Edi tor
Pedro Abramo O CADERNOS IPPUR é um periódico
semestral, editado desde 1986 pelo Instituto
Editor Adjunto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-
Carlos B. Vainer nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico
Conselho Editorial interdisciplinar formado por professores,
Ana Clara Torres Ribeiro pesquisadores e estudantes interessados na
Fania Fridman compreensão dos objetos, escalas, atores e
Hermes Magalhães Tavares práticas da intervenção pública nas dimen-
Pedro Abramo sões espaciais, territoriais e ambientais do
Rosélia Perissé Piquet desenvolvimento econômico-social. É dirigi-
do por um Conselho Editorial composto por
Conselho Científico
professores do IPPUR e tem como instância
Aldo Paviani (UNB) de consultação um Conselho Científico inte-
Bertha Becker (UFRJ)
grado por destacadas personalidades da pes-
Celso Lamparelli (USP)
quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e
Inaiá Carvalho (UFBA)
Leonardo Guimarães (FIJN) seleciona artigos escritos por membros da
Lícia do Prado Valladares (IUPERJ) comunidade científica em geral, baseando-
Maria Brandão (UFBA) se em pareceres solicitados a dois consulto-
Maurício de Almeida Abreu (UFRJ) res, um deles obrigatoriamente externo ao
Milton Santos (USP) in memoriam corpo docente do IPPUR. Os artigos assina-
Neide Patarra (UNICAMP) dos são de responsabilidade dos autores, não
Roberto Smith (UFCE) expressando necessariamente a opinião do
Tânia Bacelar de Araújo (UFPE) corpo de professores do IPPUR.
Wrana Maria Panizzi (UFRGS)
IPPUR / UFRJ
Prédio da Reitoria, Sala 543
Cidade Universitária / Ilha do Fundão
21941-590 Rio de Janeiro RJ
Tel.: (21) 2598-1676
Fax: (21) 2598-1923
E-mail: cadernos@ippur.ufrj.br
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CADERNOS IPPUR
Ano XIX, Nos 1 e 2
Jan-Dez 2005
Indexado na Library of Congress (E.U.A.)
e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.
Irregular.
Continuação de: Cadernos PUR/UFRJ
ISSN 0103-1988
Apoio
EDITORIAL
apresentação do editor brasileiro
O número dos Cadernos IPPUR que os leitores têm em suas mãos é um desses
presentes de magos ou reis; um presente que após percorrer mares, desertos, flo-
restas, cidades agitadas e tranqüilas, povoados ribeirinhos e perdidos nos picos do
mundo, chega como um tesouro; um presente que, ao girar o mundo, foi adquirindo
suas cores, seus odores e, no nosso caso de acadêmicos e interessados nos temas do
urbano e do regional, suas idéias. Sim, leitor, convido-o a abrir este número especial
dos Cadernos IPPUR como se abre um tesouro; com a curiosidade da descoberta
do desconhecido, com a avidez de quem conhece e deseja conhecer mais. Leitor,
convido-o a dar uma volta por esse planeta pelas mãos de nossos pares distribuídos
pelo mundo e reunidos pelas visíveis e generosas mãos de Bruce Stiftel e Vanessa
Watson, que editaram e coordenaram o material que deu origem aos Diálogos que
publicamos neste número especial. Obrigado Bruce, obrigado Vanessa por esse
trabalho do relojoeiro suíço, que, com precisão e paciência, monta uma máquina
que permite o diálogo dos tempos com os espaços. Também devemos agradecer a
confiança do GPEAN (Global Planning Education Association Network), que tomou
a iniciativa de promover os Dialogues, da ANPUR (Associação Nacional dos Progra-
mas de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), que detém
os direitos em língua portuguesa, e dos editores, que nos deram a autorização para
este número especial, e, evidentemete, dos autores.
Bruce Stiftel
Vanessa Watson
CADERNOS IPPUR
Ano XIX, Nos 1 e 2 SU MÁ R IO
Jan-Dez 2005 Diálogos em Planejamento
Urbano e Regional, 9
Prefácio, 13
Artigos, 15
Bruce Stiftel, Vanessa Watson , 17
C O LABO R AR A M NE ST E NÚ M E R O Introdução: A construção da integração global
Bruce Stiftel das Escolas de Planejamento
Vanessa Watson Jill Grant, 17
Uso misto na teoria e na prática: a
experiência canadense com a implantação de
um princípio de planejamento
SEC R E T ÁR I O
Glen Searle , 17
João Carlos de Paula Freire Legado incerto: os estádios olímpicos de
Sydney
T R AD U Ç ÃO
Sonia Schwartz Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim
O’Riordan, Dick Cobb , 17
REVISÃO DA TRADUÇÃO E REVISÃO TÉCNICA Projetando paisagens holísticas
André Dumans Guedes Jiantao Zhang, 17
Gestão da renovação e preservação urbana
PROJETO GRÁFICO E REVISÃO na China: o caso de Xangai
Claudio Cesar Santoro Karen Umemoto, 17
C APA Caminhando com sapatos alheios: desafios
epistemológicos no planejamento participativo
André Dorigo
Lícia Rubinstein Scott A. Bollens , 17
Planejamento urbano e conflito intergrupal:
ILU STRAÇÃO DA C APA confrontando um interesse público dividido
Foto da direita: Tazim B. Jamal, Stanley M. Stein,
Thomas L. Harper, 17
Foto da esquerda: Além de rótulos: planejamento pragmático em
conflitos de turismo ambiental com várias
partes interessadas
Vanessa Watson, 17
A utilidade das teorias normativas de
planejamento no contexto da África
subsaariana
Leonie Sandercock, 17
Debatendo o preconceito: a importância das
histórias e de sua narração na prática do
planejamento
Raine Mäntysalo, 17
Dilemas na Teoria Crítica do Planejamento
Diálogos em Planejamento Urbano e Regional 1
Colaboradores: Henri Acselrad, Scott A. Bollens, Dick Cobb, Paul M. Dolman, Leo-
nardo Fernández, Jill Grant, Thomas L. Harper, Tazim B. Jamal, Juan D. Lombardo,
Andrew Lovett, Raine Mäntysalo, Tim O’Riordan, Leonie Sandercock, Glen Searle,
Stanley M. Stein, Bruce Stiftel, Karen Umemoto, Mercedes DiVirgilio, Vanessa Watson
e Jiantao Zhang.
10
Esta série bienal é publicada em associação com a Global Planning Education Asso-
ciation Network (GPEAN). Os nove membros da GPEAN são:
Sigmund Asmervick
Professor de Uso do Solo e Planejamento de Paisagens, Universidade Agrícola da
Noruega, Europa [AESOP]
Thomas Harper
Professor de Design Ambiental, Universidade de Calgary, Canadá [ACUPP]
Alain Motte
Professor honorário, Universidade de Aix-Marseille-III, França [APERAU]
Roberto Rodriguez
Professor de Urbanismo, Universidade Simón Bolívar, Venezuela [ALEUP]
Bruce Stiftel
Professor de Planejamento Urbano e Regional, Universidade do Estado da Flórida,
EUA [ACSP]
11
Vanessa Watson
Professora de Planejamento Urbano e Regional, Universidade de Cape Town, Áfri-
ca do Sul [AAPS]
Angus Witherby
Diretor do Centre for Local Government (Centro para o Governo Local), Universi-
dade de New England, Austrália [ANZAPS]
Anthony Yeh
Professor de Planejamento Urbano, Universidade de Hong Kong [APSA]
PREFÁCIO
do mundo. Eles fornecem uma breve mirada nas teorias e métodos de uso por
acadêmicos de todo o mundo e são sugestivos de fontes que podem conduzir a
importantes investigações futuras.
Cada volume bienal será publicado em inglês e comercializado mundialmente
em edições impressas e eletrônicas pela Routledge. Com o apoio de organizações
nacionais e multilaterais, traduções dos artigos serão disponibilizadas em outras lín-
guas através do endereço eletrônico da GPEAN (www.gpean.org). A expectativa é
de ampla cobertura em bibliotecas universitárias pelo mundo, compra individual
por estudiosos do planejamento, assim como referência em cursos de doutorado.
As nove associações membros da GPEAN são: Association of African Planning
Schools (AAPS), Association of Collegiate Schools of Planning (ACSP), nos EUA;
Association of Canadian University Planning Programs (ACUPP), Association of Euro-
pean Schools of Planning (AESOP), Association of Latin American Schools of Urba-
nism and Planning (ALEUP), a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa
em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR), no Brasil; Australia and New Zealand
Association of Planning Schools (ANZAPS), Association for the Development of Plan-
ning Education and Research (APERAU) e Asian Planning Schools Association (APSA).
Somos gratos aos nossos colegas do Comitê Editorial Internacional: Sigmund
Asmervick, Marco Gomes, Tom Harper, Alain Motte, Roberto Rodriguez, Angus
Witherby e Anthony Yeh; e aos membros dos nove comitês editoriais nacionais e
regionais: Tunde Agbola, Peter Bikam, David Brown, Fermin Carreño, Jeremy
Dawkins, K. D. Fernando, Michael Ginder, Mike Gillen, Phillip Harrison, Michael
Hibbard, Debra Howe, Irene Layrisse de Niculescu, Lik Meng Lee, Alberto Lovera,
Frank Marcano, Barrie Melotte, A. Mosha, Yukio Nishimura, Ken Odero, Mark Orange,
Daniel Phiri, Rosa Maria Sanchez, Luis Jaime Sobrino, Andrejs Skaburskis, Ian Skelton,
Alison Todes e Zhiqiang Wu. Esses especialistas trabalharam com a difícil tarefa de
escolher entre muitas submissões de alta qualidade. À Helen Ibbotson e a seus
colegas da Routledge, cujo apoio foi muito além do usual à medida que o projeto
evoluía. Nossa gratidão às equipes dos vários periódicos nos quais capítulos deste
livro foram inicialmente publicados, que nos deram assistência com os textos, gráficos
e permissões, incluindo: Huw Alexander, Robin Bloxsidge, Pilar Espíndola, Katie
Halliday, Patsy Healey, Kim Henderson, Rene Kane, Sarah King, Allison LaBott,
Peter Link, Peter Marino, David Shaw, Ginny Smith e Ian Thompson; assim como J.
P. John Peter, Shawn Lewers e Deden Rukmana, da Universidade do Estado da
Flórida, que nos ajudaram com muitos dos desafios que o projeto ofereceu. Tina
Behet, Ramiro Berardo e Heather Portorreal fizeram competentes traduções essen-
ciais ao trabalho. Muitos dos líderes das associações de escolas de planejamento
ofereceram memória histórica, incluindo David Amborski, Jay Chatterjee, Andréas
Faludi, David Forkenbrock, Klaus Kunzmann, Cristina Leme, Johanna Looye, Hans
Mastop e Martin Smolka. O projeto avançou, em parte, com financiamentos conce-
didos à ACSP e à ANPUR pela Fannie Mae Foundation e pelo Lincoln Institute of
Land Policy. Os erros, claro, são nossos.
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-14
2 Introdução: A construção da integração global das Escolas de Planejamento
sociais das políticas públicas anterior- lhor conhecimento que pudesse estabe-
mente atribuídas aos planejadores e a lecer posições mais fortes dentro das
redefinições nas universidades que re- universidades levaram as escolas de pla-
legavam o planejamento a um status nejamento, em três continentes, a criar
menor. Sete programas de planejamen- ou fortalecer associações escolares inde-
to da França reagiram a esses desafios pendentes. No final da década de 1980,
com a criação de uma associação em o Movimento das Escolas de Planejamen-
maio de 1984. A Association for the De- to era uma idéia cujo momento havia
velopment of Planning Education and chegado.
Research (APERAU) foi fundada pelos
institutos de planejamento das universi- Desde 1990, o número de associa-
dades de Aix-Marseille III, Grenoble II, ções vinculadas às escolas de planeja-
Lyon II, Paris VIII, Paris XII, Tours e o mento urbano não pára de crescer. A
Instituto de Estudos Políticos de Paris, Asian Planning Schools Association
para promover a disciplina, contemplar (APSA) foi formada em 1993, após o
os objetivos das escolas e facilitar a coo- bem-sucedido congresso pan-asiático
peração com as entidades profissionais em Tóquio, convocado por Sadao Wa-
(Motte, 1991). tanabe, da Universidade de Tóquio, em
1991, e um evento similar em Hong
As forças dos anos 1980 que moti- Kong foi convocado por Anthony Yeh,
varam a criação da AESOP, da ANPUR e da Universidade de Hong Kong, em
da APERAU, e estimularam uma subdi- 1993. Entre seus sócios fundadores, a
visão da ACSP são consistentes, embora APSA contava com 19 escolas de 15
regionalmente distintas. Enquanto as países.
idéias da revolução de Reagan-Thatcher
se desenvolviam e suplantavam o key- A Australian and New Zealand As-
nesianismo, o planejamento urbano so- sociation of Planning Schools (ANZAPS)
freu uma pressão considerável em muitos começou com uma resolução tomada
países. As escolas relacionadas à profis- em 7 de julho de 1995 em um encontro
são vivenciaram uma diminuição de pro- nacional das escolas de planejamento
cura por parte dos estudantes e uma australianas promovido por Jeremy
redução de oportunidades de trabalho Dawkins, da Universidade de Tecnolo-
financiado. Ao mesmo tempo, as univer- gia em Sydney. Esse ímpeto associativo
sidades se mostravam cada vez mais foi fomentado em duas reuniões pro-
atentas à produtividade de cada unida- movidas por Martin Payne e Greg Mills,
de, e muitas escolas de planejamento da Universidade de Sydney, e C. Tong
foram criticadas e até mesmo ameaçadas. Wu, da Universidade de Tecnologia de
Os incentivos para que se organizassem Queensland, em 1994. Os vários parti-
e enfrentassem os desafios nacionais li- cipantes desses encontros acreditavam
gados à profissão de planejador e, ao que o pequeno tamanho das escolas de
mesmo tempo, para que se realizasse planejamento da Austrália requeria a
uma integração para promover um me- realização de uma melhora na sua co-
Bruce Stiftel e Vanessa Watson 5
Cada associação formou seu pró- compostos por uma variedade de pers-
prio comitê editorial e estabeleceu suas pectivas e numerosos projetos de pes-
próprias propostas. A maioria das asso- quisa dinâmicos. Nos EUA, por exemplo,
ciações solicitou indicações abertas, e há cerca de 800 departamentos de pla-
um júri escolheu as opções a serem nejamento de horário integral, e o Guia
apresentadas. Em algumas associações, da ACSP lista 36 áreas de estudo (ACSP,
isso significava apresentar o vencedor de 2000b). Isso significa 22 departamentos
uma competição de prestígio, tal como de horário integral por área de estudo
as premiações de trabalhos nas compe- no país inteiro. Muitas vezes, para um
tições da AESOP, da Chester Rapkin e debate eficaz, isso é insuficiente. É óbvio
da JAPA. A APSA selecionou suas indi- que esses números são ainda menores
cações entre os trabalhos apresentados em outros países. A comunicação atra-
em seu congresso em Hanói em 2003. vés de fronteiras está aumentando o ta-
A APERAU decidiu não fazer indicações manho dos grupos de investigadores que
para este primeiro volume, mas se com- estão cientes dos trabalhos dos outros,
prometeu a fazer indicações para o Vo- e, como conseqüência, os debates estão
lume Dois a ser publicado futuramente. cada vez mais ricos.
Na rodada final, o conselho editorial
internacional escolheu os trabalhos que Como se trata de profissão com tradi-
serão publicados entre os indicados por ções amplamente divergentes e extensas
oito associações. conexões interdisciplinares, são signifi-
cativas as diferenças que atravessam
Olhando retrospectivamente para a fronteiras nacionais. As comparações in-
história das várias associações, o primeiro ternacionais nos obrigam a reavaliar
Congresso Mundial de Escolas de Pla- nossas decisões nacionais sobre a estru-
nejamento e o nascimento do GPEAN, tura e a natureza de nossa disciplina e a
fica claro que o Movimento das Escolas compreender melhor o motivo por que
de Planejamento se prestou para diver- decidimos fazer o que fazemos e o modo
sos objetivos institucionais e acadêmicos como o fazemos.
importantes. O planejamento do co-
nhecimento e do ensino tem sido fraco Como se trata de profissão envolvi-
por causa do relativo isolamento das da com estruturas institucionais e legais
várias escolas e dos vários grupos nacio- nacionais, muitas vezes nosso conheci-
nais de professores de planejamento. A mento não apresenta uma diversidade
cooperação, a princípio nacional e regio- de variáveis relevantes. A comunicação
nal, e atualmente global, nos fortaleceu através de fronteiras nacionais pode au-
e pode nos fortalecer mais ainda. mentar a diversidade do nosso conheci-
mento e, portanto, problematizar o que
Como se trata de profissão cujos freqüentemente tomamos como dado.
praticantes não são numerosos, para nós
tem sido difícil manter discussões amplas Finalmente, dada a extensão das di-
sobre nosso conhecimento – debates ficuldades que as escolas de planejamen-
Bruce Stiftel e Vanessa Watson 9
Temas globais
Os trabalhos deste volume apontam al- minha opinião, a crescente percepção
guns temas-chave no conhecimento do de que trabalhamos com questões pró-
planejamento internacional atual. De ximas e equivalentes torna interessante
maneira significativa, embora essas con- e necessária a tarefa de reunir essas con-
tribuições venham de diferentes partes tribuições regionais.
do mundo e apesar de alguns autores
evidenciarem a particularidade de seus Três temas centrais são identificados
contextos, parece que certos temas e aqui. O primeiro tem a ver com o relacio-
preocupações relacionados ao planeja- namento entre planejamento e econo-
mento são comuns a vários países. Na mia. O artigo de Grant focaliza uma
10 Introdução: A construção da integração global das Escolas de Planejamento
Estes artigos revelam que os autores que consultam trabalhos que não este-
tendem a consultar basicamente fontes jam escritos em inglês.
locais. Isso ocorre com autores de regiões
com muitas publicações para especialis- É em relação à superação de tais
tas em planejamento, com marketing barreiras que o projeto editorial do
eficiente, com redes de distribuição da GPEAN deve desempenhar um papel
literatura sobre planejamento e com importante. A meta é disponibilizar o
maiores concentrações de especialistas melhor conhecimento de qualquer idio-
em planejamento. A América do Norte ma para falantes do inglês e utilizar web-
e a Europa se enquadram nesse crité- sites e editores para tornar acessível o
rio, assim como a América do Sul (onde conteúdo de livros não escritos em inglês.
o planejamento faz parte de uma área A promoção e a distribuição desse mate-
de urbanismo mais ampla). Nesses as- rial através das estruturas organizacionais
pectos, além de precisarem buscar das nove associações de escolas de plane-
aprendizado intelectual e oportunidades jamento que compõem o GPEAN ajuda-
de publicação em outros locais, os au- rão a disponibilizar esse amplo material
tores de regiões menos equipadas em em partes do mundo onde normalmente
geral têm poucas opções. A África, por não estaria disponível e ajudarão, como
exemplo, não possui um jornal supra- se espera, a estabelecer vínculos intelec-
nacional dedicado ao planejamento; tuais que integrarão e enriquecerão o
quanto à Austrália e à Nova Zelândia, a grupo de especialistas em planejamento.
situação é apenas um pouco melhor.
Isso fomenta um grau de integração Em um cenário global, o crescimento
(unidirecional), mas não incentiva os do Movimento de Escolas de Planeja-
autores de regiões com farta literatura a mento pode reduzir os problemas cau-
fazer o mesmo, a não ser que estejam sados pelo isolacionismo acadêmico no
recorrendo a pesquisas dessas partes do planejamento urbano e fazer com que a
mundo. Os artigos de Bollens e de Ume- profissão de planejador urbano se torne
moto pertencem a essa categoria. mais forte, mais consciente e mais prós-
pera. Este volume representa um passo
Os autores também utilizam fontes significativo na muito jovem história da
locais quando as barreiras de idioma os cooperação entre as escolas de planeja-
impedem de ter acesso a outras obras mento do mundo. Esperamos que estes
literárias. O artigo de Zhang, original- trabalhos sejam estimulantes para vocês
mente escrito em mandarim, é um bom e que revelem novas direções seja em
exemplo dessa transposição de barrei- um nível bibliográfico, metodológico, teó-
ras, permitindo ao autor fazer uso da rico ou substantivo, novas direções que
extensa literatura inglesa sobre adminis- produzirão, direta ou indiretamente,
tração da herança. Porém, são poucas melhorias no seu próprio trabalho, mu-
as evidências de que autores de língua danças em suas escolas e avanços na prá-
inglesa pesquisam trabalhos produzidos tica do planejamento urbano em suas
em outros idiomas e, menos ainda, de comunidades.
14 Introdução: A construção da integração global das Escolas de Planejamento
Referências
No início do século XX, as cidades norte- 1991; Calthorpe, 1993). Nas discussões
americanas começaram a segregar o uso teóricas, os proponentes prometem
do solo, a regulamentar indústrias noci- ganhos sociais e econômicos por meio
vas e a criar distritos com objetivos úni- do uso misto; em exercícios experimen-
cos. O planejamento urbano em seus tais de design, várias abordagens utilizam
primórdios buscava garantir a segurança os usos mistos; e, na prática do planeja-
e a eficiência por meio do distanciamen- mento, um crescente número de juris-
to e isolamento de atividades conside- dições implanta zonas de uso misto.
radas incompatíveis. Porém, no final do
século, essa filosofia da separação tinha Este artigo examina o uso misto, na
mudado por completo e os planejadores teoria e na prática, em nove cidades do
defendiam o uso misto do solo para Canadá, mostradas na Figura 1. Come-
obter vigor e sustentabilidade. No plane- ço pela investigação das premissas de sua
jamento contemporâneo, o “uso misto” implantação. Os proponentes do uso
se tornou um mantra e seus benefícios misto consideram a separação dos usos,
passaram a ser vistos como incontestá- nas tentativas de planejamento de cidades
veis. Poucos questionam suas premissas modernas do século XX, como não-natu-
ou tentam esclarecer o seu significado. rais. As técnicas do novo planejamento
O uso misto constitui uma premissa in- tratam a mistura como necessária e de-
tegral dos populares paradigmas do sejável; todavia, elas muitas vezes não
Novo Urbanismo e do desenvolvimento indicam com nitidez suficiente os objetivos
sustentável (Bernick e Cervero, 1997; propostos ou as estratégias apropriadas.
Berridge Lewinberg Greenberg Ltd., Eu analiso os significados do uso misto
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-25
2 Uso misto na teoria e na prática
para trazer maior clareza às discussões e 1995), mas será que o uso misto deu
sugerir que os vários níveis de uso misto certo nas cidades canadenses? Este arti-
indicam objetivos e estratégias diferentes. go examina alguns dos problemas e
obstáculos encontrados no Canadá e
Os planejadores canadenses mobi- tenta explicar por que alguns planeja-
lizaram-se cedo e com determinação ao dores e muitos incorporadores perma-
apelo do uso misto. Eu revisei as expe- necem céticos à idéia do uso misto.
riências canadenses na promoção do Embora as estratégias do uso misto te-
uso misto através da regeneração de nham revitalizado muitos distritos anti-
áreas antigas e decadentes da cidade e gos e decadentes e possam acrescentar
em projetos de áreas inabitadas 1. Os novas dimensões a grandes projetos de
Novos Urbanistas insinuam que o pla- áreas inabitadas, nem todos os mora-
nejamento canadense está muito mais dores das cidades e nem todos os usos
adiantado do que o da América (Wight, se beneficiam com tais mudanças.
1
O Social Sciences and Humanities Research Council do Canadá forneceu recursos para a
recente pesquisa sobre o impacto do Novo Urbanismo na prática do planejamento canadense
(1999-2001). Esse projeto abrange uma extensa revisão dos documentos do planejamento,
visitas aos locais das construções nos subúrbios e entrevistas com planejadores,
incorporadores e corretores de imóveis de algumas cidades canadenses. A pesquisa para o
parque industrial de Halifax foi subsidiada pela Canada Mortgage e pela Housing Corporation,
sob os termos do External Research Program. Os pontos de vista expressos são da autora e
não representam o ponto de vista oficial das agências de financiamento.
Jill Grant 3
ver, podem estar voltadas para o mar, desenvolvimento urbano, crescia o in-
localizando-se na orla, ou para antigos teresse pela adoção das idéias do Novo
distritos industriais transformados em Urbanismo (City of Calgary, 1998; Isin
áreas de entretenimento ou residenciais e Tomalty, 1993; Tomalty, 1997). O
através de iniciativas federais e munici- Novo Urbanismo oferecia uma teoria de
pais. No entanto, para a maioria das ci- conceito urbano que abrigava as predis-
dades, o crescimento continuou a ser posições de grupos influentes na prática
canalizado para áreas da periferia, en- do planejamento canadense, principal-
quanto os centros das cidades pouco a mente nos grandes centros. Durante a
pouco se tornavam irrelevantes. As inicia- década de 1990, cidades como Calgary,
tivas governamentais não conseguiram Vancouver, Ottawa, Toronto, Waterloo,
mudar os padrões de desenvolvimento Winnipeg e Edmonton revisaram seus
urbano (Tomalty, 1997). planos para incorporar conceitos do
Novo Urbanismo e do desenvolvimento
Entre o final da década de 1980 e o sustentável. A administração da província
início da década de 1990, desenvolveu- de Ontário elaborou relatórios que des-
se um grande interesse pelos temas creviam o Novo Urbanismo e patrocinou
ambientais. Maurice Strong, um proemi- competições de projetos para ilustrar seu
nente canadense, participou do World potencial (Government of Ontario, 1995,
Commission on Environment and De- 1997; Warson, 1994). Organizações
velopment de 1987 e desempenhou um como a Federation of Canadian Munici-
papel fundamental na promoção do “de- palities, o Canadian Institute of Planners,
senvolvimento sustentável”. Enquanto o o Canadian Institute of Transportation
Plano Verde do governo federal (Gov- Engineers, a Canadian Urban Transit
ernment of Canada, 1990) apresentava Association e a National Roundtable on
um programa de responsabilidade am- Environment and Economy defendiam
biental, a Royal Commission (1992) re- o desenvolvimento voltado para o trân-
planejava a orla de Toronto. Agências sito com núcleos de uso misto (Berridge
como a Health Canada, a Environment et al., 1996; National Roundtable,
Canada e a Canada Mortgage and Hous- 1997; Transportation Association of
ing Corporation iniciaram programas Canada, 1998). O jornal dos profissio-
para incentivar a sustentabilidade nas co- nais de planejamento canadense, o Plan
munidades canadenses. Os planejadores Canada, publicou artigos que incenti-
começaram a reavaliar suas práticas de vavam o Novo Urbanismo e o desen-
modo que elas pudessem se adequar a volvimento sustentável em metade de
parâmetros de sustentabilidade (Grant, seus números de 1992 e 1993 e em
1997; Grant, Joudrey e Klynstra, 1994; todos os números de 1994 a 1996. Os
Paehlke, 1991; Pomeroy, 1999). editores de artigos de destaque do Plan
Canada se referiam aos subúrbios tra-
Ao mesmo tempo que os planeja- dicionais em termos negativos (por
dores canadenses se preocupavam com exemplo, Wight, 1995, 1996). Durante
a redução dos impactos ambientais do vários anos, os congressos do Canadian
10 Uso misto na teoria e na prática
2
Nos EUA e na Austrália ocorriam processos similares. Por exemplo, a American Planning
Association começou a divulgar o “crescimento inteligente” que apresenta o uso misto. No
entanto, a abordagem americana dá menos atenção aos assuntos ambientais.
