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IDEIAS EM OUTRO LUGAR?

Constituição liberal e codificação do direito privado


na virada do século XIX para o século XX no Brasil

Marcelo Neves
Universidade de Brasília (UnB), Brasília – DF, Brasil. E-mail: marceloneves@unb.br

DOI: http//dx.doi.org/10.17666/308805-27/2015

Introdução E ele acrescentava: “Há certas fortunas políticas de


nossa terra que não têm explicação” (idem, p. 105).2
O debate referente à introdução de concepções A orientação oposta manifesta-se na afirmação de
jurídico-políticas liberais no Brasil concentra-se, his- Tobias Barreto, ao comparar a experiência do poder
toricamente, na divergência entre duas compreen- moderador, instituído pela Constituição de 1824, à
sões básicas: uma aponta para um afastamento da luz do parlamentarismo inglês: “As instituições que
autenticidade cultural mediante a importação de não são filhas dos costumes, mas um produto abstra-
elementos estrangeiros, negadores da identidade, sin- to da razão, não aguentam por muito tempo a prova
gularidade ou peculiaridade do Brasil ou da “nação” da experiência, e vão logo quebrar-se contra os fatos.
brasileira; a outra sugere uma falta, um defeito na Indubitavelmente o nosso governo se acha em tal es-
incapacidade de implementação de valores liberais, tado” (Barreto, [1871] 2000, p. 383).3 Aditava ain-
superiores em termos civilizatórios, a serem segui- da: “Mas importa não esquecer que na produção dos
dos como modelos. Além do espaço da política e do nossos males figura em grande parte a cumplicidade
direito, a primeira orientação encontra uma expres- do povo” (idem, p. 383).4 Essas duas formas de con-
são literária na famosa formulação de Machado de siderar a relação entre “país real” e “país oficial” ou,
Assis: “O país real, esse é bom, revela os melhores do ponto de vista especificamente político-jurídico, de
instintos; mas o país oficial, esse é caricato e bur- tratar a presença de ideias e instituições liberais de ori-
lesco” (Machado de Assis, [1861] 1955, p. 104).1 gem europeia no Brasil são expressões diversas de uma
Artigo recebido em 03/10/2013 autocompreensão que foi chamada, sugestivamente,
Aprovado em 19/03/2015 de “ideias fora do lugar” (Schwarz, [1977] 2000).5
RBCS Vol. 30 n° 88 junho/2015
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A esse debate subjaz a concepção de que há socialmente estabilizadas). Em primeiro lugar,


