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Diatavxei" (“Tradição Apostólica”) 1

[I. Inscrição dos novos]

15. 1Os novos que são trazidos para ouvir a Palavra sejam primeiramente
conduzidos à presença dos doutores, antes que o povo chegue, 2e sejam interrogados
sobre o motivo pelo qual estão buscando a fé. Dêem testemunho deles os que os tiverem
trazido, dizendo se estão aptos a ouvir a Palavra. 3Sejam também interrogados sobre seu
estado de vida: se tem mulher, se é escravo. 4Se algum deles for escravo de um fiel que
lhe deu permissão, ouça [a Palavra]; mas se o senhor não der testemunho a seu respeito,
dizendo que é bom, seja recusado. 5Se seu senhor for pagão, ensina-lhe a agradar a seu
senhor, para evitar a blasfêmia.
6
Se um homem tiver esposa ou se uma mulher tiver marido, sejam ensinados a
contentar-se, o marido com sua esposa, a mulher com seu marido. 7Se, porém, um homem
não vive com uma mulher, seja ensinado a não fornicar, mas ou a tomar uma esposa
segundo a lei ou a permanecer como está. 8Se alguém estiver possuído por um demônio,
não ouça a Palavra da doutrina, enquanto não for purificado.

[II. Ocupações proibidas]

16. 1Inquirir-se-á sobre os trabalhos e ocupações dos que são trazidos para serem
catequizados. 2Se alguém mantém casa de prostituição, deixe de mantê-la ou seja
recusado. 3Se alguém for escultor ou pintor, será ensinado que não faça ídolos: ou desista
de fazê-los ou seja recusado. 4Se alguém for ator ou faz apresentações no teatro, cesse ou
seja recusado. 5Quem ensina crianças é bom que deixe de ensinar; no entanto, seja-lhe
permitido fazê-lo, se não possui outra habilidade.
6
Igualmente o cocheiro que entra em competição e todo aquele que vai à luta nos
jogos abandonem sua ocupação ou sejam recusados. 7O gladiador ou quem ensina os
gladiadores a combater, o bestiário que atua [na arena] e o funcionário encarregado das
lutas de gladiadores, abandonem as funções ou sejam recusados. 8Quem for sacerdote ou
guardião de ídolos, deixe de sê-lo ou seja recusado.
9
O soldado que tem autoridade, não matará ninguém. Mesmo que lhe seja
ordenado matar, não o fará, nem prestará juramento. Se, porém, não concordar, seja
recusado. 10Quem tem o poder do gládio ou o magistrado de uma cidade, portador de

1
Tradução brasileira de Francisco Taborda, seguindo a edição de BOTTE, B.: HIPPOLYTE DE ROME: La
Tradition Apostolique d’après les anciennes versions. Introduction, traduction et notes Bernard BOTTE
(SChr 11 bis). Paris: Cerf, 21968, e a edição com comentário de BRADSHAW, P. F.; JOHNSON, M. E.;
PHILIPS, L. E.: The Apostolic Tradition: a Commentary. Minneapolis: Fortress Press, 2002. Veja-se também
a tradução brasileira: Tradição Apostólica de Hipólito de Roma. Liturgia e catequese em Roma no século
III. Tradução Maria da Glória NOVAK. Introdução Maucyr GIBIN. (Fontes da catequese, 4). Petrópolis:
Vozes, 1971. Segue-se a numeração de capítulos e versículos de BRADSHAW – JOHNSON – PHILIPS.
Tradição Apostólica – Iniciação cristã – p. 2

púrpura, renuncie ou seja recusado. 11O catecúmeno ou o fiel que desejarem tornar-se
soldados, sejam recusados, pois desprezaram a Deus.
12
A meretriz, o devasso e o invertido e qualquer outro que pratique atos que nem
convém mencionar, sejam recusados, pois são impuros.
13
O mago nem seja apresentado à inquirição. 14O encantador, o astrólogo, o
adivinho, o intérprete de sonhos, o agitador, quem faz simpatias, o fabricante de amuletos,
cessem sua atividade ou sejam recusados.
15
A concubina de alguém, se é sua escrava, educou seus filhos e só tem relações
[sexuais] com ele, ouça [a Palavra]; caso contrário, seja recusada. 16Quem tiver uma
concubina, renunciará a ela e tomará esposa segundo a lei; se não o quiser, porém, seja
recusado.
17
Se tivermos omitido algo, as próprias ocupações vo-lo dirão, pois todos temos o
Espírito de Deus.