3
Quando o projeto do rio St. Lawrence foi iniciado em 1974, os planejadores se preocupavam
com a viabilidade, a longo prazo, da área industrial em King e Parliament. No período de uma
década, essa área também sucumbiu à desindustrialização.
Jill Grant 11
4
Zukin (1989) documenta o mesmo processo em Nova York.
12 Uso misto na teoria e na prática
urbano. Além disso, os canadenses te- nas discussões sobre planejamento (Chi-
mem zonas residenciais de alta densi- dley, 1997; Hygeia, 1995; MacDonald
dade e de baixo custo e permanecem e Clark, 1995).
ligados a seus carros; eles resistem à in-
tensificação (Tomalty, 1997). Na próxima A pesquisa revelou diversas dificul-
seção, revisarei brevemente o planeja- dades na hora de pôr em prática esse
mento de novas áreas inabitadas do plano de uso misto, pelo menos nos
Canadá para avaliar se os planejadores primeiros anos dos projetos. A Carma
estão implantando nelas o uso misto. investiu milhões de dólares em estrutu-
ras comerciais que não pôde vender; em
vez disso, arrenda as propriedades, em-
Uso misto nos subúrbios bora enfrente altas taxas de desocupa-
ção. Na praça, a propriedade para fins
Em 1997, o Congresso para o Novo comerciais está praticamente vazia. Uma
Urbanismo promoveu sua muito divul- escola particular propôs mudar-se para
gada convenção em Toronto. Os adep- o prédio, mas desistiu depois de ter sofri-
tos do Novo Urbanismo elogiaram a do oposição dos moradores. A incorpo-
cidade, seus bairros e os projetos pro- radora cancelou projetos de construção
postos, ou em andamento, no Canadá de apartamentos em cima de lojas do
(Everett-Green, 1997). Por volta de centro da cidade, porque o valor de
2000, cerca de 30 comunidades subur- mercado dos aluguéis não cobriria os
banas denotavam influência do Novo custos da construção; o mesmo sucedeu
Urbanismo. A primeira delas a começar com os apartamentos construídos sobre
a construção, a McKenzie Towne, em garagens. A construção da estação para
Calgary, projetou o desenvolvimento de um trem local está longe de se tornar
cerca de 2.400 acres. Em meados do realidade, e os moradores estão preo-
ano 2000, a incorporadora Carma tinha cupados com a duração da viagem de
construído dois bairros (ou vilarejos) e ônibus até a cidade.
um “centro da cidade”. Projetado com
a consultoria de Andres Duany e des- Os representantes da Carma desco-
crito como uma comunidade de uso briram que os construtores conseguiam
misto, McKenzie Towne apresenta diver- vender casas sofisticadas e caras com
sos tipos de construções, desde aparta- menos facilidade em locais onde a mistu-
mentos a casas de centro de terreno, e ra de tipos de moradia era maior. Assim,
imóveis comerciais de bairro na praça diminuíram a mistura no segundo vila-
do vilarejo. Consistente com os planos rejo. Com base na experiência de Cal-
de Calgary (City of Calgary, 1995a, gary, onde o crescimento é alto e o
1995b), McKenzie Towne planeja uma mercado de moradias é muito restrito,
parada de trem no centro da cidade. a Carma afirma que o Novo Urbanismo
Durante a década de 1990, McKenzie atrai um pequeno segmento do merca-
Towne obteve uma avaliação positiva da do. Os moradores gostam dos detalhes
imprensa e despertou muito interesse arquitetônicos e dos espaços públicos,
Jill Grant 13
mas os compradores preferem bairros dias (Figura 2). No verão de 2000, vá-
homogêneos com casas unifamiliares. rios subúrbios de Toronto apresentavam
comunidades “inspiradas na tradição”,
As formas do TND apresentam um com ruelas atrás das casas e uma mistura
custo de construção e preservação maior de tipos de edificações. No entanto, de
do que o das construções tradicionais, modo geral, esses subúrbios caros não
mas não geram ágio para as vendas. incluem usos comerciais.
McKenzie Towne está se tornando áreas
de moradias para os que vão comprar Comissionada pela província de On-
seu primeiro imóvel, uma vez que os tário em meados da década de 1990 e,
mercados de “ascensão” procuram posteriormente, vendida para grupos
construções e misturas mais convencio- particulares, a maior comunidade do
nais. Sendo assim, o subúrbio oferecerá Novo Urbanismo é Cornell. O projeto
moradias compráveis 5, mas as principais mostra a influência de Duany e Plater-
finalidades da mistura inicialmente pre- Zyberk (1,500-Acre Housing Project,
vista não se materializarão. Em fases 1996; Introducing the Invisible Garage,
subseqüentes dos projetos, a Carma 1996). Com 11 bairros, Cornell se apro-
decidiu abandonar o conceito TND e veita do vernáculo arquitetural de Toronto;
adotar a incorporação convencional. A segundo Duany, se o código permanecer
incorporadora verificou que, até mesmo simples, ela se parecerá com a estimada
em áreas de grande crescimento, a mis- Cabbagetown (Bentley Mays, 1997).
tura pode ser perigosa para os objetivos Apesar de o trem não chegar a Cornell,
da corporação. há conexões de ônibus.
5
Em Calgary, casas que custam menos de $150.000 são consideradas “compráveis”, embora
a maioria das famílias talvez não tenha condições de comprar uma casa desse valor.
14 Uso misto na teoria e na prática
6
Os gurus do movimento, tais como Andres Duany e James Kunstler, são mais intolerantes
ainda, como demonstram de imediato as discussões na lista de e-mail do Pro-Urb.
7
A diversidade étnica traz uma proliferação de pequenas congregações religiosas. Moradores
que descobrem a instalação de uma casa de oração em suas tranqüilas ruas podem não
aceitar o barulho e o aumento de tráfego dela decorrentes.
16 Uso misto na teoria e na prática
Toronto, 1991), mas indicará isso o tipo A Figura 3, por exemplo, mostra uma
de mistura a ser produzido ou os usos a mistura de tipos e tamanhos de casas
serem permitidos? Será que o número em terrenos estreitos, embora o padrão
de armazéns em um bairro é um bom de casas em centro de terreno ainda seja
indicador da mistura comercial e resi- a norma. Em parte, o custo é respon-
dencial (IBI Group, 2000)? Se não for, sável por esse processo (especialmente
qual seria ele? Dada a falta de especifi- nas comunidades que crescem com ra-
cidade em nossas prescrições sobre o uso pidez), da mesma forma que retornos
misto, como podemos estabelecer me- maiores orientam os interesses de de-
tas que nos permitirão saber se atingi- senvolvimento. Todavia, a determinação
mos, com sucesso, os nossos objetivos? dos planejadores em alcançar eficiência
e sustentabilidade claramente acentua
Que grau de mistura estamos vendo a tendência. No entanto, deveríamos
nas comunidades canadenses? Na rea- perceber que, no Canadá, a maioria das
lidade, encontramos evidência de po- novas moradias permanece agrupada
tencial para uma intensidade maior, por tipo e ocupação nos projetos para
potencial relacionado mais à presença os subúrbios e zonas urbanas. A mistura
de lotes menores do que à mistura social. é a exceção, não é a regra.
Alguns usos do solo urbano, tais como de novos negócios, residências ou locais
prisões e indústria pesada, não parecem de lazer (Schmandt, 1999). Os distritos
estar bem integrados no tecido urbano. anteriormente decadentes se tornam
As barreiras reguladoras podem estar zonas comerciais e de lazer muito divul-
caindo, mas o mercado prefere um grau gadas para atrair turistas e acomodar os
de segregação de uso. endinheirados (Gottdiener, 1997; Ward,
1998).
O desenvolvimento de áreas já ocu-
padas (infill development) e o uso mis- Figura 4 . Uso misto em uma antiga
to mostraram-se populares em Toronto zona industrial em Toronto.
e Vancouver, onde a imigração maciça
produziu grande crescimento e diferen-
tes populações. Por exemplo, no centro
de Toronto, uma mistura de usos resi-
denciais, empresariais e varejistas está
revitalizando antigos bairros industriais
(Figura 4). O uso misto permite o au-
mento do estoque de moradias, a facili-
tação do deslocamento e a redução de
custos em um mercado residencial limita-
do. Nessas cidades, mais pessoas podem
buscar estilos de vida urbanos, e já exis-
tem bons sistemas de deslocamento para
facilitar a vida sem carros. Ken Green-
berg chamou Toronto de “modelo do
Novo Urbanismo” e deu a entender que
as políticas de impostos canadenses não
incentivam as pessoas a abandonar a
cidade, como ocorre nos EUA (Home-
scaping, 1997). Entretanto, a mistura
afeta, para melhor e para pior, os bairros
antigos e decadentes. A gentrificação
contribui para novas formas de segre-
gação espacial fundamentada na classe.
Ao preencher os espaços abandonados Com sua promessa de caráter e sus-
pela indústria que deixou sua base, a tentabilidade, o Novo Urbanismo for-
mistura facilita a transformação em uma nece uma teoria para justificar o uso
cidade pós-industrial. Confrontados com misto no Canadá atual. O conceito do
a escolha de terrenos vazios ou acres de TOD aparece amplamente em planos
estacionamento em distritos anterior- de cidades maiores, mas tem afetado a
mente produtivos, as autoridades muni- prática de maneira mais lenta. Até mesmo
cipais recebem, de bom grado, projetos o plano de Toronto de intensificação ao
18 Uso misto na teoria e na prática
redor das estações do metrô enfrentou economia de uso misto provou ser inviá-
resistência local. Na maioria das comu- vel na nova cidade suburbana. O con-
nidades, os núcleos de uso misto, com ceito de uso misto aparece em planos
escritórios comerciais e moradias para locais, mas não influencia a prática em
várias famílias se desenvolvem tipica- um mercado não-receptivo.
mente em entroncamentos de autovias:
o fenômeno da “cidade da periferia” Portanto, embora, nos últimos anos,
descrito por Garreau (1991). Os bondes muitas barreiras de engenharia e de pla-
dos subúrbios do início do século XX nejamento tenham caído e planejadores
fornecem um modelo de TOD que mui- e autoridades do desenvolvimento eco-
tos planejadores esperam ver, mas as nômico local recebam bem a mistura, a
realidades dos padrões de propriedade hesitação tem como origem as barreiras
da terra, as preferências dos consumi- culturais que os planejadores não con-
dores e as taxas de crescimento urbano seguem superar com facilidade. As pes-
dificultam a sua implantação atualmente. soas querem segurança, previsibilidade
e tranqüilidade em seus ambientes. Elas
Com o desenvolvimento de subúr- temem a mistura. O sucesso do zonea-
bios projetados em cidades afluentes, mento no século XX reflete essa reali-
Leung (1995) sugere que o resultado dade (Foglesong, 1986; Moore, 1979).
do Novo Urbanismo pode simplesmen- Somente um pequeno segmento da
te ser mais uma expansão pitoresca; o população aceita os riscos do investi-
autor observa que a mistura faz parte mento em projetos de uso misto. Quan-
do pacote do enclave fechado e privile- do os custos são modestos, os projetos
giado. Encontramos poucos exemplos de uso misto têm grande dificuldade em
de “novas cidades” de bom tamanho e sair do papel. Enquanto a experiência
da gama de opções sugerida pelo estilo mostrar que o uso misto diminui a absor-
TND do Novo Urbanismo. Em função ção pelo mercado, os construtores e os
do limitado mercado para a mistura em incorporadores o evitarão. Apesar de as
densidades altas, esses projetos só alcan- barreiras culturais permanecerem, as
çam o sucesso em áreas de crescimento barreiras econômicas resultantes limita-
e custo altos. Essas situações não se con- rão a experiência com o uso misto aos
figuram em boa parte do Canadá. Em poucos mercados que apresentarem al-
áreas menos afluentes, os construtores guma chance de sucesso.
enfeitam as “magrelas casas de início”
com toques arquitetônicos do Novo O uso misto é um meio ou um fim?
Urbanismo. As lojas da rua principal dos Seus proponentes o citam como um
novos subúrbios, como McKenzie Towne meio para a integração social, o vigor
(Calgary), dão a impressão de uso misto, econômico e a melhora ambiental; con-
porém o segundo andar é enfeitado tudo, a experiência canadense com o
com janelas falsas (Figura 5). O incor- uso misto é desencorajadora. Os distri-
porador excluiu apartamentos e escri- tos de uso misto estão ficando cada vez
tórios sobre o espaço varejista porque a mais segregados, e o potencial de compra
Jill Grant 19
não melhorou. Os esforços para misturar portamentos sociais mudam, nós alte-
usos não estancaram a perda de vitali- ramos as cidades onde vivemos. A mis-
dade econômica da maioria das cidades tura de usos reflete vários fatores, tais
canadenses. A terra está sendo consu- como as crenças culturais, os meios de
mida com muita rapidez, a quilometra- produção, a tecnologia do transporte, a
gem percorrida está aumentando e não tecnologia da segurança e o nível de ri-
vemos um fim para o consumismo. Em queza. Assim como a cidade industrial
suma, estamos obtendo pouco sucesso era diferente da cidade medieval, a cidade
nos objetivos propostos com o uso misto. pós-industrial será diferente da cidade
Mesmo assim, os planejadores continuam industrial. Como planejadores, nós ava-
a defendê-lo. Talvez o considerem intrin- liamos as práticas atuais em relação aos
secamente bom apesar de suas conse- objetivos da comunidade e ajustamos
qüências. políticas e regulamentos para ajudar
moradores a alcançar seus objetivos. A
As cidades são artefatos dinâmicos experiência canadense com a implanta-
moldados pela intervenção humana. ção do uso misto serve como um feed-
Como nossos valores culturais e com- back importante nesse processo.
Agradecimentos
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Resumo Abstract
Este artigo investiga a teoria e a prática This article explores the theory and
do uso misto desde sua origem, nas críti- practice of mixed use, from its origins in
cas de Jane Jacobs, às recentes prescri- the critiques of Jane Jacobs to the re-
ções do Novo Urbanismo. Aproveitando cent prescriptions of New Urbanism.
as experiências no Canadá, onde o uso Drawing on experiences in Canada,
misto já tinha sido firmemente estabele- where mixed use has become firmly es-
cido como um princípio de planejamen- tablished as a key planning principle, we
to básico, nós identificamos alguns dos identify some of the problems and barriers
problemas e obstáculos encontrados por encountered in seeking mix in several
aqueles que propõem o uso misto em cities. We find that mixed use promises
várias cidades. Descobrimos que o uso economic vitality, social equity, and en-
misto promete vitalidade econômica, vironmental quality, but it cannot readily
igualdade social e qualidade ambiental, deliver such benefits in a context where
mas não consegue proporcionar tais be- cultural and economic forces promote
nefícios prontamente em um contexto em separation of land uses.
que as forças econômicas e culturais pro-
movem a separação dos usos do solo.
Glen Searle
Por ter sediado os Jogos Olímpicos de neiras básicas. Eles competiriam com
2000, Sydney recebeu um legado de estádios do estado preexistentes, todos
estádios grandes e modernos que su- construídos recentemente ou ampla-
prirão as necessidades esportivas pós- mente modernizados nos últimos 15
olímpicas durante décadas. Esse legado anos, e enfrentariam a realidade das li-
sempre foi menos importante do que o gas desportivas nacionais que, por razões
objetivo básico de fornecer instalações históricas e culturais locais, atraem pú-
para acomodar, com conforto, os pró- blicos pequenos a jogos em Sydney. São
prios jogos. Mas, para obter a aprova- muito poucos os grandes eventos nos
ção dos moradores, o governo do estado estádios para compensar a diminuição
de New South Wales, provedor dos lo- de receita. Essa situação foi preponde-
cais e das instalações olímpicas, decla- rante para forçar os governos locais a
rou que essa herança lhes traria grandes buscar propostas para um desenvolvi-
benefícios. A situação pós-olímpica ad- mento urbano de porte ao redor dos
quiriu especial importância porque os dois estádios olímpicos. Foi elaborado
dois novos estádios olímpicos exigiam o esboço de um plano diretor para o
um financiamento significativo do setor Parque Olímpico e foram examinadas
privado, que, por sua vez, dependia de propostas de desenvolvimento.
um número substancial de espectado-
res após o encerramento dos Jogos. Este artigo analisa o processo de
desenvolvimento dos estádios olímpicos
O contexto local ameaçava a viabi- de Sydney e suas conseqüências pós-
lidade desses dois estádios de duas ma- olímpicas. Ao fazê-lo, ilustra várias das
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-26
2 Legado incerto: os estádios olímpicos de Sydney
Quase todas as análises acadêmicas de rios dos subsídios (Baade, 1996; O’Kaer,
desenvolvimento de cidades e estádios 1974). Todavia, a construção de estádios
têm sido feitas a partir de exemplos dos com subsídios das cidades tornou-se
EUA. O contexto norte-americano en- mais importante porque, desde a dé-
volve ligas desportivas nacionais com cada de 1970, a ênfase em programas
públicos imensos em todos os jogos, e políticos locais se deslocou da redistri-
as franquias de ligas móveis são comuns. buição para o desenvolvimento econô-
Entretanto, a experiência norte-ameri- mico (Euchner, 1993). Nesse período,
cana fornece lições para as análises de surgiu uma lógica de desenvolvimento
cidades e estádios da Europa e de outras mais ampla. Enquanto os benefícios do
regiões desenvolvidas. desenvolvimento econômico decorren-
tes da presença de um time na cidade
Um tópico capital diz respeito à ex- podem não ser quantificáveis, “cidades
tensão do desenvolvimento econômico que possuem times e os perdem prova-
gerado pelo estádio. Em geral, essa é a velmente enfrentarão problemas com
principal razão apresentada para justifi- sua imagem” (Zimbalist, 1992).
car os grandes subsídios, pagos por con-
tribuintes, usados na construção de De modo mais geral, as cidades têm
grandes estádios das cidades dos EUA progressivamente incorporado a cons-
que visam manter ou atrair franquias trução de estádios como um compo-
móveis de times de beisebol, futebol e nente central de estratégias econômicas
basquete (Rich, 2000a). No entanto, a locais e de desenvolvimento urbano
literatura acadêmica tem raramente mais amplas. Por exemplo, Indianápolis
identificado os impactos positivos do adotou uma estratégia de desenvolvi-
desenvolvimento econômico gerados mento econômico destacando locais de
pela construção de estádios nos EUA, esportes no centro, procedimento que,
em especial se levados em considera- no entanto, não produziu mudanças sig-
ção os subsídios oferecidos pelas cidades nificativas no desenvolvimento econô-
para os novos estádios (Baade, 1996; mico real (Rosentraub et al., 1994). Em
Rich, 2000a). Os donos de equipes e Cleveland, o complexo formado por um
os jogadores são os principais beneficiá- novo estádio passou a ser visto como
Glen Searle 3
antigas (ibid.). O potencial para uma rápi- cente, basicamente para abrigar um es-
da obsolescência decorrente de mudan- túdio de televisão. Os 150 milhões de
ças nas preferências do público a respeito dólares australianos em capital de con-
das “maneiras de assistir” aos jogos é tam- trapartida foram complementados por
bém significativo. Os estádios cobertos e 100 milhões de dólares australianos
a grama artificial são agora menos po- pagos pela Seven em troca de 25 anos
pulares do que os estádios abertos tradi- de direito de venda de ingressos, de as-
cionais (Rich, 2000b, p. 224). sentos especiais e da exploração do
nome e dos símbolos (Maiden, 2001).
Como mostrarão os estudos de caso O estádio foi inaugurado em 2000. To-
de Sydney neste artigo, na Austrália, os davia, com o malogro da captação de
tópicos relacionados a subsídios públi- atividades fora da temporada e uma
cos, competição entre estádios e desen- lotação menor do que a esperada, a
volvimento urbano têm se destacado receita ficou bem abaixo das expectati-
nos projetos de estádios recentes. Os li- vas. Seu primeiro ano financeiro gerou
mites políticos aos subsídios públicos uma receita de 22,5 milhões de dólares
também foram amplamente discutidos. australianos em vez dos 55 milhões que
O maior estádio da Austrália construído tinham sido previstos (ibid.). Houve
nos últimos anos, além do principal es- uma perda de 41,2 milhões de dólares
tádio olímpico de Sydney, é o estádio australianos anterior ao pagamento dos
Colonial, em Melbourne, com 52 mil impostos, e o valor do estádio foi de-
assentos. Abrangendo 220 hectares, foi preciado de 220 milhões para 156 mi-
inicialmente concebido como um está- lhões (Maiden e Milovanovic, 2001).
dio para futebol e rúgbi financiado pelo Para evitar a liquidação, além de uma
estado (Maiden, 2001) e como primei- remuneração anual futura aos proprie-
ro projeto do plano de revitalização das tários, a Seven pagou 75 milhões de
Docklands pelo governo de Victoria. O dólares australianos para arrendar e
governo alegava que uma revitalização administrar o estádio durante 23 anos
integrada da área ao redor do estádio (Sydney Morning Herald, 26 out.
seria essencial para a Austrália (Office 2001). Por outro lado, o principal está-
of Major Projects, 1997). Um plano al- dio de Melbourne, o Melbourne Cricket
ternativo para o estádio foi elaborado, Ground (MCG), está sendo remodelado
e a garantia de 30 jogos da Liga de Fu- para os Jogos do Commonwealth de
tebol da Austrália (AFL) todos os anos 2006, pelo governo de Victoria, a um
permitiu que o projeto fosse financiado custo de 400 milhões de dólares aus-
por grupos privados (Chandler, 1999). tralianos, obra que aumentará a capa-
O consórcio formado por investidores cidade de 96 mil para pouco mais de
particulares, entre eles a News Corp e a 100 mil espectadores (Australian Finan-
rede nacional de televisão Seven, que cial Review, 15 ago. 2001). Essa situa-
detinha os direitos de transmissão da ção de perdas do setor privado diante
AFL, ganhou a concorrência para cons- da revitalização levada a cabo com fi-
truir o estádio e regenerar a área adja- nanciamento estatal de estádios que
Glen Searle 5
A SREP 24 passou a ser lei. A State En- Desde o início, o governo do estado
vironmental Planning Policy No. 38 - de New South Wales previu um peque-
Olympic Games (Sepp 38) foi criada para no lucro com os Jogos como uma de-
facilitar a construção de todas as instala- monstração de sua boa administração.
ções olímpicas. A Sepp 38 fixou diretrizes A proposta olímpica do governo estima-
para o desenvolvimento do local, inclu- ra que os custos brutos da oferta para
sive a exigência de que todo o desenvolvi- sediar os Jogos Olímpicos seriam de 1,7
mento fosse ecologicamente sustentável. bilhão de dólares australianos, subscri-
Também dispensou os principais proje- tos pelo governo. Foi previsto um lucro
tos olímpicos da obrigatoriedade de pre- de 15 milhões de dólares australianos,
parar declarações de impacto ambiental. mais tarde corrigido para 6 milhões. Em
Deu ao ministro para Assuntos Urbanos 1996, os custos finais de capital estimado
e Planejamento permissão para aprovar para as Olimpíadas tiveram um acrésci-
a construção das instalações olímpicas. mo de cerca de 375 milhões de dólares
O governo do estado de New South australianos em relação ao orçamento
Wales não queria que o conselho local, da proposta de 1992, mas, ainda assim,
o qual, de outro modo, teria sido a auto- afirmava-se que, dado o legado que os
ridade a conceder aprovações, pudesse Jogos deixariam para New South Wales,
retardar a construção dos locais olímpicos esse incremento representava “uma rela-
com prazos finais inegociáveis. Na ver- ção custo-benefício válida para o dinheiro
dade, o governo local foi excluído de im- dos contribuintes” (Olympic Coordina-
portantes estágios de planejamento para tion Authority, 1996, p. 43). No fim, a
os Jogos Olímpicos e, até mesmo, privado escalada dos custos foi compensada por
de informações mais detalhadas sobre o aumentos no valor previsto da receita,
processo (Dunn e McGuirk, 1999, p. 29). principalmente pela elevação dos pre-
Um novo plano diretor foi publicado em ços de ingressos, pela venda de direitos
1995. Sob a SREP 24, esse plano e os de transmissão por televisão para os EUA
documentos de apoio sobre estratégias e por uma contribuição maior do que a
paisagísticas, ambientais e de transporte esperada do setor privado para os custos
forneciam esquemas de infra-estrutura do estádio principal. Para manter baixos
de transportes e diretrizes para design os custos do governo, os dois maiores
urbano, acessibilidade, e meio ambiente novos locais – o estádio principal e o
para a construção das instalações do Par- SuperDome – utilizaram um significati-
que Olímpico para os Jogos de 2000. vo aporte financeiro do setor privado.
