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Corpo Ativo: Presença para a Constituição do Espaço

Phillipe Cunha da Costa *


Thaysa Malaquias de Mello **
Mariana Valicente Moreira ***

Resumo
Este artigo tem por objetivo a demonstração da problemática do corpo
estranho, não-branco, não-masculino e não-heteronormativo, como uma
estratégia projetual para constituição do espaço urbano e arquitetônico da
contemporaneidade. Desde os anos 60 com o advento da contracultura e da
arte performática, diversos artistas exploraram seus corpos na constituição
da identidade de diversos grupos minoritários politicamente, tais como as
mulheres, os negros e os LGBT. O projeto moderno, conforme descreve
Aaron Betsky e Diana Agrest, se manteve em crise identitária: um discurso
hegemônico para uma diversidade de corpos que não comporta dogmas tais
como Modulor, Homem Vitruviano ou Carta de Atenas. Para a realização de
um discurso diversificado, deve se propor o Corpo Ativo: sujeitos que fogem
do normativo padrão e subvertem o espaço genérico. Donna Haraway utiliza
como metáfora de corpo ativo o ciborgue: um corpo transformado pelo uso
das tecnologias que toma para si a biopolítica e questiona a ideia de gênero,
proporção, medida e geometria do ideário cartesiano que fora investido por
personagens como Robert Moses e Ayn Rand. Da revisão bibliográfica
sobre o corpo e espaço, os autores exemplificam estratégias políticas da
construção de corpos ativos como constituição da noção de espaço urbano
do séc. XXI.

Palavras-Chave: Corpo Ativo; Movimentos Sociais; Identidade; Arte


Performática.

Abstract
This article demonstrates the problem of the strange body, non-white, non-
male, non-heteronormative as a design strategy for urban and architectural
spaces in the contemporary times. Since the 60s with the advent of
counterculture and performance art, various artists have explored their
bodies in the constitution of the identity of various minority political groups
such as women, blacks and LGBT people. The modern project, as described
by Aaron Betsky and Diana Agrest, has remained in a crisis of identity:
conservative discourse for a diversity of bodies that doesn’t include dogmas
such as Modulor, Vitruvian Man or the Athens Charter. For an effective
diversified discourse, the Active Body must be proposed: subjects that
escapes from the normative standard and subvert from the generic space.
Donna Haraway uses an active body metaphor the cyborg: a body
transformed by the use of technologies that take biopolitics for itself and
questioning the idea of gender, proportion, measure and geometry of the
ideary invested by characters such as Robert Moses and Ayn Rand. From
the literature review on the body and space, the authors exemplify the
policies of building acitve bodies as a constitution of the notion of urban
space of the 21st century.

Key-words: Active Body; Social Movements; Identity; Performance Art.

* Universidade Federal do Rio de Janeiro


** Universidade Federal do Rio de Janeiro
*** Universidade Federal do Rio de Janeiro

Corpo Estranho

Fig.01 – Homens participando de Ritmo 0 (1974), performance de Marina Abramovic.

