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1 Metalurgia da soldagem

1.1 Introdução

A soldagem geralmente é realizada com a aplicação localizada de calor e/ou deformação


plástica. Como resultado, alterações de propriedade do material, nem sempre desejáveis ou
aceitáveis, podem ocorrer na região da junta. A maioria destas alterações depende das reações
ocorridas durante a solidificação e resfriamento do cordão de solda e de sua microestrutura final.
Assim, a compreensão destes fenômenos metalúrgicos é importante em muitas aplicações da
soldagem.
Neste capítulo, serão apresentados muitos aspectos metalúrgicos das operações de
soldagem e corte térmico. Para isso, uma breve revisão de metalurgia física será feita. De modo
geral, a explanação se baseará nos aços, embora os princípios básicos possam ser aplicados a
outras ligas metálicas.

1.2 Metalurgia física dos aços

1.2.1 Relação estrutura-propriedade

Uma característica dos sólidos, e em particular dos metais, é a grande influência de sua
estrutura na determinação de várias de suas propriedades. Por sua vez, a estrutura é determinada
pelos processamentos sofridos pelo material durante a sua fabricação, isto é, pela sua ―história‖. A
figura mostra um exemplo deste princípio fundamental, para um aço SAE 1080, após tratamento
térmico a 900 graus centígrados.

Figura 8.1 – Propriedade mecânica.

A soldagem, sob certos aspectos, é um tratamento térmico e mecânico muito violento, que
pode causar alterações localizadas na estrutura da junta soldada e, portanto, capaz de afetar
localmente as propriedades do material.
Muitas destas alterações podem comprometer o desempenho em serviço do material e,
assim, devem ser minimizadas pela adequação do processo de soldagem ao material a ser soldado
ou pela escolha de um material pouco sensível a alterações estruturais pelo processo de soldagem.

1.2.2 Níveis estruturais

O termo estrutura pode compreender desde detalhes grosseiros (macroestrutura) até


detalhes da organização interna dos átomos (estrutura eletrônica). A metalurgia física interessa-se
pelo arranjo dos átomos que compõem as diversas fases de um metal (estrutura cristalina) e pelo
arranjo destas fases (microestrutura). A maioria das propriedades mecânicas e algumas das
propriedades físicas dos metais podem ser estudadas a nível destas estruturas.

1.2.3 Fases presentes nos aços

Os aços são ligas de ferro e carbono (até um teor máximo de 2% de carbono, em peso)
contendo ainda outros elementos, resultantes do processo de fabricação (impurezas) ou adicionados
intencionalmente (elementos de liga) para lhes conferir propriedades especiais. No primeiro caso têm-
se os aços carbono e no segundo, os aços ligados.
De acordo com o teor de elementos de liga, os aços podem ser subdivididos em baixa-liga
(teor de liga inferior a 5%), aços média-liga (entre 5 e 10% de elementos de liga) e aços alta-liga (com
mais de 10% de liga).
Variações na composição química e tratamentos térmicos e mecânicos aplicados durante a
fabricação possibilitam a obtenção de aços com propriedade numa ampla faixa. Esta extensa gama
de propriedades, juntamente com baixo custo e facilidade de obtenção, explicam a enorme utilização
atual de ferro, particularmente na forma de aço, como material de engenharia.
Para estudo dos efeitos da soldagem no aço é necessário um conhecimento prévio de sua
microestrutura e de como esta pode ser alterada pelos tratamentos térmicos e variações de
composição química. Para isto, se verá inicialmente o diagrama de equilíbrio Fe-C.

1.2.3.1 Fases presentes no aço resfriado lentamente

A figura abaixo mostra um diagrama de equilíbrio ferro-carbono. Este pode ser usado para
uma primeira análise dos constituintes de um aço, no equilíbrio, em função da temperatura e da
composição química (teor de carbono).
Em temperaturas em que o aço está no campo gama, este apresenta uma estrutura
austenítica, isto é, uma solução sólida de carbono e outros elementos de liga no ferro, com estrutura
cristalina cúbica de face centrada.
Durante o resfriamento, a austenita (para aços com menos de 0,8%C) começa a se
transformar em ferrita (solução sólida de C no Fe, com estrutura cúbica de corpo centrado) e
finalmente, quando a temperatura atinge 727 graus centígrados, a austenita remanescente
transforma-se em perlita, um constituinte típico dos aços formado por uma mistura de ferrita e
cementitia (carboneto de ferro).
A ferrita é um constituinte macio, dúctil e, em geral, tenaz. Contudo, sua tenacidade depende
da temperatura, tornando-se completamente frágil em baixa temperatura. A faixa de temperaturas
onde ocorre esta mudança de comportamento depende da composição química da ferrita e de sua
morfologia, particularmente do seu tamanho de grão.
A perlita é um constituinte mais duro e de menor tenacidade. A sua quantidade aumenta com
o teor de carbono no aço. Um aço com 0,8%C, resfriado lentamente, é completamente perlítico.

