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O PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO MOVIMENTOS DE MASSA Andliae da posic&io do PCB frente as greves de 1978-80 Dissertacdo de mestrado Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas Unicamp Guilherme Cavalheiro Dias Filho Orientador: Prof.Dr. Armando Boito Jr. Guilherme Cavalheiro Dias Filho © Partido Comunista Brasileiro e os Movimentes de Massa Anaélise da posic&o do PCB frente as greves de 1978-80 Dissertacdo de Mestrado aoresentada ac Departamento de Ciéncia Politica do Institute de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadua’ de Campinas. sob @ orientagdo do Prof.Dr. Armando Boito Junior. Este exemplar cotresponde 4 redac&o final da dissertacdo defendica e aproyada pela Comissdo Julgadora em 20/00/94 . Abril 1994 Agradecimentos Ao CNPq, sem o qual esta pesquisa n&o existiria. A dire- toria do Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas da Uni- camp pela facilidade criada através da "sala de redac&o de teses". AO meu orientador, prof. Armando Boite Junjor, pela atencdo € motivac#o dedicadas aco meu trabalho desde os tempos de graduacdo. Acs professores Caio Navarro de Toledo @ Ricardo Antunes, pela contribuic&o que ceram a minha dissertagdo através suas criticas em meu exame de aualiticacéo. Ao prof. Décio Saes, a gentileza de semore mostrar-se disponivel na resolugéo de inumeros problemas academicos. Ao prot. Edmundo Fernandes Dias, pela contribuigéo ue deus minha formag&o académicae pela cportunidade de ser recebido como amigo em sua casa. Ao Raul e & Maria, pelo poio recebide durante o nosso curso de pés-graduacdo na Unicamp, Ao Eduardo e 4 Teresa, pela reviséo da redagiio final ‘desta dissertacao. A lara, Mauricio, Leslye © Henrique pela companhia e ajuda nos momentos mais dificeis da conclusdo deste mestrado. Ao Helion @ & Ana, pelo nrivilegio ce sua companhia desde minha chegada em Campinas. Ao Marcos Antonio, pela delicadeza com que pautou a leitura rigorosa de vérios d= meus escvites. Ao Ronaldo. pets franqueza que tem dado nossa amizade. Ac Chic&o, por ter compartilnado minhas tristezas e alegrias e por ter co dom de transformar desilusées em belas piadas. Ao Galdino e & Patricia, nela camaradagem infalivel de sua presenga. Ao Manduca, pela generosidade sem a qual problemas insoluveis ja teriam virado tragédias © hoje sho apenas historias engracadas de se contar. A Suzana e a Nani, pela carinhosa acolhida em sua case. Ao Joko e & Juliana, ovela felicidade de té-los como grandes amigos em nossa repiblica onde aproveitei-me abusacamente de sua companhia. A minha irm& Cldudia © ao meu cunhado Claudio, peto ca- rinho ¢ apoio que deram acs meus estudos., A minha irm& Fer— manda, pela amizade e pelas visitas cue fez a Campinas du- rante minha estadia nesta cidade. A minha irm% Isabela, pelo carinho # pelo desprenainente material com aue marcou nossa amizade. Acs meus pais, Thereza e Guilherme, sor toda Generosidade e dedicac& empenhadas na realizacao dos sonhos de seus filhos. 4 Daniele, minha mulher, companhia insenaravel e insubs- tituivei, por toda felicidade proporcionada em nosso casa- mento. para quem decico esta dissertacac. ze Sumério Introdugéo I Capitulo AS LIGOES DE 1964 PARA O PCB A Declarag&e de Margo de 1958 e a opedo institucional ‘A condenacdo dos movimentos operdério e popular IT Capitulo A REVALORIZAGAO DO MOVIMENTO OPERARIO A vitéria do MDB em 1974 A ofensiva ideolégica do PCB III] Capitulo 0 PCB E A ABERTURA As bases sociais da ditadura e da oposicéo A oscilag&o da oposi¢&o burguesa_¢ o MDB O papel da Abertura na conciliag&o burguesa © PCB entre a oposig&o burguesa e as agées de massa IV Capitulo © PCB NA CONTRAMAO DOS MOVIMENTOS DE MASSA forca da oposig&o nos movimentos operdério e popular PCB e os movimentos grevistas atuagéo do PCB na greve metaldrgica de 1980 pop Vv Capitulo CONSIDERACOES FINAIS © discurso do PCB e as classes sociais © PCB e as classes sociais participantes das greves A Igreja e a organizagao operéria e popular A organizag&o da classe operéria A organizagio dos movimentos de periferiea Um partido sem base social significativa STSLIOSRAFIA il 1q 21 28 40 52 58 69 85 93 102 106 109 112 118 123 127 Introducéo As pesquisas dedicadas aos partidos de esquerda e a sua relacéo com movimentos de massa possuem certas peculiarida- des. Quando decidimos estudar a posicéo do Partido Comunista Brasileiro frente aos movimentos de massa de 1978-80, nos deparamos com a seguinte dificuldade: inexistiam estudos so- bre o POB nestes anos e, tampouco, apés o golpe militar de 1964. A literatura que aborda o PCB se estende até 1964 6 o tema que por @itimo chamou e ateng&o dos analistas foi a re- lacdo do partido com o populismo.: A produc&o cientitica que se deteve no periodo posterior a 1964 adotou a esquerda ar- mada como principal objeto e o PCB foi analisado de forma secundéria. 2 A partir de 1978, os esforcos doe cientistas cociais historiadores concentraram-se no estudo dos chamados novos movimentos sociais. # rica ¢ abundante a literatura sobre o novo sindicaliesmo. bem como sobre os novos movimentos dos + Francisco C. Weffort. "Urigens do sindicalismo populista no Brasil (a conjuntura do apés-guerra)” in £studos Cebrap n04, So Paulo, abril/junho 1973, pp.65-108. Argumento semelhante encontra-se en Arnado Spindel. @ Partido Comunista na Génese do Populismo. S40 Paulo, Simbolc, 1980. 2 Destacam-se Jacob Sorender. Combate nas Trevas, Sto Paulo, Atica, 1987 e Daniel f. Reis Filho, 4 Revolucao Faltou ao Encontro. Sao Paulo, Brasiliense, 1990, 24 edicac. moradores da periferia dos centros urbanos.* De forma geral, estas pesquisas podem ser caracterizadas pelo destaaue que deram acs aspectos dos movimentos operdrio e popular aue rompiam com a tradic&éo populista; muito foi escrito sobre o novo sindicalismo e sobre o Partido dos Trabalhadores.+ A pesquisa buscou superar a auséncia de estudos sobre o PCB entre 1978-80 analisando seus documentos e, para esta tarefa, fomos beneficiados pela publicagdo de significativa parcela de seus manifestos politicos.® Apés esta fase, nos dedicamos 4 compreenséo da crigem recente dequelas posicdes = Para um entendimento ca relevancia que estes temas tiveram na literatura ver Vera da Silva Teles. “Anos 70: experi@ncias, praticas © espages politicos” in Lucio Kowarickiorg.) as Lutes Seciais 2 4 Cidade. $30 Paulo: Passado e Presente. S30 Paulo, SP, Par e Terra, 1988. Acentuando o rompimento dos novos movimentos sociais com of padrées de acdo populista temos © estude de Eder Sader, Wuando Novos Personagens Entreram en Cena, Sto Paulo. §P. Pat © Terra, 1991, 28 edicdo. Andlise dos movimentos de bairro a partir de um estudo de caso encontra-se en Scott fiainwaring. “Os movimentos populares de base © a luta pela democracia: Nova Iguacu” in Alfred Stepan (org.) Democratizanco o Brasil, Sto Paulo, SP, Paz e@ Terra, 1988. Estudo sobre o papel desenpenhado pela Igreja na organizac3o dos novos movimentos sociais esta en Ralph Della Cava. “A Igreja @ a abertura, 1974-1985" in Alfred Stepan (org.) op.cit. Balanco critico dos movimentos sociais ¢€ desenvolvido por Ruth Cardoso. “Os movimentos populares no contexto da consolidacdo da democracia” in Fabio W. Reis © G. O'Donnel (orgs.) 4 Democracia no Brasil, Dilemas e Perspectivas, Sa Paulo, SP, Vertice, 1988. * Destacamos Ricardo Antunes, @ Rebeldra do Trabalho. S%o Paulo. SP, Ensaio © Campinas, SP. Unicamp, 1988 e© Armando Boito Junior, OG Sindicatismo de Eestado no Brasil. S%o Paulo, SP, Hucitec e Campinas, SP, Unicamp, 1991. 5 Sobre 03 anos que nos interessavam aproveitamos as coletaneas organizadas por M.A. Wogueira (arc.) PCB: Vinte Anos de Politica: 1958/1979, S30 Paulo, Lech. 1960, 0 PCE EM S@Q PAULO: DOCUMENTOS 1974/1981. S¥o Paulc, Lech, 1981 ¢ por Celso Frederico. 4 Esqueraa ¢ 0 Movimento Operdrio. vol.1I @ crise do “milagre brasileire” © vol.lII A reconstructe, Belo Horizonte. MG, Oficina de Livros, 1990/91. e retrocedemos no tempo até a década de 50. Terminado a lei- tura de quase cem documentos do partido, partimos para o co- nhecimento dos estudos sobre os novos movimentos sociais.¢ De certa forma, conseguimos suprir as deficiencias que indi- camos acima; construimos uma interpretacgéo original sobre a posic&o do PCB frente aos movimentos de massa de 1978-80 e compreendemos as principais caracteristicas dos movimentos de massa de 1978-80. Todavia, optamos por um recuo na pre- tensdo de nossa pescuisa. No levantamento das principais questées apontadas pela literatura sobre os novos movimentos sociais. enfrentamos uma série de problemas que ultrapassa— vam os limites de nosso mestrado. Resolvemos, entéo, prete- rir para futuros estudos a parcela de nosso trabalho que abordava a génese destes movimentos. A nosso ver. este corte n&o empobreceu nosso texto final, pelo contrério. facilitow a compreenséo do que acreditamos ser a nossa principal con- tribuicdo para c estudo da posicdo do PCB entre 1976-80: e sistematizac&o de documentos do partido em funcdo da temd- tica des movimentos de massa. Para entendermos a posic&o do PCB frente aos principais movimentos de massa de 1978-80, selecionamos dos documentos pesquisados as passagens aue fazem mencdo 4 classe operdria © aos movimentos populares. Apés esta selecdo, nossa andlise © 0 conjunto de documentos do partido abarcam, entre outros, resolucoes de congresses, encontros, manifestos sobre determinades acontecimentos, artigos de militantes e entrevistas de dirigentes publicadas en jornais. foi pautada pelo estudo das principais caracteristicas de crise do regime militar. Com este procedimento, acreditemos ter elucidado a seguinte quest&o: como o PCB justificavea o geu combate aqueles movimentos? Quando nos detivemos em sua avaliac&o politica dos anos 1978-80, percebemos a existéncia de uma interpretacéo dos movimentos de massa daqueies anos. No desenvolvimento desta interpretacdo havia uma leitura particular dos movimentos ocorridos no pré-1964 e em fins dos anos 70, onde apresenta~ vam-se aspectos aparentemente contraditorios. Dirigimo-nos para a tarefa de compreender melhor o que nos pareciam ser contradicées, confrontando a interpretagéo do PCB com a nosea ieitura dos acontecimentos ali descritos. Terminada a pesquisa. avancamos no entendimento da relacéo entre o dis~ curso do PCB « a realidade por ele narrada, contribuindo para ea elucidac&éo da posig&éo do PCB acs movimentos operaric © popular de 1978-80. Nos documentos dos partidos que se definem marxistas, a presenga dos movimentos operdério e popular ¢ uma presenga obrigatéria, ainda que com diferentes posturas sobre estes movimentos. Estes diferencas tém origem, entre outros fato- res, na alteracdo das condicées da luta de classes e no que estas podem trazer de novo ao discurso e as prdéticas peliti- cas. Os textos do PCB néo fogem deste condicionamento. En- tre o golpe militar de 1964 e as greves que se iniciam em 1978, identificamos alteragées marcantes em sua abordagem dos movimentos operdrio e popular e conseguimos, apesar de nfo existirem datas exatas, focalizar trés fases distintas. A primeira fase situa-se entre 1964 e fins da década de 60, quando o PCB estava sob o impacto da derrota sofrida pela queda do governo Jodo Goulart. Nestes anos, o partido esforcou-se por compreender as causas desta derrota. Em sua autoeritica, o PCB acabou condenando os movimentos que rei- formas de base". vindicavam as Na segunda fase o PCB conferiu novo status acs movimen- tos operdrio e popular. Identificamos uma revalorizacéo des- tes movimentos entre o final da década de 60 e 1978. Apesar desta revalorizacdo compreender cerca de dez anos. notamos a existéncia de um destaque ainda maior dos movimentos de massa a partir de sua segunda metede. entre 1974 e 1978. © inicio desta fase coincidiu com a proliferacdo dos grupos de esquerda empenhados em acdes armadas. Desgastado por inume- vas dissidéncias, cunhado como reformista e pacifista. num contexte onde a perspectiva revoluciondria e a luta armada estavam em proeminéneia, o partido respondeu aos seus criti- cos apontando a necessidade de uma reorganizagSo dos movi- mentos veivindicativos sufocados pela ditadura. A partir de 1974, com o fim dos grupos armados © a vitéria eleitoral do MDB, o PCB ocupou uma posic&o ideclégica ofensiva. Passou a salientar com mais veeméncia a intervenc&io legal da opo- sicfo, através do MDB, e a necessidade de se mobilizar e classe operdéria. Comparados com os documentos da primeira metade desta fase, notamos um aumento da importancia reser- vada aos movimentos operdrio e popular. A partir de 1978, a ruptura no discurso do partido foi radical. Com o surgimento das greves dos metalurgicos do ABC paulista e a expanséo das paralisagdes dos trabalhadores en todo o paige, os documentos do partido entram em sua terceire fase. Nesta, a orientagdo do PCE rompeu abruptamente com a revalorizacéo dos movimentos operdrio e popular ocorrida noe anos anteriores, para der lugar a criticas cada vez mais acirradas. qual a raz&o desta oscilagéo? Por que, logo apés o golpe militar de 1964, os documentos do PCB criticavam os movimen~ tos por “reformas de base” e, de 1969 a 1977, comecaram a sublinher com veeméncia a necessidade de reorganizd-los? Por que, de forma abrupta, voltaram a criticé-los a partir de 19787 Partimos da hipétese que o fio condutor das trés fases dos documentos pecebistas seja o aprofundamento das linhas gerais de seu programa surgido em fins da década de 50. De forma sintética, a conhecida Declaracdo de Marco de 1958 de~ lineave uma clara opeSo pelo caminho institucional. Anali- sande a derrota de 1964, o partido delineou uma autocritica que responsabilizou os movimentos por “reformas de base” pela instabilidade institucional. Respondendo 4s criticas que recebdeu durante a proliferagdo dos grupos guerrilheiros, © respeito do partido pela legalidade - burguesa - expres— sou-se no destaque que deu 4s reivindicacées dos trabalhade- res. Com 0 crescimento politico do MDB - o qual apoiava e in- tegrava - e com @ derrota da guerrilha, a opcdo institucio— nal do PCB ganhou novo impulso. A partir de 1974, tanto no némero de citacdes, quanto no conteido de seus textos, o PCB deu maicr importéncia aos movimentos operério e popular. Este destaque alterou-se repentinamente em 1976. A conde- nagéo das greves foi proporcional ao crescimento das parali- sacSes. Na fase em que nos detivemos, entre 1978 € 80. o ie- galicmo do PCB foi questionado pelos movimentos de massa e. agindo em coeréncia com seus escritos das outras fases, c partido condenou e combateu os movimentos daqueles anos. Nes trés fases do discurso do PCB, temos duas que conde- nam © uma que enaltece os movimentos de masaa. Ve um lado, o PCB destacou o papel dos movimentos justamente quando estes no eram fortes ou simplesmente n&o existiam. entre 1967 e 1977. De outro lado, as condenacdes dos movimentos ocorreram quando estes tiveram papel decisivo na cena politica. tanto no periodo pré-1964 como a partir de 1978. Observande mais atentamente a relacdo entre o discurso do partido © © contexto no qual esteva inserido. notamoe que o enaltecimento do partido aos movimentos operdéric e popular foi mais moderado entre fins da década de 60 e inicio da dé- cada de 70, exatamente quando existiam movimentos de resis~ téncia A ditadura. através de greves, em 1968. ¢ através dos grupos armados de esquerda, entre 1969 ¢ 1973. Nesta mesma fase, 0 destaque acs movimentos de massa ocorreu a partir do momento em que a guerrilha estava completamente derrotada ¢ quando os movimentos operario e popular encontravam-se res- tritcs 4s acdes de resistencia. entre 1974 1978. & conde- nac&o dos movimentos pelas "reformas de base” ocorreu 2 pos- teriori, sob a forma de eutocritica e a condenacdo des ere~ ves de 1978-80 aconteceu durante @ sua manifestacdo, sob 6 forme de uma politica anti-greve. £ entre estas duas condenagSes que vicualizamos o aprofundamento do programa contido na Declaracéo de Margo de 1968. © gue defendemos & que neste momento. assim coma nos posteriores, a restricéo do PCB 4 legalidade burguesa privi- legia o entendimento com determinadas fragdes burguesas = o combate aos movimentos operdrio e popular.7 No auadro poli- 7 Destacamos as seguintes afirmagdes go autor. salientando que elas dizem respeite aos anos de 1939-1964: "(...) o PCB sempre mostrou-se ais inclinado @ acordas com fracées de classes aitas do que a uma aproximacdo com outras tendéncias de esquerda. contra as quais travow sempre un comoate sistemstico (anarquistas, socialistas, trotskistas. etc.} Nic necessariamente uma orientacio voltada para as classes trabalhadoras deveria ser revolucionéria, como mostra o exemplo de muitos partidos social-denocratas. Porém, = retormiste ou tico de hegemonia do populismo, o partido associou-se as fracées ourguesas identificadas com Goulart e buscou 4 mobi- lizacdo dos trabalhadores no interior da estrutura sindical oficial. Na crise do regime militar, o PCB associou-se as fragdes burguesas de oposic&o © combateu os movimentos que, mesmo presos & estrutura sindical herdada do populismo, opu- nham-se A ditadure. De um procedimento para outro, o PCE su- primiu de suas diretrizes os elementos ideologicos que o uniam 4 classe operadria e aos setores populares. Entre a critica aos movimentos do pré-1964 - dos quais tinha parti- cipado - € © combate aos movimentos de 1978-80, houve um aprofundamento da opgéo institucional que consolidow uma tendéncia J& existente no partido. Esta tendéneia privile- giava acdes “pelo alto” e negligenciava ou combatia os movi- mentos operdrio e popular. Apesar de restrita ao estudo de documentos e manifestos do PCB no interior de um momento particular da crise do re~ gime militar, nossa pesquisa n&éo desconsiderou a adverténcia de Antonio Gramsci, segundo o qual “escrever a historia de un partido significa exatamente escrever a historia geral de ‘revolucionaria’, uma politica “de classe’ implicaria a @ntase ne autonoma da reivindicaclo operdria diante de outras classes. privilegiando as demandas proprias dos diterentes grupos de travalnadores, 0 que no for realizado oelo PCR." Ledncio martins Rodrigues. "Q FCB: os Dirigentes e a Grganizacgo" in O Brasil Repualicano (1939-1964) - wistoria Geral da Civilizagao Brasileira, vol. X, $80 Paulo, Difel, 1981, 5.437. um pais".