Em 1998, a SREP 24 foi revisada para Como este artigo analisa agora, essa
incluir o planejamento para o período estratégia continha alguns riscos para os
pós-olímpico e permitir que o ministro investidores privados e, ao final, para
aprovasse novos planos diretores (Olym- os estádios públicos já existentes.
pic Coordination Authority, 2001a).
Glen Searle 11
Estádio Austrália
do parlamento para superar uma objeção 1999c). Essa capacidade também per-
legal bem-sucedida do grupo Friends of mitiria que Sydney tivesse boas chan-
Parramatta Park community (Amigos da ces de sediar os principais jogos da
comunidade do Parque Parramatta) (Fit- Rugby Union World Cup de 2003. No
zallen et al., 1982). Embora, entre os es- entanto, tais eventos ainda são raros. Por
tádios competidores, o Parramatta tenha outro lado, a capacidade pós-Olimpía-
a menor capacidade, ele é visto talvez das de 80 mil lugares do Estádio Aus-
como o de maior sucesso. Por seu tama- trália talvez seja, na realidade, pequena
nho e pela disposição de seus assentos, demais para os grandes eventos. O jogo
responsáveis pela criação de uma atmos- anual de rúgbi entre as equipes da Aus-
fera que sugere um público maior do que trália e da Nova Zelândia atraiu, duas
o efetivamente presente, atrai em torno vezes, 107 mil ou mais espectadores ao
de 10 a 15 mil pessoas, o que o torna Estádio antes dos Jogos Olímpicos. Com
atraente para as ligas nacionais de clubes a capacidade agora reduzida aos 80 mil
de futebol e de rúgbi (Cowley, 1997). lugares, a ARU pode considerar a hipó-
Mostrou-se também um local apropriado tese de manter o jogo no MCG, que é
para eventos ocasionais, tais como lutas maior (Dennis, 2000).
pela disputa de títulos internacionais de
boxe e concertos de rock internacionais O segundo fator que enfraquece a
(como o de Paul McCartney). viabilidade do Estádio Austrália e que
ajuda a explicar a escassez de grandes
Essa experiência reflete dois fatores públicos a eventos de esporte são a na-
que enfraquecem a viabilidade, a longo tureza das ligas desportivas nacionais da
prazo, do Estádio Austrália. O primeiro Austrália e a posição de Sydney nelas.
é o número relativamente pequeno de Na América do Norte, o mercado é su-
espectadores em quase todos os jogos ficientemente grande para viabilizar a
de futebol ou outros eventos apropria- construção de estádios grandes (muitas
dos para estádios em Sydney. Nessa vezes com uma ajuda significativa dos
cidade, o número de eventos suficien- contribuintes locais) para times de ligas
temente grandes para o SFS ou o SCG de futebol, beisebol, basquete e hóquei
são poucos, certamente menos de um no gelo, sejam essas ligas americanas ou
por mês. canadenses-americanas. Na Europa, o
futebol domina de tal maneira o cená-
São esporádicas as oportunidades rio esportivo que qualquer cidade média
que tem o Estádio Austrália para atrair consegue atrair multidões aos grandes
para Sydney eventos que anteriormente estádios construídos para as ligas nacio-
teriam sido desviados da cidade porque nais de futebol.
ela não possuía um estádio suficiente-
mente grande para acomodar um nú- Na Austrália, nação de 19 milhões
mero mínimo viável de espectadores, de habitantes, as principais afluências de
como o concerto dos Três Tenores e o espectadores a estádios de esportes ao
show dos Bee Gees (Dennis, 1999a, ar livre ficam divididas entre o futebol
Glen Searle 15
O SuperDome
Os problemas do Estádio Austrália, e como sucedeu com o estádio principal,
suas origens, são amplamente refletidos o governo, para reduzir os custos e os
na história do SuperDome, que foi cons- riscos da Olimpíada para o estado, alme-
truído para acomodar os jogos de bas- java atrair o financiamento do setor pri-
quete e as competições de ginástica dos vado. Para estimular as perspectivas do
Jogos Olímpicos. Com capacidade para SuperDome após os jogos, mas em desa-
21 mil assentos, é o maior estádio fecha- cordo com os objetivos do DES para as
do da Austrália. Assim como o Estádio construções olímpicas, o governo cons-
Austrália, sua construção se deu em um truiu um estacionamento adjacente, com
esquema do tipo “construção-posse- espaço para 3400 vagas, a um custo de
operação-transferência”, o que permi- 63 milhões de dólares australianos.
tiu que o SuperDome fosse erigido e
administrado pela empresa Abigroup Assim como o Estádio Austrália, a
em troca de um período de concessão longo prazo a viabilidade do SuperDome
de 30 anos. O governo estadual contri- depende de sua capacidade de competir
buiu com 142 milhões do custo total de com uma instalação estadual menor, no
197 milhões de dólares australianos, e caso o Sydney Entertainment Centre
a Abigroup entrou com o resto (Olympic (Centro de Lazer de Sydney). Este último
Coordination Authority, 1999). Assim acomoda 10 mil assentos e está localizado
16 Legado incerto: os estádios olímpicos de Sydney
Uma das principais funções do OCA era uma ala do Museu Australiano (NSW) e
garantir que as instalações desportivas um centro de educação de terceiro grau
para as Olimpíadas seriam usadas ade- (Moore, 2000b).
quadamente após o encerramento dos
Jogos. Antes mesmo dos Jogos, esse as- Os empresários locais aparentemente
sunto poderia ser tratado juntamente consideraram as propostas insuficientes
com uma outra função importante do e, para tentar impor seus argumentos,
OCA: assegurar o desenvolvimento eco- formaram uma associação, a Sydney
nômico ordenado da área da baía de Olympic Park Business Association. Essa
Homebush. A estratégia metropolitana associação queria que o OCA fizesse vá-
de 1998 (Department of Urban Affairs rias recomendações no trabalho de re-
and Planning, 1998) foi apresentar, pela visão do desenvolvimento da baía de
primeira vez, o Parque Olímpico como Homebush a ser submetido ao governo.
um grande núcleo de desenvolvimento Entre elas, recursos do governo para
econômico. Como primeiro passo em di- mais estacionamentos de carros próxi-
reção a essa meta, em maio de 2000, o mos aos locais de eventos, a construção
OCA divulgou, entre empresários locais, de mais um hotel, de clubes, de cinemas
um trabalho com opções de desenvolvi- e de lojas, e subsídios contínuos, espe-
mento para a baía de Homebush. Esse cialmente para as principais rotas de
trabalho trazia propostas para transfor- ônibus que atravessariam Sydney para
mar a baía de Homebush em um centro chegar aos principais eventos do Parque
de excelência para esportes, com uma Olímpico (Moore, 2000a, 2000c). Procu-
universidade de esportes e um centro de rando estabelecer uma semelhança com
medicina esportiva. Propunha também o esquema de revitalização de Darling
ampliar o papel da área como centro cul- Harbour na década de 1980 (Lawson,
tural e de lazer, com um complexo de 2000), logo após os Jogos, o governo
salas de cinema, um centro aborígine, afirmou que responderia aos problemas
18 Legado incerto: os estádios olímpicos de Sydney
dos locais do Parque Olímpico por meio punha que o futuro desenvolvimento
de uma “intensificação de atividade” ao seria orientado por uma estrutura com-
redor da baía de Homebush. posta por diversos distritos. Dentre esses
distritos se destacariam uma “vibrante”
Outro aspecto a ser considerado diz região central ao redor da estação de
respeito às receitas provenientes de arren- trem, uma área de grandes eventos (o
damentos que o governo deveria receber Estádio Austrália e o SuperDome), outra
com a intensificação do uso do Parque de feiras ou exibições, o Australia Centre
Olímpico, o que compensaria os custos (parte do antigo abatedouro remode-
constantes da preservação e da adminis- lado como um parque de negócios), e
tração do Parque e de seus espaços de ainda o Brickpit Edge, o Participation
esportes públicos. O OCA já havia perce- Precinct (que incluía o Centro de Es-
bido, em 1999, que o potencial de de- portes, o Centro de Tênis, o Centro de
senvolvimento da baía de Homebush Hóquei, o Centro de Atletismo e o Par-
poderia compensar os custos de pre- que Aquático) e o Bosque. O plano vi-
servação a longo prazo, em resposta à sava aumentar o número de empregos
estimativa do auditor geral de que a ad- para, pelo menos, 10 mil, concentrados
ministração e a manutenção do Parque no centro da cidade. O desenvolvimen-
Olímpico custariam cinco milhões de to residencial também ficaria mais fácil,
dólares australianos por ano (Audit Office com a intenção de desenvolvimento de
of N.S.W., 1999). O orçamento do esta- um núcleo populacional de três mil pes-
do para 2001 destinou 50 milhões de soas que contribuiria para a massa vital
dólares australianos para que a nova das atividades varejistas do centro da
Sydney Olympic Authority (que substi- cidade e com a permissão para a cons-
tuiu o OCA) custeasse as despesas pós- trução de edificações de até 30 andares
olímpicas no Parque e naqueles locais no centro. O plano previa um núcleo
utilizados durante os Jogos Olímpicos destinado ao comércio varejista dentro
(Moore, 2001). do centro da cidade, oferecendo restau-
rantes, lanchonetes, cafés e outros ser-
Submetido ao Gabinete, o trabalho, viços para visitantes, trabalhadores e
com suas opções, obteve uma resposta moradores. Antevia também o poten-
positiva. No início, em 2001, o OCA pe- cial para uma instituição cultural de porte
dira a quatro escritórios de arquitetura e no limite sul de Brickpit. Uma via de
design urbano que elaborassem proje- transporte rápido da área para o centro
tos de usos e concepções alternativas para regional de Parramatta proposta ante-
o Parque Olímpico. Após analisá-los, o riormente foi incorporada ao plano.
OCA preparou então um esboço para Acima de tudo, o esboço do plano pres-
um Plano Diretor Pós-Olímpico, que foi supunha que as áreas inabitadas ou mal
publicado em junho de 2001 (Olympic utilizadas no Parque Olímpico, tais como
Coordination Authority, 2001a). estacionamentos de carros ao ar livre,
gerassem oportunidades para desenvol-
O esboço do plano diretor pressu- vimentos adicionais.
Glen Searle 19
Conclusão
A construção de novos e grandes estádios únicos ou esporádicos. Em Sydney, o
foi um elemento integrante da proposta tema principal tem sido o enorme ta-
de candidatura de Sydney (bem-suce- manho dos estádios necessários para as
dida, no final das contas) aos Jogos multidões dos Jogos Olímpicos. Nessa
Olímpicos de 2000. No entanto, a ine- cidade, eventos que atraem multidões
xistência de eventos, pré e pós-Jogos, são raros. Com exceção de alguns pou-
reflete os riscos de construção de infra- cos jogos e concertos, outros estádios
estrutura especializada para eventos modernos, já existentes antes das Olim-
Glen Searle 21
píadas, podem absorver quase todos os serviços devem ser fornecidos com um
jogos que são viáveis no mercado de grau maior de inovação e de eficiência
Sydney. Nesse aspecto, o tamanho e a (Hunt, 1994). A experiência das rodo-
estrutura das ligas desportivas nacionais vias público-privadas em Sydney revela
têm sido fundamentais, porque a quan- que um tópico importante é a tendência
tidade de jogos da temporada regular de o governo permitir que os lucros do
da liga nacional capazes de atrair multi- fornecimento da infra-estrutura sejam
dões maiores do que a capacidade dos apropriados pela iniciativa privada, ao
estádios pré-olímpicos é muito pequena. passo que os riscos resultantes são socia-
lizados (Quiggin, 1997). As pressões
A experiência de Sydney mostra exercidas pelos operadores do estádio
também que as parcerias entre estado olímpico de Sydney para limitar a com-
e setor privado não eliminam obrigato- petição estatal (no caso do SuperDome)
riamente tais riscos. As decisões do se- e para impelir o estado a construir um
tor privado não garantem lucros. No setor de lazer mais atraente represen-
caso dos estádios olímpicos, as expecta- tam, em essência, tentativas de sociali-
tivas do investidor privado estavam zação, pós-construção, de alguns dos
muito longe da realidade. As perspecti- riscos emergentes. Os resultados finais
vas do Estádio Austrália previam que, dos projetos de infra-estrutura público-
em 2002, haveria 42 jogos de futebol privados, em Sydney, variam entre os
no estádio com uma freqüência média que são muito lucrativos (as rodovias) e
de 40 mil espectadores (Moore, 1998), os que sofreram grandes perdas (a linha
previsão muito distante da realidade dos de trem para o aeroporto e os estádios
sete ou oito jogos que devem ser reali- olímpicos). Uma conclusão possível é
zados lá em 2002. Para os investidores, que a infra-estrutura que obtém um flu-
ficou mais difícil encontrar uma solução xo constante de renda sob condições de
para esse mau julgamento porque o monopólio, como, por exemplo, as vias
estado possui instalações que competem urbanas, constitui uma aposta mais po-
entre si. Esse fato redundou na relutância sitiva do que uma infra-estrutura sob
do governo em fazer concessões favorá- condições de oligopólio, em especial
veis aos estádios do Parque Olímpico. onde a renda tem altos e baixos.
Referências
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MOORE, M. Stadium is still looking for __________. Sydney Olympic Park draft
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Herald, 30 July 1998. 2001a.
Resumo Abstract
Os dois principais estádios para os Jogos The two main stadiums for the Sydney
Olímpicos de Sydney foram construídos Olympic Games were developed by the
pelo setor privado, com a ajuda do estado private sector with state assistance to
para reduzir custos governamentais e ris- reduce government costs and risks. In
cos. No período posterior aos Jogos, os the post-Olympic period, both stadiums
dois estádios têm tido grandes perdas de have experienced major revenue short-
receita, sendo então ameaçada sua viabi- falls which threaten their viability. This
lidade. Essas perdas são causadas pela has been caused by competition from
competição de antigos, embora meno- pre-existing, though smaller, state-owned
res, estádios do governo e pela falta de stadiums and lack of potential major
eventos e competições esportivas impor- sporting and other events. In part to help
tantes. Em parte para ajudar os estádios the Olympic stadiums, the government
olímpicos, o governo elaborou um plano has produced a master plan for a major
diretor para promover um desenvolvi- urban development: Olympic Park. The
mento urbano de porte no Parque Olím- article illustrates the risks of partnership
pico. Este artigo busca apontar os riscos development of specialized infrastructure,
26 Legado incerto: os estádios olímpicos de Sydney
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-40
2 Projetando paisagens holísticas
Mais recentemente, o governo da Grã- da prática e, também, das metas dos se-
Bretanha criou um novo departamento, tores agrícolas da cadeia de alimentos
o Departamento para o Ambiente, Ali- (por exemplo, Ends, 2001, p. 33; Eve-
mentos e Assuntos Rurais (Defra), que rett, 2001).
assumiu as responsabilidades do antigo
Maff. Isso representa um deslocamento Já é possível unir dados SIG e ferra-
concomitante da ênfase em direção a mentas de visualização a cenários inte-
uma política rural que gere benefícios grados de paisagens ecológicas e cênicas
mais amplos. Ao mesmo tempo que os holísticas. Os fazendeiros já podem ver
preços da produção caem em toda a como se afiguraria uma paisagem consi-
indústria agrícola britânica, o setor de deravelmente diferente e, também, bus-
criação torna-se caótico após a ocorrên- car recursos para criá-la coletivamente.
cia de casos de encefalite espongiforme Segue-se uma primeira tentativa de mos-
bovina e de febre aftosa. Essa situação trar como tal oportunidade pode ser
provocou renovados apelos para uma aproveitada.
reavaliação fundamental da estrutura,
Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim O’Riordan e Dick Cobb 5
1
O National Trust é o órgão responsável pela conservação do patrimônio histórico e natural.
Seria o equivalente, na Inglaterra, ao que no Brasil é o Instituto de Patrimônio Histórico e
Natural (IPHAN). N. da Rev. da T.
6 Projetando paisagens holísticas
De modo geral, as 31 fazendas estuda- Nos últimos cinco anos, essa estru-
das variavam de propriedades ocupadas tura vem mudando. As duas fazendas
pelos donos a arrendadas, de tamanhos com mais de 700 hectares aumentaram
e métodos operacionais diversos. Nas de tamanho; seis fazendas na faixa de
11 fazendas do National Trust, todos os 300-700 ha e cinco na de 100-300 ha
fazendeiros, exceto um, possuem terras também se expandiram. Neste último
fora da propriedade que administram. grupo, comparadas a duas na faixa de
Um dos fazendeiros possui um substan- 300-700 ha, quatro das cinco compra-
cial pedaço de terra ao sul da proprieda- ram mais terras. Três outras fazendas do
de, cinco outros possuem terras alugadas grupo de 300-700 ha também utilizaram
e próprias adicionais, e os quatro restan- contratos de exploração para incremen-
tes alugam outras fazendas e campos. tar suas atividades. Nas duas maiores
O primeiro grupo de entrevistas forne- operações, uma adota uma política de
ceu as informações apresentadas na Ta- expansão rápida mediante a compra de
bela 1. qualquer terra disponível na região (mais
de mil hectares foram comprados entre
1993-1998) e a outra está se ampliando
Tabela 1 : Perfil das 31 fazendas. por meio de contratos de exploração.
As fazendas menores não aumentaram
Número de de tamanho. As circunstâncias da admi-
Tamanho (ha)
fazendas nistração individual estão claramente in-
50-100 3 fluenciando a mudança estrutural.
100-300 13 Em relação à classificação das fazen-
300-700 13 das em toda a área de estudo, 10 são
700 + 2 basicamente de cultivo, 12 apresentam
Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim O’Riordan e Dick Cobb 9
Embora tenham sido identificados ção era feita por uma faixa de grama,
422 km de cercas vivas na área de estu- por uma cerca ou por uma mudança
do, um adicional de 138 km de divisas de tipo de lavoura. Na área de estudo,
de campos não as possuía, e a delimita- muitas cercas estavam em condições
2
Área pequena e usualmente retangular preservada especialmente para o estudo da vegetação
ou de animais. N. da Ed.
Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim O’Riordan e Dick Cobb 13
ruins, por terem sido cortadas muito (desvio padrão = 1,5, n = 97) por seção
rentes e com muita freqüência; das 745 de 50 metros. As cercas que circundam
cercas vivas pesquisadas, 44% eram os campos orgânicos cultivados da área
cortadas todos os anos, 38% possuíam de estudo apresentavam um número
menos de 2 m de altura e 12% apre- de espécies de plantas significativamente
sentavam intervalos “abundantes” ou maior do que as margens adjacentes de
“predominantes”. Como conseqüência, campos cultivados convencionalmente
houve grande redução de seu valor e (Tabela 4). A Tabela 5 mostra a freqüên-
interesse ecológico como habitats de vida cia da ocorrência de 14 espécies de bor-
selvagem. boletas registradas durante a pesquisa.
As espécies mais abundantes tendiam a
Embora houvesse uma moderada ser as predominantemente associadas à
diversidade de árvores e de espécies de agricultura (por exemplo, pierídeos). Até
arbustos dentro das cercas vivas (média mesmo as consideradas nacionalmente
de 5,0 espécies de arbustos por 50 me- onipresentes, tais como a inachis io, a
tros, desvio padrão = 2,2, n = 97), a pironia ithonius e a maniola jurtina, não
riqueza de espécies de categorias asso- eram comuns na paisagem, embora es-
ciadas era geralmente baixa, com uma pécies mais raras como a polyommatus
média de 9,2 espécies de plantas vas- icannus e a lycaena phlaes fossem re-
culares nas margens (desvio padrão = presentadas por apenas alguns registros.
5,1, n = 97), apenas 2,5 espécies de Isso enfatiza a degradação ecológica da
pássaros (desvio padrão = 2,0, n = 93) paisagem agrícola atual.
e somente 2,0 espécies de borboletas
F =3,06,
12,9a 3,8 (15) 8,5a,b 5,4 (13) 6,1b 2,9 (8) 8,3a,b 5,6 (28) 8,5a,b 5,7 (14)
p=0,0217
Nota : Para cada categoria de administração, são fornecidos a média e o erro padrão da riqueza
das espécies de plantas de margens por seção de 50 metros; os tamanhos de amostras
em parênteses são os números das seções replicadas. Os resultados das análises da
variância e teste de comparação múltipla subseqüente são apresentados; as médias que
compartilham uma sobrescrição comum não diferem significativamente (teste de Tukey,
p>0,05). “a” e “b” indicam subconjuntos homogêneos identificados pelo teste de Tukey
de comparação múltipla.
14 Projetando paisagens holísticas
Métodos de visualização
Vale do Tâmis a e área inundável (norte do Tâmisa e sul para elevação de solo)
Pasto aumentar área de prados e pasto permanente perto de rios (3);
aumentar área de pasto permanente extensivamente administrado
para fortalecer a natureza da paisagem (2).
Paisagens do Tâmisa preservar a vista que se tem do rio do caminho de sirga(3);
corredores de rios como uma importante fonte de espaço aberto (4);
o Tâmisa possui uma característica de paz e tranqüilidade enquanto
corre entre prados remotos (5).
Salgueiros preservar e administrar a poda de árvores, e criar novas árvores
podadas ao longo de margens de rios e valas para realçar a
qualidade da paisagem (1, 2, 3, 5)
Margem de rio definir a margem de rios com mais árvores ou mudanças na
vegetação (3);
administrar pequenos bosques e soutos negligenciados (5).
Choupos da Lombardia interromper fileira de árvores ordenadas ao longo de margens
inundáveis e árvores remanescentes a serem incorporadas a novos
bosques (3).
Cercas Melhorar a qualidade da paisagem por meio da restauração de
cercas vivas (1, 2).
Continua
20 Projetando paisagens holísticas
Quadro 2 : (Continuação).
Vale do ri o Col e (corre em direção norte através da área de estudo e se junta ao Tâmisa a
oeste de Lechlade)
Pasto mais prados de água a serem desenvolvidos ao longo de áreas inundáveis
do rio (2, 6).
Vale do rio delinear curso do rio com mais salgueiros, árvores e outras vegetações
ribeirinhas (3, 7).
Bosques não fechar a abertura do vale do Cole com novas áreas de bosques criadas (7);
corredores de rios trazem uma contribuição significativa para a natureza da
paisagem, formando também “cadeias verdes” entre áreas abertas (4).
Oxford Clay Val e (entre a área inundável e a Cadeia de Montanhas Midvale)
Terras de fazenda preservar e realçar a qualidade da paisagem por meio da restauração de
ondulantes cercas (1, 2, 3, 6);
cercas-chave administradas para se tornarem mais substanciais, além de
mais árvores de cercas vivas (3).
Vale de cadeias definir riachos nos vales com árvores para formar uma paisagem mais
de montanhas, distinta (3);
áreas de colinas, concentrar mais em bosques com muita folhagem e mais variedade;
basicamente eliminar algumas das florestas coníferas; mais plantação de árvores em
bosques declives mais altos (3).
Bosques mais áreas de bosque para realçar a paisagem e esconder edificações
modernas (3).
Cadeia de Mont anhas Mi dvale (faixa de calcário coralino entre Faringdon e Highworth;
escarpa ao norte, contemplando o vale do Tâmisa e o Oxford Clay Vale; declive mais suave ao
sul através do Lowlands Vale até Downs)
Bosques floresta conífera de Badbury Hill a ser derrubada ao redor das escarpas da
montanha e substituída por um pasto (3);
a paisagem possui um caráter moderado de floresta, e uma boa
administração florestal acentuará esta característica (3, 5);
encorajar a plantação de novas florestas para realçar a paisagem (3, 5, 7);
mais cobertura florestal ao redor de Faringdon para suavizar o limite
urbano (2, 6).
Cercas restauração de cercas vivas da fazenda inteira (1, 3, 5, 6).
Lowl and Vale (basicamente entre Kimmeridge e Gault Clays, ao sul da Cadeia de Montanhas
Cercas replantio de cercas e plantio de árvores dentro de cercas vivas para
restaurar a paisagem (1, 3, 5);
recriar paisagens de cercas vivas e de árvores de cercas vivas pós-
cercamento e realizar boas práticas de administração de cercas vivas
(cercas podadas com árvores) (5, 7).
Bosques ampliar os bosques ao redor de Watchfield e Shrivenham (7);
encorajar o plantio de novas áreas de bosques (em parte para compensar a
perda de tantos olmos) (5, 7).
Corredor A420 ocultar e realçar com mais cercas e árvores (3, 7).
Continua
Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim O’Riordan e Dick Cobb 21
Quadro 2 : (Continuação).
R eferênci as
1. Countryside Stewardship in Oxfordshire; supplement to The Countryside Stewardship
Scheme, 1998, Ministry of Agriculture, Fisheries and Food.
2. Proposals for the future of the Upper Thames Tributaries Environmentally Sensitive Area
1999 - 2004: a consultation document, 1998, Ministry of Agriculture, Fisheries and Food.
3. Landscape Plan for Buscot & Coleshill Estate - report for the National Trust, Thames and
Chiltern Region, 1996, Bronwen Thomas.
4. Swindon Borough Local Plan - Deposit Draft 1994; List of Proposed Modifications, 1998,
Swindon Borough Council.
5. Vale of White Horse Local Plan - Deposit Draft 1995, Vale of White Horse District Council.
6. Whole Farm Plan, Stones Farm, Sherborne Estate, 1996, National Trust Estates
Department, Cirencester.
7. Forest Implementation Plan - Faringdon-Shrivenham Framework Plan, 1996, Great Western
Community Forest/Vale of White Horse District Council.
Quadro 3 : (Continuação).