uma sociedade brasileira com identidade própria, cumpre observar que o “ideário não pode variar
que a distingue das sociedades europeias. Daí de- arbitrariamente em relação à sociedade que o uti-
corre a busca incessante pela peculiaridade, singula- liza. O problema teórico desloca-se, com isso, para
ridade ou autenticidade do Brasil. Nesse contexto, a questão de estabelecer mediante o que e de que
a noção de sociedade fica vinculada ao conceito maneira a estrutura da sociedade limita a arbitra-
político-cultural de Estado nacional, envolvendo a riedade” (idem, p. 17). Em segundo lugar, cumpre
própria territorialidade. A “nação” como conceito sublinhar que, tomadas a complexidade e a dife-
cultural desempenha, nos termos da tradição ro- renciação como fundamentais para a conexão en-
mântica do século XIX, um papel decisivo. A nação tre estrutura e semântica, as “relações particulares
brasileira é apresentada como expressão cultural de e gerais entre estrutura da sociedade e semântica
uma sociedade determinada, enquanto o Estado é caminham, portanto, lado a lado e se influenciam
compreendido como manifestação política da na- reciprocamente” (idem, p. 34). Isso não exclui que
ção. Disso resultariam uma semântica e uma estru- artefatos semânticos se tornem obsoletos perante as
tura próprias da sociedade brasileira, que possibilita- novas estruturas emergentes.10 Entretanto, é inegá-
riam a sua compreensão e explicação. É nesse sentido vel não apenas que inovações semânticas resultem
que se construiu o rótulo “intérpretes do Brasil”.6 de transformações estruturais, mas também que
Parto, porém, do pressuposto teórico segundo uma nova semântica estimule mudanças na estru-
o qual a sociedade moderna emerge como socie- tura social. A questão se complica quando se con-
dade mundial (Neves, 2009, pp. 26ss.; 2008, pp. sidera essa relação no plano da sociedade mundial.
215ss.).7 Ao contrário das sociedades pré-moder- Um artefato semântico da sociedade mundial pode
nas, formações territorialmente delimitadas, desen- variar em face de sua adequação à reprodução das
volve-se, a partir do século XVI, a mundialização estruturas em contextos sociais diversos. Além do
da sociedade, que se intensifica no século XIX e se mais, cabe distinguir entre semântica referente às
consolida nos fins do século XX, com a afirmação, estruturas cognitivas e semântica concernente às es-
inclusive no plano semântico da autodescrição, da truturas normativas.
mundialidade da sociedade, mediante o discurso da Como as estruturas cognitivas da economia,
globalização (Neves, 2009, pp. 27-28; Luhmann, da técnica e da ciência não se diferenciam segmen-
1997, p. 148; Brunkhorst, 1999, p. 374). Embora tariamente no âmbito da sociedade mundial, a se-
originariamente o sistema econômico tenha sido mântica dominante nessas esferas tem um potencial
propulsor do surgimento da sociedade mundial, de apresentar-se enfaticamente no plano mundial,
não se trata apenas de uma característica do capita- sendo pouco importantes as diferenças regionais
lismo ou do sistema econômico.8 Característico da de estruturas. Assim, a semântica alternativa local
sociedade mundial é o fato de que o horizonte das é neutralizada em ampla medida, subordinada que
comunicações e das expectativas passa a ser prima- fica à semântica da sociedade mundial: autodes-
riamente mundial, não se limitando a um determi- crição da produção, circulação, mercado, concor-
nado território. rência, eficiência etc. No que diz respeito, porém,
Daí por que a relação entre semântica e estru- às estruturas normativas do direito e da política, a
tura deve ser considerada, em primeiro plano, do segmentação territorial em Estados põe não só a
ponto de vista da sociedade mundial. Considerada questão da semântica mundial em face de estrutu-
a semântica como “um sentido disponível, genera- ras variadas, mas também o problema de artefatos
lizado de forma mais elevada, relativamente inde- semânticos referentes às estruturas normativas que
pendente da situação” (Luhmann, 1980, p. 19),9 se reproduzem no âmbito do respectivo Estado.
cabe indagar como se afirmariam construções se- A semântica mundial do liberalismo tem uma
mânticas como autodescrições da sociedade mun- vertente relacionada com as estruturas cognitivas,
dial, considerando a presença, nesta, de situações servindo à autodescrição da economia capitalista,
tão diversas no plano das estruturas (expectativas com forte tendência a neutralizar alternativas se-
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mânticas. Já o liberalismo como semântica jurí- codificação civil consumada em 1916 no contexto
dico-política tem uma forte dimensão normativa. brasileiro das duas primeiras décadas do século XX.
Isso significa que, nos séculos XIX e XX, a semân- Por fim, nas observações finais, considerarei que a
tica liberal da sociedade mundial não só passou por adoção de ideias sociais, socialistas ou fascistas nas
testes de adequação em face de estruturas normati- décadas de 1920 e 1930 não altera substancialmen-
vas dos respectivos Estados em que ela foi adotada, te o quadro de deslocamento semântico de ideias
mas também foi entrecortada por uma semântica na experiência jurídico-política brasileira, situação
local que lhe subverteu, em grande parte, o senti- que perdura, em certa medida, até hoje; também
do e a função originários. Há deslocamentos que acentuarei a assimetria na circulação de ideias libe-
transmudam ideias. É com base nesses pressupostos rais na sociedade mundial, assim como o paradoxo
que farei a análise da semântica liberal referente ao da localidade e da mundialidade de seu sentido e
constitucionalismo e à codificação do direito pri- suas funções.
vado na experiência brasileira da virada do século
XIX para o século XX. Em vez de “ideias fora de lu-
gar”, não caberia indagar sobre o sentido e a função A ausência de codificação do direito civil
do desenvolvimento de ideias em outro lugar, ou no Brasil do Século XIX
melhor, em diversos lugares da sociedade mundial?
A sociedade no Brasil da virada do século XIX para Declarada a Independência em 1822, a Lei de
o século XX, delimitada pelo Estado como organi- 20 de outubro de 1823, expedida pela Assembleia
zação político-jurídica territorial, não seria um des- Constituinte, manteve em vigor as Ordenações Fi-
ses lugares em que as ideias liberais não só se irra- lipinas, leis, alvarás, decretos e resoluções promul-
diaram como pertencentes à semântica dominante gadas pelos reis de Portugal até 25 de abril de 1821,
ou hegemônica da sociedade mundial em relação enquanto não entrasse em vigor um novo Código
às estruturas normativas, mas também foram con- (Pontes de Miranda, [1928] 1981, p. 66; Gomes,
frontadas com semânticas locais antiliberais? 1958, pp. 12-3; Alves, 2003, p. 3). Dissolvida a
Observe-se que não se trata neste artigo de Assembleia Constituinte em novembro de 1823,
uma revisão bibliográfica de uma vasta discussão o imperador outorgou a Constituição imperial de
em torno dos intérpretes do Brasil, tampouco de 1824,12 cujo art. 179, inciso XVIII, estabeleceu
uma retomada do debate entre historiadores sobre que se organizasse quanto antes um Código Civil.13
“ideias fora do lugar” no Brasil. Antes, o argumen- Apesar de várias tentativas de concretização dessa
to concentra-se na questão jurídica do significado previsão constitucional, ela não se realizou durante
das ideias liberais na codificação do direito privado o período imperial.
e da constitucionalização na virada do século XIX As Ordenações Filipinas, publicadas em 1603,
para o século XX, a partir de uma releitura da con- no período em que Portugal estava sob o domínio
cepção sistêmico-teórica de estrutura e semântica espanhol, e confirmadas pela Lei de 29 de janeiro
da sociedade mundial.11 de 1643, vigoraram durante todo o período mo-
Na exposição que se segue, analisarei, inicial- nárquico e perduraram, nos termos do art. 83 da
mente, os fatores que impediram a codificação uni- Constituição de 1891,14 nos primeiros 25 anos do
ficada do direito privado ou a codificação do direito regime republicano, até 31 de dezembro 1916, ten-
civil no século XIX, apesar de sua previsão expres- do completado 314 anos de vigência no Brasil (Go-
sa na Constituição imperial de 1824. No segundo mes, 1958, pp. 8 e 13; Pontes de Miranda, [1928]
momento, considerarei os limites da concretização 1981, pp. 41ss.). Seu anacronismo residia em atri-
normativa da Constituição republicana de 1891 buir “autoridade extrínseca às opiniões de Acúrsio
perante as estruturas e as práticas político-jurídicas e Bártolo, numa época em que já estavam desacre-
dominantes no Brasil da Primeira República, apon- ditadas” (Gomes, 1958, p. 9). Em sua aplicação,
tando para o seu significado simbólico. Em seguida, os argumentos de autoridade eram dominantes,
farei uma breve avaliação do sentido e da função da contentando-se os juízes “com fazer acompanhar as
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suas decisões de um longo préstito de autores, não nhosas, que não podem servir à posteridade;
só jurisconsultos, mas até moralistas e casuístas, o fique o estado de liberdade sem o seu correla-
que na linguagem do tempo constituía opinião co- tivo odioso. As Leis concernentes à escravidão
mum” (Pontes de Miranda, [1928] 1981, pp. 43- (que não são muitas) serão pois classificadas à
44).15 A Lei de 18 de agosto de 1769, editada no parte e formarão o nosso Código Negro (Freitas,
regime do Marquês de Pombal, chamada de “Lei da [1857] 2003, vol. 1, p. xxxvii).18
Boa Razão”, procurou enfrentar esse problema ao
oferecer critérios para a interpretação e a integração Essa formulação já é um sintoma do com-
das lacunas da lei e ao exigir que as opiniões dos plicado convívio com ideias jurídicas liberais no
doutores fossem conferidas à luz da “boa razão”, in- contexto do Brasil imperial. A noção moderna de
clusive estabelecendo, em seu § 13, que Acúrsio e direito civil como expressão normativa da auto-
Bártolo, na autoridade que lhes foi atribuída pelas nomia privada expõe-se a uma situação vexatória.
Ordenações Filipinas (§ 1º do título 64 do livro O jurista liberal, diante das relações escravocratas,
3º), fossem destituídos (Pontes de Miranda, [1928] procura deslocar o tratamento do problema “vergo-
1981, pp. 44ss; Gomes, 1958, pp. 9ss.). nhoso” para outro diploma normativo, o “Código
Com as alterações introduzidas pela “Lei da Negro”, que se reduziria a uma exceção passageira
Boa Razão”, persistiram as Ordenações Filipinas até (“odiosa”), pois não poderia “servir à posteridade”.
o primeiro quartel da República, a mercê do que de- Buscando afirmar a coerência liberal da Consoli-
terminara a própria Constituição imperial de 1824: dação com o recurso à exceção antiliberal, Teixeira
a organização de um código civil “quanto antes”. As de Freitas pretendia não só manter a semântica do
tentativas nesse sentido não tiveram sucesso. liberalismo jurídico – referente a estruturas norma-
Em 15 de fevereiro de 1855, o jurista Teixeira de tivas – em consonância com estruturas econômi-
Freitas foi encarregado do trabalho de consolidação cas da sociedade mundial de então, mas também
da legislação vigente no Brasil, inclusive a de Portu- ajustá-la à semântica local concernente às estruturas
gal, anterior à Independência (Meira, 1983, p. 94; de expectativas normativas que embasavam a escra-
Gomes, 1958, p. 18). Buscava-se consolidar, classi- vidão. O ideário do liberalismo jurídico era entre-
ficar, ordenar, para, depois, codificar ou, na lingua- cortado e delimitado, dessa maneira, por um escra-
gem de Pontes de Miranda, “primeiro conhecer-se vismo condizente com as estruturas de expectativas
para depois expressar-se” ([1928] 1981, p. 79).16 Em cognitivas (econômicas) da sociedade mundial e
1857, Teixeira de Freitas concluiu a obra Consolida- fortificado pela semântica de identidade referente
ção das leis civis ([1857] 2003),17 organizando am- às estruturas normativas do Estado monárquico
plamente “os mais esparsos e infirmes elementos le- brasileiro. As ideias deslocavam, “migravam”, sem
gislativos então vigentes e oriundos de 1603 a 1857” compromisso com o seu eventual topos de origem.
(Pontes de Miranda, [1928] 1981, p. 80). Entretan- A dificuldade de Teixeira de Freitas era tanto
to, Teixeira de Freitas ignorou em sua consolidação a maior na medida em que o texto constitucional de
escravatura, instituto em que se assentava a estrutura 1824, como estrutura normativa formal básica do
econômica e jurídica do Império. Nesse sentido, ele Império brasileiro, previa implicitamente, a escravi-
justificava sua posição na introdução à sua obra: dão. Embora essa nuance tenha sido desconsidera-
da, fazendo-se crer que, ao contrário do projeto da
Cumpre advertir, que não há um só lugar de Assembleia Constituinte de 1823, a Constituição
novo texto, onde se trate de escravos. Temos, de 1824 não previu a escravidão, esta reconheceu
é verdade, a escravidão entre nós; mas, se esse indiretamente o regime escravocrata ao distinguir,
mal é uma exceção, que lamentamos, conde- em seu art. 6º, inciso I, entre cidadãos ingênuos
nado a extinguir-se em época mais ou menos e libertos. Tal distinção só tem sentido em ordens
remota, façamos também uma exceção, um escravocratas, uma vez que a condição de liberto
capítulo avulso, na forma das nossas Leis Ci- supõe a situação anterior de escravo, ao contrário
vis; não as maculemos com disposições vergo- dos que nasceram livres (ingênuos).19
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Foi nesse contexto que também Teixeira de Comercial não entrava em dissonância com o re-
Freitas foi contratado pelo governo imperial, em 10 gime escravocrata, pois, ao contrário, os senhores
de janeiro de 1859, para elaborar o esboço de um rurais estavam envolvidos nas relações de produção
código civil (Nabuco, [1897-1899] 1997, p. 1053; e circulação da economia mundial e necessitavam
Meira, 1983, p. 185; Pontes de Miranda, [1928] de uma regulação mercantil moderna:
1981, p. 80). Agora, não se tratava mais da cons-
trução de um artefato de autodescrição sistemáti- O senhor rural [...] não podia dispensar, no
ca de estruturas normativas dominantes, mas sim âmbito do direito privado, um corpo de leis li-
de envolver-se na reforma e transformação dessas berais que viessem a regular as suas relações de
estruturas, ao menos na dimensão formal de tex- vendedor com o mercado, onde ele colocava,
tualização (Nabuco, [1897-1899] 1997, p. 1054). como comerciante, o que sobejava da produção
O esboço não foi concluído, não tendo sido com- de sua fazenda. Nesse campo, seus interesses
pletado o terceiro livro da parte especial, referente coincidiam com os do comércio exportador das
às disposições comuns aos direito pessoais e reais, a cidades-portos. Vinculavam-se a exportadores e
saber, herança, concurso de credores e prescrição.20 comissários ou ainda a pequenos comerciantes
Por fim, em 1872, o contrato de redação do projeto num complexo de relações sociais, mercantis e
foi rescindido, pois o governo não aceitou a ideia jurídicas (Mercadante, 1980, p. 184).
de elaborar um código geral do direito privado, de-
fendida por Freitas.21 Este, em proposta enviada ao Teixeira de Freitas reagia à dualidade do direito
governo em 1867, sustentara o seguinte: privado por ser contrário à “duplicidade em nossas
relações de produção” (Mercadante, 1980, p. 190).
O governo quer um Projeto de Código Civil A sua fuga “engenhosa” da questão servil, ao sugerir
para reger como subsídio ao complemento um “Código Negro” fora da Consolidação das Leis
do Código do Comércio; intenta conservar Civis, não poderia mais ser um caminho, pois, no
o Código Comercial existente com a revisão, novo contexto, tratava-se da elaboração do projeto
que lhe destina, e hoje as minhas ideias são de “um Código em consonância com o individua-
outras, resistem invencivelmente a essa calami- lismo jurídico” (idem, p. 188). A Consolidação serviu
tosa duplicação de Leis Civis, não distinguem, à manutenção das estruturas normativas existentes,
no todo das leis desta classe, algum ramo, que enquanto o Esboço serviria a uma codificação fun-
exija um código do comércio. O governo só dada no individualismo liberal. Aquela poderia
pretende de mim a redação de um Projeto de conviver com o regime escravocrata, este expunha-
Código Civil, e eu não posso dar esse código, -se a um paradoxo: a codificação individualista do
ainda mesmo compreendendo o que se chama direito privado – liberal e universalista na autodes-
Direito Comercial, sem começar por um outro crição semântica – exigiria a superação do regime
código, que domine a legislação inteira (apud de escravidão ou, no mínimo, caso aprovada, poria
Nabuco, [1987-1989] 1997, p. 1057).22 em xeque esse regime. Nesse sentido, a Consolidação,
ajustada às estruturas sociais escravocratas, teria sido
Observe-se que o Código Comercial brasilei- o fator decisivo para que o Esboço não fosse adotado,
ro fora promulgado em 1850. Teixeira de Freitas mostrando-se evidente “a incompatibilidade entre o
alegava que os seus redatores teriam mercantiliza- individualismo jurídico e as condições objetivas da
do todas as relações civis (Freitas, 1878, pp. xi-xii; realidade econômica brasileira” (idem, p. 191).
Mercadante, 1980, p. 184). A relativa facilidade A esse respeito, cabe observar que, embora não
com que se aprovou o Código Comercial contras- tenha sido adotado no Brasil, o Esboço teve forte
tava com os obstáculos que se punham no governo influência na legislação de outros países, como Ar-
e no parlamento em relação ao Esboço (Mercadan- gentina, Uruguai, Paraguai e Chile (Pontes de Mi-
te, 1980, pp. 189 ss.). Nesse particular, ressalta-se, randa, [1928] 1981, p. 63; Mercadante, 1980, p.
novamente, a questão do escravismo. O Código 194).23 Nesses países, porém, a escravidão já havia
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sido abolida, o que tornou viável a adoção da codi- Entretanto, no plano da semântica, as ideias in-
ficação individualista do direito privado, adaptada dividualistas liberais do direito privado circulavam
evidentemente às variáveis locais. com funções e sentidos diversos dos lugares de sua
Essas considerações sobre o malogro da co- suposta origem, não apenas como artefatos político-
dificação civil ou unificada do direito privado no -simbólicos de autodescrição ideológica da realidade
período imperial,24 que até o seu ocaso manteve jurídica e social do país, mas também como elemen-
a escravidão, contêm indícios que podem eviden- tos reflexivos e críticos da forma de integração do
ciar os próprios limites do deslocamento de ideias Estado brasileiro na sociedade mundial. O parado-
em contextos jurídico-políticos diversos. Sem dú- xo entre mundial e local, manifestando-se especifi-
vida, o liberalismo jurídico implica ideias que são camente, condicionava e estimulava a migração de
construções pertencentes à semântica da sociedade ideias liberais concernentes à codificação do direito
mundial no século XIX. Nesse plano, embora en- privado no Brasil do século XIX.
trecortadas por semânticas normativas de identida-
de do Estado-nação, elas circulavam, ao seu modo,
no discurso político e jurídico do Império brasilei- Da Constituição liberal de 1891
ro. Porém, na medida em que pretenderam ganhar
força e tomar forma institucional como artefato es- Abolida a escravidão em 1888, uma das bases
trutural de caráter normativo no plano local, elas de sustentação econômico-social do regime monár-
se expunham a obstáculos quase intransponíveis: o quico, e no contexto dos conflitos do governo com
regime escravocrata, pertencente à estrutura econô- setores militares e religiosos, é proclamada a Repú-
mica da sociedade mundial do século XIX, legiti- blica, em 1889, singularmente mediante um gol-
mado por semântica e estrutura normativa local da pe militar, um tanto inesperado e incompreensível
autenticidade, tornava improvável a instituciona- para a população.26 Convocada a Assembleia Cons-
lização das ideias liberais individualistas mediante tituinte (1890-1891),27 Rui Barbosa, fascinado pela
a codificação do direito civil. Daí por que, nessas experiência constitucional dos Estados Unidos,
circunstâncias, em termos estruturais, “só se efeti- ofereceu um anteprojeto em que pontificavam o li-
varia a revogação das Ordenações com o término beralismo, o presidencialismo e o federalismo. Em-
das relações escravista” (Mercadante, 1980, p. 194). bora o projeto tenha sofrido alterações na Consti-
Essa afirmação não deve ser interpretada, porém, tuinte e, em certa medida, o texto final tenha-se
em termos de um determinismo excludente entre co- afastado do constitucionalismo norte-americano,
dificação civil e escravidão. O Código Civil de Lou- esses traços marcaram a Constituição de 1891.
isiana, por exemplo, previa a escravidão. A assertiva Inicialmente, cabe observar que as ideias cons-
deve ser compreendida nos limites do contexto brasi- titucionais adotadas nas estruturas textuais normati-
leiro e da pretensão de Teixeira de Freitas de ser fiel às vas se confrontavam, na prática constitucional, com
ideias jurídicas liberais (Fonseca, 2011, pp. 24-25).25 o positivismo comteano, que influenciava a elite
Além disso, caberia não considerar apenas a escravi- militar dirigente nos primeiros anos da República,
dão como obstáculo à codificação civil liberal no Bra- compreendido em uma perspectiva que viabilizava
sil do século XX, mas também as disputas em torno a justificação de qualquer violação das normas cons-
do sentido da cidadania em geral (Grinberg, 2002, titucionais em nome da defesa da “ordem”.28 Esse
espec. pp. 319-321; 2008, pp. 47ss.). Pode-se acres- confronto entre ideias liberais conformadoras da
centar que a Consolidação, assumindo praticamente textualização constitucional e ideias autoritárias da
o papel de uma codificação civil, apresentava-se mais prática constitucional conduzida pelo Executivo mi-
adequada e “funcional” à estrutura de exclusão jurí- litar, nos primeiros anos da República, já é um indí-
dica e social do Império do que um código civil ou cio de descompasso e de complementaridade entre
privado de cunho consistentemente liberal, que pode- textualização e realização constitucional.
ria constituir um perigo à manutenção do arcabouço Com a Constituição de 1891, torna-se ainda
sociopolítico e jurídico-econômico da Monarquia. mais problemática a relação entre texto constitucio-
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nal e realidade do processo de poder, se compara- e democráticos consagrados no documento constitu-


