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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

NÚCLEO CÍVEL E FAZENDÁRIO DE VILA VELHA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 6ª (SEXTA) VARA


CÍVEL DO JUÍZO DE VILA VELHA, COMARCA DA CAPITAL – ESTADO DO
ESPÍRITO SANTO.

Autos nº 035.11.011880-5

LAUDINEIA FERREIRA MARTINS, já qualificados nos autos do processo tombado sob


o número em epígrafe, devidamente qualificada nos autos do processo em epígrafe, por
intermédio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, através do
órgão de execução abaixo subscrito, tendo como prerrogativa a dispensa da
apresentação de instrumento de mandato, a intimação pessoal com vista dos autos e o
prazo em dobro para a prática dos atos processuais, nos termos do artigo 128, incs. I e
XI, da Lei Complementar federal nº 80/94 e art. 55, inc. XI, da Lei Complementar estadual
55/94, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem respeitosamente perante
Vossa Excelência, apresentar RÉPLICA à contestação apresentadas por BFB LEASING
S.A ARRENDAMENTO MERCANTIL nos termos do art. 327 do Código de Processo Civil,
com lastro nos fundamentos que passa a expor, e, ao final, requerer o que se segue.

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DAS PRELIMINARES SUSCITADAS

1.1. Da Suposta Falta de Interesse de Agir

Em sua peça defensiva, o Requerido suscita, em sede de preliminar, a falta de interesse


de agir da autora. Conforme se demonstrará, improcede a referida alegação.

E.L.Junior
Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES: CEP 29100-020.
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O interesse de agir está claramente demonstrado, uma vez que, como contratante,
pretende a revisão do contrato celebrado entre as partes, tendo em vista a ocorrência de
modificação superveniente da situação financeira da Autora, o que não foi possível na
âmbito extrajudicial, não restando outra alternativa que não o ajuizamento da presente
ação.

Verifica-se no caso em tela, o interesse de agir, sendo incabível a alegação de carência


da ação.

Mister citar a lição do Professor Alexandre Câmara:

“Pode-se definir o interesse de agir como a utilidade do provimento


jurisdicional pretendido pelo demandante (…)
(…) O interesse de agir é verificado pela presença de dois elementos,
que fazem com que esse requisito do provimento final seja verdadeiro
binômio: necessidade da tutela jurisdicional e adequação do
provimento pleiteado. Fala-se assim em interesse-necessidade e
interesse-adequação.” (Lições de Direito Processual Civil, Vol I, 6ª
edição, páginas 110, 111).

Assim, resta plenamente configurado o interesse de agir da autora, pois tanto a demanda
é necessária como a via processual é a adequada. Enquanto parte do contrato celebrado
entre as partes, pretende revisar o contrato de adesão aos termos do CDC, adequando,
ainda, á sua nova realidade financeira, e impedindo a inclusão de seu nome no rol dos
inadimplentes.

Portanto, não há que se falar em extinção do processo sem julgamento do mérito,


devendo ser rejeitada esta preliminar.

1.2. Da Suposta impossibilidade jurídica do pedido

Alega ainda o Requerido, em sede preliminar, a carência da ação, sob o argumento de


que o pedido formulado na inicial, revisão do contrato, seria juridicamente impossível,

Sustenta que o contrato só poderia ser modificado por vontade dos contratantes, já que o
mesmo foi concebido por vontade de ambas as partes. Dessa forma, o Judiciário não
poderia intervir no ato jurídico perfeito, visto que não há vícios há serem sanados.

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Primeiramente, é necessário que se entenda perfeitamente o que significa tal condição


de ação. De fato, como é tranquilo na doutrina e firme na jurisprudência, somente inexiste
possibilidade jurídica do pedido quando o atendimento do pleito deduzido encontra
expressa proibição no ordenamento jurídico, do que, efetivamente, não se cuida no
caso presente. Ora, diferentemente do alegado, perfeitamente possível a revisão
contratual no caso de inobservância do Código de Defesa do Consumidor, no caso, a
autora vê-se prejudicada pelo contratual de adesão, atingindo, portanto, um dos direitos
básicos do consumidor, previsto no CDC, art. 6º, in verbis:

IV- a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos


comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e
cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços;
[...]
VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão
do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiências;
[...]
V- a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que
as tornem excessivamente onerosas;

Assim, faz-se necessário o pleito e a intervenção do Judiciário para alterar o conteúdo


contratual, pois atinge diretamente um direito básico da autora, que vem sendo
prejudicada pela cláusula abusiva presente no contrato, tendo em vista a atual situação
financeira da consumidora.

Portanto, não há que se falar em ato jurídico perfeito, se há vícios do contrato.