Val e do rio Col e
Pasto pastos mais extensos em planície inundável (prioridade para BBONT,
prioridade fundamental para EN) (4, 6).
Bosques novos bosques inundáveis nas margens do rio (dominados por salgueiros,
alnos e freixos) a serem criados para aumentar a diversidade de habitats
(primeira prioridade para BBONT) (3, 4, 6).
Cadeia de Montanhas M idval e
Campos incentivar mais colheitas de plantações de primavera para aumentar
cultiváveis habitats para pássaros e flores de primavera (especialmente ervas
cultiváveis) (objetivo básico para EN, prioridade fundamental para RSPB)
(1, 3, 4);
exploração menos intensa da fazenda (reduzir o uso de agrotóxicos) (2, 4).
Val e do Whi te Hors e
Pasto restaurar pasto extensor nas áreas mais baixas, onde se agregam os
maiores benefícios ecológicos (prioridade alta para EN) (4).
R eferênc ias
1. Countryside Stewardship in Oxfordshire; supplement to The Countryside Stewardship
Scheme, 1998, Ministry of Agriculture, Fisheries and Food.
2. Midvale Ridge Natural Area Profile, 1997, English Nature.
3. Thames and Avon Vales Natural Area Profile, 1997, English Nature.
4. English Nature 1997: interview with Keith Payne, conducted by Paul Dolman, 7 October
1997.
5. RSPB 1997: interview with Frank Fuller and David Gibbons, conducted by Paul Dolman, 7
October 1997.
6. BBONT 1997: interview with Iain Corbyn, conducted by Paul Dolman, 23 July 1997.
7. Proposals for the future of the Upper Thames Environmentally Sensitive Area 1999 – 2004:
a consultation document, 1998, Ministry of Agriculture, Fisheries and Food.
Q uadr o 3 : (Continuação).
C a de ia de M ont a n ha s M idva l e
Enchentes de campos com enchentes deveriam ser administrados extensivamente,
primavera permitindo o aumento da qualidade da água e a diversidade da fauna e da
flora (precisa ser em pasto não-cultivável (prioridade alta para EN).
Pasto restauração de pasto permanente seminatural, embora haja pouco interesse
de conservação em pasto na área de estudo (prioridade baixa para EN);
reconstrução de pasto ácido de terra cultivável (objetivo para CS).
Bosques promover administração de bosques que vá restaurar um atributo mais
natural, especialmente em solos mais secos: menos coníferas, mais
carvalhos e bétulas (sobretudo dentro de bosques seminaturais já
existentes[“antigos”]) (prioridade objetiva para MVR, prioridade baixa
para EN).
R efe rê nc i as
BBONT: interview with Iain Corbyn, conducted by Paul Dolman, 23 July 1997.
EN: interview with Keith Payne, conducted by Paul D olman, 7 October 1997.
CS: Countryside Stewardship in Oxfordshire: supplement to The Countryside Stewardship
Scheme, 1998, Ministry of Agriculture, Fisheries and Food.
MVR: Midvale Ridge Natural Area Profile, 1997, English Nature.
Tabela 8: Mudanças de usos de terra propostos para a Fazenda 162. As áreas são
mostradas em acres e não em hectares, e as distâncias são mostradas
em jardas. Os dados foram convertidos a unidades imperiais porque
continuam sendo mais familiares aos fazendeiros.
Preservação da
Natureza da Preservação da
biodiversidade –
paisagem biodiversidade
suplementada
Acres % Acres % Acres %
Cultivável -11 1 -86 8 -101 9
Pasto melhorado -5 0,4 -181 15 -215 18
Rústico /Pasto não
-21 2 +25 2
melhorado
Margens de campos +47 4 +43 3
Bosques +16 1
Faixas de separação para
+23 2 +22 2
cursos de água
Separação por arbusto ao
redor de locais +8 1
determinados
Restauração de área
+218 19 +218 19
inundada
Restauração de cercas vivas 7.000 yd 7.000 yd
Validando os cenários
Antes de apresentar os cenários aos fa- Council; Wiltshire Wildlife Trust e Royal
zendeiros, foi realizado um procedimento Society for the Protection of Birds. Os
final de validação com as partes interes- participantes tomaram conhecimento das
sadas nos escritórios da ESRC em Swin- bases da pesquisa, examinaram o mate-
don. Isso ocorreu sob a forma de um rial interpretativo que resumia as impli-
workshop de um dia inteiro, com a pre- cações ecológicas de cada cenário, viram
sença de 11 pessoas que representavam os modelos VRML projetados por um
as seguintes organizações: National Trust; computador portátil, revisaram os mapas
Northmoor Trust; English Nature; Coun- de formato grande e discutiram suas rea-
tryside Agency; National Farmers’ Union; ções. Em relação à abordagem total do
Farm and Conservation Agency; três con- estudo e às técnicas usadas, as reações
selhos distritais locais; Oxfordshire County foram:
Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim O’Riordan e Dick Cobb 27
satório adequado. Apenas dois fazendei- — é preciso que haja uma força séria
ros continuavam a ter sérias restrições, por trás de tudo isso, logo, é preciso
que basicamente se restringiam à natu- que o supervisor do projeto inter-
reza “predeterminada” das prescrições. vencionista tenha a capacidade de
ter uma visão de conjunto do que
Todos os 17 entrevistados tinham está em questão.
tido perda de receitas nos 18 meses ante-
riores, três estavam enfrentando grandes
dificuldades e a perspectiva pouco en- Incentivos de administração
corajadora de terem que demitir mão- e custos dos cenários
de-obra. Nenhum deles via qualquer
previsão de segurança de renda e três A reação a faixas de separação ao redor
deles não pretendiam deixar a fazenda de riachos e as prescrições para margens
para membros da família. Nenhum dos de campos foram totalmente favoráveis.
entrevistados manifestava muito entusias- Todos os fazendeiros se prontificaram a
mo pelos novos esquemas da agrodiver- participar de tais acordos, com o nível
sidade; simplesmente não confiavam na correto de incentivos, embora a maioria
capacidade do governo ou da CE em preferisse considerar apenas as cercas e
levá-los adiante. A incerteza do financia- as margens de campos selecionadas.
mento do Maff para esquemas transicio- Com a reforma adequada de pagamen-
nais de apoio econômico propostos era tos de incentivos agrícolas, esse elemento
um fator adicional na limitação de opções das prescrições poderia ser obtido em
entre a comunidade agrícola. um acordo abrangente (por exemplo,
através de pagamentos a áreas cultivá-
Um fazendeiro resumiu o sentimento veis reestruturadas), sem desencadear
de quase todos os outros em relação à transações substanciais e custos de su-
adoção de mais esquemas agroambien- pervisão do projeto.
tais:
Por outro lado, a proposta para res-
— os recursos pecuniários precisam ser taurar terras úmidas e pastos extensos e
garantidos; promover inundação sazonal de terra
— o comprometimento dos agentes anteriormente seca e cultivável dentro
precisa ser de longo prazo, ou seja, da área de charco apresentou enormes
é necessário que haja vontade polí- dificuldades. O resultado implicaria em
tica e apoio financeiro para condu- uma perda de subsídios para as áreas
zir o projeto até o fim; cultiváveis, pequena no caso da renda
— em geral, as fazendas dispõem de proveniente da criação de animais,
menos dinheiro para gastar nesse tipo menos oportunidades para produção de
de esquemas, com menos mão-de- pasto seco e uma maciça reestruturação
obra livre para a preservação neces- dos bens de capital. Os animais teriam
sária. Dinheiro nem sempre significa de ser cuidados em instalações novas, e
um incentivo razoável; os depósitos de grãos existentes teriam
Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim O’Riordan e Dick Cobb 29
A “perda” da terra para a produção nos cenários 3a e 3b iria para as margens de campos (47
e 43 acres respectivamente), faixas de separação (23 e 22 acres) e charco na área inundável
(218 acres em ambos os casos). É difícil calcular como essas mudanças causarão impactos na
fazenda como um todo. Cerca de 20% da fazenda serão revertidos em áreas de charco. Isso
trará oportunidades para pastos extensos, não para a produção de leite ou de carne. O fazen-
deiro está convertendo a fazenda para a produção orgânica gradualmente, com as atividades
(leiteiras e de corte) sendo partes fundamentais da abordagem da fazenda integrada. Portan-
to, a compensação precisaria avaliar todas as mudanças em exigências de capital. A operacio-
nalização da fazenda seria permanentemente alterada no capital investido em edificações para
a produção de leite e maquinário. Edificações para a produção de carne não seriam mais
fonte de renda. Em teoria, a compensação do nível da margem bruta permitiria que o restante
das operacionalizações da fazenda cobrisse os custos de produção necessários, mas uma mu-
dança radical na operacionalização da fazenda requereria uma compensação adicional para
acomodar a mudança de estilo de vida na fazenda, se os benefícios públicos supostos a fluir
pelas mudanças viessem a ser efetivados.
Cerca de 40% de todo o pasto seria perdido. O rebanho leiteiro diminuiria em uma pro-
porção equivalente. Em termos práticos, o fazendeiro estaria buscando compensação para
investimentos anteriores nas edificações para a produção de leite, no maquinário de silagem e
nas instalações de armazenamento e de armazenamento de excremento/lixo.
A administração de fazendas por uma única família e acordos de compensações seriam
necessários (com conseqüentes aumentos nos custos da administração) para acomodar a ope-
racionalização do esquema. Este exemplo mostra algumas das questões básicas que precisa-
riam ser indagadas.
Paul M. Dolman, Andrew Lovett, Tim O’Riordan e Dick Cobb 31
Discussão
Agradecimentos
Esta pesquisa foi financiada por uma Charitable Trust. A Ordnance Survey
subvenção do ESRC (subvenção No. L (http://www.ordsvy.gov.uk) generosa-
320 25 32 43) dentro do programa da mente forneceu mapeamento vetorial
Global Environmental Change (Mudan- Land-Line® elevação da Land-Form
ça ambiental global). Suporte adicional Paisagem® livre de custos para os objeti-
foi fornecido pelos Arkleton Trust, o Er- vos do projeto. A pesquisa ecológica de
nest Cook Trust e o Esmee Fairbairn campo foi conduzida por Sophie Lake.
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Resumo Abstract
A abordagem da paisagem holística é A whole landscape approach is critical to
essencial para assegurar a conservação e ensuring conservation and enhancement
o aumento da biodiversidade em terras of biodiversity in farmed landscapes.
cultivadas. Embora os esquemas agroam- Although existing agrienvironmental
bientais existentes sejam limitados por schemes are constrained by property
divisas de propriedades e decisões vo- boundaries and voluntary take up, the
luntárias, o potencial para a adoção da potential for adopting a whole landscape
abordagem da paisagem holística na ad- approach to planned countryside man-
ministração do planejamento rural é pre- agement is currently favoured by a num-
ferido atualmente por uma série de ber of factors. These include economic
fatores. Entre eles, a incerteza econômica uncertainty in some agricultural sectors;
em alguns setores agrícolas, a introdução the introduction of a reformulated rural
de políticas de desenvolvimento rural development policy; increased understan-
reformuladas, uma maior compreensão ding of relationships between biodiversity
dos relacionamentos entre a biodiversi- and management; and the introduction
dade e a administração, e, finalmente, a of geographical information systems tech-
introdução da tecnologia SIG (Sistemas nology that allows future landscapes to
de Informações Geográficas), que per- be visualised to stakeholders. We report
mite que futuras paisagens possam ser on ecological and socio-economic aspects
visualizadas pelas partes interessadas. of whole landscape planning in a study
Descrevemos os aspectos socioeconômi- covering 31 neighbouring farms in west
cos e ecológicos de um planejamento de Oxfordshire. A baseline was first compiled
paisagem holística em um estudo que that included information on property
abrange 31 fazendas vizinhas no oeste boundaries; land cover; relationships
de Oxfordshire. Primeiro reunimos dados between hedge and field margin man-
sobre divisas de propriedades, cobertura agement and key taxa; and farmer so-
da terra, relações entre a gestão de mar- cio-economics and attitudes towards
gens de campos e fronteiras e categorias agri-environmental measures, conserva-
taxonômicas chaves, nível socioeconômico tion and sustainable agriculture. We then
do fazendeiro e seu posicionamento em developed future scenarios of integrated
40 Projetando paisagens holísticas
Jiantao Zhang
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-32
2 Gestão da renovação e preservação urbana na China: o caso de Xangai
Estrutura teórica
As proposições de Conzen a respeito da ças. As duas linhas estão intimamente
administração do panorama urbano vinculadas e podem ser consideradas o
foram desenvolvidas por pesquisadores fundamento daquele conceito de admi-
do Grupo de Pesquisa Morfológica Ur- nistração de Conzen, que passou a ser
bana a partir de duas linhas de pesquisa. a maior preocupação na morfologia
Uma examina os agentes responsáveis urbana geográfica (Whitehand, 1992,
por mudanças na paisagem urbana, e a p. 3). São consistentes com a doutrina
outra investiga o papel do planejamento conzeniana de que o panorama da cida-
público na administração dessas mudan- de representa as experiências acumuladas
Jiantao Zhang 3
Metodologia de pesquisa
Yin (1994, p. 1) afirma que existem cinco controle que um investigador exerce
tipos de estratégias de pesquisas (Tabe- sobre eventos comportamentais autên-
la 1) e que a escolha de uma determina- ticos; e (iii) se o foco está em fenômenos
da estratégia depende de três condições: históricos ou contemporâneos.
(i) o tipo de pergunta da pesquisa; (ii) o
Estudos de casos
naquela área. No entanto, por ser o pri- favoráveis. O projeto de construção foi
meiro grande projeto de investimento aprovado no início de 1997 como um
urbano estrangeiro no distrito de Luwan, caso especial, e as condições específicas
o governo local esperava que fosse um estipuladas pelos encarregados do caso
sucesso e, por isso, pediu ao SMUPB que deveriam ser obedecidas.
aprovasse a proposta com condições
dições iniciais para permitir a demolição edifício novo com a construção histórica.
da parte dos fundos do prédio histórico Esse caso foi relevante como uma ex-
e sua união com a nova construção. A periência da prática do controle sobre
fachada e o telhado da parte não-demo- desenvolvimentos que envolvem a coe-
lida seriam preservados, e os cartazes e xistência de prédios históricos e novos
letreiros nela afixados seriam retirados nas áreas de preservação de Xangai.
para recuperar sua aparência original. Todavia, após a realização das alterações,
a decoração interna do prédio histórico
A proposta pormenorizada final também foi modernizada e, por isso, não
para esse projeto foi aprovada pelos combinava com o estilo de sua aparên-
encarregados do caso no SMUPB em cia externa. Como conseqüência, depois
1997. Aquiescendo às condições de pla- desse caso, o SMUPB passou a contro-
nejamento modificado, o incorporador lar não apenas a aparência externa, mas
gastou RMB 1 30 milhões na alteração do também as características internas de
prédio histórico para integrá-lo, como prédios históricos em projetos de alte-
um pódio, ao novo edifício de escritórios ração ou, até mesmo, de reconstrução.
(se tivesse sido demolido e se um pódio
totalmente novo tivesse sido construído, Nesse caso, o incorporador desem-
o custo teria sido de RMB 4 milhões). penhou um papel importante nas deci-
Para atender às condições impostas às sões relacionadas às características do
alterações pelo SMUPB, o incorporador novo prédio e à demolição parcial do
convidou um escritório de arquitetura prédio histórico. Quanto ao projeto, a
dos EUA, que seria auxiliado por arqui- principal preocupação era a sua lucrati-
tetos de Xangai, para elaborar o projeto. vidade. O governo do distrito de Luwan
Ele procurou e utilizou materiais que também estava envolvido em função de
fossem iguais ou semelhantes aos da seu interesse no desenvolvimento eco-
construção original do prédio. nômico da área. Os encarregados do
caso no SMUPB se mostraram desfavo-
Segundo o encarregado do caso ráveis às propostas dos consultores e do
(Zhang, F., 2000), quanto à preserva- incorporador, mas, sob pressão do in-
ção parcial de uma edificação SMEMB corporador e do governo do distrito de
como parte de um prédio novo, o in- Luwan, cederam às propostas e só con-
corporador e seus consultores tinham seguiram assegurar a preservação da
feito o possível para manter as caracte- fachada do prédio histórico. Na realida-
rísticas originais do prédio histórico e de, quaisquer que fossem os esforços
integrá-lo ao estilo e à aparência do do SMUPB, as características originais e
novo prédio. A construção atendeu às o valor histórico do prédio em questão
exigências de conservar a aparência da teriam sido perdidos após a demolição
parte preservada do prédio histórico e parcial e a alteração do uso do solo.
de harmonizar o estilo e a aparência do Além disso, a construção de um prédio
1
O RMB é a unidade monetária usada na República Popular da China. Um RMB equivale a
aproximadamente US$ 0,122.
10 Gestão da renovação e preservação urbana na China: o caso de Xangai
alto mudou a disposição interna original Após uma análise inicial, a Shui On
do terreno, e o imponente volume e a Company aceitou a recomendação. No
fachada de vidro da nova construção entanto, em virtude da crise econômica
criam um grande contraste com as edi- da Ásia, o início do projeto foi adiado
ficações de tijolos baixas das proximi- até 1998. Naquele ano, a Shui On Com-
dades. Portanto, esse projeto alterou pany convidou a firma de consultoria
consideravelmente o panorama da cida- de design norte-americana SOM para
de e as características da APSN. ser sua consultora de planejamento para
o projeto. A Shui On Company propôs
O PROJETO DE REGENERAÇÃO DA ÁREA então que as antigas edificações residen-
DE T AI P ING QIAO ciais fossem convertidas em usos comer-
ciais, que todas as fachadas, telhados e
O segundo caso é o projeto de regene- materiais originais fossem preservados
ração da área de Tai Ping Qiao, um e que partes das estruturas internas e
exemplo de desenvolvimento em gran- da decoração fossem alteradas.
de escala, envolvendo 23 quarteirões e
um grupo de prédios históricos. Os por- Além da proteção do grupo de pré-
menores do projeto foram basicamente dios tradicionais, a empresa propôs tam-
obtidos em entrevistas com Wenhai bém a criação de um grande lago
Zhang (2000), uma encarregada do artificial no centro da área para melhorar
caso no SMUPB responsável pelo pro- a paisagem. De acordo com o incorpo-
jeto, e com Qing Guo (2000), um mem- rador, para ressarcir o investimento na
bro mais graduado da equipe da Shui preservação e na construção do lago e
On Company, a empresa responsável ainda obter lucro, teriam de ser cons-
pelo desenvolvimento do projeto. A área truídos prédios residenciais e comerciais
de Tai Ping Qiao consistia essencialmen- altos na parte restante da área. Apesar
te em antigas casas Li-Long muito dete- de um desenvolvimento menos intenso
rioradas, que, na década de 1990, da pequena área preservada e do lago,
exigiam substituição imediata. Porém, o a maior parte seria ocupada por um de-
local do Primeiro Congresso, que fora senvolvimento maciço. Dentro da área
classificado como SMEMB em 1989, do projeto, o CAS para os diferentes
estava dentro dessa área. De acordo com edifícios individuais variava entre 4,0 e
as rigorosas exigências de preservação 6,0, e a densidade de construção, entre
das edificações classificadas como 30% e 70%. Isso dava uma média CAS
SMEMB, as construções antigas teriam de 4,18 e uma média de densidade de
de ser preservadas e só seriam permitidas construção de 43% na área do projeto.
alterações internas. Em 1996, o governo Embora a média de densidade de cons-
do distrito de Luwan recomendou que a trução proposta fosse menor do que a
Shui On Company (de Hong Kong) rea- densidade de construção antes da re-
lizasse o projeto de regeneração da área generação, a média CAS proposta era
de Tai Ping Qiao, uma área que englo- 2,5 a 3 vezes maior do que a anterior à
bava o local do Primeiro Congresso. regeneração. Na primeira proposta da
Jiantao Zhang 11
Figura 3:
4
A razão da distância da luz solar é uma exigência técnica para manter a distância norte-sul
mínima entre dois prédios vizinhos, de forma a assegurar a luz do sol necessária no prédio
ao norte. A razão é igual à distância norte-sul entre dois prédios dividida pela altura do edifício
ao norte. Detalhes sobre isso podem ser encontrados na Seção 4 de Technical Directions of
City Planning and Administration (Land-use and Building Administration) (SMG, 1994).
5
Item 28, Seção 4, das Direções de 1994.
14 Gestão da renovação e preservação urbana na China: o caso de Xangai
Figura 4
Figura 5 :
Figura 6 :
De acordo com o projeto, além dos terreno, classificada como uma das 162
prédios para pacientes internados, a ala edificações SMEMBs em 2000. Os arqui-
de suporte técnico atual permaneceria no tetos que estavam planejando os prédios
meio, e a ala para pacientes ambulato- para a nova ala de pacientes ambulato-
riais seria colocada mais ao norte, em um riais reconheceram as qualidades da casa
local onde havia um comércio varejista e a preservaram no projeto, embora
e edificações residenciais. Nesse local, naquela ocasião ela ainda não tivesse
havia uma casa residencial de centro de sido classificada como SMEMB. Como
22 Gestão da renovação e preservação urbana na China: o caso de Xangai
Figura 7 :
Conclusões
Com base nas investigações minuciosas ção era bem visível nos centros comer-
sobre os processos de mudanças de ciais. Os arquitetos desempenhavam um
paisagem urbana nas áreas de preser- papel menos importante nas mudanças
vação investigadas, diversos tópicos da paisagem, e suas principais influências
merecem uma discussão mais ampla. se concentravam nos aspectos visuais
dessas mudanças. Não havia uma grande
O primeiro grupo está relacionado distinção entre arquitetos nacionais (basi-
aos agentes diretos da mudança da pai- camente locais) e arquitetos estrangeiros
sagem urbana, particularmente os que quanto à falta de respeito às paisagens
as iniciam. Seus diversos motivos resul- existentes em seus projetos.
taram em mudanças nos diferentes tipos
de paisagem da cidade e nas suas parti- O segundo grupo está relacionado
cularidades: os projetos destinados a à administração das autoridades locais
usos particulares pareciam mais sensí- do planejamento e ao controle das mu-
veis às características da paisagem exis- danças na paisagem urbana das áreas
tente do que os projetos comerciais e de preservação. Os traços de adminis-
especulativos. Essa situação ficou óbvia tração da paisagem urbana nas áreas de
na comparação entre projetos em áreas preservação eram imperceptíveis. Os
comerciais e áreas residenciais. Entre os responsáveis pelo planejamento tenta-
projetos destinados a usos particulares, ram e, na verdade, conseguiram exercer
alguns iniciados pelo governo e por ins- um certo controle sobre essas mudan-
tituições especiais, como os da APHS, ças, embora, em muitos casos, os resul-
eram mais conflitantes com as paisagens tados não fossem tão ideais quanto os
existentes do que outros projetos priva- pretendidos. Vários fatores contribuí-
dos, especialmente os residenciais. Os ram para essa situação.
incorporadores domésticos (basicamente
locais) demonstravam mais compreen- Em primeiro lugar, as autoridades
são e respeito pelas paisagens existentes locais do planejamento não possuíam
do que os do sudeste asiático (a maioria uma estratégia administrativa coerente.
composta por incorporadores especulati- Parecia não haver um objetivo de pre-
vos cuja preocupação maior era o lucro). servação a longo prazo, e, em muitos
Os últimos influenciaram o panorama casos, os responsáveis pelo planejamen-
da cidade e as características das áreas to tomavam decisões baseadas em edi-
de preservação de Xangai (principal- ficações individuais. Isso acontecia
mente as dos núcleos comerciais) com principalmente nos centros comerciais
a introdução de elementos estrangeiros, e pode ter sido causado pelas caracte-
isto é, edifícios altos e projetos em larga rísticas dessas áreas. A diversidade de
escala completamente diferentes da pai- novos projetos intensificou a incoerên-
sagem urbana local existente. Essa situa- cia na administração dessas áreas. Nas
24 Gestão da renovação e preservação urbana na China: o caso de Xangai
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Resumo Abstract
Em primeiro lugar, este trabalho visa This paper aims first, to develop a me-
desenvolver uma estrutura metodoló- thodological framework for the study of
gica para o estudo da administração da the management of urban regeneration
regeneração e da preservação urbana and conservation in China; and second,
na China; e, em segundo lugar, avaliar to evaluate current management prac-
a prática da administração atual. Xangai tice. Shanghai has been chosen as a
foi escolhida como estudo de caso por- case study, as it has experienced large-
que vem realizando uma regeneração scale urban regeneration and its urban
urbana em grande escala e seu sistema conservation system is relatively advan-
de preservação urbana é relativamente ced. China has experienced rapid socio-
avançado. Nos últimos 20 anos, a China economic development during the last
vivenciou um rápido desenvolvimento two decades. Similar to the situation in
socioeconômico. Semelhante à situação many other Asian countries, large-scale
de muitos outros países asiáticos, a re- urban regeneration has been under-
generação urbana vem sendo realizada taken in most Chinese cities and this has
na maioria das cidades chinesas, pondo seriously threatened the traditional and
em risco o vernáculo arquitetural dessas vernacular built environment of those
cidades. Para proteger sua herança ar- cities. To protect its built heritage and
quitetônica, no final da década de 1980, environment, China established an urban
a China estabeleceu um sistema de pre- conservation system in the late 1980s.
servação. No entanto, a estrutura política However, the national policy framework
nacional é bastante incompleta, e a prá- of the system is largely incomplete and
tica da preservação urbana varia entre the urban conservation practice varies
32 Gestão da renovação e preservação urbana na China: o caso de Xangai
Karen Umemoto
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-32
2 Caminhando com sapatos alheios
Cultura e epistemologia
Há uma crescente sensibilidade em re- várias áreas principais: teorias da dife-
lação à cultura e à diferença cultural no rença no planejamento, diversidade nos
estudo e na prática do planejamento. A processos de planejamento, modelos
recente literatura sobre diversidade no para planejamento em sociedades mul-
planejamento pode ser organizada em ticulturais e impacto do planejamento e
1
Essa frase foi retirada de um capítulo do livro de Leoni Sandercock (1998b) que possui o
mesmo título.
