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Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais

PROJETO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA

É o CRMV-MG participando do processo de atualização


técnica dos profissionais e levando informações da
melhor qualidade a todos os colegas.

VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL
compromisso com você

www.crmvmg.org.br
Editorial
A Escola de Veterinária e o Conselho Regional
de Medicina Veterinária Minas Gerias, com sa-
tisfação, colocam a disposição da comunidade de
leitores o terceiro número do Cadernos Técnicos
de 2012. Consolidando a parceria e compromisso
da Escola de Veterinária e do Conselho Regional
de Medicina Veterinária com a educação continu-
ada da comunidade dos Médicos Veterinários e
Zootecnistas de Minas Gerais.
O número 3, Saneamento ambiental em ativida-
des agropecuárias, apresenta um assunto de altíssi-
ma relevância, pois o manejo dos recursos hídricos,
captação e tratamento, bem como o manejo das
águas residuárias serão um dos principais gargalos
na atividade da agroindústria. Deste modo este vo-
lume irá contribuir para o melhor entendimento
destas questões pelos profissionais da área.
Portanto, parabéns à comunidade de leitores
que utilizam o Cadernos Técnicos para educação
continuada, uma experiência que transcende a gra-
duação e a pós-graduação.
Ainda, a Escola de Veterinária tem a satisfação
de divulgar a celebração dos seus 80 anos, incluin-
Universidade Federal do uma página com sua história de consistência e
de Minas Gerais
compromisso com o ensino, a pesquisa e exten-
Escola de Veterinária
Fundação de Estudo e Pesquisa em são, atingindo desta forma tanto os profissionais
Medicina Veterinária e Zootecnia
- FEPMVZ Editora
da área como toda a sociedade mineira, brasileira e
internacional.
Conselho Regional de
Medicina Veterinária do
Estado de Minas Gerais Prof. Antonio de Pinho Marques Junior
- CRMV-MG Editor-Chefe do Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia (ABMVZ)
Prof. José Aurélio Garcia Bergmann
Correspondência:
Diretor da Escola de Veterinária da UFMG
FEPMVZ Editora
Caixa Postal 567 Prof. Marcos Bryan Heinemann
30123-970 - Belo Horizonte - MG Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia
Telefone: (31) 3409-2042
E-mail: journal@vet.ufmg.br
Prof. Nivaldo da Silva
CRMV-MG nº 0747 – Presidente do CRMV-MG
Conselho Regional de Medicina
Veterinária do Estado de Minas
Gerais - CRMV-MG
Presidente:
Prof. Nivaldo da Silva

E-mail:
crmvmg@crmvmg.org.br

CADERNOS TÉCNICOS DE
VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
Edição da FEPMVZ Editora em convênio com o CRMV-MG
Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia - FEPMVZ

Editor da FEPMVZ Editora:


Prof. Antônio de Pinho Marques Junior

Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia:


Prof. Marcos Bryan Heinemann

Editora convidada para edição 66:


Prof Luciano dos Santos Rodrigues

Revisora autônoma:
Giovanna Spotorno Moreira

Tiragem desta edição:


9.100 exemplares

Layout e editoração:
Soluções Criativas em Comunicação Ldta.

Fotos da capa:
Beatriz Marques Andrade

Impressão:
Imprensa Universitária

Permite-se a reprodução total ou parcial,


sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.

Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia. (Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da UFMG)

N.1- 1986 - Belo Horizonte, Centro de Extensão da Escola deVeterinária da UFMG, 1986-1998.

N.24-28 1998-1999 - Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e Zootecnia, FEP
MVZ Editora, 1998-1999

v. ilustr. 23cm

N.29- 1999- Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e Zootecnia, FEP MVZ
Editora, 1999¬Periodicidade irregular.

1.Medicina Veterinária - Periódicos. 2. Produção Animal - Periódicos. 3. Produtos de Origem Animal, Tecnologia
e Inspeção - Periódicos. 4. Extensão Rural - Periódicos.

I. FEP MVZ Editora, ed.


Prefácio
Luciano dos Santos Rodrigues
Israel José da Silva

Professores da Escola de Veterinária da Universidade Federal de


Minas Gerais

Os sistemas de produção animal sempre


foram alvos de inovações tecnológicas para
melhorias de performances em conversão ali-
mentar, na qualidade das carcaças, técnicas de
reprodução, softwares de gerenciamento e na
sanidade do plantel. Entretanto, muito pouco
se trabalhou na vertente de se obter um animal
ou produto deste, como menor quantidade de
resíduos gerados por unidade de produção. Na
concepção de produtividade hoje, a escala por
unidade de área ou tempo, com qualidade da
mercadoria são os referenciais exigidos pelo
mercado.
Hoje sabidamente, como em outros nichos
de produção, os produtos de origem animal te-
rão pela frente a barreira de serem produzidos
de forma limpa, ou seja sem causar impacto am-
biental. Neste aspecto muito terá que ser feito
para se quebrar paradigmas que predominam
no sistema atual. Os profissionais que atuam na
área de produção deverão ter foco nos impactos
gerados na forma de produção, além das metas
de lucro. Precisarão ter conhecimento como mi-
tigar os impactos ambientais, pois poderão ser
surpreendidos na hora da aprovação dos proje-
tos agropecuários nos fóruns de homologação
das licenças ambientais ou outorga do uso da
água.
Acreditamos que os novos profissionais
terão que avaliar nos projetos, situações onde
o desperdício de água, a falta de captação de
águas pluviais em calhas, a redução de emissão
de gases nocivos e o lançamento de altas cargas
com resíduos químicos e orgânicos sejam vistos
como condição sine qua non e que profissionais
que entendam de efluentes e resíduos possam
opinar antes que o projeto venha a ser execu-
tado com as reformulações para o atendimento
legal. Situação esta, não raramente, expõe a falta
de inserção dos profissionais de ciência animal
no âmbito das questões ambientais.
Logo, uma visão onde os efluentes sejam
olhados dentro do custo da matriz de produção,
passa ser um requisito para os profissionais que
terão que andar em simbiose com os órgãos re-
guladores e fiscalizadores das leis ambientais,
evitando a reengenharia dos projetos com o so-
matório de custos extras em adaptações e refor-
mas , nem sempre adequadas financeiramente à
matriz de produção.
Esta edição do Caderno Técnico revisa os
principais aspectos do uso da água, e sua legis-
lação ambiental, os recursos hídricos, a caracte-
rização de águas residuárias e o tratamento de
águas residuárias dentro da atividade agrope-
cuária. Espera-se desta forma trazer o conheci-
mento da questão hídrica na agroindústria aos
leitores deste volume.
Sumário
Legislação ambiental em atividades agropecuárias ........................................11
Revisão detalhada sobre as principais leis ambientais que regem a atividade
agropecuária.
Recursos hídricos na agropecuária..................................................................29
O artigo aborda as principais características biológicas e químicas e usos da
água na agropecuária.
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal...........54
Revisão sobre as características física, química e biológicas dos efluentes e
exigências legais sobre as águas residuárias na agroindústria
Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal.................73
Como fazer e quais os tipos de tratamento de águas residuárias nos sitemas de
produção animal.
Legislação ambiental
em atividades
agropecuárias

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Luciano dos Santos Rodrigues

Escola de Veterinária - Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte, MG


E-mail:lsantosrodrigues@gmail.com

Introdução impactam o meio ambiente, poluindo-


As leis ambientais foram instituídas -o; por isso, leis foram estabelecidas
visando à produção de forma susten-
com o objetivo de disciplinar o uso dos
tável. No Brasil, elas estão descritas
recursos naturais (água, solo, ar, flores-
na Constituição Federal, no Código
tas) devido a sua escassez no decorrer Florestal Brasileiro, na Lei de Crimes
das décadas. Ambientais, na Política Nacional do
Na agropecuária, atividades como Meio Ambiente, na Política Nacional
geração de efluentes provenientes da dos Recursos Hídricos, além das reso-
limpeza das instalações, consumo ex- luções do Conselho Nacional do Meio
cessivo de água, desmatamento, erosão Ambiente (CONAMA).
e uso descontrolado de agrotóxicos A finalidade deste capitulo foi a de
Legislação ambiental em atividades agropecuárias 11
reunir informações para a regularização (URCs), das Superintendências
ambiental das atividades agropecuárias Regionais de Meio Ambiente e
e agroindustriais contemplando leis e Desenvolvimento Sustentável
resoluções ambientais nacionais. (Suprams), da Fundação Estadual do
Meio Ambiente (FEAM), do Instituto
Regularização ambiental Mineiro de Gestão das Águas (IGAM)
A regularização ambiental pode ser e do Instituto Estadual de Florestas
entendida como sendo o ato pelo qual (IEF), de acordo com o art. 1.° do
o empreendedor atende às precauções Decreto Estadual n° 44.844/081.
que lhe foram requeridas pelo poder Para mais informações, consultar o
público referentes ao Licenciamento site www.meioambiente.mg.gov.br.
Ambiental, à Autorização Ambiental de
Funcionamento, à Outorga de Direito de Reserva Legal
Uso de Recursos Hídricos, ao Cadastro Reserva Legal (RL) é a área locali-
de Uso Insignificante, à Supressão de zada no interior de uma propriedade ou
Vegetação Nativa e à Intervenção em posse rural, excluindo-se a de preserva-
Área de Preservação Permanente. ção permanente, indispensável ao uso
A regularização ambiental de qual- sustentável dos recursos naturais, à con-
quer atividade produtiva, além de obri- servação e reabilitação dos processos
gatória, constitui uma medida para a ecológicos, à conservação da biodiversi-
sustentabilidade socioambiental. O dade e ao abrigo e proteção de fauna e
cumprimento da flora nativas.
legislação am- Em Minas Gerais, as atribuições As áreas de
biental representa de Regularização Ambiental RL amenizam a
diminuição dos são exercidas pelo COPAM, erosão, os ventos,
custos de produ- por intermédio das URCs, das a temperatura, o
ção e melhoria da Suprams, da FEAM do IGAM e excesso de expo-
qualidade de vida do IEF, de acordo com o art. 1.° do sição do solo ao
dos seres huma- Decreto Estadual n° 44.844/081. sol e servem como
nos e das demais Para mais informações, consultar o reservatório da
formas de vida. site www.meioambiente.mg.gov.br. biodiversidade da
No Estado de propriedade. São
Minas Gerais, as refúgios para es-
atribuições de Regularização Ambiental pécies migratórias e bancos de semen-
são exercidas pelo Conselho Estadual tes de vegetação primária. Quanto mais
de Política Ambiental (COPAM), por espécies vivas diferentes existirem na
intermédio das Câmaras Especializadas, RL, maior será o equilíbrio ambiental
das Unidades Regionais Colegiadas da propriedade rural. Nessas áreas con-
12 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
servadas, há um grande microbacia.
A Reserva Legal de
número de predadores Nas propriedades
propriedades situadas
naturais de pragas das rurais situadas em área
no Bioma Cerrado
lavouras, consequente- de floresta localizada
deverá ocupar, no
mente, o uso dos agro- na Amazônia Legal, a
mínimo, 20% de sua
tóxicos pode ser dimi- Reserva Legal deve ser
área. Nas propriedades
nuído, melhorando a de 80% da área dessas
rurais situadas em áreas
saúde do ambiente e das propriedades. Caso a
de Cerrado localizadas
pessoas. propriedade seja situa-
na Amazônia Legal, a
Não é permitido o da em área de floresta e
Reserva Legal deve ser,
corte raso da vegetação de cerrado de forma si-
no mínimo, 35% da área
ou a alteração das ca- multânea, o percentual
da propriedade.
racterísticas naturais da de Reserva Legal será
Reserva Legal. A manu- definido considerando-
tenção dessa área preservada oferece -se cada situação separadamente, ou
novas alternativas de renda por intermé- seja, os dois ecossistemas, conforme a
dio da madeira para o consumo básico, legislação.
dos produtos não madeireiros (óleos, A localização da Reserva Legal deve
resinas, etc.), da criação de animais sil- ser aprovada pelo órgão ambiental esta-
vestres, plantas medicinais, da melipo- dual competente ou, mediante convê-
nicultura, da coleta de flores, frutos e nio, pelo órgão ambiental municipal ou
sementes silvestres, dentre outras. outra instituição devidamente habilita-
Segundo a Lei n° 4.7712 (Código da, devendo ser registrada na escritura
Florestal), a Reserva do imóvel e averbada
Legal de proprieda- em cartório, sendo ve-
des situadas no Bioma
Nas propriedades rurais dada a alteração de sua
Cerrado deverá ocupar,
situadas em área de destinação, nos casos de
no mínimo, 20% de sua
floresta localizada na transmissão, a qualquer
área. Nas propriedades
Amazônia Legal, a título, ou de desmem-
rurais situadas em áreas
Reserva Legal deve ser bramento da área.
de Cerrado localizadas
de 80% da área dessas A Reserva Legal será
na Amazônia Legal, a
propriedades. demarcada a critério da
Reserva Legal deve ser, autoridade competente,
no mínimo, 35% da área da proprieda- preferencialmente em terreno contínuo
de, podendo ser de 20%, no mínimo, e com cobertura vegetal nativa, respei-
situada dentro da propriedade e 15% na tadas as peculiaridades locais e o uso
forma de compensação em outra área, econômico da propriedade, evitando-
desde que esteja localizada na mesma -se a fragmentação dos remanescentes
Legislação ambiental em atividades agropecuárias 13
da vegetação nativa e mantendo-se os deverá providenciar o preenchimento
corredores necessários ao abrigo e ao do Ato Declaratório Ambiental – ADA,
deslocamento da fauna silvestre. no IBAMA. É importante destacar que a
Há a possibilidade da formação de Reserva Legal deverá ser aprovada pelo
Reservas Legais em condomínios, as órgão ambiental habilitado em sua re-
quais podem ser negociadas com outros gião antes de ser registrada em cartório.
proprietários rurais que não possuem
Reservas Legais. Os condomínios de Áreas de preservação
Reserva Legal devem ser constituídos, permanente
de preferência, na microbacia hidrográ- As Áreas de Preservação Permanente
fica em que se localiza a propriedade. (APP) são áreas protegidas, cobertas ou
A área de Reserva Legal será averba- não por vegetação nativa, com a fun-
da no registro do imóvel, no Cartório de ção ambiental de preservar os recursos
Registro de Imóveis competente, sendo hídricos, a paisagem, a estabilidade ge-
vedada a alteração de sua destinação, ológica, a biodiversidade, o fluxo gêni-
nos casos de transmissão a qualquer co de fauna e flora, proteger o solo, dar
título. equilíbrio ecológico às áreas de cultivo
Para cumprimen- e assegurar o bem-estar
to do previsto no A área de Reserva Legal das populações humanas.
parágrafo anterior, será averbada no registro A ausência da vegetação
o proprietário deve do imóvel, no Cartório ciliar, por exemplo, pro-
assinar o Termo de de Registro de Imóveis voca a diminuição de pei-
Responsabilidade competente, sendo xes que se alimentam dos
de Averbação e vedada a alteração de frutos que caem nos rios e
Preservação de sua destinação, nos córregos.
Reserva Legal, devi- casos de transmissão a Nas Áreas de
damente aprovado qualquer título. Preservação Permanente
pelo órgão ambiental (APPs) só é permitido o
competente. acesso de pessoas e ani-
Na posse rural, a Reserva Legal é as- mais para a obtenção de água e ativida-
segurada por Termo de Compromisso des de baixo impacto, desde que, para
de Averbação e Preservação de Reserva isso, não seja suprimida ou compro-
Legal, devidamente demarcada na plan- metida a regeneração e a manutenção
ta topográfica ou croqui, sendo firmado da vegetação nativa. As APPs são áreas
pelo possuidor com o IEF (Instituto que garantem a saúde da propriedade
Estadual Florestal), com força de título e representam uma opção a mais para
executivo extrajudicial. a manutenção da biodiversidade e de
Após o seu registro, o produtor rural mananciais.
14 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Para regularizar a APP, deve ser feito padas, a partir da linha de ruptura
um laudo técnico por profissional quali- do relevo, em faixa nunca inferior a
ficado. A partir de 2011, o laudo já deve- 100m (cem metros) em projeções
rá ser baseado em georreferenciamento, horizontais;
plotando-se as Áreas de Preservação h) em altitude superior a 1.800m (mil
Permanente no mapa. e oitocentos metros), qualquer que
De acordo com art. 2.º do Código seja a vegetação.
Florestal, consideram-se Áreas de
Preservação Permanente as florestas e Exploração florestal
demais formas de vegetação natural, A intervenção em vegetação nativa,
situadas: floresta plantada e APP bem como a al-
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso teração do solo são licenciadas em con-
d’água desde o seu nível mais alto em formidade com a Lei n° 14.309/20023 e
faixa marginal em função da largura com o Decreto n° 43.710/20044.
mínima, apresentadas na Tabela 1;
b) ao redor de lagoas, lagos ou reserva- 1. Intervenção em Vegetação
tórios d’água naturais ou artificiais; Nativa
c) nas nascentes, ainda que intermiten-
tes, e nos chamados “olhos-d’água”, Considera-se intervenção em vege-
qualquer que seja a sua situação to- tação nativa “o corte raso com ou sem
pográfica, num raio mínimo de 50m destoca, a limpeza de área com rendi-
(cinquenta metros) de largura; mento lenhoso, a destoca, a coleta de
d) no topo de morros, montes, monta- espécimes madeiráveis (frutos, cascas,
nhas e serras; folhas, bulbos e raízes, caules, etc.), a
e) nas encostas ou partes destas, com supressão de vegetação campestre, a
declividade superior a 45º, equivalen- supressão de árvores isoladas, a explo-
te a 100% na linha de maior declive; ração de madeira e lenha para uso do-
f) nas restingas, como fixadoras de du- méstico, inclusive em Reserva Legal,
nas ou estabilizadoras de mangues; bem como a exploração em regime de
g) nas bordas dos tabuleiros ou cha- Manejo Florestal”. Fica dispensada de

Tabela 1 – Faixa de APP em função da largura do curso d’água


Largura do curso d’água APP
< 10 m 30 m
10 a 50 m 50 m
50 a 200 m 100 m
200 a 600 m 200 m
> 600 m 500 m

