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Olhar estrangeiro sobre a crise

Os sites internacionais e a cobertura da crise política

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Danton José BOATINI JÚNIOR

Resumo
Os sites jornalísticos de empresas estrangeiras aumentaram de forma significativa sua
presença no Brasil nos últimos anos, com a produção de conteúdo voltada ao público
brasileiro. Deste modo, tornaram-se um elemento importante nas discussões que interessam
ao público nacional – fenômeno acompanhado de uma redução nos investimentos locais em
jornalismo online. Como observadores da realidade do país, os sites estrangeiros tiveram
papel importante na cobertura da crise política do governo Temer. O objetivo deste trabalho é
analisar a cobertura destes veículos dentro da sua condição de “estrangeiros”, bem como
apontar semelhanças e diferenças com a cobertura feita pelos veículos locais. Para isso,
iremos nos valer da análise de conteúdo.
Embora a criação de uma inteligência coletiva, conforme preconizado por autores
como Levy, não tenha se concretizado após duas décadas de Internet comercial no Brasil, a
rede mundial de computadores assumiu o papel de uma ágora pública (CASTELLS, 2001),
ou, pegando emprestado o conceito de Habermas, de esfera pública, no sentido de que
constitui-se em um ambiente onde diversos assuntos são discutidos livremente por vários
atores. No caso da política, por ser um assunto de interesse público, não é diferente,
especialmente em tempos de intensa crise política que se arrasta desde 2014 no Brasil,
momento em que sites, blogs e redes sociais digitais são consultados como forma de se obter
as últimas informações a respeito do tema.
Neste cenário, o jornalismo online no Brasil vive desafios constantes. Portais que já
estiveram entre os campeões de audiência nas últimas duas décadas chegaram ao fim ou estão
em vias de fazê-lo (vide os casos do Ego e do Terra)2. Entre os sites jornalísticos mais

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Resumo expandido submetido ao I Seminário Discente em Comunicação do PPGCC da Unisinos. Doutorando
da linha de pesquisa: Linguagem e Práticas Jornalísticas. E-mail: dboattini@gmail.com.
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Dedicado à cobertura das celebridades, o Ego teve o seu fim anunciado pelas Organizações Globo. O Terra, que
já esteve entre os mais acessados do Brasil, reduziu de forma significativa o número de profissionais e a
produção de conteúdo próprio.

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populares do Brasil, estão portais ligados a grandes grupos de comunicação, como é o caso do
G1, que pertence às Organizações Globo, e o UOL, ligado ao Grupo Folha.
Porém, nos últimos anos, uma série de iniciativas ligadas a empresas e organizações
estrangeiras chegou ao Brasil com o objetivo de desenvolver conteúdo jornalístico local. Para
desenvolver esta pesquisa, identificamos seis sites estrangeiros que desembarcaram no Brasil
recentemente, voltados à produção de conteúdo local. São eles: Huffington Post (Estados
Unidos), Deutsche Welle (Alemanha), El País (Espanha), Vice News (Estados Unidos), The
Intercept Brasil (Estados Unidos) e Buzzfeed (Estados Unidos)3.
O objetivo deste estudo é analisar a cobertura que estes sites realizaram da crise
política no Brasil, em especial no caso da delação do empresário Joesley Batista, da J&F. Para
isso, iremos nos debruçar sobre reportagens realizadas no período de um mês a partir da
divulgação da delação, ou seja, de 17 de maio até 16 de junho de 2017. Estas reportagens
serão comparadas com reportagens publicadas, no mesmo período, por nacionais. Nos
propomos a investigar se a procedência dos veículos em questão, com sede fora do Brasil, de
alguma forma influencia para que a reportagem alcance elementos considerados basilares para
o exercício do jornalismo, como a objetividade, a clareza, etc.
O atual cenário de crise política e institucional do Brasil está intimamente relacionado
com a Operação Lava-Jato, que desde 2014 tem se tornado um assunto constante no noticiário
nacional. Naquele ano, no dia 17 de março, a Polícia Federal deflagrou a primeira etapa da
operação, com investigações que apuravam a prática de crimes financeiros e desvio de
recursos públicos. As investigações atingiram empresários e políticos de diferentes partidos,
notadamente do PT, PMDB e PP. Em julho de 2017, a operação chegou à 42ª fase e já conta
com 844 mandados de busca e apreensão no Brasil e no exterior; 210 mandados de condução
coercitiva; 97 mandados de prisão preventiva no Brasil e exterior; 104 mandados de prisão
temporária; e seis prisões em flagrante4. Estima-se que o volume de recursos desviados dos
cofres públicos esteja na casa dos bilhões de reais5.
A delação do empresário Joesley Batista, da JBS – empresa pertencente ao grupo J&F
–, que provocou grande repercussão na política nacional, foi feita no âmbito da Operação