[III. Duração do catecumenato e ritos do processo catecumenal]

17. 1Os catecúmenos ouçam a Palavra durante três anos. 2Se algum deles for
fervoroso e perseverante nas obras, não se considerará o tempo, mas somente sua conduta
será julgada.

18. 1Quando o doutor tiver acabado a catequese, rezem os catecúmenos à parte,


separados dos fiéis; 2as mulheres rezarão num lugar à parte na assembléia, tanto as fiéis
como as catecúmenas. 3Ao terminarem de rezar, não darão a paz, pois seu ósculo ainda
não é santo. 4Somente os fiéis se saúdem uns aos outros, os homens aos homens, as
mulheres às mulheres, mas os homens não saudarão as mulheres. 5Todas as mulheres
cubram a cabeça com um manto, mas que não seja de tecido de linho, pois este não é véu.

19. 1Após a prece, tendo o doutor imposto a mão sobre os catecúmenos, rezará e
os despedirá. Quer seja clérigo {eclesiástico}, quer seja leigo, quem ensina a doutrina
assim o fará. 2Se um catecúmeno for aprisionado por causa do nome do Senhor, não se
angustie por seu testemunho, pois, se lhe for infligida violência ou for morto antes de seus
pecados terem sido perdoados, será justificado, pois recebeu o batismo em seu próprio
sangue.

20. 1Quando se escolhem os que hão de receber o batismo, examina-se sua vida:
Viveram virtuosamente enquanto eram catecúmenos? Honraram as viúvas? Visitaram os
enfermos? Praticaram todo tipo de boas ações? 2Se os que os tiverem apresentado
testemunharem sobre eles dizendo que assim agiram, ouçam o Evangelho.
3
Desde o momento em que foram separados, imponha-se a mão sobre eles
diariamente, exorcizando-os. Quando se aproximar o dia em que serão batizados, o bispo
exorcizará cada um deles, para saber se é puro. 4Se algum não for bom ou não for puro,
seja posto à parte, porque não ouviu a Palavra com fé, já que nunca é possível ocultar o
Estranho.
Tradição Apostólica – Iniciação cristã – p. 3

[IV. Ritos da iniciação cristã]

5
Advirtam-se os que foram escolhidos para o batismo, a que se banhem e se lavem
no quinto dia da semana. 6Se uma mulher estiver menstruada, seja posta à parte e receba o
batismo outro dia. 7Os que receberão o batismo jejuarão na véspera do sábado. No
sábado, quando os que receberão o batismo se reúnem num local sob a direção do bispo,
ordene-se-lhes que rezem e se ponham de joelhos. 8Impondo a mão sobre eles, o bispo
exorcizará todos os espíritos estranhos, para que fujam e já não retornem a eles. Ao
terminar o exorcismo, sopre neles e, depois de assinalar-lhes a fronte, os ouvidos e as
narinas, faça-os levantarem-se. 9Permanecerão em vigília toda a noite, far-se-ão leituras
para eles e serão catequizados. 10Os batizandos não tenham nada consigo, a não ser o que
cada um traz para a eucaristia. Com efeito, convém que quem se tornou digno ofereça a
oblação na mesma oportunidade.