Legislação ambiental em atividades agropecuárias 15


autorização a extração de lenha em regi- 4. Intervenção em Área de
me individual ou familiar para o consu- Preservação Permanente - APP
mo doméstico, desde que cumpridas as
disposições da Portaria n° 122/20055 e Só poderá ser autorizada uma inter-
demais normas legais vigentes. venção em APP em caso de utilidade
pública ou de interesse social, devida-
mente caracterizado, quando não existir
2. Alteração do Uso do Solo alternativa técnica e locacional ao em-
preendimento proposto.
Considera-se alteração do uso do
solo, “a remoção da vegetação nativa, Unidades de conservação
através de corte raso, com ou sem des-
As unidades de conservação foram
toca, de forma manual ou mecanizada,
instituídas pela Lei n° 9.9857, de 18 de
para fins de implantação de atividades
julho de 2000, e são definidas como
agrossilvopastoris, construção ou ins-
sendo o “espaço territorial e seus re-
talação de benfeitorias e demais ativi-
cursos ambientais, incluindo as águas
dades que impliquem na eliminação
jurisdicionais, com características na-
total ou parcial da vegetação existente,
turais relevantes, legalmente instituí-
na área objeto de exploração”. Para toda
dos pelo Poder Público, com objetivos
alteração, é necessária a apresentação do
de conservação e limites definidos, sob
Plano de Utilização Pretendida, estabe-
regime especial de administração ao
lecido pela Portaria n° 191/056.
qual se aplicam garantias adequadas de
proteção”.
3. Intervenção em Floresta As unidades de conservação são
Plantada classificadas em dois grupos:
Floresta plantada “é aquela origina- 1. Unidades de conservação de pro-
da de plantio homogêneo ou não, com teção integral, ou de uso indireto, aque-
espécie exótica ou nativa, na qual se las em que haverá a conservação dos
utilizam técnicas apropriadas, visando à atributos naturais, efetuando-se a pre-
obtenção de produtividade economica- servação dos ecossistemas em estado
mente viável”. natural com um mínimo de alterações,
A colheita e a comercialização de sendo admitido apenas o uso indireto
produtos e subprodutos originados de dos seus recursos naturais.
florestas plantadas com espécies exó- As unidades de conservação de pro-
ticas dependem de prévia comunica- teção integral são compostas pelas se-
ção ao IEF, por meio da Declaração de guintes categorias:
Colheita e Comercialização – DCC, ins- 1.1. Parque Nacional (PARNA):
unidade de conservação composta por
tituída pela Portaria n° 191/20056.
16 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
área natural, de domínio público, que 1.4. Reserva Ecológica (RESEC):
contém características naturais únicas unidade de conservação de domínio pú-
ou espetaculares de importância nacio- blico que pode ter as mesmas caracterís-
nal. Ela deve ser pouco ou nada alterada ticas da ESEC e da REBIO.
ecologicamente, representativa e relati- 1.5. Reserva Privada do Patrimônio
vamente extensa (superior a 1.000ha). Natural (RPPN): área natural ou pouco
Os objetivos do manejo são: proteger alterada, de tamanho variável, cuja pre-
e preservar unidades importantes ou servação, por iniciativa do proprietário,
sistemas completos de valores naturais é reconhecida pelo IBAMA ou por ór-
ou culturais, proteger recursos genéti- gão estadual do meio ambiente (somen-
cos, desenvolver a educação ambiental, te nos Estados de Minas Gerais, Mato
oferecer oportunidades para a recreação Grosso do Sul, Paraná e Bahia).
pública e proporcionar facilidades para 2. Unidades de conservação de uso
a investigação científica. sustentável, ou de uso direto, aquelas em
1.2. Reserva Biológica (REBIO): que haverá conservação dos atributos
unidade de conservação composta por naturais, sendo admitida a exploração
área natural não perturbada por ativida- de parte dos recursos disponíveis em
de humana, que compreende caracterís- regime de manejo sustentável. Nessas
ticas e/ou espécies da fauna ou flora de unidades, procura-se conciliar a preser-
significado científico. Os objetivos do vação da diversidade biológica e dos re-
manejo são o de proteger a natureza (de cursos naturais com o uso sustentado de
espécies a ecossistemas) e manter o pro- parte desses recursos.
cesso em um estado sem perturbações, As unidades de uso sustentável são
visando proteger amostras ecológicas compostas pelas seguintes categorias:
representativas para estudos científicos, 2.1. Reserva Extrativista (RESEX):
monitoramento ambiental, educação unidades de conservação compostas
científica e para manter recursos gené- por áreas naturais ou parcialmente al-
ticos em um estágio evolutivo dinâmico. teradas, habitadas por populações tra-
1.3. Estação Ecológica (ESEC): uni- dicionalmente extrativistas que as utili-
dade de conservação em áreas de domí- zam como fonte de subsistência para a
nio público, a qual visa proteger amos- coleta de produtos da biota nativa.
tras dos principais ecossistemas do país. 2.2. Área de Proteção Ambiental
É permitida a alteração em até 10% da (APA): unidades de conservação com-
área. Os objetivos específicos do mane- postas por áreas públicas e/ou privadas,
jo consistem em proporcionar condi- as quais têm o objetivo de disciplinar o
ções para pesquisas e monitoramento processo de ocupação das terras e o de
ambiental, educação e, quando possível, promover a proteção dos recursos abi-
facilitar a recreação. óticos e bióticos dentro de seus limites,
Legislação ambiental em atividades agropecuárias 17
de modo a assegurar o bem-estar das ado pela Resolução CONAMA 237/978
populações humanas que ali vivem, res- como sendo o “procedimento admi-
guardar ou incrementar as condições nistrativo pelo qual o órgão ambiental
ecológicas locais e manter paisagens e competente licencia a localização, ins-
atributos culturais relevantes. talação, ampliação e a operação de em-
2.3. Floresta Nacional (FLONA): preendimentos e atividades utilizadoras
unidades de conservação de domínio de recursos ambientais, consideradas
público, providas de cobertura vegetal efetiva ou potencialmente poluidoras;
nativa ou plantada, estabelecidas com ou aquelas que, sob qualquer forma,
os objetivos de promover o manejo dos possam causar degradação ambiental,
recursos naturais com ênfase na produ- considerando as disposições legais e re-
ção de madeira e outros produtos vege- gulamentares e as normas técnicas apli-
tais, de garantir a proteção de recursos cáveis ao caso”.
hídricos, das belezas cênicas e dos sítios Já a licença ambiental é definida
históricos e arqueológicos, assim como pela mesma resolução, como: o “ato
fomentar o desenvolvimento da pesqui- administrativo pelo qual o órgão am-
sa científica básica e aplicada, da educa- biental competente estabelece as con-
ção ambiental e das atividades de recre- dições, restrições e medidas de controle
ação, lazer e turismo. ambiental que deverão ser obedecidas
2.4. Área de Relevante Interesse pelo empreendedor, pessoa física ou ju-
Ecológico (ARIE): área, em geral, de rídica, para localizar, instalar, ampliar e
pequena extensão, com pouca ou ne- operar empreendimentos ou atividades
nhuma ocupação humana, com caracte- utilizadoras dos recursos ambientais
rísticas naturais extraordinárias ou que consideradas efetiva ou potencialmen-
abriga exemplares raros da biota regio- te poluidoras ou aquelas que, sob qual-
nal, a qual tem como objetivos manter quer forma, possam causar degradação
os ecossistemas naturais de importância ambiental”.
regional ou local e regular o uso admis- A licença ambiental é, portanto,
sível dessas áreas, de uma autorização emiti-
modo a compatibili- O licenciamento ambiental da pelo órgão público
zá-lo com os objeti- é composto por três tipos competente. Ela é con-
vos de conservação de licença: prévia, de cedida ao empreende-
da natureza. instalação e de operação. dor para que exerça seu
Cada uma se refere a direito à livre iniciativa,
Licenciamento uma fase distinta do desde que atendidas as
ambiental empreendimento e segue precauções requeridas,
Licenciamento uma sequência lógica de a fim de resguardar o
ambiental é conceitu- encadeamento. direito coletivo ao meio
18 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
ambiente ecologicamente equilibrado. planejamento, diz-se que está ocorrendo
Importante notar que, devido à natu- licenciamento preventivo. Entretanto,
reza da licença ambiental, esta possui se o empreendimento ou atividade está
caráter precário. Exemplo disso é a pos- na fase de instalação ou operação, diz-se
sibilidade legal de a licença ser cassada que o licenciamento é corretivo, poden-
caso as condições estabelecidas pelo ór- do ter, assim, a licença de instalação cor-
gão ambiental não sejam cumpridas. retiva (LIC) ou a licença de operação
O licenciamento ambiental é com- corretiva (LOC), dependendo da fase
posto por três tipos de licença: prévia, em que é apresentado o requerimento
de instalação e de operação. Cada uma de licença.
se refere a uma fase distinta do em- O procedimento de obtenção do
preendimento e segue uma sequência licenciamento ambiental obedece às se-
lógica de encadeamento. guintes etapas:
I - Licença Prévia (LP) – concedi- 1. Definição pelo órgão ambiental com-
da na fase preliminar do planejamen- petente, com a participação do em-
to do empreendimento ou atividade preendedor, dos documentos, proje-
aprovando sua localização e concepção, tos e estudos ambientais necessários
atestando a viabilidade ambiental e esta- ao início do processo de licencia-
belecendo os requisitos básicos e condi- mento correspondente à licença a ser
cionantes a serem atendidos nas próxi- requerida.
mas fases de sua implementação. 2. Requerimento da licença ambiental
II – Licença de Instalação (LI) – au- pelo empreendedor, acompanhado
toriza a instalação do empreendimento dos documentos, projetos e estudos
ou atividade de acordo com as especi- ambientais pertinentes, dando-se a
ficações constantes dos planos, progra- devida publicidade.
mas e projetos aprovados, incluindo as 3. Análise pelo órgão ambiental com-
medidas de controle ambiental e demais petente, integrante do SISNAMA,
condicionantes. dos documentos, projetos e estudos
III – Licença de Operação (LO) ambientais apresentados e realiza-
– autoriza a operação da atividade ou ção de vistorias técnicas, quando
empreendimento, após a verificação do necessárias.
efetivo cumprimento do que consta das 4. Solicitação de esclarecimentos e
licenças anteriores, com as medidas de complementações pelo órgão am-
controle ambiental e condicionantes biental competente, integrante do
determinados para a operação. SISNAMA, uma única vez, em de-
Se o requerimento de licença am- corrência da análise dos documen-
biental é apresentado quando o empre- tos, projetos e estudos ambientais
endimento ou atividade está na fase de apresentados, quando couber, po-
Legislação ambiental em atividades agropecuárias 19
dendo haver a reiteração da mesma aos órgãos competentes, a depender
solicitação caso os esclarecimentos da natureza do empreendimento e
e as complementações não tenham dos recursos ambientais envolvidos.
sido satisfatórios. Atividades que se utilizam de recursos
5. Audiência pública, quando couber, hídricos, por exemplo, também necessi-
de acordo com a regulamentação tarão da outorga de direito de uso des-
pertinente. ses, conforme os preceitos constantes
6. Solicitação de escla- da Lei 9.433/979, que ins-
recimentos e com- De acordo com titui a Política Nacional de
plementações pelo a DN 74/04, os Recursos Hídricos.
órgão ambiental empreendimentos Em Minas Gerais,
competente, decor- são classificados o licenciamento am-
rentes de audiências nas seguintes classes biental é de responsabi-
públicas, quando conforme seu porte e lidade da Secretaria de
couber, podendo potencial poluidor. Estado de Meio Ambiente
haver reiteração da e Desenvolvimento
solicitação quando Sustentável (SEMAD), da
os esclarecimentos e as complemen- qual fazem parte o Conselho Estadual
tações não tenham sido satisfatórios. de Política Ambiental (COPAM), a
7. Emissão de parecer técnico conclusi- Fundação Estadual do Meio Ambiente
vo e, quando couber, parecer jurídico. (FEAM), o Instituto Estadual de
8. Deferimento ou indeferimento do Florestas (IEF), e o Instituto Mineiro
pedido de licença, dando-se a devida de Gestão das Águas (IGAM).
publicidade.
No procedimento de licenciamen- Deliberação normativa
to ambiental, deverá constar, obriga- COPAM n° 74, de 09 de
toriamente, a certidão da Prefeitura setembro de 2004
Municipal declarando que o local e o A DN 74/0410 é a norma legal que
tipo de empreendimento ou atividade regulamenta o licenciamento ambiental
estão em conformidade com a legisla- no Estado de Minas Gerais e estabelece
ção aplicável ao uso e ocupação do solo critérios para a classificação dos empre-
e, quando for o caso, a autorização para endimentos e atividades em conformi-
supressão de vegetação e a outorga para dade com porte e potencial poluidor.
o uso da água, emitidas pelos órgãos De acordo com a DN 74/04, os em-
competentes. preendimentos são classificados nas se-
Essas licenças não eximem o em- guintes classes:
preendedor da obtenção de outras au- Classe 1: pequeno porte e pequeno
torizações ambientais específicas junto ou médio potencial poluidor
20 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Classe 2: médio porte e pequeno Licenciamento dos
potencial poluidor recursos hídricos
Classe 3: pequeno porte e grande
A primeira lei referente ao uso das
potencial poluidor ou médio porte e
águas no país foi o Código das Águas,
médio potencial poluidor
de 1934, que estabeleceu normas de
Classe 4: grande porte e pequeno
utilização, conservação e prevenção
potencial poluidor
contra o uso inadequado da água, e
Classe 5: grande porte e médio po-
que, ainda hoje, encontra-se em vi-
tencial poluidor ou médio porte e gran-
gor, não entrando em conflito com a
de potencial poluidor
Constituição11 Federal e com a Lei n°
Classe 6: grande porte e grande po-
94339 ,que instituiu a nova Política de
tencial poluidor
Recursos Hídricos (PNRH) e criou o
Os empreendimentos enquadra-
Sistema Nacional de Gerenciamento de
dos nas classes 1 e 2, considerados de
Recursos Hídricos no Brasil.
impacto ambiental não significativo,
A Lei n° 94339, em seu art. 5.º, esta-
estão dispensados do licenciamento
beleceu como instrumentos da PNRH:
ambiental e devem, obrigatoriamente,
1. Planos Diretores de Bacias
requerer a Autorização Ambiental de
Hidrográficas: têm por escopo a ela-
Funcionamento (AAF), que é um pro-
boração do diagnóstico e dos vários
cesso mais rápido e simples para a regu-
prognósticos em horizontes tempo-
larização ambiental.
rais diversos e o planejamento inte-
Para as demais classes, a regulariza-
grado do seu plano de gestão.
ção ambiental deve ser realizada com os
requerimentos das licenças prévia, de 2. Enquadramento: o enquadramento
instalação e de operação. do corpo de água determina, após o
As atividades em que é obrigatória conhecimento dos usos preponde-
a regularização ambiental são classifica- rantes de suas águas e da definição
das nos seguintes grupos: de suas qualidades desejáveis, a qual
1. Atividades Minerárias classe pretende-se fazê-lo perten-
2. Atividades Industriais – Metalurgia e cer; estas classes estão definidas na
outras Resolução CONAMA (Conselho
3. Atividades Industriais – Indústria Nacional de Meio Ambiente) n°
Química 357/0512.
4. Atividades Industriais – Indústria 3. Comitês e Agências: a gestão das
Alimentícia águas deve ser realizada pelos comi-
5. Atividades de Infraestrutura tês. Estes constituem um colegiado
6. Serviços e Comércio Atacadista formado por representantes do go-
7. Atividades Agrossilvopastoris verno (federal, estadual e municipal),
Legislação ambiental em atividades agropecuárias 21
por representantes dos usuários da caracterizá-la e ser tornada pública.
água e por representantes da socie- 2. Os casos especiais, possíveis de
dade civil organizada; a Agência causarem forte impacto ambiental
das Águas é o braço executivo dos ou por conterem relevante interes-
comitês. se governamental, deverão ter suas
4. Outorga: a outorga é um instrumen- solicitações de outorga também
to por meio do qual o poder público submetidas a outros colegiados
autoriza o usuário a utilizar as águas superiores.
de seu domínio, por tempo determi- 3. No caso da água superficial, a va-
nado e em condições preestabeleci- zão total outorgável em um trecho
das, objetivando assegurar o controle deverá ser, necessariamente, em
quantitativo e qualitativo dos usos função da disponibilidade hídrica,
das águas superficiais e subterrâne- devidamente avaliada por indicado-
as e o efetivo exercício do direito de res probabilísticos, tais como: vazão
acesso à água. média, vazão mínima, vazão regu-
4. Cobrança pelo uso da água: a cobran- larizada; tudo dependendo das ca-
ça pelo uso da água é um instrumento racterísticas hidrológicas da região.
de gestão cujos princípios são funda- É tolerada a outorga sazonal, que
mentados nos conceitos de “usuário autoriza o uso restrito ao período
pagador” e de “poluidor pagador”, chuvoso.
adotados com o objetivo de com- 4. No caso de água subterrânea, a va-
bater o desperdício e a poluição das zão total outorgável deverá estar as-
águas; assim, quem desperdiça e po- sociada à capacidade de recarga do
lui paga mais. aquífero.
5. As vazões insignificantes devem ser
Outorga do uso da água nas avaliadas e definidas para cada bacia
atividades agropecuárias ou sub-bacia.
Para licenciamento e uso das águas 6. Os prazos da outorga não devem ser
devem ser respeitados os seguintes nem muito longos (para não “enges-
critérios: sarem” o seu uso), nem muito cur-
1. Toda e qualquer solicitação para tos (de forma a não inviabilizarem
uso da água, superficial ou subter- os investimentos necessários à sua
rânea, deve ser encaminhada ao utilização).
correspondente órgão gestor, que a 7. No caso de lançamento de efluen-
submeterá ao exame do respectivo tes (que utilizam a capacidade de
comitê da bacia hidrográfica, à de- transporte e/ou diluição dos corpos
vida autorização, à outorga; deverá de água) é necessário impor restri-
conter informações capazes de bem ções à sua qualidade (temperatura,
22 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
alcalinidade, pH, matéria orgâni- tas em lei pelo fato de estar utilizando
ca, nutrientes, substâncias tóxicas, os recursos hídricos sem a respectiva
etc.) e à sua quantidade (vazão de outorga.
lançamento, etc.); por outro lado, A outorga para uso de recursos hídri-
devem ser avaliadas as característi- cos deve ser solicitada junto ao IGAM,
cas do corpo re- quando se tratar de
ceptor, tais como
A outorga deve ser solicitada corpos de água de
sua capacidade domínio do Estado,
antes da implantação de
de diluição e sua e junto à Agência
qualquer intervenção que
capacidade de
venha a alterar um corpo de Nacional de Águas
autodepuração.
água. Se já estiver ocorrendo - ANA, quando se
8. A outorga pode- tratar de corpos de
o uso do recurso hídrico,
rá ser suspensa água de domínio da
o usuário deve solicitiar a
em situações di- União.
autorga, ou estará sujeito às
versas, principal- São de domínio
sanções previstas em lei.
mente em oca- estadual as águas
A outorga para uso de
siões de “grave subterrâneas e super-
recursos hídricos deve ser
degradação am- ficiais que tenham
solicitada junto ao IGAM
biental” e quando nascentes e foz den-
(estadual) ou à ANA
houver “situações tro do território do
(federal)
de calamidade, Estado. São de domí-
inclusive as de- nio da União as águas
correntes de condições climáticas dos rios e lagos que banham mais de um
adversas”; mais ainda: quando não Estado, fazem limite entre Estados ou
estiverem sendo cumpridos os ter- entre o território do Brasil e o de um
mos da outorga ou quando não hou- país vizinho.
ver “uso por três anos consecutivos”. Usos de recursos hídricos que estão
sujeitos à outorga
Como solicitar a outorga São passíveis de outorga todos os
A outorga deve ser solicitada antes usos que alterem o regime, a quantidade
da implantação de qualquer intervenção ou a qualidade da água existente em um
que venha a alterar o regime, a quantida- curso de água, excetuando-se os usos
de ou a qualidade de um corpo de água. considerados insignificantes, que são,
Quando já estiver ocorrendo o uso do entretanto, passíveis de cadastramento
recurso hídrico, o processo de solici- junto à autoridade outorgante.
tação de outorga para regularização da A outorga de direito de uso de recur-
intervenção é o mesmo, sem o qual o sos hídricos não é definitiva, mas conce-
usuário estará sujeito às sanções previs- dida por um prazo limitado, sendo que
Legislação ambiental em atividades agropecuárias 23
a lei já estipulou a sua validade máxima Usos que alteram a
em 35 (trinta e cinco) anos, ainda que quantidade da água em
possa haver renovação, como também corpo hídrico
a sua suspensão ou seu cancelamento,
Os usos de recursos hídricos que
conforme regulamento.
alteram a quantidade de água existente
As outorgas são controladas pelo
em um corpo hídrico são as captações,
poder público e são dependentes das
as derivações e os desvios. Estes usos
condições de utilização (quantidade e
poderão ser realizados dependendo da
local de captação ou intervenção), o que
disponibilidade hídrica existente e con-
possibilita o controle e o gerenciamento
siderados os usos já outorgados a mon-
dos respectivos modos de uso das águas
tante e a jusante de determinada seção
superficiais e subterrâneas e das finali-
do curso de água.
dades a que se destinam.
Após a realização do balanço hídri-
Estão sujeitos à outorga pelo poder co na seção considerada e depois de ve-
público os seguintes usos de recursos rificada a possibilidade de extração de
hídricos, de acordo com o art. 18 da Lei água, tendo-se por base a vazão de refe-
Estadual n° 13.199/9913: rência adotada pelo IGAM, a Q7,10 (va-
zão mínima de sete dias de duração e 10
I - as acumulações, as derivações ou
anos de recorrência), deverão ser verifi-
a captação de parcela da água existente
cadas as finalidades a que se destinam as
em um corpo de água para consumo fi-
águas captadas, derivadas ou desviadas
nal, até para abastecimento público, ou
quanto à racionalidade, bem como ava-
insumo de processo produtivo;
liadas de acordo com procedimentos e
II - a extração de água de aquífero critérios definidos para cada finalidade
subterrâneo para consumo final ou in- de uso.
sumo de processo produtivo;
Usos que alteram a
III - o lançamento, em corpo de
água, de esgotos e demais efluentes lí-
qualidade da água em
quidos ou gasosos, tratados ou não, com corpo hídrico
o fim de sua diluição, transporte ou dis- Dentre os usos que alteram a qua-
posição final; lidade da água em determinado cor-
po hídrico, além dos lançamentos de
IV - o aproveitamento dos poten- efluentes líquidos e gasosos, tratados ou
ciais hidrelétricos; não, de origem doméstica ou industrial,
V - outros usos e ações que alterem citam-se o desenvolvimento de ativida-
o regime, a quantidade ou a qualidade des como a aquicultura (tanques-rede)
da água existente em um corpo de água. e demais atividades e/ou intervenções
24 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
que modifiquem um estado antecedente b) exploração de água subterrânea;
em relação a parâmetros monitorados. c) construção de barramento ou açude;
Tais usos deverão ser analisados nos
processos de outorga de direito de uso d) construção de dique ou desvio em
de recursos hídricos, e deverão ser ob- corpo de água;
servadas as classes de enquadramento e) rebaixamento de nível de água;
quanto aos usos a que se destinam os
f) construção de estrutura de transposi-
diversos trechos do curso de água.
ção de nível;
Usos que alteram o regime g) construção de travessia
das águas em corpo hídrico rodoferroviária;
Dentre os usos que alteram o regi- h) dragagem, desassoreamento e limpe-
me das águas além das acumulações za de corpo de água;
em reservatórios formados a partir da
i) lançamento de efluente em corpo de
construção de barramentos, citam-se
água;
as travessias rodoferroviárias (pontes e
bueiros), as estruturas de transposição j) retificação, canalização ou obras de
de nível (eclusas), as dragagens e demais drenagem;
intervenções que alterem as seções dos k) transposição de bacias;
leitos e as velocidades das águas, pro-
duzindo alterações no seu escoamento l) aproveitamento de potencial
natural e sazonal. hidroelétrico;
Ressalta-se a necessidade de estudos m) sistema de remediação para águas
técnicos, para cada tipo de intervenção, subterrâneas contaminadas;
que serão levados em conta na tomada
n) dragagem de cava aluvionar;
de decisão pelo deferimento ou indefe-
rimento de determinado requerimento o) dragagem em corpo de água para fins
de outorga. de exploração mineral;
A Portaria IGAM n° 4914, de 01 de p) outras intervenções que alterem re-
julho de 2010, — que estabelece os gime, quantidade ou qualidade dos
procedimentos para a regularização do corpos de água.
uso de recursos hídricos do domínio do
Estado de Minas Gerais — classificou a II - conforme as seguintes
outorga: finalidades:
I- conforme os seguintes modos de a) geração de energia;
uso:
b) saneamento: i. captação para consu-
a) captação ou derivação em corpo de
mo humano, industrial, agroindus-
água;
Legislação ambiental em atividades agropecuárias 25
trial ou agropastoril; ii. intercepção, pelo poder público, conforme definido
depuração e lançamento de esgotos em regulamento, o uso de recursos hí-
domésticos; iii. drenagem fluvial; iv. dricos para satisfação das necessidades
veiculação e depuração de efluentes de pequenos núcleos populacionais
industriais; v. veiculação e depuração distribuídos no meio rural, bem como
de rejeitos agroindustriais; vi. veicu- as acumulações, as derivações, as cap-
lação e depuração de rejeitos agro- tações e os lançamentos considerados
pastoris e de rejeitos provenientes da insignificantes.
aquicultura; vii. outras; Ao isentar de outorga as retiradas
c) agropecuária e silvicultura: i. irriga- ou o lançamento de pequenas vazões e
ção de culturas e pastagens; ii. des- as pequenas acumulações de água con-
sedentação de animais; iii. produção sideradas insignificantes, o legislador
de pescado e biótipos aquáticos; iv. busca não dificultar, por meio de pro-
drenagem e recuperação de áreas cedimentos administrativos, o atendi-
agricultáveis; v. outras; mento a pequenas demandas de água
d) transporte; que não alterem as características dos
corpos de água. A não obrigatorieda-
e) proteção de bens e populações; de da expedição da outorga não deso-
f) controle ambiental e qualidade de briga o poder público de inspecionar
vida: i. recreação e paisagismo; ii. e fiscalizar tais usos, sendo estes passí-
controle de pragas e insetos; iii. pre- veis de cadastramento.
servação da vida selvagem e da biota A Deliberação Normativa CERH-
natural; iv. recuperação, proteção e MG nº 0915, de 16 de junho de 2004,
controle de aquíferos; v. compensa- define os usos considerados como in-
ção de impactos ambientais negati- significantes para os corpos de água de
vos; vi. outras; domínio do Estado de Minas Gerais,
g) racionalização e manejo de recur- que são dispensados de outorga, mas
sos hídricos; não de cadastro pelo IGAM.
h) utilização militar ou de segurança; Tendo em vista a significativa va-
riação da oferta hídrica entre as dife-
i) destinações especiais.
rentes regiões do Estado, principal-
mente quando consideradas as águas
Usos de recursos hídricos superficiais e a sua menor disponibi-
que independem de lidade nas regiões norte, nordeste e
outorga noroeste, os usos insignificantes para
A Lei nº 13.199/9913 estabelece, em águas superficiais apresentam valo-
seu art. 18, que independe de outorga res distintos conforme a Unidade de
26 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Planejamento e Gestão de Recursos insignificantes para todas as UPGRH
Hídricos – UPGRH em que elas ou Circunscrições Hidrográficas do
ocorrem. Estado de Minas Gerais.
De acordo com o art.1.º da DN Em 17 de agosto de 2010, foi publi-
CERH-MG nº 09/2004 15, as cap- cada a DN nº 34/201016, Deliberação
tações e as derivações de águas Normativa do Conselho Estadual de
superficiais menores ou iguais a Recursos Hídricos, considerando cri-
1 litro/segundo são consideradas térios adicionais para usos insignifi-
como usos insignificantes para as cantes da água e, portanto, que inde-
UPGRH de Minas Gerais; para as pendem de outorga.
UPGRH localizadas nas regiões No art. 1.º da DN CERH-MG nº
norte, nordeste e noroeste, é con- 34/201016, está estabelecido que as
siderada como uso insignificante a captações de águas subterrâneas em
vazão máxima de 0,5 litro/segundo poços tubulares, em área rural, me-
para as captações e derivações de nores ou iguais a 14.000 litros/dia,
águas superficiais. por propriedade, serão consideradas
De acordo com o art.2º da DN como usos insignificantes para as
CERH-MG nº 09/200415, as acumula- UPGRH localizadas nas regiões norte,
ções de águas superficiais com volume nordeste e noroeste, nos termos do es-
máximo de até 5.000m³ também são tabelecido na Deliberação Normativa
consideradas como usos insignifican- CERH MG n° 617, de 04 de outubro
tes para as UPGRH ou Circunscrições de 2002.
Hidrográficas do Estado de Minas Os comitês de bacia hidrográfica
Gerais; para as UPGRH localizadas deverão, em suas respectivas regiões
nas regiões norte, nordeste e noro- de abrangência, fixar expressões pró-
este, o volume máximo a ser consi- prias para os usos insignificantes dos
derado como uso insignificante para recursos hídricos. Tais valores, devi-
as acumulações superficiais é de até damente fundamentados e referencia-
3.000m³. dos nos Planos Diretores, deverão ser
No art.3º da DN CERH-MG nº informados ao IGAM para compati-
09/200415, está estabelecido que as bilização com as vazões de referência,
captações subterrâneas, tais como po- usualmente utilizadas para a conces-
ços manuais, surgências e cisternas, são de outorgas, após deliberação e
com volume menor ou igual a 10m3/ aprovação do Conselho Estadual de
dia, serão consideradas como usos Recursos Hídricos.

