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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

FACULDADE INTERDISCIPLINAR EM HUMANIDADES


INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS
Prof. Gustavo Henrique Rückert
Discente: Jean Paulo Silva Gabriel
Trabalho 1

O texto1 Manifiesto (hablo por mi diferencia), da travesti, chilena, Pedro Lemebel (1952 –
2015), trata-se de um manifesto que foi lido como intervenção em um ato politico da esquerda chilena
em 1986, em Santiago, Chile e levou os olhares revolucionários a questionarem suas segregadoras
útopias. Lemebel, em sua obra literária não nos apresenta nada novo ou demasiado ficcional, mas
revela algo que insistentemente preferimos esquecer ou não olhar. Faz isso de uma forma a qual é
impossivel não reagir. Terry Eagleton (1983) escrevendo sobre o que é literatura defendeu:

Talvez a Literatura seja definível não pelo fato de ser ficcional ou "imaginativa'',
mas porque emprega a linguagem de forma peculiar. Segundo essa teoria, a literatura é
a escrita que, nas palavras do crítico russo Roman Jakobson, representa uma "violência
organizada contra a fala comum". A literatura transforma e intensifica a linguagem
comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana.

A autora2: Pedro Lemebel

Lemebel, nascida em Santiago, Chile, em 1952 viveu até janeiro de 2015 deixou um
significante acervo que retrata as condições de vida da comunidade travesti e homossexual no mundo,
sobretudo na America Latina, e o surto de HIV/AIDS que assolou a comunidade, sobretudo no seculo
XX. Foi ensaísta, cronista, romancista e performer. Segundo a escritora, Soledad Bianchi:

Pedro Lemebel es un descubridor, posa su mirada en una realidad poco elaborada por
las plumas de Chile –la identidad homosexual, la alternativa travesti, y sus
conplejidades–. Escribe para dar a conocer, sin remilgos ni temores; inventa,
fantasea, exagera: entonces, lá crónica se aproxima y se funde com la ficción, y se
vuelve noticia, recado, chisme, de un antiguo “nuevo mundo”: “nuevo” porque se
simula disconocerlo, “nuevo” porque se silencia.

1
O texto Manifiesto (hablo por mi diferencia) pode ser lido na íntegra no Anexo 1 do presente trabalho.
2
Históricamente a comunidade que hoje denominamos LGBTQI+ (Lesbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais,
Queer, Intergêneros +) lutou e luta pela visibilidade de diferentes sujeitos, que vem cada dia mais evocando seus
lugares de fala, já que o movimento por muito tempo centralizava as pautas da comunidade gay somente. Hoje a
comunidade travesti aponta a necessidade em serem tratadas no feminino. Embora infelizmente poucas produções
acadêmicas versam nesse sentido, essa especificamente tratará Lemebel como ela mesma se referia a si, no feminino.
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O “nuevo mundo” que assinala Bianchi, o mundo das travestis e homossexuais, a batalha
contra a epidemia de HIV/Aids, não é novo, porem comumente é ignorado, esquecido, ou manipulado
ao longo da história da literatura. No cinema, por exemplo, esses grupos quando estão presentes
normalmente são representados em uma serie de esteríotipos, que acabar por reforçar no senso comum
alguns pré conceitos. Sobre a representação desses sujeitos no cinema brasileiro, por exemplo, alguns
autores destacam três fases:

