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a LeAge dor de Georges Minois ‘Work copyright © Librairie Arthéme Fayard 2009 © 2010 da traducao brasileira Direitos de publicacio reservados & Fundagao Editora da UNESP (FEU) Praga da Sé, 108 (01001-200 - Sao Paulo SP ‘el (Oxxl1) 3242-7171 Fax: (Oxx11) 3242-7172 \wwweditoraunesp.com.br \wwuslivariaunesp.com.be feu@editora.unesp.br CIP ~ Brasil. Catalogagao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Me2si Minois, Georges, 1946- ‘Aidade de our: historia da busca dafelicidade / Georges Minois; tradu- «Ho Christiane Fonseca Gradvohl Colas. - Sio Paulo : Edita Unesp, 2011 466 p. ‘Tradugdo de: Lage d'or Inclui bibliografiae indice ISBN 978-85-393.0171-3 1 Felicidade. 2. Felicidade—Histéria, 1. Titulo, I. Titulo: Historia dda busca da felicidade 11.5813. ‘DD: 170 DU: 17.023.34 Editora afiiada: axac abe semen berate rn Arn ra “PREENCHER 0 TEMPO: EIS A FELICIDADE.” Ralph Waldo Emerson, Essays GEORGES MINOIS A FELICIDADE EM UM EDEN FUTURO? Esse quadro do sonho edénico volta a confirmar que a felicidade eg ‘excluida deste mundo, que funciona, no ambito intelectual e social, s principios totalmente opostos aos do paraiso. A ordem natural prevish por Deus foi desregulada pelo pecado, 0 que torna a felicidade imposstve no entanto, alguns nao se conformam, tao forte € 0 desejo de uma vj feliz. Nao seria possivel recriar 0 paraiso terrestre, restaurar © quadro.eg principios do Jardim de Eden? Uns anunciam, interpretando os textos, qu isso vai acontecer de qualquer modo: so ostnilenaristas; outros suge modelos de substituigio: sio o&Aitopistas. Um terceiro grupo até pensag a vida edénica prossegue além-mar, no Novo Mundo, entre os indios, e em todo caso, deve ser possivel recriar , naqueles paises virgens, ilhot de felicidade, a salvo dos males e da corrupga0 do mundo moderno: so, missionérios. Nao ha fronteiras estanques entre os trés grupos, que té ‘um objetivo comum: fazer renascer a felicidade na terra A exaltagao provocada pelos conflitos religiosos do século XVI estimm a imaginacio dos espiritos frégeis que continuam, como seus credores século XY, a anunciar uma era de felicidade em um futuro mais ou me proximo. Até 1530, hé inclusive tentativas de atualizagéo, como vimos, ‘Mas apés o esmagamento da “Nova Sido” de Rothman e de Jean de Leyde, em 1535-1536, os milenaristas se contentam com escrever, durante um século, até 0 momento em que a revolugao inglesa da década de 1640 cri ovamente condicfes favoriveis & instalagio do paraieo terreatre. Neeé@ meio-tempo, a ideia ¢ mantida por gente como o espanhol Cosme Damien Hortola, morto em 1568, que profetiza um tempo em que “no ha ‘mais luto, nem dor, nem gritos, nem morte”;* por Michel Servet, em set Christianismi restitutio, de 1553, ou pelo holandés David Joris, em seu Wore derbock (Livro maravilhoso], de 1551, ¢ pelo francés Georges Pacard, em Seu Description de l'Antéchrist et de son royaume (Descrigao do Anticristo e de set reino], de 1604, ou pelo portugués Antonio Vieira, em sua Histéria do futud, comegada em 1649, quando ele anuncia uma era de paz e felicidade ap6s@ conversio dos infiéis, No mesmo espfrito, haverd ainda o visionétio frances Nicolas Charpy e seu Ancienne Nouveau de l'Ecriture Sainte (Antiga novidade da Sagrada Escritura], de 1657, e Pierre Poiret (1646-1719), que anuncia ‘em seu Economie divine [Economia divina], de 1687, o proximo extermini0: dos incrédulos e 0 advento de mil anos de paraiso na terra para os bons 46. Hortola, in Canticum conticrum SalomonisExplantio, 389. A IDADE DE OURO No mesmo ano, Jacques MasSard, em Harmonie et accomplissement jes [Harmonia e realizagdes dos profetas], situa esse milénio entre 770. Um ano antes, Pierre Jurieu, em Accomplissement des prophéties mento das profecias], descreve assim o mundo de felicidade que belecers a partir de 