Legislação ambiental em atividades agropecuárias 27


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28 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012


Recursos hídricos
na agropecuária

bigstockphoto.com
Luciano dos Santos Rodrigues*,
Israel José da Silva

Escola de Veterinária - Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte, MG


*Autor para correspondência
E-mail:lsantosrodrigues@gmail.com

Introdução sáveis pela renovação e pela disponibi-


lidade da água que tem sido utilizada
A água com qualidade adequada ao
desde os primórdios das civilizações em
consumo humano e
diferentes partes do
animal vem se tor- A água com qualidade mundo.
nando cada vez mais adequada ao consumo Como conse-
insuficiente, o que humano e animal vem se quência do cresci-
tem chamado a aten- tornando cada vez mais mento vertiginoso
ção da comunidade insuficiente, o que tem das atividades ur-
cientifica e da socie- chamado a atenção para a banas e agropecuá-
dade organizada para fragilidade dos ciclos naturais rias, experimenta-
a fragilidade dos ci- responsáveis pela renovação e do pela maioria dos
clos naturais respon- pela disponibilidade da água países desenvolvi-
Recursos hídricos na agropecuária 29
dos e em desenvolvimento, há indica- da pecuária como fonte pontual de po-
tivos de que a qualidade da água pode luição de mananciais se dá também pelo
ser comprometida,de maneira tal, que o escoamento de água da chuva em áreas
homem ainda não dispõe de meios para de pastagens, em sistemas de criação
reversão do problema. Assim sendo, a intensiva2.
alternativa técnica e econômica parece
ser o controle efetivo dos fatores e pro- Impurezas das águas
cessos que levam à contaminação da naturais
água.
Os principais usos consuntivos da Não há água pura na natureza devido
água ocorrem, mundialmente, na agri- a seu alto poder de dissolução de gases,
cultura e na pecuária, respondendo corantes, coloides, sais, etc. Esse poder
por 65% do total, destacando-se, prin- químico faz com que a água seja deno-
cipalmente, a irrigação de culturas e, minada de solvente universal. Devido a
complementarmente, a essa efetiva propriedade de solvência e
utilização de água nas ao seu alto poder de trans-
estruturas de desseden- Não há água pura portar partículas em seu
tação e de ambiência nos na natureza devido meio, podem ser encontra-
sistemas de exploração a seu alto poder das diversas impurezas que
animal .1 de dissolução de normalmente definem sua
Diferentes impactos gases, corantes, qualidade e que, de uma
ambientais são associa- coloides, sais, que forma conceitual mais am-
dos à utilização da água conferem à água pla, conferem à água suas
em sistemas de produção suas características características químicas, fí-
agropecuária. A irriga- químicas, físicas e sicas e bacteriológicas.
ção de culturas agrícolas bacteriológicas As características quí-
pode acarretar salini- micas são conferidas me-
zação de solos, propiciar lixiviação de diante a presença, em maior ou menor
agroquímicos para a água subterrânea e intensidade, tanto de matéria orgânica
carreamento de partículas do solo e de como de inorgânica, enquanto as físi-
fertilizantes para corpos de água, bem cas são consequência da presença de
como promover deterioração da qua- sólidos, que podem estar em suspensão
lidade dos rios a jusante das captações (silte e argila), dissolvidos (coloides) ou
devido ao descarte de águas de drena- em solução (sais e corantes). As carac-
gem. A exploração de animais, por sua terísticas biológicas são inerentes à pre-
vez, pode poluir os mananciais pela dis- sença de seres vivos ou mortos, princi-
posição de efluentes no solo ou direta- palmente de vida microscópica animal e
mente nos rios e lagos. A contribuição vegetal, moneras, protistas e vírus.
30 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Qualidade e usos das águas triais e organismos patogênicos, que a
naturais tornam impróprias para o consumo2.
A qualidade de uma determinada
O homem precisa de água de qua- água é decorrente do uso e da ocupação
lidade adequada e em quantidade sufi- do solo na bacia hidrográfica5. A inter-
ciente para todas as suas ferência do homem con-
necessidades, não só para A qualidade de tribui para a introdução de
proteção de sua saúde uma determinada compostos na água, afe-
como também para o seu água é decorrente do tando sua qualidade, quer
desenvolvimento eco- uso e da ocupação de forma concentrada
nômico. A qualidade e a do solo na bacia pela geração de despejos
quantidade de água estão hidrográfica. domésticos ou industriais,
intimamente relaciona- quer de forma dispersa
das às características do pela aplicação de defensi-
manancial2. vos agrícolas no solo5, 6.
A importância sanitária, ou seja, a Como as condições naturais da água
implementação ou melhoria nos servi- podem ser alteradas pela poluição, com-
ços de abastecimento de água, traz como prometendo sua qualidade, essa alte-
resultado uma rápida e sensível melhora ração deve ser analisada em termos do
na saúde e nas condições de vida de uma impacto nos usos previstos para a água,
comunidade, principalmente mediante pois a qualidade exigida
o controle e a prevenção depende de sua utilização.
de doenças e a promoção O uso mais nobre Em termos gerais, ape-
de hábitos higiênicos .
3 para a água é o nas os abastecimentos do-
A água da chuva, ao abastecimento mésticos e os industriais
cair, é quase pura, mas, doméstico, e o menos estão frequentemente as-
ao atingir o solo, por pos- nobre é da simples sociados a um tratamento
suir um grande poder de diluição dos despejos prévio da água, devido aos
dissolver e carrear subs- seus requisitos de qualida-
tâncias tem sua característica alterada. de mais exigentes.
Entre o material dissolvido, encontram- A interpelação entre o uso da água e
-se várias substâncias, como, por exem- a qualidade requerida para ela é direta.
plo, as calcárias e magnesianas, que Pode-se afirmar que o uso mais nobre
tornam a água dura; substâncias ferru- para a água é o abastecimento domésti-
ginosas e manganosas, que dão à água co, e o menos nobre é da simples dilui-
aspecto e sabor desagradáveis, e ainda ção dos despejos; sendo assim, o abas-
substâncias resultantes das atividades tecimento doméstico requer a satisfação
humanas, tais como produtos indus- de diversos critérios de qualidade6.
Recursos hídricos na agropecuária 31
As características da água para os di- em contato direto com o produto,
versos usos estão descritas abaixo: deve ser de baixa agressividade e
1. Abastecimento doméstico da dureza; já no caso de entrar em con-
água: pode ser para consumo hu- tato com o produto, as característi-
mano, higiene pessoal e usos do- cas da água irão variar com o tipo
mésticos. A água deve ser isenta de do produto em contato; e, se a água
substâncias químicas prejudiciais é incorporada ao produto, deverá
à saúde e adequada para serviços ser isenta de substâncias químicas
domésticos; deve apresentar baixa e organismos prejudiciais à saúde e
agressividade e dureza; deve ser es- esteticamente agradável.
teticamente agradável (baixa turbi- 4. Irrigação: as águas extremamen-
dez e cor, e ausência de sabor, odor, te puras (potáveis) não são mui-
e micro e macrorganismos). to recomendadas à irrigação, pois
2. Dessedentação de animais: a mobilizam os materiais fertilizantes
água destinada à dessedentação de do solo, não só para colocá-los à
animais domésticos e de produção disposição das plantas como tam-
deve apresentar as mesmas qualida- bém para perder os fertilizantes
des exigidas ao uso pessoal, exceto por percolação e erosão. Isso faz
nos parâmetros puramente estéti- com que o solo perca rapidamente
cos. Em se tratando de bebedouros, suas reservas de fertilizantes e exija
é de toda conveniência construí-los adubações anuais para compensar a
com as necessárias condições de hi- perda. As águas muito ricas em cer-
giene: deve ser isenta de substâncias tos elementos são muito úteis à irri-
químicas e organismos prejudiciais gação, mas, quando encerram fortes
à saúde dos animais. doses desses mesmos elementos,
3. Indústrias: em razão da diversida- tornam-se bastante prejudiciais. No
de de tipos de indústria, das técnicas caso de hortaliças, produtos ingeri-
aplicadas e das aparelhagens usadas, dos crus ou com casca, a água deve
torna-se bastante difícil estabelecer ser isenta de substâncias químicas
as condições a que a água deve sa- e organismos prejudiciais à saúde;
tisfazer para que possa ser usada na a salinidade não deve ser excessiva.
indústria agrícola de um modo ge- Para as demais plantações: isenta de
ral. Sendo assim, devem ser evitadas substâncias químicas prejudiciais
águas que contenham sais minerais ao solo e às plantações; salinidade
produtores de incrustações, como não excessiva.
os carbonatos e os sulfatos de cálcio 5. Recreação e lazer: Se for um con-
e magnésio, e de ferrugens, como tato primário (contato direto com
ferro e outros. Se a água não entra o meio líquido, ex.: natação, surfe),
32 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
a água deve ser isenta bor e odor da água.
Padrões de
de substâncias quí- O aspecto da água
potabilidade
micas e organismos deve ser claro, límpido e
estão definidos
prejudiciais à saúde e transparente. Em pequena
pela Portaria
com baixos teores de espessura, deve ser inco-
nº 518/GM, de
sólidos em suspensão, lor, e grandes massas de-
25/04/2004, do
óleos e graxas. Já se vem apresentar uma cor
Ministério da Saúde
for um contato secun- azulada. As cores verdes,
dário (não há contato amarelas e avermelhadas
direto com o meio líquido, ex.: na- são indícios de existência de matérias
vegação de lazer, pesca), a água de- estranhas, como argila, terra, matéria
verá ter aparência agradável. orgânica, óxido de ferro e outros.
A água não deve ter cheiro. As con-
Padrões de qualidade taminações com águas procedentes de
Á água própria para consumo, ou fossas, esterqueiras, rede de esgotos, etc.
água potável, deve obedecer a certos re- transmitem-lhe cheiro de gás sulfídrico.
quisitos de ordem organoléptica, quími- Seu sabor deve ser agradável, embora
ca, física e biológica. não pronunciado. Não deve ser insípida,
Os padrões de potabilidade estão salgada, amarga, salobra ou doce.
diretamente associados à qualidade da A água é insípida quando o teor
água fornecida ao consumidor e foram de sais em dissolução é muito baixo; é
definidos pela Portaria n° salgada quando o teor de
518/GM, de 25/04/2004, cloretos é elevado; amarga
Características
do Ministério da Saúde, organolépticas estão quando contém excesso de
com o objetivo de evitar sais de magnésio; salobra e
relacionadas com
os perigos provenien- aspecto, sabor e odor. doce quando contém teor
tes de uma água de má elevado de certos sais en-
qualidade. Esses padrões contrados no solo.
apresentam as concentrações máximas A água deve ser arejada e conter
permissíveis dos elementos nocivos ou certos gases em dissolução. Não sen-
de características desagradáveis que po- do arejada, torna-se pesada, indigesta e
dem estar presentes na água de consu- desagradável ao paladar. A água potável
mo doméstico6. deve conter de 20 a 50cm3 de gases por
litro, com a seguinte distribuição: cerca
Características físicas e de 50% de anidrido carbônico; 35% de
organolépticas nitrogênio e 15% de oxigênio; e, quan-
As características organolépticas do aquecida, deve dar grandes bolhas de
estão relacionadas com aspecto, sa- gás antes de começar a ferver.
Recursos hídricos na agropecuária 33
A temperatura da água deve, de não se prestando para o cozimento de
preferência, estar compreendida entre legumes e outros alimentos, nem para
8 e 16°C. Uma água muito quente é lavagens de roupas7.
desagradável ao paladar e, quando mui-
to fria, pode ocasionar perturbação no Características relacionadas
estômago, causando uma sensação de aos aspectos econômicos
cansaço6.
Sobre o aspecto físico, as impure- 1. Dureza: é um parâmetro característi-
zas estão associadas, em sua maior par- co da qualidade de águas de abasteci-
te, aos sólidos presentes na água. Esses mento industrial e doméstico, sendo
sólidos podem ser coloidais, em sus- que, do ponto de vista da potabiliza-
pensão ou dissolvidos, dependendo do ção, são admitidos valores máximos
seu tamanho. Os principais parâmetros relativamente altos, típicos de águas
analisados são a cor e a turbidez. A cor duras ou muito duras. Quase toda a
está diretamente relacionada com os
dureza da água é provocada pela pre-
sólidos dissolvidos na água e não afeta
sua transparência, enquanto a turbidez é sença de sais de cálcio e de magné-
decorrente dos sólidos em suspensão na sio (bicarbonatos, sulfatos, cloretos
água (argila, matéria orgânica e outros). e nitratos) encontrados em solução.
Nos padrões de potabilidade, a cor má- Assim, os principais íons causado-
xima admissível é de 20 unidades-pa- res de dureza são cálcio e magnésio,
drão (mH) e a turbidez máxima admis-
tendo um papel secundário o zinco e
sível é de cinco unidades-padrão (µT)2.
o estrôncio. Água dura provoca uma
Características químicas série de inconvenientes: é desagradá-
vel ao paladar; gasta muito sabão para
Em relação às características quími- formar espuma; dá lugar a depósitos
cas, são fixados limites de concentração perigosos nas caldeiras e aquecedo-
por motivos de ordem econômica e sa- res; deposita sais em equipamentos;
nitária. As águas também devem pos- e mancha louças.
suir determinadas porcentagens de sais 2. pH: indica a condição de acidez,
em solução. O excesso ou a insuficiência neutralidade ou alcalinidade da
de certos sais altera-lhe as condições de água, variando de 0 a 14. Águas de
potabilidade. pH baixo são corrosivas, enquanto
Quando a quantidade de sais mi- as de pH elevado são incrustativas.
nerais é inferior a 0,1g/L, a água torna- De um modo geral, as alterações na-
-se insípida e desagradável. Acima de turais do pH têm origem na decom-
0,5g/L, a água torna-se “crua” ou “dura”, posição de rochas em contato com
34 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
a água, absorção de O2 na água em repouso
A separação dos tipos
de gases da atmos- por causa do metabolis-
de sólidos presentes
fera, oxidação de mo bacteriano. Por outro
na mistura é feita em
matéria orgânica, lado, a sua introdução na
laboratório, e eles são
fotossíntese, além massa de água favorece a
classificados como
da introdução de precipitação de elemen-
totais, minerais ou fixos,
despejos domésti- tos químicos indesejáveis,
orgânicos ou voláteis, em
cos e industriais. como, por exemplo, o fer-
suspensão, dissolvidos.
ro. O oxigênio dissolvido
Indicadores de é corrosivo, principalmen-
poluição por matéria orgânica te, para canalizações de ferro e aço,
notadamente para menores faixas
1. Compostos nitrogenados: o ni- de pH ou maiores condutividades
trogênio e o fósforo são elementos elétricas.
indispensáveis no desenvolvimento
das algas, e, em altas concentrações, Sólidos
podem levar ao crescimento exces-
sivo desses organismos, causando A água com excessivo teor de sóli-
eutrofização, afetando, assim, os dos em suspensão ou minerais dissol-
múltiplos usos da água. vidos tem sua utilidade limitada. Uma
2. Oxigênio consumido: vital para água com presença de 500mg/L de
os organismos aeróbios presentes sólidos dissolvidos, geralmente, ainda
na água, o oxigênio livre presente é viável para uso doméstico, mas prova-
na água vem do contato desta com velmente inadequada para utilização em
a atmosfera ou é produzido por muitos processos industriais. Água com
processos fotossintéticos. Em con- teor de sólidos superior a 1000 mg/L
dições normais de temperatura e torna-se inadequada para consumo hu-
pressão, a água consegue reter de mano e possivelmente será corrosiva e
9 a 10mg/L de oxigênio livre. Esta até abrasiva.
solubilidade decresce à medida que De um modo geral, todas as impu-
a temperatura aumenta, anulando- rezas presentes na água, com exceção
-se na fase de ebulição. A ausência dos gases dissolvidos, têm sua origem
de oxigênio na água fervida e de- nos sólidos incorporados ao seu meio.
pois resfriada lhe confere um gos- Devido a essa condição, deve-se dar
to levemente desagradável para a prioridade à análise deles, pois seu re-
maioria dos paladares. A presença sultado pode direcionar todo estudo de
de matéria orgânica em decompo- caracterização. São caracterizadas como
sição na água reduz a concentração sólidos totais as partículas presentes em
Recursos hídricos na agropecuária 35
suspensão ou em solução, sedimentáveis isso, a água, para ser potável, não deve
ou não, orgânicas ou minerais. A deter- conter esses patógenos.
minação da quantidade total de sólidos É interessante notar que quase a to-
presentes em uma amostra é chamada talidade dos seres patogênicos é incapaz
de sólidos totais. A separação dos tipos de viver em sua forma adulta ou repro-
de sólidos presentes na mistura é feita duzir-se fora do organismo que lhe ser-
em laboratório, e eles são classificados ve de hospedeiro e, portanto, tem vida
da seguinte maneira: limitada quando se encontra na água,
Sólidos totais: massa sólida obtida isto é, fora do seu habitat.
com a evaporação da parte líquida da Entre os principais tipos de organis-
amostra a 103 a 105°C em mg/L. mos patogênicos que podem ser encon-
Sólidos minerais ou fixos: resídu- trados na água, estão vírus, bactérias,
os sólidos retidos após calcinação dos protozoários e vermes2.
sólidos totais a 500°C em mg/L. A detecção de bactérias, protozoá-
Sólidos orgânicos ou voláteis: rios e vírus, em uma amostra de água, é
parcela dos sólidos totais volatilizada no extremamente difícil. Esse fato se deve
processo de calcinação em mg/L. às seguintes razões:
Sólidos em suspensão: quantidade 1. Em uma população, apenas uma de-
de sólidos retidos em filtros de micro- terminada faixa apresenta doenças
malha, de 1µm (mícron ou micrômetro) de veiculação hídrica.
em mg/L. 2. Nas fezes desses habitantes, a pre-