De acordo com GOIS (2002), numa analise da pesquisa realizada por Antonio
Moreno sobre a representação dos homossexuais no cinema brasileiro, existiriam três
fases principais de construção de representações: a primeira, entre os anos 20 e 60,
marcada pela invisibilidade quase completa; a segunda, a partir dos anos 60, marcada
por um maior número de películas que passou a abordar o assunto, mas ainda não de
forma central; e a terceira, a partir dos anos 70, quando houve um boom em torno da
temática. Entretanto, sinaliza o autor, é nesse mesmo período que surge o“homossexual
padrão”, através de um gestual, de uma forma de falar e de agir, geralmente caricatural
e estereotipada. (GOIS apud VIRGENS, 2013)
Voltando ao Chile, entre performances, textos, manifestos, entrevistas e conferências
polêmicas a autora punha o dedo na ferida aberta da masculinidade, das ideologias que perseguiam
homossexuais e travestis, e do próprio movimento homossexual que se organizava em fins do século
XX e ínicio do XXI.
Loco Afán: crônicas del sidario seu principal livro contém um compilado de alguns dos seus
mais importantes textos, muitos interpretados pela própria autora ao redor do mundo. Foi publicado
em 2000, como parte da coleção Contraseñas da editora espanhola Anagrama. Dentre os textos que
compoem o livro, destaca-se Manifiesto (hablo por mi diferencia).
¿Qué harán con nosotros compañero?
Assim como outros textos Manifiesto pode ser lido de diferentes maneiras, em distintos
momentos históricos. Segundo Eagleton “Todas as obras literárias, em outras palavras, são
"reescritas'', mesmo que inconscientemente, pelas sociedades que as lêem;” mas no contexto politico
da época explicita o lugar ocupado por homossexuais e travestis dentro dos regimes revolucionarios
na America Latina, durante o seculo XX. Ao fazer seu manifesto Lemebel fala sobre uma trajetoria
comum a esses sujeitos e questiona a posição da esquerda diante deles. Ao dar voz a sujeitos
esquecidos até mesmo pelos regimes revolucionarios a autora possibilita outra perspectiva sobre as
revoluções.
No ocidente tem se contado uma mesma história sobre as identidades e sexualidades que
fogem ao padrão heteronormativo, isto é, de acordo com Louro (2009)

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Historicamente estabeleceu-se uma norma para controlar as condutas ditas normais,
baseada em relações de poder, em que a referência está pautada no homem heterossexual,
branco, cristão, urbano e de classe média. Todos aqueles que não se encaixam neste
padrão são denominados “outros” e que serão definidos em contraponto ao modelo. A
heteronormatividade que se define por uma norma compulsória à heterossexualidade,
está apoiada na ligação entre sexo, gênero e expressão da sexualidade.
O que foge então do exposto fica a margem e sujeito a violencias3, violações, preconceitos.
Chimamanda Ngozi Adichie em sua conferência para a plataforma TED em 2009 narrou os perigos
de se contar uma história por um único viés:
A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam
mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem um história tornar-se a única
história. Então, é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa,
como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão. É impossível falar
sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo,
que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é
"nkali". É um substantivo que livremente se traduz: "ser maior do que o outro." Como
nossos mundos econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do
"nkali". Como são contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas,
tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de
uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. (Trecho de sua
conferência, transcrito)
Chimamanda faz um apelo para que outras, e novas, perspectivas sejam consideradas e
contadas. Lemebel em suas obras evoca um lugar que tradicionalmente lhe é negado, e desse modo
narra vivências e sujeitos esquecidos e finaliza seu manifesto com um pedido:

(…)
A usted le doy este mensaje
Y no es por mí
Yo estoy viejo
Y su utopía es para las generaciones futuras
Hay tantos niños que van a nacer
Con una alíta rota4
Y yo quiero que vuelen compañero
Que su revolución
Les dé un pedazo de cielo rojo
Para que puedan volar.

3
No ano de 2017 o numero de mortes por homotransfobia no Brasil bateu seu próprio recorde, chegando a cerca de
uma morte a cada 20 horas. O país é recordista mundial no assassinato de homossexuais, travestis e transsexuais no
mundo, de acordo com o Relatorio Anual do Grupo Gay da Bahia.
4
“Asinha quebrada”, uma alusão à mão “desmunhecada”
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Referência bibliográfica

ADICHIE, Chimamanda. Chimamanda Adichie: The danger of a single story. [Online] TED, October
2009.

EAGLETON, Terry. O que é literatura. Teoria da Literatura–Uma Introdução, p. 1-22, 2001.

LEMEBEL, Pedro. Loco afán. Anagrama, 2000.

LOURO, Guacira Lopes. "Pedagogias da sexualidade. O corpo educado:” pedagogias da sexualidade.


Belo Horizonte: Autêntica (1999).

VIRGENS, André; A Homossexualidade no cinema brasileiro contemporâneo: o ponto de vista do


mercado. Em: <http://www.rua.ufscar.br/a-homossexualidade-no-cinema-brasileiro-contemporaneo-
o-ponto-de-vista-do-mercado>. Acesso em 10 de janeiro de 2018.

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