® Todavia. em funcdo dos limites de ums dissertacéo de mestrado. circunscrevemos objetivos menos ambiciosos. © @ntonio Gramsci. maquiavel, a Politica e 0 Estado Moderno. Ric de Janeiro, Civilizacto Brasileira, 1976, op. 22-24. Para este autor. o estudo de um partido deve incorporar a andlise: 12) dos diferentes grupes que disputen a sua direcdos 2¢7 da massa de filiados; 32) de classe ou das Classes sociais representadas por estes grupos e 42) do tipo de formacao social em que esta inseridc. 1 Capitulo AS LIGOES DE 1964 PARA O PCB Este primeiro capitulo centra-se na alteragéo que a po- litiea do PCB sofreu em fins dos anos 50 e seus desdobramen- tes apés o golpe militar de 1964. Nesta interpretacéo, que muito se vale do livro de Jacob Gorender, apontamos para o fortalecimento de uma diretriz dentro do PCB que se afastava da classe operdria e dos movimentos populares.> Hsta dire- triz dividia, antes do golpe militar de 1964, espaco com uma interpretacéo distinta dos movimentos operério e popular. Apos o golpe, a posic&o que se afastava destes movimentos tornou-se hegeménica e o seu traco fundamental foi o critica ao papel desestabilizador que estes desempenharam na cena politica. 1. A Declarago de Marco de 1958 e a opedo institucional As linhas gerais do Programa Politico do Partido Comu~ nista Brasileiro durante os anos de crise da ditadura en- contram-se delineadas j4 em fins da década de 1950. Iremos 2 Combate nas Trevas. « observd-ias no documento intitulado Manifesto de Agosto. de 1950. Em maio de 1947 o PCB foi surpreendido ao ter seu re- gistro legal cassado. A avaliacéo de Prestes e da maioria dos dirigentes considerava improvével a cassacio, pois “partia de um inexpressivo grupelho fascista".z Segundo o PCB, a burguesia nacional era progressista. “nao tinha inte- resse em tamanho disparate”. A reacio do partido. expresea no Manifesto de Agosto, pregava a "violéncia revolucionaria imediata".* Quatro anos depois. em geu IV Congreseo (realizado em novembro €, portanto, apds o suicidio de Getu~ lio Vargas) o partido n&o alterava significativamente o seu direcionamento politico.4 Do Manifesto de Agosto para o IV Congresses houve uma ressalva quanto @ burguesia brasileira. No Manifestc, o grandes capitalistes brasileiros eram ameacados generice- mente. © Programa de 1954 apresentava algumas distincdes «, para adequar os representantes do grande capital & primeira etapa da revolucéo brasileira, de caréter anti-imperialista © antifeudal. 26 “expropriava’ a parcela “servigal" do impe- vieliemo, vestando ao conjunto da burguesia o papel de = Jacob Gorender. Combate nas Trevas. p.Zt. 2 Moisés Vinhas. 9 Partiddo. S%o Paulo, Hucitec, 1982. p.140. * Edgar Carone. @ PCR. vol.IIl 1764/1982. S%o Paulo, Difel. L¥82. 5.124. agente industrializador até a etapa socialista da revolucdc Apesar desta alteracdéo, a acéo armada permanecia na ordem do dia. Bm 1950 o PCB unia a luta armada A retirada de seus mi- litantes da estrutura sindical oficial, buscando criar orge- nismos auténomos e revolucionério. Apesar da ruptura formal com as definicdes de 1950 sé ocorrer em 1958, ja em 1952, @ comissdo executiva do Comité Central definia a volta de seus quadros aos sindicatos oficiais. Ao lado de setores da es- querda trabalhista. o PCB amplicu seu contato com a base operéria. tendo liderado a greve dos 300 mil, de marco-abril de 1953.6 até a entrada do PCB na estruturs do sindicaliemo de Estado, esta ndo tinha obtido éxito na atracdo de ativis- tas sindicais. Foi através do PCB que esta estrutura tornou- se atuante: foi o partido que conseguiu fazer o gue os tre- balhistas até entéo ndo tinham conseauido realizar: levar os trabaihadores para a tutela do Estado.e Em 1955 0 partido apoiou a candidatura de Juscelino Ku- pitschek, abandonande a abstencéo, praticada no pleite de 1950. Todavia, permanecia no programa a derrubada pelas ar- mas do atual governo (no caso, © governo de Juscelino). Alem ® Sobre esta greve nas vaienos unicanente da apreciacto de Jacob Gorender. Comoate nas Irevas. p26. * Ver Francisce C. Wetfert. "Uriaens do sindicalismo populista no Brasil (a conjuntura de apds-guerra)’ © Arnado Spindel. G Partida Coounists na Genese do Pooui1smc. da contradig&o entre a letra do programa e suas acées prati- cas, o XX Congresso do Partido Comunista Soviético ocorrido em 1956 propiciou um clima de discusséo politica, abrangendo néo somente os “crimes de Stalin” mas atingindo o préprio Manifesto de Agosto.7 A Declaracdo de Marco de 1958 alterou os meios com of quais o PCB pretendia alcancar a revolugdo brasileira. A violéncia revolucionéria foi substituida pela vis pecifica, ou seja, o poder seria alcancado no interior do regime demo- crdtico burgués. Além disto, dentro da primeira etapa da re- volucko - anti-imperialista e antifeudal - , a hegemonia proletaria deixou de ser uma condic&o fundamental, passande a ser um objetivo da luta.® As duas etapas da revolucdo brasileira s& mantidas. entretanto. o capitslisme brasi- leiro tem seu desenvolvimento reconhecido, apontando-se = necessidade de reformas no sentido nacional-democratico. * Ver Raimundo Santos. "Crise e@ pensamento moderno no PCB dos anos 50". in Histérza do Marrisma. Vol.I. Ric de Janeiro, Paz e@ Terra, 1991. p.142. 0 autor salienta gue as “renovadores" de fins da decada de 1950 acabaram sendo marginalizados. Ou seja, aqueles que se destacaram na discuss4o dos problemas ¢o PCB a partir das revelacées de Khrushtchey acabaram sende coaqidos quando a direcdo resolveu assumir a discuss30 que j& estava en "todas as cabecas. Na verdade, segundo o autor, 2 renovacto pecebista, ou a construgdo da “Nova Politica” (presente até a década de 1970), foi anterior a "Declaracdo de marco de 1958" e teve nos elementos que posterioraente foram marginalizados, os seus principais protagonistas. © "Declaracde sobre a politica do PCB". Comit® Central, margo de 1958. (CARONE, vol.II: 176-196) A discousséo sobre o caréter de revolucdo na periferia de capitalismo remonta & década de 20, entre o IV (1922) e o VI (1928) Congresso da Internacional Comunista (IC). Um dos pontos de discérdia se referia ao tipo de alianca que os Partidos Comunistas da periferia deveriam estabe burguesias locais. O que vinhs & tona na discussio era o ca réter revolucionério (ou contra-revolucionério) destas bur- guesias. Elas deveriam ser encaradas como ou participantes ativas, liderando a etapa democraético-burguesa, ou ocupando um lugar secundério nesta frente, sob a hegemonia das clas- ses dominadas. a partir de 1928, eno de seu II] Congreseo. « PCB. assumindo @ influéncia da IC, abandone @ concercfio de que 4 revolucic brasileira seria “democrdtico-peaueno-bur— guesa” para se tornar “democrético-burguesa” anti-imperia~ lista.® As concluedes da IC apontavem para o dominio impe- rialista ¢ para a necessidads de uma etapa intermediéria na construgéo do socialiemo na periferia capitalista. Entre- tanto, o PCB aplicarie estas formulagdes de maneira particu- lar. Em primeiro lugar, o capitalism 66 se desenvolveria apés a revolucdo democrético-burguesa e, em segundo lugar. @ burguesia nacional teria participacdo especial nesta etapa. 20 7 Ver Michel Zaidan. “C grande Journant: o VI Congresso da Internacional Comunista (1928-1929)" in Histérza do Marrismo. 90-92-93, 100 © 103. Para Zaiddn, nos trinta anos que vio de 1928 a 1988, ano da “Declaracio de Marco", 0 PCB viveu sob a tutela da Internacional, nao oossuinde uma elaboracdo volitica auténoma. 4° Jacob Gorender. "A revolug%o burquesa e os comunistas". in Maria 4. D’Incas (org) @ Saber Militante, Ensaios sobre 0 V Congresso do PCB. realizado em 1960, consolidou a Declaracéo de Marco.1: Tratava-se de um acerto de contas com og acontecimentos que envolveram a oposicéo do partido ao governo eleito de Vargas (1950-54) e o XX Congresso do Par~ tido Comunista Soviético. 0 PCB buscava reverter esta si- tuagdo através de aliancas com setores burgueses antagénicos ao imperialismo sem. no entanto, obscurecer a contradicao entre as classes dominadas e estas fractes do bloco no po- der. © sucesac da Declaracéo de Marco conferiu significado pejorativo aos termos politicos presentes no Manifesto de Agosto. Luta armada e hegemonia proletdria na primeira etaps da revolugéo serdéo, dai em diante, identificados como “desvios de esquerda”"; contrastados, conforme interpretacdo da maioria dos dirigentes do PCB, com a linha correta, pre— sente na Declaracéo. Florestan Fernandes, Rin de Janeiro, Paz ¢ Terra/Uneso. 1987. 99. 251- 258. 0 autor satienta que, apesar da influ@ncia da Internacional Comunista na concepcdo da Revoluco Brasileira. a ser realizata em duas etapas, a interoretacto do PCH é distinta do PC do B. Este altino admite que. 34 na fase nacional-democratica a Durguesia monopolista devera ser expropriada, © Que significa a possibilidade de uma passagem quase ininterrupta para a fase soctalista. 0 PCB, diferentemente, marca as duas etapas por us claro oradualismc. Para o PCB, a burguesia contra~ revolucicnaria & 4 burguesia monopolista, exoress’o do capital financezro, enquanto a burguesia progressista seria aquela formaca pelo medic capital, aliada da frente revoluciondria nacional-denocrdtica. a2 "9 V Congresso dos Comunistas Brasileiros." Qutubro de 1960. in Estudos Sociais, yol.11t, pp.3-1i. (CARONE, vol.tl: 227) 2. A condenacdo dos movimentos operaério e popular A letra do texto do ¥ Congresso (1960) abria margem para interpretacdes conflitantes. A maioria dos dirigentes pece- bistas inclinou-se para o entendimento com os setores bur- gueses encarados como progressistas, representados pelo var— guismo e personificados em Jo&o Goulart. Todavia, o aepecto do programa que ressaltava o antagonismo inerente a frente pluriclassista, privilegiando a lute pela hegemonia operé- ria, recebeu apenas a atenc&o de minoria da direcdo.1z Apés o golpe militar. a maioria dos dirigentes do par- tide responsabilizou oc grupo que destacava os problemas da- queia frente pluriclassista pelos “eguivocos” daquela conjuntura. Na seqiiéncia da avaliacdo feita pelo grupo majo- ritério. as “sérias debiiidades" do partido foram discutidas e enumeradas.12 9 V congresso foi poupado (chamado de “poderogo instrumento revolucionério"}, cabendo descobrir os erros da aplicagdo de suas resolucSes. 0 primeiro deles es- tava no tipo de oposicdo feite a Jodo Goulart, que nao soube valorizar os aspectos positivos de seu governo, como a poli- tica externa, onde se mantinham relacSes com os chamados paises socialistas. No ambito interno, este governo foi dee- 4= Ver Jacob Gorender. Combate nas Irevas. 0.32. 22 “Resolucdo Politica.” Comit® Central. main de 196%. in jornal ver Overdria, suplementa especial. (CARONE, vol.III 15) tacado pelo respeito as liberdades democrdticas e pelo aten- dimento de reivindicacées dos trabalhadores. Segundo a maic- ria dos dirigentes do PCB, errou-se o alvo principal. 0 par- tido golpeou o imperialismo indiretamente, etravés de opo- sigéo & politica de conciliac&o de Goulart. Enfim, a burgue- sia nacional foi equivocadamente atingida em primeiro plano. Notamos que o desenvolvimento da autocritica ocorreu no tocante @ excessiva radicalidade da oposicdo, que exigiu medidas do governo (reformas de base) sem possuir a devida organizac&o entre as classes populares. © PCB reconheceu ter ficado a reboque do setor da burguesia nacional que estava no poder. "Estar a reboque" significava, segundo o PCB, ter apoiado © golpismo continuista de Goulart. 0 partido, asein como Goulart. teria dado um pretexto de aco as forgas rea~ cionérias. Destacam-se da autocritica do PCB: 12) a condenacdéo dos movimentos reivindicativos das classes dominadas, devido 4 desfavordével correlacéo de forcas: 22) os aspectoe positives da burguesia nacional ficaram restritos ao seu respeito a legalidade democratica e 0 seu impeto em atender o programa de reformas de base foi tomado como um aspecto negativo, re- sumido ao projeto pessoal de Goulart em se perpetuar no po- der; 3°) © reboquisme do PCB, no sentido que o préprio par- tido lhe dé, ndo compreendia o seu apoio ao Governo de Gou- a jart mas o seu incentivo as manifestagdes que exigiam as “reformas de base” .14 Uma expressSo significativa da avaliac&o que predominou no partido € o artigo de um militante que apontava as “causas da derrocada de primeiro de abril de 1964".15 Se- gundo este, apds o golpe militar, o PCB esforpou-se em de— monstrar 9 Guanto era frdégil a ormanizacdo popular © o quanto, proporcionalmente, era aventureira a posic#o que exigia as reformas de base. U partido distingue dois tipos de arranjos politicos para o pré-64: um correto, chamado de “frente ampla”, outro equivocado. denominado de "frente po~ pular". "Popular", segundo o PCB, indicava um campo de aco politica identificado com os segmentos comprometidos com as reformas de base. Para o PCB, esta radicalizacio enfraque- ceu a defesa do governo Goulart, propiciando o golpe mili- tar. A palavra ésquerdismo, enquanto terms pejorative utili- zado em debates politicos, encontra-se repetidamente nos do- cumentos do PCB. Tomado dentro de seu contexte. a definicdo do que (ou de quem) seja esquerdismo serve-nos de instru- mento para compreendermos a definicdo da politica do PCB. 44 *Resolucdo Politica." Comité Central, maio de 1965. op.cit. (CARONE, vol.I1l: 15) 4* Assis Tavares. “Causes da derrocada de primerro de abril de 1964’ Revista Civilizacdo Brasileira, éno 1, n@8, julho de 1946. (Carone. voi.TIt: 27) Apés 1964. o esquerdismo (comparado com e ruptura efetuada pela Declaracdo de Marco com o Manifesto de Agosto}. deixou de se restringir & adoc&o da luta armada e 4 hegemonia ope~ réria na primeira etapa da revoluc&o brasileira para compre— ender as reivindicacées sociais que abalassem as garantias democréticas do Estado de Direito. No discurso pecebista houve c fortalecimento da contraposig&o entre a idéia de nagéo, capaz de agregar forgas em torno de primeira etapa revolucionéria e a idéia de reivindicacaéo social, fragmenta- dora da alianga com a burguesia. Como J4 salientamos, estes dois aspectos - presentes na Declaracéo de Margo e no V Congresso (1960) - propiciaram diferentes orientacSes ao partido e esta tensdo acabou sendo retificada segundo a viséo dos dirigentes do PCB no VI con- gresso do partido (dezembro de 1967). Esta tensdo interna foi chamada de "“conciliacdo ideolégica”, fenémenc ocorride no Comité Central e na Comiss&o Executiva. Tratava-se. de- pois do golpe militar, de n&o mais conceder diante de vaci- lagdes na aplicacéo das resolugdes do V Congresso. 16 46 Esta vacilacio, que gerava um acirranento das reivindicacées socials, Yoi definida como "pressa pequeno-burquesa”."Resctucao Politica da VI Congresse (1967)". (Carone, vol.IIIs 47) II Capitulo A REVALORIZAGAO DO MOVIMENTO OPERARIO Este capitulo dimensiona a importancia da vitéria eleito— ral do MDB para a crise do regime militar. Em seguida, en- foca a ruptura ocorrida nos escritos do PCB com a sua cri- tica aos movimentos operdrio e popular. Ao analisarmos algu- mas especificidades da conjuntura em que se iniciou a se- gunda fase dos escritos do PCH, fazemos algumas conside~ racées sobre o que definimos ser 4 ofensiva ideolégica do partido. 1. A vitéria do MDB em 1974 A estabilidade da ditadura militar foi sedimentada. em boa medida, sobre um desenvolvimento econémico acentuado que durou até 1973.2 A partir de entéo. os indices econémicos. n&€o lhes sendo mais favordveis, foram solapando a sua base 4 Fernando H. Cardoso. J Modelo Politico Brasileiro. Sd Paulo, Difel, 1972. p.63. Discutinds con Celso Furtado e Hélio Jaguaribe, Cardoso demonstra que ambas perspectivas mostraram-se irreais (“catastrofistas”) diante do desenvolvimento econdmico operado durante o regime militar. No que define como "padrio de desenvolvimento denendente-associado”. mostra © dinamisno presente neste modelo. politica.2 Apesar da crise ditatorial naéo ter sido defle- grada unicamente por fatores de ordem econémica, o bloco no poder teve suas disputas acirradas a partir do momento em que os altos indices de crescimento da economia desaparece- ram.® Até o resultado eleitoral de 74. existia no interior do MDB a proposta de auto-dissolugc&o, entendida como a sua re- tirada da disputa eleitoral.+ Esta perspectiva se devia & critica de parcela de seus integrantes as restricSes sofri- das pelas eleicées sob a ditadura. As continuas farsas elei- torais, todas marcadas por atos de excec&o. faziam das eleicdes um jogo de cartas marcadas e o que impuisionava esta critica eram os altos indices de votos brancos e nulos. 2 Fernando #. Cardasa. 2 Modelo Politico Brasileiro. op. Sa-se. “0 golpe de 64 deslacou a setor nacional-puraveés © c arupo estatista~ desenvolvimentista da oosic%o hecengnica que nantinham, em oroveite do setor mais internacionalizado ca burguesia. mais dinamice 2 mais “poderno’. parque parte integrante do sistema orodutivo do canitalisno internacional". 0 autor adota @ exoressio “moc¢elc de desenvolvinento” para apontar qual a relac%o de forcas socials na ditadura. Para um entendinento da fracdo burguesa que se torna hegeménica apds 64 ver também Autoritarisme ¢ Democratizacdo. Rio ée Janeiro, Par @ Terra. 1975, 38 edic#o. pe,178-9 © 198. Nesta obra o autor fala aa consclidacao da qrande empresa. seja privada. seja estatai ands 64, 0 que pode ser compreendido como 2 tracdo monopolista do capital. Mais adiante. distinguinds classe dominante de sua frac3o dirigente, avonta esta itima como sendo @ constituida pelo capital oligopdlico. = A definicde de bloco no poder encontra-se em Nicos Poulantzas. Poder Politico © Classes Sociais. S40 Paulo. Martins Fontes. 1786, 28 edicao. finda que de forma incipiente, a aplicacto deste conceito oara a dindsica de uma crise do reqime ditatorial ¢ encontrada na cbra do nesno autor: 4 Crise das Ditaduras. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1976. * Thomas Skidmore. Brasil: e Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro. Paz e& Terra, 1989. 38 edicdo. 