Figura 8.2 - Diagrama Fe—C, mostrando os constituintes em equilíbrio nos aços.

1.2.3.2 Fases metaestáveis e diagramas de transformação

Quando a velocidade de resfriamento aumenta, a temperatura na qual a austenita começa a


se transformar torna-se menor. Menores temperaturas de transformação implicam menor mobilidade
atômica e, portanto, maior dificuldade para a separação em ferrita e carboneto de ferro, isto é, para a
transformação da perlita. Assim, em função da velocidade de resfriamento e da composição química
do aço, diferentes agregados de ferrita e carboneto (bainita) podem ser formados a partir da
decomposição da austenita, conforme figura abaixo.
Figura 8.3 - Microconstituintes do aço em função da velocidade de resfriamento após austenitização.

Para altas velocidades de resfriamento, uma nova fase, a martensita, passa a se formar. Esta
fase possui uma estrutura cristalina diferente das anteriores e é caracterizada por uma elevada
dureza. De um modo geral, pode-se afirmar que, quanto menor a temperatura de transformação e
maior teor de carbono, mais dura e frágil é a microestrutura. Na soldagem por fusão, a velocidade de
resfriamento varia com a energia cedida durante a soldagem por unidade de comprimento da solda,
com a temperatura inicial da peça e com a sua espessura e geometria. Este fato é muito importante,
pois pode limitar a faixa de energia utilizável na soldagem de uma estrutura de aço em que se
necessita alta tenacidade.
As fases formadas em função da velocidade de resfriamento (ou da temperatura de
transformação) em um dado aço podem ser obtidas a partir de diagramas de transformação deste
aço. Estes diagramas são obtidos experimentalmente para transformações a temperaturas constantes
(diagramas TTT) ou para transformações a velocidades de resfriamento constantes (digramas TRC).
Embora tenham sido desenvolvidos originalmente para transformações após austenitização a
temperaturas relativamente baixas (tratamento térmico convencional), já existem diagramas de
transformação aplicáveis à soldagem, conforme figura abaixo.

Figura 8.4 - Diagrama TRC para soldagem.


1.2.3.3 Elementos de liga

A adição balanceada de elementos de liga permite a obtenção de uma variedade de tipos de


aço com diferentes propriedades mecânicas, químicas, magnéticas, elétricas e térmicas.
Estruturalmente, pode-se considerar que os elementos de liga atuam em dois aspectos fundamentais:
termodinâmico e cinético.
No primeiro aspecto, um elemento de liga pode alterar a estabilidade relativa das fases do
aço ou mesmo tornar estável uma outra fase. Por exemplo, o níquel é um elemento estabilizante de
austenita e, quando presente em teores superiores a certo nível, torna esta fase estável até a
temperatura ambiente. Nióbio, vanádio e titânio reagem fortemente com o carbono e, quando
presentes em pequenas quantidades (menos de 0,1%) em um aço, baixos carbonos promovem a
formação de finas partículas de carbonetos de grande estabilidade. Estes carbonetos, juntamente
com a aplicação de tratamentos termomecânicos adequados, são fundamentais para a obtenção dos
chamados aços microligados, de elevada resistência mecânica.
Como já foi dito, a maioria dos elementos de liga reduz a velocidade de transformação da
austenita ou, em outras palavras, aumenta a sua temperabilidade. Este efeito pode ser diferente para
os diversos constituintes e, portanto, a adição de elementos de liga pode favorecer a formação de um
constituinte, em prejuízo puro.
Ao entrar em solução sólida em uma fase, um elemento de liga pode alterar as propriedades
desta fase. Em particular, a resistência mecânica é, em geral, aumentada e sua ductilidade diminuída.

1.2.3.4 Mecanismos de aumento da resistência mecânica

A resistência mecânica dos aços pode variar enormemente, de cerca de 200 até 2000Mpa.
Como em outros metais, existem para os aços diversos mecanismos de endurecimento, dos quais se
pode citar: deformação a frio, formação de solução sólida, formação de constituintes mais resistentes,
endurecimento por dispersão e refino de grão. Destes, o refino de grão é particularmente importante
por produzir, simultaneamente, uma melhoria de ductilidade e tenacidade.

