Você está na página 1de 3

Entrega: 04 de dezembro de 2017

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia | Departamento de


Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais
Introdução à Sociologia | GSO00095
Profª.: Hélène Cécile Petry
Curso: Cinema e Audiovisual – Bacharel | 2º período
Aluna: Ana Carolina Salmont Rodrigues | Matrícula: 117057013

A metáfora teatral de Goffman aplicada ao filme Meninas


Malvadas (2004)
Erving Goffman (1922-1982) foi um sociólogo canadense que estudou as interações sociais nos
mais variados ambientes. Seu olhar se voltava para a forma que alguém se comportava nas
situações do dia-a-dia, como em seu emprego, suas atividades, seus hobbies e entre seus
familiares. As formas de agir nas diferentes situações ele chamava de papéis, as pessoas eram
atores e o ambiente seria o cenário. Para a construção dessa metáfora, Goffman contou com
diversas leituras para construir sua teoria, desde sociólogos como Everett Hughes, Durkheim e
Alfred Schutz, escritores de literatura como Kenneth Burke e Luigi Pirandello, até as reflexões
de Jean-Paul Sartre.
Ao analisar a trama do filme Meninas Malvadas, de 2004, dirigido por Mark Waters e escrito
por Tina Fey, podemos encaixar cada influência de Erving Goffman e tornar sua metáfora
teatral mais fácil de entender. O filme conta sobre a experiência de uma garota, Cady Heron
(Lindsay Lohan), no ensino médio, depois de ter 16 anos tendo aulas em casa com seus pais. A
história é a partir do ponto de vista da garota, que estranha a hierarquia social que existe na
escola e as relações estranhas entre os alunos.
Antes de encontrar a relação entre a obra de Tina Fey e de Goffman, é necessário conhecermos
os personagens que compõem a narrativa. Cady Heron é uma garota que passou os primeiros
16 anos de sua vida na África, tendo aulas em casa com seus pais e que acabou de se mudar
para os Estados Unidos e começará a ter aulas numa escola de verdade pela primeira vez. Seus
primeiros amigos são Janis Ian (Lizzy Caplan), uma menina esquisita que tem rancores em
relação a Regina George (Rachel McAdams) e deseja vingança, e Damian (Daniel Franzes), o
melhor amigo gay de Janis que inveja George. Regina George é a rainha da escola, a menina
mais popular e cruel, cuja motivação é “os meios justificam os fins”. Suas melhores amigas são
Gretchen Wieners (Lacey Chabert), menina rica que guarda muitos segredos e vive à sombra
de Regina e Karen Smith (Amanda Seyfried), uma garota muito estúpida e luxuriosa, além do
namorado de Regina, Aaron Samuel (Jonathan Bennet), um garoto que, no filme, não passa de
um pedaço de carne pelo qual Regina e Cady tem interesses românticos. Para completar o
elenco, temos a professora Norbury (Tina Fey) que está sempre aconselhando Cady a tomar
decisões mais sábias, o diretor Duvall (Tim Meadows) que não tem controle sobre a escola,
além dos figurantes, que inclui todos os estereótipos de adolescentes que podemos imaginar. É
importante lembrar que o filme é uma comédia que satiriza o funcionamento dos colégios de
ensino médio e, a partir de alguns pontos de vista, da vida cotidiana da juventude moderna.
O primeiro olhar de Goffman a ser observado é que o indivíduo atua de acordo com os anseios
que pretende transmitir ao receptor da mensagem. Olhemos primeiramente para Cady. A garota
não tem anseios que pretende transmitir. Por ter vindo de uma cultura completamente diferente
à da escola norte-americana, ela não tem ideia de como se portar. Logo nos primeiros dez
minutos de filme, podemos observar a quão deslocada e fora de contexto a garota está, já que
no seu primeiro dia de aula, ela comete diversas faltas que, de acordo com seu próprio costume,
são aceitáveis, como sair da sala de aula sem pedir permissão, comer durante a aula ou usar
caneta. Ao conhecer Regina, Cady é apresentada a algumas regras para ela poder fazer parte do
mundo das garotas. É a partir daí que podemos analisar como uma experiência antropológica
de Cady, já que nesse momento ela já era amiga de Janis Ian e recebe a proposta de espionar e
estragar o reinado de Regina George, então ela conhece todas as regras e passa a se comportar
como a pessoa perfeita para ser a melhor amiga de Regina. O processo fundamental de
identificação e diferenciação entre indivíduos e grupos pode ser visto claramente nesse
momento, porque Cady, apesar de seu uma indivídua única, ela se comporta de acordo com os
diferentes grupos: com Janis, ela se comporta como teria se comportado com seus amigos da
África, mas com Regina, ela é uma Plástica (o nome dado a realeza da escola), para poder
conquistar a valorização dos outros.
Com a influência de Durkheim e sua tradição positivista, a sociedade é compreendida como
fenômenos da natureza e Goffman segue isso, ao dizer que o todo é determinado socialmente e
a sociologia pode mudar a sociedade. Inconscientemente, Janis Ian tenta aplicar a ideia de que
a sociologia pode mudar a sociedade, já que ela tenta desconstruir o domínio de Regina sobre
a comunidade escolar, o que geraria mudanças a sociedade. Cady e Regina, ao final, conseguem
tornar isso uma realidade, ao causar o caos no corredor e reunir o mundo feminino daquela
comunidade para esclarecer os pontos problemáticos e tentar encontrar um equilíbrio que existe
no fim do filme. A srta Norbury também teve um papel importante no encontro de equilíbrio
na comunidade e a alteração do todo, já que, no momento em que a reunião é feita, é ela quem
toma as rédeas da situação e guia para um caminho seguro onde a sociedade daquela escola
pode ser mais pacífica.
Também a partir de uma leitura de Durkheim, o Goffman declara que o desempenho dos papéis
sociais se relaciona ao modo como cada indivíduo concebe a sua imagem e pretende manter.
Regina George é um claro exemplo dessa frase. Todas as suas ações contribuem para construir
sua imagem de rainha do gelo controladora que tem poder sobre todos ao seu redor. Ela controla
desde seus pais, ao convencê-los a trocar de quarto com ela, até suas amigas, como quando
obriga Gretchen a não usar argolas nas orelhas.
As interações são definidas como a influência recíproca dos indivíduos, um pensamento de
Goffman causado pelo formalismo de Georg Simmel, e Cady pode ser analisada a partir disso:
ela chega como uma garota quase estrangeira, com costumes divergentes ao do grupo e
nenhuma experiência social ali. A primeira pista de que acompanharemos uma mudança
individual em Cady é quando Janis e Damian convencem-na a matar aula e a apresentam ao
grupo das Plásticas, composto por Regina, Gretchen e Karen. Essa cena é bem icônica, porque
Cady aceita a matar a aula de Saúde Sexual e senta-se na grama. Após uma pequena conversa
entre os três, começa uma aula de Ginástica a alguns metros a frente deles e as Plásticas
aparecem pela primeira vez no filme com uma entrada triunfal. Para um olhar semiótico,
podemos deduzir que haverá alguma relação entre o desenvolvimento social de Cady e aquelas
meninas.
Outro ponto de Goffman vem de Charles Cooley, com a ideia de que palco social, sociedade e
individuo só podem ser entendidos em relação um ao outro. Por exemplo, Regina. Ela, naquela
escola, é uma garota com poder, mas se ela mudasse de escola ou fosse levada a outra realidade
social, ela teria uma leitura social completamente diferente. Para Hitler, por exemplo, ela
poderia ser considerada uma garota simpática e benevolente. Para Madre Teresa de Calcutá, ela
seria o anticristo.
Alfred Schutz foi outro sociólogo que influenciou Goffman, com sua ideia de estudar os fatos
conforme experimentados na consciência, pensando nos significados que as pessoas dão as
situações sociais. Como quando as Plásticas são apresentadas e a garota fala que levou um soco
na cara e diz que, para ela, foi uma situação incrível. Mas para aprendermos sobre a percepção
das situações sociais de cada um, só é possível através de confissões ou comportamento
involuntário, porque além dos limites de tempo e lugar, existe o empírico de cada um que afeta
as situações sociais.
Alfred Reginald Radclif-Brown com a ideia de sistemas de sentimentos regulam a atuação dos
indivíduos afetou o desenvolvimento de Goffman, onde a leitura é de que os indivíduos são a
expressão da estrutura social. Ou seja, a forma que a sociedade afeta o indivíduo gera atitudes
que funcionam de acordo com o sentimento individual. Cady começa como espiã de Regina,
mas ela não está intrínseca a essa ideia. Quando Regina diz que irá ajuda-la a se relacionar com
Aaron Samuels, mas no final acaba transformando-o em seu namorado, isso afeta o jeito de
Cady encarar a situação, porque a sociedade afetou de forma dura seus sentimentos e agora ela
compartilha o ódio de Janis em relação a Regina.
Erving Goffman é principalmente conhecido pela sua metáfora teatral, uma releitura de
Kenneth Burke e Luigi Pirandello. Com Burke, Goffman utilizou da valorização dos processos
interpretativos no estudo da interação humana, com os três elementos: o palco, que nessa
releitura é a escola North Shore, os atores, que são os personagens, e a plateia, que não só são
os figurantes, como os espectadores do filme. Burke também acredita que existem cinco termos
como princípios geradores da sua investigação: o ato, a cena, os agentes, os meios e os
propósitos, e a leitura da vida como construção dramática. Pirandello já colabora com a sua
ideia de facetas, a de que o ser humano se esconde atrás de um abismo inescrutável.
Proust e Sartre também colaboraram para a criação das obras de Goffman. A ideia de que o
individuo tem várias esferas provem de Proust é pode ser lida na própria Regina, que começa
como uma maléfica garota e depois se torna uma esportista. Sartre já está presente em Goffman
com a questão da liberdade, porque para alguém poder agir, é necessário ser livre para escolher
agir. Como quando Cady faz uma festa e fica de castigo depois. Mesmo de castigo, ela escolhe
ir ao Matletas e depois ir ao baile, porque ela é livre para isso e está disposta a enfrentar as
consequências para isso.
É possível ver, portanto, que mesmo num filme feito para entretenimento, de comédia, voltada
para jovens, podemos encontrar a vida social real e achar semelhanças e, principalmente,
encontrar os formatos sociais em todas as situações existentes.

Bibliografia
FEY, Tina. “Meninas Malvadas”. Paramout Pictures and Brodway Videos, 2004. Disponível
em: <https://www.netflix.com/title/60034551>, acessado em dezembro de 2017

MARTINS, Danilo Henrique. “A metáfora teatral como representação social para Erving
Goffman: um ensaio teórico”. Periódico UEM, 2014. Disponível em:
<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/viewFile/24134/1397
9> , acessado em dezembro de 2017

Você também pode gostar