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Capítulo Onze

O S E N T I D O NO C A S A M E N T O
E A VIDA F A M I L I A R

O sentido do momento é diferente para cada pessoa e em cada situa-


ção. Portanto, não existe significado para uma família inteira, como
um grupo. Existe, no entanto, o significado para cada membro da
família, incluindo o sentido do relacionamento que há entre uns e
outros.

0 Sentido para os Membros da Família


A maior parte dos métodos e exercícios mencionados neste livro-diá-
logo socrático, desreflexão, modificação de atitudes, elaborando listas,
logodrama, fantasias, exploração de valores - podem ser usados pelos
indivíduos, membros de uma família
O casamento e o aconselhamento familiar oferecem oportunidades para
métodos adicionais. Na elaboração de listas, por' exemplo,
foi pedido ao esposo que relacionasse uma série de coisas de que
ele gostava e coisas de que não gostava em si mesmo; à esposa, pedi-
ram que fizesse o mesmo a seu respeito. Então pediram a cada
um que tentasse adivinhar o que continha a lista do outro. As
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adivinhações eram depois comparadas com o que cada um havia es- estivessem falando. A seguir exemplificamos o caso de um diálogo,
crito. A maior parte das suposições estavam certas? Erradas? Até onde um atrito está prestes a ocorrer:
que ponto marido e mulher de fato se conhecem? Como se sente o
cônjuge quando seu parceiro adivinha corretamente? E quando está Ela: Eu já estou cheia do seu trabalho até altas horas da noite.
errado? Os casais reagem de maneira diferente. Alguns se sentem Ele: Você acha que eu estou me divertindo?
bem quando um parceiro demonstra conhecer bem o outro. Outros se Ela: Obviamente você deve preferir trabalhar a passar a noite ao
sentem desconfortáveis. Há casos em que num mesmo casal, um se meu lado. Com certeza tem uma namorada.
sente bem, o outro mal. Que significa isso para o seu relacionamen- Ele: Você está louca. Eu trabalho, trabalho e você ainda me acusa
to? O diálogo socrático, primeiro entre o parceiro e o orientador, de estar tendo um caso.
depois entre os dois parceiros, ajudá-los-á a ver o que suas reações Ela: Tenho meus motivos. Já o apanhei com a Susan.
representam em seu relacionamento. Ele: E que me diz de você com o Harry?
Ela: Isso só aconteceu porque você me deixava sozinha todas as
Esta lista mútua também pode ser tentada entre pais e filhos, entre noites.
irmãos ou entre quaisquer membros da família como avós ou tios
que vivam sob o mesmo teto, ou tenham relacionamentos muito che- As acusações mútuas têm a tendência de rolar como uma bola de ne-
gados. Como se sente um filho se ele não é compreendido ou não é ve numa avalanche. O orientador sugere que os parceiros troquem
"muito bem" compreendido? De que maneira a avó interpreta o pa- de cadeiras e que o marido, sentado na cadeira da esposa, responda
pel dela dentro de um lar? por ela.

