de ajuda para chegar à normalidade ou ao menos perto dela.) E
falo aqui de crianças porque elas são o “público alvo” disso que chamamos
educação, não porque o que ele disse só é importante em termos de crianças.

E essa questão do brincar, que importância tem para o processo da


aprendizagem?

Winnicott deu grande importância ao fenômeno da espontaneidade. É como se


até então a psicanálise considerasse que o indivíduo age a partir do esquema
estímulo – resposta, e ele foi o primeiro a dar importância ao comportamento
que na verdade não está respondendo a estímulo nenhum. Por isso ele fala da
diferença entre agir e reagir, e o que sabemos é que muita gente – criança ou
não – quase nunca consegue agir, em geral fica esperando que ocorra um
estímulo para então reagir a ele. (Muita gente não sabe o que fazer nos fins
de semana, por exemplo, ou num feriado. Fica perdida.) Winnicott percebeu
que o indivíduo humano é naturalmente criativo desde o início, e que o bebê
inventa brincadeiras espontaneamente. Disso todo o mundo sabe, é claro, mas
até então ninguém percebeu o quanto isso era importante. Ora, justamente
por isso essa espontaneidade poderia ser reprimida, impedida, e isso acontece
muitas vezes desde muito cedo na vida do bebê. Quando esse desastre não
acontece, a espontaneidade e a criatividade da criança naturalmente agem no
sentido de fazer coisas, e de aplicar a fantasia (o “produto” da criatividade)
aos movimentos e à manipulação de objetos – aquilo que chamamos de
‘brincar’. Com isso, a criança age sobre o mundo à sua volta, descobrindo
coisas e inventando outras, pelo puro prazer de fazê-lo. Ela se sente agente,
sujeito, ou outro nome que se dê a isso, e isto cria a capacidade de aprender
como conquista, como exercício da própria vontade, o que é muito diferente
de aprender como submissão à vontade do outro. E é justamente essa
atividade – o brincar – que permite a esse processo de aprendizagem como
conquista instalar-se e transformar-se na base de tudo aquilo que nós adultos
chamamos de aquisição da cultura. O conhecimento, a cultura, portanto, do
ponto de vista de Winnicott, podem ser algo de que a gente se apossa, ou algo
que se apossa da gente. E qualquer pessoa (inclusive os professores) sente na
própria pele a diferença entre essas duas possibilidades. É claro que não é
possível a aprendizagem dentro da pura liberdade – não sei que fim levou,
afinal, a famosa escola Summerhill, mas não parece ter feito tanto sucesso
assim... Uma coisa, porém, é a liberdade apenas relativa, não total, e outra a
ausência quase total de liberdade. É desse tipo de coisas que Winnicott fala, e
a meu ver é até urgente que as pessoas voltadas para a educação e a
aprendizagem prestem-lhe um pouco mais de atenção.

E por que Winnicott, e não outro teórico da psicanálise?

Winnicott, sendo a terceira geração na história da teoria psicanalítica (as


primeiras, óbvio, eram Freud e Melanie Klein), já encontrou muitos caminhos
abertos, a teve como ir mais adiante. [...] além do mais, foi pediatra por 40
anos, além de psicanalista, e teve um contato muito prolongado com um
número enorme de crianças que só estavam doentes fisicamente, e podiam
ser consideradas psicologicamente saudáveis. Esse contato com as crianças
que não tinham qualquer comprometimento psicológico o convenceu, creio
eu, de que a psicanálise não podia restringir-se à compreensão da doença
psíquica, precisava ir além e tentar entender o funcionamento da mente
humana sem a interferência da doença.

Davy, por que a psicanálise para quem lida com educação? Não é um
tratamento, voltado para as doenças, pouco tendo a ver com o que se passa
entre professores e alunos?

... não é bem assim. A psicanálise é constituída de duas partes: As teorias


sobre o funcionamento humano em termos psicológicos, e as técnicas de
tratamento. O conhecimento psicanalítico também fornece fundamentos para
uma série de atividades, tais como a educação, a psicologia (individual e
social), agora a psicopedagogia etc.

Obviamente, cada um dos pontos de que falei é apenas uma breve


simplificação, e não deve ser considerado “toda a verdade”. Mas para falar
das complicações precisaríamos de vários livros, de modo é melhor ficarmos
por aqui.
Se você deseja aprofundar seus conhecimentos sobre este assunto,
recomendamos:

1. FRANCO, S. G. A criatividade na clínica psicanalítica. In: Pulsional –


Revista de Psicanálise, Ano XVII, n. 178, junho de 2004. Disponível em
http://pulsional.com.br/rev/178/4.pdf
2. OUTEIRAL, J. O. Transicionalidade e criatividade: rabiscos sobre o viver
criativo. In Jornal psicanal. [online], vol.43, n.78 pp. 91-98 . 2010.
Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0103-
58352010000100007&script=sci_arttext&tlng=es

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