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Corpo estranho em Otorrinolaringologia

Graziela de Oliveira Semenzati1

Sérgio Henrique Kiemle Trindade1,

Regina Helena Garcia Martins2

1. Médicos da Disciplina de Otorrinolaringologia da faculdade de Medicina de Botucatu

(Unesp)

2. Professora Livre-Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da faculdade de

Medicina de Botucatu (Unesp)

Definição

Corpo estranho em otorrinolaringologia é qualquer material inanimado

ou animado que se encontre em cavidade nasal e seios paranasais, orofaringe,

hipofaringe, laringe ou conduto auditivo externo e que não faça parte dessas estruturas

em condições normais. É normalmente introduzido voluntariamente por crianças em si

mesmas ou por terceiros, sendo também freqüente em crianças institucionalizadas e em

pacientes psiquiátricos. Deve-se ressaltar também a possibilidade de introdução

acidental de corpos estranhos durante quedas, acidentes automobilísticos e migração de

insetos durante o sono.

A ocorrência de corpos estranhos envolvendo a otorrinolaringologia é

motivo de frequente procura nos serviços de urgência e emergência. Os sintomas estão

diretamente relacionados ao local acometido, como será explanado a seguir.


 Meato acústico externo – o meato acústico é o local mais freqüente de

introdução de corpos estranhos, os quais podem ser: grãos, sementes, pedaços de papel,

espuma ou algodão de cotonetes, pequenas baterias de relógios ou brinquedos, tarraxas

de brincos (figura 1 a), contas de colar, insetos, larvas, entre outros. As baterias de

relógio têm a peculiaridade de provocar intensa resposta inflamatória, caso o conteúdo

alcalino seja liberado sobre a pele do conduto1.

A primeira tentativa de remoção de qualquer tipo de corpo estranho é,

normalmente, a de maior sucesso devendo, portanto, ser realizada com iluminação

adequada, por profissional habilitado e de preferência com auxílio de um microscópio.

Desta forma, sempre que possível o médico otorinolaringologista é o mais indicado para

realizar o procedimento, por possuir também instrumentais mais apropriados e

delicados. As tentativas de remoção do corpo estranho sem sucesso podem agravar o

quadro; o uso de pinças inapropriadas pode introduzir o objeto mais profundamente, o

qual pode ser empurrado em direção à membrana timpânica, rompê-la e cair na orelha

média. Uma orientação importante é que não se utilize qualquer tipo de solução no

conduto auditivo, pois grãos e sementes quando hidratados aumentam de volume e

ficam mais difíceis de serem removidos. Com boa iluminação e auxílio de micropinças

delicadas, os objetos são facilmente removidos em crianças colaborativas. Ao contrário,

a imobilização adequada ou a sedação são medidas mandatórias para evitar

complicações como lacerações e perfurações de membrana timpânica e /ou lesão de

cadeia ossicular. Nos casos de objetos grandes a remoção em pedaços evita a laceração

do conduto. Pequenos insetos como formigas podem ser removidos sob visão

microscópica por meio de aspiração ou mesmo irrigação do meato acústico com soro

fisiológico. Esta última medida deve sempre ser precedida do exame otoscópico para

certificação da integridade da membrana timpânica.


Thiago et al2, em estudo retrospectivo dos 81 casos de corpo estranho em

otorrinolaringologia atendidos no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo,

constataram que 57 deles (70,37%) estavam alojados na orelha externa, 13 (16,05%) na

cavidade nasal e 11 (13,58%) na orofaringe. A idade variou de 2 a 84 anos, com média

de idade de 23 anos. Faixa etária menor, entre 0 e 3 anos (11 casos), foi registrada nos

casos de corpo estranho em fossas nasais, sendo que os corpos estranhos em região da

faringe acometeram pacientes com idade acima de 20 anos.

Alguns objetos alojados em conduto auditivo externo podem passar

despercebidos pelos familiares e até mesmo pelo próprio paciente durante muito tempo,

até mesmo anos, como restos de algodão de cotonetes. Em contrapartida podem causar

sintomas imediatos e desesperadores, como a migração para este local, de insetos

alados, devido à constante locomoção do animal pelas paredes do conduto e o

movimento de suas asas. Otorréia e otorragia podem também ser observadas e decorrem

da manipulação prévia das tentativas fracassadas de remoção ou mesmo da picada de

insetos. Caso a remoção do corpo estranho tenha sido traumática e evoluído com

perfuração da membrana timpânica, é aconselhável a introdução de antibióticos

sistêmicos e o seguimento ambulatorial do paciente até que a perfuração se restabeleça.