da com a experiência constitucional do Império.29 cional funcionava como desencargo dos “donos do
Amplia-se a declaração de direitos e liberdades in- poder”, transferida para a suposta “sociedade atrasa-
dividuais, assim como se afirma o princípio da “se- da” a “responsabilidade” ou a “culpa” pelo desprezo à
paração dos poderes” no documento constitucional, Constituição.
mas a estrutura social subjacente e a prática política A questão, porém, não deve ser posta nos ter-
dominante reproduzem-se, em grande medida, à mos de uma alternativa entre idealismo liberal (ilu-
margem do contorno textual-normativo da Cons- minista, alienado) e realismo autoritário (autêntico,
tituição. A permanente deturpação ou violação da enraizado). As ideias do constitucionalismo liberal
Constituição em todo o período em que ela este- circulavam no âmbito dos setores civis de uma em-
ve formalmente em vigor (1891-1930) (Pacheco, brionária “classe média”, ainda muito limitada entre
1958, pp. 240 ss.) pode ser apontada como o mais minorias privilegiadas vinculadas principalmente aos
importante traço da realidade político-jurídica da latifúndios e massas subalternas ou excluídas no cam-
Primeira República. Constituem expressões signifi- po e na cidade. Rui Barbosa é uma expressão típica
cativas da falta de concretização normativa do texto dessa nova “classe média” (Dantas, 1962a, pp. 24, 27
constitucional: a fraude eleitoral como regra do jogo e 36-38).35 Não se pode negar que havia uma exa-
político controlado pelas “oligarquias” locais;30 a cerbação retórica em relação à Constituição norte-
degeneração do presidencialismo no chamado “neo- -americana (assim como ocorrera com o constitucio-
-presidencialismo”,31 principalmente através das de- nalismo francês e o parlamentarismo inglês durante
clarações exorbitantes do estado de sítio (Barbosa, o Império), capaz de alimentar a ilusão simbólica de
1932-1934, vol. II, pp. 373ss.; vol. III, pp. 323ss.); que o simples transplante do modelo constitucional
a deformação do federalismo mediante a “política dos Estados Unidos ofereceria uma solução adequa-
dos governadores”32 e a decretação abusiva da inter- da dos problemas sociais brasileiros.36 Nesse sentido,
venção federal nos Estados (idem, vol. V, p. 17). Oliveira Vianna (1939, p. 91) falava da “crença do
Entre os críticos conservadores, adeptos de um poder transfigurador das fórmulas escritas”. Entre-
Estado autoritário, corporativista e nacionalista, o tanto, cabe observar que o próprio Barbosa não era
problema da falta de concretização normativa do totalmente acrítico em relação à possibilidade de
texto constitucional de 1891 foi denunciado como transferência de instituições norte-americanas para a
contradição entre “idealismo da Constituição” e “re- realidade brasileira mediante promulgação de Cons-
alidade nacional”.33 Porém, em suas críticas ao “ide- tituição ou legislação (Barbosa, 1932-1934, vol. I, p.
alismo utópico” do legislador constituinte, a signifi- 30). A questão reside no fato de que, no plano da
cação simbólica do documento constitucional não semântica da sociedade mundial na virada do século
foi considerada com exatidão, mas, ao contrário, foi XIX para o século XX, as ideias constitucionalistas
acentuada a ingenuidade de “suas boas intenções”.34 circulavam e migravam sem compromisso com um
Nesses termos, a Constituição seria expressão de ponto de origem. Barbosa era um jurista envolvido
ideias fora do lugar. Não pertencia à discussão se o nessa discussão do seu tempo. O problema que se
chamado “idealismo utópico” só foi adotado no do- põe refere-se ao momento em que essas ideias pre-
cumento constitucional na medida em que a realiza- tendiam tomar forma no plano estrutural da norma-
ção dos respectivos princípios ficou adiada para um tização constitucional e, dessa maneira, influenciar a
futuro remoto, de tal maneira que o status quo não estabilização de expectativas normativas fundamen-
era ameaçado. Além do mais, não se pode excluir que tais à vida de Estados em contextos sociais tão diver-
a “Constituição nominalista” de 1891 atuava como sos. Em verdade, a compreensão dessa questão exige
constructo de identificação simbólica da experiência que o debate vá além da dicotomia entre “idealismo”
político-jurídica brasileira com a norte-americana, (alienante, estrangeiro) e “realismo” (autêntico, na-
construindo-se a imagem de um Estado brasileiro tão cional) ou entre “país real” e “país oficial”. Não se
“democrático” e “constitucional” como o seu modelo. pode compreender a realidade político-jurídica do
No mínimo, a invocação retórica aos valores liberais país senão como composta de “idealismo” e “realis-
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mo”, em relação de tensão e complementaridade. ou como corpos socialmente insignificantes.38