O corpo, palco de constantes conflitos e construção de identidade na cidade


nos movimentos sociais é treinado, moldado e marcado pelo cunho das
formas históricas predominantes sob individualidades, tornando instrumento
de controle social (FOUCAULT, 2008). Entretanto, o corpo se constitui como
elemento anti-hegemônico diante do terreno hostil que se caracterizam as
cidades. Segundo Susan Bordo, o corpo funciona como metáfora cultural da
densa rede discursiva de malhas simbólicas e normativas. Desde o advento
da popularidade da arte performática nos anos 1960 o corpo feminino, a
exemplo do palco funcional do corpo, se tornou mídia para denúncia contra
abuso e ódio, pois evidencia um corpo estranho. O corpo feminino neste
contexto é estranho já que, conforme elencado por Diana Agrest (2008),
historiograficamente sempre foi reprimido e negligenciado no exercício
projetivo da arquitetura, em suas noções sejam sociais ou métricas.
O episódio do revólver acontecido na performance de Ritmo 0 de Marina
Abramovic, acontecido em 1974, mostra como todo o espaço se mantem
exposto em sua vulnerabilidade pela ameaça mortal da artista feita por um
dos expectadores munidos de revolver e bala disponível na mesa da
performance. Este acontecimento fora explicitado durante a performance da
artista pela disponibilidade das ferramentas de ameaça, se tornando
evidente a necessidade da problemática da violação de corpos estranhos.
Um corpo estranho seria aquele que é diferente, não normatizado pelo
discurso biopolítico hegemônico politicamente e vulnerável pela sua falta de
representatividade simbólica no espaço sob a perspectiva arquitetônica e
urbana em meios de proporção, forma e função (programa). Negligenciado
não apenas por arquitetos e urbanistas, mas também pelos políticos,
planejadores urbanos e os próprios proprietários, o corpo, estranho, na
contemporaneidade se mantem evidência pelo seu estado de crise.

Fig.02 – Entrada da Womanhouse (1972), instalação Judy Chicago e Miriam Schapiro.

Ao mostrar o corpo de violado pelo próprio direito de viver através da ação


de violência de um dos expectadores dentro de um museu, a performance
de Marina Abramovic se confronta pelo incômodo de sua presença corporal.
É um feito simbólico, visto que tanto no espaço do museu quanto no espaço
urbano um corpo estranho tal como da mulher é visto como ataque, como
ofensa e agressão, vide as transformações do início do séc. XX em todos os
sujeitos.
A ação ofensiva e irracional no corpo também está presente nas fotografias
de Marcela Tiboni, a exemplo de Estudo para Desenho de Corpo I (2006)
onde a representação, projeto, corpo e exposição se tornam visíveis para a
problemática da construção e da violação do corpo. Nesta relação, artistas
como Abramovic, mesmo que de forma não intencional ou Judy Chicago,
com a épica instalação declaradamente feminista Womanhouse em 1972,
constroem, em diferentes mídias de exposição o corpo reprimido,
negligenciado. A construção da identidade cultural seja na cidade, arte e na
arquitetura, tem problemáticas semelhantes: a constituição do próprio corpo
como uma construção social (BUTLER, 2010). Na instalação de Chicago é
evidente a ação coletiva da construção da mulher por subversão: uma casa
cercada de elementos corporais do estereótipo feminino, onde outras
artistas também coletivamente constroem suas visões do seu próprio corpo
de maneiras variadas, ou por subversão ou por outras formas vanguardistas
de construção identitária.
Em seus trabalhos Vigiar e Punir e História da Sexualidade, Michel Foucault
assevera constantemente sobre a primazia da prática sobre a crença. Não
essencialmente por meio de uma dita ideologia, mas da organização e da
regulamentação do tempo, do espaço e dos movimentos de nossas vidas
cotidianas. Sendo assim, nossos corpos são treinados, moldados e
marcados pelo caráter das formas históricas predominantes de
individualidade sendo elas, desejo, masculinidade e feminidade. Diante do
panorama contemporâneo marcado por sucessivas conquistas referentes
aos direitos das mulheres, a intensificação de tais regimes controladores
destes corpos mostra-se diversionista e desmobilizador, sempre à busca de
um ideal de feminidade evanescente, homogeneizante, em constante
mutação, exigindo das mulheres que o sigam incansavelmente. Tornando,
assim, corpos femininos no que Foucault denominou como corpos dóceis:
aqueles cujas forças e energias estão habituadas ao controle externo,
sujeição, transformação e aperfeiçoamento ‘’por meio de princípios
organizadores centrais do tempo e do espaço, sendo as mulheres
convertidas em pessoas menos orientadas para o social e mais centradas
em sua automodificação ‘’ (MALAQUIAS et aliae, 2016)

