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vinte, sendo o seu ápice no período que seguiu à Segunda Guerra Mundial, quando algumas
editoras norte-americanas se especializaram nesse tipo de criação. Nos anos 1970, tal forma
de arte passou a ser encarada com mais seriedade, atraindo leitores adultos para o que antes
era considerada uma leitura dirigida apenas para um público infantil. Essa nova tendência fez
com que álbuns voltados para um leitor adulto aparecessem nas prateleiras das comic shops,
da cultura de massa. Suas origens na literatura de consumo, como os pulp fictions1 , ainda
marcam essas histórias que utilizam palavras e imagens como uma forma de comunicação
vista como sub-cultura. Hoje, no século 21, por causa do reconhecimento de artistas de
quadrinhos de todo o mundo e da qualidade de seus trabalhos, essa arte atingiu um status mais
elevado, porém, ainda se situa entre a galeria e as ruas, circulando nos jornais e revistas.
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Pulp fiction é o termo utilizado para um determinado tipo de publicação do período de 1920 até os anos 1950.
São revistas, com histórias de aventura ou ficção científica, feitas em papel de baixa qualidade, e seu conteúdo
também era questionado durante o período mencionado, caracterizado como literatura barata e também
relacionado as edições baratas de livro de bolso. A origem do nome vem de wood pulp, que é a polpa, o material
mais usado na fabricação de papéis. Até o século 21, muitas revistas em quadrinhos são feitas desse material.
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conceitos a serem utilizados nesse estudo são do estudioso Claus Clüver, um dos principais
apenas como fascículos ou “tiras”, tem sido possível estudar a sua estrutura. Quando
arte seqüencial, que compõe uma narrativa visual. É necessário, então, compreender o que é a
Primeiro, é importante considerar que os quadrinhos são uma forma de leitura e, para
Durante os últimos cem anos, o tema da leitura tem sido diretamente vinculando ao
conceito de alfabetização;... aprender a ler... tem significado aprender a ler
palavras... Mas... gradualmente a leitura foi se tornando objeto de um exame mais
detalhado. Pesquisas recentes mostram que a leitura de palavras é apenas um
subconjunto de uma atividade humana mais geral, que inclui a decodificação de
símbolos, a integração e a organização de informações... Na verdade, pode-se pensar
na leitura – no sentido mais geral – como uma forma de atividade; mas existem
muitas outras leituras – de figuras, mapas, diagramas, circuitos, notas musicais...
(citado em EISNER, 1989, p. 7)
autor compartilham de uma experiência visual, tendo esse leitor não apenas que ler a história,
mas compreendê- la como um misto de palavra- imagem. O que ocorre desde o surgimento dos
quadrinhos é a interação, que os artistas têm procurado, entre palavra e imagem, chegando a
e símbolos reconhecíveis, que estão regulados por um conjunto de regras que regem a arte
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It was in part their activities and in larger measure the production of the popular culture industry that generated
a plethora of “texts” in which visual and verbal signs are combined into multi-media, mixed-media, or
intermedia texts – formations in which we encounter the most common types of word and image relations in
contemporary culture. (CLÜVER, 2000, p. 15)
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seqüencial. Por isso, para o leitor compreender o que se passa em uma história, ele deve ter
respectivamente, os símbolos que deles fazem parte. É necessário que perceba como a
também, como a sintaxe ou o enredo se articulam, como o conflito e tantos outros elementos
se integram a narrativa.
