O tempo como componente das situações jurídicas, cujas configurações no direito podem ser
abordadas de várias formas
“O presente estudo invade o exame do tempo com o auxílio dos recursos das ciências naturais com o
intuito de provocar revisões conceituais acerca dos sistemas processuais, notadamente na área
criminal, porque o tempo é um fator que concorre na identificação desses sistemas”1
A preocupação com a celeridade é uma constante, no sentido de que se espera dos órgãos
jurisdicionais uma resposta “no menor tempo possível”.2
Tal problemática diz respeito, diretamente, nos sistemas processuais, a fim de se evitar julgamentos
sumários, procedimentos precipitados, em desrespeito às garantias constitucionais – a questão da
instrumentalidade do processo, numa visão crítica-reflexiva, num repúdio à falta de “maturação” do
processo, essencial a um provimento jurisdicional justo.
“O tempo é fundamental para o direito de defesa” 3
O réu não pode ser visto como “objeto do processo” e sim como “sujeito de direitos”
Vide LEDESMA, Héctor Faúndez, apud THUMS, 2006, p. 32.
A identificação do sistema processual, na atualidade, depende, não só do modelo constitucionalmente
previsto (sistema de garantias a definir o grau de garantismo do ordenamento jurídico-constitucional),
bem como há de se verificar a “temporalidade do procedimento” que fornece elementos para tanto.4
Um sistema acusatório (garantista) não trata a questão da temporalidade do processo do mesmo modo
que o inquisitório (autoritário). Este último “restringe ao máximo o tempo dos atos processuais e
reduz a possibilidade de defesa e recursos, enquanto aquele dispõe em sentido oposto, isto é, nem
curto de mais, nem exageradamente longo”5 (a razoabilidade na duração do processo, a fim de
possibilitar uma defesa plena, ao mesmo tempo em que evite o sofrimento da demora).
A preocupação da doutrina penal em construir o sistema jurídico sob bases científicas, fazendo com
que o Direito Penal fosse enfocado como ciência social e também jurídica (LISZT, Franz Von apud
ROXIN)6
Segundo o citado jurista alemão, a ciência jurídica só pode ser concebida a partir da idéia de sistema,
“pois só a organização dos conhecimentos num sistema garante um domínio claro e sempre
manuseável de todos os detalhes, domínio sem o qual a aplicação jurídica nunca passará de
diletantismo, entregue ao acaso e ao arbítrio”.7
A idéia de sistemas processuais é recente; somente a partir do séc. XIX é que o Direito Processual
Penal passou a receber um tratamento autônomo, desvinculado do Direito Penal. Porém, é inegável o
quanto um influencia o outro – “fora da idéia de sistemas, as regras processuais não passam de um
amontoado de normas”.8
Contemporaneamente, nos sistemas processuais ditos acusatórios, não se nega o caráter de controle
social que possui o direito penal. No entanto, há de se reconhecer ser caráter fragmentário (ultima
ratio).
Nesse sentido, há de se exigir uma afinidade entre as normas penais e processuais penais, bem como
entre elas e a Constituição Federal, já que tanto o direito penal como o processo penal são
instrumentos do poder de penar do Estado, “empregados como forma de controle social”.9
“A compreensão dos sistemas processuais é fundamental para o estudo do Direito Processual Penal,
eis que traduzem a ideologia política na estrutura da ordem jurídica”.10
1
THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 31.
2
Op. cit., p. 31.
3
Op. cit., p. 31.
4
Op. cit., p. 32.
5
Op. cit., p. 32.
6
ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 3
7
Apud ROXIN, op. cit., p. 5.
8
THUMS, op. cit., p. 175.
9
THUMS, op. cit., p. 175.
10
THUMS, op. cit., p. 175.
O Direito Penal e o Processo Penal: campos da ciência jurídica que diz respeito à restrição às
liberdades individuais
A compreensão do fenômeno jurídico que envolve a seara penal, projetando-se na forma do poder
político de controle social há de ser contextualizada histórica (espaço-temporal) e politicamente
A história da civilização tem todo o seu trajeto marcado pela luta em prol da liberdade, que é, sem
dúvida, a essência da vida, conforme ensina Paulo Fernando Silveira:11
“[...] o homem nunca abriu mão da liberdade, que constitui o seu bem mais precioso, pois é o
modo natural de manifestação da vida, da inteligência, da criatividade, das quais decorrem,
inelutavelmente, a indústria e o progresso, enfim, a civilização. O homem nasceu para ser livre,
sujeitando-se ao mínimo de restrições necessárias à realização do bem comum”
Ao longo dos séculos, o convívio em sociedade vem marcado pela tentativa permanente de se obter
um ponto de equilíbrio entre a liberdade individual e a preservação da ordem e da tranqüilidade social,
de modo a não se chegar a extremos: de um lado, a anarquia; de outro, a ditadura. Sob esse aspecto,
não foram poucos os regimes ditatoriais que se implantaram em defesa “da ordem pública e da
segurança nacional”.12
Assim, toda a nossa trajetória está marcada pelas lutas travadas entre o indivíduo e o Estado, em que,
desde a antiguidade clássica, o homem já reconhecia os princípios de liberdade, que foram sendo,
paulatinamente, conquistados. E, como não poderia deixar de ser, tais conquistas se refletiram no
campo do Direito.