1785: [Esses mil anos dle paz e de santidade sobre a terra sero a imagem da paz ssantidade perfeita de que a Igreja gozara no céu. [..] Todo mundo se con- ‘com o necessirio, Entio reinara uma comunidade de bens semelhante & se vita nos primeiros anos da Igreja de Jersusalém. Nao que os bens deixent ser prOprios a cada um. Mas todos distribuirao largamente aos que nio tém. im, no primeiro perfodo da Igreja, os que terdo mais bens para a posse nfo jp mais do que 0s outros para o uso."” i delirios desses arautos da felicidade, de todas as nagGes e de todas » Se nutrem das Escrituras, em particular os textos apocalip- audiéncia é limitada, e, tirando Jurieu, todos esses autores so yuecidos. Suas elucubragdes quase nao preocupam as monarquias :mais absolutas, seguras de si, que nao toleratiam a pratica dessas ias de felicidade coletiva e coletivista em seu territério. DADE EM UTOPIA? ©m 0 humanismo, o sonho de felicidade recai sobre outro género ]@ que, por sua vez, pretende se basear na razio ¢ na Iégica para modelos ce mundos perfeitos de que nao sabemos de verdade em lida s4o projetos ou simples ficgbes. As utopias, jé que é delas que So de fato, desde a origem, ambiguas. Esse género de escritos de- com o mundo antigo, pois na Idade Média a questao da perfeigao estava resolvida: era impossivel, impensavel, até mesmo proibida, isa do pecado original. A partir do século XI, essa ideia tinha no Teaparecido com 0 milenarismo sob um disfarce religioso. Como mos de ver, este esta sempre presente, mas nao consegue satisfazer a da de racionalidade e de autonomia humana que anima o hu- Cabe aos homens construir sua prépria felicidade neste mundo; leu, LAccomplisement des prophtis, 225, 295 156 GEORGES MINOIS A IDADE DE OURO 157 : Miklos? esta éa ideia central da utopia. Ideia paradoxal, 20 mesmo tempo otimi mpre em escala mintiscula: um canto da CalAbria tea cee € pessimista. Otimista, na medida em que o espirito humano ¢ capaz 99, a ilhota de Lundy, na costa da Cornualha, onde Christopher Hill imaginar um sistema coerente e teoticamente vidvel de organizacio coletiyg ‘em 1600, com seu patrdo Robert Basset estabelecer uma comul garantindo a felicidade social. Pessimista, muito mais, pois todos os siste. p utopiana.** Essa noo de espaco restrito merece alguns comentarios, ‘mas imaginados consistem mais ou menos em virar 0 mundo do aves ‘0 inicio, © paraiso terrestre & considerado um cercado, um jardim, ara que o mundo seja feliz, & preciso fazer exatamente o contririo do q um lugar onde a natureza esta domesticada, dominada, enquanto no existe, 0 que torna a realiza¢o muito improvivel/A felicidade, dizem em mr estende-se © mundo ameacador da natureza selvagem. A felicida- coro as utopias do século XVI e do inicio do séculd XVII, seria viver em um feria ser universal: ela é a excecao, o resultado seja de um dom Estado do tamanho de uma cidade ou de uma pequena provincia, totalmeng seja da organizacio de um pequeno grupo, e deve ser protegida isolado do exterior, onde nao haveria nem propriedade privada nem moe aS mis Influencias do exterior pelo oceano ou por uma muraiha. ‘onde os individuos seriam vigiados dia e noite, inclusive em sua vida int pinuras medievais cercam o paraiso terrestre com uma verdadeira familiar, onde tudo seria regulamentado rigorosamente pelo Estado, en semelhante is muralhas urbanas. Todos os lugares de felicidade um espiritocoletivista que nao levaria em conta sentimentos pessoais, com um cies de comunidades muradas [gated communities], de comunidades rigor geométrico, onde a natureza estaria inteiramente subjugada pela 3 claustros, cidades, tribunais do amor, o pomar do Romance da rosa, nologia, onde os ditigentes seriam um grupo de tecnocratas selecio “era alta e totalmente feita de pedras talhadas”. Em Sonho de em fungio de critérios puramente racionais, onde se falaria uma