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FORMAÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS E CONSCIENTES DO SEU P APEL

SOCIAL

Ana Maria de Matos Costa


aninhareia@yahoo.com.br
Maria da Conceição M. Ribeiro
conceicaoribeiro90@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho é buscar esclarecimentos sobre como o alunado do ensino


fundamental lê, na perspectiva de perceber até que ponto ele está se tornando um leitor crítico
e consciente do seu papel social. Para tanto, foi realizada uma pesquisa em duas escolas do
município de Campina Grande-PB, tendo como sujeitos um total de nove crianças, na faixa
etária de 7 a 12 anos. Através dos resultados obtidos na pesquisa, é possível concluir que as
escolas tratam a leitura como objeto de ensino, desconsiderando o fato de que esta deve ser
também objeto de aprendizagem. Para que assim seja, a escola não deve descaracterizar a
leitura, descontextualizando-a dos seus aspectos sociais, mas trabalhar com a diversidade
cultural, possibilitando o desenvolvimento de uma leitura em que o aluno construa o sentido,
e não apenas o reproduza.

Palavras chave: Leitura; Ensino fundamental; Consciência Crítica.

Formar indivíduos capazes de proceder à efetivação de leituras na perspectiva crítica e


social dos conteúdos constitui-se na preocupação principal daqueles estudiosos/professores
que possuem esclarecimentos suficientes sobre a importância do exercício deste tipo de leitura
numa sociedade como a nossa, enquanto mecanismo essencial para a formação de cidadãos
mais conscientes do papel social que necessita desenvolver, tendo em vista contribuir
significativamente para a efetivação de melhorias sociais para as classes menos favorecida, e
socialmente mais sofrida.
Adeptas a esta perspectiva entendemos que antes de compreender o que seja ler na
perspectiva critica e social, necessário é conhecer algumas das concepções do processo de ler
entendendo como cada uma delas afeta diretamente as práticas sociais dos indivíduos da
nossa sociedade. Por outro lado, compreender as razões ou os motivos que geram a
necessidade de se ler no cotidiano de vida também se torna condição interessante para se
perceber o que é ler na perspectiva critica e social, uma vez que esses motivos ou propósitos
básicos de leitura estão amarrados) natureza social do ato de ler.
Atrelados aos conhecimentos acima, a definida compreensão das diferentes formas em
que ocorre a interação entre o ledor e o texto lido é condição imprescindível para
complementar o sentido da importância do ato de ler numa ótica voltada para a interação
social que deve caracterizar a relação existente entre a mensagem contida num texto (sendo
esta produzida pelo seu criador) e o seu leitor.
Sendo assim, o conceito de leitura na perspectiva crítico e social será explicitado neste
texto na medida em que as questões referidas acima forem sendo apresentadas.
Cada um de nós possui urna concepção sobre o que é ler. Esta concepção pessoal
provém de uma prática ou da varias práticas que marcaram as nossas experiências de leitura
ocorridas no meio social, a partir da nossa convivência com outros homens. Em muitos de nós
essas experiências advêm de situações experimentadas nos lugares onde o livro e a leitura se
faz mais diretamente presentes. Estes ambientes podem ser a escola, o trabalho, a biblioteca, a
família, a religião.
Na perspectiva de se alfabetizar, de se ensinar a ler, é extremamente válida a idéia
descrita por Silva (1995:47) quando diz que "aquilo que sei ou penso que sei sobre o ato de ler
ou, ainda, a forma pela qual eu concebo ou leio a leitura el1liquece ou empobrece, dinamiza
ou paralisa, dirige ou desvia, conscientiza ou serve para alienar as ações relacionadas com a
formação de leitores".
As informações explícitas anteriormente nos propiciam reconhecer que a concepção de
leitura que temos depende diretamente do tipo de experiências de leitura que desenvolvemos
durante a vida. A respeito disto devemos nos lembrar que existem dois tipos de experiências
de leitura aos quais todos nós fomos ou somos submetidos, sendo o primeiro deles inerentes