21. 1Ao cantar do galo, antes de mais nada, se rezará sobre a água. 2Que seja água
a correr para dentro da piscina ou caindo nela desde o alto. Assim deve ser, exceto em
caso de necessidade. Se for uma necessidade permanente e urgente, usa a água que
encontrares.
3
[Os batizandos] se despirão, ficando nus. 4Batizai primeiro as crianças pequenas.
Todas as que puderem falar por si mesmas, falem. Pelas que não puderem falar por si,
falem por elas seus pais ou alguém da família. 5Depois batizai os homens adultos.
Finalmente as mulheres que terão soltado os cabelos e tirado os enfeites de ouro e prata
que estejam usando. Ninguém usará qualquer objeto estranho ao descer à água.
6
No momento estabelecido para o batismo, o bispo dará graças sobre o óleo, que
porá num vaso e chamará de “óleo de ação de graças”. 7Tomará também outro óleo que
exorcizará e chamará de “óleo de exorcismo”. 8Um diácono trará o óleo de exorcismo e se
colocará à esquerda do presbítero; outro diácono tomará o óleo de ação de graças,
colocando-se à direita do presbítero. 9Acolhendo este cada um dos que receberão o
batismo, ordene-lhe renunciar, dizendo: “Renuncio a ti, satanás, a todas as tuas pompas e
a todas as tuas obras”. 10Após a renúncia de cada um, unja-o com óleo de exorcismo,
dizendo-lhe: “Afaste-se de ti todo [mau] espírito”. 11Deste modo, entregue-o nu ao bispo
ou ao presbítero que está junto à água para batizar. 12 O diácono desça com ele à água,
deste modo:
Quando o que é batizado desce à água, diga-lhe o que batiza, impondo a mão
sobre ele: “Crês em Deus Pai Todo Poderoso?” 13E o que é batizado, dirá por sua vez:
“Creio”. 14E imediatamente, tendo a mão imposta sobre sua cabeça, batize-o uma vez. 15E
dirá a seguir: “Crês em Jesus Cristo, o Filho de Deus, que nasceu pelo Espírito Santo da
Virgem Maria, foi crucificado sob Pôncio Pilatos, morreu, <foi sepultado>, ressurgiu ao
terceiro dia vivo dentre os mortos, subiu aos céus, está sentado à direita do Pai e há de vir
julgar os vivos e os mortos?” 16Quando [o que recebe o batismo] tiver dito: “Creio”,
batize-o pela segunda vez. 17E diga novamente [o que batiza]: “Crês no Espírito Santo na
santa Igreja?” 18Diga o que está sendo batizado: “Creio”. E assim seja batizado pela
terceira vez.
19
Depois, quando tiver subido da água, seja ungido pelo presbítero com o óleo de
ação de graças, dizendo: “Unjo-te com o óleo santo em nome de Jesus Cristo”. 20E assim
cada um, depois de enxugar-se, se vista e, a seguir, entre na assembléia.
Tradição Apostólica – Iniciação cristã – p. 4

21
O bispo, impondo sobre eles a mão, dirá a invocação: “Senhor Deus, que os
tornaste dignos de merecer a remissão dos pecados pelo banho da regeneração do Espírito
Santo, envia sobre eles tua graça, para que te sirvam segundo tua vontade, pois a ti a
glória, Pai e Filho com o Espírito Santo, na santa Igreja, agora e pelos séculos dos
séculos. Amém”.
22
Depois, derramando de sua mão óleo de ação de graças e impondo-a sobre a
cabeça [do que foi batizado], diga: “Unjo-te com óleo santo, em Deus Pai Todo-poderoso
e no Cristo Jesus e no Espírito Santo”. 23Assinalando-o na fronte, ofereça-lhe o ósculo e
diga: “O Senhor [esteja] contigo”. E o que foi assinalado diga: “E com teu Espírito”.
24
Assim proceda com cada um.
25
A seguir, rezem já então junto com todo o povo. E não rezem com os fiéis,
enquanto não tiverem recebido tudo isso. 26E, quando tiverem rezado, ofereçam a paz
com sua boca.
27
Então a oblação seja apresentada ao bispo pelos diáconos. Ele dê graças sobre o
pão, para [que seja] a representação {antítipos} do corpo de Cristo e sobre o cálice de
vinho preparado, para [que seja] antítipo {semelhança} do sangue que foi derramado por
todos os que crêem nele. 28[Dê também graças] sobre leite e mel misturados, para
[lembrar] o cumprimento da promessa feita aos pais: nela Deus anunciou “uma terra onde
manam leite e mel”, a que Cristo deu, sua carne, pela qual, como crianças, se nutrem os
que crêem, tornando doce a amargura do coração pela suavidade da Palavra. 29[Dê graças
ainda] sobre a água [apresentada] em oblação, para significar o banho, a fim de que o
homem interior, que é a alma, obtenha efeitos semelhantes como o corpo. 30Sobre tudo
isso o bispo dará uma explicação aos que recebem [o batismo].
31
Partindo o pão, diga, distribuindo os pedaços: “O pão celestial no Cristo Jesus”.
32
E o que recebe responda: “Amém”. 33Se os presbíteros não forem suficientes, também
os diáconos segurem os cálices e se coloquem na devida ordem: primeiro o que tem a
água; em segundo lugar o que tem o leite; em terceiro, o que tem o vinho. 34Os que
recebem, provem de cada cálice, enquanto quem dá diga três vezes: “Em Deus Pai Todo-
poderoso”. Responda o que recebe: “Amém”. 35 “E no Senhor Jesus Cristo”. [E diga:
“Amém”]. 36 “E no Espírito Santo e na santa Igreja”. E responda: “Amém”. 37Assim se
proceda com cada um.
38
Quando tudo tiver terminado, cada qual seja solícito em praticar o bem, agradar
a Deus, viver em boa conduta, dedicando-se à Igreja, fazendo o que aprendeu e
progredindo no serviço de Deus.
39
Isto, de maneira concisa, vos transmitimos a respeito do santo batismo e da santa
oblação, porque já fostes instruídos sobre a ressurreição da carne e sobre o mais, de
acordo com o que está escrito. 40Se convém lembrar algo mais, diga-o o bispo em segredo
aos que receberam o batismo. Que os não-fiéis não o conheçam, enquanto não receberem
o batismo. Esta é a pedra branca, da qual diz João: “Nela está escrito um nome novo que
ninguém conhece a não ser quem receber a pedra” (Ap 2,17).
Tradição Apostólica – Iniciação cristã – p. 5