Nesse sentido, cabe considerar a dinâmica de des- As relações de subreinclusão e subinclusão atu-
locamento das ideias (no nível semântico) em face avam como fator de bloqueio de uma concretização
das estruturas normativas e das operações da prática e efetivação constitucional. A Constituição não se
jurídico-política. concretizava de forma generalizada, mas de manei-
A semântica do constitucionalismo liberal, arti- ra seletiva e particularista, conforme a constelação
culada nos termos da experiência norte-americana, concreta de interesses dos sobreincluídos. Não fun-
foi incorporada ao plano das estruturas normativas cionava primariamente como horizonte jurídico
mediante a textualização constitucional de 1891. dos detentores do poder, senão era usada, abusada
Essa semântica, porém, era entrecortada por uma e desusada em razão de condições fáticas e casuís-
semântica local da autenticidade, que veio a encon- ticas das relações políticas de dominação. Em ou-
trar expressão estrutural, mais tarde, na Constitui- tras palavras, a concretização constitucional ficava
ção autoritária de 1937. Além disso, a textualização fortemente condicionada e limitada pelas injunções
constitucional é dimensão tênue e pouco significa- arbitrárias dos “donos do poder”. Dessa maneira,
tiva, em si mesma, das estruturas normativo-jurí- a Constituição implodia como horizonte reflexivo
dicas. As expectativas normativas eram pervadidas fundamental das práticas jurídicas e políticas.
por critérios de sobreinclusão e subinclusão nos Isso significaria que as ideias do constitucio-
sistemas jurídico e político.37 Uma minoria privi- nalismo liberal individualista, então inspiradas
legiada atuava à margem da Constituição, sem que principalmente pela experiência do presidencialis-
os mecanismos sancionatórios respectivos tivessem mo e federalismo norte-americano, seriam “ideias
qualquer significado prático relevante. Dessa situa- fora do lugar”? No Estado brasileiro da Primeira
ção não estava excluída a atuação dos órgãos gover- República (1889-1930), topos político-jurídico ter-
namentais. Nesse sentido, o próprio Rui Barbosa ritorialmente delimitado, essas ideias sofriam um
era enfático em seus comentários à Constituição: deslocamento de sentido na relação entre política e
“Um dos flagelos que desgraçam hoje este país, são direito enquanto sistemas funcionais precariamen-
as chamadas oligarquias locais estaduais, que o Go- te diferenciados. Do ponto de vista estritamente
verno da União acoroçoa, explora, sustenta e agra- jurídico-normativo, sua textualização constitucio-
va, servindo-se, para isso, já dos exércitos militares nal tinha pouco significado estrutural para a esta-
de mar e terra, já do exército civil, que o nosso inu- bilização generalizada de expectativas normativas
merável funcionalismo lhe proporciona” (Barbosa, no âmbito de uma concretização constitucional
1934, p. 17). satisfatória. Essa questão estrutural, por sua vez, é
Essa prática dos sobreincluídos, localizados, inseparável do problema operativo, tendo em vista
por assim dizer, “acima” da Constituição, era inse- que as comunicações e as respectivas ações político-
parável, no período da Primeira República, da si- -jurídicas se desviavam do modelo textual de Cons-
tuação dos subincluídos ou excluídos por “baixo”, tituição. Entretanto, na perspectiva política, as
que se encontravam aquém da Constituição. Estes ideias liberais incorporadas ao texto constitucional
já estavam excluídos pelas próprias determinações desempenhavam uma relevante função simbólica.
constitucionais, que estabelecia serem inalistáveis E essa função era ambivalente. Por um lado, ela
os analfabetos e os mendigos, parte majoritária da servia para certa autoilusão constitucional, no sen-
população. Entretanto, além desses dispositivos tido de uma identificação retórica e “ideológica” do
constitucionais, a situação de exclusão social de Estado brasileiro com a experiência constitucional
amplas parcelas dos indivíduos e grupos tornava dos Estados Unidos e também de Estados europeus
as declarações de direitos e garantias individuais da época. Por outro, o texto constitucional servia à
irrelevantes para eles: dependentes da satisfação crítica por parte da intelectualidade e da oposição a
inadiável de necessidades vitais, grande parte deles respeito das práticas políticas e jurídicas violadoras
libertos formalmente da escravidão, viviam em re- da Constituição. Em parte, essa crítica, conforme já
lação de subalternidade perante senhores e patrões adiantado, pugnava pelo Estado autoritário, contra
Ideias em outro lugar  13