às práticas de leituras desenvolvidas no ambiente escolar e o segundo deles inerentes as
práticas de leituras extras escolares.
Referindo-nos às leituras ocorridas nesses tipos de experiência, julgamos relevante
ressaltar as três categorias básicas de leitura apontadas por Silva (1995), a saber: informações,
conhecimento e/prazer. A leitura informacional é voltada para aqueles materiais escritos que
buscam manter o leitor informado dos acontecimentos do mundo (jornais, revistas etc), o que
permite que o leitor possa se posicionar criticamente diante dos fatos ocorridos no dia-a-dia.
A leitura de conhecimento está voltada para a pesquisa e o estudo, as quais encontram-se
diretamente ligada à área de atuação do sujeito na sociedade. A leitura de prazer estético está
diretamente ligada à literatura sendo que esta é a mais prejudicada no ambiente escolar, uma
vez que é sugerida como obrigação, o que geralmente causa desinteresse por parte dos alunos.
Ao desenvolver a leitura desses textos, o leitor pode fazê-lo sob a ótica de leitura como
"busca de significado" ou como "construção de significado" (Matêncio,1994).
Ao ler na perspectiva da busca de significados, o ledor apenas estabelece uma
decodificação do texto lido, o que implica numa concepção de ler como decifração de signos
lingüísticas transparentes. Sob este ponto de vista, nas escolas há uma supervalorização na
quantidade de leitura realizada pelo aluno, enfatizando a mecanização desta, deixando de lado
o devido adentramento nos textos a serem compreendidos.
Esta concepção tem resistido às mudanças sugeridas no ensino de leitura e tem
inspirado boa parte do professorado das nossas escolas públicas a desenvolver um ensino da
leitura e da escrita baseando-se em uma visão tradicional na qual a aprendizagem do ler e do
escrever é tida como "o acesso às primeiras letras, que seria acrescido linearmente do
reconhecimento das sílabas, palavras e frases, que, em conjunto, formam os textos, e após os
conhecimentos dos quais o aprendiz estaria apto a ler e escrever". (Matêncio, 1994: 17).
O ensino de leitura inspirado na perspectiva tradicional induz o aprendiz o pensar que
só há uma possibilidade de interpretação, já que entende que só há uma possibilidade de
extrair do texto um único sentido. Isto significa dizer que o leitor aprendiz na concepção da
"busca de sentido" tende a não relacionar os recursos lingüísticos utilizado pelo autor do texto
como um todo, uma vez que não desenvolve a habilidade de criar articulações entre os
elementos lexicais e a organização de uma narrativa, por exemplo.
Nesta perspectiva tradicional de leitura, a interação entre ledor e texto respalda-se no
que Leffa (1999) chamou de perspectiva do texto, no qual a leitura se dá por um
processamento ascendente de informações fluem exclusivamente do texto para o leitor. Nesta
perspectiva, o significado é construído de acordo com as extrações de conteúdo feitas deste
texto levando o leitor sempre a construção de um mesmo significado, o que implica dizer que,
obrigatoriamente, todo os bons leitores apresentam um mesmo nível de competência para a
leitura.
Sob a influência desta concepção tradicional de leitura, nas décadas ele 50 e 60 os
textos construídos como incentivo à aprendizagem da leitura eram produzidos sob a
preocupação de deixá-lo extremamente claro, sem nenhuma opacidade, o que, significa dizer
que cada texto deveria ser tão familiar para o aprendiz a ponto de tomar-se transparente para
O leitor. Nesta ótica, "a escolha do vocabulário das estruturas sintáticas ficava restrita aquilo
que era julgado do conhecimento do leitor, cuidando sempre para jamais expô-lo a uma
palavra ou frase que lhe fosse estranha" (Leffa, 1999: 16). Isto, ao invés de proporcionar
competência de leitura, criava bons decifradores e leitores desinteressados, já que os textos
usados na escola eram destituídos de sentido real de coerência e de coesão.
Desta forma, nesta perspectiva tradicional de ensino de leitura, era descartada a
possibilidade de no ambiente escolar ser considerada a riqueza e a amplitude dos mais
diversificados gêneros textuais que podem ser encontrados e utilizados na nossa sociedade.
