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estudos feministas
número 4
agosto/dezembro 2003
Pedagogias do corpo 1
Resumo:
A educação do corpo é intermediada por múltiplos saberes e práticas que vão
da higiene às boas maneiras, dos banhos como limpeza às inúmeras pedagogias
que trabalham no adestramento e na modelagem dos corpos. Este texto
propõe-se a discutir alguns aspectos desta educação.
Palavras-chave: corpo, educação, educação do corpo
Se somos educados por tudo o que nos envolve, pela matéria da qual
é feito o mundo, conforme as palavras de Pasolini (1990), há formas
específicas, codificadas, cognoscíveis, elaboradas com requinte e junção de
saberes, de práticas e de vontade política que se impõem a cada época e que,
talvez, hoje, o façam com uma velocidade sem precedentes. Na
descontinuidade das retóricas que se elaboram em torno do corpo e de sua
educação, há também permanências, e uma destas é a afirmação de uma
naturalização do corpo e dos fenômenos a ele ligados, e que produzem um
discurso que toma por base referências explícitas às metáforas maquínicas.
Parece que essas idéias, tão bem desenvolvidas por Georges Vigarello
em obras já citadas aqui, constituem-se em permanências no pensamento
contemporâneo da educação do corpo e conferem uma linha de continuidade
a idéias caras ao higienismo vitorioso desde o século XIX, idéias que fundam
esta obsessão pela saúde, pela “performance esportiva”, e que traduzem novos
conceitos de beleza, novos modos de viver e de comportar-se.
Por estas razões, talvez fosse interessante problematizar a ruidosa cultura de
massa e tudo o que arrasta consigo, sobretudo o enaltecimento das práticas
corporais e a ausência, quase absoluta, de questionamentos e de elucidação de
suas contradições e ambigüidades. Pensar, por exemplo, nos problemas
causados pelo doping, sejam aqueles vivenciados muitas vezes silenciosamente
pelos grandes atletas (e pela mídia [Pires, 2002]), sejam aqueles dos
freqüentadores da academia de ginástica do bairro em que vivem.
referencias:
Elias, Norbert . 1994. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio
de Janeiro: Zahar.
Fischler, Claude.1987. La symbolique du gros. Communication. Paris: Seuil, n.
46, pp. 255-278.
Gore, Rick. 2000. “Limites do corpo: até onde chegar? Revista National
Geographic-Brasil (set.).
Mello, Victor Andrade de. 2001. Cidade sportiva. Rio de Janeiro: Relume
Dumará/Faperj.
Poirier, Jean (org.). 1998. História dos costumes: as técnicas do corpo. Lisboa:
Estampa.
Prieto, Felipe. 2001. "Del vivir bien al estar bien”. Conferência proferida no I
Congreso Colombiano de Historia de la Educación Física. Bogotá, out.
(tradução livre da autora a partir de transcrição de fita da conferência
proferida).
Sant’Anna, Denise. 2002a. "O corpo na cidade das águas: São Paulo (1840-
1910)". Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados
História e do Departamento de História da PUC/SP. São Paulo: EDUC, n. 25,
(dez..), p.100.
Sfez, Lucien. 1995. A saúde perfeita: críticas de uma utopia. Lisboa: Instituto
Piaget.
Dados biográficos:
1 As idéias que deram origem ao formato final deste texto foram apresentadas na
conferência de abertura da “I Reunião Anual do PROEFE: por que educação física”,
realizada na Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade
de Belo Horizonte, no período de 28 a 30 de novembro de 2002, sob o título. “A
Educação do corpo e a Educação Física”
2 Nunca é demasiado fazer referência aos textos clássicos de Marcel Mauss, como uma
espécie de fundador de um olhar sobre o corpo como objeto histórico. Ver
especialmente Mauss, 1974.
3 É bizarra esta afirmação, considerando a fome no mundo e, em particular, a fome no
Brasil! Abundância para quem? Para quantos? Para aqueles que inventam o modelo! Ver
Sant’Anna, 2003.
4 Expressão que utilizo para me referir, por exemplo, às academias de ginástica. Ver Vaz,
1999 e 2001.
5 Por exemplo, somente no ano 2002, as revistas Veja e IstoÉ publicaram cada uma
mais de seis matérias sobre temas concernentes aos cuidados corporais como regimes
alimentares, cirurgias, ginásticas etc. Para uma leitura crítica, consultar Dantas, 2002.S
6 Os conselhos de beleza freqüentam periódicos desde muito tempo, porém, não com a
velocidade e intensidade, nem com a quase determinação e ordem dos dias de hoje. Ver
a respeito Sant´Anna, 1994 e Goellner, 2003.
7 Por exemplo, as revistas Boa Forma, Capricho,Nova, Marie Claire, entre outras. Para
uma análise crítica, ver o excelente trabalho de Dantas, 2002.
8 Conforme o filósofo colombiano Felipe Prieto (2001), “(...) vivemos na sociedade
mais medicalizada da história, desde fetos nos medicalizam, ai daquele pobre bebê que
quando não atende, não pára quieto, não se movimenta bem, de imediato se diz que
isto ocorre porque ele não tem estimulação precoce, [...]ai daquele pobre, já maduro, já
adolescente que não realize plenamente sua saúde, pois daí em diante está precisamente
nas garras da eficácia transformativa do corpo, na qual não há descanso possível
nenhum, para nenhum ser humano (...)” .
9 Há mulheres nos EUA que extirpam suas glândulas mamárias para “evitar” o câncer de
mama; fazem mastectomias preventivas! Ver a respeito Silva, 2001.
10 Brukner (2000 :17) (...) "Par devoir de bonheur, j’atends donc cette idéologe propre
à la deuxième moitié du XXe et qui pousse à tout évaluer sous l’angle du plaisir et du
désagrément, cete assignation à l’euphorie qui rejette dans la honte ou le malaise ceux
qui n’y souscrivent pas. Double postulat: d’un côté tirer le meilleur parti de sa vie; de
l’autre s’affliger, se pénaliser si l’on n’y parvient pas.
11 Utilizo aqui a expressão e o conceito de Certeau, 1999 e Poirier, 1998.
Labrys
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