‘’ O corpo não é apenas um texto da cultura. É também, [...] um


lugar prático direto de controle social. De forma banal, através das
maneiras à mesa e dos hábitos de higiene, de rotinas, normas e
práticas aparentemente triviais, convertidas em atividades
automáticas e habituais, a cultura "se faz corpo", como coloca
Bourdieu.[...] Nossos princípios políticos conscientes, nossos
engajamentos sociais, nossos esforços de mudança podem ser
solapados e traídos pela vida de nossos corpos — não o corpo
instintivo e desejante concebido por Platão, Santo Agostinho e
Freud, mas o corpo dócil e regulado, colocado. ‘’ (BORDO, 1997)

Conforme denotado por Pierre Bourdieu em A Dominação Masculina (2002)


a problematização vem do ato de subversão e domínio do discurso machista
protagonizado pelo corpo heteronormativo masculino que usa do ideal de
brutalidade, referida culturalmente como virilidade, sua condição primitiva de
dominação (BOURDIEU, 2002). Hoje, com as referidas tecnologias digitais e
a transformação advinda da cibercultura no ambiente ciberespacial, as
problematizações de gênero e corpo evidenciam as falhas no projeto
arquitetônico e urbanístico promovido e projetado pelo homem branco
heteronormativo. Se no Modulor de Le Corbusier se colocava em referência
o homem europeu e viril para toda a sociedade, hoje se demanda
flexibilidade na identidade do corpo a ser projetado no espaço, com
diferentes medidas, culturas e meios de construção. Diversas identidades
estão em afirmação no espaço urbano por exemplo, buscando não apenas
a representação, mas também da qualidade de vida que estudos típicos do
exercício projetual tal como a geometria e legislação urbana proporcionou a
ter para o corpo dito usual.
‘’ O corpo masculino é projetado, representado e inscrito no
desenho de prédios e cidades e nos textos que estabelecem essa
ideologia. O corpo feminino é suprimido ou excluído. O próprio
arquiteto é apresentado como mulher em relação às funções
reprodutiva e criativa, operando como uma substituição sexual,
literalmente. O corpo masculino transforma-se em corpo feminino
em suas funções de dar sustento, ou seja, vida - à cidade; o útero
da mulher se transforma no umbigo do homem. ‘’ (AGREST, 1991)

Corpo Urbano

Fig.03 – Rebelião de Stonewall de 1969 no bairro Greenwich Village em Nova York.