linguagem Francesco Colonna, em 1467, a ilha de Citera, lugar de todas, funcional, e onde a religiso seria um vago deismo patridtico/Que tal mund ias, fica nao apenas “no meio do mar, que a cerca com Agua clara”, Pudesse parecer o mais capaz de garantir a felicidade nao é de surps além disso, ‘em um tempo atormentado pelos fanatismos religiosos, pelas monarqui opressivas guiadas unicamente pela vontade de prestigio ¢ de poder, exo o entorno da ilha esto plantados belos ciprestes a cada trés passos, inseguranga endémica, pelas ameacas de fore e de peniiria, impotente dia ma hé uma barreira de mirta, abundante ¢ espessa, em forma de muralha, te das catastrofes de uma natureza hostile sofrendo de um sistema soci E fundado sobre a desigualdade e a injustica. A ideia que temos da felicidadet sempre em funsao das desgiayas que sufternios que precisarlamos erradicak ~~ isso mesmo que faz 0 carter ut6pico das utopias. O quadro que el apresentam é em si um pouco diferente das iluminagdes dos milenaris E por isso que ndo pode ser vivida sendo em santuarios pro- Mas, para a realizacio, estes contam com Deus. Os utopistas podem cont €a mensagem. Abrir as comunidades felizes para todos seria apenas com a razio ~e 0 que pode a razio diante das paixdes? Os proprio que matar a felicidade. Ela é um tesouro que se guarda preciosa- "utopistas nfo acreditam na possibilidade de realizar sua cidade ideal. A top vale tanto para os jardins das villas de Lourenco 0 magnifico, nimia escolhida por Thomas More é bastante clara: ele diz que tudo se p ®© mito da idade de ouro guiou a organizacio”,* quanto para na ilha de Utopia que, em grego, evoca tanto “parte alguma” (ou-topos) Com antegna visitou na regio do lago de Garde, “to parecidas com 0 “lugar de felicidade” (ew-topos),associagao desesperante ~ felicidade nfo "08 de Julio II no Belvedere, ou os de Henrique VIII em Hampton em parte nenhuma em um pais cuja capital é Amaurote (a Cidade-Neblis Que uma parte também foi apelidada “o paraiso” 22 conde corre orio Anhydris (sem 4gua), onde vivem povos como os Alaopoll (Gem cidade) e os Acoriens (sem pais), onde o soberano & Ademus (sem PO Além disso, esses mundos ut6picos sao sempre inacessiveis e de SUP — ficie muito reduzida: a felicidade, mesmo em sonho, nao € para todos: 86 pode existir para um pequeno grupo de privilegiados protegidos do rest : do mundo: uma ilha, um lugar afastado. As raras tentativas de reali Man andthe Natural Worl, p236, “Nicholas Hil, he English Atomist®,em Catholics, Anglicans end Puritans EHypnértomachie ou Songe de Ppl, p10, fa Jatins dele Renssance os jos, pT GEORGES MINOIS Como 0 paraiso, os mundos utépicos sdo portanto sempre fed com uma tinica excegao: a abadia de Teleme. Esta se distingue, de q todos os pontos de vista, tanto das abadias reais como das utépicas. G ‘gintua 6 taxativo: “Nao se deve jamais construir muralhas no circuito, todas as outras abadias so orgulhosamente muradas”. O monge aprg ali onde existe uma muralha, “hé obrigatoriamente murmtirio, invef conspiragao miitua”. Ela serd no entanto a abadia da felicidade, a felicida pela liberdade total, como dita a regra, que cabe em quatro palavras: que vouldras (Faz 0 que quiseres]. Para Teleme. é proibido proibir. P entrar e sair 4 vontade. Ali encontramos homens e mulheres, com condicao: que sejam “belos, bem proporcionados e de natureza feliz”, og 6,apesar de tudo, uma restrigao séria. Apesar disso, para seguir no coy das trés virtudes tradicionais ~ a castidade, a pobreza e a obediénci instituido que ali honoravelmente é possivel ser casado, que cada um: rico e viva em liberdade”. O grande inimigo da felicidade humana conti ser o tempo; para mati-lo, procede-se ao contririo dos conventos co 1nos quais “tudo & compassado, limitado e regrado por horas”: aqui, hordrios fixos, nada de rel6gios, nada de campainhas, pois “a