Um Direito Penal máximo é reflexo natural de épocas em que o Estado se vê ameaçado pela
criminalidade, criando leis e punição mais severas, com processos mais inflexíveis.13
“Os sistemas processuais inquisitivo e acusatório são reflexo da resposta do Processo Penal frente às
exigências do Direito Penal e do Estado da época”.14
Na história do Direito, assim como a luta pela liberdade é uma constante e um marco na assunção de
novos modelos, mais ou menos repressivos, a idéia de sistematizar “as regras do jogo” na esfera
penal, o que significa identificar o método aplicável, ou seja, o “modo de resolver as questões
penais”15, também merecer ser contextualizada no espaço e no tempo. Ou seja, o modelo é variável,
enquanto forma de composição de conflitos (solução do caso penal), de acordo com a “opção” de cada
nação.
Na Antigüidade Na contemporaneidade
a) atividades de acusar e julgar atribuídas a pessoas a) clara distinção entre as atividades de acusar,
diversas; defender e julgar;
b) atuação passiva dos juízes, quanto à iniciativa e b) a iniciativa probatória deve ser das partes
gestão da prova;
c) adoção do ne procedat iudex ex officio (não se c) a imparcialidade do julgador (alheio à
admitindo denúncia anônima, nem processo sem investigação e passivo no que se refere à colheita
acusador legítimo e idôneo); da prova);
d) delito de denunciação caluniosa, como forma de d) tratamento igualitário das partes;
punir acusações falsas;
e) não se podia proceder contra réu ausente (penas e) publicidade dos atos processuais;
corporais);
f) acusação feita por escrito, com indicação das f) acusação formal e escrita;
provas;
g) contraditório e direito de defesa; g) contraditório e possibilidade de resistência – a
ampla defesa, e o duplo grau de jurisdição
h) predominância da oralidade; h) predominância da oralidade no procedimento;
i) julgamentos públicos, mediante votação dos i) livre convencimento motivado do julgador
magistrados, sem qualquer deliberação
Modelo que prevaleceu com plenitude até final do século XVIII (para alguns países, até parte do
século XIX), derrotado por movimentos sociais e políticos que levaram a uma mudança de rumos,
como por exemplo, a Revolução Francesa, de 1789.
Características:17
a) a reunião, em um mesmo órgão, das funções de acusar e julgar;
b) procedimentos judicialiformes, sem acusação formal;
c) procedimento essencialmente escrito, com atos processuais sigilosos e “julgamentos a porta
fechadas”, sem contraditório;
d) a confissão como a principal das provas, legitimando inclusive a tortura como meio para sua
obtenção e suficiente para a condenação – com ela, dispensava-se a necessidade de advogado;
e) originariamente, predominava o sistema de tarifação probatória;
f) o juiz-inquisidor: atua como parte, investiga, dirige, acusa e julga;
g) a sentença não produzia coisa julgada;
h) o estado de prisão do acusado durante o processo como regra geral;
i) a busca da verdade real a qualquer custo;
j) penas severas e cruéis: a idéia do castigo;
k) a inexistência do Estado de Direito.
16
LOPES Jr., op. cit., pp. 57/58.
17
LOPES Jr., op. cit., pp. 58/66.
18
LOPES Jr., op. cit.,p. 66.
Têm fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do sistema inquisitivo
desenvolvido a partir do direito canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da
monarquia absolutista.
As investigações preliminares eram feitas pelo Magistrado, com sérios comprometimentos a sua
imparcialidade, porém a acusação era feita pelo Estado administração, por meio do Ministério
Público.
O procedimento é levado a cabo pelo Juiz, que procede às investigações, colhendo as informações
necessárias a fim de que se possa, posteriormente, realizar a acusação perante o Tribunal competente.
Nasce a acusação propriamente dita, em que as partes iniciam um debate oral e público, sendo a
acusação realizada por órgão distinto do órgão julgador.
Características: