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carito2 Celebrando a “Revolugao”: as Marchas da Familia com Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964! Aline Presot* *Mestre em Hist6ria Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Autora de servadores em desfile”. Revista de Histéria, vol. 8, pp. 60-64, 2006. Nos primeiros anos da década de 1960, o pais viveu um momento de eferves- céncia politica e cultural dos mais marcantes. As aspiragées por mudanga social ¢ a ideia de “revolugao”,? nao apenas na politica ¢ nas instituigdes como na cultura, nos costumes € nas expressées artisticas, ganhavam no- vos sentidos ¢ tonalidades mais fortes. Mas eram também tempos de guerra fria, em que imagens? valorizadoras do idedrio “ocidental e cristo” foram se reconstituindo ¢ se difundindo, especialmente por meio de certos grupos ou instituigdes que se mostravam, em diferentes graus ¢ segundo interesses também diversos, cada vez mais preocupados com o “perigo comunista”, que se lhes afigurava mais proxi- mo desde a Revolugdo Cubana, em 1959, e a opcao por um governo socia- lista naquele pais, em 1961. Nesse mesmo ano, apés a rentincia de Janio Quadros, a posse do nacionalista Joo Goulart na presidéncia foi recebida com grande alarmismo. Sua heranga politica e suas ligagées com os sindicatos faziam com que fosse tido, por determinados estratos do conservadorismo politico, por “esquerdista”.* A partir daquele momento, o pais atravessaria uma das fases de mais agudo anticomunismo na histéria do século XX.$ Nesse cenério, os movimentos sociais conheceram um crescimento sig- nificativo, quando grupos de orientacdo ideolégica oposta se enfrentaram em alguns dos maiores embates de nossa hist6ria politica, De um lado, seg- mentos identificados com 0 conservadorismo politico, que se articulavam numa intensa campanha de mobilizacao da opiniéo publica pela desestru- turagéo do governo Joao Goulart, De outro, representantes das esquerdas que, unidos em torno de um projeto reformista, passaram, paulatinamente, por um processo de radicalizagao de suas propostas. A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL Este artigo tem como propésito analisar um dos momentos de maior ex- pressio da organizagao conservadora, que foi a realizago das Marchas da Familia com Deus pela Liberdade. Enquanto fenémeno social, as Marchas inserem-se em um momento em que diversificados setores da populagio safram 4s ruas em reptidio ao governo nacionalista de Joao Goulart, que, segundo acreditavam, tinha aspiragées comunizantes ¢ caminhava para a destruicio dos valores religiosos, patriéticos e morais da sociedade. Tais passeatas surgiram como uma espécie de pedido as Forgas Armadas por uma intervencio salvadora das instituigées e, posteriormente ao 31 de margo de 1964, passaram por uma ressignificagdo de seu discurso, transforman- do-se numa demonstracio de legitimacao do golpe civil-militar. As Marchas acabaram por constituir algumas das maiores manifestacées piblicas de nossa. histéria politica e tornaram-se emblematicas nao sé pelo mimero de manifes- tantes como também pela notavel estrutura de propaganda a servigo de seus organizadores e capacidade de mobilizagao popular para a ago politica.® A perspectiva da valorizag4o analitica das relagées entre as escolhas polf- ticas dos individuos — no presente caso, a opgio por aderir a um movi- mento que buscava a derrubada de um governo legalmente estabelecido e, posteriormente, a uma intervengSo militar nas instituigées democrdticas — € 0 conjunto de crengas ¢ valores que as orientaram, a maneira pela qual foram eleitos e manipulados tais bens simbdlicos,’ foram um dos vetores principais do estudo das Marchas da Familia com Deus pela Liberdade. ‘A RADICALIZAGAO DA LUTA POLITICA E AS MARCHAS DA FAMILIA COM DEUS PELA LIBERDADE Durante os anos do governo Joao Goulart (1961-1964), a sociedade bra- sileira assistiu a um considerdvel crescimento e amadurecimento da mo- bilizagdo popular em torno de projetos politicos. Camponeses, operdrios, estudantes e militares protagonizaram greves, ocupagées de terra e ma- nifestacdes ptiblicas com repercussdes até entao inéditas na nossa histé- ria politica. 74 CELEBRANDO A “REVOLUGAO: Grande parte desses movimentos sociais estreitou seus interesses em torno do projeto das reformas de base, projeto esse que compreendia mudangas na estrutura agréria, urbana, na educagao, reformas institucionais, como a extensio do direito de voto aos analfabetos, além de politicas de controle do capital estrangeiro ¢ a nacionalizacao de alguns setores da economia. Os partidos de orientacao de esquerda — nacionalistas, trabalhistas e comunistas —além de organismos sindicais, como o Comando Geral dos Trabalhado- res (CGT), entidades estudantis ¢ ligas de trabalhadores rurais empunha- ram com entusiasmo a bandeira das reformas, que nos anos finais do governo Jango ganhou contornos mais radicais. Acirraram-se, assim, tens6es politi- cas e presses sobre o governo, que desde seu inicio foi marcado por crises politico-institucionais, como também pela crise econdmica, em parte he- ranga das administragdes anteriores. Num outro espectro situava-se uma classe média amedrontada com a continua perda de poder aquisitivo e com as ditas tendéncias “esquer- dizantes” do presidente, tio alardeadas pelas forcas conservadoras,* ¢ um empresariado cada vez mais descontente, que ansiava por medidas que pudessem conter 0 avanco das forcas populares ¢ dar um novo equilibrio a0 quadro econémico. Os grupos conservadores, que havia alguns anos denunciavam a iminéncia do “perigo comunista” no pais, perceberam a necessidade de intensificar sua campanha de oposigéo ao governo e de arregimentagao da opiniao pai- blica, Esses grupos acreditavam numa infiltragéo comunista no governo, bem como nas Forcas Armadas, nos partidos, sindicatos e nas organizagées estudantis, responsavel pelas mobilizages populares. Os opositores do governo Jango usaram referencias simbélicas para caracterizar 0 “inimigo comunista”, como a alusao aos simbolos catélicos, relacionando o comu- nismo a sombra, as trevas, ao medo ¢ ao terror, dizendo-o capaz de des- truir os trés pilares da sociedade livre: Deus, Patria, Familia? O constante esforgo de conciliagao das demandas dos setores conserva- dores e nacionalistas levaria o presidente, em pouco tempo, ao isolamento politico. Os setores de direita temiam a suposta tendéncia “esquerdista” de Jango, enquanto as esquerdas passavam a identificar suas propostas com mero exercicio de retérica, A realizagao do Comicio pelas Reformas, no 75 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL Rio de Janeiro, consistiu numa tentativa de reaproximagao das massas, que se encontravam cada vez mais descrentes de seu governo. Foi sua tiltima manobra politica de busca de apoio. As forcas governistas esperavam daquela noite de sexta-feira, 13 de margo de 1964, a dificil tarefa de unir suas bases, que se chocavam mais violenta- mente a cada dia. E, de fato, a realizagio do comicio acabou por superar até as expectativas mais otimistas, reunindo nos arredores da Central do Brasil cerca de 200 mil pessoas, O comicio, organizado pelo CGT, durou cerca de oito horas, periodo durante o qual discursaram lideres estudantis, como o presidente da Unido Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra, 0 governador de Pernambuco, Miguel Arraes, Lindolfo Silva, presidente da Confederacao dos Trabalhadores Rurais, além do lider nacionalista Leonel Brizola. A presenga do ministro da Justica, Abelardo Jurema, bem como dos ministros militares, entre cles 0 da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, tinha importante significado, era uma clara tentativa de demonstragio do com- prometimento das Forcas Armadas com a legalidade. Para muitos dos mili- tares antijanguistas que acompanhavam os acontecimentos, tal apoio adquiria ares de envolvimento das Forgas com um golpe antidemocratico."” Enquanto Jango selava o compromisso definitivo com as reformas, assi- nando seus principais decretos, muitas familias da Zona Sul do Rio de Janeiro respondiam a uma convocagio de se acender uma vela pelo afastamento do pais das aspiragées comunizantes. Mulheres de Séo Paulo se reuniram e rezaram 0 terco na Sé. A resposta do presidente a esses ataques viria como critica aos que “ex- ploram os sentimentos cristaos do povo na mistificacéo de um anticomu- nismo” e na declaragéo de que “nao podem ser levantados os rosarios da fé contra 0 povo, que tem fé numa justica social mais humana ¢ na dignidade de suas esperancas”, Foi o bastante para que seus adversdrios se organizas- sem numa agio espetacular. A Marcha da Familia com Deus pela Liberdade seria um movimento de desagravo ao rosario insultado por Joao Goulart. Na verdade, as mulheres da Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), associacao feminina do Rio de Janeiro, ! chegaram mesmo a distorcer suas palavras, afirmando ter ele dito que “os tergos e a macumba da Zona Sul nao teriam poder sobre ele”." 76 CELEBRANDO A “REVOLUGAO” As diferentes vers s acerca da arquitetura das Marchas da Familia com Deus pela Liberdade convergem ao delegar a irma Ana de Lurdes (Lucflia Batista Pereira, neta de Rui Barbosa) a ideia do Movimento de Desagravo ao Rosario, que, como foi mencionado anteriormente, deu origem as Mar- chas. Tal iniciativa foi compartilhada pelo deputado Cunha Bueno (PSD), que, indignado com o discurso proferido por Goulart na Central do Brasil em 13 de margo, procurou a ima e, recebida a sugestao, parti naquela mesma noite para os preparativos da Marcha paulista. A data da manifesta- ¢4o foi também escolhida segundo as diretrizes da irma: 19 de margo, dia de Sao José, padroeiro da familia e da Igreja Universal." Seus organizadores aguardavam um nimero de manifestantes que pudes- se, ainda que por uma pequena margem, superar o comparecimento ao Co- micio da Central, mas o que nao poderiam prever era que cerca de 500 mil pessoas congestionariam as ruas da capital paulista em manifestagio publica pela derrubada do presidente. A Marcha seria também uma forma de dizer as Forgas Armadas que era chegado o momento de se intervir na politica, 0 que, segundo seus organizadores, representaria um anseio do povo. Senhoras com rosdrios em punho rezavam para que se afastasse do pais o “perigo comunista”. A multidao seguia num coro: “TA chegando a hora de Jango ir embora.” Carregavam faixas e cartazes com mensagens anticomunistas e contra o governo, algumas delas lembravam: “Trinta e dois mais trinta é dois igual a sessenta e quatro”, numa referéncia 4 Revolugdo Constitucio- nalista. Também no sentido de homenagem a Revolugao, duzentos ex-com- batentes de 32 abriram as fileiras da Marcha, numa “trincheira democratic”, que seguiu ao som de Paris Belford, consagrado como o hino da Revolugao.* Patrocinada pelos empresérios aglutinados no Ipes (Instituto de Pesquisas ¢ Estudos Sociais),"* a manifestagao contou com a presenga macica ¢ lide- ranca dos grupos femininos, algumas das altas patentes militares, um estrato consideravel do conservadorismo politico, além de importantes represen- tages do clero tradicional. Fundado em novembro de 1961, o Instituto de Pesquisas e Estudos So- ciais reunia em seus quadros membros das elites empresariais favoraveis & abertura da economia ao capital estrangeiro. A semelhanga da composig4o da Marcha da Familia acima descrita, para o Ipes confluiram os menciona- 7 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL dos setores de oposigao ao governo Joao Goulart (politicos conservadores, alguns membros do clero, assim como militares, especialmente aquele se- tor ligado & Escola Superior de Guerra). Por trés da inocente sigla de “institut de pesquisas e estudos” procura- va-se ocultar o que de fato se constituiu num amplo e criterioso trabalho pela desestabilizagao do governo Goulart, em defesa de um projeto politi- co-econdmico mais adequado as orientagdes das elites" que se desenvol- yeu em varias frentes, Durante os anos que antecederam o golpe de 1964, © Ipes ampliou sua