Isto porque, preso as limitações lingüísticas daqueles textos contidos no livro didático que,
supostamente, pareciam ser os ideais para ser utilizações no ensino da leitura os professores
não ousavam utilizar em classe os tipos de leituras sociais da vida porque supunham que estes
eram recheados de "dificuldades" lingüísticas que, ao invés de ajudar na formação de um
leitor proficiente atrapalhariam a concepção deste propósito.
Hoje, apesar de ainda existir alguma insistência por parte de muitos professores das
nossas escolas pública, em considerar, mesmo que parcialmente a tendência do ensino de
leitura, já existe uma forte predisposição para se questionar este tipo de tendência, urna vez
que já se defende a idéia de que um trabalho de leitura pode abordar tipos diversificados de
textos, o que implica processamento diferente para cada suporte textual (listas de compras,
receitas, dicionário etc.), levando o leitor a efetivar diferentes leituras, destruindo, assim, a
idéia de que o significado encontra-se no texto.
O fato de ainda hoje haver nas escolas públicas a predisposição de alguns professores
utilizarem a concepção de leitura voltada para a influência de texto pode ser explicada pelas
colocações de Silva (1995) quando afirma literalmente que "uma concepção de leitura está em
íntima dependência com a realidade social e com as práticas sociais de leitura de cada
indivíduo". Isto nos implica dizer que sendo procedentes de um processo de ensino de leitura
tradicional e tomando-se um leitor acrítico, possivelmente, uma parte expressiva do
professorado das nossas escolas, públicas ainda sente muita dificuldade para processar e
executar a concepção de leitura voltada para a perspectiva critica e social de produção de
sentidos a partir de cada texto o lido. Desta forma, diante do conflito declarado pela
consciência teórica da invalidade da leitura que é procedida na ótica da busca dos sentidos do
texto e a proficiência adequada em relação à efetivação de leitura voltada para a produção de
sentido, o professor acaba fazendo exatamente o que aprendeu não ser lícito fazer, mas o faz
porque a sua competência como ledor foi gerada através da aprendizagem e da prática de atos
de leitura voltada para a concepção de que ler é buscar o sentido contido no texto lido.
Definitivamente na época atual já se sabe que uma leitura crítica não se dá apenas por
meio da decodificação da palavra escrita, ou seja, pela associação entre som e letra. Já se sabe
que este tipo de leitura dá-se principalmente de acordo com o conhecimento de mundo trazido
pelo leitor e acionado, a todo o momento, no decorrer desta leitura.
Nessa forma de dizer, Freire (1994) explica que antes mesmo de a leitura ser feita
através da decodificação, o sujeito realiza leitura dando-se esta através das percepções do
meio social/cultural no qual ele se encontra inserido, ocorrendo esta através das experiências
vivenciadas pelo sujeito. Assim sendo, a decifração da palavra ocorrerá naturalmente, uma
vez que as palavras pertencem ao seu meio social.
Sendo assim, na visão de Freire o ato de ler não deve estar ligado á memorização
mecânica da palavra, das silabas ou das letras, mas sim a uma postura, política que envolve
um ato de conhecimento caracterizado pela criatividade e pela responsabilidade na construção
dos sentidos/conhecimentos. Essa construção dos sentidos deve ser feita apenas pelo
educando, ele deve buscar a ajuda do educador, o qual irá, junto com ele, buscar construir a
linguagem escrita e a leitura desta linguagem tornando-se então, um mediador neste processo.
Concordamos com Freire quando diz que, ao desenvolver uma leitura clítica o sujeito
coloca-se como agente transformador desmistificando a posição di submissão imposta pelo
sistema político – social às escolas. Isto faz muito sentido que, partindo do texto, o leitor
passa a perceber c a compreender melhor o contexto social no qual encontra-se inserido,
percebendo-se como agente transformador da sociedade.
Uma vez ressaltada, superficialmente, a importância da perspectiva de leitura voltada
para o aspecto crítico e social, a partir de agora evidenciaremos a concepção de leitura voltada