1.3 Fluxo de calor na soldagem

A maioria dos processos de soldagem por fusão é caracterizada pela utilização de uma fonte
de calor intensa e localizada. Por exemplo, na soldagem a arco tem-se uma intensidade da ordem de
8
5 X 10 W/m². Esta energia concentrada pode gerar, em pequenas regiões, temperaturas elevadas,
altos gradientes térmicos (10² a 10³ C/mm), variações bruscas de temperatura (de até 10³C/s), e,
conseqüentemente, extensas variações de microestrutura e propriedades, em pequeno volume de
material.
O fluxo de calor na soldagem pode ser dividido, de maneira simplificada, em duas etapas
básicas: fornecimento de calor à junta e dissipação deste calor da peça.
Na primeira etapa, para a soldagem a arco, pode-se considerar como a única fonte de calor,
definido por sua energia de soldagem, isto é:
E = n.V.I/v, onde:
E= energia de soldagem, em J/mm;
n= eficiência térmica do processo;
V= tensão no arco, em V;
I= corrente de soldagem, em A, e
v= velocidade de soldagem, em mm/s.
A energia de soldagem é uma medida de quantidade de calor cedida à peça, por unidade de
comprimento da solda, como segue na figura.
Na segunda etapa, a dissipação do calor ocorre principalmente por condução na peça, das
regiões aquecidas para o restante do material. A evolução de temperatura em diferentes pontos,
devido à soldagem, pode ser estimada teórica ou experimentalmente.

Figura 8.5 - Conceito de energia de soldagem.

Um ponto localizado próximo à junta experimentará uma variação de temperatura, devido à


passagem da fonte de calor, conforme figura. Esta curva é chamada de ―ciclo térmico de soldagem‖.
Figura 8.6 - Ciclo térmico de soldagem.

São características importantes do ciclo térmico de soldagem:


a) Temperatura de pico (Tp), temperatura máxima atingida no ponto. Tp diminui com a
distância ao centro da solda, e indica a extensão das regiões afetadas pelo calor de soldagem.
b) Tempo de permanência (tp) acima de uma temperatura crítica, tempo em que o ponto fica
submetido a temperaturas superiores a uma temperatura mínima para ocorrer uma alteração de
interesse, chamada temperatura crítica (Tc);
c) Velocidade de resfriamento, definida pelo valor da velocidade de resfriamento a uma
determinada temperatura T, ou pelo tempo necessário t para o ponto resfriar de uma temperatura
(T1) e outra (T2).
A figura mostra a variação da temperatura de pico com a distância ao centro do cordão de
solda, na direção perpendicular a este. Esta curva é conhecida como ―repartição térmica‖.

Figura 8.7 - Repartição térmica em uma junta soldada.


A = ZF, B = ZTA, C = metal base

Os ciclos térmicos de soldagem e a repartição térmica dependem de diversas variáveis, entre


elas:
a) Tipo de material de base: quanto maior a condutividade térmica do material, maior a
velocidade de resfriamento.
b) Geometria da junta: considerando todos os outros parâmetros idênticos, uma junta em T
possui três direções para o fluxo de calor, enquanto uma junta de topo possui apenas duas, como
mostra a figura; logo, juntas em T tendem a esfriar mais rapidamente.
A figura abaixo apresenta as direções para escoamento do calor em juntas (a) de topo e (b)
em T.

Figura 8.8 - Direções para escoamento do calor em juntas (a) de topo e (b) em T.

c) Espessura da junta: até uma espessura limite, a velocidade de resfriamento aumenta a


espessura da peça. Acima deste limite, a velocidade de resfriamento independe da espessura.
d) Energia de soldagem e temperatura inicial da peça: a velocidade de resfriamento diminui
com o aumento destes dois parâmetros e a repartição térmica torna-se mais larga.

1.4 Macroestrutura de soldas por fusão

a) Zona Fundida (ZF): região onde o material fundiu-se e solidificou-se durante a operação
de soldagem. As temperaturas de pico nesta região foram superiores à temperatura de fusão do
metal (Tf);
b) Zona Termicamente Afetada ou Zona Termicamente Alterada (ZTA) ou ainda Zona
Afetada pelo Calor (ZAC): região não fundida do metal de base que teve sua microestrutura e/ou
propriedades alteradas pelo ciclo térmico de soldagem. As temperaturas de pico foram superiores a
temperaturas críticas para o material em questão;
c) Metal de Base (MB): região mais afastada do cordão de solda e que não foi afetada pelo
processo de soldagem. As temperaturas de pico são inferiores a temperaturas críticas para o
material.
O ciclo térmico de soldagem determina, em grande parte, as alterações estruturais que uma
dada região do material pode sofrer devido ao processo de soldagem. A figura mostra
esquematicamente estas alterações na soldagem de um aço doce, para um ponto situado na zona
fundida.
Diagrama esquematizado mostrando diferentes alterações que ocorrem em um ponto na zona
fundida de um aço doce aparece na figura abaixo.
Figura 8.9 – Alterações na zona fundida.