Para falar sobre o leitor de quadrinhos pode-se aludir ao que Umberto Eco
considera um leitor modelo. Eco estabelece uma distinção entre os tipos de leitores e os divide
outro que não apenas lerá a história, mas saberá interpretá- la de formas diversas, em
do texto. Uma vez caracterizada como forma de linguagem, convém pontuar o conceito de
quadrinhos são os seus elementos: quadro, linha, balão, ilustração e texto. Na maior parte das
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histórias, é possível separar o texto da imagem, uma vez que se encontram divididos pela
dos conceitos de intermidialidade, ou seja, que ocorre quando se pode separar ou destacar
uma mídia da outra, porém, havendo uma certa perda de sentido. Segundo Claus Clüver: “um
texto mixed-media contém signos complexos em mídias diferentes, que não alcançariam
relações entre diferentes signos e mídias, oferecendo propostas conceituais que incluem,
seriam um discurso misto, uma vez que utilizam duas mídias diferentes, texto escrito e
imagem, não separáveis fisicamente. Porém, no caso da arte seqüencial de Will Eisner, se
entre duas mídias distintas: a palavra e a imagem. Pois, esta foi a experimentação de toda a
sua vida, que chegou com Will Eisner a atingir um estilo sofisticado. Assim, para poder
analisar tal objeto de estudo, é necessário conhecer quem foi o artista que revolucionou essa
forma de linguagem e delinear a sua carreira dentro das artes visuais. O contexto em que
surgiu a série que será aqui analisada é imprescindível para se verificar o alcance que tiveram
as experiências visuais e narrativas que o artista desenvolveu, bem como o seu impacto sobre
Will Eisner
Will Eisner, nascido em 1917 e falecido em 2005, criou um legado nas áreas em
assim como as ilustrações, composições e outras áreas das artes visuais. Ele foi o artista
responsável pela pesquisa e experimentação sobre a arte seqüencial, sendo nas páginas do
encarte dominical do The Detroit News, em dois de junho de 1940, que a primeira fase do
artista, que durou 12 anos, teve início. Trata-se de uma fase marcada pela experimentação
gráfica e pela preocupação sobre o modo de entrelaçar duas mídias: a palavra e a imagem, o
quadrinhos conhecidas até então como uma leitura popular e de consumo a um novo patamar
de leitores exigentes e profissionais das artes gráficas. Devido a esse trabalho, o artista
arte seqüencial.
Começou a trabalhar como desenhista e roteirista em 1936. Em 1940, criou a série The Spirit,
objeto de estudo deste trabalho. Foi nesse período inicial que estudou a técnica das histórias
trabalhar na série The Spirit, já dominava a técnica, estando o seu no ápice, o que lhe permitiu
explorar as possibilidades entre palavra e imagem, de forma cada vez mais sutil. Nas palavras
do autor:
de um detetive que, uma vez dado como morto, torna-se um justiceiro mascarado, que
trabalhava em parceria, ou não, com o comissário da polícia de Central City, uma versão em
quadrinhos da cidade de Nova York: “eu queria um herói que vivesse além da Lei, (…). Então
imaginei Denny Colt, um detetive, que é dado como morto e enterrado”. (citado em
aparecia, tendo o autor também criado outros personagens complexos e bizarros, Na verdade,
as histórias do Spirit (FIG. 01) apresentavam uma galeria numerosa de diversos tipos: pobres,
mansos de espírito. Quanto aos outros personagens, pode-se mencionar: o comissário Dolan,
sua filha Ellen, noiva do Spirit, e seu parceiro Ebony White (ou Ébano Branco), um dos
Inicialmente lançado no Brasil como O Espírito na revista Gibi, a série volta a ser
publicada nos anos 1990 pela Devir (editora portuguesa com filial em São Paulo). O Spirit, ou
como poucos no Brasil o chamam, o “Espírito”, tem a sua base de operações em um cemitério
da Central City, onde convive com seu parceiro Ebony, onde pode ser contatado pelo
Uma série que envolve perseguições, conflitos, traições, morte, roubos, trapaças e
toda a sorte de crimes se passa em um ambiente urbano, mostrando as páginas dos quadrinhos
perspectivas de edifícios, lojas, pontes, bem como ruas vazias, metrôs e calçadas repletas de
seu centro estão aí representados, com suas placas, faixas, paredes e seus habitantes. Nas
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palavras do autor3 , o seu trabalho está voltado para o drama humano, para a comédia de
situações, assim como para a condição humana. Eis o porquê de personagens tão diversos e
Após 1952, encerrando a série, o artista ficou 25 anos longe dos quadrinhos.
docência, lecionando na School of Visual Arts de Nova York. Durante esse mesmo período, os
quadrinhos atingiram uma nova repercussão, com linhas editoriais voltadas para adultos.