o “idealismo utópico” e a favor do “idealismo orgâ- vidado pelo governo para elaborar um novo Projeto
nico”,39 conforme a semântica de uma autenticida- de Código Civil. Tendo iniciado sua elaboração em
de nacional. Em parte, essa postura apontava por abril, já em novembro Bevilaqua concluiu o traba-
uma pretensão de concretização e efetivação consti- lho. O Projeto foi revisto por uma comissão consti-
tucional. De incluir-se nessa segunda vertente, po- tuída pelo governo e enviado à Câmara dos Depu-
de-se afirmar que Rui Barbosa, principal redator do tados em 1900. Sob a relatoria de Sílvio Romero,41
projeto da Constituição de 1891, enfeixou a am- foi aprovado na Câmara dos Deputados com vá-
bivalência da função político-simbólica das ideias rias alterações, tendo sido remetido ao Senado em
liberais corporificadas no texto constitucional: a sua 1902. Sob a relatoria de Rui Barbosa, cujo parecer,
retórica liberal de enaltecimento da Constituição apresentado em 3 abril de 1902, concentrou-se em
convivia com o seu discurso crítico da prática go- restrições à formulação linguística e gramatical, sem
vernamental. No âmbito dessa ambivalente função considerar as questões de fundo jurídico,42 o Pro-
hipertroficamente simbólica do texto constitucio- jeto ficou emperrado no Senado até 1912, quando
nal, que deu roupagem às ideias jurídico-políticas passou a ser discutido na Câmara dos Deputados.
liberais nos termos da experiência norte-americana, Em ambas as casas do Congresso, o Projeto revisto
não se atentava, porém, para o fato de que a con- pelo governo sofreu diversas alterações, só vindo a
cretização e a efetivação jurídico-normativa gene- ser aprovado em dezembro de 1915, com sanção e
ralizada da Constituição pressuporiam rupturas ra- promulgação em 1º de janeiro de 1916 e entrada
dicais, para não usar o termo “revolucionárias”, na em vigor em 1º de janeiro de 1917.43
estrutura da sociedade no Brasil da Primeira Repú- Embora, do ponto de vista filosófico, fortemen-
blica. Isso porque, evidentemente, essa alternativa te influenciado pelo evolucionismo e positivismo e,
não estava no horizonte histórico de possibilidades do ponto de vista jurídico, impregnado pela juris-
do Brasil na sociedade mundial da época, fundada prudência dos interesses (Ihering) e marcado por um
em forte assimetria econômica e social entre regiões certo “sociologismo jurídico” (Machado Neto, 1969,
e países. pp. 112ss.; Dantas, 1962c, pp. 84ss), Clóvis Bevila-
qua propôs um código que correspondia basicamen-
te ao modelo de codificação liberal do século XIX,44
Ao Código Civil de 1916 nos termos da tradição conceitualista do direito.
Não pretendeu apresentar, “como Freitas, uma
Há uma íntima conexão entre a Constituição obra original e revolucionária”, mas sim selecionar
liberal de 1891 e a codificação civil que se afirmou soluções encontradas nos projetos anteriores, nos
em 1916. A articulação paradoxal entre ideias libe- códigos estrangeiros e no direito vigente no Brasil
rais individualistas, estruturas normativo-jurídicas (Dantas, 1962c, p. 89). Apesar da postura liberal
com baixa força de concretização e estruturas so- novecentista, o projeto de Bevilaqua (1899), em
ciais com forte potencial excludente desenvolve-se pontos fundamentais, mostrou-se menos insensível
em um processo que se inicia com a constituciona- às transformações sociais do século XX do que o
lização formal e se solidifica com a codificação. Código Civil aprovado em 1916. Em dois aspectos,
Em 1890, o governo provisório encarregou o essa diferença pode ser verificada, a saber, na ques-
jurista Antônio Coelho Rodrigues da elaboração tão social e na questão da família e do gênero.
de um Projeto de Código Civil, que, concluído em No que diz respeito à primeira, são esclarece-
1893, foi rejeitado por comissão nomeada pelo go- doras as observações de Santiago Dantas:
verno e, posteriormente, embora tenha sido aprova-
do no Senado (1896), não teve andamento na Câ- Bevilaqua não incorporara, por certo, ao Proje-
mara dos Deputados (Brandão, 1980, p. 19; Pontes to primitivo soluções que pudessem represen-
de Miranda, [1928] 1981, pp. 82-83).40 Em 1899, tar a nova concepção jurídica das relações de
Clóvis Bevilaqua, então professor de legislação com- trabalho, a exemplo do que fez o Código Civil
parada na Faculdade de Direito do Recife, foi con- alemão ao distinguir a locação de serviços do
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contrato de trabalho (§ 631), mas o seu trata- ra manifestasse as concepções de sua época sobre
mento da matéria era bem mais adiantado do as diferenças entre o homem e a mulher, Bevilaqua
que o resultante das alterações feitas no curso apontava, ao contrário do Código Civil, para uma
da revisão. Entre as normas por ele propostas, solução em direção à igualdade entre os gêneros,
e excluídas do Código, figuravam o direito à conforme suas próprias palavras: “Desenvolvendo o
percepção do salário no caso de impedimento mesmo pensamento, procurando atender às justas
transitório de trabalhar por motivo de doença aspirações femininas e querendo fazer do casamen-
(art. 1369), ou o dever de assistência médica ao to uma sociedade igualitária, embora sob a dire-
trabalho doméstico (art. 137), a proibição do ção do marido, concedeu o Projeto maior soma de
trabalho industrial ou das minas aos menores direitos, maior liberdade de ação à mulher casada
de 12 anos (art. 1381), a limitação a seis horas do que o direito que atualmente vigora entre nós”
do tempo de trabalho de menores de 16 anos (idem, pp. 93-94).
(art. 1382), o dever do empregador de elimi- Ele acrescentava, então, que “o Projeto tencio-
nar as condições de insalubridade sob pena de nou reconhecer na mulher um ser igual ao homem,
responder por suas consequências (art. 1383) mas sem desviá-la das funções que lhe indica a pró-
(idem, p. 90). pria natureza, racionalmente interpretada” (idem,
p. 95). Ponderava, porém, ter “o autor do Projeto
Rejeitados esses embriões de legislação trabalhis- convicção de que foi, neste ponto, tão liberal quan-
ta, esta só veio a desenvolver-se a partir da década to lhe era permitido ser” (idem, p. 96).
de 1930, sendo marco de sua fundação no Brasil a É interessante acrescentar que, ainda a respei-
Consolidação das Leis Trabalhistas de 1940, perma- to da questão da família, o Projeto de Bevilaqua
necendo fora de sua proteção, por muito tempo, o foi bem mais favorável à situação jurídica dos en-
trabalhador rural45 e o empregado doméstico, este tão chamados “filhos ilegítimos” do que a solução
até recentemente não incluído no regime do Fundo adotada no Código Civil (Bevilaqua, 1906, pp. 99-
de Garantia por Tempo de Serviço, cujo papel prin- 105), distanciando-se das concepções morais e reli-
cipal foi o de substituir o regime de estabilidade dos giosas dominantes à sua época no Brasil.48
trabalhadores e da indenização por tempo de serviço Em relação às disposições concernentes à família
em caso de demissão sem justa causa.46 e ao gênero, juristas interessados em sua localização
No que diz à questão da família e do gênero, histórica atribuíram ao Código Civil, de forma mais
embora Bevilaqua tenha tido uma posição radical- contundente do que ao projeto originário, traços an-
mente contrária ao divórcio, o qual considerava um tiliberais ou, no mínimo, não liberais. Segundo Pon-
recuo “da situação moral da monogamia para o re- tes de Miranda ([1928] 1981, p. 443), vários dis-
gime de poligamia sucessiva” (Bevilaqua, 1906, p. positivos do Código “denunciam a preponderância
98), e seu projeto tenha sido rigoroso em definir do círculo de família, ainda patriarcal”, constituindo
o marido como chefe da sociedade conjugal (art. “um direito mais preocupado com o círculo social da
272), sua posição foi contrária à incapacidade re- família do que com os círculos sociais da nação, das
lativa da mulher casada para amplos atos da vida classes”. Essa posição foi corroborada por Orlando
civil (idem, pp. 93-96), solução adotada no Códi- Gomes (1958, pp. 21-35), que sublinhou a “influ-
go Civil (arts. 240-247 e 252) e só superada me- ência do privatismo doméstico” em sua elaboração.
diante as alterações introduzidas pela Lei nº 4.121, Nesse particular, foram apontados dispositivos refe-
de 27 de agosto 1962.47 O art. 279 do Projeto de rentes à indissolubilidade do vínculo matrimonial, à
Bevilaqua firmava que, pelo casamento, “torna-se a comunhão universal de bens e à disciplina do regi-
mulher companheira e sócia do marido”, diferente- me optativo de separação, à tutela e à curatela, as-
mente do Código Civil, o qual, na redação originá- sim como ao direito hereditário, enfatizando-se, por
ria, dispunha assumir a mulher, pelo casamento, “a exemplo, o direito incondicionado do testador “de
condição de sua companheira, consorte e auxiliar gravar os bens dos herdeiros, mesmo os que consti-
no encargo doméstico”. Nessa perspectiva, embo- tuem a legítima, com a cláusula de inalienabilidade
Ideias em outro lugar  15