Sólidos dissolvidos: fração dos só- sença de agentes patogênicos pode
lidos filtráveis em filtros de micromalha não ocorrer em elevada proporção.
de 1µm em mg/L. 3. Após o lançamento no corpo recep-
tor ou no sistema de esgotos, há ain-
Características biológicas da uma grande diluição do despejo
contaminado.
Á água é normalmente habitada por Assim sendo, a concentração final
vários tipos de microrganismos de vida de patógenos por unidade de volume
livre e não parasitária que dela extraem em um corpo de água é, sem dúvida,
os alimentos indispensáveis à sua sub- bastante reduzida, fazendo com que a
sistência. Ocasionalmente, são intro- sua detecção por meio de exames labo-
duzidos organismos parasitários e/ou ratoriais seja de grande dificuldade. Esse
patogênicos provenientes das descargas obstáculo é superado pelo estudo dos
intestinais de indivíduos doentes ou organismos indicadores de contamina-
portadores de agentes patogênicos, os ção fecal. Tais organismos não são pa-
quais, utilizando a água como veículo, togênicos, mas dão uma satisfatória in-
podem transmitir tais organismos. Por dicação de quando uma água apresenta
36 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
contaminação por fezes humanas ou de fecal se morressem mais rapidamente
animais e, portanto, de sua potencialida- que o agente patogênico. Por outro lado,
de para transmitir doenças. Os organis- se a sua taxa de mortalidade fosse menor
mos mais comumente utilizados com que a das bactérias patogênicas, também
tal finalidade são as bactérias do grupo deixariam de ser úteis, uma vez que, so-
coliforme7. brevivendo por mais tempo, tornariam
As principais razões para se usar suspeitas águas já depuradas. Exceção
o grupo coliforme como indicador de deve ser feita aos vírus, que apresentam
contaminação fecal são: uma resistência superior
1. Os coliformes Principais razões para se à dos coliformes.
apresentam-se em usar o grupo coliforme
grande quantidade como indicador de Quantidade de
nas fezes humanas contaminação fecal: os água
(cada indivíduo eli- coliformes apresentam-se O homem precisa
mina em média de em grande quantidade de água com qualidade
1010 a 1011 células nas fezes humanas e em satisfatória e quantidade
por dia). De 1/3 grande número apenas suficiente para produzir
a 1/5 do peso das nas fezes do homem e alimentos e vestimentas,
fezes humanas é de animais de sangue cuidar da higiene pes-
constituído por quente; têm resistência soal, criar animais e até
bactérias do grupo similar à maioria das para produzir materiais
coliforme. Com isto, bactérias patogênicas inimagináveis, sendo
a probabilidade de intestinais. um princípio considerar
que sejam detecta- a quantidade de água,
dos após o lançamento é superior à do ponto de vista sanitário, de grande
dos organismos patogênicos. relevância no controle e na prevenção
2. Os coliformes apresentam-se em de doenças3.
grande número apenas nas fezes O fator quantidade tem tanta ou
do homem e de animais de sangue mais importância do que a qualidade
quente. Tal fato é essencial, pois, se de água. A escassez de água, dificultan-
existissem também nos intestinos do a limpeza corporal e a do ambiente,
de animais de sangue frio, deixariam permite a disseminação de enfermida-
de ser bons indicadores de poluição. des associadas à falta de higiene. Desse
Os coliformes apresentam resistên- modo, a incidência de certas doenças
cia aproximadamente similar à maioria diarreicas varia inversamente à quan-
das bactérias patogênicas intestinais. Tal tidade de água disponível “per capita”,
característica é importante, pois não se- mesmo que essa qualidade de água seja
riam bons indicadores de contaminação muito boa. Também algumas doenças
Recursos hídricos na agropecuária 37
cutâneas e infestações países subdesenvolvidos,
É preciso que esse recurso
por ectoparasitos (pio- onde o consumo varia
seja utilizado com o
lhos, por exemplo) de 79% a 88% da água
máximo de equilíbrio,
podem ser evitadas ou disponível. Uma pessoa
racionalidade e senso
atenuadas onde há con- precisa de, no mínimo,
de responsabilidade
jugação de bons hábitos 50L/d de água. Quando
coletiva.
higiênicos e quantidade comparados ao consumo
de água suficiente. na agropecuária, estes
Além do desmatamento e da des- valores são considerados pequenos, por
truição de rios e lagos por meio das exemplo, 1kg de arroz para ser produzi-
poluições doméstica e industrial, o des- do consome 3500 litros; 1kg de carne
perdício de água é responsável pela crise de boi consome 100.000 litros de água9.
de abastecimento pela qual o país está
passando. Muita água se perde porque Mananciais de água para
ocorrem vazamentos nas adutoras e na abastecimento
rede de distribuição; além disso, as pes- O homem possui dois tipos de fon-
soas não têm o hábito de reutilizar água tes para seu abastecimento: as águas
e consomem muito mais do que o ne- superficiais (rios, lagos, canais, etc.) e
cessário. É preciso que esse recurso seja as subterrâneas (lençóis subterrâneos).
utilizado com o máximo de equilíbrio, Efetivamente, essas fontes não estão
racionalidade e senso de responsabilida- sempre separadas. Em seu deslocamen-
de coletiva. to pela crosta terrestre, a água que é su-
Na agricultura também há muito perficial em determinado local pode ser
desperdício de água. Apenas 40% da subterrânea em uma próxima etapa e até
água desviada é efetivamente utilizada voltar a ser superficial posteriormente.
na irrigação. Os outros As águas de super-
60% são desperdiçados fície são as de mais fá-
Fontes para
por estarem em excesso, cil captação, havendo,
abastecimento do
fora do período de ne- pois, uma tendência
ser humano: águas
cessidade da planta, em de que sejam mais uti-
superficiais (rios,
horários de maior eva- lizadas no consumo
lagos, canais, etc.) e
poração do dia, pelo uso humano. No entanto,
subterrâneas (lençóis
de técnicas de irrigação menos de 5% da água
subterrâneos).
inadequadas ou, ainda, doce existente no glo-
pela falta de manutenção bo terrestre encontra-
nesses sistemas de irrigação. -se disponível superficialmente, fican-
O principal “vilão” no consumo de do o restante armazenado em reservas
água é a agropecuária, sobretudo nos subterrâneas.
38 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Logicamente, nem deve levar em conside-
Denomina-se manancial
toda água armazenada ração o consumo atual
abastecedor a fonte de
no subsolo pode ser reti- provável, bem como a
onde se retira a água
rada em condições eco- previsão de crescimen-
com condições sanitárias
nomicamente viáveis, to da comunidade e a
adequadas e vazão
sobretudo as localizadas capacidade ou não do
suficiente para atender a
em profundidades ex- manancial de satisfazer
demanda.
cessivas e confinadas en- a este consumo. Estes
tre formações rochosas. reservatórios podem ser
Devido à sua dinâmica de deslo- dos seguintes tipos: superficiais (rios e
camento, as águas superficiais são fre- lagos), subterrâneos (fontes naturais,
quentemente renovadas em sua massa, galerias filtrantes, poços) e águas plu-
enquanto as subterrâneas podem ter viais (superfícies preparadas). Todo e
séculos de acumulação em seu aquífero, qualquer sistema é projetado para servir
pois sua renovação é muito mais lenta por certo espaço de tempo.
pelas dificuldades óbvias, principalmen-
te nas camadas mais profundas. Mananciais superficiais
Tipos de mananciais Manancial superficial é constituído
A captação tem por finalidade criar pelos cursos d’água (córregos, ribei-
condições para que a água seja retirada rões, rios, lagos, represas, etc.) e, como
do manancial abastecedor em quan- o nome indica, tem o espelho d’água na
tidade capaz de atender o consumo e superfície do terreno. As precipitações
em qualidade que dispense tratamen- atmosféricas, logo que atingem o solo,
tos ou os reduza ao mínimo possível. podem se armazenar nas depressões do
Denomina-se manancial abastecedor a terreno, ou alimentar os cursos d’água,
fonte de onde se retira a água com con- transformando-se em escoamento su-
dições sanitárias adequadas e vazão sufi- perficial; outra parcela se infiltra no
ciente para atender a demanda. No caso solo. Também há a possibilidade de se
da existência de mais de um manancial, formarem reservatórios artificiais, que
a escolha é feita considerando-se não só se constituem a partir de obras executa-
a quantidade e a qualidade, mas também das em um rio ou córrego, com a finali-
o aspecto econômico, pois nem sempre dade de reter o volume necessário para
o que custa inicialmente menos é o que a proteção de captações ou garantir o
convém, já que o custo maior pode im- abastecimento em tempo de estiagem10.
plicar custo de operação e de manuten-
ção menor. Mananciais subterrâneos
Na escolha de manancial também se A precipitação atmosférica, na for-
Recursos hídricos na agropecuária 39
ma de chuva, neve ou granizo, produz, Ribeirão Preto, Catanduva e Lins, que
além de escoamento superficial e da eva- até hoje só se utilizaram desses recursos.
poração, a infiltração, no solo, de certa No Nordeste brasileiro, Teresina e Natal
parcela de água. Parte da água infiltrada são capitais que também se abastecem
evapora-se nas primeiras camadas, ou- essencialmente de água extraída de len-
tra parte é absorvida pelas plantas e so- çóis subterrâneos5.
fre o fenômeno da transpiração e, ainda, O manancial subterrâneo pode
certa quantidade infiltra-se mais e vai aflorar à superfície (nascentes, minas,
concentrar-se em camadas inferiores. “olho d’água”) ou ser elevado à superfí-
Denomina-se subterrânea a água cie por meio de obras de captação (po-
presente no subsolo que ocupa os in- ços rasos, poços profundos, galerias de
terstícios, as fendas, as falhas ou os ca- infiltração)5,9,10.
nais existentes nas diferentes camadas As reservas de água subterrânea
geológicas e em condições de escoar, provêm de dois tipos de lençol d’água
obedecendo aos princípios da hidráuli- ou aquífero9,10:
ca. Outras águas também presentes no 1. Lençol freático: é aquele em que
solo ou subsolo, mas que não têm con- a água se encontra livre, com sua
dições de livre escoamento, segundo es- superfície sob a ação da pressão at-
ses princípios, não apresentam interesse mosférica. Em um poço perfurado
imediato para o presente estudo. nesse tipo de aquífero, a água no seu
Para abastecimento público, a água interior terá o nível coincidente com
subterrânea apresenta-se como notável o nível do lençol. A alimentação do
recurso em muitas regiões onde existem lençol freático ocorre geralmente ao
condições favoráveis ao seu aprovei- longo dele pela infiltração das águas
tamento. Além disso, em certas áreas, da chuva, e, portanto, seu volume
como o Nordeste brasileiro, onde as depende do índice pluviométrico
águas de superfície podem, em determi- do período.
nadas épocas, desaparecer quase total- 2. Lençol confinado: é aquele em que
mente, a água retirada de fraturas e fa- a água encontra-se confinada por
lhas de rochas compactadas tem sido a camadas impermeáveis de rochas e
única fonte de suprimento de pequenos sujeita a uma pressão maior que a
núcleos populacionais. pressão atmosférica. Em um poço
Um número considerável de cida- profundo, que atinge esse lençol, a
des brasileiras consome água extraída água subirá acima do nível do len-
de lençóis subterrâneos. Somente no çol. Poderá, às vezes, atingir a boca
Estado de São Paulo, cerca de 150 cida- do poço e produzir uma descarga
des extraem e utilizam água de lençóis contínua, jorrante; a alimentação do
subterrâneos, destacando-se entre elas lençol confinado verifica-se apenas
40 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
no contato da formação geológica Escolha do manancial
com a superfície do solo, podendo
ocorrer a uma distância considerá- O processo de escolha de um ma-
vel do local do poço. As condições nancial deve levar em conta diversos as-
climáticas ou o regime de chuvas, pectos, como qualidade e quantidade de
observados na área de perfuração água disponível, acesso, disponibilidade
do poço, pouco ou nada afetam as de energia elétrica, desnível e distância
características do aquífero. dos pontos de consumo11.
Os seguintes critérios devem ser
As principais vantagens da utiliza-
observados:
ção das águas subterrâneas são:
1. realização prévia e indispensável de
1. Potencialmente de boa qualidade
análises de componentes orgânicos,
para o consumo humano, embora o
inorgânicos e bacteriológicos das
lençol freático seja muito vulnerável
águas do manancial para verifica-
à contaminação.
ção dos teores de substâncias pre-
2. Relativa facilidade de obtenção, em- judiciais, limitados pela Resolução
bora nem sempre em quantidade nº 35711, do Conselho Nacional do
suficiente. Meio Ambiente (CONAMA), de
3. Possibilidade de localização de 17 de março de 2005;
obras de captação nas proximidades 2. vazão mínima do manancial,
das áreas de consumo. necessária para atender à demanda
por um determinado período de
Águas pluviais anos;
3. mananciais que dispensam trata-
As águas da chuva podem ser uti-
mento: incluem águas subterrâneas
lizadas como manancial abastecedor,
não sujeitas a qualquer possibilida-
sendo armazenadas em cacimbas, que
de de contaminação;
acumulam a água da chuva captada na
4. mananciais que
superfície dos telhados
O processo de escolha exigem apenas desinfec-
dos prédios, ou a que
de um manancial ção: incluem as águas
escoa pelo terreno. A
deve levar em conta subterrâneas e certas
cacimba tem sua aplica-
ção em áreas de grande diversos aspectos, como águas de superfície bem
pluviosidade ou, em ca- qualidade e quantidade protegidas, sujeitas a bai-
de água disponível, xo grau de contaminação;
sos extremos, em áreas
acesso, disponibilidade 5. mananciais que
de seca onde se procu-
de energia elétrica, exigem tratamento sim-
ra acumular a água da
época de chuva para a desnível e distância dos plificado: compreendem
pontos de consumo. as águas de mananciais
época de seca.
Recursos hídricos na agropecuária 41
protegidos, com baixos teores de ao longo do tempo.
cor e turbidez, sujeitas apenas à fil- 6. Planejar com cuidado a execução de
tração lenta e desinfecção; estruturas, próximas ou dentro da
6. mananciais que exigem tratamento água, já que sua ampliação é geral-
convencional: compreendem ba- mente muito trabalhosa.
sicamente as águas de superfície, 7. Prever proteção contra inundação.
com turbidez elevada, que reque-
rem tratamento com coagulação, Captação de águas da chuva
floculação, decantação, filtração e
desinfecção. A água da chuva pode ser captada
por meio de cisternas ou cacimbas, que
Tipos de captação são reservatórios para armazenamento
Captação é o meio pelo qual se faz de água ligados a tubos verticais que
a água de um manancial chegar até o colhem a água das calhas dos telhados.
ponto de utilização. As obras de capta- O uso de cisternas na captação de águas
ção variam conforme as condições lo- da chuva só tem aplicação em locais de
cais, hidrológicas, topográficas e, para grande pluviosidade, ou locais muito
as águas subterrâneas, as condições hi- secos, onde se procura armazenar água
drogeológicas. A captação é a primeira nos tempos de chuva, para ser usada nos
unidade do sistema de abastecimento períodos críticos de seca.
de água, e do seu constante e bom fun- A água que cai no telhado vem ter às
cionamento depende o desempenho de calhas; dessas, aos condutores verticais
todas as unidades subsequentes. A con- e, finalmente, ao reservatório. Os reser-
cepção deve considerar que não são ad- vatórios mais simples são os de tambor,
missíveis interrupções em seu funciona- de cimento amianto e os de plástico.
mento. A concepção e a escolha do local O cálculo de um sistema de capta-
de captação de água devem:5,10 ção de água da chuva deve considerar
1. Assegurar condições de fácil entra- os seguintes parâmetros: 1. quantidade
da de água em qualquer época do de água para as necessidades mínimas
ano. da família; 2. capacidade da cisterna; 3.
2. Assegurar, tanto quanto possível, superfície de coleta; e 4. precipitação
que não haja alteração na qualidade pluviométrica.
da água do manancial. Captação de águas superficiais
3. Garantir o funcionamento e a prote- A captação de águas superficiais de-
ção contra danos e obstruções. pende de vários cuidados, que devem
4. Favorecer a economia das ser levados em conta na elaboração do
instalações. projeto. Qualquer tipo de captação de-
5. Facilitar a operação e a manutenção verá atender em qualidade e quantidade
42 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
à demanda prevista da população futura é feita, geralmente, com mangueira de
no alcance do projeto. plástico. Nesse caso, deve-se fazer a clo-
O componente de uma captação de ração da caixa central, podendo, para
água superficial geralmente é composto isso, ser utilizados os cloradores por
pelas barragens, que têm como objeti- difusão9.
vos a reservação da água e a manutenção No caso de sistemas fechados, são
do nível da água a determinada altura; utilizadas caixas de tomada de alvenaria,
pontos de tomada de água que devem de tijolos ou de concreto, conveniente-
possuir dispositivos para impedir mente protegidas contra enxurradas
a entrada de materiais flutuantes e e contra a poluição exterior, as quais,
dispositivos para controlar a entrada de instaladas no local do afloramento, re-
água, tais como grades e caixas de areia; colhem diretamente a água do lençol,
canais e/ou tubulações de transporte da ou o fazem indiretamente, por meio de
água; poços de sucção e casa de bombas, uma canalização simples perfurada ou
caso se necessite de elevar a água a cotas com ramificações que penetram o len-
maiores. çol adentro10, 11, 12.
Os canais deverão ter, no mínimo,
Captação de águas subterrâneas 8m em relação à fonte. A caixa deverá
possuir uma janela para inspeção, e deve
Nascentes ser construída uma cerca que impeça a
Fonte aflorante ou de encosta aproximação de pessoas e animais12.