“... havendo a possibilidade de existirem cláusulas nulas de pleno


direito no contrato revisando, o que revestiria o mesmo de ilegalidades
e abusividades, ainda que tenham sido pagas todas as parcelas
acordadas, a relação jurídica existente entre as partes não se
perfectibilizou, podendo o consumidor pleitear a adequação do
contrato aos moldes legais.

Não há que se falar em ato jurídico perfeito relativamente a negócios


celebrados por particulares que, por apresentarem ilegalidades e
abusividades, continuam surtindo efeitos no tocante a possibilidade de
sua revisão, não perdendo o seu caráter de mutabilidade.”

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(TJRS, 14ª CC, AC Nº 70000966879, Rel. Des. SEJALMO


SEBASTIÃO DE PAULA NERY)

“Ressalte-se que a execução voluntária das obrigações negociais, pelo


consumidor, não inibe a possibilidade da apresentação da pretensão
processual de invalidação das disposições negociais abusivas, em
violação às disposições do Código de Defesa do Consumidor e ao
princípio da boa-fé objetiva.
Por igual, não há que se cogitar de ato jurídico perfeito, pois o
aperfeiçoamento do ato também pertine à sua validade, que pode ser
objeto do pedido revisional do negócio jurídico.”
(TJRS, 14ª CC, AC nº 70006003032, Rel. Des. JOÃO ARMANDO
BEZERRA CAMPOS, j. 17/04/2003)

“AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL SUJEITA A INCIDÊNCIA


DO CDC. O CONTRATANTE QUE ESTEJA EM MORA OU
TENHA QUITADO O CONTRATO NÃO ESTA IMPEDIDO DE
AJUÍZA-LA. NULIDADE DE PLENO DIREITO A AFASTAR A
RATIFICAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 148 DO CÓDIGO
CIVIL. APELO PROVIDO PARA CASSAR A SENTENÇA QUE
EXTINGUIRA O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO
MÉRITO.”
(TJRS, 14ª CC, AC Nº 70000748772,, REL.: DES. CARLOS
ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA)
Aliás, é entendimento sumulado no Egrégio STJ que os vícios
insanáveis – por cláusulas e condições abusivas –, como ocorre no caso
dos autos, tornam imperiosa a revisão do contrato, precisamente para
expurgar as ilegalidades de que o mesmo padece:
Súmula nº 286:
“A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não
impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos
contratos anteriores.”

Diversos precedentes desta Corte Superior salientam essa


circunstância, a qual exige a revisão judicial das cláusulas e condições
ilegais do contrato ora verberado, e, por consequência, a restituição do
indébito, a fim de evitar que o Banco Réu se beneficie das suas
sistemáticas práticas abusivas e contrárias ao Direito.

Assim, de igual forma, deve a referida preliminar ser rejeitada por este Juízo.

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DO MÉRITO

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Cláudia Lima Marques, em sua obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor”,


biblioteca de direito do consumidor, 3 ed., ed. Revista dos Tribunais, leciona:

“o controle do conteúdo dos contratos não é só atual, mas sim, desde o


início da relação contratual de consumo, relação continuada vista
como um processo finalístico, como uma relação de deveres mútuos de
conduta, de boa-fé e de prestação, que se prolonga no tempo até atingir
o seu fim”

Incontroverso que, na hipótese, trata-se de relação de consumo, haja vista que os


Bancos são considerados fornecedores, consoante o art. 3º, p. 2, L. 8078/90. Portanto,
aplicáveis os dispositivos da lei consumerista, mormente os inerentes à proteção
contratual e às cláusulas abusivas.

NÃO há dúvidas de que o objetivo das instituições financeiras, assim como de todas as
demais atividades empresariais, é o lucro. Porém, não se pode aceitar o abuso deste
direito, sob pena de se violar regras básicas previstas na Carta Magna, que no art. 5º,
XXXII, estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

Ademais, no Título VII, da CRFB – Da ordem econômica e financeira – deixou claro o


legislador constituinte que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
ditames da justiça social, observado, como princípio, a “defesa do consumidor”.

Fez ainda constar do art. 192, da CF, que o sistema financeiro deverá ser estruturado a
promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da
coletividade.

Não é outro o escopo do diploma consumerista, que por sua vez prevê no art. 6º, como
direito básico do consumidor, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais, ou seja, prestações que contenham um desequilíbrio nas
obrigações de cada parte, inclusive eivando de nulidade absoluta a cláusula contratual
considerada exagerada, entre outras, a que instituir vantagem que se mostra
excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do
contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (art. 51, § 1º,
inciso III, Lei 8.078/90).

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Considerado o contrato de financiamento como de adesão (art. 54, caput , do


CDC), e contendo cláusulas abusivas, incluindo juros exorbitantes, a aplicação
de forma cumulativa de juros, taxas e comissões, devem ser tidos como nulos,
por afrontarem sobre maneira o Código de Proteção e Defesa do Consumidor .