vitalícia”, tudo isso em favor da posição imensamen- chamado “privatismo doméstico” com a persistência
te privilegiada do marido como chefe da sociedade de uma base rural nas primeiras décadas da Repúbli-
conjugal (idem, pp. 24-28). Especialmente em rela- ca, que, apesar da abolição da escravatura, mantinha
ção à questão do gênero, o art. 236, que prescrevia ainda traços de exclusão, privilégios e relações de de-
serem válidas, sem o consentimento da mulher, “do- pendência semelhantes à estrutura social do Império.
ações nupciais feitas às filhas e as doações feitas aos Portanto, a questão do gênero e da família
filhos por ocasião de se casarem, ou estabelecerem relaciona-se com a “questão social”. A esse respei-
economia separada”, refletiria, conforme Pontes de to, Orlando Gomes (1958, pp. 51ss.) procurou sa-
Miranda ([1928] 1981, p. 449), “a precariedade da lientar que o Código Civil não adotou nenhuma
situação da mulher brasileira”: “Devia ter cogitado disposição referente aos direitos sociais e às relações
da filha que, não se casando, quer, no entanto, esta- trabalhistas, desconsiderando os desenvolvimentos
belecer vida autônoma, ‘economia separada’”. que vinham ocorrendo na Europa. O Código ter-
Essa forma de considerar a preponderância do -se-ia mantido fiel ao individualismo jurídico do
círculo familiar foi associada à afetividade, tolerância século XIX. De fato, como já adiantado, em maté-
e benevolência jurídica (idem, pp. 441ss.). O pró- ria de acidente de trabalho, proteção ao trabalhador
prio elaborador do projeto originário, Clóvis Bevi- em caso de doença, proibição do trabalho dos me-
laqua, sustentou que “o direito civil brasileiro pode nores, limitação da jornada de trabalho, proteção
considerar-se um ‘direito afetivo’ – porque muitas do empregado em condições laborais insalubres
de suas disposições mais características foram toma- etc., nada constava no Código. As diversas tentati-
das por motivo de sentimento”, acrescentando que vas que foram apresentadas nos debates parlamen-
“dois princípios gerais se apuram, como energias tares para elementos mínimos de direito social fra-
propulsivas ou inspiradora de nossa vida jurídica (le- cassaram (idem, ibidem).
gislação, doutrina e jurisprudência): ‘o sentimento Conforme Orlando Gomes, o próprio autor do
de liberdade’ e ‘os impulsos idealistas’” (Bevilaqua, projeto originário, Clóvis Bevilaqua, “assumia, de
[1922] 1975, p. 193). Essa sugestão da existência de modo nítido e firme, uma posição categórica contra
uma “jurisprudência dos sentimentos”, a prevalecer inovações de fundo social” (idem, p. 57). Em sua de-
no Brasil, mereceu restrições de Pontes de Miranda fesa do projeto, Bevilaqua realmente mostrava des-
quanto aos seus elementos “despóticos”, mas este a confiança por aquilo que definia como “socialismo”,
vinculava a uma “benevolência jurídica”, que era, inclusive no sentido de reconhecimento de direitos
por um lado, criticada com base em argumentos ra- em termos do Estado social, que, segundo ele, po-
cialistas e, por outro, confundida com “‘liberalismo’ deria “resvalar no socialismo absorvente e aniquila-
excessivo” ([1928] 1981, pp. 444ss).49 Em verdade, dor dos estímulos individuais” (Bevilaqua, 1906, p.
expressões como “afetivismo” e “benevolência” atu- 41).50 Alegava, então, que o “direito privado social
avam antes de maneira ideologicamente simplifica- não pode ser outra coisa mais do que o equilíbrio
dora, desviando a atenção de problemas referentes a dos interesses do indivíduo e da sociedade”, susten-
assimetrias, a relações de dependências e de favores, tando que, fora desses parâmetros, as reformas “serão
assim como à condição ainda patriarcal no ambien- subversivas” (idem, p. 40). Entretanto, cabe consi-
te familiar. E mesmo supondo-se a presença de uma derar que, no contexto social dos atores envolvidos
“afetividade” como fator de produção jurídica e apli- na elaboração, o individualismo que prevaleceu no
cação do direito civil, esse traço teria que ser definido Código foi muito além dos cuidados de Bevilaqua
como algo contrário ao liberalismo individualista e com o que “ele contém de exageradamente egoísti-
considerado, sobretudo, na sua dimensão opressora, co e desorganizador” (idem, p. 41). O Código não
uma vez que estaria relacionado com o poder arbi- teria apagado, nas palavras do redator do projeto, “a
trário dos privilegiados socialmente, em detrimento nódoa de burguesismo que, por igual, deslustra os
dos mais frágeis. Daí por que, em vez de levar a sério códigos civis imperantes” (idem, p. 40).
expressões como “direito afetivo” e “benevolência ju- Essa situação manifestou-se particularmente nas
rídica”, é mais oportuno relacionar a influência do discussões que se travaram em torno da locação de
16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

