Você está na página 1de 3

Brasilianas: a “outra” obra de Humberto Mauro como contraponto

XI Salão de
ao projeto nacionalista de filmes educativos do INCE
Iniciação Científica
PUCRS

Bruno Kloss Hypólito1, Dra. Janete Silveira Abrão1 (orientador)


1
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História, PUCRS

Resumo

A maior parte dos filmes do cineasta brasileiro Humberto Mauro (1897-1983) foi
realizada durante o período em que ele esteve vinculado ao Instituto Nacional de Cinema
Educativo (INCE), entre sua fundação em 1936 e a aposentadoria do diretor como funcionário
do Estado, em 1964. O INCE, enquanto órgão atrelado ao Ministério da Educação e da Saúde
Pública esteve, por consequência, diretamente ligado ao governo de Getúlio Vargas e seu
projeto de unidade nacional, que pressupunha a identificação de todos os indivíduos com o
Estado-Nação, em uma comunhão de valores morais e um único destino. Essa concepção
sofreu um revés ao longo da década de 1950, até a instalação de uma ditadura civil-militar em
1964.
Entretanto, é possível perceber que sua obra denominada Brasilianas, realizada
inteiramente durante o período em que Mauro esteve junto ao órgão, fuja às temáticas
nacionalistas governamentais, uma vez que os curtas-metragens, que compõem este conjunto,
retratam o mundo folclórico e regionalista da zona rural. Neste sentido, buscar-se-á analisar a
série Brasilianas (1945-1964) e o esforço de Humberto Mauro em resgatar os valores do
trabalho do homem do campo em um sentido pedagógico que escape, em parte, ao projeto de
Nação e Identidade promovido pelo INCE e pelos diferentes projetos de nacionalização dos
governos brasileiros entre o Estado Novo (1937-1945) e o Golpe Militar de 1964.
A principal motivação para a realização desta pesquisa está ligada ao interesse pelo
estudo de concepções nacionalistas ao longo da história contemporânea do Brasil e a forma
como o cinema foi utilizado para legitimar tais concepções na ideologia dos governos ao
longo deste período. Esta pesquisa faz parte do projeto Nações, Nacionalismos, Estados e

XI Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 09 a 12 de agosto de 2010 1442


Identidades Nacionais nas sociedades Ibero-Americanas coordenado pela Profª. Drª. Janete
Silveira Abrão do Programa de Pós-Graduação em História da PUCR.
Com parcos recursos, porém com muita criatividade, Mauro deu início a sua obra que
redescobriu as belezas do mundo rural do interior do Brasil, e buscou valorizar as tradições
regionais em um contexto político onde se buscava eliminar os regionalismos buscando
consolidar o Estado nacional e a industrialização. Sendo assim, o objetivo geral deste estudo
visa compreender quais circunstâncias políticas e sociais que permitiram que Mauro realizasse
a série Brasilianas em a um contexto que englobava diferentes projetos de nação e de Estado,
durante as décadas de 1940 e 1960.
Para tanto, fez-se necessário o estudo da história do Brasil em seus aspectos políticos,
ideológicos, culturais e sociais desde a fundação do Estado Novo (1937) até o Golpe Militar
(1964), através de autores como Maria Celina D’Araujo, Boris Fausto, Silvana Goulart,
Renato Ortiz e Thomas Skidmore. Buscou-se compreender as definições e paradigmas sobre
Nação, Nacionalismo, Estado e Identidade em autores como Anthony Smith, José Carlos Reis
e Alfredo Cruz Prados. O estudo metodológico de Análise Fílmica foi possível através das
obras de Marc Ferro e Marcos Napolitano. Além disso, necessitou-se compreender o contexto
da produção cinematográfica no Brasil e da obra de Humberto Mauro, ao longo do período
em questão, através de autores como Rosana Catelli, Paulo Salles Gomes, Vasco Lopes,
Eduardo Morettin, Fábian Núñes e Alex Viany.
A pesquisa deu-se através da revisão bibliográfica sobre a conjuntura histórica do
Brasil ao longo das décadas de 1930 e 1960, onde se puderam elencar as principais
características sociais e culturais da sociedade, bem como as práticas da política nos governos
que se seguiram durante o período. Além disso, constataram-se os diferentes entendimentos e
projetos sobre Nação, Nacionalismo, Estado e Identidade da época. Logo após, deu-se início à
análise fílmica dos curtas-metragens integrantes do conjunto Brasilianas, buscando observar
as representações de Mauro sobre as transformações sociais do Brasil e comparando com o
contexto de produção de cada filme com a realidade política em questão. E, por fim, buscou-
se estudar a biografia do cineasta e compará-la com outros estudos sobre a filmografia de
Mauro.
É notável a crítica que Mauro recebeu ao longo de sua carreira como cineasta, devido
ao seu vínculo com o Estado, ao ponto de, ainda hoje, sua obra junto ao INCE ser deixada de
lado pelos estudiosos da área do cinema. Obviamente, seu serviço junto o Governo diz muito
sobre seus valores pessoais e suas crenças, mas é preciso ter cuidado ao julgar sua obra como