para a produção de sentidos, adiantando que como a nossa tendência é defender formação do
leitor crítico e consciente do seu papel social, torna-se interessante enfatizar que a concepção
de leitura voltada para a produção de sentido é a que elegemos como a ideal a ser considerada
por todos aqueles que estão inseridos no processo de ensino-aprendizagem da leitura das
escolas do nosso país.
Sela concepção anterior, a leitura deverá ocorrer na perspectiva do texto, na concepção
da produção de sentidos a leitura deverá ocorrer na perspectiva do ledor, pelo qual o sentido
do texto é construído de modo descendente, havendo nesse processo construtivo a influência
dos conceitos baseados na experiência de vida do leitor (conhecimentos lingüísticos, textuais,
enciclopédicos e, também, fatores afetivos).
Se a leitura ocorre na perspectiva do leitor, é notório reconhecer que durante a
efetivação ele um ato de leitura deve haver uma interação expressiva entre a pessoa que lê o
texto e que o produziu. Esta interação tanto ocorre em nível psicolingüístico como em nível
social.
Em nível psicolingüístico, o leitor lança mão de seu conhecimento prévio em relação
aos recursos lingüísticos para proceder à leitura de um texto.
Ao se referir ao paradigma psicolingüístico de leitura Leffa (] 999) relevou a
abordagem transacional e a teoria da compensação do ato de ler.
Em relação à abordagem transacional relevou que durante o ato de ler não existe um
processo isolado de leitura, pois o leitor de um texto transaciona com seu autor num contexto
especifico com intenções especificas, que significa dizer que ao ser lido o texto é construído,
não só pelo autor que produziu, mas também, por cada leitor que o lê.
Quanto à abordagem da compensação, o autor explica que durante a realização de atos
de leitura ocorre o envolvimento de várias fontes de conhecimento (lexical, sintático,
semântico, textual, enciclopédico etc) e que essas fontes interagem entre si com lima
participação mais ou menos na construção do sentido.
Isto significa que se um leitor tiver um déficit numa dessas fontes de conhecimento
poderá compensar esse déficit lançando mão de conhecimento de outro domínio.
Para a utilização das diferentes fontes dc conhecimento relacionados ao campo
lingüístico, textual e enciclopédico é necessária a participação ativa do ledor que, por sua vez,
elabora e testa hipóteses sobre as amostras obtidas, confirmando-as ou rejeitando-as. Nesta
ocorrência, alguns pressupostos básicos podem ser ressaltados.
O primeiro destes pressuposto parte da premissa de que ler é usar estratégias na
perspectiva de exercitar a capacidade de avaliar e de controlar a própria compreensão,
permitindo, a qualquer momento a adoção de medidas corretivas em busca de uma melhor
compreensão do texto, o que envolve a identificação dos problemas, para, em seguida, aplicar
as estratégias que devem ser utilizadas para obtenção, cada vez melhor) ela compreensão do
texto lido, valendo ressalvar que o caráter de cada estratégia utilizada depende diretamente
dos objetivos determinados pela leitura. Neste processo, o ledor proficiente tem a consciência
de que leituras rápidas podem ser realizadas para se ter apenas uma idéia geral do que está
acontecendo na sociedade (jornal, revista) e que também existem as leituras lentas e penosa.
Para se apropriar de um conhecimento cientifico que se encontra fora de seu campo de
conhecimento e, por fim, de que existem as leituras atentas e cautelosas para se obter
informações precisas a respeito de um conhecimento que deve ser utilizado na produção de
outra fonte de informação a respeito.
Um outro pressuposto implica na idéia de que a leitura depende mais de informações
não-visuais do que c s visuais. Isto pode ser percebido claramente quando, ao ler um texto em
voz alta, uma pessoal omite palavras, acrescenta e troca outras sem que se di3 conta, sem, no
entanto, alteração (sentido da mensagem lida. A explicação desta ocorrência pode ser
explicita através da idéia de que o leitor não leu o que estava escrito, mas o que sua mente
mandou seus olhos procurar isto implica que o que está atrás dos olhos é mais importante do