1.5 Características da zona fundida

1.5.1 Característica da poça de fusão

Nos processos de soldagem por fusão, a zona fundida pode ser transformada sob as mais
diversas condições. Nos processos mais comuns, isto é, na soldagem a arco com eletrodo
consumível, o metal de adição fundido é transferido para a poça de fusão na forma de gotas,
aquecidas e temperaturas muito elevadas, acima de 2.000°C, no caso de aços.
Nas partes mais quentes da poça de fusão, localizadas logo abaixo do arco, o metal de
adição é misturado, sob intensa agitação, ao metal de base fundido. Na parte posterior da poça, a
temperatura cai e ocorre a solidificação. Nas regiões superaquecidas ocorre uma intensa interação do
metal fundido com os gases e escórias presentes na região do arco.
Estas interações envolvem a absorção de gases (por exemplo, hidrogênio pelo aço, alumínio
ou cobre), a redução de óxidos com a transparência de oxigênio para o metal, a transferência de
elementos de liga e impurezas do metal fundido para a escória ou vice-versa, e a volatilização de
elementos com maior pressão de vapor (por exemplo: Zn, Cd, Cr e Al).
A composição química final da ZF depende da intensidade destas interações, das
composições químicas do metal de base e de adição e da participação relativa destes na formação da
ZF. Esta participação relativa é conhecida como ―coeficiente de diluição‖ ou, simplesmente, como
―diluição‖ (D), como definida abaixo:

D= massa do metal de base fundido X 100%


massa total da solda

A diluição pode ser medida em macrografias da seção transversal de soldas, como mostra a
figura. Seu valor pode variar entre 100% (soldas sem metal de adição) e 0% (brasagem).
O controle da diluição é importante na soldagem de metais dissimilares, na deposição de
revestimentos especiais sobre uma superfície metálica, na soldagem de metais de composição
química desconhecida, caso muito comum em soldagem de manutenção e na soldagem de
manutenção e na soldagem de materiais que tenham altos teores de elementos prejudiciais à zona
fundida, como o carbono e o enxofre.

Figura 8.10 - Diluição medida na seção transversal de uma solda.

Na parte superior da poça de fusão, a temperatura cai até a temperatura de início da


solidificação do material. Esta queda de temperatura faz com que diversas reações que ocorrem nas
regiões mais quentes ocorram agora em sentido contrário. O material pode ficar super-saturado de
gases em solução, como o hidrogênio e o nitrogênio, devido à redução de sua solubilidade com a
queda de temperatura e a solidificação, como ilustra a figura. A evolução destes gases pode gerar
porosidades na solda.

Figura 8.11 - Variação da solubilidade do hidrogênio no ferro.

A solubilidade do oxigênio também cai com a temperatura e este passa a reagir com outros
elementos. O produto desta reação pode ser um gás (por exemplo, C+O  CO (g), no aço), que pode
causar porosidades; um sólido ou um líquido insolúvel na poça, se for capturado pela frente de
solidificação, resultará em inclusões na solda. A formação de porosidades devido a reações do
oxigênio com o carbono e a formação de inclusões, sua forma, tamanhos e quantidade, dependem do
processo e do procedimento de soldagem, da composição do meio de proteção da poça de fusão e
do arco (gases e escórias) e das composições do metal de base e de adição, em particular, da
presença de desoxidantes.

1.5.2 Solidificação da poça de fusão

Em soldagem, o fenômeno da solidificação, embora seja semelhante ao de um lingote ou


peça fundida, guarda características que lhe são próprias.

1.5.2.1 Crescimento epitaxial

A formação de novos grãos não é um evento comum na solidificação em soldagem. Ao


contrário do lingote ou peça fundida, a solda se forma pelo crescimento de grãos do metal de base
que estão na interface sólido-líquido. Este fenômeno, chamado de ―crescimento epitaxial‖, assegura a
continuidade metálica entre a ZF e o metal de base.

1.5.2.2 Crescimento competitivo

Com a ―facilidade de crescimento‖ de um cristal depende de sua orientação em relação ao


fluxo de calor; a solidificação de vários cristais aleatoriamente orientados causa uma seleção, isto é,
os cristais orientados desfavoravelmente tendem a parar de crescer. Este fenômeno ocorre em
soldagem e pode ser responsável por certo grau de anisotropia da ZF.