estrutura e rede de relagées ao fundar “filiais” em im- portantes capitais, organizando palestras e semindrios em diversos pontos do pais, além de arquitetar um poderoso esquema de propaganda, que ia da distribuicdo de livros ¢ folhetos até a transmissdo de um programa se- manal de debates, chamado “Pe¢o a palavra”, pelo Canal 2, na TV Cultura de Sao Paulo,” além dos filmes feitos especialmente para o cinema. Entre os anos de 1962 ¢ 1964, o Grupo de Opiniao Publica do Ipes"® produziu 14 filmes de duragéo aproximada de oito a dez minutos, todos eles criados pelo repérter fotografico ¢ cineasta Jean Manzon, colaborador do DIP (Departamento de Imprensa ¢ Propaganda) durante a ditadura Vargas.” Os temas versavam, em geral, sobre os perigos que pairavam so- bre a democracia e a liberdade brasileiras, os problemas socioeconémicos ¢ politicos por que passava o pais, dando também a receita por meio da qual solucioné-los, extirpando 0 “inimigo” comunista, responsavel por todos os males que afligiam a nagao. Os filmes procuravam demonstrat como, op- tando pela “democracia ocidental e crista”, a sociedade brasileira se torna- ria mais rica ¢ equilibrada, sem que instituiges como a Familia ¢ a Igreja Catélica fossem ameagadas, Também bastante frequentes eram as compara- Oes grosseiras do comunismo com os regimes nazifascistas. Os filmes pro- duzidos eram espalhados por todos os cinemas para serem exibidos em sessées regulares ou especiais, a partir de um acordo feito com as empresas distribuidoras e com os exibidores.2” Outra importante atividade do Ipes foi a montagem de um banco de in- formagées “sobre 400 mil pessoas — acervo que general Golbery do Couto e Silva levaria consigo para dar o pontapé inicial no Servigo Nacional de In- formagées (SNI)”,2! depois de vitorioso 0 golpe civil-militar, ainda em 1964, 78 CELEBRANDO A “REVOLUGAO” Quanto a participagao do Ipes nas Marchas da Familia, nao bastassem as estreitas ligagdes com os grupos femininos” e a responsabilidade pela idealizagao e o financiamento da marcha paulista, 0 instituto colaborou, através de sua estrutura de propaganda, para a divulgacdo das manifesta- ges. Os ipesianos também estiveram presentes por meio das entidades que os representavam, além dos deputados da Agéo Democratica Parla- mentar (ADP) como Cunha Bueno, Herbert Levy, Arnaldo Cerdeira, Menezes Cortez, Padre Vidigal, Pedro Aleixo e Eurfpedes Cardoso de Menezes, que nao sé marcharam, mas também marcaram presenga como oradores nas passeatas. ‘Apés a Marcha de Sao Paulo, outras manifestagdes com o mesmo teor ocorreram no interior do estado e, em breve, o movimento teria abrangéncia nacional. A grande passeata do Rio de Janeiro jé estava sendo programada quando 0 golpe de 31 de marco modificou o seu carter, transformando-a numa espécie de “desfile da vitéria”. O cortejo partiu da Igreja da Candeléria, ao som do repicar dos sinos. No seu auge, teria atingido, segundo algumas estimativas, 0 surpreendente ntimero de um milhio de pessoas. A come- moragao da vit6ria do golpe civil-militar — ou da “Revolugéo”, como 0 nomearam seus protagonistas — durou quatro horas. ‘A propaganda organizada para a Marcha buscava a adesio da popula- ¢40 usando valores e elementos simbélicos como o amor A patria, o respei- to A democracia, a defesa da familia e das liberdades politicas. Um volante distribufdo pelas entidades promotoras da manifestagio dizia do seu card- ter civico-religioso, “destinado a reafirmar os sentimentos do povo brasi- leiro, sua fidelidade aos ideais democréticos ¢ seu propésito de prestigiar 0 regime, a Constituigdo e 0 Congresso, manifestando total reptidio ao co- munismo ateu e antinacional”.** Os boletins eram distribuidos em igrejas, praias e clubes. A televisao e o radio deram extensa cobertura aos prepara- tivos da passeata.2* Também nas pAginas dos jornais cariocas, dias antes de sua realizacio, podia-se ler: “Em nome de sua fé religiosa, comparega e tra- gaa sua familia.”®’ A frente da manifestagao estavam as senhoras represen- tantes da Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), as quais era dado © titulo de “Ifderes” da Marcha. 79 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL O histérico da atuagio de grupos femininos como a Camde, no Rio de Janeiro, a Liga da Mulher Democrata (Limde), de Belo Horizonte, ou a Unido Civica Feminina (UCF), de $4o Paulo, é de fundamental importancia para a compreensio do clima de radicalizagao anticomunista do inicio dos anos 1960 que culminou na reagdo conservadora de 1964. Essas mulheres, especialmente a partir de 1962, dominaram 0 cenério politico com demonstragées de reptidio ao comunismo e franca oposigo as politicas reformistas do governo Goulart, que, segundo acreditavam, representavam o primeiro passo para a completa “bolchevizagéo” do pais. Os grupos femininos rapidamente espalharam-se por todos os estados e, sob 0 manto da caridade, atuavam junto ao empresariado, a grupos politi- cos conservadores ¢ a alguns setores da Igreja Catélica em sua campanha de mobilizagéo da opiniao publica. As mulheres que fundaram e dirigiram esses grupos comungavam de algumas caracteristicas, como a de pertence- rem 4 elite ¢ serem esposas ou maes de empresérios ou militares gradua- dos. As diretorias, em geral, eram compostas por um reduzido ntimero de associadas, cabendo ao restante a realizacéo de tarefas menores, além de engrossar 0 contingente em seus aparecimentos ptblicos. ‘A Camde foi fundada em 12 de junho de 1962 ¢ seu primeiro protesto puiblico ocorreu alguns dias depois, quando 30 senhoras se dirigiram aos jornais com o objetivo de protestar contra a indicacao de San Tiago Dantas para primeiro-ministro do governo Joao Goulart. As mulheres da Camde se valeram de eficientes taticas em seu trabalho de mobilizagao da opiniéo publica. Uma delas era o envio de telegramas, visando a alertar as mulheres do Brasil inteiro acerca da ameaga do comu- nismo. Do mesmo modo a Camde enviou cartas para senhoras, distribuiu cartas na porta das estagdes de radio, assim como livros, folhetos e outros instrumentos de propaganda.”” Outro recurso usado foram as transmissées pelo radio, em cadeia nacional, com o mesmo objetivo de falar 4s mulheres sobre os perigos que o comunismo representaria para suas familias. A Camde fazia um pedido As ouvintes para que transmitissem o contetido do pro- nunciamento a, pelo menos, mais cinco mulheres.2* Além dessas taticas, as mulheres da Camde e de outras entidades orga- nizaram importantes agées piiblicas, como a da Limde, em Belo Horizonte, 80 CELEBRANDO A “REVOLUGAO” em janeiro de 1964, um protesto pela realizacéo do Congreso da Central Unica dos Trabalhadores da América Latina (Cutal). Uma “cadeia civica contra 0 comunismo” foi organizada, por meio da redacao de um manifes- to contendo 16 mil assinaturas, que foi entregue ao governador Magalhaes Pinto, numa manifestacéo piiblica que terminow no Palacio da Liberdade, sede do governo de Minas Gerais. As mulheres da Limde alertaram, ainda, para o fato de que, caso o manifesto nao alcangasse a repercussao espera- da, uma nova agio jé estava sendo elaborada: quando o aviéo que trazia a delegacao pousasse em Belo Horizonte, as encontraria deitadas na pista do aeroporto. © Congresso foi transferido para Brasilia.” O episédio da expulsio de Brizola da Secretaria de Satide de Belo Hori- zonte, em fevereiro de 1964, quando pretendia se apresentar numa con- centracao em defesa das reformas de base, teve também grande repercussio. Cerca de 3 mil mulheres invadiram 0 auditério, ao lado do aguerrido anticomunista padre Caio Alvim de Castro, e, com rosdrios em punho, impe- diram o discurso do lider nacionalista. O desdobramento dessa atuacao se daria com um certo tumulto. Os “organizadores do evento decidiram ocu- par o palco”, enquanto as mulheres resistiram, gritando que “um dia eles seriam derrotados por Deus”. A policia interveio, “inclusive jogando bom- bas”. As mulheres “participaram usando sombrinhas ¢ cadeiras como ar- mas”.2° Tal episédio passou a ser conhecido como Noite das Cadeiradas. Outro exemplo da promissora alianca das mulheres com os setores con- servadores da Igreja Catélica foi a organizacéo da Concentragio do Rosa- rio em Familia, que constituiu uma espécie de embriao das Marchas da Familia com Deus pela liberdade. A Cruzada do Rosario foi arquitetada pelo padre irlandés Patrick Peyton e, lancada nos Estados Unidos em 1945, per- correu diversas cidades do mundo, como Londres, Sydney e Washington. As principais capitais do Brasil assistiram a essa manifestacao, que, sob 0 slogan “A familia que reza unida permanece unida”, pretendia difundir 0 rosario como a grande arma na luta contra 0 comunismo, “a mais poderosa alavanca que eleva o mundo do deprimente materialismo em que se encon- tra”, Em 1962, no Rio de Janeiro, a Cruzada reuniu, segundo estimativas otimistas dos organizadores, cerca de um milhao e 500 mil pessoas.*! 81 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL ‘A Marcha de 2 de abril representava, pois, para aquelas mulheres, o seu momento triunfal. As “marchadeiras”, como ficaram posteriormente co- nhecidas de modo pejorativo, “foram insistentemente aclamadas por gene- rais, politicos e jornalistas como a vanguarda de todo o movimento que, pretendiam eles, teria desencadeado o golpe civil-militar”.*? O general Mourdo Filho chegou mesmo a afirmar que “ele, como todos os homens que participaram da revolugao, nada mais fez do que executar aquilo que as mulheres pregavam nas ruas contra 0 comunismo”.* Precedidas por duas senhoras, que carregavam uma imensa reprodugao de um rosério,* as mais de 600 integrantes®* da Camde percorreram o tra- jeto da marcha distribuindo fitinhas verde-amarelas para os participantes e cantando hinos religiosos e cangées como Cidade maravilhosa. Algumas carregavam faixas e cartazes em que se liam mensagens como: “Trabalha- dor, s6 na democracia poderds escolher a tua religiio”, “Exército com Deus” ¢ ainda interpelagées jocosas do tipo: “Vermelho bom, sé batom” ou “Com foguetes foram a lua, conosco viram estrelas”, numa referéncia a primeira viagem espacial feita pela entao URSS. Engrossavam o contingente da associacao carioca delegacdes de grupos femininos de outros estados — 200 senhoras paulistas traziam a bandeira usada na primeira Marcha da Familia, além de uma mensagem de seu go- vernador, da qual se destaca a frase: “O povo brasileiro nao tem vocagao para escravo ¢ esta terra jamais sera senzala.” Estiveram presentes também mulheres de governadores, entre elas Leticia Lacerda e Leonor de Barros, da Guanabara e de S40 Paulo, cujos maridos eram aguerridos opositores do governo Goulart, além da mulher do ex- presidente Juscelino Kubitschek, Sara. Em meio a confusao de cartazes e bandeiras nacionais — mais de 500 haviam sido confeccionadas para a manifestagao — ¢ dos estados de Minas Gerais, $40 Paulo ¢ Rio Grande do Sul, destacavam-se eminentes figuras dos meios politicos e da alta oficialidade militar, como os deputados Amaral Peixoto e o general Olimpio Mourao Filho. Apresenga maciga de religiosos foi outro fator notavel da passeata. Apesar de a Conferéncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nao ter dado apoio 82 CELEBRANDO A “REVOLUGAO” oficial as Marchas, o desfile contou com a participagao de importantes en- tidades e Iideres da ala conservadora, como a de monsenhor Bessa — re- presentando o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime de Barros Camara, que estava doente —, além dos padres Patrick Peyton e Caio Alvim de Cas- tro, esses com larga experiéncia no tocante a arregimentacao popular por meio da manipulacéo de bens simbélicos ligados a religiosidade. Mas os catélicos nao foram os tinicos a expressar a sua fé religiosa por meio da Marcha da Familia, Entre padres ¢ freiras, que carregavam uma enorme cruz verde-amarela, e senhoras portando estandartes com a inscri- go “com este sinal [da cruz] venceremos”, marchavam pastores, espiritas, rabinos e umbandistas. Foi, alias, com o objetivo de “universalizar” seu apelo ideolégico que