Como foi discutido no capítulo anterior, o jogo de adivinhação tam- Ele: (falando pela esposa) Sinto muito que você tenha que trabalhar
bém pode ser jogado entre os membros da família, para estabelecer até tão tarde. Gostaria de poder passar mais tempo com você.
valores hierárquicos. O casal e os outros membros da família não Ele: (mudando de novo de cadeira e falando por si mesmo) Eu tam-
precisam ter os mesmos, nem mesmo parecidos, valores de preferên- bém gostaria de ficar mais tempo com você. Mas não me inco-
cia. Mas é muito bom para todos, que cada um saiba o que é impor- modo de fazer horas extras, pois é em função delas que teremos
tante para a pessoa com quem eles vivem. condições de passar umas férias juntos.
Ele: (trocando outra vez de cadeira e falando por ela) Fico contente
Outro método útil ao aconselhamento familiar é o logodrama, que com isso, querido. As férias significam muito para mim.
facilita aos membros da família, a oportunidade de falarem uns Ela: (falando por si mesma) Férias realmente significam muito para
aos outros. E melhor escolher um problema de cada vez. Quando o mim. Concordo que se você não trabalhasse tanto não teríamos
diálogo começa a enveredar para um rumo perigoso e a colisão oportunidade de gozar esse descanso.
parece inevitável, pede-se a um dos parceiros que troque de lugar
com o outro e passe a responder da forma que ele gostaria que lhe O atrito foi evitado. O casal agora pode falar de outros problemas.
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Ele: O caso com Susan foi uma exceção. Você saiu de férias por sua Ela: Você é um cabeçudo e torce tudo que eu digo da maneira que
conta e eu me sentia muito solitário. lhe convém.
Ela: Eu sei o que você quer dizer. Foi o que me aconteceu com o Ele: Isso é mentira. É você mesma que...
Harry. Fiquei tantas noites sozinha... Orientador: Pare! Isto é contra a regra. Primeiro repita o que sua
Orientador: Que vocês poderiam fazer para que as coisas deste tipo esposa falou.
não voltassem a acontecer no futuro? Quais as possibili- Ele: Você é um diabo de um cabeçudo e sempre tem que ter razão.
dades que vocês enxergam? Ela: Não foi isso que eu disse.
Ele: Mas foi o que quis dizer.
O casal preparou uma lista: Ela: Como você sabe o que eu quis dizer?
. Abrir mão das férias e passar as noites juntos. Orientador: Você se lembra do que sua esposa disse?
. A esposa passa a fazer algum curso noturno, que lhe interesse, Ele: Claro! Não sou nenhum idiota. "Você é um tolo cabeçudo que
enquanto o marido trabalha. torce tudo que eu digo para que lhe convenha."
. A esposa arruma um trabalho de meio período para juntar dinhei- Ela: De fato eu disse que você é cabeçudo, mas não o chamei de
ro para as férias e outras despesas extras. tolo. Você não é tolo.
. Deixam as coisas como estão e continuarão a brigar. Ele: Bem, obrigado. Pelo menos alguma coisa de bom eu tenho. (Ele
. Pedem divórcio. ri).
. Tentam reduzir certas despesas para não precisar procurar Ela: Ah, você tem mesmo pontos positivos.
trabalho extra. Orientador: (para o marido) Qual a sua resposta por ter sido cha-
mado de cabeçudo?
As vantagens e desvantagens de cada uma das opções são discuti- Ele: Eu tenho minhas opiniões próprias, sim, mas não fico torcendo
das. Decidem sobre o curso noturno da esposa. Há muito tempo ela as coisas.
vem querendo fazer um curso de cerâmica. Ela também expressa in- Ela: Torce, sim. Você se lembra...
teresse em trabalhar meio período em alguma coisa que a satisfaça - Orientador: Eco, por favor.
não quer trabalhar só pelo dinheiro. Ela: "Eu tenho minhas opiniões próprias, mas não fico torcendo as
Em geral os problemas matrimoniais e familiares parecem difíceis de coisas".
resolver porque os parceiros falam contra o outro ao invés de falar Ele: Certo.
para o outro, ou porque suas conversas se desintegram em acusa- Ela: Você se lembra no ano passado, quando eu estava admirando