1.5.2.3 Segregação

Devido às elevadas velocidades de solidificação em soldagem, a segregação ocorre em


menor escala do que em um lingote. Esta segregação, contudo, é suficiente para causar variações
localizadas de microestrutura, propriedades e mesmo problemas de fissuração, particularmente no
centro do cordão.
Como as peças fundidas em geral, a zona fundida é caracterizada por uma estrutura primária
de grãos colunares e grosseiros. Este tipo de estrutura confere baixa tenacidade ao material.

1.5.2.4 Formação de estrutura secundária

Após sua solidificação, a zona fundida pode sofrer ainda alterações até o resfriamento final a
temperatura ambiente. Estas alterações podem incluir, por exemplo, o crescimento de grão, a
formação de carbonetos, nitretos, fases intermetálicas, etc., e a transformação de uma fase em
outra(s). Nos aços doces e aços de baixa liga, por exemplo, a poça de fusão normalmente se
solidifica como ferrita delta, que logo se transforma em austenita. Por sua vez, esta pode se
transformar, em uma única fase, em uma mistura complexa de constituintes, em função de fatores
como o tamanho de grão austenítico, composição química, velocidade de resfriamento e composição,
tamanhos e quantidade de inclusões.
Em soldagem com vários passes, a microestrutura é mais complexa devido ao efeito refinador
(em aços transformáveis) de um passe sobre os imediatamente anteriores.
As propriedades finais da zona fundida dependerão de sua estrutura final, incluindo as
microestruturas de solidificação e a secundária, e a presença de descontinuidades.

1.6 Características da zona termicamente afetada

As características da ZTA dependem fundamentalmente do tipo de metal de base e do


processo e procedimento de soldagem, isto é, do ciclo térmico e da repartição térmica (conforme
figuras). De acordo com o tipo de metal que está sendo soldado, os efeitos do ciclo térmico poderão
ser os mais variados. No caso de metais não transformáveis (por exemplo, o alumínio), a mudança
estrutural mais marcante será o crescimento de grão.
Em metais transformáveis, a ZTA será mais complexa. No caso dos aços carbono e aços
baixa liga, esta apresentará diversas regiões características, ilustradas na figura e explicadas a
seguir.

1.6.1 Região de crescimento de grão

Compreende a região do metal de base, mais próxima da solda, que foi submetida a
temperaturas de fusão. Nesta situação, a estrutura austenítica sofre um grande crescimento de grão.
Este crescimento dependerá do tipo de aço e da energia de soldagem (processos de maior energia
resultarão em granulação mais grosseira). A estrutura final de transformação dependerá do teor de
carbono e de elementos de liga em geral, do tamanho de grão austenítico e da velocidade de
resfriamento. Aumentando-se qualquer um destes fatores, a temperabilidade da região aumentará.
De modo geral, esta região é caracterizada por uma estrutura grosseira, com placas de ferrita
(estrutura de Widmanstatten), podendo conter perlita, bainita ou martensita. Esta região é mais
problemática da ZTA de um aço, podendo ter menor tenacidade e até apresentar problemas de
fissuração.

1.6.2 Região de refino de grão

Compreende a porção da junta aquecida a temperaturas comumente utilizadas na


normalização dos aços (900 a 1.000°C). Após o processo de soldagem, esta região é caracterizada,
geralmente, por uma estrutura fina de ferrita e perlita, não sendo problemática na maioria dos casos.
1.6.3 Região intercrítica

Nesta região, a temperatura de pico varia entre 727°C e a linha A3 (conforme figura), sendo
caracterizada pela transformação parcial da estrutura do metal de base.
Regiões mais afastadas do cordão de solda, cujas temperaturas de pico foram inferiores a
727°C, apresentam mudanças de microestruturas cada vez menos perceptíveis.

Figura 8.12 - Estrutura da ZTA de aços carbono.

1.7 Pré-aquecimento

O pré-aquecimento consiste no aquecimento da junta em etapa anterior à soldagem. Tem


como principal efeito reduzir a velocidade de resfriamento da junta soldada, permitindo desta forma:
a) Evitar a têmpera, isto é, a formação de martensita; e
b) Aumentar a velocidade de difusão do hidrogênio na junta soldada.
O pré-aquecimento faz com que a junta soldada atinja temperaturas ligeiramente mais
elevadas e que permaneça nestas temperaturas por mais tempo. Isto permite que o hidrogênio
dissolvido, em sua maior parte na austenita, tenha possibilidade de se difundir. Como, ao mesmo
tempo, o pré-aquecimento procura evitar a formação de martensita, verifica-se que o pré-aquecimento
reduz a possibilidade à fissuração pelo hidrogênio.
O pré-aquecimento influencia também as tensões da contração da junta soldada. As tensões
de contração normalmente diminuem com o pré-aquecimento. Entretanto, se a junta possui um alto
grau de restrição, as tensões de contração podem ser aumentadas por pré-aquecimento localizado,
aumentando a possibilidade da fissuração.
O pré-aquecimento tem como desvantagem aumentar a extensão da zona afetada
termicamente. Em alguns materiais, caso não se controle convenientemente a temperatura, o pré-
aquecimento pode ter um efeito bastante prejudicial. Um exemplo é a soldagem de aços com 16% de
cromo nos quais um pré-aquecimento excessivo pode propiciar a formação de fases de baixa
tenacidade. Em materiais de alta temperabilidade como, por exemplo, os aços carbono ligados, são
bastante usuais a utilização de pré-aquecimento.

