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NOTAS DIDÁCTICAS

Psico-Neuro-Imunologia
Área de interesse em Psicologia da Saúde

JOSÉ A . CARVALHO TEIXEIRA (*)

Tem sido grande a evolução dos conhecimen- gicos podem modular as respostas imunológicas
tos das relações entre factores psicológicos, neu- e, ao mesmo tempo, permitiram questionar quais
ro-endócrinos e imunológicos desde que Solo- as consequências disso para a saúde e para a do-
mon (1 964) publicou o artigo intitulado Emo- ença.
tions, Immuniíy, and Disease: A Speculative Theo- A investigação fundamental realizada nesta
retical Zntegration no qual introduziu o termo área revelou que o sistema imunológico controla
psico-imunologia. Mais tarde, publicou a propó- funções nervosas superiores e que o sistema
sito dos efeitos supressores da imunidade rela- nervoso central controla o sistema imunológico
cionados com o stress (Solomon, 1969) e surgiu (Maier, Watkins, & Fleshner, 1994), o que per-
um outro trabalho significativo na história da mitiu introduzir o papel dos processos psicoló-
psico-neuro-imunologia que introduziu a possi- gicos. Na medida em que o sistema nervoso cen-
bilidade de condicionamento das respostas imu- tral controla, regula e modula as respostas imu-
nológicas, na sequência das investigações clás- nológicas, então é plausível que factores psico-
sicas de Ader e Cohen (1975). Na década de 70 lógicos possam influenciar a imunidade, quer
surgiu um conjunto numeroso de trabalhos nesta negativa quer positivamente. Por outro lado, se
área, particularmente focalizados na possibilida- os processos imunológicos podem ter efeitos
de de acontecimentos indutores de stress pode- sobre as funções nervosas superiores, então tam-
rem ter repercussões sobre o funcionamento imu- bém é plausível que, potencialmente, possam ter
nológico e centrando-se, por exemplo, no luto impacte sobre o comportamento. A investigação
por viuvez, nas missões espaciais de astronautas nesta área interdisciplinar tem-se tornado cada
e na incorporação militar, entre outros. A inves- vez mais sofisticada, e têm sido consideradas va-
tigação nesta área foi também acompanhando a riáveis psicopatológicas, psicológicas e psicos-
par e passo os próprios progressos dos conhe- sociais.
cimentos imunológicos (descoberta dos anticor- Os conhecimentos adquiridos mais relevantes
pos monoclonais, por exemplo) e os desenvolvi- para a Psicologia da Saúde são os que resulta-
mentos dos últimos dez a quinze anos permiti- ram dos trabalhos de Kiecolt-Glaser, & Glaser
ram afirmar com segurança que factores psicoló- sobre os efeitos de certas situações indutoras de
stress no sistema imunológico: divórcio, realiza-
ção de exames, cuidar de pessoas demenciadas.
Estão em curso projectos de investigação a longo
(*> Psiquiatra. Assistente, ISPA. Coordenador do prazo com a finalidade principal de investigar
Núcleo de Investigação em Psicologia da Saúde. eventuais influências do stress crónico, suporte