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Para a realização deste estudo estamos analisando apenas os sites que produzem conteúdo no Brasil e que
tenham como público-alvo o leitor brasileiro. Não serão considerados, portanto, veículos que contam apenas com
“correspondentes internacionais”.
4
Fonte: site da Polícia Federal (​http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato​). Acesso em 08/10/2017.
5
Fonte:​ ​http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato
2
Lava-Jato. Ela refere-se a um acordo de leniência firmado entre a empresa e a
Procuradoria-Geral da República (PGR), tendo em vista que a JBS também era alvo de
investigação, por conta de suspeitas em contratos firmados com o BNDES.
Citaremos alguns exemplos de reportagens veiculadas por alguns destes veículos sobre o tema
da crise política no governo Temer. No caso do The Intercept Brasil, as publicações a respeito
da delação da JBS tiveram início no dia 18 de maio. O primeiro texto foi postado às 13 horas
e 5 minutos, com o título “Gravação de Joesley revela a farsa de um governo alavancado pelo
cinismo”. Em um dos trechos, o autor, Matheus Pichonelli, afirma que “não é que o país não
tenha saídas além do aeroporto. Mas elas não se constroem com o cinismo e a falsa
polarização determinantes para pavimentar a chegada de Temer e companhia ao poder”. Na
versão brasileira do site alemão Deutsche Welle, reportagem assinada por Jean-Phillip Struck
e Rafael Plaisant noticia que “Escândalo deixa governo Temer por um fio”. Já na segunda
frase, a reportagem afirma que “a denúncia tem potencial para implodir o governo, nascido do
impeachment de Dilma Rousseff, erguido sob a sombra de uma crise permanente, índices
irrisórios de aprovação e que falhou em todas as tentativas de ganhar legitimidade popular”.
As relações entre grupos políticos e empresas de comunicação, e sua consequente influência
no noticiário, têm sido objeto de estudo de diversos autores. McQuail (2003) aponta que nas
sociedades liberais democráticas, “os media são livres para operarem nos limites da lei mas
ainda ocorrem conflitos em relação com o governo e instituições sociais poderosas” (p. 253),
além de estarem envolvidos continuamente com suas principais fontes e grupos de pressão
organizados. Sabe-se que, por meio de publicações oficiais (como editais ou propaganda de
empresas governamentais), o poder público constitui uma das grandes fontes de receita da
mídia. Para Bourdieu (1997), “o grau de autonomia de um órgão de difusão se mede sem
dúvida pela parcela de duas receitas que provém da publicidade e da ajuda do Estado (sob a
forma de publicidade ou de subvenção) e também pelo grau de concentração de anunciantes”
(p. 102-3).
A metodologia que será utilizada nesta pesquisa é a análise de conteúdo. Podendo ser
aplicada a estudos exploratórios, descritivos ou explanatórios (HERSCOVITZ), a análise de
conteúdo serve a esta pesquisa devido à multiplicidade de fontes com que se pretende
trabalhar. Conforme Herscovitz (2010), trata-se de um método de grande utilidade na
pesquisa jornalística, podendo ser utilizado na detecção de tendências e modelos na análise de

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critérios de noticiabilidade, enquadramentos, agendamentos, bem como na descrição e
classificação de produtos, gêneros e formatos jornalísticos, ou para comparar o conteúdo
jornalístico de diferentes mídias em diferentes culturas, entre outros.

Palavras-chave: ​jornalismo online; mídia estrangeira; crise política.

Referências

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sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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(org.). ​Metodologia de pesquisa em jornalismo​. Petrópolis: Editora Vozes, 2010.

KISCHINHEVSKI, Marcelo. Convergência nas redações: mapeando o impacto do novo


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SANT'ANNA, Lourival. ​O destino do jornal​: a Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S.


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