2
Se aceitarmos que a cultura é um conceito construído e dinâmico, a declaração de reivindicações
é ao mesmo tempo política e transformadora. É política no sentido de que a definição de
reivindicações culturais resulta em vitórias e derrotas tangíveis dentro da política existente. E
é transformadora porque está enraizada nas leis e normas que governam as instituições e
nos incentivos e desincentivos que freqüentemente moldam a definição de cultura. Depen-
dendo da maneira como os conceitos culturais são definidos, a partir de seus pontos de
vistas respectivos alguns poderão melhorar ou piorar. Poderão surgir discordâncias sobre
essas definições e elas poderão causar uma maior divisão dentro de grupos culturais que
tenham opiniões diferentes ou que possam vir a ser afetados pela nova definição de conceitos
culturais. A formulação de direitos baseados na cultura cria um novo conjunto de alianças e
divisões que transforma as relações do poder dentro e entre grupos culturalmente definidos.
Karen Umemoto 3
1995; Peattie, 1987). Relatos sobre mo- meras diferenças na experiência, elas
vimentos sociais, tratamento injusto de são as diferenças por meio das quais os
povos nativos e bem-intencionados indivíduos e os grupos interpretam essas
objetivos paternalistas que não deram experiências. As epistemologias determi-
certo forneceram um rico material para nam o que pode ser conhecido, quem
as críticas teóricas aos paradigmas mo- poderia conhecer e o que constitui evi-
dernistas. Há também trabalhos recen- dência. Uma estrutura epistemológica é
tes sobre políticas contemporâneas de o produto de um processo social e, assim
planejamento que envolvem controvér- como a história e a cultura em que está
sias raciais e entre grupos (Chang e inserida, muda e se transforma perma-
Leong, 1994; Dear, Shockman e Hise, nentemente. Sandercock (1998b) su-
1996; Forsyth, 1998; Goode e Schnei- gere seis maneiras de conhecer o que
der, 1994; Keith e Pile, 1993; Saito, constitui uma epistemologia da multipli-
1998). Essas controvérsias ajudaram a cidade para a prática do planejamento:
reestruturar discussões sobre planeja- mediante o diálogo, a experiência, a
mento e sociedade civil em cidades aquisição de conhecimento localizado
multiculturais (Douglass e Friedmann, do que é específico e concreto, o apren-
1998; Okin, 1994; Young, 1995). dizado da leitura de evidência não-
verbal e simbólica, a contemplação e o
Na literatura do planejamento, há planejamento de ações. A autora e vá-
uma crescente atenção às questões epis- rios outros autores que advogam o “pla-
temológicas que tratam de tópicos rela- nejamento para públicos múltiplos”
cionados à diversidade (Healey e Hillier, (Sandercock e Forsyth, 1992) defendem
1996; Hillier, 1998; Sandercock, 1998b; a celebração da diferença enquanto
Sandercock e Forsyth, 1992). A episte- abordam os problemas da desigualdade
mologia é a teoria da natureza e dos e da exploração.
motivos do conhecimento. É descrita
como uma maneira de conhecer e com- É importante esclarecer o relaciona-
preender o mundo. 3 Pode ser explicada mento entre cultura e epistemologia por
como uma lente interpretativa através meio do registro da evolução do con-
da qual os significados dos aconteci- ceito básico de cultura. Os antropólogos
mentos, das ações, das palavras e dos podem traçar a utilização do conceito
símbolos são interpretados. As diferen- de cultura que vai de “cultura como
ças epistemológicas são mais do que tudo o que é aprendido e produzido” a
3
Especialistas em estudos feministas e étnicos contribuíram muito para a nossa compreensão
teórica das lacunas epistemológicas em nossa sociedade. As feministas usaram a frase “modos
de conhecimento de mulheres” (Belenky et al., 1986) para distinguir as epistemologias das
mulheres das dos homens. São aceitas múltiplas fronteiras de identidade – raça, etnia, gênero,
religião, nascimento, linguagem, preferência sexual, ocupação ou qualquer outro marcador
de identidade –, que variam na proeminência entre as situações e circunstâncias (Pratt,
1998). A convergência dessas e outras fronteiras indica possíveis posições sobre assuntos por
meio dos quais os grupos compreendem a realidade. A raça, a etnia, o gênero e a classe
continuam a ser as fronteiras mais visíveis de identidade e de diferenças na sociedade dos EUA.
Karen Umemoto 5
posições epistêmicas distintas como, por visa homogeneizar tais grupos, porque
exemplo, a raça. Como uma categoria cortes adicionais de identidades distin-
social, a raça tem historicamente sido guem ainda mais os subgrupos dentro
(pelo menos nos EUA) uma das óbvias de qualquer uma dessas categorias.
fronteiras de identidade social dentro da Nem tampouco declarar que uma dada
sociedade. Os legados permanentes do fronteira de identidade evoca o mesmo
colonialismo, da imigração, da escrava- significado a todos os indivíduos ou gru-
tura, da dominação política e da estrati- pos categorizados dentro delas. Tecni-
ficação socioeconômica sobrevivem no camente, nos livros de censo federais, o
campo da experiência vivida ou da me- grupo cultural que eu trato neste artigo
mória coletiva. A raça, junto com a etnia, é visto como etnicamente havaiano e
a classe, o gênero, a preferência sexual racialmente polinésio ou nativo das ilhas
e outros marcadores de identidade so- do Pacífico. Embora haja uma grande
cial, representa fronteiras de grupos que diversidade dentro dessa comunidade
podem ser descritas a partir do fato de havaiana, focalizo a lente epistêmica fun-
que compartilham lentes epistêmicas damentada amplamente em uma iden-
distintas, fundamentadas na história e tidade havaiana compartilhada. 4
nas opiniões compartilhadas. Isso não
4
Embora os havaianos nativos possam traçar as origens de sua migração a partir de outras
ilhas da Polinésia (basicamente o Taiti), a identidade étnica dos havaianos, por exemplo, era
mais visível no período contemporâneo durante o qual o exercício de elaboração de visões
do futuro foi realizado. O Havaí era uma monarquia independente antes de ser conquistado
por europeus no final da década de 1800 e ficou sob o domínio dos EUA até 1950, quando
se tornou o qüinquagésimo estado dos EUA.
Karen Umemoto 7
5
Como declarado no Artigo 1A., Objetivo.
6
A lei 103-150 dos EUA foi promulgada em 23 de novembro de 1993 pelo 103º Congress
Joint Resolution 19 “para reconhecer o centésimo aniversário da deposição do rei do Havaí
em 17 de janeiro de 1893 e, em nome dos EUA, pedir desculpas aos havaianos nativos pela
deposição do rei do Havaí”.
7
Nesse contexto, “narrativas de histórias” se referem a discussões ou conversas formais e
informais por meio das quais as histórias são compartilhadas através da tradição oral de
transmitir conhecimento e história.
8 Caminhando com sapatos alheios
sugere três modos por meio dos quais o no decorrer de manifestações, questio-
planejamento pode estimular a democra- namentos e desafios ao conhecimento
cia comunicativa: (1) fazer os participan- proveniente de locais diferentes. A dis-
tes compreenderem suas experiências cussão seguinte busca aprofundar nossa
como parciais e referenciais; (2) deslo- compreensão da maneira como os pla-
car o discurso de reivindicações próprias nejadores podem entender e facilitar o
para o de apelos por justiça; e (3) ampliar debate entre lentes diferentemente posi-
o conhecimento social dos participantes cionadas.
Desenvolvimento Econômico
Para aumentar nossa confiança em nós mesmos, reunimos os recursos e talentos de
nossa comunidade para criar empregos e oportunidades econômicas.
Cultura
Nossa cultura se baseia na vivência dos valores de ‘ohana, aloha, laulima, lōkahi e
mālama. Estamos unidos pelo nosso orgulho e pelo respeito à herança cultural de
nosso kuāpuna.
Educação
A sabedoria e a orientação que nos é transmitida pelo nosso kūpuna indica o caminho
para realizações sociais e econômicas.
‘Ohana
Nossas famílias prosperam à medida que seus membros compartilham os valores de
aloha, kōkua e kuleana. Nosso ‘ohana vai preservar e nutrir a espiritualidade desta
comunidade.
Meio Ambiente
Nosso uso sábio do ‘aina vai fortalecer nossa comunidade. Orgulho do nosso lar e
respeito pelo nosso povo são alimentados por aqueles que participam da história
dessa terra.
10 Caminhando com sapatos alheios
9
Segundo o Hawaiian Homes Commission Act original (Act of 9 July 1921, c. 42, 42 Stat.
108), a expressão “havaianos nativos” significa “qualquer descendente com pelo menos um
quarto de sangue das raças que habitavam as ilhas do Havaí antes de 1778.”
12 Caminhando com sapatos alheios
relacionados aos que têm vínculos com resumo do processo e dos resultados das
a instituição. Por razões históricas e cultu- ações de elaboração de visões de futuro.
rais, a composição racial e étnica de nossa Não apenas era importante compreen-
equipe (mista mas sem nenhum membro der o passado como concebido pela pers-
com antepassados havaianos) também pectiva dos moradores, como também
influenciou as interações iniciais. fazê-los compreender que a equipe da
universidade valorizava sua história e seu
Embora talvez não seja possível su- ponto de vista.
perar barreiras históricas, os planejadores
devem se precaver no sentido de agir de
uma maneira mais adequada no trabalho Confrontando a diversidade
em e com comunidades com identida- e a articulação de valores
des culturais fortes. O estudo da história culturais e identidades
de uma comunidade mediante a ótica so ci a i s
dos que dela fazem parte, assim como
mediante outras fontes, constitui uma Intimamente vinculado à história de ins-
medida importante para o planejamen- tituições que nem sempre viram com
to baseado na cultura. Os planejadores bons olhos qualquer participação efetiva
poderão compreender melhor como da comunidade, o planejamento pode
ações atuais podem ser interpretadas e ser um processo assustador porque
compreendidas por meio de práticas muitas comunidades que foram segre-
passadas. Para nós, foi importante, espe- gadas e excluídas desses processos em
cialmente antes de mergulharmos no função da cor e do preconceito racial
projeto, aprender sobre a história de Pa- atribuíram-lhe uma má reputação (San-
pakōlea e de suas memórias vivas. Esse dercock, 1998a; Woods, 1998). Para os
aprendizado foi obtido a partir de leitu- proprietários e moradores cujas comu-
ras, de videoteipes e de “narrativas de nidades foram destruídas por programas
histórias” realizadas por moradores, líde- de regeneração urbana de meados do
res comunitários e outros especialistas. século, geralmente o planejamento era
Ajudou-nos a identificar temas que pre- percebido como um instrumento dos
cisavam ser esclarecidos, tais como o ricos e dos poderosos. Por essas e várias
objetivo, as visões de futuro e a natureza outras razões, ao solicitarem participa-
da parceria entre a universidade e a co- ção, os planejadores talvez tenham de
munidade. Era importante convencer os confrontar comunidades relutantes de
moradores de que o processo do plane- uma maneira não prevista (Forester,
jamento seria conduzido pela comuni- 1999; Kaufman e Alfonso, 1997). Além
dade e que a propriedade do projeto desse desafio mais elementar, o plane-
ficaria com a associação da comunida- jamento baseado na cultura pede, pelo
de. E era importante que os moradores menos em tese, que as pessoas mani-
tivessem acesso às conclusões referentes festem pontos de vista, valores e visões
a suas visões de futuro, apresentadas sob culturalmente distintos.
o formato de um livreto, contendo um
Karen Umemoto 13
10
Segundo o dicionário inglês-havaiano (Pukui e Elbert, 1986), lōkahi é definido como unida-
de, promover a paz e a unidade ou estar de acordo. Aloha possui muitos significados, entre
eles, amor, afeição, compaixão, misericórdia, pena, bondade e caridade. Existem também
muitos tipos de aloha, tais como aloha‘aina, ou amor pela terra ou pelo próprio país. ‘Ohana
se refere à família, parentes ou grupos aparentados.
16 Caminhando com sapatos alheios
Nesse caso específico, o que não foi Heskin (1991) também percebeu
feito, mas deveria ter sido, foi a troca do um problema semelhante em um estu-
nome do projeto para evitar que o sig- do de caso relacionado a um movimento
nificado tradicional de visão, em especial conduzido por ocupantes multirraciais
o relacionado a práticas culturais sagra- e iniciado na década de 1970 em Los
das, pudesse ser alterado. Um reconhe- Angeles. As desavenças entre os mora-
cimento posterior tende a ser mais dores que falavam inglês e os que fala-
apurado do que a compreensão do mo- vam espanhol cresceram por causa da
mento. Em vez de o problema ser visto péssima tradução dos dois idiomas du-
como um mal-entendido que apenas rante as reuniões. Juntamente com outras
teria de ser esclarecido, deveríamos ter divisões sociais, a falta de qualificação
percebido que ele nada mais era do que profissional dos tradutores selecionados
uma manifestação de diferenças cultu- (entre outros problemas) levou à falta
rais no uso da língua. Vista dessa ma- de confiança e à suspeita. Heskin men-
neira, a opção pela troca do nome do ciona Molina (1978) ao notar a ausência
processo de planejamento teria sido de “pontes naturais” entre os morado-
muito mais óbvia. Ao manter o termo res. As pontes naturais, ou o que analiso
visão (como fizemos), privilegiamos o mais tarde como tradutores culturais,
uso continental da palavra em detrimen- desempenham um papel importante
to de seu uso havaiano. Embora essa não só na tradução de um idioma para
seja uma justificativa inequívoca, há outro, mas também na busca de uma
casos em que, para esclarecer o signifi- compreensão mútua na interpretação
cado de uma palavra, talvez devêsse- de paradigmas culturais.
mos continuar a utilizá-la. Por exemplo,
a palavra colaboração. Ela pode ser in- Embora seja impossível saber onde
terpretada de várias maneiras: com uma se encontram as discrepâncias dos idio-
conotação muito positiva significa tra- mas, é importante saber que elas exis-
balhar em conjunto e em igualdade de tem. A vigilância em relação a essas
condições para alcançar objetivos co- possíveis discrepâncias no uso da língua
muns; no entanto, também pode signi- ajuda a contornar os perigos do dis-
ficar parceria com uma força inimiga curso. Esse é certamente um aspecto
para sabotar outra. Em virtude da imen- importante no desenvolvimento da sen-
sa utilização da palavra colaboração no sibilidade sobre a multiplicidade episte-
mundo das organizações não-lucrativas mológica. A sensibilidade alerta sobre
ou destinadas a promover a formação possíveis dissonâncias interpretativas no
de comunidades, talvez faça sentido idioma. Ela auxilia a reconhecer o que
continuar usando essa palavra e escla- ouvir, a prestar atenção a nuances e co-
recer seu significado, na medida em que notações que podem ser encontradas
ele é apropriado a uma determinada na narrativa, ao tom ou ao silêncio, e,
situação e de modo que se torne possível por último, a compreender as possíveis
desenvolver, ao longo do tempo, um origens e naturezas dos conflitos decor-
entendimento comum a seu respeito. rentes dessas diferenças.
18 Caminhando com sapatos alheios
11
A inserção de um projeto de elaboração de visões de futuro em um semestre letivo para
acomodar professores e alunos provou ser tanto uma bênção quanto uma praga. O estabe-
lecimento de um período teve como conseqüência um produto bastante rápido que a comu-
nidade pôde usar para obter financiamento para projetos identificados. No entanto, a
intensidade do trabalho impôs uma imensa responsabilidade sobre os líderes da comunidade,
que já possuíam outros afazeres na época. Na avaliação do projeto de elaboração de visões
de futuro, todos os parceiros concordaram que a adaptação ao semestre universitário fora
um erro e que o projeto teria obtido um sucesso maior se tivesse sido conduzido durante
dois semestres.
24 Caminhando com sapatos alheios
Agradecimentos
Eu gostaria de agradecer ao comitê de visões de futuro de Papakōlea por seu
diretrizes e aos revisores do projeto de apoio e comentários de ajuda.
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Resumo Abstract
A crescente diversidade cultural traz Growing cultural diversity brings new
novos desafios à prática do planejamen- challenges to the practice of planning.
to. No planejamento participativo, essa In participatory planning, this diversity
diversidade constitui desafios relaciona- poses challenges related to communi-
dos à comunicação que se estabelece cating across culture-based epistemolo-
entre pessoas cujas epistemologias cul- gies and soliciting the voices of multiple
turais são distintas assim como às reivin- publics. This article explores five chal-
dicações oriundas de públicos múltiplos lenges that planners face when working
e diferenciados. Este artigo investiga in communities where the cultural back-
cinco desafios que os planejadores en- ground of residents is different from
frentam quando trabalham em comu- one’s own. These challenges are: (1) tra-
nidades em que o background cultural versing interpretive frames embedded
dos moradores é diferente do deles. São in culture, history, and collective memo-
estes os desafios: (1) ultrapassar estru- ry; (2) confronting otherness in the ar-
turas interpretativas enraizadas na cul- ticulation of cultural values and social
tura, na história e na memória coletiva; identities; (3) understanding the multiple
(2) confrontar a diversidade na articu- meanings of language; (4) respecting
lação de valores culturais e identidades and vavigating cultural protocols and
sociais; (3) compreender os múltiplos social relationships; and (5) understand-
significados da linguagem; (4) respeitar ing the role of power in cultural transla-
e contornar protocolos culturais e rela- tion.
cionamentos sociais; e (5) compreender
o papel do poder na tradução cultural.
Scott A. Bollens
Mas você não pode me mostrar – mesmo supondo que a democracia seja
possível entre os vencedores e o povo dominado – qual a aparência de um
espaço democrático.
Que efeito pode ter a simples forma de um muro, a curva de uma rua, luzes e
plantas, no enfraquecimento do domínio do poder ou na formação do desejo de
justiça?
Este artigo examina os papéis e as res- De certo modo, essas cidades são
ponsabilidades de planejadores ao tratar casos extremos no que diz respeito à
de questões de raça e etnicidade e ave- magnitude e durabilidade de seus confli-
rigua como os planejadores pensam e tos. Um tipo de conflito urbano profundo
agem quando trabalham em sociedades e refratário – “polarização” urbana –
étnica ou racialmente polarizadas. Ba- ocorre nos casos em que as reivindicações
seia-se em entrevistas com mais de 100 étnicas e nacionalistas se sobrepõem às
planejadores urbanos e funcionários questões distribucionais no âmbito muni-
encarregados de programas de ação nas cipal (Benvenisti, 1986; Boal e Douglas,
cidades politicamente divididas de Bel- 1982). Em cidades americanas, todos os
fast, Jerusalém e Johannesburgo. grupos mantêm a crença de que o sistema
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-42
2 Planejamento urbano e conflito intergrupal: confrontando um interesse público dividido
1
O rótulo geral de disparidade social e econômica comunitária é normalmente usado no livro
para incluir considerações étnicas e raciais; uma indicação desse tratamento é que raça e
etnicidade não são encontradas no índice do livro. Isso se assemelha de maneira notável à
falta de referência explícita a protestantes e católicos no Belfast Urban Area Plan 2001.
Scott A. Bollens 5
2
Não é possível tratar aqui de cada conflito étnico ou racial em sua totalidade. Fazer isso
exigiria um relato das relações entre judeus e muçulmanos na Palestina no decorrer dos
últimos 1.300 anos, das relações entre católicos e protestantes desde as colonizações protes-
tantes em Ulster (Irlanda do Norte) há mais de 450 anos e das relações entre brancos e
negros na África do Sul desde a chegada de europeus há mais de 350 anos (Bollens, 1999,
2000).
3
As entrevistas pessoais foram selecionadas em preferência a outras técnicas de pesquisa,
porque permitem sondagens para obter mais dados. Trinta e quatro entrevistas foram reali-
zadas em Belfast, 40 em Jerusalém e 37 em Johannesburgo, todas entre outubro de 1994 e
setembro de 1995. As perguntas eram de resposta ampla, proporcionando aos entrevistados
flexibilidade e profundidade ao responder, e facilitavam reações não antecipadas na concep-
ção da pesquisa. Foram feitos grandes esforços para assegurar uma distribuição justa entre
os grupos étnicos e entre os funcionários governamentais e não-governamentais. Em Belfast,
16 protestantes e 12 católicos foram entrevistados (6 não documentados); 19 eram funcio-
nários governamentais e 15 eram funcionários não-governamentais ou acadêmicos. Em
Jerusalém, 24 israelenses e 15 palestinos foram pesquisados; 12 eram funcionários do
governo israelense, 11 eram acadêmicos e 17 eram da Autoridade Palestina ou de organiza-
ções não-governamentais. Em Johannesburgo, 11 não-brancos e 26 brancos foram entrevis-
tados; 21 eram funcionários do governo e 14 eram funcionários não-governamentais ou
acadêmicos. Os entrevistados deram consentimento por escrito para serem citados e identi-
ficados individualmente.
Scott A. Bollens 7
4
No original, “color-blind”, ou seja, aquele que “não diferencia cores”: o daltônico ou o que
se recusa a reconhecer a existência de distinções objetivas relativas às raças. N. da Ed.
8 Planejamento urbano e conflito intergrupal: confrontando um interesse público dividido
Questões sectárias não interferem como um todo, tem uma população pro-
em nossas considerações. Usamos, testante majoritária. Em 1991, a popu-
sim, planejamento de uso do solo, lação da cidade, de 279 mil habitantes,
e só. Que diferença fariam em ter- era composta por 57% de protestantes
mos de planejamento de uso do solo e 43% de católicos (J. McPeake, entre-
em qualquer caso? Assim como os vista). A porcentagem de católicos vem
protestantes, os católicos precisam aumentando no decorrer das últimas
de habitações, escolas, igrejas, lojas décadas, graças a índices de nascimento
e centros de serviços. (George Wor- mais altos e à migração de protestantes
thington [entrevista] – chefe do Bel- para cidades vizinhas.
fast Planning Service)
Identidades religiosas coincidem for-
Belfast é uma cidade impregnada de temente com lealdades políticas e nacio-
conflitos nacionalistas (irlandês/britânico) nais. Os protestantes “unionistas” e
e religiosos (católico/protestante) que se “lealistas” são fiéis à Grã-Bretanha, que,
sobrepõem. Desde 1969, vivencia vio- desde 1972, governa diretamente a
lentos combates sectários (étnicos). A Irlanda do Norte. Os “nacionalistas” e
arena urbana é muito segregada e de “republicanos” católicos, pelo contrário,
territorialidade estritamente sectária, consideram-se irlandeses e dedicam sua
com grupos antagônicos separados, mas lealdade pessoal e política à Irlanda.
próximos (Figura 1). Em 35 dos 51 dis- Além das diferenças devidas à fidelidade
tritos eleitorais da cidade, 90% ou mais política, os católicos criticam a discrimi-
da população compartilha uma única nação de governos da Irlanda do Norte
religião (Northern Ireland Registrar Gene- em termos de acesso a empregos, habi-
ral, 1992). Hostilidades entre comunida- tação e serviços sociais. Desde a imposi-
des exigiram a construção de 15 divisões ção do “governo direto” britânico em
“de linha de paz” – que vão desde cercas meio a conflitos sectários em 1972, o
de chapa de ferro corrugado e paliça- poder legislativo da província está nas
das de aço a muros permanentes de ti- mãos da British House of Commons,
jolo ou aço e barreiras ou amortecedores resultando em “uma ausência quase
ambientais (Figura 2). A cidade de Bel- absoluta de participação e prestação de
fast, assim como a Irlanda do Norte contas representativas” (Hadfield,
Scott A. Bollens 9
Figura 2. Linha de paz que separa o bairro católico Catholic Falls e o bairro
protestante Shankill, 1995.
5
A avaliação da política de Belfast é baseada em entrevistas com funcionários da repartição
central do DOENI, do DOENI Town and Country Planning Service (Belfast Division), da
repartição central do NIHE Belfast Regional Office, da Central Community Relations Unit do
Northern Ireland Office, e com acadêmicos que estudaram a política urbana de Belfast.
12 Planejamento urbano e conflito intergrupal: confrontando um interesse público dividido
6
Documentos internos que empregam uma análise sofisticada das facetas múltiplas de etnia
geográfica e de como podem impactar a ação do governo, tais como o relatório sobre o
Northgate Enterprise Park da DOENI em 1990, não são normalmente liberados para o público.
14 Planejamento urbano e conflito intergrupal: confrontando um interesse público dividido
7
A avaliação da política israelense é baseada em entrevistas com atuais e antigos funcionários
do governo da Municipalidade de Jerusalém e do Ministério do Interior (distrito de Jerusalém
e repartição central do governo), com acadêmicos israelenses que trabalharam em projetos
governamentais e com pesquisadores de organizações não-governamentais.
16 Planejamento urbano e conflito intergrupal: confrontando um interesse público dividido
(30%). Um relatório da cidade (Muni- que mais da metade das áreas árabes
cipality of Jerusalem, 1994) reconhece têm fornecimento de água inadequado
essas imensas disparidades, registrando e nenhum sistema de esgotos.
