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de Roberto da Matta.
‘’Entre nós, brasileiros, realizar isso é poder descobrir que o carnaval é percebido
como algo que vem de fora, como uma onda irresistível que nos domina, controla
e, melhor ainda, seduz inapelavelmente’’(p.49)
‘‘Carnaval, pois, é inversão porque é competição numa sociedade marcada pela
hierarquia. É movimento numa sociedade que tem horror à mobilidade, sobretudo
à mobilidade que permite trocar efetivamente de posição social.’’(p.53)
‘’As festas permitem descobrir oscilações entre uma visão alegre e uma leitura
soturna da vida. ‘’(p.54)
‘’[...] no caso brasileiro, todas as solenidades permitem ligar a casa, a rua e outro
mundo. Só que cada uma delas faz essa ligação de modo específico e a partir de
posições diferentes.’’ (p.55)
‘‘[...] os rituais religiosos partem de igrejas e locais sagrados, pretendendo
ordenar o mundo de acordo com os valores que são ali articulados como os mais
básicos. ‘’(p.55)
‘’O poder do sagrado, conforme dizia o sociólogo francês Émile Durkheim, é um
poder que permite distinguir o mundo diário, com suas rotinas automáticas e que
tendem a uma inércia e uma indiferenciação cada vez maiores, esse sistema de
coisas que eram chamadas de “profanas”, das coisas e do universo 57 de Deus e
do Alto.’’ (p.56)
‘’No caso brasileiro, as paradas militares são ponto importante daquilo que
denominei “triângulo ritual”. De fato, na nossa sociedade temos o desfile militar
para as autoridades, ou melhor, como rito destinado a celebrar a relação do
Estado com o povo. Temos as procissões que focalizam as relações dos homens
com Deus através da Igreja.’’ (p.59)
‘’[...] todas essas festas comemoram ou celebram alguma coisa que, supomos,
realmente aconteceu. A vida de um santo é uma história exemplar a ser imitada
pelos homens, e a procissão que ao santo se dedica diz um pouco dessa
caminhada terrena para o Céu, reproduzindo-a numa espécie de teatro cristão
que é o ritual religioso. ‘’ (p.60)
‘’De interesse aqui é indicar que as pessoas estão todas distribuídas ao longo
desse centro que, ao contrário do carnaval (onde o mundo é fragmentado e
descentralizado, e muita coisa ocorre ao mesmo tempo), possui um sincronismo,
uma coordenação com o evento central’’(p.60)
‘’Tudo isso nos fala de um ritmo social, um movimento que indica algo como um
oscilar entre forma e conteúdo, centro e periferia, continência física e excesso.
Como o tique-taque de um relógio, ou a batida de um coração, ou o 62 bumbo de
carnaval, ou as máscaras que são postas e tiradas na revelação de que os
homens vivem entre as coisas. Eternos ritualizados, sempre passageiros..’’ (p.62)
‘’Num livro que escrevi – Carnavais, malandros e heróis –, lancei a tese de que o
dilema brasileiro residia numa trágica oscilação entre um esqueleto nacional feito
de leis universais cujo sujeito era o indivíduo e situações onde cada qual se
salvava e se despachava como podia, utilizando para isso o seu sistema de
relações pessoais.’’ (p.64)
‘’Nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra, somente para citar três bons
exemplos, as regras ou são obedecidas ou não existem.’’(p.65)
‘’Por tudo isso, somos um país onde a lei sempre significa o “não pode!” formal,
capaz de tirar todos os prazeres e desmanchar todos os projetos e
iniciativas.’’(p.66)
‘’O “jeito” é um modo e um estilo de realizar. Mas que modo é esse? É lógico que
ele indica algo importante.’’(p.66)
‘’O processo é simples e até mesmo tocante. Consta de um drama em três atos
que todos conhecem.(p.66)
‘’1 ° Ato: Uma pessoa que não é vista por ninguém, ignorada em razão de sua
aparência e modo de apresentação, chega a um local para ser atendida por um
servidor público que é uma autoridade e dela está imbuído. A autoridade não sabe
quem é a pessoa que chegou e nem quer saber.’’ (p.66)
‘’2° Ato: O funcionário custa a atender a solicitação. Diz que não pode ser assim e
ainda complica mais as coisas, indicando as confusões do solicitante e as
penalidades legais a que poderá estar sujeito. Cria-se, então, um impasse.’’ (p.67)
‘’3° Ato: Diante do impasse – pois o funcionário diz que não pode e o cidadão
deseja resolver o seu caso –, há a solução que denuncia e ajuda a ver o mapa de
navegação social. Nos países igualitários, não há muita discussão: ou se pode
fazer ou não se pode. No Brasil, porém, entre o “pode” e o “não pode”,
encontramos um “jeito”. (p.67)
‘’De qualquer modo, um “jeito” foi dado. Uma forma de resolução foi obtida. E a
ligação entre a lei e o caso concreto fica realizada satisfatoriamente para ambas as
partes. “Jeitinho.” e “você sabe com quem está falando?” são, pois, os dois pólos
de uma mesma situação.’’ (p.68)
‘’A malandragem, como outro nome para a forma de navegação social nacional, faz
precisamente o mesmo. O malandro, portanto, seria um profissional do “jeitinho” e
da arte de sobreviver nas situações mais difíceis. ‘’ (p.68)
‘’Por tudo isso, não há no Brasil quem não conheça a malandragem, que não é só
um tipo de ação concreta situada entre a lei e a plena desonestidade, mas
também, e sobretudo, é uma possibilidade de proceder socialmente, um modo
tipicamente brasileiro de cumprir ordens absurdas, uma forma ou estilo de conciliar
ordens impossíveis de serem cumpridas com situações específicas, e – também –
um modo ambíguo de burlar as leis e as normas sociais mais gerais. ‘’(p.69)
‘’E conclui Caminha, como até hoje manda o nosso figurino de malandragem:
“Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz,
hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha.’’ (p.71)