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Favela! Ao falarmos no dia a dia sobre favela, qual a imagem que nos vêm à
mente: uma vida precária, violência, confusão, falta de estrutura física-social... E se
especificarmos somente as favelas cariocas: tráfico de drogas, violência e fatalidades;
mas, será que favela se enquadra a esses estigmas, será que todas as favelas são iguais?
Imagino que muitos que assistam os noticiários da televisão se dão conta de uma
espécie de “Estados paralelos”, será que existem? Como se constituem essa formação,
as teias de poder existente entre legal e o ilegal? Será que os aspectos da favela vieram à
tona somente no final do século XX ou a favela passou por expansão, transmutação e
integração?
Ao ler o parágrafo anterior você deve estar pensando qual a intenção de tantas
indagações ou se nessa resenha vai estar as resposta para elas. Não, não é essa a
pretensão do livro aqui apresentado nem a minha, foi apenas uma forma de prenunciar
os estudos que irei comentar a seguir. Mas antes de entrar em detalhes irei,
sucintamente, apresentar o livro como um todo: Um século de favela é um livro
organizado por Alba Zaluar e Marcos Alvito que reúne artigos de onze pesquisadores,
entre antropólogos e cientistas sociais, que lançam olhares diversos sobre as favelas do
Rio de Janeiro e suas representações. Com isso, através dos seus olhares, eles expõem
os quadros culturais que compõem alguns aspectos do cotidiano das favelas cariocas: a
questão da exclusão morro e asfalto, a busca identidária dentro e fora da favela, a
organização de uma comunidade, as redes de solidariedades e reciprocidades existentes;
os sentimentos expressados através da arte; poesia, música, capoeira, carnaval; a
intervenção de fatores externos inter-relacionados aos internos, os conflitos gerados por
esses, seus símbolos e criações.
Ao longo do tempo foi construída uma dicotomia favela x asfalto que representa
a dualidade gerada pela desigualdade social brasileira e, acima de tudo, como essa
desigualdade foi tratada e alimentada pelas elites brasileiras que sempre pregaram a
segregação e sua superioridade, fugindo da responsabilidade, e da solução dos
problemas sociais. “Ao longo deste século (sec. XX), a favela foi representada como um
dos fantasmas prediletos do imaginário urbano: como foco de doenças, gerador de
mortais epidemias; como sítio por excelência de malandros e ociosos, negros inimigos
do trabalho duro e honesto; como amontoado promíscuo de populações sem moral.”.
Mas essa imagem não foi aceita passivamente pelos favelados que, se não tinham o
poder institucional do estado, encontrou meios fortes para construir a favela à imagem
de genialidade, cultura e beleza.
“Dos parques proletário ao favela-Bairro” entram em destaques as políticas públicas,
que demoradamente entraram em ação e bruscamente foram interrompidas pelo regime
militar, o ressentimento e clientelismo gerado pela violência e desarticulação política, o
efeito da redemocratização na vida social da favela. Com a omissão do Estado a favela
conhece os grupos paraestatais, espaços são abertos para os traficantes, comunidades
que antes eram acostumadas com os destratos das instituições legais agora passam a ser
vítimas e cúmplices de instituições criminosas. E essas são inibidoras da organização
popular. “A realização de políticas sociais desconectadas da atenção aos direitos civis
tem sido marca característica da ação do poder público no Rio de Janeiro.”
Entretanto, foi por sua cultura, apesar dos estigmas, que a favela criou sua
identidade. E a música, as escolas de samba foram armas essências da conquista do
espaço considerado urbano. A favela não se calou diante dos preconceitos e
estereótipos, mesmo marginalizada nunca foi inferior. Na “A palavra é: favela!” Jane
Souto e Marla Hortense nos mostram que a música expressa à favela como porto seguro
de muita gente que desceu o morro e se perdeu na cidade, mistifica a malandragem,
serve de denuncia social, mostra o cotidiano dos moradores. De uma forma poética
reconstrói aquele espaço social. O desenvolvimento do samba ocorre paralelamente à
diversificação e ao crescimento das favelas, reforçando os laços de pertencimento ao
lugar e solidariedade e amizades entre os moradores. Mesmo o morro representado
muitas vezes, em ambos os lados, à parte da cidade é no carnaval que ele ganha seu
reconhecimento.
Outra categoria musical e expressão cultural que vem ganhando espaço nas
favelas e o baile funk. E em “Galeras funk cariocas: os bailes e a constituição do ethos
guerreiro” é discutido o valor simbólico dos conflitos ocorridos em bailes funk e qual as
variáveis dos bailes existentes; os processos de tensões e conflitos, as rixas, as fronteiras
existentes no espaço urbano, a afirmação do gênero, a busca identidária no meio social;
a afirmação da comunidade ou de um grupo relacionado ao tráfico de drogas? Os bailes
funk como expressão dos valores culturais, dos processos complexos da vida social dos
jovens das comunidades carentes; no qual, através da “diversão”, extravasam toda
tensão existente no seu cotidiano. A autora desse artigo observa que: “no baile percebe-
se a representação simbólica de processo complexo que organizam hoje a vida social
das favelas”. Ela propõe: “demonstrar como os bailes e as atividades neles existente
engendram uma ou outra experiência entre os jovens das galeras, abrindo o debate sobre
a relação entre estilos e contextos juvenis”.
Devido a esses poderes paralelos instituições legais têm que negociar para poder
atuar dentro de comunidades carentes. Em “Drogas e Símbolos: redes de solidariedade
em contexto de violência”. Clara Mafra, de forma sincrônica, expõe um quadro social
do morro Santa Marta, cujo objetivo é linear as áreas ocupadas pelas instituições legais,
observando, seu campo de negociação com o tráfico. E dentro da teia de poder e
duplicidade de poderes (legal e ilegal) Mafra analisa as diferentes linguagens
empregadas no contato, desses grupos, com o poder do narcotráfico; o jogo de
reciprocidade mesmo que implícita ou imposta, o modo como cada grupo reage ente si e
a esse poder paralelo do narcotráfico; exclusão dos traficantes ou o combate simbólico –
através da palavra de Deus, se nos referirmos aos crentes. Como os símbolos são usados
para cooptar os moradores, a cidadania, a redenção através de Deus e os “pactos
implícitos”; associação indireta com o narcotráfico como meio de sobrevivência social
naquela comunidade. Sob um olhar antropológico-social, levando em conta o contexto e
a visibilidade nacional e internacional dessas instituições legais, este artigo chama a
atenção para rede de solidariedade e suas particularidades, como elas, por falta do
estado, ganham importância no processo de cidadania.
“Estudar uma favela carioca, hoje, é sobretudo combater certo senso comum que já
possui longa história e um pensamento acadêmico que apenas reproduz parte das
imagens, idéias e práticas correntes que lhe dizem respeito.”