Entender o reconhecimento de corpos estranhos na cidade tem se mostrado


um desafio, visto a constituição tradicional da política de repressão dos
movimentos sociais ou da luta de expressividade das minorias nas
centralidades urbanas. Os movimentos sociais negros, das mulheres e dos
LGBT, por esta problemática da repressão, se diluíram nas periferias ou
zonas pobres de centros urbanos como São Paulo (Rua Augusta) e Rio de
Janeiro (Lapa) e metrópoles cosmopolitas como Nova York (Greenwich
Village) e Berlim (Schöneberg). Tais cidades, a exemplo do acontecido em
Stonewall em 1969, são marcadas pela grande diversidade cultural e o
choque constante entre as concentrações capitalistas de suas nações
semeando estilos de consumo do espaço que repreendem justamente os
corpos não utilizados nas demandas da população economicamente ativa.
Entretanto, estas diferenciações e a constante busca pela identidade no
espaço trazem perspectivas que, conforme elencado por Aaron Betsky
(1997), podem ser catalisadoras do processo de transformação dos próprios
espaços. Mas o espaço urbano não foi projetado para corpos estranhos: é
uma constituição hierárquica de padrão eurocêntrico e heteronormativo.
Todavia, é nesta perspectiva que nascem movimentos ciberculturais de
apropriação do espaço, generalizando o programa dos espaços e, por
muitas vezes, o subvertendo. São corpos ativos, que transformam o espaço
de maneira disruptiva contra a normatividade do espaço projetado. Diante
deste campo, analisaremos em questão o papel do corpo como processo de
identificação do gênero na cidade e do papel social de que se adquire,
criando uma narrativa dialogicamente com performances de artistas
contemporâneos que exploram este potencial como maneira de resistir a
repressão do discurso biopolítico conservador.
O projeto do espaço urbano e arquitetônico, conforme explica Agrest (1991),
nunca evidenciou medidas e proporções femininas, problematizando para
outros corpos estranhos como negros e os dos LGBT. Evidenciam corpos
brancos, masculinos heteronormativos com padronizações de tratados
arquitetônicos ou de manuais arquitetônicos (AGREST, 2008). O movimento
negro e feminista nos anos 60 e 70, e em posterior momento a própria
construção do movimento LGBT nos anos 80 (em que já se formavam
alicerces da Teoria Queer), são exemplos da necessidade de afirmação das
medidas do espaço por corpos estranhos que não sejam semelhantes ao
Modulor corbusiano ou o Homem Vitruviano de Vitruvius apropriado por Da
Vinci. São corpos conservadores, referentes ao modelo de medidas,
programa e estética mais genéricos, que supere a história contata pelos
homens, e que se apropria da genética e da tecnologia como expressão
afirmativa de um projeto chamado comumente de pós-humano pós-
estruturalista. Para Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo Na obra de
Donna Haraway Manifesto Ciborgue de 1989, é evidente este papel de
superação das estruturas deterministas do discurso biopolítico dominante na
constituição da cidade, colocando uma possível metáfora do ciborgue como
corpo capaz de generalizar corpos estranhos e retirar da obsolecência a
passividade nos quais corpos diferentes como mulheres, negros e LGBTs
se encontravam dentro do contexto doméstico, conforme exemplifica Beatriz
Colombina, se manteve em constante crise.

‘’ No final do século XX, neste nosso tempo, um tempo mítico,


somos todos quimeras, híbridos – teóricos e fabricados – de
máquina e organismo; somos, em suma, ciborgues. O ciborgue é
nossa ontologia; ele determina nossa política. O ciborgue é uma
imagem condensada tanto da imaginação quanto da realidade
material: esses dois centros, conjugados, estruturam qualquer
possibilidade de transformação histórica. Nas tradições da ciência
e da política ocidentais (a tradição do capitalismo racista,
dominado pelos homens; a tradição do progresso; a tradição da
apropriação da natureza como matéria para a produção da
cultura; a tradição da reprodução do eu a partir dos reflexos do
outro), a relação entre organismo e máquina tem sido uma guerra
de fronteiras. As coisas que estão em jogo nessa guerra de
fronteiras são os territórios da produção, da reprodução e da
imaginação. Este ensaio é um argumento em favor do prazer da
confusão de fronteiras, bem como em favor da responsabilidade
em sua construção. ’’ (HARAWAY, 2000).

O corpo estranho, portanto, entra em choque pela incompatibilidade para


com o espaço urbano, uma projeção platônica de um corpo dominador pelas
forças de repressão que uma constituição política calcada na desigualdade
resguardou para si certas ferramentas de contenção e controle, tal como o
direito à propriedade privada e o próprio Estado (LEFEBVRE, 1999). Mas, a
construção política capitalista, com suas ferramentas, trouxe as forças de
complexidade urbana que fogem do ideário modernista da Carta de Atenas,
proposta no IV CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura) sob a alçada
de Le Corbusier em 1933 e publicado em 1938. Os negros dos guetos, do
Apartheid, das favelas, reconhecem esta condição de corpos estranhos ao
discurso dominante na sociedade consumidora (DAVIS, 2012). No referido
discurso homogeneizante, não se reconhecem diferenças entres os corpos,
criando um corpo aristotélico e puro das chamadas imperfeições, servindo
apenas aos seus criadores: o homem branco hétero.

Fig.04 – Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.