1.8 Pós-aquecimento

O pós-aquecimento consiste na manutenção da junta soldada a uma temperatura acima da


temperatura ambiente por um determinado tempo (por exemplo, 2 horas a 250°C), com o objetivo
principal de aumentar a difusão do hidrogênio na solda. O pós-aquecimento deve ser executado tão
logo a soldagem termine, de forma a não permitir o resfriamento da junta soldada. A eficiência do
pós-aquecimento depende deste fato, pois o resfriamento da junta soldada permitiria a formação de
hidrogênio molecular.
É conveniente salientar que o pós-aquecimento, por ser executado em temperatura
relativamente baixa, não deve ser considerado como um tratamento térmico de alívio de tensões,
pois, para tanto, seria necessário um tempo de permanência nesta temperatura extremamente longo.

1.9 Fissuração pelo hidrogênio ou fissuração a frio

1.9.1 Mecanismo

A fissuração pelo hidrogênio é conseqüência da ação simultânea de quatro fatores: o


hidrogênio dissolvido no metal fundido, as tensões associadas à soldagem, a uma microestrutura
frágil e a baixa temperatura (abaixo de 150°C). Nenhum desses fatores, isoladamente, provoca a
fissuração a frio.
O mecanismo da fissuração pode ser estabelecido em função dos seguintes pontos:
a) Compostos que contêm hidrogênio, como por exemplo o vapor d’água, se decompõem
na atmosfera do arco liberando hidrogênio atômico ou iônico (H ). As principais fontes de hidrogênio
são:
 revestimento orgânico do eletrodo;
 umidade absorvida pelo revestimento dos eletrodos, particularmente os de baixo hidrogênio;
 umidade do fluxo, na soldagem a arco submerso;
 compostos hidratados existentes na peça, como por exemplo a ferrugem;
 umidade do ar.
b) A solda, no estado líquido, dissolve quantidades apreciáveis de hidrogênio. A solubilidade
decresce com a temperatura e de forma descontinua na solidificação e nas modificações alotrópicas.
Conseqüentemente, na fase final do resfriamento, a solda estará super saturada em hidrogênio.
Figura 8.13 - Mecanismo da migração de hidrogênio para a ZTA.

c) Quando a temperabilidade da zona fundida é inferior afetada termicamente – que é uma


situação relativamente freqüente em virtude do menor teor de carbono da solda – o hidrogênio pode
migrar para esta última zona. A figura acima mostra que a defasagem (t) entre as transformações
propicia a difusão do hidrogênio. Neste intervalo de tempo – indicado pela reta R – a zona afetada
termicamente, no estado y, está mais apta a receber o hidrogênio que está sendo expulso da zona
fundida em virtude da super saturação. O hidrogênio fica retido na zona fundida, quando sua
temperabilidade é superior ou quando tem estrutura austenítica.
d) A microestrutura da baixa tenacidade, como por exemplo, a martensita, quando saturada
em hidrogênio é consideravelmente frágil. A solda, em virtude de sua composição química e da
condição térmica da soldagem, pode gerar tais microestruturas. Nessas condições e na fase final do
resfriamento apresentará regiões frágeis a baixa temperatura saturada em hidrogênio submetido a um
sistema de tensões residuais, cuja intensidade é próxima do limite de escoamento da zona fundida. A
ação simultânea desses quatro fatores é responsável pelo aparecimento de trincas como pode ser
observado na figura abaixo. A têmpera poderá ser inevitável como no caso dos aços liga ou por
descuido, como por exemplo, em peças pré-aquecidas incorretamente.
e) Os entalhes, como por exemplo, mordedura, falta de penetração e inclusões, promovem,
através de concentração de tensões, deformações plásticas locais que põem em movimento as
discordâncias (imperfeições da estrutura cristalina). O hidrogênio, conduzido pelas discordâncias,
aumenta sua concentração local, favorecendo a fissuração junto aos entalhes. As trincas dos tipos 2
e 3, na figura abaixo, resultam desse fato.
f) A maior parte do hidrogênio em super saturação se difunde e abandona a solda após um
tempo que, como em todo mecanismo de difusão, depende da temperatura. Os dados da tabela
abaixo ilustram a difusão do hidrogênio à temperatura ambiente. A 250°C o hidrogênio difusível é
eliminado em poucas horas.
Figura 8.14 - Tipos de trincas provocadas pelo hidrogênio.