XI Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 09 a 12 de agosto de 2010 1443


partidária e ideologicamente inserida às propostas nacionalistas dos governos ao longo desse
período. Na medida do possível, Mauro buscou manter a estética de seus filmes com um olhar
próprio e individual, de um homem que acreditava no desenvolvimento do país sem deixar de
lado o mundo regionalista, rural e singelo na construção da Nação. O cineasta conseguiu isso,
muitas vezes, ao deixar as imagens falarem mais do que o texto do narrador, permitindo que,
por meio da informação pedagógica, as sequências e planos falassem mais alto. Humberto
Mauro, dessa forma, construiu suas próprias concepções de identidade brasileira, e tentou
encontrar traços em comum entre sua poesia bucólica e o sentimento que une os indivíduos
em torno de uma nação.

Referências Bibliográficas
CATELLI, Rosana Elisa. O Cinema educativo nos anos de 1920 e 1930: algumas tendências presentes na
bibliografia contemporânea. In: Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 12, p. 1-15, jan./jun. 2005.

D’ARAUJO, Maria Celina. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2002.

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

GOMES, Paulo Emilio Salles. Humberto Mauro: Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva, Edusp, 1974.

GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo:
Marco Zero, 1990.

LOPES, Vasco D. O agente de construção de um sentido de identidade nacional como via de modernização em
O Descobrimento do Brasil (1937), Humberto Mauro. Disponível em: <http//:www.bocc.ubi.pt/pag/Lopes-
vasco-identidade-nacional.pdf.> Acesso em: 15 novembro 2009

MORETIN, Eduardo. Humberto Mauro. In: Alceu, v. 8, n. 15, p. 48-59, jul./dez. 2007.

NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In: PINSKY, Carla (orgs.). Fontes Históricas. São Paulo:
Contexto, 2006. p. 325-289.

NÚÑES, Fábian. Humberto Mauro e o Cinema Educativo. Disponível em


<http//:www.telabrasilis.org.br/chdb_fabian.html> Acesso em: 10 novembro 2009.

ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2001.

PRADOS, Alfredo Cruz. El nacionalismo: una ideologia. Madrid: Tecnos, 2005.

REIS, José Carlos. As identidades do Brasil 2: de Calmon a Bomfim. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). São Paulo: Paz e Terra, 1992.

SMITH, Anthony. Nacionalismo – Teoria, Ideologia, Historia. Madrid: Alianza, 2004.

VIANY, Alex. Humberto Mauro: sua vida, sua arte, sua trajetória no cinema. Rio de Janeiro: Artenova, 1989.

FILMOGRAFIA: HUMBERTO Mauro. Ministério da Cultura, Fundação Nacional da Arte – FUNARTE. Rio
de Janeiro, DECINE – CTAV, 2002. DVD.

XI Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 09 a 12 de agosto de 2010 1444

Você também pode gostar