ções e defesas que bloqueiam a comunicação. Quando a pessoa fala um colar de pérolas numa vitrine, você disse que eu ia levá-lo
contra o outro a técnica "eco-diálogo" pode ser empregada. O "e- à ruína?
co-diálogo" é uma técnica simples que consiste no seguinte: um dos Ele: "Lembra o ano passado, quando eu estava admirando um colar
parceiros só pode responder, depois de haver repetido a afirmação de pérolas numa vitrine e você disse que eu ia levá-lo
de seu companheiro, até que ele se sinta satisfeito. à ruína?"
Ela: Certo.
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Ele: Bem, se isso é tudo que voce se lembra... Uma vez por ano não Ele: Não fique magoada.
faz mal torcer as coisas, faz? (Eles riram)
Agora eles começaram a se entender. Já não discutem um contra o Suavemente a atmosfera torna-se menos envenenada e um diálogo
outro; riem juntos. O caminho para o diálogo está aberto. verdadeiro se faz possível.
A técnica da lanterna é usada quando a discussão começa a tornar- O JOGO DO QUAMESI *
se agressiva. Elisabeth Lukas desenvolveu algumas regras para esse
método. O casal e o orientador sentam juntos. O orientador não par- Outro método para manter as discussões matrimoniais num plano
ticipa da conversa e é meramente um controlador automático que se- mais efetivo, evitando que se encaminhem para o terreno das emo-
gura uma lanterna. Todas as vezes que um dos participantes diz algo ções, é baseado nas técnicas de aconselhamento matrimonial usadas
ofensivo ao outro, ele acende a lanterna. Ao ver a lanterna acesa, a pela primeira vez pelo padre Gabriel Calvo, da Espanha. Seu méto-
pessoa que está falando deve repetir o que disse, mas desta vez sem do foi adotado por terapeutas de linhas de pensamento muito diver-
hostilidade, sarcasmo, xingamento, acusações ou negatividade. En- sas, e também pode ser usado pelos que têm inclinação pelo método
tão a discussão continua. Só uma pessoa pode falar por vez, e a re- logoterapêutico. Esse método é chamado o jogo do QUAMESI. As
gra com a lanterna é igualmente aplicada a todos. Eis um exemplo letras que formam esse acrónimo significam: Quais Os Meus Senti-
de uma discussão em que a técnica da lanterna foi utilizada: mentos Sobre Isso? Este jogo é de especial utilidade como uma fer-
ramenta de auto-ajuda para casais que detectam os primeiros sinais
Ela: Você é um cabeçudo e torce tudo o que eu digo da maneira que de uma tormenta que se aproxima e desejam evitar um naufrágio; e
lhe convém. (A lanterna acendeu). para casais que vivem bem e querem viver ainda melhor.
Ela: Você tem suas próprias opiniões e não ouve o que eu estou
dizendo. Uma sessão do jogo de QUAMESI leva mais ou menos meia hora.
Pode ser praticado todos os dias como um exercício para o espírito,
Ele: Eu ouço, mas geralmente você fala besteiras que não me ou pode ser reservado para ocasiões em que problemas especiais
interessam. (A lanterna acendeu). aparecem. Se decidimos jogar todos os dias devemos selecionar um
Ele: Eu ouço, sim, mas não estou interessado em suas fofocas. (A problema para cada dia. Um dia pode ser dedicado a pequenas desa-
lanterna acendeu). venças do casamento, (QUAMESI quer que eu ande atrás de você
Ele: Muito bem. Você em geral fala de coisas que não me inte-
ressam. catando as coisas que deixa pelo caminho?) a conflitos mais sérios
Ela: Então me diga isso. Não posso ler seus pensamentos, Senhor (QUAMESI você está recusando fazer amor comigo quando estou
Professor. (A lanterna acendeu). querendo?) ou a tópicos gerais, raramente discutidos (QUAMESI
Ela: Não posso ler seus pensamentos. nosso amor um pelo outro?) O jogo tem quatro partes que podem ser
Ele: Está bem. Daqui para frente eu digo. Mas você não precisa resumidas na sigla ETDS, que é o acrónimo para:
pular em cima de mim, do jeito que você faz todas as vezes que
eu... (A lanterna acendeu). * WAMFA (What are my feelings about?).