maior ps de tempo que existe é contar as horas”. Temos a religido da felicidade: entanto, Rabelais nao escapa a imposicao do coletivo sobre o individual. telemitas so totalmente livres, mas nao sabem o que fazer dessa liberd ‘Comportam-se como carneiros: Por essa liberdade, entraram na louvavel imitagio de fazer todos 0 uum £6 viam fazer, Se alguém dizia: “Vamos beber”, todos bebiam; $€ “Joguemos”, todos jogavam; se dizia “Vamos & batalha dos campos"y seguiam paral Assim, foirejeitada a uniformidade forcada apenas para reencontraral formidade por mimetismo e instinto gregario. A sociedade livre é naverd sociedade do conformismo, e podemos duvidar seriamente da felicic seus membros. Fay ce que vouldras redunda em “Faga como os outa Bem outra 6 a solugo de Thomas More. Na ilha de Utopia, sgrama de liberdade. As minimas atividades, ptiblicas e privadas, $80) ladas de modo minucioso; aqui, o grande principio é a igualdade abs Propriedade coletiva, sem moeda, rodizio de tarefas, troca de casa @ filhos: essa sociedade é um maquinismo, um formigueiro. E néo s€ ‘com a moral: os adiilteros sio decapitados. A IDADE DE OURO {ha de Utopia é a ilha da felicidade: “Estou totalmente conven- ye ndo hd em nenhum lugar povo mais excelente, nem um Estado s escreve Thomas More ao fim da obra. A felicidade ¢ 0 grande ‘utopianos; “seu principal tema de controvérsia é a questo m que consiste a felicidade humana, se € uma ou maltipla”. E mistatar que, nesse Estado mais feliz do mundo, nao ha acordo a da felicidade. Como por toda parte, aif, discute-se, ¢ a ssitua em um acordo entre a religido e a razfo. A felicidade reside seria cego o bastante para néo se informar que é preciso procurar fa qualquer custo, contanto apenas que um pequeno prazer no impeca jor, que nenhum sofrimento deve fazer expiaro que tivermos perseguido. das contas, os utopianos sio epicuristas moderados: “A felicidade jo esté em qualquer prazer, mas no prazer certo e honesto para matureza é arrastada”.** 9 € tdo simples, pois se natureza e prazer concordam sem sménage d trois com a virtude torna-se muito delicado. E preci- Jos 0s falsos prazeres: riqueza, poder, honra, divertimentos, Os utopianos formam varios grupos de prazeres que declaram figados uns & alma, outros 20 corpo.” Os iltimos esto na sa- sessidatles naturais basicas: comer, beber, defecar, ejacular € os der na telha. Thomas More evoca ente evidente que inunda os sentidos (..] restaurados pela co bebida, e também quando evacua tudo que 0 nosso corpo contém Esse prazer nos € propiciado quando livramos nossos intestinos dos ‘ou quando concebemos filhos, ou quando acalmamos os pruridos ‘corando a pele.® equenos prazeres! Ao contrario de Jonathan Swift, que homens nao sao jamais to sérios, pensativos ou absortos do esto na privada”, Thomas More considera que os prazeres da fanto quanto os do trono. E se a esses prazeres basicos se He, pT GEORGES MINOIS vir", somos felizes. Cada um deve ajudar os outros a obter esses pi sem por isso privar-se deles: “A natureza te recomenda ser bom para préximo; ela nao te ordena ser cruel e impiedoso contigo mesmo". Es contradigao, vinda de um homem que portava um cilicio! O ascetis uma loucura, diz ele ainda, que arruina a beleza e a satide; a felicidad eg ‘no equilibrio, na moderagao — nao na mera auséncia de dor, que nao pa de “torpor” ~, ¢ no gozo moderado de prazeres razodveis: Desdenhara beleza do corpo, arruinar suas forsas, entorpecer sua agli com a preguica, esgoté-to de tanto jejuar, destruir sua satide, rejetar com d prezo as outras generosidades da navureza sem dela esperar um suplementy bens para outrem ou para o Estado, nem uma alegria superior pela qual D recompensaria o sacrificio; para uma ind sombra de virtude se destrsit se proveito para ninguém, com a ideia de poder suportar mais facilmente um da sorte que talvez nunca aconteca: eis © que eles estimam ser 0 ciéimulo} Joucura, o ato de uma alma mé para ela mesma, ¢ de suprema ingratidlo com a natureza, pois ela a demite com todos os seus benteitos, como seco de ter essa duivida para consigo mesma.» Os utopianos teriam de fato acesso a essa felicidade, eles que es submetidos a uma regig de vide exuemamente rigid que nao dé lugar spats ini ‘utopia revela com isso seu cardter pessimista: 6s nao ter nenhuma confianca na natureza humana que ela imagina sist autoritarios de grande rigor e de extrema precisio, destinados a canali as paixdes e as tendéncias ruins; ela multiplica os parapeitos e as barr que devem garantir a felicidade individual pela coletiva. Uma feficid obrigatéria, ou, dito de outra maneira, uma felicidade impossivel ‘Thomas More acredita no valor de seu sistema? Sem davida mais d que nos deixa entrever ao qualificé-lo de “bagatela literéria que esp ‘quase contra a vontade de minha pena”. Do mesmo modo, seu amigo ‘mo qualificava seu Elogio da loucura de “brincadeira”, escrita para pas tempo durante uma viagem. Nao passam de palavras de prudéncia da p de intelectuais que sabem que sao vigiados e tém consciéncia de pro ‘08 sistemas politicos e sociais de seu tempo, Thomas More acredita 56 id, p.185, A IDADE DE OURO 161 com sinceridade que seu Estado ideal poderia assegurar alguma terrestre; em compensagio, ele nao imagina que seja realizavel, na terra continua um sonho. topia é de 1516. Muitos outros a sucederdo. O sucesso dese géne- jo revela tanto o desejo de felicidade que a Renascenga estimulou onstatagao da impossibilidade de atingir tal felicidade na realidade. Go, frustracio, pessimismo da Renascenga, Em 1553, Kaspar Stibln, , publica a Bréve Decription de U'Etat d’Eudémoné, cité du pais de [Breve descrigio do Estada de Eudemane], cidadeda terra de Macaria trata de uma utopia, um tinico trago bastaria para nos convencer: ses felizes, os salérios mais altos sio os dos professores! Essa nao fa felicidade: aqui, tudo est na moderacio — precos baixos fixados ‘um mundo de pequenos proprietérios que trabalham apenas, ente para obter os bens indispensaveis, e que povoam seu lazer do seu espirito. A educacio é cuidada. Todo mundo usa uniforme; eservar esse paraiso, a ilha est cercada por muralhas e os contatos iro So quase proibidos. (602, no fundo de sua pris4o, o monge calabrés Tommaso Campanella Jimagina a possibilidade de uma ilha feliz: A cidade do sol.*” Esse filho 0, que conhece a miséria do povo, concebe uma felicidade ideal dda desgraga real: nessa ilha do Oceano indico, protegida por altas ‘ergue-se uma cidade integralmente comunista. Em vez de pastores imorrendo de fore ex volta dos latifiindios da alta nobreza, esta elo laboriosa que divide tudo e faz tudo em comum, seguinco uma izacio, sob a autoridade de um sacerdote-padre, 0 Metafisico, fo por trés conselheiros: Amor, Sabedoria e Poténcia. © trabalho € ‘mas a duracio legal é de 24 horas semanais, pois a técnica per- (8 trabalhos mais duros: barcos a rodas e carrocas a vela, por 0: Magistraclos e dignitarios sao, alias, sabios, e & sob seu controle que izada a reproducio da espécie, com vistas a melhorar a qualidade: © médicos decidem quem se deitara com quem; acasalamento a dias a partir dos 21 anos para os homens e dos 19 para as mulheres, lum ritual bem preciso. Os filhos sio tirados da mie aos 2 anos € fem comum. A familia nao existe, portanto, o que elimina muitos ©aMor-paixo, ocitime, oadultério, oincesto, as disputas de heranca, ella no se contenta em sonhar com a cidade ideal. Ele age. GEORGES MiNoIS seu compatriota Joachim de Flore, e encontrara o erro: nfo era em 4, ‘mas em 1600 que deveria comerar o reino do espirito, a era da fel ele tinha participado de um movimento agrario na Calabria para p -lo. Durante seus 27 anos de prisdo, redigiu outras obras que, por sugy anunciam a volta