Incentivado por essa mudança e por um olhar de mais seriedade em relação aos quadrinhos, o
artista decidiu retomar as suas atividades como cartunista e iniciou uma nova fase. Foi quando
ofereceu para uma editora o seu livro em quadrinhos Contrato com Deus e o batizou de
graphic novel. Esta obra foi a primeira a ser publicada utilizando esse novo conceito de
quadrinhos para um público adulto, enfim, uma versão americana dos álbuns europeus de uma
banda desenhada.
próprio artista. Foi considerada pelos críticos como a sua fase mais notável, relatando
histórias que tratam da infância do autor em Nova York, um filho de imigrantes judeus
período da Depressão Econômica. A partir de 1978, publicou, juntamente com Contrato com
Deus, as histórias Ânsia de Viver, O Edifício e a série Citys. Não há dúvida de que o artista
não apenas mudou as histórias em quadrinhos do século vinte e vinte e um, como desenvolveu
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Documentário realizado por Mariza Furtado: Will Eisner: Profissão cartunista. Scriptorium, Rio de Janeiro.
VHS.
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Os pogroms eram os ataques violentos feitos a uma minoria étnica. Esse termio tem sido utilizado para
denominar os ataques ocorridos na Europa contra os judeus. Esses ataques já foram temas de histórias de Will
Eisner.
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do artista Will Eisner. As relações serão exemplificadas através das páginas de abertura da
série The Spirit, analisadas juntamente com os conceitos de arte seqüencial criados pelo artista
e seu aspecto intermidial. Alguns desses conceitos serão exemplificados, mais adiante, junto
A arte seqüencial desenvolvida na série The Spirit não apenas inovou a narrativa,
mas explorou o uso de elementos intermidiais, nas palavras do autor: “na arte seqüencial, as
tecido”. (EISNER, 1990, P. 122). Will Eisner não apenas criou personagens e situações que
explorou na forma de arte seqüencial, como fez do seu trabalho motivo de pesquisa para uma
nova forma de linguagem. Eisner percebeu que poderia transformar a linguagem dos
quadrinhos em um discurso intermedia: “certamente havia mais trabalho para o artista lidando
com essa técnica, do que para os super heróis que tentavam salvar a Terra da destruição por
vilões”.(EISNER, 2000, p. 7)5 . Tal estrutura, que se baseava nos elementos da linguagem
própria dos quadrinhos (balões, páginas com painéis inteiros, requadros e linhas), trabalhada
O texto e os balões estão entrelaçados com a arte. Eu via todos esses fios de um
tecido e os explorava como uma linguagem. Se eu tivesse sucesso nisso, não haveria
interrupção no fluxo narrativo porque o texto e o desenho estariam tão dependentes
um do outro que não seriam separáveis nem por um momento.
(EISNER, 2000, p. 12)6
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“certainly there was more for the cartoonist working in this technique to deal with than superheroes who were
preventing the destruction of Earth by supervillains”. (EISNER, 2000, p. 7).
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The text and the balloons are interlocked with the art. I see all these as threads of a single fabric and exploit
them as a language. If I have been successful at this, there will be no interruption in the flow of narrative because
the picture and the text are so totally dependent on each other as to be inseparable for even a moment. (EISNER,
2000, p. 12)
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separar, nos textos do autor, a imagem e palavra. O resultado é que as suas histórias, que
transformadas em intermedia, em que todos os elementos dependem uns dos outros para ter
um significado.
suas “tirinhas”, não era o mesmo do anterior, sendo o último mais sofisticado e exigente. Esse
fator permitiu que um trabalho experimental fosse desenvolvido, diferente do que era feito até
aquele momento, em que começou a surgir um argumento intrincado e uma narrativa visual
vasculhei sobre esse território virgem, utilizando The Spirit como uma plataforma de
lançamento para todas as idéias que navegavam em minha mente”. (EISNER, 2000, p. 7)7
Essas experiências iniciais podem ser percebidas nas páginas de abertura da série
The Spirit, que guardam muito do discurso mixed-media, porém, é em sua primeira página
que se encontra o estilo que, na segunda fase do artista, irá predominar em todas as páginas de
suas futuras histórias: o meta-quadrinho. Trata-se de um tipo de quadro que ocupa uma página
em forma de painel, que pode dispensar os requadros e os balões, fazendo de todo o conteúdo
um texto único.