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Escreva por dez minutos sobre o tópico escolhido. Os sentimentos são espontâneos. Não são bons nem maus. Contudo,
Troque o que você escreveu, e cada um lê as palavras escritas podem ser positivos ou negativos. Não hesite em compartilhar seus
pelo outro. sentimentos negativos, mas evite descarregar "lixo desnecessário".
Dialogue com seu parceiro por dez minutos sobre o que cada Não tente justificar seus sentimentos, apenas tome conhecimento de
um escreveu, e como se sentiram a respeito do que sua existência. Todas as vezes que você disser "Eu sinto... porque,"
leram. está demonstrando que não aceita seus sentimentos. Está tentando
prová-los e justificá-los. Aceitar seus sentimentos não significa que
Selecione um tópico para o dia seguinte. você não tem controle sobre os atos que deles brotam. As ações po-
O método QUAMESÍ/ETDS focaliza a atenção nos sentimentos dem ser prejudiciais ou proveitosas para você e para os demais.
atuais ao invés de explorar problemas com causas enraizadas ("Sua Quando se enfrenta com lealdade uma emoção, novos caminhos po-
dem ser abertos para se lidar com ela. Um diálogo franco com seu
mãe costumava limpar tudo que você sujava; não sou sua escrava. parceiro será sempre bom. O diálogo ETDS entre cônjuges é guiado
Arrume sua própria bagunça". Ou "Se você grita comigo o dia todo, por estas regras:
não tenho vontade de fazer sexo com você à noite").
Cada um dos parceiros expõe claramente o problema. Que sente o . Fique com seus sentimentos. Isto evita discussões desnecessárias.
marido quando sua esposa deixa as meias dele no chão? Que sente a Se a esposa disser, "Se você largar suas meias no chão eu vou
esposa quando o marido resmunga porque ela não limpou direito a ficar furiosa", o marido não poderá discordar dizendo, "Não, is-
casa? Que sente o marido quando sua esposa vem com desculpas so não fará você ficar furiosa."
("Estou muito cansada, estou com dor de cabeça")? Que sente a es- . Evite contra-atacar. Não diga: "Bem, e quanto a você?
posa quando ela não consegue superar o ressentimento pelas recla- Você larga a louça suja dentro da pia".
mações do marido e recusa suas investidas românticas? . Evite deixar que o diálogo se estenda além do que está sendo
tratado, ou que se reporte a eventos passados: "A semana pas-
Cada parceiro escreve sobre seus sentimentos não ultrapassando dez sada você fez isso, o mês passado você fez aquilo... Quando sua
minutos. Especifique somente como você se sente sobre o compor- mãe nos visita você fica cheia de exigências, e é ela quem deixa
tamento do seu cônjuge. Use os adjetivos - "raiva", "desaponta- tudo na maior desordem."
mento", "frustração". E não esmaeça o colorido da descrição da- . Evite ataques pessoais. Não diga: "Bagunceiros como você me
quilo que você realmente está sentindo - "Isso me dá vontade de põem furiosa", mas: "Quando alguém larga as coisas esparrama-
subir pelas paredes" ou "Eu podia te agarrar pelos ombros e te sa- das por aí, fico furiosa." Descreva sua raiva da maneira mais real
cudir." Afaste-se de julgamentos. As palavras "Eu acho" são em que puder, e, se possível, com humor.
geral mal usadas para expressar um julgamento - "Eu sinto que você . Lide com um problema de cada vez. Os pratos sujos e as visitas
não está sendo honesto comigo". Sempre que puder, substitua "Eu da mãe podem ser discutidos em diálogos posteriores.
acho" por "Eu sinto". Expressamos nossos verdadeiros sentimentos . Discuta ações alternativas. Depois de expressar abertamente e
dizendo "Eu estou..." Não se pode dizer "Eu acho raiva", unica- tomar conhecimento de suas emoções, você pode discutir atitudes
mente "Eu estou com raiva". que são possíveis, em vez dos sentimentos que cada um tem.
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O DIÁLOGO DE AUTO-AJUDA distanciamentos funcionais nem atritos funcionais. Como a própria