da idade de ouro, uma fusio do milénio cristo edo, de ouro dos pagios: Naquele tempo, um tinico rei reinara sobre todos os homens, com Frequiel, na espirimal ¢ na temporal. [..] A fraude e a iniquidade' ‘vida humana voltaré a ser como era no principio; tio bem que, como. Isafas, o homem de 100 anos ser como uma crianga eos santos reinario, ‘mil anos no meio da felicidade, espiritual e material, praticando, segui natural, a perfeita comunhio dos bens: seri a idade de ouro e ela du muito tempo sobre a Terra como preltidio ao século futuro no céu que ‘com a segunda ressurreicao, como diz Séo Joao, no Apocalipse.®* ‘Assim que sabe do nascimento do pequeno Luis, fitho de Luis futuro Luis XIV, em 1638, Campanella vé nele o soberano que traré de} a idade de ouro, “a felicidade a paz”. Todo mundo pode se enganak ‘Um aspecto de A cidade do sol é mais realista do que o resto: 2 cont fo do progresso cientifico e técnico para. felicidade da humanidadesti direcdo que segue o chanceler Francis Bacon, cuja Nova Atlantida (16 @ primeira utopia com ares de fiegao ciewtifiva. Trata-se nuvaiiente de ilha, Bensalem, nova edi¢ao da Atlantida. Aqui, so os sabios da" ‘Salomao” que tém o poder e — é essa a utopia ~ usam-no somente Bi bem. Todas as descobertas e invengGes de natureza nefasta so mantid segredo e destruidas. No fim da obra hé uma misteriosa lista cuja int taco divide os comentaristas. Seu titulo é: "Maravilhas naturais, 0b as que sao destinadas ao uso humano”. Tudo parece indicar que st uma série de objetivos cientificos que devem ser atingidos para felicidade da humanidade. Lé-se, por exemplo, “tornar os espiritos € doté-los de boa disposic4o”, e “os maiores prazeres para os sentida E notivel constatar que quase todos os objetivos fixados nessa de lembrete cientifico correspondem a velhos sonhos express0s a séculos a fio nas descrigées da idade de ouro, como: 58 Campanella, ta prima ea sci eveecon, apd Delumen, em Mie nel piss A IDADE DE OURO gra vida; devolver em qualquer grau ajuventude; adiar oenvelhecimen- fas doencas tidas como incuraveis; minimizat a dor; aumentar a forca ; transformar 0 temperamento, o excesso de peso e a magreza; mara estatura;transformar os tragos; aumentare elevar a inteligéncia; -novas espécies; acelerar o tempo de maturasio; acelerar a germina- ‘para a terra compostos ricos; produzir novos alimentos; fabricar para o vestuirio, e novos materiais, a exemplo de papel, vidro etc. is artificiais ecimentos.” nos notivel é constatar que as ciéncias contempordneas ps 05 objetivos desse inventario a moda de Prévert. Terceira essas realizacdes deveriam trazer a felicidade. Mais uma vez, , mesmo quando se realiza, nao torna a vida mais feliz ADE NA AMERICA? gerdadeira felicidade estivesse la longe, naquelas terras novas 6 € exploramos a partir do fim do século XV? Muitos acre- Antes mesmo das viagens de Crist6vao Colombo, circulavam bre terras situadas longe, a sudoeste ou oeste, associadas ora ide Cibola”, de fabulosa riqueza, ora aiha de Sao Brando tunadas. Parcce, aliés, que a ilha le Brazil, que aparece pela {um mapa catalao de 1330, teria seu nome tirado do irlandés O Brazil, que significa “tha afortunada’.® As mentes estao, ara ouvir os relatos maravilhosos sobre esses territérios. f0 Colombo esti merguthado nessa atmosfera. A dimensio » autor de um Livro das profecias que ficou incomple- bem conhecida.*' Leitor assiduo de Imago mundi de Pierre 0s milenaristas franciscanos, o descobridor dissecou a © quanto os mapas maritimos para concluir que o mundo 6 Jimagina. E se ele leva em sua expedicdo Rodrigo de Jerez, Mo que fala hebreu e aramaico, é porque esperava encontrar terrestre, cuja lingua ¢ 0 aramaico: eta 0.1334 hao, tip 326, Prophecy and Discovery: onthe Spiritual Origin of Christopher Colom- ofthe Indies, p 73.102.

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