que está na frente e que informações não-visuais, residem; na memória do leitor, comandam o
que ele vê ou deixa de ver na página impressa.
O próximo pressuposto a ser ressaltado envolve a idéia de que o conhecimento prévio
está organizado na forma de esquemas. Isto implica dizer que a nossa memória arquiva as
experiências do nosso dia a dia, de maneira extremamente organizada, realizadas através de
uma estrutura dinâmica e hierárquica que permite múltiplos recortes. A exemplo disto,
podemos dizer que os esquemas de casamentos, aulas de português ou acidentes de automóvel
guardam apenas os traços que são típicos e suficientes, em cada um desses eventos, para
caracterizá-los e distingui-los dos outros. São esses esquemas que possibilitam ao cérebro agir
de forma econômica no que se refere à identificação e organização da grande variedade das
experiências pessoais vividas.
A idéia de que ler é prever constitui-se no próximo pressuposto básico da leitura isto
significa dizer que a atividade de leitura só é possível na medida em que o leitor usa o seu
conhecimento prévio para direcionar a sua trajetória pelo texto, eliminando antecipadamente
as opções inválidas. Nesse processo, quanto maior for a experiência geral de leitura maior
será a capacidade de o leitor prever o que um texto pode conter, antes mesmo de iniciar a sua
leitura. A capacidade de previsão é uma condição necessária para leitura eficiente na medida
em que afasta as informações incorretas, evitando as idas e vindas desnecessárias durante o
ato de ler.
O último pressuposto a ser ressaltado por Leffa (1999) abrange a idéia de que ler é
conhecer as convenções da escrita. Isto significa dizer que ler é muito mais do que passar do
código escrito para o código, oral. Há muitas convenções na escrita que foram criadas pela
própria escrita, não existindo, portanto, na linguagem oral. Neste sentido, Leffa afirma que o
que foi escrito existe para ser lido e não para ser falado ( ... ), há uma grande diferença entre
ler e falar, e o leitor proficiente, com maior ou menor grau de consciência, tem noção dessa
diferença e dos traços que a marcam".
Como foi visto até agora, a perspectiva do leitor na teoria da leitura repousa
principalmente na abordagem psicolingüística da compreensão do texto, com ênfase nos
aspectos cognitivos mais do que afetivos e, principalmente, mais do que sociais , tendo uma
maior preocupação em descrever a leitura como processo, enquanto algo que acontece na
mente do leitor.
Nesta ótica, o leitor passa a ser visto como o soberano absoluto na construção do
significado. Isto implica admitir que o leitor tem o "poder" de atribuir o significado que lhe
prover, pois este não é extraído do texto, mas é atribuído a ele, não havendo categoria de certo
ou errado, pois há apenas o significado elo leitor. Desta forma, a compreensão não é ditada,
mas sim estabeleci da pela relação entre o texto lido e a experiência vivida pelo leitor.
Além de ser considerada como uma atividade mental que envolve o uso das fontes de
conhecimento que temos na memória, a leitura também deve ser vista como uma atividade
social, com ênfase na presença do outro (um colega de sala, o professor e/ou o próprio autor
de texto). Neste sentido, a leitura deixa de ser uma atividade intelectual para ser um
comportamento social, cujo significado nem está no texto nem no leitor, mas nas convenções
de interação social em que ocorre o ato de leitura.
A leitura vista como comportamento social coloca em questão o grande problema da
exclusão do leitor, que ocorre dentro e fora da sala de aula.
No contexto escolar muitas vezes o aluno é solicitado a ler um texto que exige pré-
requisitos que a própria escola e a sociedade lhe sonegaram. Verifica-se situação deste tipo
quando o aluno é obrigado a ler um texto que para ele tem sentido obtuso, já que não faz parte
do seu contexto de mundo e que não foi escrito para ele.
Em situações como a explicita no parágrafo anterior ocorre que, na medida que não
tem o domínio das práticas sociais prevista elo discurso hegemônico contido em boa parte dos
textos sugeridos pela escola, o aluno não tem corno se inserir na comunidade dos