As águas das minas estão sujeitas à Galeria de infiltração ou fonte


contaminação por brotarem na superfí- de fundo de vale
cie da terra, formando o chamado “olho-
-d’água”. Assim, o principal cuidado O aproveitamento da fonte de fun-
com essas águas consiste em fazer uma do de vale é conseguido por meio de
boa captação. É muito difundida a ideia um sistema de drenagem subsuperficial,
de que água de mina é sinônimo de água sendo, em certos casos, possível usar a
pura, mas uma água límpida não signifi- técnica de poço raso para a captação da
ca, necessariamente, que seja pura9. água. Normalmente, a captação é feita
Quando a nascente está em terreno por um sistema de drenos que termi-
inclinado, a captação torna-se mais fácil na em um coletor central e, desse, vai a
(Fig. 1). O correto é fazer a captação um poço. A construção e a proteção do
num sistema fechado, ou seja, captar a poço coletor são feitas obedecendo-se
água antes que ela apareça na superfí- aos mesmos requisitos usados para o
cie. Entretanto, em alguns casos, a mina poço raso ou para a fonte de encosta.
nasce em local inacessível, e a captação Os drenos podem ser feitos de pe-
Recursos hídricos na agropecuária 43
Fig. 1 – Captação Fonte de Encosta

Fig. 2 - Poço Raso


44 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
dra, bambu, manilhas de concreto ou poço só será viável se houver indícios
cerâmica e de tubos de PVC perfurados. de água subterrânea na área pretendida
A duração dos drenos de concreto de- e possibilidade de ser atingido o lençol.
pende da composição do terreno; ter- As referidas condições poderão ser de-
renos ácidos corroem os tubos de con- terminadas por meio de métodos cien-
creto não protegidos. Os mais duráveis tíficos e emprego de tecnologia apro-
são os de manilha vidrada e os de PVC. priada. Na área rural, entretanto, e para
Os diâmetros mais empregados são os o tipo de poço em questão, bons resul-
de 10 a 20cm, excepcionalmente se em- tados serão obtidos por algumas indica-
pregam os de 30cm. Para captar mais ções de ordem prática aliadas à experi-
água, é preferível estender a rede em ência dos moradores da área (Fig.2).
vez de aumentar os diâmetros. Os dre- A época adequada para escavação
nos devem ser colocados nos fundos de do poço é no período de estiagem, pois,
valas abertas no terreno. no tempo chuvoso, os
As valas devem ter fun- trabalhos tornam-se
Poços escavados são muito difíceis e até mes-
do liso, protegido por
mais conhecidos como mo inviáveis. Durante
camada de cascalho, e a
poços rasos ou freáticos a construção, todo cui-
inclinação deve ser uni-
forme. A profundidade dado de segurança deve
mínima das valas deve ser de 1,20m; ser tomado por aquele que estiver tra-
a declividade mínima de 0,25m por balhando no poço; não se deve penetrar
100m; a declividade máxima de 3,0m no seu interior sem ter meios de escape
por 100m. Os drenos principais devem e sem a estabilidade das paredes.
ter sempre declividade superior aos dre- A escavação poderá ser manual,
nos laterais ou secundários: declividade usando-se ferramentas comuns: picare-
mínima 0,5m por 100m (0,5%). ta, cavadeira, enxadão, etc., ou, também,
por meio de trados, se o tipo de terreno
Poços escavados
for favorável.
São mais conhecidos como poços O poço deverá ter o formato cilín-
rasos ou freáticos, com diâmetro mí- drico, com diâmetro mínimo de 90cm.
nimo de 90cm, e destinam-se tanto ao A profundidade será a necessária para
abastecimento individual quanto ao atingir o lençol freático, porém não in-
coletivo. Essa solução permite o apro- ferior a 3m, que é a altura mínima do
veitamento da água do lençol freático, revestimento de proteção. Nos terre-
atuando, geralmente, entre 10 a 20 m de nos frágeis, é necessário revestir toda
profundidade, podendo obter de dois a a parede do poço, a fim de evitar o seu
três mil litros de água por dia. desmoronamento. Uma boa técnica
Em primeiro lugar, a construção do consiste em fazer o revestimento com
Recursos hídricos na agropecuária 45
manilhões de concreto. Os manilhões ça dos poços, é indicada com três
são assentados na boca do poço, um de metros. Por essa razão, o reves-
cada vez. À medida que se for escavan- timento impermeabilizado deve
do por dentro deles, irão descendo por atingir essa cota. A construção da
conta do próprio peso. calçada em volta do poço visa a evi-
Uma vez atingido o lençol, re- tar lamaçal e impedir, também, a in-
comenda-se aprofundar a escavação filtração das águas de superfície na
dentro dele, a fim de obter seu melhor área.
aproveitamento. Para facilitar essa tare- b) escoamento de águas da superfície e
fa, pode-se fazer o esgotamento da água enxurradas pela boca do poço para
com bombas a motor ou manuais. Há seu interior:
terrenos firmes, não sujeitos a desmoro- 1. Proteção: construir uma caixa sobre
namentos, que dispensam o revestimen- a boca do poço, feita de concreto ou
to do poço. Mesmo assim, este deverá alvenaria de tijolos. A referida caixa
ser feito, pelo menos, até 3m de altura, poderá ser construída fazendo-se o
para possibilitar a proteção sanitária. A
prolongamento externo da parede de
proteção do poço escavado tem a finali-
revestimento do poço. Deverá ter al-
dade de dar segurança à sua estrutura e,
principalmente, evitar a contaminação tura entre 50 e 80 centímetros a par-
da água. tir da superfície do solo.
A seguir, são apontados os possíveis c) entrada de objetos contaminados,
meios de contaminação do poço e as animais, papéis, etc., pela boca do
respectivas medidas de proteção: poço:
a) infiltração de águas da superfície, 1. Proteção: fechar a caixa da boca do
pelo terreno, atingindo a parede e o poço com cobertura de concreto ou
interior do poço: de madeira, deixando abertura de
1. Proteção: imperme- inspeção com tampa de
abilizar a parede até Os poços tubulares encaixe.
a altura mínima de profundos captam água A retirada de água
três metros e cons- do aquífero denominado
será feita pela bomba hi-
truir plataforma artesiano ou confinado. dráulica centrífuga (de
(calçada) de concre-
to com um metro de operação manual a mo-
largura em volta da boca do poço. tor elétrico) ou de êmbolo (de operação
2. Sabe-se que, durante a infiltração manual), pois permite manter o poço
das águas de superfície no terreno, sempre fechado. Além disso, é de fácil
suas impurezas ficam retidas numa operação e maior rendimento.
faixa do solo, a qual, para seguran- Após a construção das obras, o poço
46 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
deverá ser desinfetado. Só assim a água dos por meio de perfuratrizes, portanto
a ser fornecida estará em condições de a escavação exige mão de obra e equipa-
uso. mentos especiais. A proteção do poço
A instalação de bomba elétrica é a é feita com tubos de revestimento em
melhor opção. Se não puder utilizar a aço ou PVC, destinados a impedir o
bomba, aconselha-se o uso contínuo de desmoronamento das camadas de solo
cloradores por difusão. não consolidadas e a evitar sua conta-
minação. A retirada da água do poço
Poço profundo ou artesiano
normalmente é realizada pelas bombas
Os poços tubulares profundos cap- centrífugas submersíveis ou bombas a
tam água do aquífero denominado compressor.
artesiano ou confinado e estão localiza-
dos abaixo do lençol freático, entre duas Noções sobre tratamento
camadas impermeáveis de água
e sujeitas a uma pressão Tratamento de água O tratamento de
maior que a atmosférica. consiste basicamente água consiste basica-
Nesses poços, o ní- em melhorar suas mente em melhorar suas
vel da água, em seu inte- características características organo-
rior, subirá acima da ca- organolépticas, lépticas, físicas, quími-
mada aquífera. No caso físicas, químicas e cas e bacteriológicas,
de a água jorrar acima da bacteriológicas. tornando-a adequada
superfície do solo, sem para consumo domésti-
necessidade de meios de elevação me- co, dessedentação de animais e utiliza-
cânica, o poço é dito jorrante ou surgen- ção nas indústrias e na agricultura2.
te. Caso a água se eleve dentro do poço, Existem vários métodos de trata-
sem, contudo, ultrapassar a superfície mento de água. Os mais usados são:
do solo, o poço é dito semisurgente. 1. Tratamentos domésticos.
A quantidade de água que um poço 2. Filtração.
tubular profundo pode fornecer de- 3. Tratamento simplificado.
pende das características geológicas do 4. Tratamento convencional.
local, que influenciam a capacidade de 5. Tratamentos especiais.
armazenamento e de circulação da água
no aquífero, por isso a produção de Tratamentos domésticos
água só pode ser estimada a partir de es-
tudos hidrogeológicos ou pela observa- Fervura
ção de registros operacionais de poços
existentes na região. A fervura consiste em aquecer a água
Os poços profundos são construí- a 100°C durante 10 a 15 minutos, para
Recursos hídricos na agropecuária 47
assegurar o aquecimento total do líqui- ples, adicionadas diretamente à água,
do e o extermínio dos microrganismos4. tais como produtos à base de cloro e de
É um tratamento muito eficiente na iodo.
purificação de águas impuras, mas tem o
Desinfecção permanente por
inconveniente de deixar a água com um
cloradores por difusão
gosto desagradável. Para tornar a água
mais agradável ao paladar, recomenda- Os cloradores por difusão são basi-
-se o seu arejamento, passando-a de camente constituídos de uma embala-
uma vasilha limpa para outra. gem plástica de um litro, onde se coloca
uma mistura de cloro em pó – hipoclo-
Filtração caseira
rito de cálcio (340 gramas) ‒ e areia la-
É uma opção de tratamento de uso vada (850 gramas). A função da areia é
doméstico conveniente, que remove facilitar a liberação do cloro para a água.
grande parte de turbidez e das bactérias Toda vez que há bombeamento ou reti-
das águas, mas deve ser ressaltado que rada manual de água, ocorre liberação
o filtro caseiro não retém certos germes de pequenas quantidades de cloro10. Tal
causadores de doenças. tratamento é utilizado principalmente
Existem vários tipos de filtros do- em poços rasos.
mésticos, cujo material filtrante pode ser
Filtração
constituído de porcelana porosa, terra de
infusório, pedra porosa, carvão, etc.8. A filtração é um processo físico em
Um tipo de filtro que pode ser usa- que a água atravessa um leito filtran-
do no meio rural é o filtro caseiro de te, em geral areia ou areia e carvão, de
areia, semelhante ao de uma ETA. Ele modo que partículas em suspensão se-
é composto, de baixo para cima, de ca- jam retidas, produzindo um efluente
madas sucessivas de pedregulho, tecido mais limpo. Tradicionalmente, existem
poroso, carvão vegetal e areia. O uso do dois processos distintos de filtração: fil-
carvão vegetal objetiva a adsorção de tração lenta e filtração rápida. A opção
compostos responsáveis pela presença por um dos métodos depende princi-
de sabor e odor10. palmente da qualidade
Algumas substâncias da água bruta e do volu-
Desinfecção químicas têm ação me a ser tratado e impli-
pontual na água
germicida e podem ser ca profundas diferenças
armazenada
aplicadas de forma no projeto da ETA.
Algumas substân- simples, adicionadas O processo de fil-
cias químicas têm ação diretamente à água, tais tração lenta é um pouco
germicida e podem ser como produtos à base de estático em suas alter-
aplicadas de forma sim- cloro e de iodo. nativas de projeto. O
48 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
processo de filtração rápida é bastante tura total da ordem de 2,50 a 3,60m. A
dinâmico em termos de alternativas de areia deve ter as seguintes características:
desenhos, podendo ser projetado com 1. ser isenta de materiais orgânicos;
materiais diferentes no leito filtrante, 2. situar-se entre as peneiras de
dispositivos para aumento da capaci- 0,15mm a1,41mm;
dade de filtração, bem como fluxos por 3. obedecer aos parâmetros de carac-
gravidade ou forçados, ascensionais ou terização com De = 0,30mm e D60
descendentes. = 0,75mm.
O fundo de filtro geralmente é
Filtração lenta
constituído por drenos compreenden-
A filtração lenta é um processo sim- do uma tubulação principal ao longo
ples e de grande eficiência. O incon- da linha central alimentada por laterais
veniente é que funciona com taxas de igualmente espaçadas e perfuradas, nos
filtração muito baixas, sendo aplicável seguintes diâmetros:
apenas às águas de pouca turbidez (até 1. no principal, de 0,20 a 0,60m;
50mg/L), exigindo, por isso, grandes 2. nas laterais, de 0,05 a 0,15m, depen-
áreas de terreno e volume elevado de dendo do tamanho do filtro.
obras civis. Esses drenos devem ser projetados
A velocidade ou taxa de filtração com velocidades baixas, da ordem de
pode ser determinada a partir de exa- 0,30 m/s no principal e 0,20m/s nas la-
mes de observações em instalações se- terais. Também podem ser construídos
melhantes que tratam água de qualida- empregando-se manilhas com juntas
de comparável. Geralmente essa taxa abertas.
varia entre 3 e 9m3/m2.dia, sendo mais A limpeza, ou recuperação da taxa
frequente entre 3 e 4 m3/m2.dia. Acima de filtração, consiste na remoção de 2 a
dessa taxa, pode resultar em uma água 4cm da camada superior à medida que
de qualidade insatisfatória. o filtro perder sua capacidade de produ-
A estrutura vertical dos filtros lentos ção. Quando a altura do leito arenoso
compreende as seguintes camadas: estiver reduzida à espessura de 0,60 m,
1. altura livre sobre a água de 0,25 devido às sucessivas operações de lim-
- 0,30m; peza, deve-se providenciar a reposição
2. altura da coluna de água de 0,85 da areia até o restabelecimento da altura
-1,40 m; do leito original.
3. camada de areia de 0,90 -1,10m; Quanto aos resultados, os filtros
4. camada de pedregulho de 0,25 - lentos têm um excelente desempenho
0,35 m; na remoção de bactérias, superiores
5. drenos de 0,25 - 0,45 m. aos filtros rápidos quanto à uniformida-
Essa distribuição resulta em uma al- de dos resultados. Em geral, podem-se
Recursos hídricos na agropecuária 49
apresentar como expectativa os seguin- Taxas de filtração
tes valores:
As taxas de filtração são geralmen-
1. remoção de turbidez: 100%;
te compreendidas entre 120 (com leito
2. remoção de cor (baixa): < 30%; simples de areia) e 300m³/m².dia, de-
3. remoção de ferro: até 60%; pendendo da qualidade de operação,
4. boa remoção de odor e sabor; do sentido do fluxo, se de leito simples
5. grande remoção de bactérias: > ou duplo, etc. Unidades com capacida-
95%. de de filtração além de 150m3/m2.dia,
Como vantagens, é fácil e de simples em geral, são denominadas de filtros de
operação e controle, porém são impor- alta taxa, sendo por emprego de meca-
tantes desvantagens a sua inviabilidade nismos ou por recursos que promovam
para turbidez superior a 40mg/L ou o aumento da produção de água, e têm
para turbidez + cor acima de 50mg/L por objetivo a redução da área filtrante.
e, também, a sua baixa velocidade de Limpeza
filtração, o que implica grandes áreas de
ocupação. Assim, os filtros lentos têm À medida que o filtro vai funcio-
sua aplicabilidade restrita a tratamento nando, acumula impurezas entre os in-
de pequenas vazões de consumo, águas terstícios do leito filtrante, aumentando
pré-sedimentadas ou de baixa turbidez progressivamente a perda de carga e a
e para localidades onde os terrenos não redução na sua capacidade de filtração.
sejam muito valorizados. Quando essa perda atinge um valor pre-
estabelecido ou a turbidez do efluente
Filtração rápida atinge além do máximo de operação,
Cinquenta a sessenta por cento das deve ser feita a lavagem. O tempo em
impurezas ficam retidas no decantador. que o filtro passa trabalhando, entre uma
A água, com o restante das impurezas, lavagem e outra consecutiva, é chamado
flocos mais leves e partículas não flo- de carreira de filtração. Ao final desse pe-
culadas, sai dos decantadores e segue ríodo, deve ser lavado para a retirada da
para o processo de filtragem, para retira- sujeira que ficou retida no leito de filtra-
da desse restante das impurezas. Nesta gem. Uma carreira de filtração fica em
fase, os filtros rápidos tornam-se uni- torno de 20 a 30 horas, podendo, em si-
dades essenciais em uma estação con- tuações esporádicas, principalmente no
vencional e, por isso, exigem cuidadosa início do período chuvoso, ocorrer mais
operação. Eles constituem uma “barrei- de uma lavagem por dia. Esta lavagem
ra sanitária” importante, podendo reter tem aspectos bem peculiares.
microrganismos patogênicos que resis- Os filtros rápidos são lavados con-
tem a outros processos de tratamento. tracorrente, com velocidade e vazão
50 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
suficientes para criar turbulência ade- para baixo: de 3/16 e 3/32”, numa es-
quada para causar o desprendimento pessura de cerca de 0,06m; de 1/2 e
das impurezas retidas e naturalmente 3/16”, 0,07m; 3/4 e ½”, 0,10m; 1 1/2 e
grudadas nos grãos do leito filtrante. ¾”, 0,12m; 2 1/2 e 1 ½”, 0,15m.
Neste processo, ocorrem a expansão do Sob a camada de pedregulho fica o
leito filtrante e o transporte da sujeira sistema de fundo com dimensões e for-
antes retida pela água de lavagem. Essa ma que dependem do tipo selecionado
água suja efluente deve ter um destino pelo projetista, inclusive algumas tradi-
adequado e, dependendo da escassez cionais, como o tipo Manifold.
de água, deve ser recuperada para novo Como resultado, tais filtros apre-
tratamento. sentam uma boa remoção de bactérias
Para filtros de fluxo operacional (90 a 95%), grande remoção de cor e
descendente, durante a lavagem, a água turbidez, pouca remoção de odor e sa-
deve atingir taxas da ordem de 800 a bor. Como vantagens, são citados maior
1300m3/m2 dia, durante seis a 10 minu- rendimento, menor área, aproveitamen-
tos, conforme a necessidade de limpeza to de águas de pior qualidade; e como
e a quantidade de sujeira. Emprega-se desvantagens, requerem um controle
água completamente tratada, de prefe- rigoroso da Estação de Tratamento de
rência com o mesmo pH da encaminha- Água (ETA), pessoal habilitado e espe-
da aos filtros para filtração, proveniente cializado, casa de química, laboratório
de um reservatório em cota mais alta, de análise, além de um significativo con-
também pode ser feito por meio de sumo de água tratada, que pode atingir
bombas, em situações menos comuns. cerca de 8% da produção diária de água
tratada em uma ETA.
Filtro rápido convencional de
areia Filtração em leitos duplos (areia
mais antracito)
Os filtros rápidos convencionais de
areia, fluxo descendente, apresentam as A estrutura dos filtros compreende
seguintes características: as seguintes camadas:
1. taxa de filtração: 120m3/m2.dia; 1. altura livre acima da água: 0,20 a
2. lavagens uma a duas vezes por dia, 0,40m;
tempo de 10 minutos, taxa de 800 2. camada de água a filtrar: 1,40 a
a 1300m3/m².dia, consumo aproxi- 1,80m;
mado de 6% da água produzida. 3. camada de antracito: 0,45 a 0,60m;
A camada de pedregulho, suporte 4. camada de areia: 0,20 a 0,30m;
do leito filtrante, deve ter uma altura 5. camada de pedregulho: 0,20 a
aproximada de 50cm e ser constituída 0,50m;
na seguinte granulométrica, de cima 6. altura total: 2,45 a 3,60m.
Recursos hídricos na agropecuária 51
Sob a camada de pe- direta possibilita econo-
Depois de filtrada,
dregulho fica o sistema mia de 20% a 40% na
a água deve receber
de fundo, com dimen- construção de estações
a adição de cal para
sões que dependem do de tratamento.
correção do pH, a
tipo selecionado.
desinfecção por cloro e a
Os materiais filtran-
fluoretação. Desinfecção
tes devem seguir a se-
guintes especificações: A desinfecção é o
1. tamanho efetivo da areia: 0,4 a processo de tratamento para a elimi-
0,5mm; nação dos microrganismos patogêni-
2. coeficiente de uniformidade: infe- cos eventualmente presentes na água.
rior a 1.55; Quase todas as águas de abastecimen-
3. tamanho efetivo do antracito: 0,8 a to são desinfetadas para melhoria da
1,0mm. qualidade bacteriológica e segurança
sanitária.
Depois de filtrada, a água deve re-
Filtração direta
ceber a adição de cal para correção do
Excepcionalmente, em situações pH, a desinfecção por cloro e a fluo-
em que certas águas apresentam con- retação. Nesta fase, a desinfecção por
dições favoráveis, o tratamento pode cloro é frequentemente chamada de
prescindir da decantação, procedendo- pós-cloração. Só então ela está própria
para o consumo, garantindo a inexis-
-se diretamente à filtração rápida. São
tência de bactérias e partículas nocivas
casos em que a turbidez não ultrapassa
à saúde humana, que poderiam provo-
as 40 unidades e a cor não exige dosa-
car surtos de epidemias, como de cólera
gens significantes de coagulante. As ou de tifo. É essencial o monitoramento
águas provenientes de reservatórios de da qualidade das águas em laboratórios,
acumulações, com baixa turbidez e pe- durante todo o processo de produção e
quena variação de qualidade durante o distribuição.
ano, são as mais indicadas para esse tipo A ação por oxidação consegue-se
de tratamento. empregando MnO4K, H2O2 e O3, e a
Nesses casos, após a mistura rápi- ação por envenenamento tratando-se
da, pode-se proceder à coagulação em com halogênios: Fl, Cl, Br e I ou com-
floculadores de detenção relativamente postos destes, como, por exemplo, o hi-
curta, em cerca de 15 minutos; a taxa de poclorito de cálcio. O tratamento com
filtração pode ser maior do que a usual ultravioleta define-se como ação física,
e o consumo de água para lavagem dos embora este tratamento seja mais em-
filtros é mais elevado. Porém, a filtração pregado na esterilização.
52 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
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6. VON SPERLING, M. Introdução à qualida- Acessado em: 20 mar. 2012.
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1. 2005. 452 p. Ensino Agrícola, 1984. 54p.