aquela que foi originalmente idealizada como Marcha em Desagravo ao Rosério transformara-se em Marcha da Familia com Deus pela Liberdade. A VITORIA DA “REVOLUGAO” Especialmente em decorréncia do sucesso da passeata do Rio de Janeiro, as Marchas adquiriram, em pouco tempo, abrangéncia nacional ¢ o estatuto de um auténtico movimento em apoio ao golpe civil-militar, posto que a boa parte delas ocorreu posteriormente ao 31 de marco. Tais manifestagées pre- tendiam demonstrar o carter popular do golpe, uma vez que nesse momen- to uma grande parcela dos cidadios ia as ruas comemorar a vitéria, dar “acao de gracas” pelo afastamento do comunismo das terras brasileiras. Apés a realizacao da primeira Marcha da Familia na capital paulista, foram organizadas manifestagdes em diversas cidades. Além das passeatas de Sao Paulo ¢ do Rio de Janeiro, que reuniram, respectivamente, 500 mil um milhao de pessoas, houve manifestagées em capitais como Belo Hori- zonte, Goiania, Recife, Fortaleza, Florianépolis, Maceié e Curitiba, con- forme pode ser observado na tabela a seguir: 83 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL LOCAL DATA PRESENTES Sao Paulo — SP 19/margo 500 mil Araraquara — SP 21/margo 6 mil Assis — SP 21/margo * Curitiba — PR 24/margo 30 mil Bandeirantes — PR 24/margo Santos — SP 25/margo 80 mil Itapetininga — SP 28/margo Atibaia — SP 29/margo Ipaugu — SP 29/margo ‘Tatuf — SP 29/margo Palmeira dos {ndios — PR Vabril 3 mil Sao Joao da Boa Vista — SP abril Londrina — PR 2Jabril Rio de Janeiro — RJ abril 1 milhio Sao Carlos — SP 2yabril Uberlandia — MG 3/abril 200 mil Rio Claro — SP Afabril Barbacena — MG Sfabril Jai — SP Sfabril 6 mil Maceié — AL Sfabril 10 mil Padua — RJ Sfabril Campinas — SP Tlabril Natal — RN Tlabril Amparo — MG 8/abril Regente Feijé — SP ” Franca — SP 8/abril Cajuru — SP Piracicaba — SP 9abril 40 mil Piragununga — SP abril Mogi-Guagu — SP 9abril Marchas da Familia com Deus pela Liberdade ocorridas entre margo e junho de 1964. *Nimero de participantes nao disponivel. **Data da realizagio da marcha nao disponivel. 84 (continua) CELEBRANDO A “REVOLUGAO” (continuagao) LOCAL DATA PRESENTES Recife — PE 10/abril 200 mil Passos — MG 1/abril Presidente Prudente — SP A /abril Taubaté — SP 12/abril Periqui — SP 12/abril Botucatu — SP 12/abril Oliveira — MG 12/abril Campos — RJ 13/abril Brasilia — DF 1Sfabril Capivari — SP 1S/abril Lorena — SP 15/abril Dois Cérregos — SP 16/abril Lavras — MG 16/abril Conselheiro Lafaiete — MG 18/abril Indaiatuba — SP 18/abril Santa Barbara D’Oeste — SP 18/abril Itu — SP 18/abril Guaratingueté — SP 18/abril S mil Jacarei — SP 19/abril Formiga — MG 21abril ‘esina — PI 22/abril 50 mil Florianépolis — SC $0 mil Cachoeira Paulista — SP 25/abril Campos do Jordao — SP 26/abril Cruzeiro — SP Juiz de Fora — MG Pains — MG 1°/maio Sao José dos Campos — SP 1°/maio Aparecida — SP 13/maio 10 mil Belo Horizonte — MG 13/maio (continua) 85 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL (continuagio) LOCAL DATA PRESENTES Goifnia — GO 13/maio 25 mil Niteréi — RJ 15/maio 50 mil Fortaleza — CE 200 mil Cerqueira César — SP 3 mil Candido Mota — SP S mil Caxias — RJ 7/junho Magé — RJ 8/junho 3 mil Mogi das Cruzes — SP Ajunho 4 mil Moeda — MG Ajunho 4 mil Foi registrada a ocorréncia de 69 Marchas entre marco e junho de 1964.2” Dessas, acima de 80% aconteceram apés o golpe, a grande maioria em abril. Esse mimero dé conta da complexidade do fendmeno estudado, que nao deve ser reduzido a mera fungao propagandistica e tampouco deve ser enten- dido apenas como produto da insatisfagio das classes médias urbanas, Nao se pretende com isso caracterizar as Marchas como manifestagoes de cunho popular, nem mesmo negar a existéncia de um eficiente trabalho de organi- zagio ¢ promogio das passeatas, mas sim conduzir a um questionamento acerca da pluralidade de significados contida em tais manifestagdes, que pode ser observada a partir da andlise de elementos presentes nas culturas politicas** das regides onde as Marchas se realizaram. A populagio de Araraquara, no interior de Sao Paulo, foi convocada a participar de uma “passeata em defesa da democracia e de repulsa ao co- munismo”, Em 21 de marco as principais ruas da cidade seriam percorri- das em siléncio e a Marcha terminaria no cemitério, diante do Monumento a0 Soldado Constitucionalista, onde estudantes depositaram coroas de flo- res em meméria dos araraquarenses mortos em 1932.” A meméria da Revolugao Constitucionalista de 1932 constituiu-se como uma das construgées imagéticas mais expressivas das Marchas da Familia em Sao Paulo. Nela, 0 conjunto de representacgées" acerca de 1932 foi reela- borado, tendo seu repertério calcado especialmente no respeito a Consti- 86 CELEBRANDO A “REVOLUGAO” tuicdo ¢ as liberdades democraticas. © governador da Guanabara, Carlos Lacerda, chegou mesmo a declarar que a primeira passeata, na capital, marcava 0 “inicio do processo de ressurrei¢ao da democracia no Brasil, [e que] 0 espirito de Sao Paulo (...) a partir da Marcha é 0 de 1932, mas de 1932 dialético, em que as trincheiras sao de paz”.*! Em Itu, interior de Sao Paulo, a realizacao da Marcha da Familia uniu-se as comemoragées do aniversério da Convengao Republicana.”? A data de 18 de abril fazia parte da meméria politica da regiéo como marco do inicio do processo de fundacao de um dos primeiros partidos republicanos regio- nais no Brasil, o PRB, em 1873." A ligacao da Marcha da Familia a esse acontecimento pode sugerir uma referéncia a ideia de respeito as liberda- des politicas, de democracia ou mesmo da extingéo de uma “velha ordem” superada. ‘A Marcha da Familia em Belo Horizonte foi realizada em 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fatima, um dos grandes icones cristios contra 0 comunismo e origem da simbologia do rosdrio. “Ambas as construgées sim- bilicas, Fatima e o rosario, animaram a fé dos crentes ¢ ocuparam posi¢ao destacada no imaginario anticomunista catdlico dos anos 60.” O desfile reuniu cerca de 200 mil pessoas ¢ sua finalizacao, bem como a realizacao dos demais discursos, se deu ao pé da estatua de Tiradentes. A Inconfidéncia Mineira e a figura do mértir foram bastante usadas nesse estado. Tiradentes representava o simbolo republicano do sacrificio em nome da liberdade, além da associagao com a figura de Jesus Cristo ¢ seu martirio.