Além de facilitar a construção judaica truir, porque esses planos são essenciais
em áreas disputadas, Israel restringiu o para a aprovação da permissão. Em de-
crescimento das comunidades palestinas corrência dessas restrições, apenas 11%,
na cidade para enfraquecer suas reivin- no máximo, da Jerusalém Oriental ane-
dicações por Jerusalém. Isso foi conse- xada é terra desocupada onde o governo
guido mediante expropriação de terras, israelense permite a construção palestina
regulamentos de zoneamento que res- (Kaminker, 1995; K. Tufakji, entrevista).
tringem os direitos palestinos à constru- Nos últimos cinco anos, a Municipalidade
ção, construção de estradas para restringir de Jerusalém começou a preparar pla-
e fragmentar as comunidades palestinas, nos-esboço para os setores árabes da ci-
restrições ao volume de construção em dade. No entanto, tais planos, muitas
áreas palestinas e ausência intencional de vezes, incorporam “diretrizes ocultas” que
planos para áreas árabes. A falta de pla- restringem o crescimento árabe (S. Ka-
nos-esboço, decisão, em parte, “politica- minker, entrevista). Exemplos disso in-
mente consciente” (I. Kimhi, entrevista), cluem padrões propositalmente largos de
dificultou enormemente para os palesti- estradas que impedem a possibilidade de
nos a obtenção de permissões para cons- construção em fileiras de terrenos con-
Scott A. Bollens 19
cidade era composta por negros (Mabin rados até dos precários serviços dos mu-
e Hunter, 1993). Municípios, cidades e nicípios e são muitas vezes erguidos em
assentamentos informais/favelas racial- áreas geotécnicas ou políticas vulnerá-
mente segregados caracterizam a paisa- veis (T. Mashinini, entrevista). Finalmen-
gem urbana (Figura 5). A distribuição te, desde 1991, um “acinzentamento”
de renda é brutalmente distorcida em (migração interna negra) significativo
Gauteng, uma província de Johannes- vem ocorrendo em vários bairros pobres
burgo. Uma proporção enorme de ne- da cidade de Johannesburgo, provo-
cessidades básicas – moradias, posse do cando uma concentração da miséria e
solo e serviços de água e saneamento – da população.
ainda não foi satisfeita. Há um déficit
estimado de 500 mil unidades habitacio- A política de apartheid urbana, fi-
nais formais na província (M. Narsoo, xada pelo Group Areas Act, dividiu cida-
entrevista.) Os africanos negros habitam des grandes e pequenas em áreas para
várias “geografias de miséria” diferen- ocupação exclusiva de grupos raciais
tes (Central Witwatersrand Metropolitan únicos. Para minimizar o contato entre
Chamber, 1993). Os dois principais lo- grupos, as raças eram separadas por
cais são os municípios de Alexandra (Fi- faixas isolantes de campo aberto, pe-
gura 6) e de Soweto, sendo este uma quenas cadeias de montanhas, zonas in-
fusão de 29 municípios espacialmente dustriais ou estradas de ferro (Davies,
separados do centro de Johannesburgo 1981). Os centros das cidades, as áreas
(South African Township Annual, 1993). ambientalmente estáveis ou prestigiosas
A construção de habitações formais de eram, de alguma forma, consideradas
tijolo e cimento foi intencionalmente zona branca; as áreas periféricas eram
reduzida, já que os negros urbanos eram determinadas como não-brancas, e seu
considerados temporários e indeseja- espaço era limitado (Christopher, 1994).
dos. Albergues rudimentares construí- Oficialmente, havia uma dualidade de
dos para abrigar operários das atividades processos de planejamento – um basea-
industriais e de mineração nas proximida- do nos delineamentos raciais das áreas,
des se tornaram áreas de intensa tensão o outro, na alocação do uso do solo.
política, étnica e física (Gauteng Provin- No entanto, na prática, havia harmonia
cial Government, 1995). Nos municí- entre o zoneamento racial e o planeja-
pios, casebres de fundo de quintal e mento do uso do solo. A ênfase tradi-
casebres isolados em terrenos desocu- cional do planejamento de cidades na
pados caracterizam-se por condições eficácia, na ordem e no controle foi usa-
quase desumanas de vida, ausência de da eficientemente para a segregação e
títulos de propriedade, padrões de abri- a ordenação étnica. Como tal, as metas
go e saneamento inadequados e falta e os métodos do Group Areas Act “tanto
de centros sociais e serviços. Fora dos derivaram das práticas de planejamento
municípios, além do perímetro urbano, estabelecidas quanto induziram os plane-
existem assentamentos de casebres in- jadores da cidade à implementação da
formais que estão espacialmente sepa- segregação racial (Mabin, 1992, p. 407).
Scott A. Bollens 23
No final, para muitos profissionais e pla- eficaz em alcançar suas metas,” declara
nejadores profundamente envolvidos um entrevistado (identidade não revela-
em sua implementação, “o apartheid da, a pedido). Contudo, o próprio suces-
provou ser uma maneira sedutora de so desse planejamento partidário criou
ver a cidade” (Parnell e Mabin, 1995, condições urbanas econômicas e fun-
p. 59-60). Em Johannesburgo, a profis- cionais insustentáveis que, com o passar
são de planejador de cidades percorreu do tempo, contribuíram para a queda
“o longo caminho da coerção e da domi- do sistema de apartheid, o qual esse
nação” (J. Muller, entrevista). “O planeja- planejamento tanto se empenhou em
mento do apartheid era terrivelmente apoiar.
8
A avaliação da política de Johannesburgo baseia-se em entrevistas com funcionários atuais
da Cidade de Johannesburgo, do Greater Johannesburg Transitional Metropolitan Council,
da Província de Gauteng e do governo central da África do Sul. Muitos estiveram envolvidos
de 1990 a 1995 na transformação negociada da governança local de Johannesburgo.
Scott A. Bollens 25
cendiam à ênfase única nos sintomas O ISF deve, portanto, procurar pro-
urbanos de polarização racial e miravam duzir padrões de complexidade ur-
a necessidade de transformar radical- bana que enfraqueçam a força das
mente a governança urbana baseada no áreas excludentes (e, portanto, de
apartheid. Após negociações difíceis e conflito) e procurar ativamente tur-
complexas, a governança local e metro- var as linhas divisórias zonais e con-
politana em Johannesburgo foi reestru- seguir a integração de áreas, até
turada para combinar politicamente então isoladas, no contexto geral do
governos locais anteriormente brancos sistema urbano. (Ibid., p. 11)
com municípios negros adjacentes.
Desde novembro de 1995, há maiorias Os princípios de estruturação da cida-
negras em todos os quatro governos de baseados em eqüidade pós-apartheid
locais e no Conselho Metropolitano de visam costurar as distorções urbanas do
Johannesburgo. apartheid. As facetas-chave dessa estru-
turação da cidade são (1) densificação
Concomitantemente com a reestru- e preenchimento do sistema urbano
turação política da governança local, existente e (2) melhora e renovação das
houve a formulação de políticas urbanas partes do sistema urbano que estão sob
alternativas para combater as manifes- estresse. A abordagem de densificação
tações espaciais do apartheid. A Central procura estimular o crescimento para
Witwatersrand Metropolitan Chamber dentro, para áreas urbanizadas com
(CWMC) foi estabelecida em 1991, em acesso a empregos, serviços e centros
parte para desenvolver uma visão para sociais, e preencher as zonas de isola-
o futuro desenvolvimento urbano na mento do apartheid. Essa abordagem
região de Johannesburgo. Essa visão – de “cidade compacta” seria um meio
a Interim Strategic Framework (ISF) – fundamental de aumentar as oportu-
acusa a profissão de planejamento por nidades para os negros entrarem no te-
sua ênfase no controle regulador que cido residencial e econômico da cidade
busca ordem, compartimentalização e “branca” (T. Hart, entrevista). A segun-
uniformidade. Levado à sua forma mais da abordagem concentra-se na melhora
extrema – o Group Areas Act –, o “mo- e renovação das áreas urbanas periféri-
nozoneamento cria ilhas de privilégios, cas sob estresse causado por habitações
direitos adquiridos e posse, que os mo- inadequadas, serviços de água e sanea-
radores defendem veementemente do mento ruins e problemas de saúde pú-
que consideram ser ‘invasões de estra- blica. Enquanto a primeira abordagem
nhos’” (Central Witwatersrand Metro- procura transformar o espaço do apar-
politan Chamber, 1993, p. 6). Como theid, a segunda, que visa aliviar as
alternativa, o ISF afirma que a forma muitas necessidades conjunturais nas
espacial que estimula a diversidade urba- periferias urbanas remotas, poderá, com
na vai moderar a tensão entre grupos. o passar do tempo, acentuar, não delibe-
radamente, a separação racial do apar-
O plano declara: theid. Outro problema constrangedor
26 Planejamento urbano e conflito intergrupal: confrontando um interesse público dividido
nos esforços para reconstruir Johannes- africanos negros procuram mudanças nas
burgo é que, embora o velho Estado condições básicas de meio de vida, o mo-
centralizado do apartheid tenha desapa- delo tradicional de planejamento oferece
recido, os interesses econômicos e basea- prescrições orientadas para a reforma,
dos em classe e os da comercialização do porém basicamente conservadoras. Em
solo agora configuram a geografia urbana reação, surgiu um novo paradigma de
de forma a produzir resultados espaciais “planejamento de desenvolvimento ur-
semelhantes. O alto custo dos terrenos bano” que representa uma contestação
na parte central pobre da cidade, a opo- fundamental ao planejamento de cidade
sição da vizinhança e a dependência do tradicional.
setor privado para o fornecimento de
habitações estão obstruindo os esforços O planejamento de desenvolvimento
para incorporar a maioria em uma cida- urbano procura integrar o planejamento
de compacta que apresente “oportuni- espacial tradicional ao planejamento so-
dades urbanas” iguais a todos. cial e econômico; coordenar objetivos de
desenvolvimento por todos os governos,
A política urbana em meio à trans- setores e departamentos; e estabelecer
formação social exigiu uma auto-avalia- processos participativos que transferem
ção crítica das premissas básicas do poder aos pobres e marginalizados (L.
planejamento urbano. Um debate entre Boya, entrevista). Os planejadores de de-
criadores de políticas urbanas sobre a senvolvimento urbano têm histórias pes-
melhor maneira de participar da recons- soais decididamente diferentes das dos
trução de Johannesburgo põe em evi- planejadores de cidade tradicionais. Mui-
dência a existência de dois paradigmas, tos são negros africanos que desconhe-
com diferentes bases históricas e diferen- cem os fundamentos legais e reguladores
tes proponentes com histórias pessoais do controle de desenvolvimento físico,
distintas e visões contrastantes a respeito mas têm experiência em organizações
de metas de planejamento das habilida- não-governamentais e habilidades rela-
des necessárias para a sua prática. O tivas a desenvolvimento de comunida-
modelo tradicional de planejamento de des, mobilização social e negociação (L.
cidades na África do Sul, derivado de Boya, entrevista). O planejamento de
fundamentos britânicos e europeus, con- desenvolvimento urbano na África do
centrou-se no controle regulador e na Sul tem uma forte conotação de empo-
alocação espacial e foi administrado de deramento da maioria desapossada, de
um modo centralizado e hierárquico. acordo com J. Muller (entrevista). Pla-
Hoje em dia, não só esse paradigma de nejadores de cidade preparados tradicio-
plano técnico está desacreditado em virtu- nalmente falham nesse ponto. A falta de
de de seu alinhamento com o apartheid, consultas à comunidade no modelo de
como parece haver uma desconexão planejamento de cidade significava que
entre as necessidades socioeconômicas esses planejadores trabalhavam em salas
das áreas negras e esse modelo de con- fechadas ao desenvolverem as estruturas
trole de desenvolvimento. Enquanto os espaciais: “fazíamos ‘o que era melhor
Scott A. Bollens 27
Conclusões
Eis o que esta pesquisa sugere para e não a reduzir, as desigualdades urba-
os planejadores urbanos americanos a nas. Os governos devem evitar o como-
respeito de como tratar eficazmente as dismo de agir como forasteiros bondosos
reivindicações grupais e culturas múlti- em relação ao conflito racial e étnico.
plas em nossas cidades. Quando existem desigualdades de opor-
tunidade urbanas, a eqüidade não sig-
O planejamento não está imune a nifica replicação de políticas para cada
ser usado para objetivos de estruturação grupo urbano identificável, nem equilí-
da cidade que estão fundamentalmente brio numérico em outputs do governo.
em desacordo com a ética profissional. Significa, sim, que a política deve ser sen-
O planejamento pode ser usado eficaz- sível às necessidades exclusivas de cada
mente para fins partidários de tal modo comunidade e, ao mesmo tempo, ter
que exacerba o conflito étnico, cria con- em mente o bem geral da cidade. Como
dições de instabilidade urbana e, para- foi ilustrado pelo caso do planejamento
doxalmente, constrói a percepção da israelense para as áreas palestinas e
necessidade de mais partidarismo devi- como foi demonstrado pelas difíceis es-
do a seus efeitos adversos sobre as rela- colhas enfrentadas pelo planejamento
ções intergrupais. Em Jerusalém e na pós-apartheid na África do Sul, os pla-
Johannesburgo apartheid, os planeja- nejadores devem estar conscientes de
dores do setor público têm se portado que requisitos uniformes em relação à
como agentes de seus governos e, mes- propriedade da terra ou ao desenvol-
mo tendo escrúpulos pessoais, fazem o vimento urbano podem ter efeitos dis-
que seu empregador espera que façam. crepantes em culturas com valores e
O contexto institucional e organizacional costumes diferentes.
restringe as escolhas do planejador in-
dividual e oferece incentivos, tais como Pla nejadores de vem b uscar uma
segurança no emprego, para a fidelida- coexistência viável de grupos étnicos e
de constante às metas politicamente raciais. Em cada uma das cidades con-
embasadas de estruturação da cidade. tenciosas estudadas, as propostas que
postulam a eliminação da separação
O planejamento neutro, “daltônico”, espacial étnica são atacadas como sendo
embora considerado seguro, não só é ina- promotoras de uma agenda pró-inte-
dequado como também difícil de imple- gração impraticável. No entanto, para
mentar em circunstâncias urbanas de que a tolerância entre grupos seja esti-
valores e trajetórias grupais diferentes. mulada no ambiente urbano, deveria
O planejamento neutro aplicado em existir uma abordagem intermediária
ambientes urbanos de desigualdade es- em tais circunstâncias. A meta da política
trutural não produz resultados eqüitati- não deve ser a integração per se, mas
vos. O caso de Belfast demonstra que a uma sociedade “porosa” em que a diver-
política urbana que não leva em conta sidade pode coexistir e em que as comu-
as diferentes necessidades quantitativas nidades são livres para interagir se assim
e qualitativas de grupos tende a reforçar, desejarem. A meta da política urbana
Scott A. Bollens 31
9
Mesmo durante períodos de grande tensão política, porém, as interações intergrupais podem
continuar, pelo menos no nível dos profissionais. Em março de 2001, entre hostilidades que
começaram em novembro de 2000, o autor participou de um workshop conjunto de profis-
sionais urbanos israelenses e palestinos que examinava os desafios e as opções futuras para
o planejamento de uma Jerusalém de aceitação mútua. O workshop de março de 2001, que
ocorreu nos Países Baixos, originou-se de um esforço conjunto mais amplo, iniciado em
1995, que contribuiu com apoio técnico às negociações de paz de Camp David em 2000.
Cada grupo no workshop holandês tinha conexões extra-oficiais com seus respectivos go-
vernos, em vez de um patrocínio formal e explícito.
Scott A. Bollens 33
Agradecimentos
Entrevistas citadas
Uri Ben-Asher — District Planner, Jeru- Nira Sidi — Director, Urban Planning
salem District, Ministry of the Interior. Policy, Municipality of Jerusalem.
Meron Benvenisti — Author; former City Khalil Tufakji — Geographer, Arab Stud-
Councilman and Deputy Mayor, Munici- ies Society; member, Palestinian-Israeli
pality of Jerusalem; Director, West Bank Security Committee.
Data Project.
Jan de Jong — Planning consultant, St. Jane Eagle — Planner, Strategic Issues
Yves Legal Resource and Development Division, City Planning Department,
Center, Jerusalem. Greater Johannesburg Transitional Me-
tropolitan Council.
Sarah Kaminker — Chairperson, Jeru-
salem Information Center; former urban Jan Erasmus — Acting Deputy Direc-
planner, Municipality of Jerusalem. tor, Regional Land Use, Johannesburg
Administration, Greater Johannesburg
Israel Kimhi — Jerusalem Institute of Is- Transitional Metropolitan Council.
rael Studies; city planner, Municipality
of Jerusalem (1963-1986). Morag Gilbert — Deputy Director, Stra-
tegic Issues Division, City Planning De-
Ibrahim Matar — Deputy Director, partment, Johannesburg Administration.
American Near East Refugee Aid, Jeru-
salem. Tim Hart — Urban geographer, SRK
Engineers, Johannesburg.
Adam Mazor — Co-author, Metropoli-
tan Jerusalem Master and Development Ivan Kadungure — Reconstruction and
Plan; Professor of Urban Planning, Development Programme Support Unit,
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Resumo Abstract
Cidades no mundo inteiro estão enfren- Cities across the world are confronted
tando uma crescente diversidade étnica by a growing ethnic and racial diversity
e racial que contesta o modelo tradicio- that challenges the traditional model of
nal de intervenção de planejamento urban planning intervention focused on
urbano centrado em diferenças indivi- individual, not group, differences. This
duais e não grupais. Este artigo examina article examines urban planning in three
o planejamento urbano em três ambien- ethnically polarized settings – Belfast,
tes etnicamente polarizados – Belfast, Jerusalem, and Johannesburg – to as-
Jerusalém e Johannesburgo –, para ave- certain how planners treat complex and
riguar como planejadores lidam com emotional issues of ethnic identity and
questões complexas e emocionais de group-based claims. Four models of
42 Planejamento urbano e conflito intergrupal: confrontando um interesse público dividido
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-30
2 Além de rótulos
Como foi discutido por Stein e Harper mento de consenso ou para os proces-
(1998), o neopragmatismo é uma res- sos de tomadas de decisão em reuniões.
posta alternativa ao universalismo do
modernismo e ao relativismo do pós- Principalmente quando se trata de
modernismo. Ele tenta preservar as vir- buscar soluções para conflitos relacio-
tudes da racionalidade, da verdade e dos nados ao turismo ambiental em locais
valores objetivos do Iluminismo, mas os como, por exemplo, o Parque Nacional
fundamenta na situação e no contexto de Banff, argumentamos que a busca
específico de modo que as histórias e as por acordos sobre definições ou sobre
vozes dos grupos não dominantes pos- princípios gerais abstratos não deveria
sam ser ouvidas e eles possam participar ser o ponto de partida da discussão,
de um diálogo aberto e das tomadas de porque a atenção pode concentrar-se
decisão. Ele recusa fundamentações a nas diferenças históricas e, por conse-
priori, é antiessencialista e não-dualista guinte, imobilizar as pessoas em campos
(no sentido da compreensão de distin- opostos. Ela também é contraprodutiva
ções como fins em um continuum e não porque cria uma abordagem de plane-
como dicotomias absolutas). O neo- jamento hierárquica na qual as ações e
pragmatismo utiliza a ciência como uma as políticas de desenvolvimento são li-
fonte legítima de autoridade, mas evita mitadas por definições abrangentes e
a tendência dos pragmatistas deweyanos princípios abstratos; o diálogo e o apren-
de se apoiarem indiscriminadamente na dizado conjunto entre os participantes
ciência como autoridade principal. poderão produzir resultados melhores
se eles não estiverem confinados por tais
Essa perspectiva também adota uma hierarquias. Uma abordagem neoprag-
abordagem muito menos estruturada ao mática sugere que, em vez de serem
planejamento e às tomadas de decisão determinadas no início, as definições de
do que a defendida por muitas aborda- conceitos cruciais deveriam emergir por
gens de planejamento convencionais, tais meio do diálogo e do compartilhamen-
como o modelo de planejamento racio- to de informações durante o processo e
nal abrangente (rational comprehensive que descrições específicas deveriam
planning model) e as abordagens formais substituir termos peculiares que podem
de planejamento estratégico (por exem- ser polêmicos ou problemáticos. A to-
plo, Ansoff, 1988). A abordagem ao pla- mada de decisão é similarmente prag-
nejamento se apóia nas técnicas muitas mática, as discussões são direcionadas
vezes citadas como planejamento comu- para a procura e o desenvolvimento
nicativo – por exemplo, o planejamento conjunto de ações e/ou políticas especí-
progressivo de Forester (1989), a obten- ficas para determinados temas sobre os
ção de consenso de Innes et al. (1994) e quais há um certo entendimento. Como
o planejamento colaborativo de Healey tais, os debates filosóficos e metafísicos
(1997) –, mas procura fornecer uma base desempenham um papel insignificante
teórica mais ampla. Sugere também cer- ou quase nulo nesse processo de plane-
tos requintes práticos para o estabeleci- jamento mais flexível e não-hierárquico.
4 Além de rótulos
Este artigo oferece apoio teórico e rica da “rotulação” e dos problemas rela-
empírico para essa abordagem neoprag- cionados às categorias é então apresen-
mática ao planejamento colaborativo e tada na seção subseqüente e ilustrada
à resolução de conflitos. Na próxima por exemplos obtidos na pesquisa con-
seção, forneceremos uma breve visão duzida no BBVRT. As recomendações
geral do planejamento de turismo cola- de procedimentos, as implicações para
borativo, seguido de um curto relato do o planejamento de várias partes interes-
contexto do conflito do Parque Nacio- sadas e os processos colaborativos são
nal de Banff (Canadá) e do estudo de apresentados na seção final.
caso BBVRT. Uma conceitualização teó-
Em 1950, cerca de 459 mil pessoas visi- Impulsionado pelo longo e eterno
taram o Parque Nacional de Banff. Tendo conflito entre uso e desenvolvimento no
como base as atuais taxas de crescimento Parque Nacional de Banff, assim como
(Banff-Bow Valley Round Table, 1996), pela desconfiança em relação aos ad-
no ano 2020, segundo as projeções, ministradores do parque, o Banff-Bow
serão cerca de 19 milhões de visitantes. Valley Study (BBVS) foi iniciado pelo
Mesmo que a taxa de crescimento fosse (então) ministro do Patrimônio cana-
de apenas 3%, o número de visitantes dense, Michel Dupuy, em março de
no parque poderia exceder 10 milhões 1994. A força tarefa do BBVS foi anun-
na mesma época, o dobro do número ciada pelo ministro em 5 de julho de
da visitação atual (ibid., p. 53). Nesse 1994 e recebeu a incumbência de con-
ponto de destino do turismo internacio- duzir uma análise abrangente dos temas
nal, área considerada Patrimônio Mun- ambientais, econômicos e sociais na
dial da Humanidade pela Unesco, está bacia do rio Bow dentro do parque. Essa
a cidade de Banff (população de 7.600 análise deveria culminar com um con-
habitantes), cujo crescimento contínuo junto de estratégias para a administra-
como um centro de serviços e de desti- ção, a longo prazo, do vale Banff-Bow e
no dentro do parque afeta muito a sen- visaria “proteger a integridade ambien-
sível morena 2 e os sistemas naturais tal e a vitalidade social e econômica do
dentro do estreito vale do rio Bow. Em vale Banff-Bow para as gerações futuras”
1995, os visitantes gastaram (60% dos (boletim do BBVS, 1 maio 1995, p. 2).
visitantes moram no condado de Cal-
gary) cerca de $ 709 milhões no parque. A força tarefa estabeleceu uma
Enquanto isso, a Parks Canada (a agên- mesa-redonda composta por várias par-
cia federal responsável pela adminis- tes interessadas como um dos mecanis-
tração dos parques nacionais do país) mos essenciais para introduzir dados
enfrentou cortes no orçamento que a públicos em um relatório que se basea-
obrigaram a buscar alternativas para ob- ria em um processo de diálogo e tomada
tenção de receitas, tais como taxas mais de decisão consensual. Após os princi-
2
Depósito de fragmentos de rochas transportado pelas geleiras. N. da T.
Tazim B. Jamal, Stanley M. Stein e Thomas L. Harper 7
Com base nas discussões dos encon- de março de 1996 (juntamente com
tros de julho, agosto e setembro os gru- outros itens da agenda). A redação da
pos participantes identificaram quatro declaração referente à visão de futuro
temas de negociação primordiais. Con- continuou a consumir o tempo da mesa-
tudo, em razão das limitações do tempo, redonda até o final das reuniões de de-
eles concordaram em trabalhar basica- zembro. Um relatório que resumia o
mente nos dois primeiros, isto é, (1) a trabalho da mesa-redonda foi ratificado
integridade ecológica e (2) o uso apro- pelos setores e usado na preparação do
priado. A negociação sobre esses dois relatório da força tarefa para o ministro.
temas começou nas reuniões de setem- Esse relatório foi divulgado, para o pú-
bro e outubro e continuou até o final blico, pelo atual ministro do Patrimônio
8 Além de rótulos
canadense em um evento para a mídia bora algumas tenham sido realizadas por
realizado em Banff no dia 7 de outubro telefone. Um formato de entrevista semi-
de 1996. O Quadro 1 resume o estudo estruturada e sem fins específicos permi-
total e o processo da mesa-redonda. tiu uma investigação minuciosa (1) do
processo de congregação de partes in-
O estudo de caso e a posição teórica teressadas como participantes; (2) da
apresentada nas seções seguintes apro- elaboração de visões de futuro, da ne-
veitam a pesquisa de Jamal (1997), que gociação e do processo para obtenção
abrangeu a duração do processo do de consenso nas tomadas de decisão; e
BBVRT, inclusive a divulgação do rela- (3) do que significa ser um participante
tório final do estudo para o público em nesse estudo e na mesa-redonda, isto é,
outubro de 1996 e as reuniões públicas de como se organiza o cotidiano de um
no início de 1997. A coleta de dados e participante do processo do BBVRT e de
a análise se basearam (1) em entrevistas uma comunidade mais ampla, assim
minuciosas com cerca de doze parti- como dos significados vinculados à par-
cipantes do BBVRT (durante e após o ticipação nesse contexto. O principal
processo) e a utilização de amostragem foco da abordagem interpretativa nessa
intencional para assegurar que um leque pesquisa residiu neste último aspecto
mais amplo de interesses e de preocupa- (3), em torno do qual os processos de
ções fosse incluído na pesquisa; (2) na temas específicos (1) e (2) foram investi-
observação participante das reuniões do gados. Algumas outras entrevistas de
BBVRT (como voluntário no setor de acompanhamento foram conduzidas
usuários do parque); (3) no compareci- mais de um ano depois de o processo
mento às reuniões públicas relacionadas ter acabado. Para proteger a identidade
a ambos os processos; e (4) no exame dos respondentes, as citações das entre-
de documentos relativos a essa iniciativa. vistas são anônimas. As fontes em itálico,
quando utilizadas nas citações, visam di-
As entrevistas foram realizadas pes- recionar o leitor para conceitos ou itens
soalmente, basicamente no campo, em- de interesse específicos para o estudo.