A integridade da acuidade auditiva deve ser certificada por meio de exames de

avaliação por meio de testes de acuidade auditiva3.

Larvas (miíases) podem se alojar no conduto auditivo depois da desova

de moscas as quais dão preferência para condutos auditivos com otorréia crônica

secundária aos quadros de otite média crônica colesteatomatosa ou lesões necróticas em

pele. A infestação humana é mais comum sobre tecidos necróticos, mas pode ocorrer

em tecidos sadios. A infestação é causada por larvas biontófogas, por exemplo, do

gênero Cochliomyia homivorax (mosca varejeira), que deposita que deposita de 20 a


400 ovos nas bordas de arranhões e feridas. A remoção das larvas é um trabalho

laborioso para o especialista, pois requer aspiração uma a uma sob visão microscópica,

uma vez que estão normalmente alojadas também na caixa timpânica. Medicamentos

sistêmicos têm sido preconizados nestes casos como a ivermectina, um antibiótico

macrolídeo semi-sintético que pertence ao grupo químico das avermectinas. A dose

subcutânea é de 200 ug/Kg de massa corporal, equivalente a 1 ml para cada 50 Kg de

massa corporal. A via oral tem sido preferida utilizando-se 6 mg para cada 30 Kg de

massa corporal4.

Cavidade nasal e seios paranasais – esses sítios podem também ser

sede de corpos estranhos como espumas, papéis, pedaços de plásticos (Figura 1 b),

alfinetes ou agulhas (figura 1 c), baterias de relógio (figura 1 d), grãos, pontas de lápis,

guloseimas pequenas, etc. Quando introduzidos nas fossas nasais causam reação

inflamatória local e acúmulo de secreção, podendo haver também sangramento nasal. A

mãe queixa-se de que a narina de seu filho está com odor fétido e com saída de secreção

unilateral. Muitas vezes a criança confessa que introduziu o objeto, porém outras vezes

não. Novamente recomenda-se que a remoção seja realizada sob adequada iluminação,

por profissional habilitado e competente e com instrumentos apropriados. As tentativas

de retirada dos objetos com pinças inapropriadas tendem a introduzí-los ainda mais

posteriormente e dificultar sua visualização. Caso o corpo estranho demore em ser

removido haverá solidificação do muco e sobre ele haverá depósito de concreções

calcáreas de sais minerais, fosfato de cálcio, magnésio e carbonato, conferindo-lhe

consistência pétrea, denominado de rinolíto (figura 1 e). O rinolíto adere-se à mucosa

nasal dificultando sua remoção, durante a qual observa-se sangramento intenso da

mucosa adjacente5. Dados da anamnese e exame físico minucioso endonasal com boa
iluminação confirmam o diagnóstico. Em caso de dúvida pode-se solicitar exames de

imagem como RX e Tomografia Computadorizada.

A maioria dos corpos estranhos intranasais são facilmente removidos

com auxílio da pinça de Itard (figura 2), estando a criança sentada no colo da mãe e sob

contenção de braços e pernas6. A pinça deve ser introduzida delicadamente em direção

posterior à fossa nasal e em seguida vir progressivamente “varrendo” o assoalho nasal,

trazendo consigo o objeto impactado. Caso não seja possível a remoção desta maneira, a

criança deve ser encaminhada ao centro cirúrgico para que o procedimento seja feito

sob anestesia e com auxilio de endoscópicos e pinças endonasais. Manobras

intempestivas e com instrumentais inadequados podem facilitar a migração do corpo

estranho para a região da rinofaringe, favorecendo sua aspiração e, conseqüentemente

complicações mais sérias pulmonares.

As larvas de miíase também são encontradas em pacientes com secreção

nasal abundante, mais especificamente nos casos de neoplasias, podendo levar a edema

e destruição da mucosa nasal com perfuração septal. A extensão para seios paranasais e

orbita não é raro e o tratamento implica na remoção das mesmas, debridamento

cirúrgico e introdução de ampla antibioticoterapia.