*® ‘Uma romaria composta por énibus, automéveis e caminhonetes partiu, em 15 de abril, da cidade de Capivari com destino a Aparecida, ambas no interior de Sao Paulo. Com essa atitude, realizava-se mais uma Marcha da Familia.“* Aparecida, no Vale do Paraiba, tem atualmente cerca de 38 mil habitantes ¢ é um dos principais centros de peregrinacao do pais, receben- do, em média, sete milhées de visitantes por ano. O culto a Nossa Senhora Aparecida data do século XVII ¢ € forte referéncia no imagindrio popular brasileiro, Por reiteradas vezes a figura da “padroeira do Brasil” foi evocada nas Marchas. Ademais, o “estar em marcha” péde adquirir, nesse momento, um significado muito préximo de “estar em romaria”, que remete a um sen- tido de devosao, de graca e peniténcia. 87 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL Em Passos, a organizagio da Marcha esteve a cargo do presidente e do vice-presidente da Associagéo Rural do Sudoeste Mineiro, ao lado do pre- sidente da Cooperativa de Laticinios da cidade. Contava-se com a adesio de varias cidades do sul de Minas Gerais para o evento, que se realizaria em 11 de abril.” Nao poderia ser de outra forma, numa regio onde a econo- mia girava em torno da produgao agropecuaria e onde, certamente, as repre- sentagdes em torno da ameaga a propriedade privada a partir da instauragao do comunismo encontraram terreno fértil. Motivagées econdmicas regionais parecem, do mesmo modo, ter dado impulso 4 Marcha em Curitiba, em 24 de margo de 1964, organizada pela sucursal paranaense da Unido Civica Feminina (UCF) e pela Associac’o Co- mercial do Parana (Acopa). A passeata, rebatizada de Marcha a Favor do Ensino Livre, teve como principal bandeira o protesto contra a adogio pelos colégios do Livro Unico, editado pelo Ministério da Educagao do governo Goulart, como também 0 combate 4 encampagio das escolas particulares. Em contraposig4o ao repertério da defesa dos valores cristaos e tradicio- nais, nessa Marcha foram privilegiados os aspectos ligados ao liberalismo politico e econémico. A Acopa era ligada ao mercado de livros didaticos a proprietarios de escolas.* Em Recife, a Marcha da Familia ocorreu em 10 de abril de 1964. O even- to, assim como em Belo Horizonte, teve a participagao de cerca de 200 mil pessoas. Para o jornal O Estado de S. Paulo, registrava-se a maior concen- tracdo humana de que ali se tivera noticia.” O desfile percorreu a Avenida Conde da Boa Vista e parte da Guararapes, local onde a multidao se con- centrou, Na Marcha de Recife foram usadas representagées acerca do “in- vasor”, entdo transfigurado no “comunismo internacional”, e do histérico da resisténcia empreendida pelos pernambucanos, “que eram convocados para, na marcha, repetir o passado glorioso de lutas contra o estrangeiro”.°° A imagem feminina foi da mesma forma evocada, numa referéncia as herof- nas de jucupapo.*! Tais manifestagées oferecem a percepgao de todo um leque de imagens ligadas a um universo de temas como familia, patria, moral, ordem, religio- sidade, inscritas num cédigo de saberes compartilhados em sociedade. 88 CELEBRANDO A “REVOLUGAO: Das guerreiras do Tejucupapo as devotas de Aparecida, as Marchas da Familia com Deus pela liberdade ocorridas nessas cidades demonstram a forca do imaginario anticomunista e do discurso legitimador do golpe ci- vil-militar plasmados no periodo. Singulares e, ao mesmo passo, componentes de um movimento, de um projeto que foi paulatinamente ganhando estrutura e extensio — ja por meio de um bem elaborado trabalho de propaganda, seja por meio da ini- ciativa isolada de uma paréquia —, as Marchas revelam que, para que haja uma conexao efetiva entre as esferas de produgao e recepcao de um discur- so ou mensagem, é necessdria uma correspondéncia desses com os bens sim- bélicos pertencentes a determinado grupo ou sociedade. Aco que gera identidade, reconhecimento. A anilise da realizagio das Marchas da Familia com Deus pela Liberdade demonstrou nao apenas a forca ¢ abrangéncia dos discursos favoraveis ruptura institucional, como também a importdncia de se apreender de que maneira encontraram ressonancia no corpus social, ao articular-se com os medos, as expectativas ¢ crengas compartilhados em sociedade. Além de fenémeno ideologicamente inspirado, evidenciou-se sobretudo a realizacao desse acontecimento como um momento de produgao e difuso de senti- do, cuja investigacao revelou importantes aspectos da relagao entre as esferas do politico e do simbélico, elemento sem diivida primordial para a com- preensio da crise de 1964, O percurso apresentado revela a existéncia de uma comunidade de ima- ginacao unida por certo conjunto de valores, normas e crengas de naturezas diversas, como morais, religiosas ou sociais, que a conduziu a protagonizar determinado fenémeno politico, qual seja, a participagdo nas Marchas da Familia com Deus pela Liberdade em 1964. A crenga de que a intervencao militar nas instituig6es democraticas expressava um desejo da sociedade, que compée um dos principais alicerces desse imaginario, serviu por alguns anos como justificativa do autoritarismo em voga.