Nada da ordenação cartesiana do homem platônico está na constituição


espacial dos corpos de negros e mulheres da favela, tal como a Rocinha no
Rio de Janeiro, onde há é um complexo sistema de sobreposição e caos:
um rizoma (MONTANER, 2010). Josep Maria Montaner, partindo da ideia do
caos como funcionamento do cotidiano, demonstra que as relações de
organizações se mostraram frágeis, entrando em questão o discurso
racionalidade de padronização, principalmente entrando em questão das
classes dominadas como proletários, negros e pobres. A favela, como
aglomeração urbana, torna-se discurso performático livre, que se estrutura
não através do entroncamento, mas sim de suas veias. Nas formas caóticas
o corpo estranho adquire a relevância, pois não existe organização definida.
O discurso racionalista e funcionalista do projeto da dita modernidade não
condiz com a complexidade da sociedade. O espaço emblemático da
cidade, como avenidas, parques e praças, se torna exemplo: cada vez mais
se tornam apoteoses para os corpos constituintes de sujeitos estranhos,
mas aqueles que são ativos à exposição do choque de medidas do modelo
moderno.

Corpo Ativo
Para Bourdieu, o espaço socialmente construído é resultante da distribuição
dos agentes em posições que carregam disputas e capitais. A disputa é
expressada não apenas na padronização dos corpos por exemplo, mas
também nas distinções legitimadas pela necessidade de desvalorização do
capital do outro, resultando em segregação. É observável uma hierarquia na
ocupação das cidades e arquiteturas, construídas por meios de estratégias
de distinção e padronização, dicotomias estas promovidas pelos agentes
dominantes em seu favor – criadores do corpo aristotélico – na medida que
detém maior poder simbólico, promovendo manutenção da contenção da
constituição destes espaços e das interações sociais que ocorrem neles.
A importância social do sujeito sempre foi analisada e atribuída mediante a
a sociedade de consumo (BOURDIEU, 2004), pelas interações sociais e das
classificações feitas pelos corpos dominantes, assim como o se enquandrou
ser os estereótipos de corpos. Constituir-se enquanto corpo frente a todos
os mecanismos sociais de imposição regulatória sempre se torna desafiador
para aceitabilidade ou exclusão. Comumente, corpos estranhos apresentam
um significativo desvio, representando no coletivo social uma contraposição
ao modelo econômico e social imposto. Entretanto, corpos estranhos são
desobedientes, reivindicam sua existência enquanto fractais sociais e
podem se tornar corpos ativos que subvertem a lógica da interação social e
espacial, se constituindo como potencial agente de mudança e da disputa
pelos espaços e pelo projeto de cidade que a sociedade pode ter.

Fig.05 – Brave New Girls, feito pelo coletivo VNS Matrix.

Quando Haraway se entende enquanto ciborgue, ela não está afirmando ser
diferente, mas demonstrar que as realidades da contemporaneidade, do ato
performático do ser, implicam relações íntimas entre pessoas e tecnologias,
não sendo assim possível dicernir onde nós acabamos e onde as máquinas
começam. Ela é famosa pela sua afirmação “prefiro ser uma ciborgue a ser
uma deusa” (1997), desafiando a tradicional concepção feminista de que a
ciência e tecnologia são pragas patriarcais que assolam a superfície da
natureza. Como ciborgues, Haraway e artistas digitais como Josephine
Starrs, Virginia Barratt e Julianne Pierce do VNS Matrix, são produto da
ciência e tecnologia. Tais feministas não vêem sentido no assim chamado
“feminismo de deusa” dos anos 1960, se em conjunto ao movimento negro e
LGBT é preciso reflexão e mudança, sendo necessário o vislumbre científico
e tecnológico sobre o que são corpos: construções espaciais e simbólicas,
assim arquitetura inclusa.
As novas tecnologias de comunicação possibilitaram uma renovação e
redimensionamento dos modos de organização de inúmeros movimentos
sociais, tornando-os mais acessíveis e popularizados, permitindo uma
ampliação dos seus mecanismos de inserção na sociedade e de seus
espaços, produzindo novas construções de discursos, novas linguagens e
concepções. Atualmente a tecnologia se torna ferramenta do ciberativismo,
utilizada não só para problematizar e colocar em pauta as questões e
ditames sociais, como também para sua organização política, por meio de
textos, blogs e vídeos, sendo a arte uma de suas principais formas de
expressão, vindo a ser a ser mais uma ferramenta para a consquista de
espaço pelos corpos estranhos. Muitos artistas estão contribuindo para uma
eclosão da arte corporal na rede.
No que tange as questões da atuação do corpo da mulher e do feminismo,
Marina Lemos (2009) assevera que a criatividade artística é um importante
elemento do ativismo feminista cibernético, e também sua característica
mais intrínseca: “(...) o feminismo e a arte feminista, insistiram na
importância do gênero como uma ordem absolutamente social e como uma
política de dominação em todas as camadas da sociedade, camadas
públicas ou pessoais” (LEMOS, 2009). Isto é, a arte se tornaria uma de suas
primeiras formas de comunicação, e muito significante para uma fácil
assimilação dessas críticas e ao entendimento das complexas estruturas de
opressão de gênero.