Orofaringe, hipofaringe e laringe – a cavidade oral, a hipofaringe e a

laringe podem sediar diversos tipos de corpos estranhos, estando, na maioria das vezes,

relacionados à alimentação, como espinhas de peixe e pequenos fragmentos de ossos de

frango. Na orofaringe a amígdala palatina é o local mais comum de impactação do

corpo estranho pela própria projeção que a mesma faz na região. Valéculas e seios

piriformes também são locais de paradas de espinhas, ossos e outros objetos (Figura 1 f,

g, h). A história clínica e o exame físico são normalmente suficientes para o


diagnóstico. Em crianças as dificuldades para o exame dessas regiões são maiores e em

muitas situações requer anestesia geral e laringoscopia direta. O grande perigo durante a

remoção de objetos alojados nesses sítios é sua migração para a traquéia. Esta condição

é mais temível quando o objeto se encontra posicionado entre as pregas vocais

dificultando a intubação endotraqueal (figura 1 h). Neste caso o médico anestesiologista

deve ser muito cauteloso e promover um plano de sedação satisfatório para que o

paciente permita o exame da laringoscopia e conseqüentemente a remoção do corpo

estranho sem que seja necessária a intubação. No surgimento de tosse incessante seca,

sufocação e falta de ar deve-se suspeitar de aspiração do corpo estranho. Uma tentativa

de expulsar o corpo estranho é realização da manobra de Heimlich fazendo-se uma

compressão para cima ao nível do estômago.

Na hipofaringe e laringe podem ser identificadas também peças pequenas

de brinquedos ou objetos que crianças colocam na boca inadvertidamente, como

rodinhas de carrinhos, peças de lego, botões de camisa, taxinhas, clipes e pedaços

maiores de carne. Muitos dos corpos estranhos ficam alojados no esfíncter superior do

esôfago (figura 1 g, i).

Uma conduta muito utilizada pelos pacientes menos informados é a

ingestão de alimentos sólidos para a progressão mais rápida do objeto para as vias

digestivas mais baixas. Tal conduta não é recomendada, pois objetos ponteagudos,

espinhas e ossos de frango podem lacerar e perfurar os tecidos, esôfago e alças

intestinais causando infecções graves como abscessos cervicais, mediastinite e

peritonite.
Considerações finais

Corpo estranho em Otorrinolaringologia é motivo de grande número de

consultas de urgência e emergência em pronto socorro. A remoção dos corpos estranhos

é conseguida com iluminação e instrumental adequado. Depois de várias tentativas sem

sucesso os pacientes tornam-se pouco colaborativos dificultando ainda mais a

visualização, além da possibilidade de migração dos objetos para planos mais profundos

das vias aéreas. Desta forma a remoção deve ser realizada por profissionais competentes

e habilidosos.

Figura 1. Corpo estranho em vias aéreas: a) bateria de relógio em conduto auditivo; b)

objeto plástico em fossas nasais; c) Agulha em seios maxilar; d) e e) rinolito em fossa

nasal; f) haste de madeira em orofaringe; g) fragmento de brinquedo em orofaringe; h)

osso de frango na laringe; i) presilha de cabelo em esôfago


Figura 2. Pinça Itard para remoção de corpo estranho

Bibliografia:

1-Garcia LB, Testa JRG, Ortiz LR, Silva BSR, Monteiro LCS, Maeda NA.

Complicações na orelha externa e média e tratamento de danos causados por bateria

alcalina. ACTA ORL/Técnicas em Otorrinolaringologia. 2010; 28:40-3.

2-Tiago RSL, Salgado DC, Corrêa JP, Pio MRB, Lambert EE. : Corpo estranho de

orelha, nariz e orofaringe: experiência de um hospital terciário. Rev Bras

Otorrinolaringol. 2006; 72:177-81.

3- Schulze SL, Kerschner J, Beste D. Pediatric external auditory canal foreign bodies: a

review of 698 cases. Otolaryngol Head Neck Surg. 2002;127:73-8.

4- Ribeiro FAQ, Pereira, CSB, Alves A, Marcon MA. Tratamento da miíase humana

cavitária com ivermectina oral. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001;67:755-61.

5- Primo OVB, Costa LHC. Rinolitíase em adolescente com 4 anos de evolução Acta

ORL. 2007;25:321- 23.

6- Rocha,SCM, Delláringa AR, Nardi JC, Kobari K, Sena LFP,Teixeira R, et al. Corpo
Estranho de Nariz: Experiência da Faculdade de Medicina de Marília. Arq In.

Otorrinolaringol. 2006:10(4): 278-282.

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