serviços na Comissão Especial da Câmara dos Depu- palavras de Sílvio Romero, secundado por Orlando
tados (Gomes, 1958, pp. 58ss.). A concepção de uma Gomes, por “pobres da inércia”, não por trabalhado-
ampla autonomia da vontade impediu a inclusão de res rurais e fabris capazes de reivindicar direitos (Ro-
qualquer distinção entre contrato de locação de ser- mero, 1894, p. xxxiv; Gomes, 1958, pp. 39-40). Sem
viços celebrado no âmbito da autonomia privada e acesso a direitos civis elementares, esses miseráveis, a
contrato de trabalho. Nem os mais rudimentares ele- perambular no campo e nas cidades, conseguiam, no
mentos de proteção do trabalhador previstos no pro- máximo, realizar serviços esporádicos, engajar-se em
jeto originário de Bevilaqua foram admitidos. Nesse relações informais de trabalho ou incorporar-se como
“individualismo jurídico infenso a toda regulamen- empregado doméstico, sempre à margem do direito.
tação legislativa do trabalho” (idem, p. 61), Pontes A respeito do contrato de locação de serviço,
de Miranda via um direito mais preocupado “com Pontes de Miranda, abstraída aqui a explicação ra-
certo capitalismo indisfarçado, porém ingenuamente cialista que dava ao problema,51 foi atento à incom-
convencido da sua função de consolidação e justiça patibilidade entre o individualismo liberal do Códi-
social” ([1928] 1981, p. 443). Por sua vez, segundo go e as “relações de criadagem”: “o criado brasileiro
Orlando Gomes, a “mentalidade dominante na épo- não reivindicava, – como que continuou a servir,
ca transfundiu-se com tanta objetividade nas regras liberto, ao antigo senhor; as tentativas de moder-
codificadas no capítulo da locação de serviços, que nizar a locação de serviços eram infrutíferas, por-
nenhum a traduz com maior nitidez” (Gomes, 1958, que esbarravam na dupla indiferença, do patrão e
p. 66). Entretanto, esse tipo de enfoque superestima- do empregado doméstico” ([1928] 1981, pp. 445-
va a relação entre o substrato social e o texto legal, 446). Sem dúvida, uma dupla indiferença fundada
sem considerar os limites da força normativa deste. na extrema assimetria das posições, que tornava os
Nesse particular, além de considerar as condi- primeiros imunes a deveres e os segundo, carentes
ções particulares das ideias liberais de codificação no de direitos. Uma situação que, apesar de todas as
contexto do chamado “privatismo doméstico” e a transformações do direito do trabalho no Brasil,
opção ainda por um liberalismo individualista do- ainda persiste, em parte, nas relações de prestação
minante na Europa do século XIX, cumpre observar, de serviço doméstico que abundam no país.
em primeiro plano, o significado prático da codifi- Não se pode negar inteiramente que a promul-
cação no processo de concretização jurídica e efeti- gação de um código civil liberal individualista em um
vação do direito civil. Como se posicionava um có- contexto de extremas desigualdades sociais, com rela-
digo extremamente liberal nas matérias das relações ções de trabalho ainda impregnadas pelo escravismo,
de trabalho perante uma sociedade ainda de base pode ser interpretada como “cópia”, “importação” ou
rural, na qual o latifúndio monocultor era a prin- “transplante” de direito estrangeiro, sem compromisso
cipal mola propulsora da economia e da vida social? com a realidade social do país, com “inevitáveis defor-
Entre os senhores rurais (associados ao setor mercan- mações” (Gomes, 1958, p. 45). É nessa perspectiva
til de exportação e importação) e a massa dos de- que se deve compreender a afirmação de Pontes de
les dependentes e dos indigentes, havia uma ínfima Miranda: “O Código Civil Brasileiro, pelo que deve
“classe média” urbana em formação. Nesse contexto, a Clóvis Bevilaqua, é uma codificação para as Facul-
enquanto os proprietários de terra podiam “resguar- dades de Direito, mais do que para a vida” ([1928]
dar-se de investidas contra seus interesses fundamen- 1981, pp. 86-87). Por sua vez, Orlando Gomes, ao
tais”, o regime de “franquias liberais aproveitava, tão mesmo tempo que se referia ao transplante de “insti-
somente, a um reduzido número, sendo estranho à tuições alienígenas, que nessas regiões [de povos mais
grande maioria da população miserável e inculta” adiantados] começavam a murchar”, afirmava que o
(idem, p. 46). Tratava-se de relações de sobreinclu- Código “se antecipa à realidade”, “apresentando-se
são e subinclusão, ou seja, entre, respectivamente, os como aproximação da realidade futura” (1958, pp.
situados “acima” e os localizados “abaixo” do direito 43 e 72). Essa ambivalência sugere que não se tratava
civil do ponto de vista sociojurídico. Abolida a escra- simplesmente de “transplante”, “importação” ou “có-
vidão, a maioria da população era constituída, nas pia” de artefatos institucionais.
Ideias em outro lugar  17

A codificação privada na segunda década do sé- Tratar-se-ia de ideias fora do lugar? Parece-me
culo XX deve ser compreendida no âmbito da abo- que antes caberia falar de ideias em outro lugar,
lição da escravatura e da constitucionalização liberal entre tantos lugares da sociedade mundial. Mas,
decorrente da proclamação da República. Também paradoxalmente, como as ideias liberais de codi-
aqui, as ideias liberais do direito privado individua- ficação faziam parte da sociedade mundial, não
lista eram entrecortadas pelas condições locais, tanto poderíamos dizer que são ideias no mesmo lugar?
no plano da estrutura dos textos normativos quanto É esse paradoxo entre mundial e local ou regional
pela prática jurídica. A semântica jurídica liberal da que alimenta a reprodução de ideias políticas e ju-
sociedade mundial era não apenas entrecortada por rídicas, ao menos enquanto houver Estados como
ideias antiliberais ou não liberais dos juristas, mas organizações territorialmente delimitadas. Ideias
também por estruturas sociais incompatíveis com migrantes em uma unitas multiplex.
o individualismo liberal. Isso repercutiu no próprio
texto do código, especialmente no tratamento do di-
reito de família. Portanto, no plano das estruturas Observações finais
jurídicas, a institucionalização mediante produção
textual já implicava certo deslocamento das ideias As questões aqui tratadas a respeito da função e
liberais de codificação. Entretanto, parece-me que do sentido da constitucionalização liberal de 1891
a questão maior diz respeito aos limites da concre- e da codificação do direito civil de 1916, impreg-
tização normativo-jurídica do Código no contexto nadas de ideias liberais que vinham se firmando na
social adverso. Como se apresenta o individualismo Europa e nos Estados Unidos desde os fins do sécu-
liberal para relações de dependência desenvolvidas lo XVIII, não configuram fenômenos isolados no
no âmbito de redes estabilizadoras de expectativas de desenvolvimento de instituições e ideias políticas e
trocas, favores, prestações recíprocas, lealdades, su- jurídicas no Brasil. Há uma persistência de variá-
primento de necessidades inadiáveis etc., à margem veis similares no tocante ao deslocamento de ideias
do direito civil codificado? Nessas condições, seu e à transmutação de instituições na experiência ju-
sentido e suas funções são deslocados. rídica do século XX, constituindo problemas que
Isso não significa, porém, irrelevância social da ainda perduram – evidentemente, em medida e de
codificação civil fundada no liberalismo individua- maneira bem diversas – até hoje.
lista. O baixo teor da força normativo-jurídica do Na própria presença de um pensamento jurí-
Código conjugava-se com a sua função político- dico “crítico”, no sentido de um Estado social ou
-simbólica, que, assim como a da Constituição mesmo socialista, nas décadas de 1920 e 1930,
liberal, era ambivalente: por um lado, construía recolocavam-se os mesmos problemas: as ideias
uma autoilusão da codificação como expressão da social-democráticas, embora adotadas na Consti-
emancipação das relações civis no Brasil, que se tuição de 1934, tinham pouco significado para a
aproximaria da experiência codificadora na Europa; maioria da população; e as ideias autoritárias da
por outro, a invocação do Código servia à crítica Constituição de 1937, além de não serem tão “au-
às práticas jurídicas e políticas desenvolvidas à sua tenticamente nacionais” como sustentavam seus
margem. Nos termos dessa ambivalência, um des- defensores,52 tiveram sua eficácia jurídica suspensa
locamento de sua plena efetivação para um futu- durante todo o período do Estado Novo (1937-
ro incerto impregnava o debate jurídico e político 1945), por força de uma disposição transitória (art.
em torno do Código. Não se considerava, porém, 187).53 Cumpre insistir que a busca desse pensa-
que a concretização jurídico-normativa satisfatória mento “crítico” por um “país real”, “profundo”, em
do Código Civil pressuporia transformações radi- contraposição a ideias alienígenas, não era nada de
cais nas estruturas da sociedade no Brasil do início novo, não podendo, de maneira nenhuma, ser vin-
do século XX, uma alternativa que também não se culada à semana de Arte Moderna de 1922.54 Essa
apresentava no horizonte histórico de possibilida- questão de um “país real” em oposição a um “país
des do Brasil na sociedade mundial da época. oficial” ou “legal” vinha sendo discutida desde a se-
18  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