vida, a família exige de cada membro uma tarefa que deve ser
O jogo do QUAMESI inclui o diálogo de auto-ajuda. Perguntas rele- executada, a fim de que os relacionamentos familiares sejam signi-
vantes num diálogo entre marido e mulher podem influenciar um ficativos.
comportamento positivo. Elas podem incluir:
Uma jovem mãe, por exemplo, tem uma função relativamente ampla,
. Qual foi a primeira coisa que a atraiu em mim? em razão de seus filhos e das crianças pequenas. Se ela buscar a
. Quais das suas qualidades fizeram com que eu quisesse casar realização pessoal através de uma carreira ou de atividades sociais,
com você? um distanciamento funcional poderá ocorrer. O distanciamento po-
. Quais das suas qualidades eu aprecio hoje? derá ser preenchido por outra pessoa, como uma avó que viva com a
. Que nós temos em comum? família. Quando as crianças crescem, a função materna diminui. Se
. Em que ponto não nos compreendemos inteiramente? Que ela continuar a exercer o papel de protetora como nos primeiros
poderemos fazer para que isto aconteça? anos, e tratar seus filhos como se eles ainda fossem bebés, o atrito
. Como você se sente quando não estou aberto para você, quando funcional poderá acontecer.
não a escuto?
. Como você se sente quando realmente eu a ouço e escuto? Numa família saudável, cada membro está consciente de sua função
. Descreva seus sentimentos em três ocasiões em que você se dentro da família, embora essas funções mudem com o correr do
sentiu perto de mim. tempo. Ter em mente essas funções é especialmente difícil em épo-
. Como você se sente quando eu não demonstro confiar em você? cas de crise (desemprego, doença, um novo filho, velhice, morte) o
. Como você se sente quando eu demonstro confiar em você? que poderá requerer que alguns membros assumam responsabilida-
. Quais são seus sentimentos sobre o compromisso que assumimos? des adicionais, ou renunciem a certos privilégios. Uma família sau-
Meu compromisso com você? Nossas relações sexuais? A comu- dável precisa estar atenta a duas situações que colocam emriscoseu
nicação entre nós dois? bem-estar:
. Quais são seus sentimentos a meu respeito neste momento? (Esta
pergunta pode ser tratada como cartas que vocês trocam entre si, 1- Quando um membro dá ordens que devem ser efetuadas
e que colocam no correio uma semana depois de escrevê-las, a pelos outros. Isto pode conduzir ao atrito funcional e
fim de reacender os sentimentos que brotaram do diálogo.) excesso de autoridade.
2- Quando cada membro da família vive sua própria vida sem
se importar com os outros. Isto conduz ao distanciamento
0 Significado nos relacionamentos familiares funcional e falta de autoridade.