Comentário 2

Observação prévia: O texto da chamada “TA” é um texto retrabalhado até meados do


séc. IV. Para se datar algum trecho, será preciso confirmar se há outros testemunhos
daquela época que garantam a datação. Por isso as citações dos Padres em trechos onde
nos dão lugares paralelos.
Título: O título tradicional está entre aspas para indicar que não se admite mais que seja
obra de Hipólito de Roma. Para evitar mal-entendidos Marcel METZGER: “Nouvelles
perspectives pour la prétendue Tradition Apostolique”, Ecclesia Orans 5 (1988) 241-259
(aqui: 259) sugere que se dê o título genérico grego de diatavxei" (ordem), seguindo do
título tradicional de TA entre parênteses e entre aspas. A divisão do texto em quatro
partes é sugerida por BRADSHAW – JOHNSON – PHILLIPS.
15 Sem paralelos até meados do séc. IV, mas há indícios de algo assim em: JUSTINO,
Apol. I, 61. ORÍGENES, Contra Celsum 3,51. Por isso, este capítulo poderia ser do início
do séc. III, mas também poderia ser do séc. IV.
1
O texto não especifica quem são os “doutores”. Nos paralelos das Const. Apost., dos
Cânones de Hipólito e do Testamentum Domini, menciona-se o diácono como aquele que
acolhe os candidatos.
16 Lista de ocupações proibidas: paralelos em TERTULIANO, De idololatria (± 211) e De
spect. (± 197-202). Mas não com tanto detalhe. Portanto, é possível que o capítulo data de
início do séc. III e mesmo de antes.
2
Proibição de manter bordel: Did. 3,2. TERTULIANO, De idol. 11.
3
Fabricantes de ídolos: TERTULIANO, De idol. 5,6,7.
4
TERTULIANO, De spect. 17.
5
Contra o ensino de literatura clássica: TERTULIANO, De idol. 10.
6
Cocheiros: TERTULIANO, De spect. 9.
7
Gladiadores: TERTULIANO, De idol. 11. De spect. 12,19.
9
Soldados, desde que não mate: TERTULIANO, De cor. 11. De idol. 19.
10
Magistrado com púrpura – participa do culto aos deuses: TERTULIANO, De idol. 17-18.
13-14
Adivinhos, astrólogos, magos: Did. 3,4. TERTULIANO, De idol. 9.
17
Seria interpolação? Cf. TA 43,4 – cf. 1 Co 7,40; TERTULIANO, De ex. cast. 4.
17 É problemático determinar se a duração de três anos é anterior a Nicéia (325). Os
indícios não são claros. O Concílio de Elvira (± 305): 2 anos de catecumenato a se
prolongar para 3 (cân. 4) ou 5 (cân. 73) ou até o fim da vida (ib.). Concílio de Nicéia (cân.
2) fala de período adequado de preparação.
18 1-2 Separação da assembléia por sexo e estado (Didascalia Apostolorum, meados do
séc. III). Reflete o contexto cultural da antiguidade greco-romana: também no teatro,
separação por sexo.