O intervencionismo estatal nas relações contratuais de consumo, introduzido em nosso


sistema legal pela Lei nº 8.078/90, através de disposições de ordem pública,
abandonando a visão tradicional da autonomia da vontade como baliza dos termos do
contrato, transfere ao Poder Judiciário a relevante função de estabelecer o equilíbrio
contratual ao controlar cláusulas abusivas, impostas em contratos de adesão para crédito
bancário, para o atendimento do objetivo da Política Nacional de Relações de Consumo
na proteção dos interesses econômicos do consumidor (art. 4º, do CDC).

Vale lembrar, por oportuno, que o ordenamento jurídico pátrio de há muito apresenta a
possibilidade do controle pelo Poder Judiciário dos juros cobrados excessivamente.

Vêm entendendo os nossos Tribunais, em consonância com o Direito Civil brasileiro e o


Código de Defesa do Consumidor, ser potestativa e, portanto, ineficaz a cláusula que
confere ao credor o arbítrio de submeter o devedor a flutuação dos juros, até porque
possibilita variação de preço e modificação unilateral dos termos contratados.

Neste sentido também tem recentemente decidido o Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO


DE FINANCIAMENTO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA. INCIDÊNCIA DO CDC. REVISÃO DE
CONTRATO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.
INACUMULABILIDADE COM QUAISQUER OUTROS
ENCARGOS REMUNERATÓRIOS OU MORATÓRIOS.
MANUTENÇÃO DO BEM NA POSSE DO DEVEDOR.
DEPÓSITO PARCIAL. VALORES INCONTROVERSOS.
CABIMENTO. COMPENSAÇÃO/RESTITUIÇÃO DO
INDÉBITO. POSSIBILIDADE.
RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. MULTA,
ART. 557, § 2º, DO CPC.
I. Aplicam-se às instituições financeiras as disposições do Código de
Defesa do Consumidor, no que pertine à possibilidade de revisão dos
contratos, conforme cada situação específica.
II. Segundo o entendimento pacificado na e. Segunda Seção (AgRg no
REsp n. 706.368/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime,

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DJU de 08.08.2005), a comissão de permanência não pode ser


cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou
moratórios que, previstos para a situação de inadimplência, criam
incompatibilidade para o deferimento desta parcela. Constatada a
presença dos juros moratórios e da multa contratual para o período de
inadimplência, inviável a concessão da comissão de permanência
conforme contratada.
III. Permanecendo inalterado o pressuposto de que o autor não se
encontra em mora, não há espaço para revogar a tutela antecipada que
permite a manutenção do bem na posse do devedor.
IV. Detém o valor depositado em juízo eficácia liberatória parcial,
podendo ser futuramente complementado, tão logo realizados os
cálculos e apurado o real montante do débito, na esteira da
jurisprudência da 4ª Turma, aplicando o disposto no art. 899, do
CPC.
V. Admite-se a compensação/repetição do indébito de valores pagos em
virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípio que veda o
enriquecimento injustificado do credor.
VI. Sendo manifestamente improcedente e procrastinatório o agravo, é
de se aplicar a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC, de 1% (um
por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de
novos recursos sujeita ao prévio recolhimento da penalidade imposta.
VII. Agravo improvido.
(AgRg no REsp 1025842/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2008, DJe
23/06/2008) (Grifo Nosso).

Relativizando o princípio pacta sunt servanda, o interesse social pelo devido equilíbrio dos
negócios jurídicos sobrepõe-se à força vinculante da vontade particular, motivo pelo qual
não há óbice em quebrar as cláusulas que eventualmente apontem excessos e abusos.
Frise-se que atualmente com a importância dada a função social dos contratos, não se
pode mais aplicar de forma rigorosa o pacta sunt servanda, pois não se admite mais que
um dos contratantes venha a ser demasiadamente prejudicado em benefício do outro, ou
seja, não pode suportar o devedor a onerosidade excessiva da prestação que lhe foi
imposta pelo Banco réu em desacordo com as normas legais.

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DOS REQUERIMENTOS

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Diante do exposto, requer-se a rejeição das preliminares suscitadas, com o regular


prosseguimento no feito, e, no mérito, reporta-se integralmente aos termos da inicial, a
fim de serem julgados procedentes os pedidos nela formulados.

Termos em que,
Pede Deferimento.
Vila Velha-ES, 08 de novembro de 2012.

EDILSON LOZER JUNIOR


- DEFENSOR PÚBLICO TITULAR DA 3ª DEFENSORIA CÍVEL E FAZENDÁRIA –

RENATA GAVA MASOCO


- ESTAGIÁRIA DE DIREITO -

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