0.227. Entretanto. devido aos préprios expurgos por que havia pas~ sado, o MDB privou-se de seus quadros mais criticos, tor- nando a proposta de auto-dissoluc&o minoritaria. A partir de 74, esta proposta desaparece definitivamente © o MDB comega a liderar a frente de ciasses que se articula na oposicdo. Esta lideranca surge em fung&o de sua estrondosa vitéria eleitorai. & inovacéo e a surpresa de 74 deve-se, em parte. é5 eleicées anteriores. Em 1970, além das eleicées para a to- talidade da Cémara dos Deputados e das Assembiéias Esta- duais. dois tercos do Senado estavam em jogo. Os governadc- res, por via indireta, seriam indicados pelas Assembléias em outubro, ainda através de antige composicao. No inicio de novembro, a “Operacic Gaiole” prende pelo menos §.000 sus- peitos de subvers%o nas grandes cidades, entre os quais po- liticos de MDB. da Arena e ativistas considerados perigosos pelas forcas de seguranga.6 & intimidactio, as véeperes dae eleicées, era justificada pela ditadura devide as supostas “agdes terroristas” que a esquerda armada faria em lembrance ao primeiro aniversério de morte de Carlos Marighelle (e@> Miaibie jo nedeeelnatt ve doe Lideres da guerrilha). ocorrida em 4 de novembro de 1969. Este estado ostensivo de repressao certamente delimitou o campo e o nivel das criticas & dita- dura gue poderiam ser feitas na campanha eleitoral e. assin. > Thomas Skidmore. op.cit. p.228. conduziu a ampla vitéria obtida pela ARENA: das 41 cadeiras disputadas no Senado, o partido ficou com 40. Como o MDB 86 possuia 8 cadeiras do terco que nao havia sido disputado, acabou ficando com apenas 7 das 66 totais. Resta ponderar que, no total des votos para o Senado, a ARENA recebeu 44%, contra 56% da soma dos votes do MDB (29%), em brancos (22%) e nulos (5%). Especialmente nas capitais houve uma campanha pelo voto em branco como forma de protesto contra o sietema eleitoral forjado pela ditadura. Quando o MDB n&o tinha can~ didatos ou quando estes nado tinham chances, 0 voto em branco era elevado. A vitéria da ARENA concentrava-se pre- dominantemente nas areas rurais.6 Uma répida andlise das eleigdes de 1970 mostram que o apoio ao regime ni poderia ser devidamente avaliado sem se considerar as imposicées que a ditadura colocava sobre o pleito eleitoral. Ao invés de qualquer operacéo do tipo “gaiola” e para surpresa geral, no inicio de novembro de 1974 a ditadura permitiu o acesso dos candidatos a televisdéo. Um entusiasmo nea reta final das eleicdes parece ter tomado conta até de militantes de esquerda que pregavam o voto em branco (excec&o feita ao PCB, que JA tinha como orientacéo votar no MDB). Abertas as urnas. « vitérie do MDB é representada especialmente pelas eleiodes do Senado. Das 22 cadeiras dis- putadas. o MDB ganhou 16, perdendo somente em Alagoas, Ba— 4 Thomas Skidmore. op.cit. p.231. hia, MaranhSo, Mato Grosso, Pard e Piaui-7 Todavia a vi- téria do MDB ¢ a relativa liberalizac&éo em relac&o a 1970) n&o pode servir & concluséo de que as eleicdes néo tenham sofrido marcantes limitagdes pela ditadura. 0 que houve foi uma diminuicdo da repressio da ditadura sob o governo do general Geisel. 0 cerceamento 4s liberdades politicas, apesar de limitar o processo eleitoral, gerava um clima plebiscitaério que aca- ou colaborando com a vitéria do MDB. Em 1974 se votou con- tra ou a favor da ditadura e o MDB conseguiu canalizar os votos em branco de protesto. A anti-candidatura de Ulisses Guimardges a presidéncia da Reptblica foi o passo inicial para que o MDB transmitisse ao eleitorado a sua critica ao sistema através de uma espécie de fina ironia.e Com o correr da campanha e com o acesso 4 televisfo, o MDB conseguia in~ verter a tendéncia predominante de se protestar contra ac regras do jogo votando-se em branco. Em 1974, protestou-se contra a ditadura votando-se no MDB. > Para um panorama numerico dos resultados eleitorais de 1974, incluidas Senado, Camara Federal e Assembléias Estaduais ver Sebastido Nery. as 1s Derrotas Que Abalaram o Brasil, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975. pp.153-184, © Para uma vis%o critica das condicées em que se reaiizou o pieito de 74, ver Carlos Estevan Martins. "0 Balango da Campanha" in Bolivar La~ nounier e F.H. Cardoso (oras.) Os Partidos e as Eleicées no Brasil. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978, 28 edicdo. po.77-225. 0 autor aualztica as eleices em cinco aspectos: reoresentatividade, liverdade. iqualcage. participacio e nivel ideolegico. U que se pole objetar. com excess’o do item “liberdade", @ gue mesmo nos regimes democraticos a otinizacdo feita pelo autor n¥o encontra niveis radicalmente diferentes dos que sao apresentados no processo de 1974. Apesar de ter surpreendido os analistas politicos de €poca, a viteria do MDB nas eleicées de 1974 tinha suas ori- gens. © golpe de 1964 e as posteriores limitacées sucessi~ vas que o sistema eleitoral foi sofrendo com a consolidacéo da ditadura tinham um objetivo claro: a via eleitoral tinna ge mostrado un caminho espinhoso para candidatos impopulares bem como para politicas anti-nacionalistas que as forcas goipistas acabaram implementando. As eleicées eram, fundamentaimente, a base de susten- tagéo do populismo, contra a qual se insurgiram os milita- res, Esta tradicéo, que tinha nas dreas de concentracao po- pulacional sua maior expresséo, radicalizou-se com a répida urbanizacéo ocorrida nos dez primeiros anos da ditadura, bem como pelo tipo de crescimento concentrador de renda operado nos anos do milagre econémico. 0 voto de protesto tinha portanto. origem anterior a 1964 e, se até 1974 era canali- zado pelos votes brancos e nulos. neste ano foi revertido para o MDB. As classes populares, se tomade a historia elei~ toral de S8o Paulo anterior a 1964, expressavam sua insatis~ fagdo votando em candidatos que representavam um certo espi- rite oposicionista, mesmo que sua pratica nfo o fosse de forma inequivoca.s Reta tradigio do vote urbano de protesto © Para a tradicda de protesto eleitora? existente em Sdo Paulo e as possiveis relacées entre c vote no MDB con as classes dominacas ver Fernando Henrique Cardoso, “Partides @ Deputados en Sao Paulo" in gs Partidos © as EleicSes no Brasil. p.95-75. foi acentuada pelo cardter plebiscitério que as eleicter promovidas no interior de um regime ditatorial possuiam. Na eleicfo para o Senado em 1974, se considerarmos as oito dreas sécio-econémicas homogéneas de Sao Paulo, temos na frea mais pobre 12.3% de votos para a ARENA e 87.7% para o MDB, enquanto na drea mais rica o partido governista obteve 34.2% contra 65.8% da oposicéo.10 Mesmo sem existir, entre 1968 e 1977, qualquer greve ov movimento de massa significativo que pudesse ter em seu bojo a viterie de alguma plataforma e/ou candidato gue sin- tetizasse esta luta, houve uma identificacdo do eleitorado popular com o MDB, Esta vitéria abalou a estabilidade poli- tica do regime militar, dando inicio ao periodo de crise di- tatorial. No PCB fol reforcada a necessidade de uma frente antiditatorial, envolvendo as fracées dissidentes do bioco no poder. 26 Para uaa andlise do processo eleitoral durante a ditadura ver Bolivar Lamounier, "C ‘Brasil autoritario’ revisitado: 0 impacto das eleicses sobre a abertura" in Alfred Stepan (org.] Bemocratizande o Brasil. Rio de Janeiro, Pat e Terra, 1988. p.118. A Arena obteve mais votos nas dreas mais ricas. Avés os 34.2% na drea nt, o partida teve seus indices diminuidas conforme c aumento ca pobreza das dreas: 1223 30.1%, nS: 27%, nQdz 24.8%, nS; 22,5%, nb; 14.8%, nO7t 14.5% e mB, como 4 vima 12.3%. Observe-se que estas porcentagens foram excluidos os votos brancos @ aulos. 2. A ofensiva ideolégica do PCB Assim como o conjunto da esquerda. de 1968 4 1974, 0 PCB encontrave-se isolado. 0 crescimento econémico operado pelo chamado milagre e a violenta repressAo acs grupos armados consolidava o regime ditatorial. Segundo o PCB, a ditadura com sob o general Médici abandonava sua fragil ligacéo com alguns preceitos liberais e se tornava fascista. Contra o fascismo brasileiro. colocava a necessidade de uma ampla frente politica, onde incluia até setores da Arena. 11 Em seu VI Congresso, abandonando a énfase de sua auto-— critica do pés-64 onde havia destacado a fragilidade do mo- vimento de masga, o PCB apontava a classe operdria coma a “forea motriz da frente antiditatorial”. Era na classe ope~ réria que deviam se concentrar os esforcos do partido. A nosso ver, esta alteracdo se devia ao debate que o partido travava com as organizagées de esquerda que optavam por acdes armadas, muitae oriundas de suas préprias fileiras. Inspiradas em boa parte na teoria foguista, surgida a partir do sucesso da revolucdo cubana. estes grupos acabavam por ignorar a organizagéo dos movimentos reivindicativos, privi- legiando a militarizacdéo da politica. Foi neste contexto que 44 "Por uma frente patridtica contra o fascismo".Comté Central, novembro de 1973. (Nogueira, 1980: 209) © PCB salientou a necessidade de organizar a classe ope~ varia. Mesmo sob as limitacées ditatoriais, frente as eleicées de 1974.0 PCB ressaltava a importaéncia dos pleitos realiza- dos. Pregava a necessidade do fortalecimento da uniso oposicionista em torno de candidatos combativos e a oportu- nidade de aumentar sua inserco no meio popular através da denincia da alta do custo de vide. Com a entrada de Geisel no poder, o partido interpretou o afrouxamento da censura as vésperas das eleicdes como concesséo da ditadura, fruto de seu isolamento politico. Para o PCB, a causa da situacdo ad- versa aos militares foi o término dos efeitos do “milagre econémico"i2, Jé antes do pleito de 1974. & crise ditatorial era um fato claro para o partido. Com o resultado das urnas favoravei ao MDB. 0 PCB pas— sou a condenar com mais firmeza os grupos de esquerda (muitos oriundos de cisées de seus proprias quadros) que se voltaram para a luta armada. Em resposta as criticas que so— freu na década de 60, o partido salientava o triunfo de sua orientacéo politica. A sua posicdo se estendeu até 1978. Posteriormente a 1974, sempre que se referir as eleicdes. o PCB sublinhard que nela foi superado 35 "Resolucdo sobre tética eleitoral para 1974 no Estado de Sd0 Paulo”. Comite Estadual/SP, 1974, (Nogueira, 1981:5) e "G PCB e as eleicées de novenbro". Comité Central, maio de 1974. in jornal Vor Qoerdria n¥ill. (arone, vol-IIT: 149) "(...) 0 eguivoco de protestar contra 4 ditadura por meio de voto nulo ow em branco - eguivoca que o nosso Partido sempre combateu com énfase - (.../°38 © ano de 1975 vem. na morte € “deseparecimento" de cerca da metade do Comité Central pecebista, o atague mais inci- sivo da ditadura sobre o partido. Uma vez aniquileada a guer- rilhe e anunciada a distensdo de Geisel. os aparelhos de re~ presséo do Estado centraram sua atenc&o no PCB. Entre abril e maio, antes do ataque das foroas repressivas ao partido, este caracterizava a distenséic como manobra do regime. que visava sair do isolamento em gue se encontrava.i4 Destacando as declaracdes do general Geisel, o PCB criticava a abertura lenta e gradual, uma vez que esta ndo pretendia abdicar dos mecaniemos de repress&o, oriundos do AI-5. Rm dezembro deste ano, mesmo criticando as limitactes da distensao, o partido ressalvava que ela no devia ser comba- tida.15 Apesar de salientar o agugamento da fiesura entre 6 burguesia (o que aumentava a oposicéo ao regime). frisou a debilidade do partido no tocante A sua néo inserctio na 45 “Nota da Comissdo Executiva a proposite da campanha eleitoral". in Jornal voz Operdria 02148, maio de 1978. (Carone, vol.II1: 216) 49° @ luta pela democracia © nossas principais tarefas.* Comissiio Executiva ¢o Comité Centrai in tornal Vor Operdria n@izZz, abril/maio 1975, (Carone, vol.II}: 155) 42 "Resolucdo Politica’. ComitS Central. dezembro 1975. in jornat voz Goeraria 99123. (Carone, vol.III: 164) classe operaéria. Por fim, em documento dedicado especial- mente ao ataque da ditadura sobre seus quadros, o partide reconhecia seus erros organizativos, causadores da facili- dade com que foram mortos seus militantes.1¢ Chema a atengéo, neste ano. a primeira autocritica no interior da erise ditatorial concernente & sua auséncia no movimento de massa. Obviamente de acordo com sua filiacdo ideolégica. o PCB faz da classe operéria e das suas reivindicagdes uma pre- senca obrigatoria em seus documentos. Desde a majoritaria entrada de grupos de esquerda na luta armada, o partido reincorporou ao seu texto politico as reivindicactes da classe operdéria e dos acsalariados em geral, bem como a ne~ cessidade de reorganizé-las. A tarefa a que se propunha 9 PCB, ao menos até 1978, estava ligada aos movimentos opers~ rio e popular. “(...3) 0 movimento operario ¢ sindicat tem hoje diante de si um problema urgente para resoiver: romper definitivamente o circuio de ferro que a ditadura consegue ainda sustentar ‘em torno dele, @ intervir ativamente na vide politica nacional, no campo da oposicao, defendendo sua propria proposicdéo politica e suas reivindicagées econémicas e sociais." i7 ae "Resolucto de Organizacso do Comit@ Central". Dezembro de 1975: jornal Vor Uperdria n2124, maio de 1978. (Carone, vol-IIIz 173? 17 "A situacdo atual e as tarefas que se impSen ao movimento sindical”. Jornal vor dperaria, 09 133. abril de 1977. (Frederica, voi.il: 188) Refletindo sobre as maneiras de enfrentar a ditadura apés © Pacote de abril de 1977. o PCB reconhecia a fragilidade da oposicdo- "A movimentacdo politica dos ultimos meses no Brasil demonstrou. mais do que nunca, 4 fragilidade de um sistema oposicionista que nfo se encontra plenamente enraizado no movimento de massas. A luta contra o fascismo n&o poderé ser conduzida de maneira vitoriosa sem uma profunda participacio das massas populares no movimento geral de oposicao. Tal participagao é a wgarantia de uma oposicdo forte e solidamente estruturada. ao mesmo tempo, o principal fator de unidade da frente oposicionista e de certeza de que a derrubada do fascismo abriré caminho para a construcéo de uma democracia avancada em nosso Pais. (..-) estamos dispostos a trabalhar com todas as correntes que queiram, efetivamente, fazer vinculacéo ativa avancer o Brasil no rumo da democracia, mas compreendemos gue a vinculacéo ativa das massas populares a este projeto é algo indispensdvel, Nao acreditamos que se possa, seja desenvolver a luta contra eo fascismo e derroté-lo. seja construir um Estado democratico no Brasil, sem a presence do povo ¢, particularmente. da classe operaria. Na medida em que se desenvolvam as lutas de massa, na medida em que o movimento Sindical e a classe operdria passem a integrar mais efetivamente © quadro da luta politica. criam-se as condicées para a formacéo de uma frente antifascista sélida, que poderd, dado o seu grau de unidade e combatividade, desempenhar o papel de direcéo da luta antiditatorial. @ nivel de descontentamento das masses populares permite sua organizacko, assim como o aumento de sua combatividade, de maneira a que se possa inverter a tendéncia atualmente observada. ou seja, 4 existéncia de um descompaseo entre o crescimento de oposicéo e a estruturacdo da frente anti-fascista. Engquanto persistir a fraqueza do movimento organizado das massas trabalhadoras. da cidade @ do campo, dificilmente a frente antifascista poderd se articular.” 18 Luis Carlos Prestes destacava a importéncia dae lutas reivindicativas em sua Carta ao Partido (agosto de 1977): .--) contra esse regime levantam-se ampios getores da populac&o. Isto 6 o que efetivamente caracteriza a situac&o do pais no momento que atravessamos. A amplitude e o vigor com que se desenvolvem as ilutas reivindicatérias e de resisténcia. a firmeza crescente das manifestacées dos mais variados setores em prol da conquista das liberdades democrdticas d&o a medida das dificuldades com que se defronta o regime. As possibilidades de Juta ampliam-se. ainda gue o inimigo fascista continue dispondo de poderosos instrumentos de opressao." 13 Fazendo um balanco do partido. em fase de reconetrucéo apos as quedas de 75, Prestes ressaltava a precariedade da relacéc do partido com o proletariado. “Apesar de termos repetido inimeras vezes, em nossas resolugées € documentos oriciais, que a classe operdria deveria constituir o centro de nosso trabalho. que a organizacdo do Partido teria que estar primordialmente voltada para 4 tarefa da construcdo do Partido na classe operéria, o duro processo a que fomos submetidos mostrou que continuamos a subestimar 0 papel gue o proletariado deverd desempenhar na derrubada do fascismo (.-.). Ao trabalho siatemitico nos sindicatos, nas empresas, com vista a elevar o nivel de consciéncia e de combatividade da classe operdria e das massas populares em geral, 38 “Note da ComissXo Executiva do PCB". Jornal voz Operéria, n9135, Junho de 1977. (Carone, vol.III: 200-1, arife nosso) 19 “Carta de Prestes ao Partido". Jornal Voz Operdria n9138, agosto de 1977. (Carne, vol. III: 207) a preferimos muitas vezes os entendimentos de eupula, os acordos ‘pelo alto’, que. sendo necessdrios. tém de estar forcosamente apoiados num amplo @ poderosos movimento popular, garantia baésica de um encaminhamento vitorioso da luta contra o fascismo.(...) Por 1880, 0 esforco de cada organizacéo do Partido e de cada comunista deve ser orientado no sentido de buscar as formas de impulsionar as dutas populares em cade local #8 a cada momento. de transformar as lutas espontaéneas em movimento organizado, de canalizar of diversos movimentos pare a oposicaéo ao regime fascista, fazendo com que a frente antifascista e patriética tenha um real conteude de massas.” 20 Como observava o préprio secretério geral, existia noe documentos pecebistas um forte acento na disposicéo em prio- rizar a organizacéo operdria dentro da frente antifascieta. dando-lhe um “contetido de massas". E, ao lado de elogics 4 autocritica realizada apés 1964, onde se condenou os exces- sos cometidos pelas reivindicagdes do pré-84. surgiam orien- tacdes que pareciam incorporar as criticas de Prestes. 