2
Caso não se indique o contrário, o comentário se baseia em BRADSHAW, P. F.; JOHNSON, M. E.; PHILIPS,
L. E.: The Apostolic Tradition: a Commentary. Minneapolis: Fortress Press, 2002. Os números em negrito
remetem ao capítulo; os números sobrescritos, aos versículos.
Tradição Apostólica – Iniciação cristã – p. 6

3-4
Concluir a oração com ósculo: JUSTINO, Apol. I, 65. TERTULIANO, De orat. 18.
Reservado aos batizados, porque transmissão do Espírito (sopro). Por isso: exclusão dos
catecúmenos. Mas não há evidência da segregação por sexo quanto ao ósculo
(TERTULIANO, Ad uxorem 2.4: beijar os “irmãos” pode causar problema para os maridos
pagãos).
5
Cobrir a cabeça: TERTULIANO, De virg. vel. 17. Prática comum na antiguidade: reforça a
modéstia das mulheres. O cristianismo assume essa prática cultural. Tertuliano defende
com ardor também para virgens (o que não era normal na sociedade pagã).
19 1 O doutor pode ser leigo (é a versão mais fiel). Se a TA é do início do séc. III, é o
único testemunho de imposição das mãos e despedida dos catecúmenos nos três primeiros
séculos. As testemunhas são do fim do séc. III: Const. Apost. 8,6.1-9,11 e Egéria.
Portanto, é preciso cautela em admitir que este trecho seria do início do séc. III.
2
Batismo de sangue: TERTULIANO, De bapt. 16. Paixão de S. Perpétua 21,2 e 18,3 (livro
às vezes atribuído a Tertuliano). Em meados do séc. III, por ocasião da perseguição de
Décio, temos CIPRIANO, Ep. 73,22. ORÍGENES, Exhort. ad martyr. 30.
20-21 TA 20-21, cf. BOUHOT há duas fontes: um documento romano com enfoque no
bispo e uma interpolação africana, onde se ressalta a papel dos presbíteros e diáconos.
Não dá para aceitar, mas há muitos paralelos entre TA 20-21 e a África do Norte
(Tertuliano e Cipriano). Portanto, é plausível a influência na redação final.
A hipótese mais razoável é que a referência ao bispo pertença a adições a um documento
anterior. Teríamos assim três estratos redacionais:
1. O documento-cerne que usa termos impessoais “seja...”, “rezem...” sem indicar o
papel de ministros (TA 21, 1-5).
2. O segundo estrato é o que traz referências ao bispo.
3. Por fim, o retoque final, onde aparecem as rubricas para presbíteros e diáconos
(talvez quando os presbíteros passaram a administrar o batismo em vez do bispo).
20 1-2 Primeira referência a duas classes de catecúmenos: a) catecúmenos ou ouvintes; b)
“eleitos” (Roma) ou “competentes” (Ocidente não romano), fwtizovmenoi ou
“illuminandi” (Oriente).
2
Parece sugerir que os catecúmenos eram despedidos antes do Evangelho; só como
eleitos seriam despedidos depois do Evangelho e da homilia.
3-4
Parece sugerir a origem dos “escrutínios”, exame solene dos candidatos no período
final antes do batismo. Aqui se indica um só escrutínio. Mas tarde passam a ser três em
Roma; mais tarde ainda chegaram a ser sete. O caráter de exorcismo dos escrutínios já
aparece na literatura gnóstica dos três primeiros séculos e em CIPRIANO (Ep. 69, 15); só
no séc. IV se introduz no Oriente o exorcismo diário. Portanto, o exorcismo diário é
possivelmente uma adição (embora o texto possa ser também do séc. III).
6
Em outras fontes não aparece nada sobre a proibição do batismo de menstruadas.
Possivelmente se trata de uma extensão da proibição da eucaristia para menstruadas,
devida à concepção de impureza legal de Lv 15.
7
Jejum como preparação ao batismo: Did 7,4. JUSTINO, Apol. I, 61. TERTULIANO, De
bapt. 20.
Não é claro se a vigília é de sexta para sábado ou de sábado para domingo. Seria lógico os
eleitos jejuarem sexta-feira, como os demais cristãos: Did. 8,1. Note-se que não há
Tradição Apostólica – Iniciação cristã – p. 7