Recursos hídricos na agropecuária 53


Caracterização de águas
residuárias em sistemas
de produção animal

bigstockphoto.com
Luciano dos Santos Rodrigues1*,
Israel José da Silva1,
Bruna Coelho Lopes2

1
Escola de Veterinária - Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte, MG
2
Médica veterinária autônomo
*Autor para correspondência
E-mail: lsantosrodrigues@gmail.com

Introdução há pouco tempo, tinha como foco a pro-


dução sem levar em conta o consumo,
A água é um recurso estratégico e
o desperdício e a poluição deste recurso
um bem que deve ser melhor trabalha-
natural.
do nos sistemas de produção animal. A Através dos séculos, a complexidade
formação de profissionais nas áreas de dos múltiplos usos da água pelo homem
ciências agrárias (médicos veterinários, aumentou e produziu enorme conjunto
zootecnistas, engenheiros agrícolas, en- de degradação e poluição ambiental1. É
genheiros florestais e agrônomos), até falsa a aparente concepção de que a água
54 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
doce é abundante. Somente 3% da água Na agropecuária, a contaminação de
do planeta é disponível como água doce. águas superficiais e subterrâneas estaria
Destes 3%, cerca de 75% estão congela- como prioridade número um. As lagoas
dos nas calotas polares e cerca de 10% de estabilização, as celas de composta-
estão nos aquíferos. Portanto, somente gem de resíduos e de carcaças podem
15% dos 3% de água doce do planeta es- contaminar as águas subterrâneas por
tão disponíveis1. transbordamento em
A história do uso da A água foi também épocas de chuva, por
água em sistemas de pro- utilizada como mau acondicionamen-
dução animal é comple- ferramenta de limpeza to na confecção das la-
xa e teve, nos últimos 50 e redução de custos de goas, bioesterqueiras e
anos, várias reviravoltas mão de obra. percolação.
na forma de inclusão e A utilização de deje-
utilização nas diversas formas de mane- tos de suínos para adubação pode me-
jo (sistemas extensivos, semiextensivos, lhorar a aeração, porosidade e retenção
confinados, semiconfinados, criação no de água, entretanto sua aplicação pode
solo, sobre gaiolas, pisos suspensos ripa- acarretar problemas de salinização ou
dos ou semirripados, em camas sobre- desequilíbrio de nutrientes. As concen-
postas,...). A água foi também utilizada trações de alguns elementos são da or-
como ferramenta de limpeza e redução dem de 8,10 a 52,27kg/m³ de DBO, os
de custos de mão de obra quando usada teores de nitrogênio de 1,40 a 2,7kg/m³,
como lâmina d’água e flushing em siste- o fósforo de 0,47 a 0,94kg/m³ e a maté-
mas de produção de suínos e bovinos ria seca da ordem de 2,9 a 5,7%.
confinados, respectivamente. O rebanho brasileiro de suínos e
As atividades de produção animal, aves gera anualmente 105 milhões de
quando o assunto é a utilização dos re- m³ de dejetos líquidos e 7,8 milhões
cursos hídricos, para a expansão do cres- de toneladas de cama de aviário. A reu-
cimento e para atender a tilização destes poderá
demanda de desenvol- Dejetos de suínos proporcionar 680.000 t
vimento econômico da para adubação pode de N, 660.000 t de P2O5
atividade, geralmente melhorar a aeração, e 440.000 t de K2O, que
resultam em subprodu- porosidade e retenção representam, aproxima-
tos (resíduos) que não de água, entretanto damente, 27%, 21% e
agregam valor e que, sua aplicação pode 12% do total anual con-
invariavelmente, vão acarretar problemas sumido de N, P e K na
comprometer em maior de salinização ou agricultura brasileira2.
ou menor grau o meio desequilíbrio de No senso comum,
ambiente. nutrientes. toda e qualquer ativida-
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 55
de que gere poluição desagrega valor ao citando o consumo de produtos
seu produto. Mundialmente, o desen- químicos e as fontes de água do seu
volvimento deve caminhar para a forma uso.
sustentável de produção. 4. Emissões: devem ser incluídos os pa-
Logo, sob esta nova égide da água râmetros de Demanda Bioquímica
como bem finito, sistemas que geram de Oxigênio, Demanda Química
desperdício ou consumo excessivo Oxigênio, Oxigênio Dissolvido,
tornar-se-ão inviáveis num planeta Sólidos Dissolvidos Totais, etc. Se
que cada vez mais legisla sobre o im- os efluentes forem utilizáveis para
pacto destes nos rios, lagos, represas e fertirrigação, a composição e o tipo
oceanos. de fluxo hidráulico (contínuo ou
descontínuo) devem ser descritos.
Classificação e exigências 5. Águas pluviais: as precipitações mé-
legais dias da área do projeto devem ser
Segundo o COPAM relatadas, e a destinação
(Conselho Estadual de dada às águas pluviais.
As descrições exigidas
Política Ambiental), os 6. Sistema de
pelo COPAM levam
projetos de produção controle de tratamento
em consideração que,
animal devem ser con- de efluentes líquidos: a
dependendo do clima
cebidos seguindo as se- da região, os parâmetros relação de todos os siste-
guintes etapas: mas de tratamento com
de projeto podem não
1. Informações espe- as respectivas capacida-
atender a demanda da
cíficas do empreen- des e motivo de esco-
atividade.
dimento, constando lha, a área a ser usada e
área construída e o volume e composição
área total e o tipo de mão de obra físico-química dos efluentes.
empregada na atividade. 7. Junto, devem estar anexados os cro-
2. Processos produtivos: é necessário quis e o mapa das construções e a
anexar o layout do empreendimen- disposição final dos efluentes líqui-
to, descrevendo os equipamentos dos, sólidos e para fertirrigação, a
a serem utilizados, como filtros, análise e o monitoramento destes.
bombas, tanques e o fluxo do pro- As descrições exigidas pelo COPAM
cesso com o tempo da operação e os levam em consideração que, dependen-
produtos intermediários e finais por do do clima da região, os parâmetros de
mês. projeto podem não atender a demanda
3. Insumos e produtos: o consumo da atividade. Por exemplo, a demanda
de rações por fase de produção e de água por matriz numa suinocultura
matéria- prima usada na confecção, de clima quente e seco é totalmente di-
56 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
ferente do consumo de um clima frio e e da existência ou não de sistemas de
úmido. As espécies, as fases de criação, isolamento para evitar a incorporação
a forma de criação (confinada ou solta) de águas pluviais3.
e o tipo de projeto (canaletas, calhas, lâ- A incorporação de água aos dejetos
mina d’água) interferem diretamente na frescos, a fim de facilitar o transporte e,
concepção do projeto. principalmente, a aplicação desses resí-
duos em áreas de cultivo agrícola, tem
Características físicas, sido prática frequente em muitos países,
químicas e biológicas dos notadamente nos que têm mais avan-
efluentes çada tecnologia agropecuária. Nesses
países, até a “cama” de frango tem rece-
Criatórios animais bido água para tornar o resíduo líquido,
facilitando, dessa forma, sua aplicação
Caso, nos criatórios de animais, te- no solo3.
nha se optado pelo manejo de resíduos Em suinoculturas, nas quais o dejeto
produzidos na forma líquida (liquame, é transportado por meio
com concentração de hidráulico, geram-se, em
sólidos totais de 8 a 15 A vazão de águas média, entre 8 e 25 litros
g/L), ou água residuá- residuárias geradas na de águas residuárias por
ria, com concentração criação de animais é animal por dia. A pro-
de sólidos totais menor função do número de dução diária de águas
que 8g/L, as quanti- animais confinados, residuárias na bovino-
dades produzidas e as da quantidade de cultura confinada está
características do resí- água desperdiçada em torno de 4,6g/kg-1
duo serão alteradas pela nos bebedouros, da da massa viva do animal.
diluição proporciona- quantidade de água Ovinos geram, por dia,
da pela adição de água. usada na higienização o equivalente a 3,6g/kg
Além disso, as quantida- das instalações e de sua massa viva como
des produzidas variam transporte hidráulico dos água residuária3.
com o período do ano, dejetos. As características
dia da semana e horário químicas e físicas das
do dia. No geral, a vazão de águas resi- águas residuárias de criatórios de ani-
duárias geradas na criação de animais é mais são altamente variáveis, uma vez
função do número de animais confina- que dependem da digestibilidade e da
dos, da quantidade de água desperdiça- composição da ração, além da idade dos
da nos bebedouros, da quantidade de animais. A concentração de sólidos to-
água usada na higienização das instala- tais é dependente da diluição imposta
ções e transporte hidráulico dos dejetos aos dejetos pela água usada na higieni-
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 57
zação das baias, e como fluido transpor- material orgânico (DBO de 5.000 a
tador, perdas em bebedouros e existên- 20.000mg/L) e sólidos totais, estando
cia ou não de sistema para a condução a composição química básica do liqua-
em separado das águas pluviais3. me, produzidos em unidades de cres-
cimento e terminação (animais de 25 a
Procedimentos para 100kg)3.
caracterização dos efluentes Os sistemas de produções de suínos
não domésticos do Brasil propiciam elevada produção
de dejetos líquidos, gerando problemas
Caracterização quantitativa: ba-
de manejo, armazenamento, distribui-
lanço hídrico nas indústrias; informa-
ção e poluição ambiental. A concepção
ções sobre o regime de descarte:
das edificações, alimentação, tipo de
1. Vazões máxima, média e mínima
bebedouros, sistema de limpeza e ma-
da(s) corrente(s) de efluentes quan-
nejo determinam, basicamente, as ca-
do de descartes contínuos;
racterísticas e o volume total dos deje-
2. Volume e periodicidade de descar-
tos produzidos. Considerando-se esses
tes quando das operações por bate-
aspectos, deve-se prever a instalação de
ladas (batch);
bebedouros adequados, a aquisição de
3. Amplitudes e parâmetros passíveis
equipamentos de limpeza de baixa va-
de leitura em campo, tais como con-
zão e alta pressão e a construção de sis-
dutividade, pH, sólidos sedimentá-
temas que escoem a água de desperdício
veis, temperatura, etc.
dos bebedouros e de limpeza para sumi-
4. Caracterização qualitativa: na in-
douros e que evitem a entrada da água
dústria, de modo geral, pode-se
do telhado e das enxurradas nas calhas e
dizer que os despejos variam de
esterqueiras4.
acordo com a proporção de diversi-
A quantidade total de dejeto pro-
ficação dos processos. Geralmente
duzido por um suíno em determinada
são divididos entre efluentes predo-
fase do seu desenvolvimento é um dado
minantemente orgânicos e efluentes
fundamental para o planejamento das
predominantemente inorgânicos.
instalações de coleta e estocagem, bem
5. Em uma mesma indústria, pode
como a definição dos equipamentos a
ocorrer, concomitantemente, a
serem utilizados para o transporte e a
geração de efluentes orgânicos e
distribuição dele na lavoura. As quanti-
inorgânicos.
dades de fezes e urina são afetadas por
fatores zootécnicos (tamanho, sexo, raça
Suinocultura e atividade), ambientais (temperatura e
As águas residuárias da suinocul- umidade) e dietéticos (digestibilidade,
tura contêm grande quantidade de conteúdo de fibra e proteína).
58 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Tabela 1 - Produção média diária de dejetos nas
diferentes fases produtivas dos suínos5
Categoria Esterco Esterco + urina Dejetos líqui-
(kg/dia) (kg/dia) dos (litros/dia)
Suínos 25 a 100 kg 2,30 4,90 7,00
Porcas gestação 3,60 11,00 16,00
Porcas lactação + leitões 6,40 18,00 27,00
Cachaço 3,00 6,00 9,00
Leitões na creche 0,35 0,95 1,40
Média 2,35 5,80 8,60

Tabela 2 - Quantidade estimada de dejetos líquidos de suínos produzidos


diariamente de acordo com o sistema de produção.
Tipo de sistema de produção Quantidade diária de dejetos
Ciclo completo 85 litros / matriz
Unidade de produção de leitões (UPL) 45 litros / matriz
Terminador 9,0 litros / matriz

A Tabela 1 apresenta a produção Bovinocultura


diária de dejetos, de acordo com a cate-
goria dos suínos, e a Tabela 2 a variação A geração de resíduos na bovino-
da produção de dejetos em função do cultura de leite advém principalmen-
sistema de produção. te do esterco (puro e/ou diluído com
O conteúdo de água) recolhido na sala
.
água é um dos fato- de ordenha e do esterco
A geração de resíduos
res que mais afeta as na bovinocultura de leite mais cama dos estábulos.
características físico- Quando o gado leiteiro é
advém principalmente manejado em instalações
-químicas e a quanti- do esterco (puro e/
dade total de dejetos. do tipo free stall, o mane-
ou diluído com água) jo do esterco pode ser
Assim sendo, os valo- recolhido na sala de
res de produção total feito na forma líquida,
ordenha e do esterco
dos dejetos de suínos mais cama dos estábulos. semisólida e sólida. Se o
somente poderão ser regime de confinamento
avaliados corretamen- é total e a opção é por
te quando se considerar também o seu esterco líquido, todos os dejetos (fezes
grau de diluição. mais urina mais água) serão coletados6.
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 59
A produção intensiva na pecuária 1,5 e 2,2, respectivamente11,14. A densi-
enfrenta grandes desafios para estabe- dade média do esterco fresco de vacas
lecer o equilíbrio das estreitas relações em lactação é de 1.005 kg/m3. Vacas
que existem entre a produção intensi- Holandesas em lactação, com 567kg de
va, a saúde animal e a sustentabilidade peso vivo médio, ingerindo uma alimen-
ambiental7. tação fixa de 20kg de matéria seca por
A geração de dejetos bovinos lei- animal, por dia, e 16kg de matéria seca
teiros é altamente dependente do con- por 454kg de peso vivo, apresentam
sumo de alimentos, que, por sua vez, uma relação média de F/U, nas deje-
relaciona-se à produção diária de leite. ções de 1,6 com uma variação de 1,4 a
Estima-se que vacas Holandesas, con- 1,9. Alguns valores característicos dessa
sumindo em média 18,7kg de matéria produção podem ser vistos na Tabela 3.
seca/dia e produzindo em torno de Na bovinocultura de corte, existem
22kg de leite/dia, gerem diariamente dois sistemas de criação dos animais: o
62,48kg de fezes mais urina8. sistema extensivo, no qual os animais
Desde há algum tempo, vem se fa- são criados a pasto e, portanto, não se
zendo o manejo de estrumes em forma tem controle no manejo do dejeto gera-
líquida, proveniente da mistura de sóli- do, e o sistema intensivo, em que os ani-
dos, líquidos e água de limpeza das ins- mais são criados em confinamento total
talações e equipamentos, reduzindo os e o dejeto é totalmente recuperado, por
custos da extração diária dos resíduos e meio de raspagem e sem necessidade
permitindo a mecanização simples des- da utilização de água. Por predominar a
ta operação9. criação a pasto, são encontradas dificul-
A produção diária de dejetos fres- dades relacionadas às coletas de dados
cos (sólidos e líquidos) por animais de de quantificação e caracterização dos
raças leiteiras é da ordem de 8-11% de dejetos gerados pela bovinocultura de
seu peso vivo, com teor 10-12% de ma- corte, observando-se que existe maior
téria seca9,10,11,12,13. A relação fezes/urina quantidade de trabalhos na bovinocul-
(F/U) nas dejeções de gado leiteiro é de tura leiteira.

Tabela 3 - Parâmetros de carga poluidora, das dejeções


totais de vacas leiteiras, por unidade de animal por dia15.
Parâmetros Autores
(mg/kg) MWPS-7 (1974) ASAE 384 (1983) van Horn (1992)
DBO 20.730 20.847 15.419
DQO 110.976 111.309 106.119
Sólidos totais 126.829 126.344 115.766
Sólidos voláteis 104.878 102.151 96.472
60 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
De maneira geral, a quantidade de deias produtivas agrícolas e pecuárias.
dejetos produzidos por bovinos de cor- Conceitualmente, ela é dividida em três
te é inferior à quantidade produzida por partes: “dentro da porteira” (produto-
bovinos de leite, principalmente quan- res rurais), “pré-porteira” (indústria ou
do se toma com base animais em pas- comércio de insumos) e “pós-porteira”
tejo, sistema predominante no Brasil; (beneficiamento e venda dos produtos
para animais de 450kg de peso, bovinos agropecuários até o consumidor final).
de corte excretam 8,5 toneladas/ano e
bovinos de leite 12 toneladas/ano de Descrição dos processos
dejetos frescos16. produtivos
Caracterização dos Abatedouro
efluentes da agroindústria
No segundo semestre de 2010, fo-
ram abatidas 7,587 milhões de cabeças
Perfil do setor
de bovinos, alta de 7,2% com relação
A agroindústria é definida como a ao trimestre imediatamente anterior e
indústria que beneficia matéria-prima de 10% na comparação com o mesmo
oriunda da agricultura e da pecuária. Por período de 2009. O abate de frangos
isso, tem uma característica peculiar de foi 1,236 bilhões de unidades, alta de
agregar as duas fases da produção, pois 2,4% frente ao trimestre imediatamente
o ritmo da produção industrial obedece anterior e de 5,8% em relação ao mes-
ao da produção natural. O setor agroin- mo período de 2009. O abate de suínos
dustrial17 apresentou resultados posi- cresceu 3,3% em relação ao trimestre
tivos nos dois primeiros períodos de anterior e 6,6% na comparação com o
2010. No primeiro trimestre, houve um mesmo período de 2009. Com isso, a
crescimento de 5,2%, produção somou 8,067
enquanto no segundo Todas as etapas do milhões de cabeças.
foi de 6,7%. Esses resul- abate, há a geração de Desde o terceiro trimes-
tados alcançados foram resíduos e efluentes. tre de 2008, o volume de
decorrentes tanto do suínos abatidos vem su-
crescimento da agricul- perando o de bovinos17.
tura, de 2,6% para 5,5%, quanto do cres- O processo produtivo do abate
cimento da pecuária, de 2,8% para 5,8%. de bovinos está resumido no fluxo-
Do ponto de vista econômico, a grama acima. Praticamente, em to-
agroindústria está inserida no agro- das as etapas do abate, há a geração de
negócio, que incorpora a relação co- resíduos e efluentes. Todo o abate é re-
mercial e industrial e engloba as ca- gido pela legislação federal, o RIISPOA
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 61
Figura 3. Fluxograma básico do abate de bovinos18.