0 do- cumente de setembro de 1877 delineava a conjunture politica e exemplifica o que dissemos: “A evoluea do quadro politico nacional. particularmente nos wltimos quatro anos, confirmou @ correc&o do niicleo da politica do partido, definida jé em maio de 1965 em documento do CC. ‘Houve mudanea do regime politico, o centro tdético 6 a Juta pelas liberdades democrdticas. sd a acdo unitaria das forces antiditatoriais e do movimento de massas podem derroter o regime” - estas idéias 3& eatavam contidas na resvlucéo de maio de 1965 e foram repstidas na Resoluc&o Politica do VI Congresso e em todos os documentos seguintes do nosso partido. Desse andlise se "Carta de Prestes ao Partido". grifo nosso.(Carone, vol.III: 207) decorreu a proposta da convocacéo de uma Constituinte como saida politica para & substituicéo de regime ditatorial. saida proposta em 1967, também na Resolucao Politica do VID Congresso.(...) o curso dos acontecimentos se encarregou de mostrar o acerto de nossa linha. © hoje o conjunto do movimento democrético triiha o caminho que Julgamos correto.(...) Os comunistas se aliam com todas as forcas que se opéem ao atual regime, sem abdicar de suas posicées. Os comunistas defendem consequentemente a democracia (que nfo deve ser confundida com o liberalismo burgués), e lutarao para amplid-la © aprofundd-la, por entenderem ser esta a via para as transformacées socialistas. Justamente por isso, atuam eo lado de outras forcas politicas na frente antiditatorial ¢ Iytam lealmente pela hegemonia no interior da frente, para fazer presente, cada vez mais, a influéncia da classe operdéria.” 21 Até 1978, a lutea pele hegemonia da classe operarie na frente oposicionista foi um aspecto concreto dos escrites do PCB. A reincorporacdo da classe operd4ria em seus escritos foi uma das ceracteristicas de sua ofensiva ideolégica. De certa forma, o arrojamento de seus manifestos explica como, diante dos grupos de esquerda que optaram pelas armas, o Partido pade se reconstituir como um pélo de atrac&o para novos militantes. © PCB teve a seu favor o fata de ter con- denado, desde antes das prdticas guerrilheiras comegaren, = oppo armada. Com a guerrilha dizimada, o partido reincorpo- rava o grande agente que fora desprezado pelo “foquismo": a classe operdria. Esta reincorporagéo era feita privile- giando-se o papel a ser desempenhado pelos movimentos ‘operé- vio e popular na crise da ditadura. 2 "Comunicado n@1." Comissdo Estadual de Reorganizacdo do PCB/SP, setembro de 1977. (Nogueira, 1981: 25, qrito nosso) "No processo que estamos vivendo, duas ordens de elementos devem ser valorizadas. Le um lado, a reanimacéo ¢ ascenséo do movimento de massas e da luta pela democracia, de modo geral. De outro, e em ligacéo com isto, os conflitos no seio do regime e suas dificuldades, que se acentuam e comegam a fugir da érbita estreita que tém sido tratados e@ resolvidos. Os fatos que atestam a existéncia desses fenémenos s& conhecidos. No campo da democracia, uma série - gue n&o cessa de se enpiguecer - de manifestagées de setores, entidades e personalidades da vida nacional, fazem contraponto com lutas de massa, come as que se desenrolam no ambito da Universidade. Aqui, 0 contraste é produzido pela guséneia da classe —_operdria, do conjunto dos trabalhadores, do terrenc onde se dio os embates politicos. (...) No estdgio atual da lute de classes em nosso Pais, a classe operdria, o conjunto dos trabalhadores néo ocupa, no espaco politico, o papel que corresponderia 4 sua Presenca econémica e social. # pop isso que nao hd uma linha organizada de desenvolvimento da resisténcia democratica. Ez, consequentemente. nfo se pode cogitar, agora. da passagen a uma fase em que a correlacao geral de forcas permita substituir a atual posiodo defensiva por um movimento ofensivo, ‘22 A crise da ditadura estava apenas comecando e inexistiam movimentos de massa que pudessem, além de se confrontar com © regime, avancar sobre os estreitos limites de um ple- biscito eleitoral. As eleigdes através de um partido de opo- sicSo era a unica forma que o protesto popular podia assu~ 2 “Isolamenta das massas trabalhadoras: deficigncia a ser superada para ue se consolide 0 avanco dos democratas". Jornal yor Qperdéria. nQ 137- agosto de 1977. (Frederico, val.IIt 171-172, gritos nossos) mir. Neste sentido, 8 ofenciva ideoidgica que o PCE travon contra a esquerda armada 66 se sustentava na medida em que comparava a via pacifica com a guerrilha. Ao surgirem novos elementos que terminassem com esta justaposicéo, o PCB teria gue colocar seu destague 4 classe operdria ¢ ao movimento popuiar frente a uma realidade mais complexa. © programa do partido orientava seus militantes para “incentivar e liderar todas as formas de movimentacéo de massas trabalhadoras em luta por seus interesses e. sobretudo, bater-nos Pelé maior ativag¢&o do movimento operdrio”,23 A vitoria da linha politica do PCB estava assentada so- bre este quadro conjuntural especifico. O partido apostava cada vez mais no MDB e se deciarava incentivador dos movi mentos operério © popular. A partir de 1976, j& existindo greves por todo pais, o PCB passou a destacar somente metade de sua orientacdo: a opco eleitoral pelo MDB. Em 1979. ava- liando as tendéncias presentes no movimento estudantil, a referéncia do PCB 4 sua politica explicita esta orientacd “(...) Nas eleigées parlamentares de 78, 4 maioria dos grupos estudantis que. anteriormente se opunhem a participar do MDB (como “Refazendo’e ‘Novo Rumo’. por exemplo}, engajan-se no processo eleitoral, rompendo assim com o sectarismo do voto nuio e reconhecende a justeza de nossas posicées." 24 23 “apertar 0 cerco". in jornal Vor Uperdria nO1i8. dezembro de 1974, (Carone, vol.III: 152, grifo nosso) 24 "Resolucto para atuacdo no ovimento universitario". Comité Universitério do PCB/SP, fevereiro de 1979. (Nogueira. 1981: 127) 38 Comentando as eleicdes dos centros académicos. o partido sa~ lientava aque. na maioria dos casos “(...) as chapas vencedoras —_continham programas amplos e democréticos; combatiam o ‘fechamento’ das entidades e o distanciamento das lutas mais sentidas da maioria: e eram compostas por independentes, forcas de esquerda mais amplas e conseqtientes(...)" 26 Dois comentérios devem ser feitos & fragilidade da si- tuacdo que ainda dava vantagem ao PCB em relac&o a outras organizacées de esgquerda que atuavam no movimento estudan- til. Aquelas organizagées que, ainda em 1978, pregavam o voto nulo, J4 eram uma minoria, néo sendo mais uma exclusi- vidade do PCB esta orientacdo. Na medida em que as “lutas mais sentidas da maioria” surgiam e 9 movimento adotava po~ sicées ousadas, de enfrentamento politico. o PCB foi alte- rando o seu discurso. Us grupos formados por independentes - forcas de esquerda que encampariam as lutas de massa ~ ace- baram por se chocar com o PCB e unir forcas ao futuro Par— tido dos Trabalhadores. 0s escritos do PCB indicam que, a partir de 1976, o par- tido teve que optar entre dois caminhos: ou se desfazia de sua avaliacdo negativa dos movimentos por reformas de base do pré-64, encampando as bandeiras sociais dos movimentos 25 "Resclusto para atuacdo no movimento universitério". Comite Universitario do PCR/SP, fevereira de 197%. op.cit- operério e popular que surgiam em 1978, ou ratificava 2 sua autocritica, ocorrida depois do golpe militar. 40 III Capitulo © PCB E A ABERTURA Delinearemos alguns aspectos relativos A base social da crise do regime militar. Em seguida, abordaremos a dinamica da oposicéo em funcéo desta base social e seus reflexos no MDB. Apés a indicagéo dos principais tracos do MDB, aborda- vemos a reac&o da oposicéo a Abertura e o desfecho da crise da ditadura. Por fim, destacaremos a avaliacéo do PCS do quadro politico e a sua ruptura com a fase em que enaltecia a classe operdria e os movimentos populares. 1. As bases sociais da ditadura e da oposicfo O golpe militar de 1964 estabeleceu os representantes do grande capital nacional e internacional enguanto fracdes hegeménicas do bloco no poder. Em func&o da nova expans&o do mercado ¢ da reorientacéo da politica econémico-financeira, perderam privilégio os setores agrérios tradicionais, bem como o médio capital industrial e rural.2 4 Décio Saes. Estado © Classes Sociais no Capitalismo Brasileiro dos Anos 70/80. Campinas. Unicamp-IFCH, Primeira Versto n2 2. p.4. 0 autor, partindo de Nicos Poulantzas, define a hegenonia quando uma classe ou fraco que prevondera politicamente sobre as demais, na medida em que os at & fato incontestavel que a politica do Estado brasiieiro durante a ditadura favoreceu de forma regular e sistematica a oligopolizacdo da indastria. A formacdo de oligopélios nos ramos industriais ainda em implantac&o (automobilistica, eletrénica, petroquimica) e o avanco da oligopolizacdo em ramos industriais tradicionais (industria de fiacdo, por exemplo) evidenciam este favorecimento. A ac&o estatal de- senvolveu 19) uma politica de crédito restritivo, favore- cendo as grandes empresas em detrimento das pequenas e mé- dias: 22) concessées de vantagens cambiais permitindo o financiamento das grandes empresas industriais estrangeiras pelas suas matrizes: 32) projetos de implantac#o industrial (os chamados pélos) incluindo basicamente empresas monopo- listas (estrangeiras, nacionais e estatais). Se 0 capital monopolista como um todo. foi beneficiado pela politica de Estado, a frac&éo financeira, o capital pro- dutor de juros (capital bancdério) foi o mais favorecido. 0 periodo 1930-1964 ficou conhecido pela notéria “fraqueza do sistema financeiro nacional", havendo grande importancia re- seus interesses econémicos sdo satisfeitos em cardter prioritério"; entretanto, observa que, diante de formacSes sociais concretas, n3o hd uma resposta clara de Poulantzas. Diante deste problema, como caracterizar precisamente a preponderancia politica de uma ciasse ou fracdo no bloco no poder? Guais os indicadores desta preponderancia? Neste texto, Saes aponta como indicador mais sequro a “repercussdo objetiva da acdo estatai no sistema de posicses relativas de que participan classes e fracies dominantes.” Qu seja, a hegemonia ¢ ekaminada diante dos interesses econéaicos contenplados pela politica econémica € social do Estado. Para uma distincdo de diferentes abordagens teéricas sobre o Estado ditatorial ver Armando Boito Jr. © Décia Saes. “Trés teses equivocadas a respeito de quem controla o Estado brasileiro” in jornal Movimento, n2196, 1979. 2 lativa da reinversio de lucros retidos (auto financiamento). da poupanca forcada (obtida pela via inflacionéria) e de or- ganismos estatais (BNDES). A partir de 1964 as equipes mi- nisteriais estavam em eintonia com capital bancdrio (nacional, associado ou estrangeiro). Delas provieram 19) uma orientacdo monetarista e anti-inflaciondria com reducdo da oferta monetdéria, e elevacdo da taxa de juros; 22) medi~ das para viabilizar a divida piblica através da correcao mo- netéria e 30) uma politica de estimulo ao endividamento ex- terno, com condicées favordéveis ao capital bancdério estran- geiro através da Lei 4131 e da Resolucdo 63 de 1967. Houve ainda, em 1977, a criacdo da COFIE (Comiss&o de Fusio e In- corporacdo de Empresas).2 Como acabamos de ver. as fracdes monopolistas foram for- temente beneficiadas através de politica do Estado brasi- leiro sob a ditadura militar. Concomitantemente a este tevo- recimento, a ditadura. desde sua implementac&o, concentrou a ac&o repressiva sobre as massas trabalhadoras. rurais e ur- banas. Estas, desde o golpe de 64, estiveram em confronto direto com o regime. Vejamos entSo, com quaia setores e classes sociais a ditadura aliou-se, além das citadas fracSes monopolistas, base do regime militar. * pecio Saes. Estado @ Classes Sociais no Capitalismo Brasileiro dos Anos 70/80. pp.10-13. Observemos a reducdo do némero de tancos comerciais: de 455 em 1950 passam, em 1968, a 224 @, em 1974, a 109. Entre 1964 e@ 1976 os grandes estebeleciaentos absorvem 75 pequenos, 36 médios e Z grandes. 8 As novas camadas médias (engenheiros, adminietradores e economistas, por exemplo), podem ser definidas como aquelas que, agealariadas (nfo prejudicados em suas remuneractes sob a ditadura), encontram-se numa situacéio de trabaiho onde possuem autoridade técnica ou administrativa sobre os trabalhadores manuais. Esta posic&éo traz-lhes a conviccéo de que a mesma racionalidade despética de seu local de trabalho aplica-se & atividade politica. Foram, além de beneficiadas economicamente pela ditadura, aliadas das fracées hegeméni- eas de bloco no poder. Apesar de no constituirem um movi- mento de apoio so regime militar e se encontrarem em rela- tivo estado de imobilismo, as novas camadas médias poderiam ter se mobilizado. A ideologie da organizag&o hierdrquica do trabalho e © conseqiiente respeito & ordem que dela deriva, poderiam lhe fazer manifestar-se contra a instauracdo do “eaos social”, entendido como a participacao ative do movi- mento de massa na vida politica do pais. Logo, era passivel de responder & convocacio do regime a posicionar-se em seu favor.3 3 A desericdo sobre as diferentes camadas médias e suas respectivas posigses politicas durante a crise do regime militar encontra-se om Décio Saes, Classe Média © Sistema Politico no Brasil, S40 Paulo, T.A. Queiroz, 1985, especiaimente capitulos 3, 4 5. A aplicac&e do conceito de classe média por este autor eiucida muitos aspectos da complexa base social da ditadura e, apesar de nos utilizarmos da totalidace de suas conclusées, n¥o deixamos de reconhecer a dificuldade que este conceito apresenta. Trata-se de uma quest%o quase insoldvel 2 cue, no desenvoivinento de nosso texto, ndo recebeu atencéo mais pormenorizada. Para uma abordagem marxista, a partir de trés visdes distintas sobre ta probiematica ver Alexei Kumiantsey (org.) La Estructura de La Clase Obrera de Los Paises Capitalistas. Praga, Ed. Paz y Socialisma, 1963, “ Fazendo parte da oposicéo estavam as camadas médias tradicionais, compostas por profissionais liberais e gue, pelo desenvolvimento monopolista do capitalismo, cederam parte de seu contingente as novas camadas médias e, em fase de proletarizacdo, as baixas camadas médias. A Ordem dos Ad- vogados do Brasil (OAB) 6 0 exemplo tipico da posture poli- tica deste segmento das camadas médias: tém o liberalismo como conduta, e se, de um lado, reivindicam o retorno ao “Estado de Direito”. de outro, nfo se opéem a politica eco~ némica do regime, buscando a restric&o da participacao popu- jar. G seu modelo democratico 6 elitista, no qual o acesso & politica deve-se efetivar através de “personalidades" devi- damente capacitedas. As baixas camadas médias, formadas por setores semi-pro— letarizados ou em vias de proletarizapéo e. no contexto es— pecifico brasileiro, faziam oposicio ao aspecto central da ditadura, ou seja, & sua politica econémica. A redemocrati- zacéo foi almejada como um meio para a reinvers&o desta po- litica, como instrumento para a melhoria das condigées de vida, degeneradss sob o regime militar. A sua oposicéio a di- tadura tinha, portanto, motivacdo distinta das camadas mé- dias tradicionais, que lutarem pela redemocratizacio devido Harry Braverman, Trabalho @ Capital Monopolista, Rio de Janeiro, Zahar editores. capitulos 4 © 5 e Nicos Poulantzas, as classes Sociafs no Capitalismo de Hoye, Rio de Janeiro, Zahar editores, terceira parte, 1978. &@ identificac&o de sua atividade de trabalho. notadamente liberal, com o "Estado de Direito”. A composicéo da frente oposicionista que incluia a classe operdéria, as baixas camadae médias, as camadas médias tradicionais e das fracées burguesas n&o-hegeménicas no bloco no poder apresentava os seguintes peculiaridades: a) As camadas médias tradicionais. a despeito de se verem pre- judicadas pelo desenvolvimento monopolista, n&éo se colocan em sua oposic&o. Ficam numa posicéo que oscila diante do re- gime, sempre que este acenava com a possibilidade de re. democratizacéo do regime (mantendo, obviamente, a sua poli- tica econémica). b) A classe operéria e as baixas camadas médias estavam em confronto com a politica monopolista (tinham na agéo greviste o seu principal inetrumento), mes n@o apresentavam um Programa alternativo a crise do regime militar. A hegemonia des fracSes monopolieta e financeira no bioce no poder foi consolidada através das forcas armadas, camada dirigente Estado ditatorial.5 As novas classes mé- dias, compostas peia tecnocracia, ao serem langadas para postos de destaque na conduedo politica e econémica do Es- tado, tornaram-se aliadas das fracdes burguesas hegeméni- * Para uma andlise critica do movimento sindical ocorrido a partir de 1978 ver Armando Boito Jr. @ Sindicalismo de Estado 20 brasil. * Ver Décio Saes, Classe Média @ Sistema Politico no Brasil. p.195. % cas.© Desta forma. o regime militar se estruturava nas fracées monopolistas e financeiras, fracdes hegeménicas do bloco no poder; nos militares, camada dirigente doe apare- Ince de Estado; e nas novas camadas médias, aliadas da fragéo monopolista. 2. A oscilac&o da oposic&o burguesa e o MDB A atividade oposicionista do médio capital industrial e rural explica-se, em parte, pela existéncia de diversas fracdes da classe dominante do bloco no poder, cuja acio partiddéria, envolvendo o MDB e dando-lhe um carater mais agressivo a partir de 1974, n&o representou uma crise do Hs- tado burgués, mas uma crise do regime ditatorial. A militarizacéo do Estado burgués apresenta problemas extras 4 resolugéo dos conflitos do bloco no poder. A rigi- dez com que a tomada de decisdes é realizada (cheia de gol- *@ alianca de classe, no casa das “novas canadas medias" con as tracées onopolistas ocorre tanto pela situasio do trabalho das primeiras, cono através do incremento salarial que obtiveram durante a ditadura. Esta aliancs @ distinta do apoio gue outras Classes dominadas godem dar a determinados reqines. Nestas situacdes, 2 perds econdmica e politica oa classe-apoio pode ocorrer sen ser alterada a sua solidariedade ao regine @ ni ocorre pelo apoio ao bloco no poder was sim pelo fetichismo de que 0 Estado a protegeré das classes dominantes e de eventuais acées aa classe operdria. Para um maior entendinento de diferenca entre os conceitos de alianca de classe e classe-apoic. ver Nicos Poulantzas, Poder Politico e Classes S0ci#i8, gp.237-237. 