Elisabeth Lukas considera uma família saudável, aquela cujos mem- Quando os membros da família têm um relacionamento saudável,
bros exercem uma função significativa. Famílias assim, não têm cada indivíduo está ciente do papel que desempenha e se esforça
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para executar seu papel, dentro da situação cambiante da vida fami- ameaçador, na posição de um urso, ou isolado - talvez nem fazendo
liar. Para realizar essa conscientização, cada membro deve mobilizar parte do grupo. A mãe pode estar abraçando, pregando um sermão
duas capacidades humanas: o autodistanciamento e a autotranscen- com o dedo em riste ou tapando os ouvidos com as mãos. O irmão
dência. pode ser moldado como arrogante, e a irmã mostrando a língua numa
expressão de insolente rebeldia.
O autodistanciamento nos permite afastar-nos de nós mesmos (men-
talmente) e ver onde estão acontecendo os distanciamentos e os
atritos. Sem esse afastamento, estamos mais propensos a prestar Cada membro da família tem sua vez de ser "escultor" e a famlia
atenção unicamente em nossas necessidades e provavelmente não toda deve concordar em seguir as instruções do "artista" sobre as
notaremos a necessidade dos demais. A autotranscendência nos per- poses e expressões faciais que ele inventar. O quadro irá então mos-
mite, através de nossa preocupação com os outros membros da famí- trar como cada membro enxerga a família e os relacionamentos - as
lia, assumir atribuições que na verdade não queremos, ou abrir mão duplas, os triângulos, as alianças, os isolamentos, os conflitos, as
de funções que gostaríamos de manter. Conselheiros matrimoniais e provocações, os desafios, os medos e dependências.
lamiliares desenvolveram numerosas técnicas que se utilizam de
princípios logoterapêuticos. Duas delas, que facilitam o autodistan-
ciamento e a autotranscendência são "as esculturas" e "a folha de Depois que cada participante "esculpiu" os membros familiares, ca-
jornal". da qual é então solicitado a formar um segundo arranjo de esculturas
que mostre como cada pessoa gostaria de ver sua família. Depois
que toda a família tomou conhecimento de como é vista pelos parti-
ESCULTURAS cipantes e de como gostariam que fosse o relacionamento entre eles,
então a pergunta básica é novamente formulada: Qual seria o primei-
Esculpir é o autodistanciamento em ação. Toda a família finge que é ro passo a ser dado para que a atual situação pudesse ser revertida?
feita de barro e que pode ser moldada à vontade. Pede-se a um Neste momento a autotranscendência é trazida para o jogo. As per-
membro da família que agrupe seus familiares da maneira que ele os guntas são: que poderiam os membros da família fazer para encurtar
vê. O marido, por exemplo, pode formar um grupo no qual a esposa os distanciamentos, e de que eles estariam dispostos a abrir mão para
está isolada, de pé, numa pose de desafio, as pernas bem afastadas, evitar os atritos? Quem estaria preparado, para o bem dos demais, a
os braços cruzados. Ele está deitado no chão, indefeso, enquanto mudar seu comportamento? A escultura pode romper um círculo vi-
seus filhos o puxam em todas as direções. A esposa pode formar um cioso que estava sufocando a família, e um novo ciclo pode ser co-
grupo diferente. Ela pode ver-se agachada, enquanto seu marido fica meçado. A escultura pode tornar mais fácil para os participantes
empertigado com o pé no pescoço dela; todos os filhos, exceto um, conversarem uns com os outros - não só através de suas próprias
estão montados nas costas dela - esse um está num canto, alheio ao perspectivas, mas através de uma visão mais objetiva e até com
resto da lamília. As crianças podem formar várias esculturas, cada
uma diferente da outra. Um íilho pode esculpir o pai taciturno, humor.
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A FOLHA DE JORNAL Esse exercício pode ser executado pelo par, sozinho, OU diante
do resto da família que fica observando. Quando a família observa,
Este "jogo" também usa a capacidade humana de autodistancia- ela pode partilhar das análises comentadas pelo par que exe-
mento. É empregado para explorar o relacionamento entre duas pes- cutou o exercício. Este procedimento reforça o efeito do autodis-
soas - marido e mulher, pai com filho, irmão com irmão. tanciamento.
Uma folha de jornal, bastante grande para que duas pessoas caibam Todos os exercícios que exploram os significados do relacionamento
nela, é colocada no chão. Pede-se, então, a duas pessoas que se familiar influenciam o lado positivo da relação. Os aspectos negati-
aproximem da folha, vindo de direções opostas, e se coloquem sobre vos não devem ser menosprezados, mas as observações a respeito
ela. A maneira que elas respondem dá algumas ideias de como "se deles devem sempre ser acompanhadas pela pergunta: "Que pode-
sentem uma em relação à outra". mos fazer para que as coisas melhorem?" Onde as emoções podem
automaticamente dizer "não", o espírito ainda pode dizer "sim". Os
O marido, todo pomposo e cheio de si, pode colocar-se sobre a folha obstáculos que impedem um bom relacionamento podem ser removi-
como se estivesse dizendo: "É todinha minha". A esposa pode achar dos, e novas possibilidades são possíveis.
tranquilamente um lugar no canto. Ou lutar pelo seu lugar. Ou pode
encontrar seu lugar abraçando amorosamente o marido. Ou ficar de
pé, cautelosa, de forma a não tocá-lo. Existem inúmeras possibilida-
des. E as possibilidades são igualmente numerosas para as outras
duplas - e igualmente reveladoras.
Na segunda parte do exercício o par é solicitado a sair do jornal e
voltar a pisar nele como foi feito na primeira vez. Mas só que agora
eles devem ter consciência de seus movimentos. Devem prestar
atenção a cada passo, cada hesitação, resistência, acordos. Num
diálogo socrático subsequente, eles discutirão suas ações - como fo-
ram vistas de fora; a observação consciente de um comportamento
inconsciente. Podem falar a respeito dos sentimentos que tiveram
enquanto tomavam posição sobre o jornal: de provocação, culpa,
ternura, triunfo, fraqueza.

Na terceira parte do exercício, voltam a se colocar sobre a folha de


jornal. Mas nessa terceira vez, eles assumem posições que reflitam o
relacionamento que gostariam de ter.

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