(Regulamento de Inspeção Industrial que, neste tempo, cerca de 60% de todo


de Produtos de Origem Animal). De o sangue circulante do animal é elimi-
acordo com tal regulamento, os animais nado. Esta é uma etapa importante por-
devem ser descarregados na recepção/ que o sangue é um resíduo conhecido
curral, onde, em jejum e em dieta hídri- pelos altos teores de DBO (Demanda
ca, aguardam o abate. Os dejetos pro- Bioquímica de Oxigênio). Segundo
duzidos e a lavagem de caminhões, por Johns (1995), a DBO do sangue in natu-
questões sanitárias, são alguns resíduos ra é cerca de 150-200g/L, e cada bovino
gerados nesta etapa. com 600kg de peso vivo perde, aproxi-
Após o descanso, inicia-se o proces- madamente, 20-25 litros de sangue du-
so do abate. Os animais são atordoados rante a sangria18.
por concussão cerebral, passam para a Depois da sangria, há a retirada dos
área de vômito onde são içados pelos cascos, chifres e couro, conhecida como
pés. A sangria é feita rapidamente e, pela esfola. Após seccionar a pele, o couro
legislação, deve demorar aproximada- passa pelo roloteamento e, através de
mente três minutos. Estudos relatam shunts, é destinado a curtumes. Se não
62 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
houver destinos mais nobres, cascos e particularidades. Há algumas décadas,
chifres seguem para a graxaria. o processamento do frango foi marcado
Durante a evisceração, as vísceras por mudanças na indústria com melho-
comestíveis e não comestíveis são sepa- ras na eficiência do processo produtivo.
radas das carcaças. Os miúdos são ins- Nos dias atuais, a automação das indús-
pecionados e liberados para consumo. trias realiza abate de milhares de cabeças
As vísceras não comestíveis e o conteú- diárias. O sangue coletado na sangria re-
do ruminal são, através dos shunts, desti- presenta 2% do peso vivo de cada frango,
nados à graxaria. É importante salientar cerca de 40g/frango. Depois da sangria,
que, durante a inspeção e na fase de aca- para facilitar a remoção das penas, os
bamento, limpezas são feitas na carcaça frangos são escaldados em imersão em
para retirada de partes condenadas e de água quente. As penas são retiradas por
excesso de gordura, que também são re- depenadeiras e representam 10% do peso
síduos destinados à graxaria. vivo. Subsequente à evisceração, a produ-
O abate de frangos possui algumas ção de subprodutos são: cabeça (6,9 %),

Figura 4 - Fluxograma da indústria de processamento18.


Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 63
pé (4,4%) e víscera (10%). Após o aba- Indústria de processamento
te, o peso médio da carcaça é de 1,4kg.
Uma indústria de processamento,
Depois, ela segue para o “chiller” para
independentemente do abatedouro,
conter o crescimento bacteriano19.
produz um efluente diferente das indús-
Os subprodutos do abate e os re-
trias que possuem abate-
síduos podem conter
douro integrado.
uma variedade de 100 Os subprodutos do abate
e os resíduos podem O fluxograma acima
espécies diferentes de
descreve as principais
microrganismos pato- conter uma variedade de
100 espécies diferentes etapas do processo de
gênicos que contami-
de microrganismos industrialização da car-
nam as penas, os pés, o
patogênicos . ne. As meias carcaças,
conteúdo intestinal e os
oriundas do abatedouro,
equipamentos do aba-
chegam às indústrias de
tedouro. Entre os patógenos principais
processamento resfriadas ou congela-
estão a Salmonella sp., o Staphylococcus
das. O tipo de corte será de acordo com
sp. e o Clostridium sp. Os produtos ori-
as necessidades do mercado consumi-
ginados das aves possuem uma probabi-
dor. O corte pode ser temperado ou
lidade maior de conter Salmonella sp. e
não, e os retalhos produzidos e a carne
Campylobacter sp. 19.
mecanicamente separada são destina-
Os efluentes de abatedouro pos-
dos à salsicharia.
suem altos valores de DBO e DQO,
Os efluentes da indústria de proces-
parâmetros utilizados para quantificar a
samento da carne possuem altos teores
carga poluidora orgânica nos efluentes,
de nitrogênio e DBO, principalmente
além dos sólidos em suspensão, graxas
amônia, mas são pobres em fósforo, em
e material flotável. Fragmentos de car-
contraste com as águas residuárias de
ne, de gordura e vísceras normalmente
abatedouro. A concentração de amônia
podem ser encontrados nos efluentes.
pode variar significantemente entre o
Portanto, juntamente com o salgue, há
verão e o inverno20.
material altamente putrescível nestes
efluentes, que entram em decomposi-
ção poucas horas depois de sua gera-
Graxaria
ção, tanto maior quanto mais alta for a O fluxograma abaixo (Figura 5)
temperatura ambiente. Caso o sangue mostra as principais etapas da graxaria,
de um único bovino fosse descartado que industrializa material proveniente
diretamente na rede, o acrescimento de de abatedouro de bovinos e suínos. O
DQO no efluente seria equivalente ao material utilizado pelas graxarias são
do esgoto total produzido por cerca de ossos, restos/aparas de carne e de gor-
50 pessoas em um dia18. duras, vísceras não comestíveis e conde-
64 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
nações. Esse material é, primeiramente, e no transporte. O sal provoca desidra-
fragmentado e moído para facilitar a re- tação da pele, resultando em um peso de
moção da medula óssea e o cozimento. 20-30kg por unidade18.
Depois, vai direto para as caldeiras onde Na etapa da ribeira, o pré-molho e
permanece sob vapor indireto, assim a descarne são etapas físicas de remoção
gordura se torna líquida, facilitando seu de impurezas da pele. A fase da ribei-
recolhimento. O cozimento, normal- ra é a responsável pela maior parte das
mente, é realizado sob pressão, em tem- cargas poluentes e tóxicas dos efluentes
peraturas de 120 a 150ºC, com tempos de curtumes. Para a retirada dos pe-
que variam de uma a quatro horas. los, é realizado um banho de 17 horas,
O material que sai do cozimento com agitação periódica, numa solução
é prensado ainda quente, para que se contendo água, sulfato de sódio e cal
extraia o máximo de gordura possível. hidratada21.
Após a prensagem, é novamente moído Substâncias químicas residuais de
para ser esterilizado. Depois, segue para sulfetos, que são utilizados no caleiro,
o peneiramento e a embalagem. combinam-se ao meio alcalino forman-
do gás sulfídrico; são tóxicos e responsá-
Curtume veis pelo odor dos curtumes. Em meio
alcalino forte, não há liberação de H2S,
A aquisição de couro cru de bovi- mas, quando esses despejos se mistu-
no foi de 9,157 milhões no segundo ram com os despejos ácidos das fases
semestre, 7,7% acima do verificado no subsequentes, há, de imediato, o apare-
primeiro trimestre e 12,3% maior que o cimento do mau cheiro.
alcançado no mesmo período de 2009. É na fase do curtimento que as fibras
A principal origem do couro adquiri- da pele irão se transformar em um pro-
do foram os matadouros frigoríficos duto imputrescível, o couro. Diversos
(63,0%)17. reagentes podem ser utilizados, como
taninos vegetais e sintéticos, cromo, sais
As etapas de transformação da pele
de alumínio, etc. No Brasil, o principal
em couro consistem, basicamente, em
produto usado em seu curtimento é o
ribeira, curtimento e acabamento. As
cromo (em 95,6% dos casos); apenas
peles podem chegar ao curtume de duas
4,1% do couro é curtido usando-se o
maneiras: verdes, quando não possuem
tanino17.
nenhum tipo de tratamento prévio e
seu peso é de 35-40kg por unidade; ou Algumas medidas específicas no
curadas, quando, ainda no abatedouro, processo produtivo do couro podem ser
são intercaladas com camadas de sal e adotadas para a redução significativa da
inseticidas para auxiliar na conservação geração de poluentes. Durante a con-
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 65
servação e o armazenamento das peles,
pode-se empregar a recuperação do sal.
A quantidade de sal utilizado na con-
servação é cerca de 40-50% em relação
ao peso bruto das peles, sendo possível
recuperar de 1,5 a 2,0kg/pele, no bati-
mento manual das peles. A diminuição
do sal nos efluentes tratados melhora a
tratabilidade biológica, diminui a carga
final de sal lançada no efluente e gera
economia de insumos.
Outra medida é a reciclagem dos ba-
nhos de depilação/caleiro, que consiste
na recuperação do banho residual de
um lote de peles e seu uso no processo
de depilação do lote seguinte. Com esta
medida, é possível recuperação de até
80% do volume do banho principal. O
Figura 5. Fluxograma da graxaria. banho reciclado não implica qualquer

Figura 6. Fluxograma de um curtume18,21.

66 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012


tipo de prejuízo na qualidade do produ- DQO filtrada. O tratamento biológico é
to final18. recomendado23.
Os laticínios são uma das maiores
Laticínio fontes de poluição no
Egito e, geralmente, pos-
A aquisição de Os efluentes de laticínio suem águas residuárias
leite somou 4,906 apresentam altos caracterizadas por altos
bilhões de litros no teores de óleos e graxas valores de DBO e DQO,
segundo semestre e se caracterizam que representam carga
de 2010, sendo que pela presença de orgânica. Esse tipo de
o Estado de Minas sólidos suspensos, efluente causa problemas
Gerais adquiriu 27,8% matéria orgânica e em plantas de tratamento
do total17. odor, originados pela de esgotos doméstico por
Os pontos de ge- decomposição da caseína causa da sua elevada carga
ração de efluentes orgânica23.
(Figura 7) são: lava-
gem e limpeza de produtos remanes-
Consumo de água
centes em caminhões, latões, tanques,
linhas, máquinas e equipamentos, além O principal fator que afeta o volume
de derramamentos, vazamentos e des- de água consumido na agroindústria são
carte de produtos. Os as práticas de lavagem. Os
efluentes de laticínio regulamentos técnicos,
apresentam altos teo-
O principal fator que como o RIISPOA, exigem
res de óleos e graxas
afeta o volume de o uso de água potável com
e se caracterizam pela
água consumido na mínimo de cloro residual
presença de sólidos
agroindústria são as para operações de utiliza-
suspensos, matéria or-
práticas de lavagem. ção, lavagem e enxágue. A
gânica e odor, origina- escolha dos detergentes
dos pela decomposição da caseína e va- e/ou sanitizantes deve considerar, além
riações de temperatura, provocadas por da sua finalidade principal (limpeza e
etapas produtivas específicas. higienização), os possíveis efeitos na es-
Os efluentes de laticínios têm sido tação de tratamento de efluentes líqui-
extensivamente tratados quimicamente dos industriais.
utilizando-se técnicas de coagulação/ O consumo de água na agroindús-
filtração e sedimentação. A principal tria pode ser resumido na tabela 4:
desvantagem deste método são os
altos custos do coagulante, a alta pro- Lançamento in natura
dução de lodo e a baixa remoção de
A matéria orgânica, ao ser lançada
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 67
no corpo de água, provoca o consumo metabolismo e o consumo de oxigênio
de oxigênio dissolvido pelos microrga- na cadeia respiratória.
nismos presentes devido ao seu cresci- Os microrganismos responsáveis
mento exacerbado pelo excesso de nu- pela decomposição da matéria orgânica
trientes. A necessidade de aumentar a são também chamados de heterótrofos
massa populacional aumenta também o saprófitas (bactérias, protozoários, fun-

Figura 7 – Fluxograma de laticínio22.

Tabela 4 - Consumo de água nas atividades agroindustriais24.


Setor Consumo de água
Abatedouro 2500L/cabeça
Curtume 630L/cabeça
Laticínio 4L/Kg de leite
Indústria de processamento 5L/kg salsicha
68 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Tabela 5 – Parâmetros físico-químicos de diversas atividades
agroindustriais18,20,27,28
Parâmetro Proces
Abatedouro Graxaria Laticínio Curtume
(mg/L) samento
DBO 1748 1600-3000 1723 1950 2350
DQO 3800 4200-8500 2207 3190 7250
N TOTAL 10-17 kg/
89 65-87 493 43
ton pele
P TOTAL 17 20-30 6,3 6,7
Óleos e 9-18kg/ton
100-200 100-200 109 263-690
graxas pele

gos,...). Eles utilizam a matéria orgânica Sólidos Sedimentáveis, ABS, óleos e


num processo de decomposição para graxas e pH26.
obtenção de energia e síntese de novas Quando os efluentes são lançados
células. Possuem como principais ca- no meio aquático sem qualquer tipo
racterísticas a decomposição de subs- de tratamento, dependendo da relação
tâncias complexas (proteínas) em subs- entre a vazão e o corpo receptor, geram
tâncias mais simples (aminoácidos) por uma série de prejuízos em relação à qua-
ação enzimática exógena; a obtenção de lidade da água. Além do aspecto visual,
energia basicamente pela oxidação da o mau cheiro e um acentuado declínio
glicose. Em resumo, se no corpo de água dos níveis de oxigênio dissolvido e a
houver disponibilidade de oxigênio, a produção de gases com sulfeto em sua
degradação dar-se-á por via aeróbia, se composição afetam diretamente a vida
não, por via anaeróbia. Lembrando que aquática e possibilitam a contaminação
a digestão anaeróbia é um processo mais de seres humanos e animais que entra-
lento e que normalmente produz mau rem em contato com a água.
cheiro pela intensa formação de gases25. A quantidade e a concentração dos
Os parâmetros de monitoramento despejos de uma determinada indústria
variam de acordo com as características variam dentro de amplos limites, depen-
físicas, químicas e biológicas de cada dendo dos processos de fabricação em-
efluente. Os efluentes da agroindústria pregados e dos métodos de controle dos
são conhecidos pelo alto conteúdo de despejos26.
material orgânico biodegradável asso- A demanda bioquímica de oxigênio
ciado com águas de lavagem que são (DBO) é o parâmetro mais usual de me-
ricas em detergentes e sanitizantes. Por dição da poluição orgânica. Esta deter-
isso, as análises mais requisitadas são minação envolve a medida de oxigênio
DBO, DQO, Sólidos Suspensos Totais, dissolvido utilizada pelos microrganis-
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 69
mos na oxidação bioquímica da maté- ma de nitrato, está associado a doenças
ria orgânica. No caso dos efluentes da como a meta-hemoglobinemia29.
agroindústria, é necessário realizar uma A determinação da forma predo-
série de diluições para se definir a mais minante do nitrogênio pode fornecer
adequada e, desta maneira, permitir que indicações sobre o estágio da poluição
o oxigênio e os nutrientes estejam dis- ocasionada por lançamento de esgotos
poníveis durante toda a incubação. Se a montante. Se esta poluição é recente, o
a amostra dos efluentes agroindustriais nitrogênio estará basicamente na forma
utilizar uma diluição baixa, pode acon- de nitrogênio orgânico ou amônia e, se
tecer que o oxigênio seja consumido antiga, basicamente na de nitrato. Nos
antes do período previsto, invalidando efluentes da agroindústria, as formas
o teste. predominantes são nitrogênio orgânico
A demanda química de oxigênio e amônia29.
(DQO) também é um parâmetro para Sob denominação de óleos e graxas
medir o conteúdo de matéria orgânica estão incluídas as gorduras, as graxas, os
das águas residuárias e naturais. Porém, óleos, tanto os de origem vegetal quanto
é um teste que superestima o teor de animal e principalmente dos derivados
matéria orgânica biodegradável, por- de petróleo. Essas substâncias, em gran-
que, em sua realização, também há o des quantidades, causam problemas nos
consumo da matéria orgânica inerte. No digestores, pois formam uma densa ca-
entanto, é um teste vantajoso porque a mada de espuma na superfície, atrapa-
DQO é determinada em apenas três ho- lhando o processo de biodegradação do
ras e a DBO em cinco dias25. lodo. Se essas gorduras não são degrada-
O nitrogênio é um componente de das no digestor anaeróbio e seguem para
grande importância em termos da gera- as unidades de desidratação do lodo,
ção e do próprio controle da poluição podem também dificultar a operação25.
das águas devido, principalmente, aos Por outro lado, nem toda gordura
seguintes aspectos: o nitrogênio é um é separada do esgoto nos decantadores
elemento indispensável para o cresci- primários, grande parte pode ficar na
mento das algas, podendo, por isso, em forma de emulsão finamente dividida.
certas condições, conduzir fenômenos Durante o subsequente ataque biológi-
de eutrofização de lagos e represas; ain- co, nas unidades de tratamento secun-
da, o nitrogênio, nos processos de con- dário, os agentes emulsificantes são ge-
versão da amônia a nitrito e deste a ni- ralmente destruídos25.
trato (nitrificação), implica o consumo Óleos e graxas são indesejáveis este-
de oxigênio dissolvido no corpo d´agua ticamente e interferem na decomposi-
receptor; o nitrogênio na forma da amô- ção biológica, principalmente em trata-
nia livre é tóxico para os peixes, e na for- mentos em que a remoção biológica é o
70 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Tabela 6 - Equivalente populacional da agroindústria29
Agroindústria Unidade de produção EP de DBO (habitan-
te/unidade dia)
Abatedouro 1 boi/2,5 porcos 10-100
Curtume 1 tonelada de pele 1000-3500
Laticínio com queijaria 1000L leite 100-800
Processamento de carne de boi 1 tonelada processada 20-600

principal meio. Os microrganismos res- ção de práticas de conservação da água,


ponsáveis pelo tratamento, geralmente, existência de pré-tratamento, etc. Desta
morrem se a concentração de óleos e forma, mesmo no caso de duas indús-
graxas for superior a 20mg/L25. trias que fabriquem essencialmente o
Diz-se, então, que cada indústria é mesmo produto, as vazões de despejos
um caso distinto e que, entre indústrias podem ser bastante diferentes entre si29.
do mesmo tipo, existem efluentes dife- O equivalente populacional (EP)
rentes. Pode-se fazer uma equivalência (Tabela 6) é um parâmetro que traduz a
entre carga orgânica (DBO) de despe- equivalência entre um potencial poluidor
jos orgânicos gerados pela atividade in- de uma indústria e uma determinada po-
dustrial em relação à contribuição nor- pulação, a qual produz a mesma carga po-
mal “per capita” de esgotos domésticos. luidora, em termos de matéria orgânica.
Esta relação denomina-se população
equivalente26. Referências
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escassez. São Carlos: RiMa, IIE, , 2003. 248p.
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J.F.S.; POLLDORO, J.C. Geração de resíduos nos
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doras no corpo receptor é fundamental 2010, Gurapari ES. Anais da FertBio, 2010.
para que se avaliem o impacto ambien- 3. MATOS, A.T. Tratamento de resíduos agroindus-
triais. In: curso sobre tratamento de resíduos
tal e a eficácia das medidas de controle.
agroindustriais. Fundação Estadual do Meio
Para tanto, são necessários os levanta- Ambiente, Universidade Federal de Viçosa,
mentos da área em questão, com análi- 2005.
ses contínuas das amostras de efluentes 4. DARTORA, V.; PERDOMO, C. C.; TUMELERO,
I.L. Manejo de dejetos de suínos. Boletim
e dos corpos d´água a montante e a ju- Informativo Pesquisa BIPERS, Embrapa Suínos
sante e outros. A quantificação dos po- e Aves/Extensão-EMATER-RS, n.11, ano 7,
luentes deve ser apresentada em termos 1998.
de carga. 5. OLIVEIRA, P.A.V. Manual de manejo e utilização
dos dejetos de suínos. Documentos. CNPSA-
A vazão de águas residuárias é fun- EMBRAPA, n.27, p.1-188, 1993.
ção precípua do tipo e porte da indús- 6. CAMPOS, A.T. Análise da viabilidade da reciclagem
tria, processo, grau de reciclagem, ado- de dejetos de bovinos com tratamento biológico, em
Caracterização de águas residuárias em sistemas de produção animal 71
sistema intensivo de produção de leite. 1997. 161p. técnico ambiental de abate de bovinos e suínos.
Tese (doutorado em Agronomia) – Faculdade Companhia de Tecnologia de Saneamento
de Ciências Agronômicas, Universidade Ambiental (CETESB), São Paulo. 2006.
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7. MTNEZ-ALMEIDA, J.; LUNA, A.M.; BARRERA, tion of organic solid poultry slaughterhouse wa-
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Zootécnicos. Departamento de Engenharia de 20. JOHNS, M.R. Developments in wastewater treat-
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18. PACHECO, J.W.; YAMANAKA, H.T. Guia 452p.