O BBVRT ilustra dois problemas gerais dade ecológica”, “valor intrínseco”). Ten-
que podem impedir uma colaboração tamos mostrar como tal generalização
eficaz em tal domínio: o problema da de termos, categorias e rótulos pode
rotulação ou categorização (por exem- impedir, em vez de ampliar, o diálogo,
plo, “ambientalista”) e o problema da em virtude de certas pressuposições filo-
utilização de princípios, termos ou con- sóficas que respaldam a compreensão
ceitos abstratos (por exemplo, “integri- deles. Não estamos sugerindo que a ca-
Tazim B. Jamal, Stanley M. Stein e Thomas L. Harper 9
tegorização deveria ser evitada por com- tanto, a propriedade de ser um político
pleto, mas que se deveria dar mais aten- não é essencial para ele. O essencialis-
ção à compreensão e ao manuseio de mo pressupõe que as categorias ou os
influências filosóficas que contribuem termos gerais que selecionam tipos na-
para o desenvolvimento de dicotomias turais “no mundo” possuem definições
polêmicas e de ambigüidades, especial- exatas que reflitam a essência da cate-
mente onde elas permitem que interes- goria ou do termo. Conseqüentemente,
ses dominantes prevaleçam sobre uma os que aceitam esse ponto de vista tra-
participação efetiva de partes interessa- dicional buscam definições que deter-
das menos poderosas. Uma abordagem minem a essência de uma categoria. Eles
de planejamento neopragmático oferece procuram um elemento essencial co-
uma forma alternativa para tratar tais mum a todos os usos do termo ou da
temas e influências. Apresentamos os dois categoria, por exemplo, a categoria “am-
problemas gerais e utilizamos a categoria bientalista.”
“ambientalista” e o termo “integridade
ecológica” para ilustrar de maneira con- Embora essa tradição do essencia-
creta os temas filosóficos subjacentes (re- lismo tenha uma longa história (por
lacionados ao essencialismo e ao realismo exemplo, a tradição essencialista origi-
metafísico). E, em seguida, apresentamos nária de Aristóteles), um esboço muito
a visão alternativa que defendemos e a simplista da teoria do significado de
ilustramos com a ajuda de exemplos John Stewart Mill pode ajudar a com-
obtidos no BBVRT. preender os problemas essencialistas
associados a um rótulo ou a uma cate-
goria como, por exemplo, a de “ambien-
Essencialismo e categorias: talista.” Mill declara que as palavras
o “ambientali sta” possuem uma denotação (basicamente
uma referência) e uma conotação (ba-
O essencialismo é a visão de que os ob- sicamente um significado ou um senti-
jetos possuem propriedades essenciais. do). A denotação de um termo constitui
Uma propriedade essencial de um ob- a classe de itens aos quais ela se refere;
jeto é uma propriedade tal que, se ele a conotação é composta pelas proprie-
não a possuir, ele não poderá ser o dades compartilhadas por todos os
mesmo objeto. Por exemplo, Bill Clinton membros dessa classe. A conotação é
não poderia deixar de possuir a proprie- rudimentarmente vinculada ao signifi-
dade de ser humano; ele não poderia cado do termo e fornece a ele suas ca-
ser, digamos, um mosquito ou um auto- racterísticas ou atributos essenciais. Essas
móvel. Por conseguinte, a propriedade propriedades ou características são fixa-
de ser humano é uma propriedade es- das com rigidez. Em uma visão essencia-
sencial dele. Por outro lado, ele poderia lista, todos os termos precisam possuir
não ser um político – poderia ter conti- essas várias características (exceto os
nuado a ser um advogado e nunca ter nomes próprios, que não discutiremos).
se candidatado a um cargo público. Por- O termo, portanto, outorga “realidade”
10 Além de rótulos
um setor diferente, categorizado por in- derão rejeitá-las por completo e mais
teresses e atributos diferentes? pessoas poderão mostrar-se dispostas a
discuti-las. Em áreas de conflitos histó-
Enquanto escuto o diálogo na mesa, ricos entre o uso e o desenvolvimento,
saberei exatamente o que outra tais como o Parque Nacional de Banff,
pessoa está dizendo. Estarei me a linguagem neutra é mais útil do que
identificando e pensando comigo categorias e conceitos normativos e re-
mesmo, será que esse é o lugar que pletos de valor, tais como “ambientalista,”
eu deveria estar com o ponto de “valor intrínseco” e “limites” (ao cresci-
vista do meu setor? mento). A linguagem normativa fun-
ciona se estivermos lidando com uma
Essa exclusão pela rotulação supra- cultura compartilhada unitária, mas em
citada é também compartilhada por uma um domínio caracterizado por conflitos
ativista popular de Vermont no estudo entre valores diversos, pode ser preju-
de Blechman et al. (1996, p. 20), que dicial ao diálogo e às decisões coletivas
diz: “precisamos quebrar essas barrei- fazer uso de termos gerais caracterizados
ras de sentimento que declaram que por marcas históricas, temporais e essen-
você não é válido se não estiver vincu- ciais específicas. As pessoas se prendem
lado a uma organização ou a uma filo- às categorias que usam e freqüente-
sofia”. Ela sugere que suas opiniões não mente desenvolvem uma íntima identi-
podem ser tão facilmente reduzidas ficação com elas, logo, dificultam mais
como sendo reflexos de uma filosofia ainda a discussão e o diálogo que per-
ou organização. A dificuldade de estrutu- mitiriam uma compreensão comparti-
rar a participação por setores ou grupos lhada de temas e preocupações. Se
de interesse, tais como a dos ambienta- descrevessem suas crenças específicas,
listas, está no fato de essas categorias em vez de se rotularem ou se categoriza-
poderem ser vistas como essenciais. Se rem como “ambientalista” ou “desenvol-
tais termos são polêmicos ou politica- vimentista,” os participantes poderiam
mente impregnados, uma visão essen- identificar mais facilmente as crenças que
cialista pode exacerbar o conflito ou a se sobrepõem e que podem então pro-
desconfiança entre participantes já con- piciar uma base para o diálogo.
trários às posições e aos interesses dos
outros.
Re ali smo meta fí sico:
Para retornar ao tema prático, quan- integridade ecológica
do e se um termo ou seu uso é contes-
tado, essa busca por seu significado, ou Uma outra maneira de os termos po-
propriedades essenciais, pode interrom- derem assumir um significado fixo é
per um processo de planejamento em apelar para o realismo metafísico. O rea-
seu estágio inicial. Ao evitar rotular um lismo metafísico é a visão de que os
conjunto de crenças como “ambienta- objetos que compõem o mundo existem
lista”, por exemplo, menos pessoas po- independentemente da mente humana.
12 Além de rótulos
ter tirado alguns dos setores daquele bulário. Existem coisas com as quais
estado de rejeição. Talvez eles tenham eu não me sinto muito confortável,
decidido não falar sobre isso, mas mas acho que nós conseguimos
agora acho que estamos vendo esse avançar (...) isto é, reunimos um
assunto voltar à tona porque esta- grupo de pessoas e elas concorda-
mos naquele ponto em que estamos ram que essas são as coisas que são
realmente conversando sobre a im- importantes para nós e declaramos
posição de restrições e limitações que o fato de nos impormos limites
corretas e eles começando a contra- para beneficiar as gerações futuras
atacar. (Entrevista, participante am- é importante para nós. Nós valori-
biental, jan. 1996) zamos o intrínseco, intrinsecamente
valorizamos outras formas de vida.
O conceito de limites pouco foi discu- (Entrevista, participante ambiental,
tido na mesa-redonda ou nas reuniões, dez. 1995)
a não ser em termos de percentuais ou
números relacionados ao crescimento Essa foi uma declaração referente à
no parque nacional. Que cenários de- visão de futuro pragmaticamente orien-
veremos projetar em nossos exercícios tada que agrupou várias crenças e va-
de modelagem futuros – 1%, 3%, 5%? lores em algumas declarações concretas
Além da limitação à visitação e ao cres- que não foram investigadas no início do
cimento da população, nessas reuniões, processo mas permaneceram abertas a
pouquíssimas discussões se concentra- interpretações. O processo de elabora-
ram no significado da palavra limites ou ção de uma visão de futuro também
nos vários modos como os impactos po- seguiu uma abordagem pragmática que
deriam ser administrados e os limites im- evitou discussões filosóficas sobre o par-
postos. No entanto, o conceito de limites que e, desse modo, permitiu que o pro-
foi inserido na declaração referente à cesso fosse adiante. Exceto uma breve
visão de futuro para o Banff-Bow Valley, discussão sobre a diretriz do parque
assim como a noção de valorizar intrinse- nacional (que foi estabelecida quando
camente outras formas de vida, embora se convidou o vice-ministro para infor-
a maneira como os participantes interpre- mar a mesa sobre a interpretação oficial
tavam esses conceitos variasse muito: da diretriz), o muito sensível tópico do
objetivo do parque nacional não foi
Acho que o fato de termos conse- mencionado. Todavia, como o objetivo
guido inserir esse conceito na visão geral de uma declaração referente à
de futuro já é uma grande vitória. A visão de futuro é fornecer uma edifican-
palavra “limites” está presente, em- te e enriquecedora descrição das espe-
bora, ao redor da mesa possa haver ranças, dos valores, das crenças e das
interpretações divergentes sobre o aspirações do(s) participante(s) no pro-
ponto da lista em que colocaríamos cesso de elaboração de visões de futu-
esses termos, mas, pelo menos, a ro, assim como um sentido de direção
palavra limites já faz parte do voca- conjunta, essa discussão não levanta a
16 Além de rótulos
seguinte questão: até que ponto a decla- de futuro no início do processo possibi-
ração referente à visão de futuro basea- litou a observação das posições, das
da na mesa-redonda foi, na verdade, personalidades e das interações dos
comum e consensual para os participan- outros participantes; desse modo, ela
tes e os constituintes da mesa-redonda? ofereceu um vislumbre de como as dinâ-
Um empresário participante e respon- micas do processo estavam se formando
dente achou que a declaração referente (por exemplo, os relacionamentos entre
à visão de futuro era um “documento os setores e entre os representantes dos
importante” por significar um “acordo setores). O exercício também satisfez
negociado” entre os grupos participan- uma exigência inicial do processo na
tes. Essa, disse ele, foi uma declaração medida em que permitiu aos participan-
referente à visão de futuro elaborada tes desenvolver (aparentes) pontos co-
cuidadosamente mediante “acordo ne- muns a partir dos quais seguiriam sem
gociado” racionalmente e fundamen- correr o risco de se verem imobilizados
tado em um “compromisso”, e não no em uma visão de futuro inatingível ou
consenso, porque “ideologicamente” ele em uma posição jurídica sobre o futuro
“jamais converteria” X (um participante desejado para o parque. A falta de obje-
ambiental). Qual, então, seria a utilidade tivos de alguns significados na declaração
desse exercício, se um compromisso em e a natureza não-jurídica do exercício
vez de um consenso constituísse a base de elaboração de visões de futuro facili-
da visão de futuro desenvolvida? taram, portanto, a formação de alguns
relacionamentos e entendimentos entre
O aplauso à mesa, quando a decla- os participantes, o que permitiu a ado-
ração referente à visão de futuro foi fi- ção de algumas ações e decisões prag-
nalmente concluída pelos representantes máticas que levaram o processo à fase
dos setores, refletia um senso de reali- de negociação dos temas.
zação entre os participantes. Referências
à visão de futuro (e aos princípios e va- Exemplo: criando novas descrições
lores desenvolvidos conjuntamente e compartilhadas. No contexto do plane-
que foram considerados parte integrante jamento colaborativo, uma abordagem
dela) em reuniões subseqüentes da neopragmática sugere que, após o diá-
mesa-redonda e os comentários positi- logo e a reconfiguração de algumas
vos feitos pelos respondentes durante crenças, poderão ser escolhidos novos
as entrevistas mostram que eles consi- agrupamentos que poderiam incentivar
deravam a visão de futuro muito útil no o consenso entre posições anteriormen-
trato de processos de tópicos subseqüen- te conflitantes, com a utilização de uma
tes. A Parks Canada também usou a nova descrição compartilhada. Para os
declaração referente à visão de futuro participantes, como o empresário citado
no plano seguinte de administração do adiante, segundo o qual a “experiência
parque (1997). Como um participante humana” não fora incluída no debate
respondente mencionou, a realização sobre integridade ecológica, foi um alí-
desse exercício de elaboração de visões vio ver a força tarefa recomendar o de-
Tazim B. Jamal, Stanley M. Stein e Thomas L. Harper 17
ou surjam ao longo do tempo. Essa abor- para uma nova (re)descrição comparti-
dagem é também não-hierárquica e lhada de um termo problemático.
torna pouco nítidas as separações entre
princípios abstratos e intuições concre- A adaptabilidade de uma aborda-
tas, entre julgamento e ação e entre teoria gem de planejamento neopragmática,
e prática (Stein e Harper, 1998). portanto, permite que os participantes
tentem encontrar soluções para termos
A abordagem neopragmática à ro- sensíveis ou temas polêmicos, tais como
tulação e aos princípios abstratos ofere- limites ao crescimento, ou os reintro-
ce, portanto, flexibilidade à obtenção de duzam mais tarde, no processo, após
alguma forma de consenso ou de acor- algumas atividades terem sido compar-
do, porque ela se desvia dos temas da tilhadas, alguns acordos concretos terem
negociação fixados pelas posições abso- sido efetivados e compreensões conjun-
lutistas. Não é necessário definir coisas tas terem surgido juntamente com rela-
em categorias seqüenciais ou contesta- cionamentos que gerem respeito e/ou
das. Por conseguinte, ela libera os parti- confiança entre (alguns) participantes
cipantes de uma busca por princípios (Jamal e Getz, 1999). Essa abordagem
rígidos que seriam capazes de causar neopragmática enseja várias implicações
mais danos às negociações do que de para o planejamento entre partes inte-
facilitar o movimento para encontrar ressadas e para a resolução de conflitos
soluções aceitáveis. Tal abordagem não históricos ou caracterizados por um nível
afeta a legitimidade ou a credibilidade crescente de tensão.
de pontos de vista específicos, mas ela
os libera e os abre para a possibilidade
de novos agrupamentos e de categorias O conceito de pessoa e
mais vantajosas, não porque tais nomes grupo no BBVRT
já “existam” ou possuam essências pree-
xistentes, mas porque “o reagrupamento A abordagem neopragmática traz impli-
de coisas em novas espécies (...) prova cações específicas para o conceito de
que se presta para muitas induções mais grupos de interesse. Na “Introduction to
relevantes do que os antigos grupos” Briefing Material” do estudo do Banff-
(Quine, 1969, p. 128). Tal atividade de Bow Valley, mesa-redonda de 03/02/
categorização ou rotulação poderá ser 1995, na seção de título “Structure and
mais útil durante o processo do que no Representation,” consta a seguinte decla-
início, quando as categorias, as defini- ração: “A mesa-redonda de Banff-Bow
ções e as posições entrincheiradas po- Valley está nomeada para representar
dem criar ou acentuar discórdias entre todas as preocupações verdadeiras asso-
os participantes. Enquanto as crenças ciadas ao Vale. A força da mesa-redonda,
são reconfiguradas e compartilhadas, como um corpo de planejamento e de
novos significados surgem ao longo do tomadas de decisão, se apóia nesse con-
caminho. Um novo nome, rótulo ou de- ceito de representação efetiva”. No
finição poderá tornar-se um atalho útil entanto, nosso estudo indica que o agru-
20 Além de rótulos
resses, valores e objetivos, assim como melhor deixá-lo de lado por uns tempos
conflitos, desconfianças e tensões explo- e procurar algo menos complexo, menos
sivas historicamente entrincheiradas, amplo e mais concreto. A nossa análise
sugerimos uma abordagem neopragmá- do processo do BBVRT indica que o
tica às tomadas de decisão que focalizem sucesso na resolução de problemas
preocupações e problemas específicos menos complexos pode ajudar o per-
claramente identificados, em vez de in- curso do processo e o estabelecimento
quietações filosóficas. Por exemplo, du- de confiança para tratar os temas mais
rante a fase de negociação dos temas, polêmicos. O que acontece é que os
uma grande preocupação de vários em- processos de resolução de conflitos am-
presários participantes era tentar com- bientais, tais como o do BBVRT, que
preender o impacto das estratégias/ações envolvem vários grupos de interesse e
propostas no parque. Expressando falta moradores da comunidade no desen-
de compreensão a respeito do tipo de volvimento de visões de futuro e de es-
ciência utilizado como sustentação de tratégias, deveriam ser mais flexíveis e
preocupações ecológicas de algumas ajustáveis. Os participantes e os admi-
partes interessadas no processo, um nistradores dos processos não preci-
empresário respondente achou que seria sariam iniciar pela busca dos princípios
mais importante administrar as implica- subjacentes ou pelo estabelecimento dos
ções reais de problemas palpáveis, como interesses de cada setor em uma declara-
a disputa entre ursos e seres humanos ção estática e inalterável. Esses concei-
competindo pelo mesmo espaço em tos precisam ser investigados, discutidos
uma área de habitat específica. Até certo e debatidos para que seja possível des-
ponto, isso respalda a nossa reivindica- cobrir crenças e metas compartilhadas.
ção por uma abordagem política, e não Eles podem ser destacados em termos
metafísica, no tratamento de temas espe- muito neutros para que não sejam con-
cíficos, para evitar debates essencialistas. siderados categóricos, normativos ou
Contudo, esforços terão de ser empreen- abstratos. Se utilizados, os rótulos con-
didos para que categorias e termos que testados podem ser mantidos vagos no
estão sendo compreendidos de forma início do processo. Em vez de serem
essencialista sejam esclarecidos. Se no- tratados como princípios hierárquicos,
ções centrais ou contestadas, tais como absolutos ou universais, os princípios abs-
valor intrínseco ou limites, são utilizadas, tratos precisam ser tratados como um
talvez seja melhor deixá-las intencional- elemento do processo interativo de ajuste
mente vagas no início do processo, mútuo e holístico.
como foi feito para a visão de futuro do
BBVRT (embora, possivelmente, isso Mais especificamente, para o plane-
não fosse necessariamente por desejo jamento ambiental em um território sob
dos administradores dos processos). conflitos históricos, o debate entre o
ambiente como um recurso econômico
Se não for possível chegar a um acor- (possuindo apenas uma valor instru-
do (consenso) sobre um tema, talvez seja mental) e o ambiente possuidor de um
22 Além de rótulos
Conclusão
Agradecimentos
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Resumo Abstract
Este artigo defende a abordagem neo- This article advocates a neopragmatic
pragmática para o planejamento colabo- approach to collaborative planning in
rativo em áreas protegidas e caracterizadas protected areas characterized by historical
Tazim B. Jamal, Stanley M. Stein e Thomas L. Harper 29
por conflitos históricos entre várias partes conflict among diverse stakeholders. Our
interessadas. Nosso exemplo é um pro- example is a multisectoral process initi-
cesso multissetorial iniciado para tratar ated to address use and development
conflitos de uso e de desenvolvimento conflicts in the international tourism des-
em um ponto de destino do turismo in- tination of Banff National Park, Canada.
ternacional, o Parque Nacional de Banff We show how philosophical presuppo-
no Canadá. Mostramos como as pressu- sitions (essentialism and metaphysical
posições filosóficas (o essencialismo e o realism) can impede collaboration and
realismo metafísico) podem dificultar a exacerbate problems when categories
colaboração e agravar problemas quan- like “environmentalism” and terms like
do categorias como o “ambientalismo” “ecological integrity” are used. Rather
e expressões como “integridade ecoló- than fixing categories and terms up
gica” são utilizadas. Em vez de fixar front, a more fluid planning approach
categorias e expressões no início, defen- is advocated: terms are flexible and
de-se uma abordagem de planejamento meanings emerge through dialogue.
mais ajustável: as expressões são flexí- Shared descriptions replace contentious
veis e os significados emergem através categories and terms.
do diálogo. As descrições compartilha-
das substituem categorias e expressões
polêmicas.
Vanessa Watson
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-29
2 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
(...) o poder dos discursos dominan- cessos que buscam consenso podem tra-
tes pode ser desafiado no nível do zer um benefício a mais porque a com-
diálogo; por meio do poder do dis- preensão compartilhada, a confiança
curso informado e refletido; por mútua e a “criação de identidade” que
meio de bons argumentos; e por são estabelecidas permanecem como
meio de transformações que surgem “recursos culturais” novos ou “capital
à medida que as pessoas aprendem cultural” (ibid., p. 114), favorecendo
a compreender e a se respeitarem futuros processos de planejamento.
por meio de suas diferenças e confli- Agora também predominante na litera-
tos. (Ibid.) tura de desenvolvimento tradicional, o
capital social é freqüentemente apresen-
Healey aprimora ainda mais a idéia tado como uma precondição para o
de cidadania universal para reconhecer desenvolvimento econômico e para os
que grupos comunicantes podem ope- sistemas de governança mais democrá-
rar dentro de diferentes “sistemas de sig- ticos (Mohan e Stokke, 2000). Isso pres-
nificado”, o que significa que “vemos supõe que tais relacionamentos de
coisas de maneiras diferentes, porque confiança e interdependência (econô-
palavras, frases, expressões e objetos são mica) mútua podem persistir por lon-
interpretados de maneiras diferentes, de gos períodos de tempo, em localidades
acordo com nosso referencial” (id., específicas, e ocasionar processos de
1992, p. 152). Permanece o pressupos- desenvolvimento “de baixo para cima”.
to de que essas diferenças podem ser
acomodadas em um processo que busca O aspecto importante final da teoria
consenso. do planejamento comunicativo é sua
tendência a se concentrar em âmbitos de
Healey acrescenta mais duas di- governo subnacionais, em agentes indi-
mensões à idéia de processos comuni- viduais, sejam eles planejadores ou par-
cativos. A primeira, compartilhada com ticipantes do processo, assim como em
estudiosos da “tendência cultural” (por teorizações de ordem indutiva. Assim, de
exemplo, Escobar, 1994), é a valoriza- acordo com a citação de Mandelbaum
ção de “conhecimento local” concer- na introdução do volume que foi a pri-
nente a “itens de informação que são meira tentativa para definir a forma desse
mapeados e interpretados dentro das novo território teórico, há “um interesse
estruturas de significado e objetivos de geral pelo comportamento, pelos valores,
redes sociais particulares” (Healey, pelo caráter e pelas experiências de pla-
1999, p. 116). Isso é diferente do co- nejadores profissionais em suas expe-
nhecimento “perito” (ou, às vezes, oci- riências de trabalho concretas”, e pelas
dental): consiste em bom senso e razão práticas desses planejadores, que incluem
prática, provérbios e metáforas, habili- “maneiras de falar, rituais, protocolos im-
dades e rotinas práticas, e pode ser ver- plícitos, rotinas, estratégias relacionais,
bal ou não-verbal. A segunda dimensão, traços de caráter e virtudes” (Mandel-
relacionada à primeira, é a de que pro- baum, 1996, p. xviii). Em relação ao
6 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
5
Em contraposição ao próprio Habermas, que com freqüência é descrito como um modernista,
em função de sua fé em processos racionais, da universalidade de suas idéias e de seu
conceito de cidadania.
6
Embora ela não desconsidere o papel da economia política, seu foco não reside mais aí.
Vanessa Watson 7
7
Beauregard (1998), ao comparar as posições de John Forester (um teórico fundador do
planejamento comunicativo) e Sandercock, comenta que Forester se mostra hesitante em
relação a políticas de identidade e quer tirar a ênfase da diferença. Planejadores são cidadãos
em primeiro lugar e devem se referir à identidade de modo secundário.
8 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
engloba uma visão mais complexa da es- Fainstein é mais cautelosa que San-
trutura social e dos benefícios sociais do dercock em aceitar a validade de todas
que a postulada pela análise material) gera as reivindicações grupais e reconhece
diversos pontos comuns entre sua posi- que algumas reivindicações podem ser
ção e as discutidas anteriormente. Assim altamente não-democráticas. Por esse
como Sandercock, ela concorda com motivo, insiste em que reivindicações
uma sociedade estruturada basicamente não podem ser julgadas apenas por re-
por grupos mais do que por classes, mas gras processuais. Como diria Habermas,
se interessa menos por um planejamen- processos justos nem sempre produzem
to que visa valorizar e promover as rei- resultados justos. Conseqüentemente, o
vindicações (materiais e não-materiais) “conteúdo substancial” ou os impactos
desses grupos, e mais pelo modo como das decisões precisam ser julgados tam-
tais grupos podem beneficiar-se de ações bém por seus abalos na eqüidade e na
de planejamento redistributivas. democracia.
8
O problema em relação a isso foi bem articulado por Graham e Healey (1999).
10 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
mesmo tempo que estão sendo drasti- da definição usada. Allen (1997) apon-
camente reduzidos seus financiamentos ta para a maneira como definições an-
de auxílio: os fluxos de auxílio oficial caí- teriores do conceito, que o viam como
ram 48% nos dez anos anteriores a 1996 um processo pelo qual a sociedade bus-
(Bush e Szeftel, 1998). A isso, soma-se a ca “abrir uma brecha” e equilibrar a “to-
“fantasia grotesca” da dívida externa afri- talização” simultânea desencadeada pelo
cana, recentemente a maior do mundo Estado (Bayart, apud Allen, 1997), ce-
em proporção ao PNB (Leys, 1994), e deram espaço, especialmente na lite-
alguns países gastam mais da metade de ratura do desenvolvimento, para uma
seus ganhos estrangeiros com o paga- focalização nos agentes responsáveis por
mento da dívida. tal processo. Allen chama isso de visão
de “vida associativa” da sociedade civil,
Com o passar do tempo, tentativas que se baseia nos pressupostos de que
para explicar a situação africana surgiram as ONGs (organizações não-governa-
dos modernistas, de várias escolas mar- mentais) e os “grupos sociais autôno-
xistas e de teóricos da dependência e, mos” constituem uma parte significativa
mais recentemente, daqueles com viés da sociedade civil, distinta do Estado e
cultural privilegiando explicações basea- freqüentemente em conflito com ele es-
das nas especificidades da cultura política. timulando o processo de democratização.