4 pes bruscos) compromete, a longo prazo, a hegemonia do con~ junto das classes dominantes.7 A crise da ditedura teve origem no momento em que parte das fracées dominantes nao mais se resignam com as condigdes de disputa (ou pela sua falta) impostas pela ditadura e buscam uma alteracdo da cor~ relaetio de forcas do bloce no poder, inviabilizada pela ar- madura do regime ditatorial. © ano de 1974 deu inicio A desaceleracéo do desenvolvi- mento econémico a altas taxas, conhecido como o milagre brasileiro. Além deste fato, neste ano jd se encontram totalmente derrotadas as guerrilhas urbana e rural. Estes doie fatores serviram para que o regime desmobilizasse a opesicéo das fracdes burguesas desfavorecidas pela politica de desenvoivimento oligopolista e internacionalista.® Seto- ves do médio capital industrial e da média propriedade agri- cola eram, até este momento, chantageados pels ditadura tanto através da existéncia de uma oposicgo armada como dos resultados positives do crescimento econémico, fazendo com que estas fracées ficassem passivas diante do regime. A par— tir da campanha eleitoral de 74, no entanto, elas expressam ativamente suas discordéncias do modelo econémico implemen- tado desde 1964. 7 Nicos Poulantzas. op-cit-p.4. ® Ver Décio Saes. “Posfacio" in Classe Média e@ Sistema Politico no BrasiI. 9.218. fo Em meio ao quadro de isolamento do regime militar, a di- tadura iogrou obter uma estabilidade relativa, rompendo o cerco através da aproximacéo de fracdes néo-hegeménicas no bloco no poder. A perspectiva de uma conciliacaéo interna ao bloco no poder, proposta pelo general Figueiredo sob a forma da Abertura, levantava a quest#o: a aproximacdo entre a di- tadura e a oposic¢éo burguesa era possivel? Ainda que o fosse, era necesséris 4 oposicéo?? Tendo em vista a hege- monia burguesa no geio do MDB. a conciliacao entre diferen— tes fracées do bloco no poder era néo sd plenamente possivel como era viavel devido = uma preocupacéo comum: o cres~ cimento da oposicdo oper4rio-popular. Havia, portanto, a ne- cessidade de se conciliar, uma vez que, na percepcfc do bioco no poder. os movimentos de massa cresciam de forms in- devida e n&o controlada. 1° Décio Saes. "Guen acredita em Figueiredo?” in jornal Movimento, 0193, 12/margo/1979. 4° Esta oscilacdo ¢ fruto 6a hegemonia do médio capitai industrial den- tro da MDB. Esta fragto do bloco no poder diterencia-se politicamente de outros setores aédios que no se apéem ao capital monopolista: caso das indastrias de autopecas. Estas, devido & sua ligacto com as qultinacionais automobilisticas. sido devendentes Gas fracées monopolistas. 0 médio capital que faz parte da oposicio osciia entre e conciliancda com a ditadura. através de seu ancio ao oroleto de libe- ralizacio controlada, e 9 incentivo aos protestos dos movinentos operario e popular, projetando a derrubada do regime militar. Esta alteracdo de posicionamento relaciona-se a dois fatores: 19) grau ae wmobilizacds dos movimentos de reivindicacéo operdric-ponular e© 22) nivel de desagreqacto econémica sofrida en decorréncia da politica pro- monopolista. Se o prineiro demonstra forca © organizacdo o médio capital tende & conciliacio. Avancando o segundo, ele tende a radicalizar sua oposicdo. Cono fracdo do bloco no poder, compartilha com as deaais o combate a0s movimentos operério e popular. Para melhor entendimento dos argumentos aqui expostos ver Decio Saes. "De quem € 0 MDE?" in jarnai Em Temoc. So Paulo. ano II. numero 53, 07.03.79. Os representantes do médio capital osciiando entre o bloco de classes dominado ¢ o aquele no poder, contava com um instrumente precioso: o MDB. Ao sintonizar-se com os mi- litares, esta oscilacéo visava obter. 4s custas da instru- mentaiizacéo do movimento popular, a alteragao do modelo de desenvolvimento oligopolista. 0 MDB apresentava-se oscilante politicamente: tendia 4 conciliacdo com a ditadura militar, mantinha relacées esporddicas com e massa dos seus eleito- res, deeconhecia os movimentos reivindicativos populares (oposic&o extra-parlamentar). A origem desta oscila encontra-se no cardter do MDH Além de ser uma frente politica que se opunha de varias for- mas & ditadura militar. o MDB era dominado pelo médio capi- tal industrial e rural. fracdes estas que se mostravam bas- tante ativas no seio do partido. impondo suas formas de acio, modos de organizacéo e concepcdes as outras ciasses representadas no partido oposicionista, pautando-se por uma participacdo que se iimitava 4 luta pela democracia, em fungéo de seu temor as classes populares.12 A ambiguidade diante da ditadura era, portanto. uma constante, ora pro- pondo a sua derrubada. ora negociando 4 proposta de libera- lizacéo gradval.12 Dols fatores séo determinantes para este A2pécio Saes. "De auem @ 0 MDB?" in Jornal éa fempo, marco de 1979. S30 Paulo, ano It, n9 53. 28 Decio Saes. “De quem é 0 MDB?" % comportamento: o grau de desenvolvimento do movimento oposi- cionista popular ¢ 0 montante de prejuizos resultantes da politica econémica oligopolista. Se o primeiro avangava, as fragdes burguesas tendism a conciliar, se o segundo era acentuado. seu impeto democrdtico radicalizava-se. Havia, portanto, um duplo cardter das fracdes burguesas que diri- giam a frente oposicionista. expresso por sua alternancia de papéis: entre o conservadorismo e progressismo. © programa partiddrio do MDB é um dos aspectos que defi- niam a predomindéncia de uma concepede burguesa da luta pela democracia, Nele “recuperava-se" e¢ "“instrumentaliza-se” a luta do povo pela melhoria das suas condicdee de vida. A luta pela democracia centrava seus esforcos na recuperacdo do “Estado de Direito” (separacéo e independéncia dos trés poderes, eleicgdes livres e diretas para o executive e legis~ lativo e pluripartidarismo}. A revitaltizacéo do parlamento. @ conquista de autonomia do poder judicidrio 6 a desmilita~ rizacdo do poder executivo viabilizariam 0 acesso dos seto- res empresariais marginalizados pela politica econémica oli~ gopolista ao “centro nacional de tomada de deciates”. A legitimag&o da luta do povo por melhores condigies de vide era feita a partir de uma visdo na qual o desenvolvimento do mercado interno estava associado aco capitalismo nacional. Nesta concepcéo, havia a suposicéo da “eficdcia” de uma “distribuicdo social da renda” para o desenvolvimento do mercado interno. A organizacéo partiddria do MDB, expressa através da to- mada de decisdes em sua clipula, da frouxiddo organizacional e da estrutura "desmobilizadora”. era outro aspecto determi- nante para gue se consolidasse, nele, a hegemonia burguesa. Enquento partido burgués, o MDB ndo foi excegdo ac se des- vincular organicamente da maioria de seus eleitores.1e 0 MDB. enquante frente oposicionista, dominada pela burguesia. néo foi atipico. Seus “defeitos”. como alguns criticos o chamavam, s&0 caracteristicas permanentes dos partidos de quadros. Nestes predominam: dominacéo da massa eleitoral pels direc&o nacional do partido: dominacdo da diregao partidaéria pela fracdo parlamentar: fugacidade da vida par- tiddria (partidos que sé existem para a atividade eleito- ral); eleitoralismo (influéncia dominante do cdlculo dos “lucros eleitorais” na definicdo dos rumos da acao poli- tica}: desprezo aos movimentos reivindicativos populares (a oposicéo extra-pariamentar); corrupedo da “mdguina” @ estru- tura hierdérquica de tipo militar, com uma compartimentali- zacéo vertical, isolando as bases da direc&o- 45 Décio Saes. "De quem é 0 MDB?” 3. O papel da Abertura na conciliac&o burguesa Hm 1978, o regime acentuou a implementac#o de uma auto- reforma, implementada pelo general Figueiredo e conhecida como Abertura. Em novembro houve o fim da censura prévia aos jornais, das cassacées feitas pelo AI-5, da suspenséo dos direitos politicos, do direito do presidente de fechar o Conaresso Nacional. da pena de morte, do banimento e da prisSo perpétua. Todavia. foi mantido o contetdo da Lei de Seguranca Nacional, criando-se a figura do Estado de Kmer- géncia. onde era permitido a suspensdo das garantias indivi- duais, da imunidade parlamentar, das liberdades piblicas e a intervencéo nos sindicatos, entre outras caracteristicas. Até 1978, quando iancou seu projeto de Abertura. o re- gime encontrava-se paralisado. As medidas da Abertura surgi- ram apés a primeira grande greve operdria desde 68. ocorrida em maio no ABC paulista. Foi diante de uma frente oposicic- nista ampla que a ditadura reagiu. Nesta frente encontravam- se parte das fracées burguesas, as camadas médias tradicic- nais, as baixas camadas médias e a classe operdria. A hege- monia liberal permaneceu inalterada no tocante ao conjunto da frente oposicionista. Todavia. a forca principal sofreu modificagées: as camadas médias liberaie cederam lugar Ae baixas camadas médias e 4 classe operdria. Esta nova confi- guracdo da forca principal transformou, a partir de 1978, o contetido ideolégico do movimento de massa, predominande as reivindicacées sociais sobre as reivindicacdes exclusiva- mente ligadas a6 liberdades politicas. Se a Abertura operada pela auto-reforma ndéo satisfez o médio capital industrial e rural, as camadas médias libe- rais, as baixas camadas médias e a classe operéria. uma vez que o desenvolvimento pré-oligopélios nae foi alterado, o Estado de Direito n&éo fei reestabelecido e nenhuma medide foi tomada para diminuir a degeneracdo das condigées de vida dos trabalhadores, ela conseguiu romper o cerco que se for- mava em torno do regime. Desde 64. a base social da ditadura era limitada. mas a conjuncéo de diversos fatores permitiu- he continuar existindo. Exemplo disto foi a maneira com que saiu da pressé ocorrida em 1963.13 q partir de 74. no- vamenté encontra-se radicalmente isolada. entretanto, ac acenar com a perspectiva da Abertura, conseguiu, dentro do periodo de crise, uma estabilidade relativa que tem sua ori- gem nos efeitos desorganizadores que a auto-reforma produziu no interior da oposicéo.15 2* @ndlise das contradicées internas & camada militar dirigente 2 sua relacdc com as tgracdes ndo hegemanicas co bloco ne poder no interior da conjuntura de 1968 encontra-se en Décio Saes Classe Média e@ Sistema Politico no Brasil, capitulo “# classe media na crise de 1963". especialmente o iten "As origens da crise de 1748". pp. 195-202. 2° Ver Armando Boito Je, (varios autores) “Crise e tdtica operdria"in Teoria © Politica, 95/6. S30 Paulo. Brasil Debates. 1984. p.28. ae 0 auge da radicalidade e da forga com que os trabalhado- res enfrentaram as forcas repressivas da ditadura aconteceu no ABC paulista entre abril e maio de 1980, justamente quando a oposic&o burguesa e as camadas médias tradicionais. assustadas com o auge dos movimentos de massa e esperancosas diante das promessas da Abertura, refreavam sev impeto opo- sicionista. A greve de 41 dias do ABC paulista em 1980 acon- teceu em meio 4 diviséo da frente de oposicio. Foi a greve mais prolongada em 50 anos de histéria. Apesar da derrota do movimento, esmagado peia represséo. 4 sua importancia trans- cendeu as negociacées que ali ocorriam. No ABC de 1980 havia 200.000 metalurgicos que, com suas familias, totalizavam 800 mil pessoas de um total de 1.800.000 daquela regio Em 14 de abril. com duas semanas de greve. foi decretada a ilegalidade do movimento; no dia 17, houve intervencdo no sindicato: no dia 19, 60.000 metalurgicos em assembléia de- cidiam continuar o movimento. Neste mesmo dia, Lula e mais guinze lideres sindicais © advogados foram presos em acdo da Policia Federal, policia politica (DEOPS) e do DOI-CODI. No dia 20 foram proibidas reunides ou assembléias em pracas pu- blicas do ABC, forcando os manifestantes a se reunir nas ruas de maneira a facilitar a repress&o. Houve ocupacdo mi- litar do ABC. Entretanto, 40 mil metalirgicos desafiaram a proibic&o e, reunidos na praca da matriz, votaram a conti- nuidade da greve. A solidariedade ao movimento operdrio ul- trapassou a fronteira do Estado de Séo Paulo e 80.000 tone- ladas de alimentos foram enviadas da regiao e de todo o pais. A tensdo foi permanente © o cardter plebiscitdrio vivido n&o mais nas urnas teve seu momento mais dramdtico através do movimento operdrio. No dia 26. houve mais prisdes de ativistas sindicais e invasdo da Igrejs para priséo de ou- tros lideres. No primeiro de maio, o movimento deu sua a maior demonstrag’o de forga: 120.000 pessoas se reuniram na praca matriz, em missa celebrada por Dom Claudio Humes e marcharam até o estddio da Vila Euclides, desafiando a proi- bic&o e fazendo o exército recuar. Apés este episddio. n&o ge viu um tnico policial ou soldado na regido e o movimento néo se desfez com a auséncia das liderancas mais representativas. Hm 1980, 50% das paralisacées e 61.4% das jornadss per- didas foram concentradas nos primeiros quatro meses: em maio. nenhuma greve foi deflagrada no setor industrial © apenas 19 greves até o final do ano, contra 41 realizadas até abril. Portanto, a partir do segundo semestre. o movi- mento reivindicativo experimentou um momento de baixa, que duraria até 1984. Neste hiato, a oposic&o burguesa teve suas forcas alimentadas pela fragueze dos trabaihadores. Ao mesmo tempo que se confrontavam com a politica econémica da dita- dura. no combatiam conscientemente o regime que a implemen- tava, sequer elaborando um programa politico para a crise do Ea regime. Este fato somado 4 diminuic&o do impeto da oposicéo liberal. tinha seus reflexos no campo partidério. Partidos como PDT e PMDB comecaram a buscar uma soluc&o para a poli- tica econémica internamente ao regime e, no recém nascido Partido dos Trabalhadores, inexistiu um alternativa para a crise ditatorial. Quanto & oposicdo operdria~popular, a conjuntura tratou de Ihe impor dificuldades adicionais 4s 44 estruturais. Apés © malogro do atentado terrorista do exército no Riocentro. a oposicdo burguesa teve em suas maos preciosa matéria-prima para chantagear o movimento reivindicativo das classes domi- nadas.26 Naquele momento. o avanco da oposicaéo estaria pre~ dudicado pela propria radicalizagéo do movimento popular. responsdvel indireto pela aco terrorista dos militares. Tal como nos anos de 1968-74, quando os representantes do capi: tal monopolista. diante da guerrilha urbana e rural, exigiam das fracdes néo-hegeménicas do bloco no poder fidelidade a ditadura. em 1980, o médio capital. através do MDB. contra a intransigéncia de setores militares. exigia das classes populares subordinacdo aos limites liberais da oposicéo. Em troca desta subordinacdo, a direcdo liberal obteria da dita- dura a garantia de eleicdes para governadores. em 1982. ge~ 16 Atentado terrorista fracassado pela exolos%o da cerga nas m%os do militar que a Carregava. A vomba era destinada As pessoas que estavan eresentes no centro de convencdes Riocentro na véspera do 19 de maio de 1981. pantindo de que a Abertura, promovida pelo regime. nao so- freria retrocessos. Na verdade. os proprios militares acabaram sendo os comandantes da transicdo politica no Brasil e deste comando tivemos toda uma série de reflexos para o tipo de regime surgido sob a chamada “Nova Republica". Como vemos, os seto- res populares sucumbiram, naquele momento. A hegemonia libe- ral no interior da oposic&o. A conciliacéo colocou-se em prética. As eleicdes de 82 e o posicionamento dos sovernado- res opoSicionistas trouxe a confirmacéo desta tendéncia Apés a vitoria em vérios Estados, Brizola no Rio, Montoro em S&0 Paulo. 8 oposicéo assumiu responsabilidades no Estado ditatorial. Reprimiu com violéncia movimentos dos trabalha- dores e arrochou o saldrio do funcionalismo pablice.i7 a tenséo com o capital monopolista. embora continuasse. cedia eepaco para demonstracées de "confiabilidade” do médio capi- tal aos militares. Esta confiabilidade significava reprimir oe movimentos reivindicativos. A campanha por eleicdes diretas e o seu desfecho no co~ légio eleitoral e na Nova Reptiblica possuem uma dimenséo que torna invidvel sua abordagem neste trabalho. Entretanto, o seu resultado final. sendo um governo civil mas tutelado pe- las forcas armadas, mostrou a vitéria da conciliacdo bur- 47 Armando Boito Jr. (vérios autores) “Crise e tética operdria"in Teoria © Politica. 9.28. guesa.+® Tal como no periode de auge do movimento reivindi- cativo de massa, as classes dominadas nfo conseguiram colo- car em xeque a hegemonia liberal da frente oposicionista. A campanhe pelas “diretas", bem como pela “Constituinte iivre © soberana” seguiu os ritos da conciliacdo entre as fractes do bloco no poder. Da forca politica que mostraram ter, os movimentos operdrio e popular n&o se constituiram em alter— nativa 4 crise da ditadura militar. 