consumidores de texto (leitores e escritores) permanecendo um excluído que é levado á
reprovação {ao fracasso escolar.
Isto significa dizer que ao optar por um ensino de leitura enfático formação do ledor
crítico a pessoa que ensina necessita estar consciente de que no ensino de leitura que é
efetivado na maioria das escolas públicas existe uma dinâmica processual que Leffa chama de
“acuturação”.
Neste processo, as crianças advindas das classes sociais subalternas são colocadas
diante de textos que negam as verdades sociais de sua vida e incultem-lhes ideologias que
justificam os desmandos das injustiças sociais que são realizados pelas classes sociais
dominantes, fazendo crer que esses "abusos" procedem mais por incapacidade natural dos
menos favorecidos do que por intenções sociais pré-estabelecidas) cujo objetivo
preponderante é bloquear a ascensão social e o entendimento crítico social daqueles que
provêm das classes sociais mais baixas.
Desta forma, atuando num processo escolar dicotômico, a forma de ensinar é
autoritária e opressora e ao oprimido é subtraído o direito de tomar consciência de sua
opressão social e imposto a condições de renunciar a sua própria cultura para poder usufruir o
privilégio de ser admitido/ aceito por um determinado grupo, ao qual tem que se adaptar a
forma de falar e de escrever, o professor tem que ter jogo de cintura" para oferecer ao aluno
das escolas públicas um ensino que lhe possibilite tanto a aquisição daqueles conhecimentos
que são requeridos através de exames, concursos, defesas de teses etc, como uma acurada
reflexiva visão social, na perspectiva crítica) social dos conteúdos.
Assim fazendo, ao agir dentro do paradigma social da leitura o professor permitirá ao
aluno uma construção do sentido social de forma globalizada que resulta em expressivas
mudanças pessoais na forma de pensar e de agir na sociedade. Isso coaduna com a idéia de
Paulo Freire que diz que a leitura é transformadora porque ler é desvelar o desconhecido e,
neste caso, não só o oprimido tem a revelação de sua condição de oprimido, mas o próprio
opressor descobre que a mudança para uma sociedade igualitária traz benefícios para todos"
oprimidos e opressores. Isto implica dizer que desenvolver leituras na perspectiva de
interação social significa reconhecer que as relações estudadas não estão nas fontes de
conhecimento do indivíduo, como ocorre na perspectiva psicolingüística, mas nas convenções
que regem as relações entre os membros de um determinado grupo.
Mediante o que foi detectado durante a aplicação de perguntas cujas respostas
permitem perceber em que nível se encontra a capacidade crítica do alunado do 2º ciclo, sobre
a possibilidade de perceber como os textos didáticos escamoteiam as verdades sociais e
asseguram a veiculação das idéias que a classe dominante do país quer divulgar como se fosse
verdade definitiva, podemos dizer que as crianças do 2º ciclo não estão incentivadas nem
habilitadas a realizarem leituras na perspectiva crítica e social. Isto significa dizer que,
possivelmente, elas foram e continuam sendo submetidas a uma prática de ensino e de
aprendizagem de leitura respaldados na concepção que acredita na total influência do texto
escrito sobre o seu leitor. Esta concepção representa aquela que dá prioridade mais à
decifração do que à interpretação que, por sua vez, respalda-se na busca do sentido do texto
lido já que defende a idéia de que os sentidos contidos num texto são os mesmos para todos os
leitores.

Referências:

FREIRE, P. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 44ª edição.
São Paulo: Cortez, 2003.

Matêncio, M. de L. M; Leitura,produção de texto e a escola.Autores associados.SP,1994 .

LEFFA, V. J. Perspectivas no estudo da leitura; Texto, leitor e interação social. Pelotas:


Educat, 1999. p. 13-37.

SILVA, E. T. da.O ato de Ler:fundamentos para uma nova pedagogia da leitura 9ed.
Coleção educação contemporânea.São Paulo.SP Editora Cortez 1998

SOARES, M. As condições sociais da leitura: uma reflexão em contraponto. In:


ZILBERMAN, R e SILVA, E. T. (orgs). Leitura. Perspectivas Interdisciplinares.
São Paulo: Ática, 1999.

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