mostrado nela depende do tamanho da história e do conflito a ser apresentado (FIG. 02). Ela
serve como ponto de partida da narrativa, muitas vezes de forma não linear, exibindo o ápice
da história e a principal ação que irá se desenvolver. Se bem apresentada, ela prende a atenção
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“in the twelve years that followed, I thrashed about this virgin territory in an orgy of experiment, using The
Spirit as the launching platform for all the ideas that swam in my head”
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Figura 02: nessa página de abertura, o título é um letreiro luminoso e o leitor se encontra na
mesma posição do Spirit, que analisa a situação que lhe é apresentada e o crime ocorrido.
Como se pode perceber, o texto está para a imagem como a imagem para o texto,
um amálgama com a imagem e já não servem para descrever, mas para fornecer som, diálogo
com o estúdio de Will Eisner e uma agência. As histórias do detetive mascarado foram
distribuídas para quase todos os jornais nos Estados Unidos e as suas capas, muitas vezes,
narrativa. Devido a essa múltipla função da página de abertura, o artista se preocupava tanto
com a sua concepção e composição do layout, dispondo o título sempre de uma forma
diferente, uma característica que se tornou uma característica de seu estilo (FIG 03).
Figura 03:
a) título é uma tira de borracha que condiz com o estado emocional do personagem, comissário Dolan,
b) história do Dia das Bruxas, cujo título evidencia qual o teor e o ritmo da narrativa.
Eisner trabalha suas páginas de abertura. Na história “Borracha”, a página apresenta o título
como um pedaço de borracha sendo esticado até arrebentar e simbolizando esse esgarçamento
do material o estado emocional do comissário Dolan sob pressão para resolver um crime. Tal
Dia das Bruxas. Na própria página aparece, em letras diferenciadas e desenhadas, a palavra
inglesa halloween (dia das bruxas), sendo a página ocupada por um personagem de aspecto
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sombrio e diabólico, que remete aos vilões das histórias de terror segurando letras que
formam a palavra Spirit. Logo, sugere-se, assim, que a história será em torno do referido
personagem. Contudo, ao mesmo tempo em que o visual alude ao Dia das Bruxas, percebem-
se, também, ares cômicos expressos pelo seu sorriso diabólico que parece esconder solução de
um mistério que o leitor desconhece, ou pela sua engraçada gravata de bolinhas, ou ainda,
pelo fato de andar armado com um tesoura com pontas redondas. Por outro lado, os motivos
que remetem ao Dia das Bruxas, como um morcego de papel preso por um alfinete, ou uma
lua, ou um clip de papel segurando uma nuvem junto à lua., tudo isso leva a assinatura de
Will Eisner. Um outro aspecto que remete ao humor e à brincadeira é a forma como os
elementos de terror dão a impressão de terem sido feitos com material de escritório. Há,
inclusive, um texto de introdução escrito sobre a figura da lua, que inicia a narrativa, que
acontece em uma casa antiga, como se todos os elementos da página estivessem interagindo.
Como se pode conferir, o autor nunca repete as suas aberturas (FIG 04).
Figura 04:
a) história do Dia das Bruxas, sendo o título formado pelas pilastras da casa no plano de fundo, aonde irá se
passar a história.
b) título está boiando na água em meio a bolhas, numa imagem submersa na água onde a história tem início,
contada por dois narradores, que continuaram andando pela água e pelo cais nas próximas páginas.
A segunda história do Dia das Bruxas tem como personagem principal uma bruxa,
questão e zombando daqueles que a temem. Trata-se de uma apresentação contrária àquelas
história, aparecendo a palavra Spirit apresentada como as pilastras da casa em que irá se
passar a história. A assinatura do autor se encontra nas placas de indicação do nome da rua,
imagem submersa na água. Há dois personagens que iniciam a narração, comentando o que
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irá acontecer a seguir. A palavra Spirit bóia na água em meio as bolhas que a cercam, estando
mostram os narradores saindo da água e as cenas no cais, em que a história tem início. Quanto
à conclusão, ela torna a remeter às páginas de abertura (FIG 05). No exemplo abaixo, na
rádio e o cinema (FIG. 06). A história A Tocha é uma experiência com a linguagem do rádio,
explorando recursos gráficos que simulem o som e as cenas de ação encontradas nessa mídia.