4, 0 PCB entre a oposicéo burguesa e as acdes de massa Come ja vimos, antes de existir um movimento operdric que enfrentasse a ditadura, o PCB, polemizando com a histo- ria recente da esquerda no Brasil colocou-se ideologicamente na ofensiva, evocando a participacio decisiva do proleta~ riado na reconstruc&o democratica. "O novo regime que vier a substituir a ditadura levard inevitavelmente a marca da classe ou coligacde de classes que afinal Predominam politicamente no movimento de oposigdo. Isto quer dizer que 09 novo regime 56 seré efetivamente democrdtico, e capaz de responder aos interesses atuais ¢ futurcs dos trabalhadores, se no movimento de oposicéo vierem a prevalecer os pontos de vista da classes operdéria em unidade politica com as 19 Para um exame da tutela militar do governo Sarney ver Décio Saes. “0 Processo Politico Brasileiro, da Abertura & Nova Renublica: Uma Transicdo para a Deaocracia (burguesa)? in Teoria e Politica. Sdo Paulo, Brasil Debates, 02 9, 1988. camadas e setores da populacdo gue lhes séo mais proximos. Caso contrdrio. prevalecerdo as Posigédes da burguesie que, de forma crescente, vem se manifestando descontente com o regime. “18 8 Quante & relacéo entre o movimento operario com os de- mais segmentos do movimento democrético, era “(...) impossivel construir no Brasil um regime democrético sem a participacao da classe operaria. (...) A libertacao do pais do atual regime requer 2 piena incorporacéo do movimento operério 4 uma ampla trente democratica, gue devera acolner suas aspiracdes. "20 o PCH frisava que Apesar de salientar que a frente oposicionista deveria acolher as aspiragées da classe operéria, © PCE néo definia estas aspiracées e, mesmo enumerando algumas reivindicacdes, néo apontava qual o seu lugar dentro das reivindicagses ge- reais levantadas pela frente oposicionista. exercida pela burguesia oposicionista e salientava que o ‘agravemento da crise sabre um novo espaco politico para a ac&o independente da classe operdria, ¢ embora © movimento de oposicao esteja sob hegemonia burguesa, 4 erosao ao Em marco de i976 0 PCB reconhecia a hegemonia liberal tv "A situacdo atual e as tarefas que se impéem a0 movimento sindical”. Jornal Vor Ooerdria, oY 333, abril de 1977. (Frederico. vol.Ii: grito nosso) 167, 20 °"G PCB e a greve dos agtaldrgicos do ABC de 1979", Comissdo Estadual de Reorganizacdo ¢o PCB/SP, 25 de marco. (Nogueira, 1981: 71) regime e a grita macional por Jiberdades democréticas proporcionam campo pare a colocacae do tema democrdtico fora das bitolas estreitas em que se tenta confina-lo. "21 Ainda em novembro que” "“(...) @ frente unica antifascista 36 conseguira ser realmente ampla e representativa da Nacdéo se ndo se restringir a um pacto dentro das chamadas ‘classes politicas’, se for capaz de mobilizar o povo. Isto porque é evidente que o fim da ditadura 30 gerd conseguido com a pressio e a mobilizacéo coordenada do mais ampio con,unto de forcas sociais e politicas. do qual a classe operéria n&o 96 néo pode estar ausente, como deve ter, neste conjunto, oc papel de destaque que Ihe cabe pelo iugar que ocupa no processo de produpéo 8 por seu peso na sociedade brasileira. “22 a Mas o que significava, para o PCB, "um lugar de desta- para a classe operéria na frente oposicionista? Apds definir a derrubada da ditadura como um processo relacionado @ etapa nacional-democrdtica da revolucdo brasileira, o par- tido tratava da hegemonia operéria neste processo: "(...) na medida em que a classe operdria organize em torno de si os demais setores explorados da socisdade ¢ expanda sua influéncia politice, social e cultural. conduzindo-os na luta contra o regime, a derrocada deste colocard na ordem do dia as 31 “avancar unindo" de 1978. (Nogueira, 1981: 29, grifo nosso) ae “Declarac%o do PCB sobre o Movimento Sindical”. (Nogueira, 1980: 313, grifo nosso) Coniss%o Estadual de Reorganizacto do PCB/SP, marco Novemoro de 1978, a exigéncias por um poder nacional e democrdtico sob sua hegemonia. ‘28 Notemos a ordenacéo dos acontecimentos: primeiro a der- rocada da ditadura, depois a conquista da hegemonia operd— vie. Na luta contra a ditadura. como o PCB resolveria o problema da dosagem correta gue as reivindicagdes populares devem ocupar? “Estes objetivos expressam a necessidade de se travar, ao mesmo tempo. a luta contra o regime ao lade do leque mais ampio possivel de foreas politicas @ a luta. no interior deste conjunto de forcas, para aumentar © pego especifico da classe operdria e de seus aliados. A combinacéo destas tarefas néo ¢ facil, devendo-se evitar tanto a diluicdo das classes populares no movimento de oposicéo 4 ditadura. como politicas estreitas que ndo Jevem em conta a necessidade de impedir a reunificacdéo da grande burguesia em torno do regime. 4A tdética da classe operdéria deve propiciar um amplo movimento de convergéncia com os setores dissidentes das classes dominantes, a fim de se criarem as condigdes pare o estabelecimento de uma democracia estavel(...)".24 Como vimos, 0 partido trocou a hegemonia por um “peso especifico". A continuacéo deste texto nos faz retomar a au- tocritica de 1965. Nela, a “frente popular”. de resultados catastréficos, assemelha-se a esta “frente de esquerda”. Contra ambas. a tdtica correta centrava-se numa “frente am pla 3 “avancar unindo". Comissdo Estadual de Reorganazacdo do PCE/SP, marco de 1976. (Nogueira, 198i: 29) =* “avancar unindo". ap.cit.arifo nosso. “Objetivamente a guestédo 6 esta: ou se subestima o regime procedendo-se na pratica em termos de uma ‘frente de esquerda” cujos objetivos sé podem ser alcancados através de um poder nacional e democratico sob hegemonia operaria, ou se admite que o terror repressivo se constitui de fato numa categoria politica de eficdcia historicamente comprovada. aqui e alhures, na sujeig¢éo da classe operaria e do movimento democrético. @ que por isso exige a mais ampla frente possivel para a sua derrota." 26 Nos textos do POB. assim como na visdo quase unaénime dos analistas daquele periodo. a base de sustentac&o social da ditadura, que desde a sua instauracdo era limitada, vinha se reetringindo profundamente a partir de 1974. Esta era a caracteristica da crise prolongada por que passava o re~ gime.26 Fragdes burguesas avancavam sobre a politica monopo- lista e imperialista do regime, acobertando indiretamente o crescimento cos movimentos operario e popular. Viante desta ampia frente que o cercava, o regime possuia seus trunfos, dos quais um era a tragilidade do movimento de massa que n&o avancava de uma plataforma reivindicativa para a elabo- racéo de um programa & crise da ditadura, apesar da forma radical com que se projetava na cena politica. Frente a este quadro, 4 unanimidade dividiu-se no momento em que se apresentavam as propostas para estas dificuldades. 38 “avangar unindo". op.cit. * Ver Décio Saes. “Posfacio” in Classe Média e Sistema Politico no Brasil. p.220, OG PCB, diante desta conjuntura, tirava suas conclusées. Em maio de 79. o partido avaliava que a "(...) base social e politica do regime estreitou-se ainda mais. num quadro de agravamento da crise econémica e social do Pais." 27 Era o momento, mais do que nunca. para o PCE (...) concentrar o melhor de seus esforgos na organizacdo e orientacéo das lutas da classe operdria e do movimento sindical." 28 Entretanto, quanto a forma de encaminhar o confronto, ponderava que “(...) @ greve por tempo indeterminado nao deve ser a tinica forma de lute salarial.” 28 N&o se trata de avaiiar se a Gitima observacso do par- tido € correta ou néo. Uma teorizacéo a respeito da greve como meio de intervencao na iuta de classes certamente con- corderia com esta afirmacéo, aparentemente simples e desti- tuida de maiores significados. Entretanto, este documento é posterior ao movimento grevista de 1978. Condenar a greve por tempo indeterminade era a forma - sub-repticia - de o 27 *Resciucdo Politica". Comit® Central, maio 1979. (Carone, vol.IIi: 246) =* "Resolucdo Politica". Comité Central, maio 1979. 0.246. 27 "Resolucdo Politica". Comité Centra?, maio 1979. p.249. a partide sinalizar que o confronto néo devia aleancar pro- porcdes téo vultuosas. Pelo menos no que se refere acs documentos relativos & direcdo paulista do PCB, bem como a alguns pronunciamentos do Comité Central, a orientac&o do partido foi se encami- nhando no sentido da confirmacdo da autocritica posterior ao golpe de 1964. Hata tendéncia encontrou no secretario-geral do PCB, Luis Carlos Prestes, forte resistencia. Em entre- vista @ Vos Operdria, em agosto de 1978. Prestes declarava que J as greves em curso trouxeram uma icacdo de qualidade na situacéo. na qual a classe opersria comepa a aparecer como a principal forca politica na juta pele conquista das liberdades democraticas em nosso Pais. Trata-se de um acontecimento da maior significacéo politica, porque efetivamente a classe operdéria tem a posicéo mais consegilente na luta contra o fascismo e o predominio dos monopélios nacionais e estrangeiros, en particular os norte-americanos. (..-) Os comunistas apelam a todos para que se organizem nos locais de trabalho, nos bairros das grandes cidades. nas escolas, nos Pequenos povoados e. adotando as formas mais adequadas para cada caso, apdiem sem vacilacéo e participem deste frente nica em formacéo. "2° A expresséo “esquerdiemo”. utilizada pejorativamente pelo PCB, ressurgiu para ordenar o campo ideolégico em que 3° Entrevista do secretario-geral do PCB, Luis Carlos Prestes ao jornal Voz Operdria, agosto de 1978, n@14%. (Carone, vol.III: 226-7) se trava esta digputa politica. Vejamos este artigo escrito em abril de 78 na Voz Operdria. Jornal oficial do PCB. ‘Dez anos depois de sua estrepidosa entrada no cenario politico do mundo capitalista, com a ajuda dos meios de comunicapéo controlados pele burguesia, certo ‘esquerdismo’ desta segunda metade do século comeca a mudar de face e deixa aparecer o seu craco mai negative: © emprego indiscriminado da vieléncia, independentemente das situacdes coneretas en que se desenrola a luta de classes. (...) A reacdo teve a capacidade de instigar 0 desenvolvimento dos aspectos negativos do ‘esquerdismo” até o seu extremo. De maio de 1968 a marco de 1978, da ‘rebeliao estudantil’, ac seqiestro pré-fascista de Aldo Moro, © ‘quante pior. melhor’, a ‘guerrilhna urbana’, ae acdes violentas com avo definido’. tudo isso perdeu 2 aparéncia de sonho romantico e transformou-se em pesadelo politico. Hoje, 0 cardter — esplirio. antidemocrético e antipopular ae certas correntes do ~esquerdismo’ € objetivamente reacionério. (...) Sntre nds. a trajetéria de certas correntes ‘esquerdistas’ foi rapida. Uma vez consumado o abandono do movimento de massas (e ai estd toda # guestéo). deram o passo 4 frente e enveredaram pelo caminho estéril da aventura politica. Era a ldgica impiacdvel do que haviam desencadeado. © segiestro de Elprick é sua primeira resposta espetacular (e sintomdtica} ac A.I. n&S. Sem nenhuma nocéo de histéria, 4 margem das massas. haviam caido no desespero. mesclando rudimentos de idéias revolucionarias com um fundo ideolégico religioso. A ditadura Preparou-se para tirar melhor proveito deste desespero, onde heroismo e verbalismo revoluciondrio se mesclavam. E conseguiu. (...) Mais do gue examinar esta histdria recente, interessa-nos considerer o presente oihar para a frente. A grande pergunta, suscitada muito concretamente por certos sintomas que estéo surgindo no movimento universitdrio, no meio jornalistico e mesmo em éreas fronteiricas do movimento sindical, é: isto vai recomecar? V8o insistir na perigosa linha de 1968? (...) Faz 20 anos que 0 nosso Comité Central aprovou uma declaracao que rompia sem equivoco com o Manifesto de Agosto Ey de 1950. Esta linha foi aprovada em nosso V Congresso. Faz 10 anos que, em nosso Vi Congresso, afirmamos a linha da resisténcia de massas sob as condicées de ditadura. (...) Os prejuizos do ~esquerdiamo”, do aventureiriamo, do desespero néo se verificam apenas quando ele assume a forma extremada do terrorismo. O ‘esquerdismo”, que é& na sua origem uma manifestacéo de atraso cultural, cientifico, ideolégico e, acima de tudo, politico, sempre d4& prejuizo.” 3: © aspecto proveitoso deste artigo ¢ ordenar cronologica- mente o contetido politico da pecha esquerdista. De 1956 a 1978, ela estd presente no debate ideolégico do PCB. Sa— lientamos gue, na fase em gue nos debrucamos, o esguerdismo, como termina c texto, nao se resumia 4 "forma extremada do terrorismo". Esta considerac&o remete-nos ao documento an- terior, onde a “frente de esquerda’ é condenada como a forma mais facil de unificar as classes dominantes em torno da di- tadura. Nos anos de 1978-80 o esquerdismo identifica-se. dentro do partido. com as posioées do entdo secretério ge- ral. Luie Carlos Prestes; fora dele, com a esmagadora maic— ria dos movimentos operdrio e popular que tomaram conta da cena politica. Com a entrada dos trabalhadores na conjuntura. o PCB vompeu com a fase que os enaltecia. As vésperas das eleicées de 1978, 34 quase no final do ano, o PCB jd tinha suprimido 94 Jaime dos Santos. “1968-1978: dez anos depois o ‘esquerdismo’ serve a reaco". Jornal Vor Gperdria n9145. abril 1978. (Carone. vol.ITI: 211, grifo nosso) 87 de seus escritos as observacées que fazia as contradicées inerentes a frente de oposicéo pluriclassistas. “(...) 08 comunistas reconhecem que s&o idénticas as concepeées de democracia que circulam, explicita ou implicitamente, entre as diversas correntes da oposicdo, ~ %2 © PCB, no final de 78 (e portanto, j4 marcada a conjuntura pela participacdo operéria e popular) era enfé- tico: “Evitar o acirramento das tensdes em momentos nos quais as condicées sao desfavordveis para @ classe operéria ¢ 0 conjunto da oposicéo € um critério importante para todos os democratas." 33 © sentido dos escritos do PCB ja se encontravam defini-— dos. “Evitar o acirramento de tensdes". este foi o slogan que mais se destacou nos textos do PCB. Entretanto. a sua condenacdo dos movimentoe operdério e popular, apesar de Jd definida, iria adguirir proporcées ainda maiores. 32 “Resolucdo Politica". Comité Central, novembro de 1978. Jornal vor Gerarta 02152. (Carone, vol.II1: 0-236, grifo nosso} 53 "Resolucdo Politica”. Comit® Central, novembro de 1978, jornal vor Opersria 02152, (Carone, vol.III: 241} IV Capitulo © PCB NA CONTRAMAO DOS MOVIMENTOS DE MASSA Neste ultimo capitulo, salientaremos a orientacdo anti- operéria e anti-popular que os escritos do PCB adotaram en- tre 1976-80. Primeiramente. retomaremos alguns aspectos ja descritos da crise da ditadura para, em seguida. enfocarmos a dimenséo dos movimentos operdrio e popular. Compreendida a importaéncia dos movimentos de massa nestes anos, abordaremos © posicionamento do PCB, demonstrando que a “unidade sindi~ cal” pregada pelo partido significava uma unido com a di- reodo sindical pelega.? No momento final. comparamos a co- bertura da greve metalurgica de 1980 realizada pelos jornais > armande Boito Jr. 0 Sindicalismo de Estado no Brasil. pp.131-132. Ao examinar diferentes correntes do movimento sindical, 0 autor identifica a presenca da ideoloaia do legalismo sindical em seu conjunto. Na disting’o destes grupos, define o peleao como “um populista conservador, cujas aspiracies néo vdo além da garantia, oeio Estadc, da existéncia © funcionamento do sindicato oficial e de una legislacdo trabalhista que possibilite um miniao de acto e de poder aos sindicatos, na qualidade de agentes fiscalizadores da aplicacto dessas leis. Dentro de limites bem aaplos, o pelego estd senpre disoosto a apoiar o governo. Desde que esse nao atente contra a exist@ncia do sindicato de Estado e da leaislacto trabalnista, que @ a exig@ncia d4sica para a sobrevivéncia do peleguisao, e no avance numa politica de refornas antiminopolistas, antiimperialista e antilatifundidrias, 0 que se choca com a postura conservadora do pelequismo, o pelego dara o seu apoio incondicional a equipe governanental, seja qual for a sua politica. 0 pelego nao @ um sindicalista amarelo, dependente e subordinado as direcses das empresas. Mas ele eo ‘seu'sindicato dependem da ouracracia de Estado e, mais diretamente, do prépric governo. 0 que ihe permite, dependenco dos interesses © da politica governamental, tonar iniciativas que se choquen con os interesses econdmicos imediatos dos gatres com os quais se relaciona sindicainente. A Voz da Unidade (do PCB) e Em Tempo (jornal de grupos liga- dos ao Partido dos Trabalhadores). Esperamos ter um maior dimensionamento daquele movimento e da postura do PCB, bem como destacar que o temor do partido frente aos movimentos de massa relacionava-se com seu medo de que a Abertura fosse ameacada. 1. A forca da oposic&o nos movimentos operdrio e popular A classe operdéria e os movimentos populares, de 1968 até 1974 . encontravam-se em posic&o defensiva e puderam. com a manifestacdo oposicionista de fracées do bloce no poder. ob- ter uma margem menos restrita para as suas acdes. Este alar- gamento da margem de agéo das classes dominadas ocorreu in- direta e involuntariamente por parte das fracées n&o-hegemé- nicas do bloco no poder. Ao denunciar o modelo econémico vi- gente. seu cardéter anti-nacional e anti-popular, a oposicdo burguesa ensejou as classes dominadas a se posicionarem con- tra a polities econémica da ditadura, Além disto, a im- prensa, que sofria influéncia destes setores burgueses. aca- bou por divulgar as manifestacées de descontentamento das classes dominadas. Entre 1974 © 76 ocorreu a reartioulagao da oposicdo entre fracdes das classes dominantes e setores % das classes médias. Nao havia, até este conjuntura. a participacdo da classe operdria.2 Os aseassinatos do jornalista Vladimir Herzog em 1975 e. quase em seguida (no inicio de 1976) do metalurgico Manoel Fiel Filho somados as respectivas divulgscdes na imprensa fomentaram a mobilizacéo pela defesa dos direitos humanos. pelo retorne ao Estado de Direito e, por fim, pela Anistia. As baixas camadas médias engajaram-se neste luta. Todavia, naquele momento, foram as camadas médias tradicionsais que se constituiram enguanto forea principal. © movimento pela Anistia foi incentivado pela mobili— zacéo surgida depois do assassinato de Herzog. Lancado em 1975 a partir do chamado Movimento Feminino pela Anistia (MFA), formado por grupos de mées de presos politicos no Rio de Janeiro, surgiu com a coleta de 16.000 assinaturas. No ano seguinte, em 1976, o congresso da Sociedade Brasileira de Pesquisa Cientifica (SBPC) em Brasilia pediu a reinte- gracSo dos quadros da comunidade universitéria que haviam sido cassados. Bm fevereiro de 1978, 6 criado no Rio de Ja- = Décio Saes. “Postacio” in Classe Média e Sistema Politico ag Brasil. pp-221-223. = A forca princivai distingui-se da forca dirigente. Enquanto a primeira @ capaz de acionar una acdo de massa imprescindivel, numa determinaga conjuntura, para uma transformacdo politica, a segunda ¢ aguela que. definindo o objetivo politico, organiza a luta para aicancé-lo. Ver Décio Saes. 4 Foracto do Estado Burgués no Brasil (1889-1971). Rio de Janeiro, Paz @ Terra, 1985. p.51- 0 autor utiliza a contribuicdo de ttao- Tsé-Tung. neiro o Comité Brasileiro pela Anistia (CBA). incluindo as mulheres do MFA, varias correntes da esquerda, da Igreja e doe liberais. Este movimento expandiu-se pelo Brasil e a OAB, até ent&o timida, aderiu & campanha pela Anistia “ampla, geral e irrestrita”. No inicio de 1978, Kaymundo Faoro lancou a palavra de ordem: “volta ao Estado de Di- reito". Neste mesmo ano, houve um mutirdo para que o con- gresseo da SBPC se realizasse em Séo Paulo, jd que a dita- dura, em represdlia. havia lne negado recurso: Em 19768 conseguiu-se romper a proibic&o informal de veiculacdco na televisao e na imprensa escrita de noticias que envolvessem crimes contra os direitos humanos. Hm marco desse ano um “furo" jornalistico destacou a imprensa alternativa: o semandéric fm Tempo publicou um “listéo” de torturadores, com 233 nomes ¢, em outubro, o procesco judicial promovido pela familia Herzog contra ea Uniao recebeu sentenca do juiz da 78 Vara da Justica Federal de So Paulo. © juiz admitiu ave Herzog foi preso e torturadc nas dependéncias do DOI-CODI.4 No final do ano. em novembro. ealizou-se o Primeiro Congresso pela Anistia, com mais ae * Para termos uma idéia da importancia desta sentenca, basta lemorar que esta foi a primeira a reconhecer as forcas de repressio como responsaveis pela morte de um militante de esquerda durante a ditedura. Ela gesmentiu a versio militar de que Herzog havia cometido suicidic- Em 1993 temas a primeira sentenca que desmente a versdo de atropelamento usads pelas forcas de repressio nos assassinatos de militantes de esquerda. Tratou-se do caso de Francisco Drumond, morta em dezembro ae 1976 por agentes do DOI-COD1, por ocasido da repress%o a0 Comite Central do PC do B (que envolvia, entre outras aches, a "Chacina da Lapa"). Jornal Folha de Sd Paulo. 