Por intermédio destes dados, vê-se que o risco de fissuração é temporário, existindo
enquanto o hidrogênio estiver se desprendendo da solda. É evidente a vantagem do pós-aquecimento
de soldas sensíveis à fissuração a frio, pois, nessas condições (por exemplo a 250°C durante 2
horas), o hidrogênio é eliminado enquanto a temperatura da solda é bem superior à temperatura de
transição.
g) É útil destacar que o exame radiográfico não permite detectar certos tipos de trincas,
especialmente as sob cordão, sendo necessário o exame ultra-sônico para detectá-las. Além disso,
as trincas podem aparecer ou se propagar várias horas após a conclusão da soldagem, tornando
recomendável a aplicação dos exames não-destrutivos com uma defasagem de 48 horas. Esta
recomendação se aplica, é claro, às soldas sem pós-aquecimento.
h) As medidas preventivas da fissuração pelo hidrogênio são agrupadas em torno de seus
quatro fatores, a saber:
h.1 – Teor em hidrogênio: A atmosfera do arco deve ter o menor teor possível de hidrogênio.
Os eletrodos de baixo hidrogênio foram desenvolvidos com este propósito. Entretanto, tais
revestimentos são altamente higroscópicos. Em conseqüência, a secagem e o manuseio desse
eletrodos são de importância fundamental na prevenção do problema. As exigências nesse sentido
são tanto mais necessárias quanto maior é a umidade relativa ao ambiente e mais críticas são aos
outros três fatores. A secagem do fluxo, na soldagem a arco submerso, embora menos necessária
face à maior energia de soldagem, é uma medida a ser considerada no caso dos fluxos básicos.
h.2 – Microestrutura frágil: Quando pode ser evitada ou diminuída é um dos recursos
preventivos. O pré-aquecimento, o aumento da energia de soldagem, a escolha do metal de adição
de menor resistência possível, contribui para a redução do risco de fissuração. A alta severidade
térmica das soldas provisórias – fixação de dispositivos de montagem – é, freqüentemente, a origem
das trincas.
h.3 – Tensões: A soldagem com o menor grau de restrição possível é uma medida útil. O
tensionamento das juntas soldadas contribui para a fissuração, especialmente se for levado em conta
que a deformação plástica, através da movimentação das discordâncias, eleva a concentração de
hidrogênio na extremidade dos entalhes. Assim, deve-se considerar a ação de esforços, como
exemplo peso próprio, contração de outras soldas, teste de pressão, dispositivos para correção de
deformações, etc.
h.4 – Temperatura: Manter a solda a uma temperatura suficiente que permita a difusão do
hidrogênio, é uma medida que pode ser empregada. Isto pode ser feito por meio de pré-aquecimento,
do controle da temperatura interpasse e de pós-aquecimento.

1.9.2 Carbono equivalente (CE)

A adição de elementos de liga no aço é geralmente utilizada para melhorar as propriedades


mecânicas e as propriedades de resistência à corrosão dos aços. Entretanto, isto é acompanhado
pelo deslocamento das curvas TTT dos aços para a direita isto é, com menores velocidades de
resfriamento pode-se atingir a estrutura martensítica. Os elementos que afetam de modo mais
significativas das curvas TTT, são o C, MN, Ni, Cr, Cu, Mo, e V. O efeito destes elementos é assim
muito importante na tendência de formação da estrutura martensítica na zona afetada termicamente
e, portanto, na tendência à fissuração pelo hidrogênio. Essa tendência é chamada de carbono
equivalente (CE) e pode ser expressa da seguinte forma:

CE= %C + %Mn/4 + %Ni/20 + %Cr/10 + %Cu/40 - % Mo/50 - %V/10

É importante observar que existem inúmeras expressões para o CE. A citada acima é uma
das mais comuns.
O CE é utilizado para a avaliação de soldabilidade relativa dos aços temperáveis quanto à
fissuração pelo hidrogênio. Por exemplo, aços com CE  0,40 necessitam de cuidados especiais para
evitar a fissuração pelo hidrogênio.