Devido a tal característica, a página de abertura é quase toda preta e as internas contêm
Humano, há uma referência ao filme Farrapo Humano do diretor Billy Wilder, sendo a
O título da série, bem como a assinatura do autor, como aparecem, nas seguintes
páginas de abertura, fundem-se com as imagens de uma forma inusitada e sofisticada (FIG.
07).
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Os títulos que aparecem no topo das páginas, em português, foram acrescentados pelas editoras, na tradução, e,
assim, não fazem parte da página desenvolvida por Will Eisner para publicação.
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Uma das formas de contar histórias utilizada por Eisner e desenvolvida por meio
da arte seqüencial é a pantomima. É o uso das imagens sem palavras. Na história Hoagy, o
Iogue II, não há textos verbais, apenas ações e cartões postais com palavras desenhadas que
servem como “periféricos narrativos”, como cita Will Eisner em seu livro Quadrinhos e Arte
Seqüencial (FIG. 08). A página de abertura possui dois quadrinhos inseridos em um meta-
parte inferior da página, está o título da série e a assinatura de Eisner, como se ele estivesse
famosos. Muitas vezes, o artista mantém o texto original do escritor e trabalha uma nova
narrativa através de imagens, levando a palavra e a imagem a uma nova forma de leitura e
interpretação, como é o caso de Hamlet e A Queda da casa de Usher (FIG. 09), ou ainda,
mostrando o texto original sem alterações ou outras releituras, como a história João e Maria
(FIG. 10).
Figura 09: a história contada pelo Spirit: A Queda da casa de Uscher de Edgar Allan Poe
Allan Poe, aludindo ao escritor e criando uma narrativa visual para esta história, do ponto de
Figura 10: releitura da história Jõao e Maria: Contos de fadas para Delinqüentes Juvenis contados
pelo Spirit: João e Maria.
já de domínio público, a de João e Maria. Como está voltada para um público sofisticado,
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juvenil e adulto, a história não é convencional e parece muito distante de seu original; o que já
evidencia o fato é o novo título, trabalhado de forma rebuscada, que remete às folhas de rosto
e capas de livros infantis antigos: Contos de fadas para Delinqüentes Juvenis contados pelo
Spirit: João e Maria. A página seguinte faz uma apresentação dos personagens que em nada
se assemelham aos originais e enfatizam o título, indicando uma história diferente das que
adaptação ou transposição para outros meios ocorre em Eisner, como no caso dos seus
exemplificando o modo como ele se apropria das características dessas mídias para criar suas
páginas de abertura.
coletâneas da série The Spirit, organizadas por editores e pesquisadores da obra de Will Eisner
e, em alguns casos, sob sua supervisão. Para citar alguns de seus trabalhos a partir de 1978 e
da década de 1990, foram escolhidos exemplos retirados de suas graphic novels, dentre elas
Contrato com Deus e The Dreamer, sendo este último um trabalho autobiográfico. Nessas
páginas serão exemplificados alguns tópicos sobre arte seqüencial e o estilo mais maduro do
autor.
Will Eisner desenvolveu uma série de apontamentos sobre seu próprio trabalho,
muitas vezes fazendo análise de suas páginas ou escrevendo sobre seu processo de criação ou
sobre a arte seqüencial. Buscava dar explicações sobre os motivos pelos quais colocava o
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dos balões, de modos diferentes na mesma história. Durante seu período de docência na
School of Visual Arts, Eisner preparou um material, que deu origem à disciplina Arte
Seqüencial nessa mesma instituição e que depois originou o livro Quadrinhos e Arte
Seqüencial considerado um tratado sobre a linguagem dos quadrinhos, e que pode ser
alguns tópicos que ilustram uma fase mais madura do artista. Em seus trabalhos posteriores,
Eisner, criou uma narrativa visual integrada, que amalgamava texto, imagem, diálogos, sendo
meta-quadrinho.