19 de agosto de 1993. 1,000 inseritos. A campanha atingia seu apogen. Dom Paulo Evaristo Arns deu apoio logistico ao congresso que encerrou homenegeando Carlos Marighelia e Carlos Lamarca.é Uma questéo dividiu os participantes do Movimento pela Anietia: “Haveré um Nuremberg com os nazistas no poder”? Em outras palavras, seria poesivel julgar os torturadores sem derrubar a ditadura? O destaque das camadas médias tradicionais no conjunto do bloco dominado remete-nos para a conduta das fragées n&o~ hegeménicas do bloco no poder a partir de 1974. Houve um contraste entre 74 ¢ a crise de 1966. Km primeiro lugar, a predominancia do liberalismo no seio da oposicéo dev 4 bur- guesia a direcfo ideolégica do movimento, possibilitando o seu controle e evitando 0 questionamento de seu préprio “status quo”. Em primeiro lugar, a mobilizac&o oposicionista ultrapaseava os limites liberais em 1968. Ampios setores das baixas camadas médias e da classe operdéria questionavam nado 86 0 abandono do Estado de Direito. mas a politica econdémica adotada pelos militares. 0 liberaiismo estava em disputa com © populismo naquela o que afastou as fracdes dissidentes do bloco no poder de possiveis aliancas de classe. Afinal, eias n&éo tinham se unificado em torno do bloco no poder, apoiando © golpe militar, para combater o populismo? * Lideres de grupos guerrilheiros. im segundo lugar. 1966 apresentava a hegemonia do capi- tal monopolista ainda em fase de consolidacéo no interior dos aparelnos de Estado. A incipiente implementacaéo da poli- tica pré-monopolista possibilitava @ crenca. por parte das fragdes naéo-hegeménicas, de uma alteracdo destes rumos atra- vés de uma “aproximacéo pelo alto” com os militares. km 1974. os militares ja tinham consolidado seu poder e o pro- cesso decisério, no tocante 4 politica de Estado, n&éo ali- néo-hegeménicas mentavan mais ilusses entre as fract: quanto 4 possibilidade de atendimento de suas reivin- dicacdes. Somado a isto, em 1974. como j& mencionamos, a oposicéc da burguesia ndo-monopolista foi incentivada pelo fim do milagre econémico, o que onerava ainda mais a sua si- tuacdo. Com a reacdo dos setores médios ao assassinate de Herzog © com © respective crescimento do poder de presséo do médic capital industrial e rural, através da vitoria do MDB. a fragd&o monopolista voltou a intervir bruscamente na cena po- litica. Em 1977, tivemos o “Pacote de Abril” que, entre ou- tras medidas (foram 14 emendas & constituicdo de 69), ace- bava com a perspectiva de eleicdes diretas para governadores no ano seguinte.é © Armando Boito Ir. e@ Décio Saes, “Trés teses equivocadas @ respeito de quem controla o Estado brasiieiro” Us autores observan que, antes do “Pacote de Abril de 1977", em reunido de banqueiros, estes enumeraran uma série de reivindicacBes que foram atendidas pela ditadura durante o recesso parlanentar. % © movimento de massa frutificou. num primeiro instante. como resposta das camadas médias liberais ao cardéter suto- ritério do Pacote de Abril.’ Com a ampiiac&o do envolvimento dos setores liberais na oposig&o, abriu-se espaco para as reivindicagdes sociais, “bandeira” das baixas camades mé- dias. 0 movimento estudantil foi sensivel a estas reivindi- cacées © expressou “palavras de ordem” unindo as idéies de liberdade politica com igualitarismo social: “mais pao, me- nos cathéo” foi uma destas palavras de ordem.# Cronologicamente. o Movimento Custo de Vida e o Movi- mento Estudantil estiveram na ante-sala dos movimentos gre~ vistas gue sacudiriem o pais no triénio de 1978-80. G pri- meiro teve sua coordenacéo eleita em marco de 1977: setecen- tos delegados de Comunidades Hclesiais de Base reuniram-se em Séo Paulos. Um ano depois. uma assembléia com cing mil participantes aprovou um manifesto reivindicando: 19) apono de emergéncia de 30%, sem desconto. para todos os trabalhe- dores; 20) congelamento dos precos dos géneros de primeira 7 Gebastito Velasco e Cru: e Carlos £. Martins. "De Castelo a Figueiredo: uma incursda na oré-histéria da abertura” in B.Sorg @ M-H.T. Ge Almeida (orus.) Sociedade e Politica no Brasil Pés-68. So Paulo, Brasiliense, 1983. 9.56. " Jornal Folha de Sao Pauio, & de setembro de 1992. Caderno MAIS! especial sobre movimento estudantil, compara os chamados "caras-pintada’ GO rapeachment do ex-presidente Collor com os estudantes das décadas de 1960 @ 1970, * Bernardo Kucinski. Abertura, Histéria de uma Crise. S¥o Paulo. Brasil Debates, 1762, pp.103-i12. necessidade: 32) aumento salarial; 40) reforma agrarie com distribuicdo eqiitativa das terras.2¢ No decorrer deste ano © movimento espalha-se por todo o Brasil atravée de oéiuies por bairros, fomentadas pela Igreja e pela esquerda. Em agosto, véspera das eleicdes de 1978, 0 coordenador do mo- vimento entregou, em Brasilia. abaixo-assinado com 1.3 mi- ln&o de assinaturas apoiando as quatro reivindicacées, nac havendo nenhuma consideracdo por parte do governo. © movimento estudantil (ME) foi um setor gue teve trata— mento privilegiado dos orgéos de represséo da ditadura. Ti- veram represséo em massa (quando todo e qualquer movimento se mostrava publicamente) e¢ localizada (quando se tratava de quadros das organizacées de esquerda}. Em ambos os casos, a violéncia policial foi ostensivea e impiedosa. A rearticu- lagao do ME foi, por estes motivos. conquistada paimo a palmo. # de 1975 a primeira grande greve estudantil depois de 1968. na Escola de Comunicacées e Artes (ECA) de USP. Em 1977 hé uma passeata em Séo Paulo com dez mil estudantes. veprimida pela policia. A partir dai, eclodem manifestactes em outras capiteis © nas cidades grandes do interior que se chocavam com a violéncia desnecessaria das forcas de segu- ranca. Houve ainda os casos mais notérios, como a invasdo da policie no campus da PUC/SP, com vitimas das bombas de gas © *° Esta Gltima reivindicagdo demonstrava a influéncia de grupos de esquerda no movimento. Trata-se de uma reivindicasio que foce das plataformas comuns dos assalariados. Ver Bernardo Kucinski. Abertura. Mistéria ce uma Crise, 9.104. a invaséo da UnB, com dezenas de estudantes expulsos dos cursos universitérios. Em Belo Horizonte, o III Encontro Nacional de Estudantes foi impedido de se realizar. com cerca de 850 presos e. mais tarde, a tentativa de realizar o mesmo encontro na PUC de Séo Paulo foi igualmente reprimida com violéncia. A partir de 1978 a repressdo comeca a recusr diante do ME e, em maio do ano seguinte, é reconstruida a Unido Nacional dos Estudantes. Apesar da entrada das baixas camadas médias ter aiterado a exciusividade liberal da ideclogia oposicionista. a fracéo burguesa, gue almejava somente o retorno do Estado de Di- reito, permaneceu enquanto forca dirigente.1: # 56 a partir de 1978 que as reivindicacdes sociais teriam a sua van- gvarda. capaz de substituir as camadas médias tradicionais enguanto forca principal. 0 cardéter plebiscitério das eleicées de 74 extrapolou a dinfmica eleitoral e se estendeu aos movimentos operério © popular. 0 posicionamento contra ou a favor da ditadura foi estendido aos conflitos mais diversos entre quaisquer seto- +4 Duarte Pereira, "Participacdo deve ser ativa" in jornal povinentos n2183, janeiro de 197%. 0 autor examina as diterentes propostas ae democratizacao presentes entre as fracées do bloco no poder que fazem oposisto ao regime militar. Havia a “cemocracia relativa’ detendioa pelos apologetas da ditadura, @ “denocracia sea adietives". proposta pela oposic¢ao burguesa-latifundidria, a "“democracia ampliada", defendiaa pelos pequenos © médios emoresérios € pelos canponeses ricos. Entre as classes dominadas define a "democracia substantiva", projeto pertencente 4 pequena burquesia e por fim. define a democracia que interessa aos trabalhadores. res das classes dominadas que, num gesto reivindicative. en- frentassem 0 arbitrio e a violéncia das forcas de seguranca. Os movimentos de massa que surgem a partir de 1977 n&o se intimidaram com a morte e com a tortura que cercavam os DOI- CODI e enfrentaram as proibicées com um aumento de seus par— ticipantes.1# Esta foi a marca de conjuntura entre 1978 ¢ 1980. Quando os movimentos do Custo de Vida, Estudantil e de Anistia chegaran ao apogeu, os trabalhadores comecaram a roubar-lhes a cena politica, quando uma onda grevista irrom- peu em todo o Brasil. Em 1978-79 as greves se concentraram no seter privado (91,.5%}, particularmente no setor metalir- gico (53.4%) e em S58 Paulo (85.6%).15 gm 1979. os metalur— @icos dividiam sua participacéo com outres trabalhadores, fazendo 18.3% das greves e¢ alcancando 31,1% dae jornadas de trabalho perdidas.14 Os trabalhadores da construcéo civil ficaram com 8.9% das greves e com 10,5% das jornadas perdi- das seguidos de perto pelos motoristas e cobradores com &.9% de greves ¢ 3% de jornadas. No setor publico, que e partir 22 Pare uma descricdo jornalistica dos fatos gue envolveran os movimentos Custo de Vida, Estudantil, pela Anistia, dos trabalnadores © dos passeiros ver Bernardo Kucinski. aoertura, Historia de uma Crise. pp.143-155, 43 Eduardo Noronha. "A explosda das greves na decada de 80". in Aarnando Boito Jr. (ora.) @ Sindicalismo Brasileiro aos Anos G0, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. po-103-106. a* Eduardo Noronha define as jornadas perdidas a partir da multiplicacto 80 numero de grevistas celos Gias paralisados. 8 de i979 aumentaria sua participacao. os médicos lideraram o numero de greves: 67,7% com Z.7% dag jornadas. enquanto of professores ficaram em primeiro lugar no guesito jornadas perdidas: 36.%, com 9,3% das greves. Se a determinac&éo com que o movimento grevista eniren- tou a violéncia da ditadure marcou i978, a persisténcia deste se mantem até hoje, sempre se ampliando. As greves fo- ram arrebatadoras, pois acabaram com um imobilismo de uma década (1968-78) mas também foram relativamente pouco nume- rosas se comparadas aos anos posteriores.16 Além deste panorama, houve os casos exemplares, que cha- maram mais a atencéo da opinido publica no periodo. Em 1978 as tropas do exército, com cdes amestrados. invadiram a fabrica da FIAT em Betim/MG. 0 ABC de 1979 igualmente enfrentou a violéncia policial. Em marco de 1978. 82 mil professores ceriocas entraram em greve. Em abril. 65 mil funcionérios municipais de S& Paulo foram seguidos pelos funciondrios estaduais: 250 mil trabalnedores em greve. Neste més, o funcionalismo do Rio Grande do Sul também pa- valisou. No funcionaliemo, nem a policia escapa da onda gre~ vista, € as Policies Militares do Rio de Janeiro e da Bahia ** Eduardo Noronha, “A explosdo das greves na década de 80". in Armando Boito Jr. (ora.) 9 sindicalismo Brasileiro nos Anos 80. 9.95. Em 1978 houve 118 greves, em 198@ 2.188, sendo gue o némero anual de grevistas aumentou 60 veres @ 0 numero de jornadas no trabalhadas passou de 1.d milh3o para 132 ailnees. cruzavam os bracos. Os médicos, além de liderar © mimero de greves, criaram sua associacéo nacional. que Toi acompanhada por outras aesociagées de funcionérios piblicos. Além disse. 45 mil motoristas de 6nibus cariocas e 150 mil motoristas paulistas paralisaram. fm agosto, a construgéo civil de Helo Horizonte parou Orocilio Martins morreu quando participava de um piquete no dia seguinte morte de Urocilio houve a primeira suble- vacdo no organizada do periodo pdés-abertura, com trés dias de saque © protestos. Em outubro houve uma greve simultanea dos metaltrgicos de Sao Paulo, Usasco e Guarulhes (ao lado do ABC, 6 0 principal nucleo da industria metalurgica brasi— leira). A greve foi decretada em massiva assembléia no cen- tro de Sd Paulo, A revelia de Joaquim dos Santos Andrade (Joaquinzéo): 60% de paralisac&o, sedes invadidas pela poli- cia, mais de cem operdrios presos. Santo Dias, um dos mais conhecidos ativistas da pastoral operdria foi morte “Aa queima roupa”. Na Missa de corpo presente, rezade pelo car~- deal D. Pauio Evaristo Arns na Catedral da Sé. estiveram presentes cerca de 10.000 pessoas. Saido de 1979: varios sindicatos sob intervencdo e dirigentes cassados pela Lei de Seguranca Nacional, Foi um ano de ages radicais da massa trabalhadora, irrompende, apés dez anos ausentes das pracas piblicas. Mas a violéncia com que se enfrentaram os trabalhadores e a ditadura niio se restringiu acs centros urbanizados. A partir de 1975 houve um recrudescimento, nas regiées do Ama- Zonas e da Bahia, de conflitoe entre posseiroe (que derrubam @ mata e amaciam a terra, incorporando novas terras a pro- duc&o agricola} contra os grileiros (que através do titulo de posse ¢ da forca de jagungos, expulsam os primeiros}. Se- gundo a Aseociag¢o Brasileira de Reforma Agraria (ABRA). este primeira fase teve 130 conflitos no campo. 29 mortos ¢ 15 feridos. Pela Comissdo Pastoral da Terra (CPT. criada em 75), até 1980 haviam sido envoividas 200 mil familias, cerca de 1,5 milhdo de pesaoas. Em 1978 intensificou-se a atividade dos poeseiros ¢ dos agricultores sem terra. Em agoste houve a primeira greve de trabalhadores rurais, iZ mil coletores de banana do litoral sul de S& Paulo que ficeram 16 meses sem receber saldrios. Em maio 1879 1.500 dirigentes de sindicatos rurais se reuni- ram ne cengresso da CONTAG e®, entre as reivindicacées, a luta pela democracia. Em janeiro de 1980 surgiu o 12 doou- mento doutrinério da CPT, colocando-se ao lado dos possei- ros. Em maio deste ano houve uma greve na Zona da Mata de Pernambuco e a primeira paralisacdo de boias-frias na regiao cafeeira da Bahia. aque mobilizou cerca de 5.000 tra- balhadores. Em setembro houve uma nova greve dos coletores de cana da Zona da Mata, envolvendo 42 municipios e cerca de 260.000 trabalhadores, uma das maiores greves do pais. Para os militares, a situacao em gue se encontrava o pais entre 1978-1980 era muito adversa ac regime.is No ides- rio anunciado pelos golpistas de 1964 havia a intencdo de conter as manifestacdes populares, de unificar as Forcas Ar- madas, de combater a incompeténeia administrativa e a cor- rupcée, de reequilibrar as contes externas do pais, de con- troler a inflac&o promovendo um desenvolvimento econémico acelerado © estavel, de diminuir as desigualdades entre classes ¢ regides e de fortalecer a independéncia e o pres~ tigio internacional do Brasil. Passavam-se auinze anos e estes objetivos mostravam-se ao avesso. Havia se agravado @ concentracéo de riqueza no centro-sul, em maos das multinacionais e dos grandes capite- listas necionais vinculados as financas. 4 industria ¢ ao comércio, dos grandes proprietarios de terras e dos estratos superiores das classes médias, integrados pelos administra- dores do setor moderno da economia: deterioraram e as con- dicdes de vida da maioria dos trabalhadoree e, mesmo os pe~ quences e¢ médios empresaérios urbanos € os proprietarios ru- rais atravessavam dificuldades que levaram muitos deles 4 ruina, A dependéncia do pais A importacdo de equipamentos, pecas, matérias-primas © de tecnologia aumentou. A remessa de juros e lucros das multinacionais foi ampliada 6, mesmo 4¢ Duarte Pereira. "Brasil. 31 de marca de 197%: maus tempos, hein?” in Jornal fovimento, n019é. 2/abril/197%. pp.10-i1. 82 com o esforco em se aumentar as exportacées, a balanca de pagamentos foi desequilibrada drasticamente. A inflactio, que nunca desapareceu, chegou a 40% em 1878 € 15% somente no primeiro trimestre de 79. Em i979, a divida externa aue che- gava aos 43 bilhdes de ddlares. Como saldo dos grandes movimentos grevistas. o direito de greve foi conguistado na prdética por diversas categorias. de operdrios metalurgicos até funciondrios publicos. A perspectiva de um aumento da repressdo. através de um re- curso ainda mais profundo ao capital estrangeiro somado ao aniguilamento da oposipfco, parecia distante. Todavia, nao estava descartada, uma vez que os aparelhos de repreastio continuavam intocéveis. A solueio “chilena". de repressao brutal, poderia surtir um breve efeito, mas logo se reverte- via para uma saida “iraniana". de rebeliao popular incontro-— lavel. Somados 4 crescente oposicdéo burguesa e 4 mobilizacdo das classes dominadas. toda uma série de fatores dificultava @ acdo do regime. Parlamentares eleitos pelo MDB e com for- tes vinculos populares saiam em apoio aos movimentos grevis- tas. superando os expurgos pelos quais havia passado a opo- sicéo parlamentar. Estudantes e intelectuais engrossavam a eposicdéo. As Forgas Armadas encontravam-se divididas. com a candidatura do general Kuler Bentes em 1978. Diante da cres- cente presséo da Associacéo Brasileira de Imprensa (ABI). Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conferéncia Nacionat dos Bispos do Brasil (CNBB). os empresérios dividiam-se cada vez mais. © destaque acs principais movimentos operdrio e popular que marcaram os anos de 1978-1980 mostram, com melhor cla- reza, o contexto dos escritos do PCB. Em fins de 1978. ¢ partido se propunha a .