72 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012


Tratamento de águas
residuárias de sistemas
de produção animal

bigstockphoto.com
Luciano dos Santos Rodrigues, Israel José da Silva

Escola de Veterinária - Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte, MG


*Autor para correspondência
E-mail: lsantosrodrigues@gmail.com

Para a concepção e o dimensiona- a legislação ambiental, cuja exigência é


mento de sistemas de tratamento de de que ou o efluente atinja o padrão de
águas residuárias agro- lançamento (DBO - de-
pecuárias e agroindus- Para o dimensionamento manda bioquímica de
triais ou de qualquer de sistemas de oxigênio - de 60mg/L)
outra água residuária, tratamento de ou o sistema tenha efici-
devem-se definir, pri- águas residuárias ência de 85% na remoção
meiramente, o objetivo agropecuárias e de DBO e o lançamento
do tratamento, o nível agroindustriais ou de do efluente tratado não
do tratamento que se qualquer outra água venha a alterar a classe
quer alcançar e a desti- residuária, devem-se de enquadramento dos
nação do efluente tra- definir, primeiramente, o cursos d’água1.
tado. Caso se pretenda objetivo do tratamento, O tratamento de
lançar o efluente em o nível do tratamento águas residuárias é rea-
corpo receptor, o siste- que se quer alcançar e a lizado por meio de ope-
ma deve ser planejado destinação do efluente
rações físicas unitárias
de forma que se atenda tratado.
e processos químicos
Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal 73
e biológicos, que são
O tratamento de Preliminar
agrupados de forma a
águas residuárias pode O tratamento pre-
compor o sistema, cujo
ser classificado em liminar constitui uma
nível de tratamento de-
preliminar, primário, etapa inicial de trata-
penderá do conjunto
secundário e terciário mento das águas residu-
adotado.
árias, com o qual se visa
As operações físicas à remoção de sólidos grosseiros, óleos e
unitárias são métodos de tratamento graxas. Com este fim, têm sido usados
nos quais predomina a aplicação de pro- crivos, grades, telas e peneiras, desare-
cessos físicos, como gradeamento, mis- nadores ou caixas de areia e caixas de
tura, sedimentação, flotação e filtração. gordura.
Os processos químicos são méto- As principais finalidades da remo-
dos de tratamento em que a remoção ção dos sólidos grosseiros são proteger
ou conversão dos poluentes se faz pela os dispositivos de transporte das águas
adição de produtos químicos ou outras residuárias (bombas e tubulações) e das
reações químicas, como desinfecção, unidades de tratamento subsequente
precipitação e adsorção. ou, caso seja a única etapa de tratamen-
to, minimizar impactos em corpos re-
Os processos biológicos dependem
ceptores. A remoção de óleos e gordura
das condições em que se realiza a ati-
justifica-se por evitar a formação de in-
vidade biológica para remoção de po-
crustações nas tubulações e estruturas,
luentes, como processo de estabilização
além de facilitar o trata-
da matéria orgânica, no
mento subsequente da
qual os microrganismos Tratamento preliminar: água residuária.
se alimentam conver- remoção de sólidos O gradeamento é de
tendo a matéria orgânica grosseiros, óleos e graxas
fundamental importân-
em gases, água e outros
cia na remoção de par-
compostos inertes, além
tículas sólidas grosseiras das águas resi-
de tecido celular biológico que se sedi-
duárias, sendo necessário no tratamento
menta, formando o lodo.
preliminar de águas residuárias de aba-
tedouros de animais. A grade deverá ser
Níveis de tratamento inserida em um canal concretado e ser
instalada numa inclinação de 45° com a
O tratamento de águas residuárias
horizontal, a fim de facilitar sua limpeza.
pode ser classificado em preliminar, pri-
O espaçamento entre as barras da grade
mário, secundário e terciário (apenas
vai depender do diâmetro de partículas
eventualmente inserido em sistemas de
que se quer remover.
tratamento).
74 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
A remoção da areia porventura sólidos em suspensão é compreendida
contida nas águas residuárias é feita pelo material orgânico em suspensão.
por meio de unidades especiais deno- Assim, a sua remoção por processos
minadas desarenadores. O mecanismo simples, como a decantação, implica
de remoção da areia é simplesmente o na redução da carga de DBO dirigida
de sedimentação: as partículas de areia, ao tratamento secundário, facilitando
por apresentarem maior massa específi- a remoção deste parâmetro na unidade
ca do que a água e tamanho superior a secundária.
0,2mm, deverão sedimentar-se no reser- No tratamento primário, tem-se
vatório do desarenador, ficando retidas. por objetivo a remoção de sólidos em
É uma etapa importante no tratamento suspensão e que são passíveis de sedi-
de águas residuárias de confinamentos mentação, além de sólidos flutuantes.
animais e de algumas agroindústrias. Para que isso seja possível, podem ser
Além das unidades de remoção dos utilizados diversos tipos de decantado-
sólidos grosseiros, pode ser incluída, res primários.
também, uma unidade para a medição Nos decantadores, as águas residu-
da vazão. Têm sido utilizadas, com este árias fluem vagarosamente, de forma a
fim, calhas Parshall e vertedores (retan- permitir que os sólidos em suspensão,
gulares ou triangulares). de maior massa específica que o líqui-
do em tratamento, possam sedimentar-
-se, gradualmente, no fundo do tanque.
Primário
Essa massa de sólidos é denominada
O tratamento primário é, também, lodo primário.
uma etapa de tratamento parcial, po- Os materiais flutuantes, como gra-
dendo ser intermediário em sistema de xas e óleos, os quais têm uma menor
tratamento mais completo ou final, no massa específica que o líquido em tra-
caso de disposição da água residuária tamento e não foram removidos na cai-
no solo. As águas residuárias, após pas- xa de gordura, sobem para a superfície
sarem pelas unidades de dos decantadores, onde
tratamento preliminar, Após o tratamento são coletados e removi-
podem conter, ainda, primário, que é parcial, dos do tanque, deven-
grande quantidade de as águas ainda contém do ser conduzidos para
sólidos em suspensão grande quantidade de receberem tratamento
não grosseiros, os quais sólidos em suspensão, posterior (digestão ou
podem ser parcialmente que podem ser secagem em leitos de
removidos em unida- parcialmente removidos secagem).
des de decantação. Uma em unidades de As fossas sépticas
parte significativa desses decantação. e suas variantes, como
Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal 75
Figura 7 – Variantes do sistema de lagoas de estabilização2
76 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Figura 8 – Esquema e funcionamento do sistema de lodos ativados2

os tanques Imhoff, são


também formas de tra-
tamento de águas resi-
duárias consideradas
de nível primário. Essas
unidades de tratamento
são basicamente consti-
tuídas de um tanque de
sedimentação dimensio-
nado para remoção de
sólidos sedimentáveis. O
material retido permane-
ce no fundo do tanque,
em condições anaeró-
bias, e estabiliza-se após
alguns meses.

Secundário Figura 9 – Filtro biológico percolador2.


agropecuárias e as agroindustriais apre-
Em razão de apresentarem eleva- sentam maior aptidão para o tratamento
das concentrações de material orgâni- biológico.
co biodegradável, as águas residuárias No tratamento secundário, visa-se à
Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal 77
remoção de parte significativa do mate- moção de organismos patogênicos.
rial orgânico em suspensão fina (DBO De acordo com a forma predomi-
em suspensão), não removida no trata- nante pela qual se dá a estabilização da
mento primário, e de parte do material matéria orgânica, as lagoas costumam
orgânico na forma de sólidos dissolvi- ser classificadas em:
dos (DBO solúvel). Para cumprir estes 1. Lagoas anaeróbias: onde predo-
objetivos, são utilizados diversos siste- minam processos de fermentação
mas de tratamento biológico, destacan- anaeróbia; imediatamente abaixo
do-se: lagoas de estabilização, reatores da superfície, não existe oxigênio
anaeróbios, lodos ativados, filtros bio- dissolvido. Na verdade, tudo se pas-
lógicos e disposição controlada no solo. sa como num digestor anaeróbio ou
numa fossa séptica. Ocupam áreas
Lagoas de estabilizaçao menores que as lagoas facultativas,
As lagoas de estabilização consti- mas têm eficiência mais baixa na
tuem um processo de tratamento de es- remoção de DBO. A profundidade
goto que aproveita fenômenos naturais, fica em torno de 2,0 a 5,0 metros.
sendo mais indicadas para regiões de 2. Lagoas facultativas: onde ocor-
clima tropical. Neste sistema, a estabi- rem, de forma simultânea, pro-
lização da matéria orgânica é realizada cessos de fermentação anaeróbia,
pela oxidação bacteriológica e/ou redu- oxidação aeróbia e redução fotos-
ção fotossintética das algas. sintética. Há predominância de de-
As lagoas de estabilização apresen- composição anaeróbia devido ao
tam excelente eficiência de tratamento. depósito de lodo no fundo. A zona
A matéria orgânica dissolvida no efluen- aeróbia situa-se na parte superior, e
te das lagoas é bastante estável, e a DBO na zona intermediária encontra-se a
geralmente se encontra numa faixa de camada facultativa.  Sua profundi-
30 a 50mg/L; nas lagoas facultativas dade varia normalmente entre 1,0 e
(havendo uma separação de algas), esta 2,0 metros.
concentração pode reduzir-se para 15 a 3. Lagoas aeradas: é uma modalida-
30mg/L. de do processo de tratamento por
Atualmente se aceita que as lagoas lagoas onde o suprimento de oxigê-
devem cumprir dois objetivos prin- nio é realizado artificialmente, por
cipais: a proteção ambiental e, neste dispositivos eletromecânicos, com
caso, têm em vista principalmente a a finalidade de manter uma concen-
remoção da DBO ou da DQO (de- tração de oxigênio dissolvido em
manda química de oxigênio); e a pro- toda ou quase toda parte da massa
teção da saúde pública, visando à re- líquida, garantindo as reações bio-
78 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
químicas que caracterizam o pro- efluente elevada, coliformes fecais em
cesso. Devido ao menor tempo de excesso, mosquitos, etc.
detenção proporcionado pela aera- Como as lagoas abrangem normal-
ção artificial, a área ocupada chega
mente áreas extensas, as consequências
a ser até cinco vezes menor que as
do mau funcionamento podem atingir
lagoas facultativas. O lodo biológico
grandes comunidades, principalmente
que sai juntamente com o efluente
das lagoas aeradas precisa ser retido em relação ao mau cheiro. Isto seria pés-
antes do lançamento no corpo re- simo, pois comprometeria o processo
ceptor, utilizando-se para isso uma de tratamento de esgotos sanitários por
lagoa de sedimentação de lodo. Esta lagoas perante a opinião pública.
segunda unidade tem por objeti-
vo a retenção e a digestão do lodo Lodos ativados
efluente da lagoa aerada.
4. Lagoas de maturação: são unida- Trata-se de um processo de trata-
des dispostas após a lagoa faculta- mento em que a remoção de poluentes
tiva, com o objetivo, principalmen- se faz pela formação e sedimentação de
te, de aumentarem a remoção de flocos biológicos (lodo ativado). A ma-
organismos patogênicos, por meio téria orgânica é removida por bactérias
da ação dos raios ultravioletas do que crescem dispersas em um tanque
sol. Também reduzem sólidos em (tanque de aeração). A biomassa (bac-
suspensão, nutrientes e uma parcela térias) do tanque de aeração sedimenta-
de DBO. Algumas estações de trata- -se em um decantador a jusante (de-
mento contam com várias lagoas de cantador secundário), permitindo que
maturação, dispostas em série após o efluente saia clarificado para o corpo
a lagoa facultativa. Com adequado receptor. O lodo que se sedimenta no
dimensionamento, podem ser con- fundo do decantador secundário retor-
seguidas remoções de coliformes na, por bombeamento, ao tanque de
maiores que 99,99%. aeração, aumentando a eficiência do
As condições de projeto, operação sistema. O fornecimento de oxigênio é
e manutenção das lagoas de estabili- realizado, artificialmente, por aeradores
mecânicos superficiais ou tubulações de
zação devem ser conduzidas de forma
ar no fundo do tanque. Algumas varian-
criteriosa, pois, caso deixe de existir o
tes do processo requerem ou não decan-
equilíbrio entre as condições locais e
tadores primários. Alguns sistemas de
as cargas poluidoras, os inconvenientes lodos ativados operam continuamente,
dos processos aparecerão: exalação de enquanto outros operam de forma in-
mau cheiro, estética desfavorável, DBO termitente. Os sistemas de lodos ativa-
Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal 79
dos requerem re-
duzidas áreas para
sua implantação.

Filtros
biológicos
Os filtros bio-
lógicos são tan-
ques preenchidos
com material su-
porte altamente
permeável (pedras,
material plástico),
no qual ocorre ali-
mentação e perco-
lação contínua de
esgoto, o que pro-
move o crescimen-
to e a aderência da
massa biológica na
superfície do meio Figura 10 – Esquema de funcionamento de um reator anaeróbio UASB8
suporte. Esta ade-
camadas internas, onde o processo de
rência é favorecida pela predominância
oxidação se realiza de forma anaeróbia3.
de colônias gelatinosas (“zoogleia”),
As condições favoráveis à adsorção
mantendo suficiente período de contato
da matéria orgânica pelos microrganis-
da biomassa com o esgoto3.
mos aeróbios e anaeróbios, bem como
As condições necessárias à reação
a preservação de um ambiente úmido
bioquímica aeróbia exigem ampla venti-
e ventilado, garantem a oxidação dos
lação através dos interstícios, suficiente
compostos, gerando como subprodutos
para manter o suprimento de oxigênio.
CO2, HNO3, H2SO4. Algumas variantes
Nas condições favoráveis ao processo,
dos filtros biológicos, como o líquido
a biomassa agregada ao meio suporte
efluente do decantador secundário, são
retém a matéria orgânica contida no es-
recirculadas para os filtros.
goto, por meio do fenômeno de adsor-
ção. A síntese de novas células promove
o aumento da biomassa, diminuindo o Reatores anaeróbios
espaço para passagem do oxigênio até as A importância da digestão anaeró-
80 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
Figura 11 – Biodigestor de vinil

bia no tratamento de resíduos orgânicos to de efluentes líquidos agropecuá-


cresceu de forma acentuada nos últimos rios, destacam-se os biodigestores, os
anos, devido às inúmeras vantagens reatores anaeróbios de manta de lodo
quando comparada com os sistemas ae- (UASB) e os filtros anaeróbios.
róbios. O processo anaeróbio pode ser O reator anaeróbio de fluxo ascen-
considerado como um sistema biológi- dente com manta de lodo (UASB) foi
co que ocorre na ausência de oxigênio desenvolvido na década de 70 por Gatze
livre, em que diversos grupos de micror- Lettinga, da Universidade Wageningen,
ganismos anaeróbios promovem a con- Holanda5.
versão de compostos orgânicos comple- O reator UASB tem sido amplamen-
xos (carboidratos, proteínas, lipídeos) te estudado devido à sua vantagem de
em produtos mais simples (gás carbôni- combinar construção e operação sim-
co, gás sulfídrico, metano e compostos plificada com capacidade de acomodar
reduzidos)4. altas cargas orgânicas e hidráulicas6. A
Entre os diversos tipos de reatores configuração de um UASB é baseada
anaeróbios empregados no tratamen- no regime hidráulico de fluxo ascen-
Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal 81
dente e na incorporação de um dispo- ca ocorre em todas as zonas de reação,
sitivo interno de separação sólido/gás/ sendo a mistura do sistema promovida
líquido, dispensando o uso de um meio pelo fluxo ascensional das águas residu-
suporte para crescimento da biomassa. árias e das bolhas de gás. As águas resi-
Isto favorece o desenvolvimento e a re- duárias entram pelo fundo do reator, e o
tenção de uma biomassa concentrada efluente deixa o reator por meio de um
e altamente ativa na zona de reação, na decantador interno localizado na parte
forma de flocos densos ou lodo granu- superior do reator. Um dispositivo de
lado. Consequentemente, o reator opera separação de gases e sólidos localizado
com tempos de retenção celular (TRC) abaixo do decantador garante as condi-
muito altos, mesmo quando submeti- ções ótimas de sedimentação das par-
do a tempos, de detenção hidráulica tículas que se desgarram da manta de
(TDH) muito baixos. Portanto, devido lodo, permitindo que estas retornem à
ao fato de a estabilidade e o bom desem- câmara de digestão, ao invés de serem
penho dos reatores anaeróbios estarem arrastadas para fora do sistema. Embora
associados a altos valores de TRC, essas parte das partículas mais leves se perca
características podem ser constatadas juntamente com o efluente, o tempo
na maior parte dos reatores UASB tra- médio de residência de sólidos no rea-
tando uma grande variedade de águas tor é mantido suficientemente elevado
residuárias7. para manter o crescimento de uma mas-
O processo de funcionamento do sa densa de microrganismos formadores
reator UASB consiste em se ter um fluxo de metano, apesar do reduzido tempo
ascendente de águas residuárias através de detenção hidráulica8.
de um leito de lodo denso de elevada O reator UASB é capaz de suportar
atividade. O perfil de sólidos no reator altas taxas de carga orgânica, e as duas
varia de muito denso e com partículas grandes diferenças em comparação com
granulares de elevada capacidade de se- outros reatores é a simplicidade cons-
dimentação, próximas ao fundo (leito trutiva e os baixos custos operacionais.
de lodo), até um lodo mais disperso e Os princípios mais importantes que go-
leve, próximo ao topo do reator (manta vernam a operação de um reator UASB
de lodo)8. são os seguintes4:
A estabilização da matéria orgâni- As características do fluxo ascen-

82 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012


dente devem assegurar o máximo con- Os modelos de biodigestores que
tato entre a biomassa e o substrato. foram difundidos no Brasil, nas décadas
Os curtocircuitos devem ser evi- de 70 e 80, eram moldados nos modelos
tados, de forma que se garanta tempo indianos e chineses de campânula mó-
suficiente para degradação da matéria vel e fixa, respectivamente. Estes mo-
orgânica. delos eram construídos em alvenaria e
dimensionados para atender demandas
O sistema deve ter um dispositivo médias de 2 a 4m³ de efluentes diários,
de separação de fases bem projetado, ca- com capacidade entre 20 a 40m³.
paz de separar de forma adequada o bio-
gás, o líquido e os sólidos, liberando os Os biodigestores atuais, para aten-
dois primeiros e permitindo a retenção derem a política dos créditos de carbo-
do último. no, são elaborados com campânula de
lona de polietileno de 1000m e geral-
O lodo na região da manta deve ser mente aproveitam a produção de gás li-
bem adaptado, com alta atividade meta- berado por uma lagoa em condições de
nogênica específica (AME) e excelente anaerobiose. Os detalhes de construção
sedimentabilidade. Em relação à sedi- vão favorecer ou não uma melhor des-
mentabilidade, o lodo granulado apre- carga e recarga destes reatores.
senta características bem melhores que
a do lodo floculento. O biogás é resultante da fermenta-
ção anaeróbica de dejeções animais, res-
Biodigestores tos vegetais e lixo industrial e residen-
O emprego da biodigestão anae- cial. Este gás é constituído de metano
(CH4) 60-80%, CO2, 20-40% e H2S até
róbia no tratamento de efluentes orgâ-
1,5%. Quanto maior o teor de CH4, mais
nicos utilizando-se os biodigestores é puro é o gás.
conhecido há muito tempo. Diversos
modelos de biodigestores têm sido de-
Disposição controlada no solo
senvolvidos e adaptados para aumentar
a eficiência desses sistemas9. Porém, A aplicação de esgotos no solo pode
o sistema tem enfrentado limitações, ser considerada uma forma de dispo-
sição final, tratamento ou ambas. Os
principalmente no que diz respeito ao
esgotos aplicados no solo conduzem
controle operacional, acarretando perda
à recarga do lençol subterrâneo e/ou à
de eficiência do biodigestor10. evapotranspiração. O esgoto supre as
necessidades das plantas tanto em ter-
Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal 83
Figura 12 – Esquema de funcionamento das diversas
modalidades de sistema de disposição no solo2
84 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 66 - agosto de 2012
mos de água quanto de nutrientes2,11. pelo solo até encontrarem o lençol sub-
O poluente no solo tem, basicamen- terrâneo, ou pela recuperação por meio
te, quatro possíveis destinos: de drenos ou poços freáticos.
1. Retenção na matriz do solo.
2. Retenção pelas plantas.
Infiltração subsuperficial

3. Aparecimento na água subterrânea. O esgoto pré-decantado é aplicado


abaixo do nível do solo. Os locais de in-
4. Coleta por drenos subsuperficiais. filtração são preenchidos com um meio
Vários mecanismos, de ordem física poroso, no qual ocorre tratamento. Os
(sedimentação, filtração, radiação, vola- tipos mais comuns são as valas de infil-
tração e os sumidouros.
tilização, desidratação), química (oxi-
dação e reações químicas, precipitação,
Escoamento superficial
adsorção, troca iônica e complexação)
e biológica (biodegradação e predação) Os esgotos são distribuídos na par-
atuam na remoção dos poluentes no te superior dos terrenos com certa de-
solo. clividade, por meio dos quais escoam,
As principais variantes da disposi- até serem coletados por valas na parte
ção do solo são: i. infiltração lenta; ii. inferior.
infiltração rápida; iii. infiltração subsu-
perficial; iv. escoamento superficial; e v. Terras úmidas construídas
terras úmidas construídas. São sistemas constituídos de lago-
as ou canais rasos que abrigam plantas
Infiltração lenta aquáticas. O sistema pode ser fluxo su-
perficial (nível da água acima do nível
Os esgotos são aplicados ao solo, do solo) ou subsuperficial (nível da água
fornecendo água e nutrientes às plantas, abaixo do nível do solo). Mecanismos
sendo que parte do líquido é evaporada, biológicos, químicos e físicos no siste-
outra parte percola, e a maior parte é ab- ma raiz-solo atuam no tratamento de
sorvida pela planta. esgotos.

Infiltração rápida
Os esgotos são dispostos em bacias
rasas, nas quais os esgotos percolam

Tratamento de águas residuárias de sistemas de produção animal 85


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