Conclusão
Os corpos estranhos, desde o advento do feminismo, do movimento negro e
LGBT, já demonstrou clarezas de ocupação de atividade na ocupação do
espaço. O espaço enquanto produção política, sejam de grandes grupos
sociais ou de indivíduos dominantes na sociedade, não condiz com as
estratégias projetivas atuais. É necessário pregar que corpos estranho
poderão encontrar a liberdade apenas na medida que se desprenderem do
mundo moderno e descobrirem sua suposta conexão espiritual com a Mãe
Terra (KUNZRU, 2009). E isto se traduz muito no que vemos quanto às
mobilizações sociais estarem definitivamente atreladas não mais à ação dos
corpos nos espaços da cidade, mas também ao ciberespaço, sendo a
internet sua maior ferramenta, temos não só a existência do corpo ativo
físico, mas também de um corpo ativo cibernético.
O ciborgue é um corpo híbrido de máquina e organismo vivo, criatura de
realidade social e também uma criatura de ficção. Realidade social significa
relações sociais vividas, significa construção política importante e significa
uma ficção capaz de modificar a sociedade. A libertação de um corpo ativo,
depende da construção da consciência da opressão, depende da
imaginativa apreensão e, portanto, da consciência da possibilidade. O
ciborgue é uma matéria de ficção e também de experiência vivida – uma
experiência que muda aquilo que conta como experiência feminina no final
do século XX. Trata-se de uma luta de vida e morte, mas a fronteira entre
ficção científica e realidade social é ilusão ótica. (HARAWAY, 1991)
É necessário mais do que ser um corpo estranho, é necessário ser um
corpo ativo e mostrar sua distinção no espaço, sendo também uma maneira
de se distinguir no mesmo e não mais permitir a sua segregação. Ocupar a
cidade em sua totalidade é também objeto de disputa e de promoção de
espaços inclusivos do corpo na medida do exercício projetivo. Entretanto, ao
falarmos destas propostas, devemos compreender que espaço físico possui
uma transformação muito mais lenta diante das transformações do corpo,
pois o espaço físico possui certa rugosidade em sua morfologia, de forma
que ele continua refletindo e ecoando posições anteriores, mesmo diante
das mudanças do corpo. Contudo, ambos possuem uma menor velocidade
de transformação diante das mudanças e dinâmicas promovidas no
ciberespaço, o espaço construído coletivamente por ciborgues, que se
constituem como catalizadores das transformações nos demais espaços,
sendo local de integração dos corpos ativos, atendendo assim, a premissa
de Haraway de que para a nossa construção política, nos constituiríamos
enquanto ciborgues, como corpos híbridos da máquina, assim como a
nossa realidade social também estaria atrelada às suas transformações.

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