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social e estilo de coping sobre a imunidade, na. considera as interacções entre o sujeito, a famí-
saúde e na doença. lia, os cuidados de saúde e o meio social.
Aspectos essenciais destes estudos mais re-,
centes: carácter prospectivo, definição precisa de: De grande actualidade no campo psico-neu-
variáveis psicológicas e avaliação mais adequada, ro-imunológico são os aspectos relacionados
do funcionanento imunológico. com a infecção pelo VIH e a SIDA. Resultados
de vários trabalhos apontaram 2 aspectos essen-
importante o trabalho de Cohen (1991) sobre ciais (Kiecolt-Glaser, & Glaser, 1988): factores psi-
a influência do stress na susceptibilidade A sim- cológicos e psicossociais podem ser co-factores
ples constipaçao. Neste estudo, a avaliação da de vulnerabilidade para a infecção pelo VIH e,
stress envolveu acontecimentos de vida, stresJ também, de progressão para a imunodeficiência
percebido e afecto negativo. Verificou-se a exis- em sujeitos seropositivos assintomáticos; inter-
tência de correlação positiva entre constipação e venções psicológicas poderão eventualmente
stress, não dependente da idade, sexo, escolari- retardar a incompetência imunológica ou, pelo
dade, estado alérgico e estaçao do ano, entre ou- menos, minimizar os efeitos negativos do stress
tros factores. Concluiu-se que aquela associação sobre a imunidade em sujeitos infectados.
relaciona-se com aumento da vulnerabilidade. Assim, tem-se procurado investigar se exis-
Situações indutoras de stress, factores psico- tem ou não modalidades de funcionamento psi-
patológicos (com destaque para depressão), cológico que facilitem a seroconversão por se
stress crónico, suporte social e outras variáveis associarem mais facilmente a comportamentos
de risco para o VIH, com destaque particular pa-
psicossociais em sujeitos com doenças cancero-
ra a alexitimia, estratégias de coping e patologia
sas são alguns dos aspectos mais importantes
do agir. Ao mesmo tempo, tem-se procurado iden-
que têm sido estudados e que, como é evidente,
tificar factores associados a seropositividade
ultrapassam largamente o campo restrito e limi-
para o VIH que pudessem facilitar a passagem
tado da Psicossomática para adquirirem relevân-
para a imunodeficiência, designadamente stress e
cia significativa em Psicologia da Saúde, na me-
depressão. Repare-se que, se a vulnerabilidade
dida que o que está em causa não é essencial-
imunológica a infecção for significativamente
mente a doença mas, pelo contrário, a promoção
influenciada por factores psicológicos eíou psi-
e a manutenção da saúde. cossociais, a probabilidade do sujeito infectar-se
As correlações entre variáveis psicológicas e poderá relacionar-se com o contexto psicológico
imunológicas foram inicialmente postas em e relaciona1 em que ocorrem os comportamentos
evidência em diversas doençasfísicas (infeccio- de risco (sexual ou não sexual).
sas, proliferativas, alérgicas e auto-imunes), bem
como em estados depressivos e psicóticos. Ou
seja: num primeiro momento predominou o para- A psico-neuro-imunologia tornou-se, hoje em
digma da doença e rapidamente se verificou a dia, uma área interdisciplinar da maior impor-
necessidade de fazer estudos sistemáticos, se tância para a Psicologia da Saúde, trazendo
possível prospectivos, em sujeitos normais. conhecimentos relevantes para a promoção da
Assim, só num segundo momento do desenvol- saúde e prevenção da doença. Torna-se necessá-
vimento da psico-neuro-imunologia começaram rio que cada vez mais psicólogos se interessem
a aparecer estudos de correlação entre variáveis por esta área bem como psiquiatras e outros mé-
psicológicas e imunológicas numa perspectiva dicos, para o que é necessário desenvolver equi-
efectivamente psicológica, abrindo-se linhas de pas multidisciplinares e ter acesso a recursos
investigação associadas ao stress, dor crónica, materiais significativos, uma vez que a investi-
experiência precoce, estilo de coping, suporte gação nesta área é quase sempre muito dispen-
social e, ainda, sobre a influência de técnicas de diosa. Seja como for, muitas áreas relacionadas
intervenção psicológica sobre a imunidade. O com a saúde estão abertas ao desenvolvimento
contexto teórico mais prometedor parece ser o de investigação psico-neuro-imunológica: stress,
que operacionaliza as diferentes variáveis no saúde e doença; variáveis de personalidade e sua
ambito do modelo biopsicossocial da saúde e influência na manutenção da saúde elou no

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aparecimento da doença; gravidez e maternida- Maier, S. F., Watkins, L. R., & Leshner, M. (1994).
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mento de saúde, etc.) para optimizarem as res- Solomon, G. F., & Moos, R. H. (1964). Emotions, Im-
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ve de Ia c h i q u e . Revue Internationale de Psycho- dáctica o Autor discute alguns aspectos psiconeuro-
pathologie, 8, 541-544. imunológicos relevantes para a Psicologia da Saúde,
I
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