Há também um conjunto rico de traba- A sociedade civil é vista, dessa forma,
lhos relacionados a políticas públicas. como uma categoria separada do Esta-
Embora haja uma falta notável de con- do, que pode ser criada ou aperfeiçoada,
senso entre essas várias posições expla- e não como algo que surge espontanea-
natórias e prescritivas, conjuntamente elas mente (Allen, 1997; McIlwaine, 1998).
ajudam a elucidar os aspectos da econo- Esse conceito foi operacionalizado em um
mia e da sociedade que seriam relevantes sentido analítico: alguns autores assina-
para que pudéssemos avaliar as três teo- lam que o crescimento maciço de ONGs
rias normativas de planejamento. e movimentos sociais em países em de-
senvolvimento é uma evidência de uma
sociedade civil que se torna gradual-
A sociedade civil e o Estado mente maior e mais vigorosa; e em um
na África subsaariana sentido prescritivo: a teoria de desenvol-
vimento neoliberal vincula a liberalização
Diversos autores, de várias posições, de mercado e de “capacitação comuni-
têm questionado os conceitos de socie- tária” a estratégias para reduzir o papel
dade civil na África subsaariana, ao cha- dos governos em contextos de desenvol-
marem a atenção para as maneiras pelas vimento, em vez de canalizar fundos para
quais eles diferem das noções de socie- ONGs (Burgess, Carmona e Kolstee,
dade civil nos contextos ocidentais. 1997). Resta, porém, a pergunta: será
que o crescimento de ONGs e de movi-
O modo como a sociedade civil é mentos sociais e políticos populares
conceituada depende, em grande parte, pode ser tomado como uma indicação
12 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
regional). A maioria das atividades gera ção por meio de instrumentos de políticas
poucos empregos extras e muitas delas e de intervenções externas.
proporcionam rendas baixas e irregulares
sob condições de trabalho muito precá-
rias. A maior parte das próprias atividades As cidades na África
é de natureza de sobrevivência e envolve subsa a ria na
pouco investimento, poucas habilidades
e lucro mínimo. A África subsaariana, com apenas 31%
de sua população em áreas urbanas, é
Esses processos têm implicações a região menos urbanizada do mundo
óbvias nos altos níveis de pobreza, desi- (Simon, 1997) e conta com poucas ci-
gualdade e insegurança, mas também dades muito grandes. Uma característica
têm conseqüências em outros aspectos significativa dessa região são os fortes
da vida social e política. Em um contexto vínculos urbano-rurais que ainda exis-
de economias em declínio, a concorrên- tem e mantêm muitas pessoas em inces-
cia se intensifica e cria, ao mesmo tempo, sante deslocamento entre bases urbanas
a necessidade de recorrer a uma ampla e rurais. Essa estratégia de “estender a
faixa de redes (familiar, religiosa, étnica família” espacialmente (Spiegel, Watson
etc.) e de continuamente organizar, ne- e Wilkinson, 1996) funciona como uma
gociar e proteger os espaços de oportuni- rede de segurança econômica e social
dade que foram criados (Simone, 2000). que, além de permitir acesso a oportu-
A concorrência intensificada, argumenta nidades econômicas em constante alte-
Simone, faz com que processos econô- ração, conserva redes de parentesco e
micos e políticos de todos os tipos fiquem outras redes. À medida que a sobrevi-
abertos à negociação e à informalização. vência nas cidades se torna cada vez
O estabelecimento de redes e relações mais precária, os recursos rurais adqui-
com o estado se torna especialmente va- rem maior importância e as estratégias
lioso, tanto para negociar acesso prefe- rurais de sobrevivência começam a pe-
rencial a recursos como para evitar netrar nas áreas urbanas – a “ruralização”
controle e regulamento, e, como resul- das cidades (em termos de atividades
tado, cada vez mais “(...) as instituições produtivas e modos de vida) é uma ex-
públicas são vistas não como públicas, pressão cada vez mais usada para des-
mas como o domínio de grupos de inte- crever mudanças em cidades africanas
resses específicos, tornando-se, na verda- (De Boeck, 1996). O declínio econômi-
de, locais para acumulação e vantagem co também precipitou um movimento
particulares” (ibid., p. 7). Logo, o relacio- mais geral em busca de oportunidades
namento entre Estado e cidadãos, e entre por toda a África. O movimento, em gran-
agentes formais e informais, torna-se sub- de escala (muitas vezes ilegal), de pessoas
codificado e sub-regulado, dependente que se deslocam por todo o continente
de processos complexos de formação de comerciando drogas e bugigangas exó-
alianças e intermediação de acordos, e ticas é prova disso. Uma implicação desse
particularmente resistente à reconfigura- fenômeno é que a conceituação de ci-
16 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
9
Não se trata de fenômeno restrito a cidades africanas, como Healey (2000) sustenta.
10
Em cidades sul-africanas, esses esforços eram ligados ao projeto de apartheid e à realização
de cidades racialmente segregadas. A provisão formal de moradia e de infra-estrutura básica
para grupos de renda mais baixa (negros) era muito mais extensiva que em outras cidades
africanas.
Vanessa Watson 17
11
Críticos da teoria de planejamento comunicativo também questionam a viabilidade de tais
processos em partes do mundo mais estáveis e economicamente desenvolvidas (ver, por
exemplo, Flyvbjerg, 1998a; Huxley, 2000).
20 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
12
A importância preponderante do local na criação de capital social foi, de qualquer modo,
criticada pelos que examinam o papel de forças mais amplas no famoso estudo de caso de
Putnam (Tarrow, apud Mohan e Stokke, 2000).
22 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
justiças no nível de uma cidade particu- urbanos da África do Sul na última dé-
lar devem ser encontradas nas dinâmi- cada (Dewar, 2000; Schoonraad, 2000;
cas das áreas rurais, em outras cidades e Todes, 2000; Todes, Dominik e Hindson,
regiões e, naturalmente, em forças mui- 2000), permitindo algumas conclusões
to mais amplas. sobre suas viabilidades em áreas pobres
de recursos.
O problema com enfoque no local,
sustentam Mohan e Stokke (2000), é A abordagem pressupõe níveis rela-
que ele limita tanto a consciência quanto tivamente altos de controle estatal sobre
a ação. Se a base econômica e política o uso do solo para definir e manter uma
não for problematizada, é possível, pequena vantagem urbana e controlar
então, culpar simplesmente as incapaci- invasões de terra. Embora isso talvez seja
dades de grupos ou áreas locais de se possível no contexto de uma cidade
situarem corretamente em relação a for- como, por exemplo, a Cidade do Cabo,
ças mais amplas. Isso, por sua vez, ignora que tem menos assentamentos informais
a necessidade de as iniciativas locais ul- periféricos do que as outras cidades sul-
trapassarem o âmbito dessa escala, africanas e tem valiosas terras agrícolas
dando início a um processo de articula- comercializadas além de seus limites, nas
ção e formação de alianças global. outras cidades, a redução de assenta-
mentos informais pode ser altamente
Uma quarta área de disputa diz res- prejudicial a famílias mais pobres que
peito ao tipo de formato urbano desen- sobrevivem através de ligações urbano-
volvido pela abordagem de Cidade rurais complexas e de emprego margi-
Justa. Não há dúvida de que os tipos nal local (Cross, apud Todes, 2000, p.
de princípios espaciais que norteiam a 619). Essa abordagem também pressu-
organização do espaço em uma cidade põe que recursos significativos estão dis-
como Amsterdã (que, para Fainstein, é poníveis para o desenvolvimento de áreas
um exemplo da forma eqüitativa) se urbanas valorizadas nos centros das ci-
aproximam mais das necessidades de dades e para a promoção de programas
uma população mais pobre do que habitacionais caracterizados por uma alta
aqueles presentes nos modelos que pri- densidade populacional, ao invés de sim-
vilegiam ambientes vastos e monofun- plesmente garantirem o desenvolvimen-
cionais e a utilização de automóveis, to de áreas dotadas de infra-estrutura
modelos esses intensamente utilizados, mínima. Poucos países africanos podem
no passado, nas cidades africanas. Tam- dispor de fundos habitacionais com a
bém começam a ser tratados o tema da magnitude necessária. A reação normal
eqüidade no nível de cidade inteira e do planejamento, que é oferecer locais
importantes considerações ambientais muito pequenos com serviços (tanto para
(Jenks e Burgess, 2000). É justamente cortar custos quanto para manter densi-
por essas razões que essas idéias espaciais dades), provou ser altamente impopu-
(às vezes chamadas de modelo de “cida- lar, porque os locais maiores são vistos
de compacta”) se infiltraram nos planos como um recurso econômico que per-
Vanessa Watson 23
Conclusão
É impossível pensar em planejamento O processo de modernização, em
na África sem considerar a questão do suas formas tanto capitalista quanto so-
desenvolvimento de modo mais geral, cialista, não serviu bem à África ou, se o
principalmente porque posições sobre fez, foi de forma muito desigual, e as
planejamento são inevitavelmente sus- filosofias de desenvolvimento neolibe-
tentadas por pressupostos relativos à rais, promovidas por meio de políticas
economia e à sociedade mais amplos. de ajuste estrutural, foram francamente
Neste artigo, indico uma situação em que destrutivas. Sem nenhum novo paradig-
o problema do desenvolvimento urbano ma de desenvolvimento à vista, os es-
é provavelmente mais sério que em tudiosos pós-modernistas e de viés
qualquer outro lugar. Chamo a atenção culturalista continuam acreditando que
especialmente para o problema básico a sociedade civil e os movimentos sociais
de sobrevivência humana (ameaçada estabelecerão a democracia e o desen-
por Aids, guerras e pobreza); o colapso volvimento econômico local. Eles vêem
econômico; a incapacidade de governos a sociedade como uma diversidade de
para representar, regular ou prover; os grupos com valores diferentes que inte-
conflitos intergrupais de todos os tipos; ragem através de fronteiras porosas e
as cidades que estão se fragmentando limites não definidos (Storper, 2001).
em um faccionalismo desesperado; e a Essa visão, argumenta ainda Storper,
suspensão de todos os códigos morais e além de não ser incompatível com o
legais na luta pela sobrevivência. O qua- mundo amigável e consumista do neoli-
dro não é homogêneo: há enclaves de beralismo, é igualmente despolitizante.
sucesso econômico e riqueza, e há movi- Outras posições sustentam um controle
mentos sociais democráticos e ONGs que maior dos fluxos financeiros globais e
realizam trabalhos positivos. Mas eles pa- um papel mais forte para o Estado a
recem ser a exceção e não a norma. fim de fortalecer suas funções de bem-
24 A utilidade das teorias normativas de planejamento no contexto da África subsaariana
estar social, posição agora também ad- favoráveis etc.) são uma precondição
mitida pelo “neoliberalismo pragmático” essencial para qualquer tipo de renasci-
emergente (ver Sen, 1999). Mas, como mento econômico.
Storper (2001, p. 161) assinala, há,
Isso fundamenta uma forma de pla-
no momento, uma disputa intelec- nejamento em que governos desem-
tual para determinar qual o grau de penham um papel importante, mas
regulamento de que precisa o capi- certamente não são os únicos participan-
talismo para atingir um nível razoá- tes. Como Yiftachel (1995) sugere, os va-
vel de estabilidade e justiça social. Os lores tradicionais do planejamento que
esforços atuais para definir a natureza têm a ver com reforma e interesse públi-
e o grau do regulamento político do co continuam tão relevantes como sem-
capitalismo não têm nenhum projeto pre, contanto que o reformismo não
utópico digno de crédito ligado a eles. apele para o controle social e que haja o
reconhecimento de um público hetero-
No contexto da África subsaariana, gêneo. Isso fundamenta uma forma de
as políticas para reduzir o papel e o planejamento que reconhece que “o lo-
poder de governos centrais, para des- cal” molda as forças estruturais mais
centralizá-los e privatizar os serviços pú- amplas e é também moldado por elas, e
blicos, foram, em parte, responsáveis que ação local por conta própria será li-
pelo mergulho em conflitos interétnicos mitada e despolitizante. Fundamenta,
e pelo colapso dos serviços e do bem- também, uma forma de planejamento
estar social. Muitos governos anteriores que reconhece a base material das lutas
eram ineficientes, supercentralizados e de identidade, pelo menos na África,
corruptos, mas “diminuir” o Estado não bem como a natureza complexa, fluida
foi a solução. Além do mais, de modo e divisora das questões da identidade.
geral, na África, a sociedade civil não é Isso, por sua vez, exige que os planejado-
coesiva o bastante para realizar, por conta res tenham “jogo de cintura” nos proces-
própria, nem metas de desenvolvimento sos de negociação: o poder prevalecerá
nem metas democráticas, logo, uma so- sobre a racionalidade (Flyvbjerg, 1998b)
ciedade civil forte vai precisar de gover- e será certamente mais evidente que a
nança mais forte do que a que existe busca harmoniosa de consenso. Final-
agora. Da mesma forma, parece que a mente, reconhece o impacto social e
economia globalizada não está prestes a ambiental das intervenções espaciais e a
trazer “desenvolvimento” à África. As necessidade de que elas respondam às
mudanças estruturais importantes (alívio demandas particulares do contexto, sem
da dívida, assistência maciça para Aids e apelarem para importações simplificadas
programas antipobreza, termos de troca de partes do mundo muito diferentes.
Vanessa Watson 25
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Vanessa Watson 29
Resumo Abstract
O artigo focaliza três das teorias norma- The article focuses on three contempora-
tivas de planejamento contemporâneas ry and better-known normative theories
mais conhecidas: a teoria de planeja- of planning: communicative planning
mento comunicativo (Forester, Healey, theory (Forester, Healey, Innes and oth-
Innes e outros), a abordagem de Cidade ers), the Just City approach (Fainstein),
Justa (Fainstein) e as teorias que tratam and those concerned with the recogni-
do reconhecimento da diversidade e da tion of diversity and cultural difference
diferença cultural (Sandercock). Todas (Sandercock). Such theories are of great
elas são de grande interesse para os pla- interest to planners who continue to
nejadores que ainda lutam para supe- grapple with the problem of overcom-
rar as formas extremas de desigualdade, ing the extreme forms of inequity, divi-
divisão e colapso social que persistem sion and social breakdown that persist
nas cidades da África. Este artigo exa- in the cities of Africa. The paper exam-
mina alguns dos pressupostos centrais ines some of the central assumptions
subjacentes a essas teorias e avalia até underlying these theories and considers
que ponto elas oferecem uma orienta- the extent to which they provide useful
ção útil ou simplesmente tentam gene- direction, or simply attempt to generalize
ralizar um contexto ocidental. a Western context.
Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIX, Nos 1-2, 2005, p. 1-27
2 Debatendo o preconceito
tórias dos outros. Precisamos estar aten- tanto, da condição urbana do que a
tos à maneira como o poder escolhe e Ciência Social tradicional e, só por isso,
molda as histórias que são contadas, são merecem mais atenção.
ouvidas e têm importância. Precisamos
entender o trabalho que as histórias Em resumo, quero apresentar dois
fazem, ou melhor, que pedimos que elas argumentos arrojados neste artigo. Um
façam quando delas fazemos uso, e reco- é sobre a importância das histórias na
nhecer a ordem moral envolvida no uso prática, na pesquisa e no ensino de pla-
consciente ou inconsciente de certos nejamento. O outro é sobre a importân-
enredos e tipos de personagens. Acre- cia crucial das histórias no planejamento
dito que uma compreensão melhor do multicultural. Muito do que os planeja-
papel das histórias pode tornar-nos mais dores fazem, sustentarei, pode ser com-
eficazes como profissionais de planeja- preendido como história encenada. No
mento, independentemente do campo entanto, a importância das histórias ra-
real do planejamento. As histórias e as ramente foi entendida, e muito menos
narrações de histórias estão a serviço da validada, no planejamento. As histórias
resolução de conflitos, do desenvolvi- possuem um potencial de persuasão sig-
mento comunitário, da pesquisa sobre nificativo, porém são muito pouco re-
ações participativas, da administração de conhecidas na prática do planejamento.
recursos, da análise de políticas e de Não falamos sobre elas, não as ensina-
dados, do planejamento dos transportes, mos. Vamos expor o preconceito. Vamos
e assim por diante. Uma compreensão liberar, recordar e refletir sobre o poder
melhor do papel das histórias também das histórias. Vamos apreciar sua rele-
pode ser um auxílio para o pensamento vância para o projeto do planejamento
crítico, para a desconstrução de argu- multicultural do século XXI, como uma
mentos alheios. As histórias muitas vezes forma de unir as pessoas para se conhe-
oferecem uma compreensão muito mais cerem umas às outras pela narração de
profunda da condição humana e, por- histórias.
1
Esse é o motivo pelo qual sempre me interessei por “fofoca” como uma maneira comum de
conhecer/interpretar o mundo, em que as pessoas trocam histórias aparentemente pequenas
(mas não triviais) e buscam atributos comuns e diferenças, como um modo de compreender
o seu mundo (ver Spacks, 1985).
Leonie Sandercock 5
radamente com cada pessoa ou grupo “apenas falar sobre as coisas sem serem
envolvido para ouvir suas histórias sobre movidas por resultados” (Solomon,
o problema, antes de resolverem quan- apud Forester, 2000, p. 152). Solomon
do e como reunir os grupos conflitantes atribui um caráter cerimonial a esse es-
para ouvirem as histórias uns dos outros. paço seguro formando um “círculo de
Em casos extremos, quando o conflito conversa” e pedindo às pessoas que fa-
é muito antigo, se estendendo por ge- lassem sobre o que esse lugar significa-
rações ou, até mesmo, séculos de opres- va para elas.
são ou marginalização, esse trabalho é
muito difícil. Porém, quando bem-feito, Todas foram incentivadas a contar
pode ser terapêutico, catártico e até cura- suas histórias sobre o significado da terra
tivo. 2 e do lugar, para elas e suas famílias, no
passado, no presente e no futuro, enfim,
M EDI AÇ ÃO , N EGOCI AÇ ÃO E RESOLUÇ ÃO a terra cujos usos múltiplos e conflitantes
DE CONFLITO elas teriam de compartilhar com outros.
Foi o processo de narração de histórias
Em um ramo crescente da prática do que levou as pessoas a superar “as mi-
planejamento – mediação, negociação nhas necessidades versus as suas neces-
e resolução de conflito –, há várias téc- sidades” para chegar a um “plano mais
nicas e procedimentos para facilitar a elevado” em direção a algum objetivo
narração e a audição de histórias em si- comum. Solomon descreve a criação
tuações de conflito. 3 Nesse tipo de tra- desse espaço para que as histórias fossem
balho, a capacidade de um profissional narradas como uma ferramenta simples
para criar o espaço para que histórias e poderosa, como uma maneira de abrir
sejam contadas é mais importante do conexões surpreendentes entre grupos
que a capacidade de contar histórias. É conflitantes. Ou, de acordo com Fores-
aqui que a importância de escutar as ter, a narração de histórias é essencial
histórias dos outros e a perícia de escutar em situações em que histórias profundas
em contextos de culturas em contato de identidade e dominação formam o
têm seu maior valor. contexto no qual uma disputa existente
é compreendida. Para que haja recon-
Forester descreve um caso, no esta- ciliação, as histórias precisam ser conta-
do de Washington, em que a mediado- das (Forester, 2000, p. 157). Em termos
ra, Shirley Solomon, reuniu nativos de processo, também, a criação de es-
americanos e funcionários não-nativos paços para contar histórias faz com que
do condado para resolver disputas ter- participantes de diferentes culturas e clas-
ritoriais. Uma etapa crítica naquela me- ses se sintam mais à vontade para falar
diação era criar um espaço seguro em e mais confiantes na relevância de todo
que as pessoas pudessem se reunir e o procedimento. Um ancião tribal que
2
Forester (2000), Dale (1999) e Sandercock (2000) pormenorizam tais casos.
3
Ver Fowler e Mumford (1999); LeBaron (2002); Susskind, McKearnan e Thomas-Larmer
(1999); Thiagarajan e Parker (1999).
8 Debatendo o preconceito
4
Rosa Parks foi a mulher afro-americana que, em Alabama em 1955, recusou-se a ir para o
fundo do ônibus quando pessoas brancas entraram. Esse ato de desobediência civil trans-
formou-se em um boicote de um ano do serviço de ônibus pelos negros e deu origem ao
Movimento de Direitos Civis.
Leonie Sandercock 13
5
Marris cita The Urban Villagers (Os aldeães urbanos), de Herbert Gans, e Family and Kinship
in East London (Família e parentesco no leste de Londres), de Michael Young e Peter Willmott,
como bons exemplos.
14 Debatendo o preconceito
Para serem persuasivas, as histórias histórias, em seu sentido mais pleno, não
que contamos devem ser apropriadas significa apenas relatar eventos, mas
tanto à necessidade como à situação. Os dotá-los de significado por meio de co-
pesquisadores de políticas competem mentários, interpretação e estrutura dra-
com todos os outros que têm uma his- mática.
tória para contar, e os motivos para rei-
vindicarem uma atenção especial por Embora Marris pareça restringir sua
parte da opinião pública se relacionam defesa da narração de histórias à publi-
à qualidade de sua observação bem cação de resultados de pesquisas, o tra-
como à sofisticação de uma compreen- balho de James Throgmorton trata do
são decorrente de uma longa expe- passo seguinte – as artes da retórica no
riência acumulada por meio da qual domínio público do discurso e do de-
interpretam seus dados. Mas essa vera- bate. A lição que ele quer transmitir é
cidade não é, em si, necessariamente que, se desejarmos ser defensores de
persuasiva. As boas histórias têm quali- políticas eficazes, precisamos então nos
dades, tais como timing dramático, tornar bons criadores de histórias e bons
humor, ironia, poder de evocação e sus- narradores de histórias, em um sentido
pense, para as quais os pesquisadores mais performático. Em Planning as Per-
sociais não estão preparados. “Pior”, diz suasive Storytelling (Planejamento
Marris, “eles se convenceram de que ser como Narração Persuasiva de Histórias),
divertido compromete a integridade do Throgmorton (1996) sugere que pode-
trabalho científico” (Marris, 1997, p. 58). mos pensar no planejamento como uma
A redação de pesquisas de políticas é narrativa encenada e orientada para o
um trabalho difícil: é difícil contar uma futuro na qual os participantes são, ao
boa história e, simultaneamente, expor mesmo tempo, personagens e co-auto-
com rigor a evidência em que ela se res. Podemos pensar na narração de
baseia. Contudo, Marris insiste, quanto histórias como uma forma adequada de
mais os pesquisadores sociais cuidarem transmitir a veracidade da ação de pla-
da arte de narrar histórias e a reveren- nejamento. Contudo, o que deve ser
ciarem nos trabalhos de colegas e estu- feito, ele pergunta, quando histórias de
diosos, mais influente ela poderá ser. planejamento se sobrepõem e entram
Precisamos ter a capacidade de contar em conflito? Como podem planejado-
nossas histórias com perícia bastante res (e outros interessados) decidir que
para cativar a imaginação de um públi- história de planejamento é mais digna
co politicamente mais amplo do que o de ser contada?
composto apenas por nossos colegas.
Throgmorton (1996, p. 48) lança
Há duas noções de história em jogo mão do conceito de racionalidade nar-
aqui. Uma é funcional/instrumental: dar rativa de Fisher, ao declarar que os seres
vida às conclusões da pesquisa social humanos são narradores de histórias
transformando-as em uma boa história. que possuem uma capacidade natural
A outra é mais profunda: a narração de para reconhecer a fidelidade das histó-
Leonie Sandercock 15
rias que contam e vivenciam. Testamos ção à arte de narrar histórias sob as for-
histórias no sentido de inferir como as mas tanto escrita quanto oral. Isso sig-
partes se ligam (coerência) e no sentido nifica literalmente expandir a linguagem
de examinar sua veracidade e confiabi- de planejamento para torná-la mais ex-
lidade (fidelidade). Mas Throgmorton pressiva, evocativa, atraente, e incluir a
não se sente confortável com essa for- linguagem das emoções. A “narração
mulação, ele nos faz lembrar de situações acadêmica de histórias”, escreve Finne-
em que duas histórias de planejamen- gan, “é feia por causa de sua rigidez,
to, ambas coerentes e verdadeiras, com- monotonia e pelos estereótipos de que
petem por atenção. O que, então, torna lança mão. Contamos as histórias mais
uma mais valiosa que a outra? Throg- enfadonhas das maneiras mais lúgubres
morton sugere que a resposta a essa possíveis e, de modo geral, proposital-
pergunta reside, pelo menos em parte, mente, porque essa é a função da narra-
na persuasividade com que contamos ção científica de histórias: ser enfadonha”
nossas histórias. O planejamento é uma (Finnegan, 1998, p. 21). O que Finne-
forma de narração persuasiva de histó- gan alega sobre a narração acadêmica
rias, e os planejadores são tanto autores de histórias vale igualmente para a nar-
que redigem textos (planos, análises, ração burocrática de histórias. Os relató-
artigos) quanto personagens cujos mo- rios de políticas produzidos por agências
delos, mapas, previsões, pesquisas etc. de planejamento governamentais, e tam-
agem como tropos (figuras de linguagem bém por consultores dessas agências, são
e argumento) em suas próprias histórias feitos do mesmo tecido estereotipado.
persuasivas e nas dos outros. Uma parte São absolutamente impessoais. A vitali-
crucial do argumento de Throgmorton dade foi extirpada por completo. A emo-
é que essa narração de his