menção à Páscoa. Possivelmente se trata de uma estrutura geral do batismo não ligada à
data de Páscoa.
8
O exorcismo episcopal do sábado é sem paralelo nos três primeiros séculos. Cerimônias
equivalentes (exorcismo final, apertio, éfeta), no sábado santo de manhã, só aparece em
Ambrósio (fim do séc. IV). O significado desses ritos aplicados aos sentidos, juntamente
com o exorcismo seria fechar os sentidos para satanás.
9
Vigílias em outra data que a Páscoa aparece esparsamente nos três primeiros séculos
(TERTULIANO, Ad uxorem 2,4. PONTIUS, De vita et passione Cypriani 15. Concílio de
Elvira, cân. 35).
10
Trazer oferendas: a referência é comum, mas não em relação aos neófitos. AMBRÓSIO
recusa expressamente que os neófitos tragam oferendas: Expl. Ps. 118, Prólogo 2.
21 Documento-cerne: 21,1-5. Versão episcopal: 21,12-18; 21,20.25.26 (talvez
21,27.28.31.32.34.37). O cerne, por seus paralelos na Did. E em JUSTINO, Apol I, poderia
ser de meados do séc. II.
1
Oração sobre a água atestada no séc. III no Norte da África: TERTULIANO, De bapt. 4.
CIPRIANO, Ep. 70,1.
2
A referência à piscina é um possível acréscimo posterior. Se se omite, o texto fica
semelhante a Did. 7,1-3.
4-5
Batismo de crianças atestado no séc. III: TERTULIANO, De bapt. 18. CIPRIANO, ep. 64.
ORÍGENES, Hom. Lev. 8,3.
“Crianças que não podem falar por si” pode significar “menores de 7 anos”, conforme a
limitação dos direitos da criança na época. A ordem crianças – homens – mulheres pode
ser por questão de pudor.
5
Soltar os cabelos: sentido exorcístico provável. O diabo se escondia no coque. Pode
também ser para garantir que o cabelo todo fosse molhado. Também o tirar as jóias:
podiam ser amuletos em poder do diabo.
6-11
Confirma que há vários estratos, pois há repetições do já dito.
9
Renúncia: TERTULIANO, De cor. 3. De spect. 4. De anima 35.
10
A unção pré-batismal com sentido de exorcismo pode ser acréscimo do séc. IV.
12-14
A versão mais antiga da profissão de fé é em forma interrogativa. Parece que volta
aqui algo do cerne antigo: não há menção de ministro.
12-18
Confirmação da fórmula interrogativa no início/meados do séc. III no Norte da
África: TERTULIANO, De spect. 4. Adv. Prax. 26. De cor. 3. CIPRIANO, Ep. 69, 7. Ep. 70,
2.
19-24
TERTULIANO, De bapt. 7-8. De ress. carn. 8. CIPRIANO, Ep. 70,2; 73,9; 74,5: unção
pós-batismal, imposição das mãos com oração pelo Espírito Santo e possível assinalação
já no séc. III no Norte da África. HIPÓLITO, Comm. Daniel 1,16.2: unção pós-batismal
orientada pneumatologicamente, em Roma no séc. III.
21
Tanto na versão latina como nas orientais da prece não se indica um rito em que o
Espírito Santo é dado. Latim: pede-se a graça para que o neófito viva as implicações do
novo nascimento na água e no Espírito. Orientais: “sejam dignos de encher-se do Espírito
Santo”, mas não indica com que rito é dado o Espírito.
Tradição Apostólica – Iniciação cristã – p. 8

22
Unção pós-batismal só no séc. VIII (dependendo de como se interprete o “selo
espiritual” de Ambrósio). A descrição mais antiga: séc. V, carta de Inocêncio I a
Decêncio de Gobbio. Mas: imposição das mãos do bispo + oração + assinalação são parte
da estrutura dos ritos pós-batismais no Norte da África em meados do séc. III (CIPRIANO,
Ep. 73, 9). O estrato mais antigo terá sido: imposição das mãos + oração + consignação.
23
Ósculo: JUSTINO, Apol. I, 65 (mas corresponde melhor a TA 21,26). Cânones de
Hipólito falam aqui de “sinal de amor”. É possível que interprete como dom do Espírito
Santo, especialmente se se consideram as palavras.
25
Batismo condição de participar da oração dos fiéis (JUSTINO, Apol. I, 65).
26
Beijo da paz depois das preces: JUSTINO, Apol. I 65. TERTULIANO, De orat. 18.
ORÍGENES, Coment. Rm 10,13.
27
Terminologia eucarística do séc. IV. Antes o latim usava “figura”.
28-37
Confusão no número e no uso dos cálices.
28-29.33-37
Cálices acessórios no batismo são atestados no Egito, Etiópia, Norte da África,
Roma. Metáfora: leite e mel – entrada na terra prometida que é Cristo (Barn. 6, 18-19).
Talvez também Clemente de Alexandria: Paed. 1.6.34.3; 1.6.36.1; 1.6.45.1; 1.6.50.3-
52.2. Em todo o caso (cf. JERÔNIMO, Altercação com Luciferiano. Carta de João o
Diácono a Senário 12). Mas o cálice de água é desconhecido; e o de leite e mel é dado
depois da comunhão.

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