1.10 Fissuração (trinca) a quente

A fissuração ou trinca a quente resulta da segregação das fases de ponto de fusão mais
baixo que o metal da zona fundida ou da zona afetada termicamente. O mecanismo da fissuração
aquente e, hoje em dia, controvertido. O mecanismo descrito a seguir é um dos possíveis e o
classicamente indicado como o formador da fissuração a quente.
Como já foi comentada, a fissuração a quente resulta da segregação de fases de ponto de
fusão mais baixo que o metal da zona afetada termicamente. Os grãos envolvidos por um filme
líquido não dispõem de resistência mecânica e ductilidade suficientes para suportar os esforços
devidos à contração da solda. As trincas são do tipo intergranular e se manifestam
macroscopicamente, como indica a figura.
Figura 8.15 – Tipos de fissuração (trinca) a quente

As medidas preventivas estão relacionadas aos dois fatores principais da fissuração, isto é, a
existência de uma pequena quantidade de fase pré-fusível e os esforços de contração.

a) Fase pré-fusível

O fósforo e o enxofre, em teores superiores a 0,04%, são os principais causadores da


fissuração a quente dos aços carbono e de baixa liga. O fósforo, associado ao ferro, manganês,
níquel e cromo, forma eutéticos de baixo ponto de fusão. O baixo ponto de fusão do sulfeto de ferro
(FeS) é o responsável pela ação nefasta do enxofre.
No caso do fósforo, a solução consiste em limitar o seu teor. Atualmente, a maioria das
soldas tem teores de fósforo situados entre 0,01 e 0,03%, atingindo, em alguns aços de alta
resistência, valores inferiores a 0,01%. Além da limitação do seu teor, a influência do enxofre pode
ser anulada pela adição de manganês. O sulfeto de manganês solidifica-se em forma de inclusões
evitando a formação do filme líquido que conduz à fissuração a quente. A quantidade de manganês
deve ser 1,75 vezes que a de enxofre. A soldagem de chapas ou carepa ou óxidos podem resultar na
oxidação de parte do manganês, não permitindo a fixação de todo o enxofre. Nessas condições a
solda pode apresentar fissuras a quente.
O silício também aumenta a suscetibilidade à fissuração. Os teores limites dependem do tipo
de aço; alguns aços são afetados com teores da ordem de 0,75%, outros toleram até 1,5%. Em
soldas de alta resistência, o teor de silício é limitado em 0,35% pela sua ação prejudicial sobre a
resiliência, como por exemplo, nos eletrodos da série E 100.
A fissuração a quente assume uma importância fundamental na soldagem do níquel e suas
ligas. A contaminação da solda com compostos sulfetados – como lubrificantes, produtos de
corrosão, lápis indicador de temperatura – resulta na formação de sulfeto de níquel que se segrega
no contorno dos grãos e nos espaços interdendríticos. Decorrem desse fato as exigências de limpeza
na soldagem das ligas de níquel.
Os aços inoxidáveis à fissuração a quente são estruturas totalmente austeníticas. É o caso
dos aços 25%Ni e 18%Cr-38%Ni. Constata-se também que pequenas quantidades de ferrita tornam o
aço imune à fissuração. O teor adequado de ferrita depende do grau de restrição da solda e da
quantidade e natureza dos elementos de liga ou impurezas presentes. Para os aços 18%Cr – 10%Ni
e 25%Cr – 12%Ni, o teor recomendável situa-se entre 3 a 8%.
Este teor é obtido pela seleção do metal de adição, com o auxílio do diagrama de Schaeffler,
como pode ser visto adiante. Admite-se que a ação benéfica da ferrita está relacionada à sua posição
nos contornos de grão e à maior solubilidade quanto aos elementos causadores da fase pré-fusível:
fósforo, enxofre, nióbio, silício, oxigênio, entre os de pior reputação.
Os aços inoxidáveis austeníticos estabilizados com nióbio são também sensíveis à fissuração
a quente.

b) Esforços de contração

A fissuração a quente é, em resumo, a incapacidade do metal de se deformar sob a ação dos


esforços inerentes à soldagem. Algumas medidas preventivas podem ser tomadas para reduzir os
esforços atuantes sobre a zona fundida na fase inicial do resfriamento. A diminuição da energia de
soldagem, usando-se eletrodos de pequeno diâmetro, é um exemplo. A soldagem com o mínimo de
restrição à contração ou à transferência aos esforços da zona fundida para dispositivos de montagem
são providências úteis.
O final da solda – a cratera – é uma região suscetível à fissuração devido aos elevados
esforços de contração resultantes da solidificação rápida. A extinção gradativa do arco elétrico por
meio de dispositivo especial (crater filler) é a melhor solução. O esmerilhamento da cratera é outra
solução.
Mesmo que as medidas preventivas sejam adotadas é aconselhável a inspeção com líquido
penetrante de cada camada das soldas sensíveis à fissuração a quente.

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