O texto é, então, lido como imagem, desde que as letras são trabalhadas de forma
Contrato com Deus, o título se encontra cravado em uma pedra, como uma alusão às placas
dos Dez Mandamentos recebidos por Moisés (FIG. 11). Nesta placa, a palavra God está
está trabalhado de forma diferente, como se fosse uma imagem, com a função de expressar a
ira do personagem. Esse tratamento das letras e, conseqüentemente, das palavras, evidencia a
leitor deve ser ativada para promover uma interação com o autor, assim permitindo que o
Convém refletir, ainda, sobre a questão das letras como imagens. Considerando que as
palavras são feitas de letras, por sua vez tidas como formas abstratas de antigos desenhos que
costumavam representar diferentes elementos, tais como animais ou objetos, Eisner conseguiu
criar um alfabeto visual inspirado em posturas humanas para idealizar um estado emocional
ou uma ação, dando origem a uma trama de interação dramática calcada em símbolos básicos.
oportunidade para construir histórias que envolvam significados mais profundos e que tratem
Figura 12: posturas humanas como forma a expressar um estado emocional sem necessitar de textos, enfatizando
o aspecto dramático.
Finalmente, o último tópico que convém discutir é a questão das imagens sem
palavras. Integrando os quadros de uma página em um único painel, Eisner conseguiu contar
suas histórias, muitas vezes, sem necessitar de palavras, nem requadros. Trabalhava apenas as
posturas de seus personagens, a composição das linhas e cores dos elementos narrativos que,
momento da historia. O início e a conclusão da graphic novel The Dreamer (1986) são
exemplos da última fase do artista, que mostram como sua técnica evoluiu desde as páginas
de abertura da série The Spirit dos anos 1940 (FIG. 13 e 14) até os anos 1980.
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primeira revelando o jovem Eisner procurando um dinheiro para pagar um café. Na parte
superior da página, lê-se uma manchete do jornal New York Times, datado de 21 de janeiro de
1937, período em que o artista iniciou sua carreira. A postura do personagem e a manchete
passam, de uma forma coesa, a informação de que se trata de um período financeiro difícil
para os Estados Unidos, já que o país, então, enfrentava o final da Depressão Econômica.
que a da abertura do The New York Times, a qual aborda a Segunda Guerra Mundial. Porém, o
personagem, após passar pelas dificuldades do início de sua carreira, já estava determinado a
seguir seus sonhos, apesar do período conturbado em que o mundo vivia. Mais uma vez, a
página exibe signos gráficos interligados, em que retalhos de jornais passam a compor a
Mas a trajetória criativa de Will Eisner, infelizmente, foi interrompida com a sua
morte em 2005, para tristeza de seus admiradores, que ainda lhe prestam homenagens no seu
site oficial na internet. O artista que mudou a forma de escrever histórias em quadrinhos
próprio processo de criação de forma didática, visando passar adiante seus conhecimentos
Como Will Eisner iniciou suas experiências em 1940, outros artistas que
aprenderam ou não com ele, também desenvolvem ainda hoje, em 2006, trabalhos inovadores
nessa linguagem. Trata-se, pois, de uma área aberta para experiências as mais diversas e
rumam para uma nova fase, especialmente enriquecida pelas novas tecnologias digitais. A
objeto. O trabalho de Will Eisner como foi abordado nesse estudo, revela como suas
intermedia. As páginas da série The Spirit são não apenas mixed-media, como a maior parte
das histórias em quadrinhos, mas intermedia. Os quadrinhos que possuem apenas as palavras
dentro dos balões ou em espaços brancos, sempre separados das imagens, são textos mixed-
media. Pois é possível separá- los, não totalmente e com perda de significado. O trabalho de
Eisner, como um texto intermedia, tem suas páginas, no caso as de abertura da série The Spirit
e seu trabalho da fase madura, possui as palavras e imagens completamente entrelaçadas entre
A preocupação do artista com o seu trabalho levou a uma nova forma de refletir
sobre os quadrinhos e seu processo de criação. A inovação de Eisner levou a criação, também
por parte do artista nova- iorquino, da arte seqüencial conhecida e estudada hoje por
profissionais das artes visuais. O seu trabalho e sua pesquisa em experimentações são
artes visuais, bem como seu desenvolvimento teórico que ilustra os conceitos aqui abordados
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