--) futar para reorganizar o PCB como um grande partido de maseas, um partido numeroso. fundado em bases sdlidas ee = amplas. prorundamente enraizado na sociedade, capaz de influenciar e ester presente em todos os setores da vida nacional e de operar en estreita ligacéo com todas as forcas vivas da nacdo. "27 Esta afirmacéo estabeleceria uma seqiléncia entre a se- gunda € a terceira fase de seus escritos, mantendo um papel de destaque aos movimentos operdrio e popular? Tentaremos mostrar que néo. uma vez que a maioria de seus manifestos rumou para outro caminho. Em meio ac ciclo grevista, em 3u- ino de 1978, um membro do Comité Central do PCB ponderava que havia “(++ um grande perigo de se realizar a greve pela greve, A greve tem de ser. primeiro, objetiva: segundo, deve ter preparacéo: e . terceiro, tem de ser dirigida de maneira a saber por gue sai. para gue sai e quando deve parar, (...) No se deve pér na cabega que 66 37 “Hota Politica." Comiss%o Estadual de Reorganizacdo do PCB/SP, setembro de 1979. (Nogueira, 1981: 42) a © que resolve é uma greve, As formas de lutas Parciais exigem menos, acumulan forcas ¢ preparam para batalhas maiores, que também viréo, a seu tempo.” 18 J& conhecida a gravidade dos conflitos existentes entre posseiros e grileiros desde 1975, um dirigente do Comité Central do PCB esclarecia que, com relagdéo & Reforma Agré- ria, o partido “(...) nfo pode chegar e ir dizendo ‘vamos fazer a Reforma Agréria’. “vamos tratar de desapropriar as terras', ‘vamos ocupar as terras’. etc. Vocé tem de conduzir a massa num processo de acumulacéo de forcas. “19 Este tipo de apreciacéo, se tomada fora do contexto cue descrevemos, nao passaria de uma seqiiéncia de obviedades sem nenhum sentido mais pretencioso. Serve-nos, de anteméo. para introduzir a conduta do PCB durante o auge da movimentacdo operdria e popular na crise da ditadura. *° Entrevista de Luiz Tendric de Lima a Pedro del Picchia em julho de 1978, @ PCR no Quadro Atual da Politica Brasileira. Rio ve Janeiro. Civilizacdo Brasileira, 1980. + Entrevista de Lindolfa Silva a Pedro del Picchie em julho de 1978. PCE no Guagro Atual da Politica Brasileira. 2. 0 PCB e os movimentos grevistas Tal como a tradic&o que o vincule ace destinos da classe operéria, o PCB também mantinha. obrigatoriamente, sev apoic ao movimento operdric. Quanto & greve metalurgica de 1979. 0 partido afirmava gue “é indispensdvel assegurar o prosseguimento da greve e a ampliagao da solidariedads materiai e politica a mesma.” 20 Todavie. ao mesmo tempo que abria seu texto com uma manifestacéo de apoio, o PCB ponderava que "(...) 0 momento néo 6 ainda de um confronto geral com a ditadura, mas de vconquista ae algumas reivindicacdes de cunho econdmico @ democratico. Devemos lutar tanto contra quaisguer tendéncias 4 capitulacéo coma contra atitudes de recusa de acordos que atendam parcialmente 4s demandas dos trabalhadores. E essencial preservar. no curse dos acontecimentos. a unidade do movimento operdrio e sindical © deste com os demais eegmentos do movimento democratico,” 23 Cbservamos gue, de um iado, o apoio ao surgimento de mo- vimentos grevistas foi sempre uma referéncia obrigatéria de 2° "0 PCB e a greve dos metalurgicos do ABC de 1979". Comissdo Estadual de Reoraanizac3o do PCB/SP, 25 de marco. (Nogueira, 1981: 71) 1 "0 PCB e a reve dos metaléraicos do ABC de 1979". Comicsdo Estadual de Reorganizacde do PCB/SP, 25 de marco. (Nogueira, 1981: 71, arito nosso) seus escritos. Entretanto. este apoio foi externo aos movi- mentos uma vez que eles ocorreram independentemente da par- ticipacdo do PCE. De outro lado, uma vez que o PCB nao pos- suia meios de impedir as greves, 0 partido, de anteméo, po- sicionava-se em seus textos contra eventuais atitudes acir- radas que 0 movimento poderia adotar. Hm meio 4s greves, o Comité Central do PCB referia-se a classe operéria com a seguinte preocupac& “Neste momento, cabe procurar. por todos os meiog, ampliar ¢ consolidar a unidade da classe operdria. impedir seu isolamento. defender as conquistas obtidas pelos trabalhadores, denunciando gualguer ato repressivo da ditadura. " 22 Ao mesmo tempo que destacava todo o apoio que deveria ser dado 4s campanhas salariais que aconteceriam em Sao Paulo (metalureicos da Capital, Osasco e Guarulhos. texteis. dornalistas. quimicos. ¢ bancérios), o PCB continuava a salientar que ‘A palavra-chave de nossa orientacéo é uma so: unidade. Unidade das categorias. unidade sindical, unidade do movimento democratico. ‘zs == “Resalucto Politica". Comit® Central, jornal Vor Gperdria n0iS2, novembro de 1978. (Carone, vol.ill: 237) 23 "Tada aeoio 3 uta da classe operdria". Comissdo Estadual de Reoraanizacdo do PCE/SP, agosto de 1979. (Nogueira, 1781: 85) A sua recomendacao de preservar a unidade do movimento operario ¢ sindical dentro de um quadro de predomindncia do sindicalismo pelego, veio justamente contra a principal ca- racteristica do sindicaliemo praticado pelo ABC, chamado de novo sindicalismo exatamente porgue rompia com a atuacSo mo- derada das diretorias sindicais. Quanto & surpreea que as greves de 1978 causaram tanto nos sindicalistas auténticos como nos pelegos, pois ocorreram 4 revelia dos sindicatos, de forma eepontanea, dentro das fdbricas. o PCH avaliava que e tratou de estratégia elaborada pelas direcdes sindicais pois (...) tiveram ainda um papel decisivo por causa da posicéo justa gue assumiram. De um dado, estimularam os trabalhadores a lutar por seus interesses. Ao mesmo tempo, néo assumiram @ conducdéo formal do movimento (néo houve nem assembléias nem proclamacédes sindicais}, nao dando 4 ditadura pretexto para intervir, £. no momento preciso, despacharam os membros de suas diretorias para as fabricas. hipoteceram solidariedade ac movimento e ofereceram-se para servir como mediadores./...) Ey finalmente, o fato de gue n&o houve diferenca de comportamento entre os sindicatos ditos ‘combativos’ @ os sindicatos ditos “pelegus'. A cupula sindical das categorias interessaaas reagiu unitariamente diante da situacdc." 2 Tratou-se. como sabemos, de um lado, de pelegos gue rea— giam 4 ofensiva que os chamados auténticos tomavam. tratando de aparecer 4s massas como n&o téo passivos, jd gue irrom- Fe "Greves resultam de ionga acunulacéo de forcas." Jornal voz da Unidade n2 149, agosto de 1978. (Frederico, vol.III: 99.29/30) piam greves por todo o pais.25 De outro lado. até os sindicalistas combativos. como os do ABC, foram tomados de surpresa. Dai a dizer que a n&o conducio foi uma atitude Premeditada, que burlava a repressio, trata-se de uma dis- tore&o dos acontecimentos. Esta atitude do PCB demonstra a sua intencéo de se aproximar dos pelegos que estavam na di- recdo dos sindicatos oficiais. No caso do eindicato metalur- gico de Sé Paulo, tratava de se aproximar do entdéo presi- dente, Joaquinz&io, nomeado interventor em 1965.26 Ngo bas~ tasse os elogios que eram imputados ao dirigente sindical de S80 Paulo Joaquim dos Santos (Josquinzéo}, justemente por nada fazer pela greve de 1978. o PCH poupava a diretoria do 2° Eder Sader. guanda Novas FPersonagens Entraram em Cena. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, 28 edicto,p.300. O autor, gescrevenda a greve de i978, iniciada na Scania-Vabis em 12 de maid, dimensiona o quanto foi surpreendente a ac3o operaria. "(...)0 pessoal ¢a ferramentaria entrou, marcou oc cartdo e permaneceu us bracos cruzados diante de suas maquinas. 4 medida que o fato toi sendo cannecido nas cU- tras secées, 9 movimento fo1 se aiastrando ate parar toda a Fabrica. Espantado, 0 gerente pensou que estivesse faltando eneraia..." Para uma anélise do papel negativo desempenhado pelo sindicalismo de Estado nc triguio grevista de 1978/80, ver Armando Boito Junior, 0 Sindicalisao de Estago no Brasil. 0 autor destaca que no primeiro semestre de 1978, uma das rarées para as areves obterea éxito foi o fato ae se encontraren ao largo da estrutura oficial. pp.26é-8. Com relacdo ao carater espontaneo do movimento aperario, ver Ricardo Antunes. @ Keveldia do Irabalho. Campinas, Unicamp/Ensaio, 1988, 9-89. 0 autor possui andlise que abrange @ consciéncia operaria do ABC paulista presente no triéio de 1978-80. Segundo a sua tese, o “lampejo" de diresao presente em 7%, que superava a esponteneidade de 1978, n3o se repetiv em 1980, Neste ano, as liderancas de S40 Bernardo interiorizaram a experiéncia de 1979 de forma Regativa, como se aquele recuo significasse uma ingeréacia soore a vontade ca massa. "{..,) a massa, @m Sua espontaneidade, converteu-se en conducdo e ‘diregic’ do movimento. ” 6 Para uma andlise das diferentes correntes politicas da oposicio a diretoria do sindicato metalurqica de $40 Paulo entre os anos de 1978-90 ver Arnalde Nogueira. Mosernizacao Conservadora do Sindicato brasileiro: A Experiéncia dos Metalargicos de S480 Paulo (1978-1993). Principalmente pP-S3-9F © pp.125-132. Dissertacao de mestrado, IFCH - Unicamp, 199U, golpe que dera em 1879 e que cuiminou no fim da parali- sacdo. {...) A greve roi uma espetacuiar vitoria dos metaliirgicos de S&o Paulo. apesar de seu prematuro encerramento pela diretoria do Sindicato € ainda pela inclusao no acordo feito com os patrées de uma clausula proibindo nova greve geral da categoria até a data base de 1 de novembro de 1979." 27 Concomitante 4 moderacéo critica de 1978 diante dos pe- legos, o PCB, quanto 4 greve de 197%, criticava a Uposicao Metalurgica. “(..-3) a Oposigéo Sindical se radicalizava Progressivanente com base na palavra de ordem “83% ou greve’, 0 que paralisava as negociacées com os patrées. a irresponsabiiidade da Uposicéo Sindicai com esse padicalismo inconsequente deixava de lado uma aas grandes conquistas das greves de 1974, isto 6, a negociaedéo direta com os patrées, ado querendo = entender = as amportancia fundamental dessa questée para o éxito da campanha salarial.“ 20 Neste ponto, colocou-se criticamente frente ao sindicato, opondo-se a Joaquim dos Santos. Contra o imobilismo em que a diretoria do sindicato dos metalurgicos se encontrava de- vido @ ofensiva das greves, o PCB destacava a necessidade de se combater as greves: =” "Chega de Aventuras:." Manifesto de militantes do PCB e a0 HR-B en novenbro de 1979. (Frederico, vol.ill: 98) hega de Aventuras! ". ap.cit. DelOLy w “(..-) a diretoria do aossc sindicato em nenhum momento se opos de forma efetiva 4 decretac4c de uma greve furada ou ao seu prosseguimento em condigées precarias como vinha ge dando. Pele contrdério, abdicou de suas responsabilidades como dirigente do maior sindicato da América Latina. 2s Notemos que o foco critico a Oposic&o serviu-se de ar- gumentos técnicos intrinsecos & negociacaéco salarial. Entra- ram na argumentag&o do PCB indices “corretos" de reajuste. dias programados da greve, piquetes, etc. Kntretanto, a nosso ver, tratou-se de um artificio argumentativo que sem- pre terminava num ponto fundamental: o PCB lutava contra o surgimento dos movimentos grevistas. Este aspecto ficou elaro quando os militantes do PCB criticaram a aseembléia que a 28 de outubro “¢ com aproximadamente cinco mil metalirgicos decretou greve para uma categoria de 360 mil companheiros. Isso por si so ga é€ ua absurdo(...}" 30 Todavia, salientavam no mesmo documento que “(...) 80 admitimos a decretacdo da greve numa aesembléia geral com © comparecimento de no minimo 10 mil companheiros 9 que de fate reflita a disposicao de luta existente nas fabricas,...)" o1 27 "Chega de Aventuras!”. op.cite p,t03- =° "Chega de Aventuras!". op.cit. p.l01. =3 "Chega de Aventuras!". op.cit. p.104. a Poder-se-ia ponderar que ha a ressalva de no minima 10 mil companneiros. mas n&io deixa de ser gritante que do ab- surdo de 5 mil que decretam a greve, diante da imensa maio- ria de 360, 10 mil passassem a ser suficientes. Como vemos, com o desenrolar das greves, o partido iria cada vez mais combater o surgimento © o crescimento dos mo- vimentos grevistas. Muitas vezes os escritos do PCB mencio- naram a necessidade da unidéo do movimento sindical. mas quando o movimento ocorria e a possibilidade desta unigo significava uma radicalizagdo. o PCB alterava o eeu die- curso. B impressionante o esforgo que o discurso do PCB faz para conciliar a radicalidade do movimento & a sua proposta de recuo. ‘A inegavel tendéncia a manter a greve que predomina entre o funcionalismo 6 @ maior expressio de sua disposicéo de luta. E é exatamente esta disposicéo de juta que pode garantir 0 sucesso de uma necessaria mudanca de tdtica: da greve a novas formas de Iuta através da mobilizacao. (...) A questé&o toda. pois, 6 reconhecer que a luta pode continuar. inclusive num nivel meihor, com 0 retorno ao trabalho. “ 32 @uande 9 movimento reivindicativo apresentava uma orientac&o da politica que destoava da concepeae do PCB, o partido néo poupou esforcos em combaté-la. 32 "0 PCB @ a greve dos funciondrios piblicos do Estado de So Paulo." Comissdo Estadual de Reorganizacdo do PCB/SP, 9 de maio de 1979. (Nogueira, 19612 75) "(...) péde-se constatar também uma certa crise de direcéo na Campanha. A CGP (Coordenacdéo Gerai Permanente), aos poucos, foi cedendo 4 ténica ‘antimalufista’ de algunas liderancas e ao doutrinarismo radical de outras, perdendo o controle da situaclo e encontrando muitas dificuldades para definir novas formas de mobilizacaéo ¢ para avancar nes negociagées com o governo. A CGP ndo soube neutralizar convenientemente os que investiam num confronto indeterminado com 0 Executivo e na insercdo do funcionalismo numa aventura sem perspectivas. Com isso. a CGP imobilizou-se © passou a se concentrar mais no debate doutrindrio entre liderancas do que na coordenacdo de fato do movimento." 3s A expresséo “radicalizacdo aventureira", utilizada por militantes do PCB nos serve de exemplo da direcio aue o par- tido adotava nestes anos. Ao criticar a Oposiodo Sindical Metalirgica de Séo Pauio pela prdtica desta “radicalizacéo aventureira”. o PCB acabava por se chooar com oe movimentos que assolavam o pais.24 Num caso especifico. o partido afirmava que, diante da proposta de prolongamento da greve dos funciondérios publicos paulistas em maio de 1978, & fim de coincidi-la com o inicio da greve metalurgica do ABC. o momento néo é para #3 "Funcionalismot amplo esforco unitdrio na canpacha salarisl de 19E0". Comissao Estadual de Reorganizecdo do PCB/SP, novembro de 197%, (Nogquezra, 19812 79) 4 "@ campanna salarial os metalargicos de S%o Paulo, Csasco e Guarulnos.” Comissto Estadual de Reorganizacto do PCB/SP, novembra de 1979. Neste documento, o PCB enumera o que chama de “pecados capitais” da campanha, criticando a Oposicda Sindical. (Nogueira, 1981: 87) “apostar no caos social. numa convulséo da sociedade”, 36 A unidade, de fato. era com a politica dos pelegos. ou seja. com aqueles que combatiam o movimento grevista. 3. A atuacdo do PCB na greve metalurgica de 1980 Um dirigente do Comité Central do PCH afirmava em feve- reiro de 1980 e, portanto. antes da gveve metalurgica do ABC paulista, que aqueles que propdem um frente de esquerda "(...) insistem na mesma linha ‘extremista’ que em nossos dias jd se mostrou eguivocada e inviavel, por seu cardter voluntarista, e que por isto mesmo foi rejeitada pela classe operdria e pelas amplas mapsas que deram 2 continuam a dar forga ao movimento democratico de oposicao 4 ditadura.” 36 Dai @ importancia de nos determos no suposto voiunrariamo e extremismo das massag na greve de 1980 do ABC. A partir deste enfoque. destacaremos como o PCB se posicionava frente ao ciclo grevista que marcara aqueles anos. Foi em meio a esta jornade grevista que veio a piblico a carta de Prestes PCB e a greve dos funciondrias publicos do Estado de S30 Paulo’ Comissio Estadual de Reorganizacio do PCB/SP, 9 de nmaio de 1979, (Nogueira, 1981: 73-75) 3° Entrevista de Hercules Corréa e Giocondo Dias a0 Jornal do Brasil en 3 de fevereiro de 1980. (Carone. vol.III: 258, grifo nosso! a manifestando suas divergéncieas com a maioria do Comité Cen- tral. A greve que durou 41 dias é fundamental. devido a sua redicalidade, para entendermoe como o PCB combatia o movi- mento grevista devido ao temor de que a Abertura fosee amea- cada. A conciliac&o com o esquerdismo. tal como o manifestado pelo movimento populista em 64, voltava a ser criticada. Desta vez, quem conciliava era o proprio Jornal do PCB, a Vos da Unidade (VU). Segundo avaliagéo posterior & greve. Hércules Corréa sintetizava o posicionamento do partido: “Todos sabem que é regra elementar em politica que 0 confronto favorece sempre o mais forte. ‘37 # preciso destacar que a VW, entre o conjunto dos jor- nais de esquerda que fizeram a covertura da greve. estava entre os mais temerosos quanto 4 radicalidade do movimento. Mesmo aseim, foi alvo da critica do Comité Central. Segundo Corréa. o prépric jornal foi “coagido” pelo esauerdismo ¢, dada a repercusséo da Carta de Prestes, o PCB tentou fugir a pecha de conciliador naquele momento.35 Ainde segundo este dirigente. devido as denincias de Prestes prevaleceu no jor- nal uma “ambiguidade com o esquerdismo”. Cabe observar que 27 Hercules Corréa, "0 ABC de 1960" in Ceisc Frederico, op.cit.. vol.ITl, e171. 89 Hercules Corres, "@ ABC de 1980". op.cit.p.177. néo sé a Carta de Prestes pressionava o jornal. mas a maio~ ria das organizacées de esquerda que passaram a se reartiou- ler, o proprio movimento sindical liderado pelos lideres "guténticos” e a série inumerével de conflitos envolvendo os movimentos populares que j4 descrevemos. Para melhor apreendermos o significado do posicionamento do PCB, comparamos a cobertura da greve metalirgica feita pela VU com outro jornal de esquerds. ¢ sm Tempo i kT). Este ultimo era formade por um coletivo de intelectuais e dirigentes de esquerda. hoje pertencentes ao PT. mais parti- cularmente & Democracia Socialista, tendéncia trotekista. A escolha deste Jornal, portanto, néo foi casual. buscamos nele a sua vinculacéo com o PT e a sus oposic#o ao PCB, um referencial para a atuac&o pecebista no conflito do ABC. Em fins de 79, era diversa a chamada “imprensa na- nica".4° “Companheiro, Enfim, Tribuna Operdérie. Ponto de Fartida” eram alguns dos jornais alternatives A grande im- prensa. Além de novos titulos., outros jornais aumentavam a sua periodicidade. como ©) Trabalho e o ABCD. Kessurgem os dornais da Convergéncia Socialista e a frabalhador, pre- 7? Foram usados os numeros 1-7 da Voz da Unidade e 102-5 do Em fenpo situados nos meses de abril e maio de 1980, *° Para este breve relato ver jornal Em Tempo, n29S, de 20.12.1979, Para uma abordagen de mais extensa, ver Bernardo Kucinski, Jornalistas Revoluciondrios, S%o Paulo, Scritta, 1991. Especificamente sopre o Jornal Ee Tempo, ver pp. 347-372.

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