®? Contudo, em relacéo ao conjunto da sociedade que naquele ano expres sou em praca ptiblica seu apoio ao golpe civil-militar, € possivel afirmar que, em algum momento, aquela comunidade de imaginacao foi se enfraquecendo a partir da confuséo formada pelos desvios de interesses dos diversos seg- 89 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL mentos que a formaram, Entre as raz6es, é possivel supor, esté o fato de que em nenhum momento se reivindicou um regime de excecao prolonga- do durante a “campanha anticomunista”, e sim uma breve intervencdo, que viesse “arrumar a casa”, moralizando as instituigdes. Desse modo, tais re- cursos discursivos nao foram suficientes para manter acesas tais imagens durante todo o regime. Aos poucos, a meméria das Marchas da Familia foi desaparecendo da vida coletiva, Fenémeno que também tem muito a con- tribuir para a compreensio da sociedade de entéo ¢ dos caminhos tracados por ela em 21 anos sob ditadura militar. Notas 1. Este artigo foi baseado ma dissertagio de mestrado As Marchas da Familia com Deus pela Liberdade, defendida em 2004, no Departamento de Pés-Graduagio em Hist6ria Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS/UFRJ) sob orientagao do professor Dr. Carlos Fico. Agradego a William Martins a leitu- ra preliminar do texto. 2. RIDENTI, Marcelo. “Cultura e politica: os anos 1960-1970 e sua heranca”. DEL- GADO, Lucilia de Almeida Neves e FERREIRA, Jorge (orgs.). O Brasil republica- no — O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilizaco Brasileira, 2003, p. 135. 3. Para o conceito de imaginério social, ef. BACKZO, Bronislaw. “Imaginagio Social”, iciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa ‘asa da Moeda, 1985 in: cional: vol. 5. 4, Os ministros militares, com o apoio da UDN, tentaram a aprovacao, no Congresso Nacional, de uma emenda que impediria a posse de Joio Goulart. Contudo, 0 Congresso vetou as aspiragées militares ¢ garantiu que o novo presidente fosse empossado. Em contrapartida a vit6ria nacionalista, uma solugao paliativa foi arti culada pelas forcas conservadoras. O presidente teve, sim, garantida sua posse, mas sob o regime parlamentarista. Foi a forma encontrada pelos advers rios de Goulart de conter, em parte, seu poder ameagador. O Congreso aprovou tal emen- da, que também inclufa a realizagio de um plebiscito, que devia se realizar 90 dias antes do encerramento do mandato de Jango, no qual a populagio optaria pela manutengdo ou nao do sistema politico em vigor. Cf. LABAKI, Amir. 1961: a crise da rentincia ¢ a solugdo parlamentarista. So Paulo: Brasiliense, 1986. 90 ul 12. 16. 17. 18. 19. 20. CELEBRANDO A “REVOLUGAO” . Para o periodo de “radicalizagao anticomunista” nos anos 1960, cf. MOTTA, Rodrigo Patto $4. Em guarda contra 0 “perigo vermelho": 0 anticomunismo no Brasil (1917-1964). Sao Paulo: Perspectiva; Fapesp, 2002. MOES, Solange de Deus. Deus, pdtria e familia: as mulheres no Golpe de 64. fozes, 1985, p. 94. Petrépol . Sobre o tema da correlagio entre problematicas simbélicas e ideolégicas, ver as elaboragées conceituais de CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritdria. 3* reimp. S40 Paulo: indagao Perseu Abramo, 2001. Editora Fi . Jano fim da década de 1950, parte do empresariado dava mostras de insatisfagao em relagao a crescente mobilizacao e politizagdo das camadas populares. Quando Jango tomou posse, esse setor ficou alarmado em decorréncia de sua conhecida atuago no governo Vargas, no Ministério do Trabalho, sempre lembrada pelo amincio do aumento de 100% do salério minimo. Essa era uma das razdes da antipatia das elites com a figura do novo presidente. As correntes antigetulistas 0 viam como herdeiro politico de Vargas, 0 “chefe do peronismo brasileiro”, ele representava a “corrupgao desenfreada” ¢ a destruigao da “ordem capitalista”. Suas visitas & China e & URSS lhe renderam a imagem de “claramente esquerdista, tanto no plano externo quanto interno”. STARLING, Heloisa. Os senhores das Gerais: os novos inconfidentes e 0 Golpe de 64, Petropolis: Vozes, 1986, p. 42. Idem, p. 80. |. DULLES, John WE. Castelo Branco: 0 caminho para a presidéncia, Rio de Janei- 10: José Olympio Editora, 1979, p. 308. A atuagio das associagées femininas nos anos 1960 ¢ sua importincia para a realizagio das Marchas serdo abordadas posteriormente neste artigo. . SIMOES, Solange de Deus, op. cit., p. 93. 13. 14, 1s. Idem, p. 94. Idem, p. 106. Sobre a criagao de organismos empresariais ¢ seu papel nas articulagdes em torno do golpe de Estado, cf, DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Acdo politica, poder e golpe de classe. Petrépolis: Vozes, 1981. Cf. idem. ASSIS, Denise. Propaganda e cinema a servico do golpe: 1962-1964. Rio de Ja- neiro: Mauad/Faperj, 2001, p. 28. Para mais informagées sobre a estrutura organizacional e hierérquica do Ipes, consultar DREIFUSS, René, op. cit. LOUZEIRO, José. “O Ipes faz cinema e cabegas”, in: ASSIS, Denise, op. cit., pp. 31-39. ASSIS, Denise, op. cit., p. 41. a1 21. 22. 23. 24, 2s. 26. 29. 30. 31. 32. 33. 34, 36, 37, A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL MORAES, Dénis de. A esquerda ¢ 0 golpe de 64. Vinte e cinco anos depois, as forcas populares repensam seus mitos, sonhos ¢ ilusdes. Rio de Janeiro: Espago € Tempo, 1989, p. 129. O Ipes forneceu apoio logistico ¢ operacional criagdo de grupos que funciona- ram como células do instituto no trabalho de congregar adeptos, disseminar 0 idedrio anticomunista e realizar ages piiblicas sem que 0 nome da organizacao fosse divulgado, Assim se deu com a constituigio da ADP (Agao Demoeratica Parlamentar), bloco de oposigao as iniciativas reformistas no Congreso Nacio- nal, que foi de fundamental importancia nas eleigdes parlamentares de 1962, quando os partidos conservadores conquistaram a maioria das cadeiras. Assim também se deu com a criagao da Camde, em que esteve presente, entre outros ipesianos, uma das figuras mais atuantes do grupo, Glycon de Paiva. “Na Marcha da Familia o carioca expressar4 o seu repiidio ao comunismo”. O Globo, 28 de margo 1964, Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginacio nao disponivel. “Camde comemora aniversario da revolugio que ajudou a realizar”. O Jornal, 28 de marco de 1965. Recorte de jornal do arquive da Camde. Paginagio nao dispontvel. Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginacao nao disponivel. “Dona Amélia Molina Bastos ou Como e onde marcha a Camde”, in: Livro de cabeceira da mulher. Rio de Janeiro: Civilizagao Brasileira, 1967, vol. 5, p. 161. Denise, op. cit., p. 60. “A fibra da mulher mineira”. Estado de Minas, 26 de janeiro de 1964, p. 10; SIMOES, Solange de Deus, op. cit., p. 85. Idem, p. 7. “Padre Peyton e a Cruzada do Rosério”. Revista Familia Crista, julho de 1964. Paginagao nao disponivel. Para Simdes, a concentragao no Rio de Janeiro reuniu um milhao de pessoas. Em Belo Horizonte, $00 mil pessoas estiveram presentes na manifestagio realizada em 1963. Cf. SIMOES, Solange de Deus, op. cit., p. 91. Idem, p. 96. Idem, p. 107. “Marcha da Familia durou quatro horas”. Correio da Manhd, 3 de abril de 1964, p. 1. . “Marcha da Familia empolga todos os setores da populagio”. O Globo, 25 de marco de 1964. Recorte de jornal do Arquivo da Camde. Paginacao nao disponivel. . SIMOES, Solange de Deus, op. cit., p. 111. Grifos da autora. Esse resultado foi aleangado por meio de pesquisas no Arquivo da Camde, na Segio de Documentos Particulares do Arquivo Nacional; em jornais e revistas de 1964; bem como a partir de pesquisas bibliograficas. E provavel que o ntimero de Marchas 92 38. 39. 40. 41. 42, 43. 44. 45. 46. 47. 48. CELEBRANDO A “REVOLUGAO” ocorridas no periodo seja superior ao obtido no levantamento. Pesquisas em arqui- vos estaduais certamente contribuirao para um maior conhecimento do tema. “(...) conjunto de atitudes, normas e crencas mais ou menos partilhadas pelos membros de uma determinada unidade social e tendo como objeto os fendmenos politicos” (BOBBIO, Norberto; MATTELUCCL, Nicola ¢ PASQUINO, Gianfranco. Diciondrio de politica. Brasilia: Editora da UnB, 1992, pp. 306-308). Sobre o assunto, consultar também MOTTA, Rodrigo Patto Sa. “A histéria ¢ o conceito de cultura politica”. LPH — Revista de Histéria, Mariana, n° 6, 1996, pp. 83-91. “Empreende também o interior passeatas anticomunistas”. O Estado de S. Paulo, 21 de margo de 1964. Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginagao nao disponivel. Para o estudo das representacdes coletivas, cf. CHARTIER, Roger. A histéria cultural entre praticas e representacdes. Lisboa: Difel, 1990. “O civismo paulista domina o pais; mais 3 passeatas”. O Estado de S. Paulo, 21 de margo de 1964. Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginacio nio dispontvel. “Hoje, dia da Convengao, Itu realiza também a sua Marcha”. O Estado de S. Paulo, 18 de abril de 1964, Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginagio nao disponivel. A Convengio de Itu, realizada em 18 de abril de 1873, deu inicio ao processo de constituigo do Partido Republicano Paulista (PRP), fundado em 1° de julho do mesmo ano. © PRP foi majoritariamente formado pelos grandes proprietirios do Oeste Paulista, cujas inclinagées republicanistas, em grande parte, eram fruto de sua insatisfagao em relagdo a politica de centralizagao monarquica. Cf. CAR- VALHO, José Murilo. A construcao da ordem — Teatro de sombras. Rio de Janei- ro: Civilizagao Brasileira, 2003, pp. 208-209. Para a data da realizagio da Convengo de Itu, cf Museu Republicano (Convengio de Itu), site http:// www.usp.br/pre/catalogomuseus/portugues/mp_museurepublicano.htm, Museus da Universidade de $40 Paulo. Acesso em 14 de julho de 2007. MOTTA, Rodrigo Pato $4, op. cit., 2002, p. 218. CARVALHO, José Murilo de. “Tiradentes: formacao das almas: 0 imagindrio da Repiblica no Brasil. S40 Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 55-73 “Com uma romaria a Aparecida, Capivari realizou sua Marcha”. O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 1964, Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginagio nao disponivel. “Passeata continua a repercutir na Camara”. O Estado de S. Paulo, 24 de marco de 1964, Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginacio nao disponivel. CODATO, Adriano Nervo e OLIVEIRA, Marcos Roberto de. “A Marcha, o Tergo € 0 Livro: catolicismo conservador e ago politica na conjuntura do golpe de 1964”. Revista Brasileira de Historia, Sao Paulo, vol. 24, n° 47, 2004, pp. 271-302. um her6i para a repibliea”, in: —. A 93 A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL 49. “A ‘Marcha’ em Recife”. O Estado de S. Paulo, 11 de abril de 1964. Recorte de jornal do arquivo da Camde. Paginagao nao disponivel. 50. SIMOES, Solange de Deus, op. cit., pp. 106-107. O Reduto de Tejucupapo localiza-se em terras da Propriedade Megaé de Cima, pertencentes ao distrito de Tejucupapo, municipio de Goiana, no estado de Pernambuco. Em 1646 sua populagio resistiu a um ataque holandés, encetado por uma tropa de 600 homens que tentava tomar viveres da populacio. O local referido como tendo sido em grande parte defendido por mulheres, pois a maior parte dos homens teria safdo a fazer emboscadas & tropa holandesa que se aproximava, Buscavam, entdo os holandeses, nao © ouro, mas a “maior riqueza” de que dispunha a populagdo: viveres, sobretudo a farinha de mandioca. Reduto do Tejucupapo. Brasil Arqueolégico. http://www.magmarqueologia.pro.br/ RedutoTejucupapo.htm, Site da Equipe do Laboratério de Arqueologia da Uni- versidade Federal de Pernambuco. Acesso em 24 de abril de 2007. 52. FICO, Carlos. A ditadura mostra a sua cara: imagens e memérias do perfodo (1964-1985). Trabalho apresentado no Simpésio The Cultures of Dictatorship: Historical Reflections on the Brazilian Golpe of 1964, realizado na Universidade de Maryland, de 14 a 16 de outubro de 2004. Copia cedida & autora. jografia ASSIS, Denise. Propaganda e cinema a servigo do golpe: 1962-1964. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2001. BACKZO, Bronislaw. “Imaginacio Social”, in: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985, vol. 5. BOBBIO, Norberto; MATTELUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Diciondrio de politica. Brasflia: Editora UnB, 1992. CARVALHO, José Murilo de. “Tiradentes: um heri para a repiiblica”, in: —. A for- ‘macao das almas: o imagindrio da Repiblica no Brasil. Si Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 55-73. ——. A construgao da ordem — Teatro de sombras. Rio de Janeiro: Civilizagao Brasilei- ra, 2003. CHARTIER, Roger. A histéria cultural entre praticas e representacoes. Lisboa: Ditel, 1990. CHAU, Marilena. 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