gunda metade do século XIX. O que mudava era o rigor, em ensaio de revisão de sua própria formula-
conteúdo do debate, cujo foco passava a ser a ade- ção originária sobre “ideias fora do lugar” – afirma,
quação das ideias social-democráticas, socialistas e ainda em relação ao Brasil imperial, algo que pode-
fascistas ao contexto jurídico-político brasileiro. Es- ria aproximar-se dessa formulação:
sas ideias não eram, porém, nem menos, nem mais
autenticamente brasileiras do que o liberalismo in- Ora, nas ex-colônias, assentadas sobre o trabalho
dividualista que dominara anteriormente. Em am- forçado, o liberalismo não descreve o curso real
bos os casos, tratava-se de ideias em outro lugar na das coisas – e nesse sentido ele é uma ideia fora
sociedade mundial. do lugar. Não impede contudo que ele tenha ou-
Parece-me que a migração ou o deslocamen- tras funções. Por exemplo, ele permite às elites
to de ideias liberais individualistas orientadas para falarem a língua mais adiantada do tempo, sem
a constitucionalização e a codificação não deve ser prejuízo de em casa se beneficiarem das vanta-
compreendida, de forma genérica, nos termos de gens do trabalho escravo. Menos hipocritamen-
relações simétricas na sociedade mundial. Ou seja, te, ele pode ser um ideal de igualdade perante a
não basta dizer que elas estavam “no ar”.55 Embora lei, pelo qual os dependentes e os escravos lutam.
seja impertinente tratar o tema apenas em busca de A gama de suas funções inclui a utopia, o objeti-
“influências causais” (Lopes e Garcia Neto, 2009, p. vo político real, o ornamento de classe e o puro
106), não se podem negar assimetrias na circulação cinismo, mas exclui a descrição verossímil do coti-
dessas (e outras) ideias jurídico-políticas na socieda- diano, que na Europa lhe dá a dignidade realista
de mundial, ao deslocarem-se entre os seus diver- (Schwarz, 2012, pp. 170-171).58
sos Estados.56 Em relação ao período pós-colonial
latino-americano, desconhecer que havia centros Não obstante, parece-me que deve ser afastada,
predominantemente irradiadores e periferias prima- definitivamente, a concepção de “ideias fora do lu-
riamente receptoras ou apropriadoras de ideias libe- gar” e o seu corolário, a falta de descrição da realida-
rais significa deixar de lado aspectos cruciais da ex- de. Em primeiro lugar, cabe ponderar que as ideias
periência jurídica e política dos respectivos países.57 liberais de cunho constitucional ou jurídico estavam
A respeito do Brasil, é incontroversa a presença de relacionadas com a dimensão normativa das estrutu-
certo colonialismo cultural (Montoro, 1973). Nesse ras sociais, não tendo função primariamente descriti-
sentido, não se deve excluir inteiramente os termos va. No domínio dos direitos, o problema central não
“importação”, “transplante”, “cópia”, “imitação” etc., é, portanto, de descrição da “realidade”. Em segundo
nem mesmo as noções de “deformação” de ideias e lugar, no âmbito jurídico da constitucionalização e
de “impureza” de teorias (Medina, 2008). codificação, não cabe distinguir entre o “legal” ou
Entretanto, isso não quer dizer que se trata de “oficial” e o “real”. A ineficácia do “legal” ou a dis-
“ideias fora do lugar”, pois, entrecortadas por se- tância do “oficial” em relação ao “povo”, ou melhor,
mânticas locais e condicionadas por estruturas da à maioria da população, faz parte da “realidade”
sociedade mundial no respectivo Estado, elas têm político-jurídica, implicando práticas cotidianas. Por
um sentido e desempenham funções tanto no âm- conseguinte – insisto –, em vez de “ideias fora do
bito das instituições jurídicas e políticas quanto das lugar”, mais adequado seria falar que a ideias libe-
práticas sociais. Nesse particular, corporificadas no rais assumiram diferentes funções nos diversos luga-
plano institucional da textualização constitucional res político-jurídicos estatalmente organizados, mas
e legal, as ideias liberais, já entrecruzadas por exi- elas pertencem à semântica da sociedade mundial,
gências políticas e jurídicas locais irrenunciáveis, lugar de sua circulação. Daí por que a conclusão: as
exerciam uma função primariamente simbólica, ideias liberais incorporadas à Constituição brasileira
em detrimento de sua força normativo-jurídica. E a de 1891 e ao Código Civil brasileiro de 1916 eram,
função simbólica serve, ambivalentemente, tanto à paradoxalmente, ideias em outro lugar (a sociedade
negação dos direitos quanto à luta por sua efetiva- no âmbito do Estado brasileiro) e no mesmo lugar (a
ção e ampliação. Em outra perspectiva, Schwarz – a sociedade mundial).
Ideias em outro lugar  19

Notas 5 Embora, em ensaio posterior, Schwarz (2012) procu-


re afastar-se enfaticamente dessa autocompreensão,
1 Não me parece adequado, portanto, relacionar, origi- o seu consagrado texto é ambivalente a esse respeito,
nariamente, essa contraposição de um “país real” a um pois ele mesmo utiliza a expressão “impropriedade de
“país oficial” – também expressa na busca do “Brasil nosso pensamento” ([1977] 2000, p. 13), sublinhan-
profundo” – ao movimento artístico e literário que do que “o nosso discurso impróprio era oco também
se manifesta na Semana de Arte Moderna, ocorrida quando usado propriamente” (p. 21), para arrematar:
em São Paulo, em 1922, com ênfase em Mário de “Ao longo de sua reprodução social, incansavelmente
Andrade, e associar a referida dicotomia à adoção de o Brasil põe e repõe ideias europeias, sempre em sen-
ideias democrático-sociais, socialistas ou fascistas nas tido impróprio” (p. 29). Voltarei ao tema nas obser-
décadas de 1920 e 1930 no Brasil, como sugerem Lo- vações finais.
pes e Garcia Neto (2009, p. 27). Da mesma maneira, 6 Para um panorama, ver Santiago (2002). Nesse con-
não cabe invocar a referência análoga à “distância entre texto teórico, insiste-se ainda em falar de sociedade
o país legal e o país real” para explicar a emergência des- brasileira e discutir sobre sociedades boas e más (cf.,
sas ideias no referido período, muito menos vinculá-la por exemplo, Villas Bôas Filho, 2009, p. 337). Em
à diferença do realismo americano entre law in books e um rasgo de desinformação e irresponsabilidade aca-
law in action (idem, pp. 15 e 21-22) – esses autores re- dêmicas, Jessé Souza pretende enquadrar-me entre os
tiraram tal referência ao realismo americano na edição “intérpretes do Brasil” na busca de uma singularida-
definitiva, em espanhol, do referido artigo (cf. Lopes e de brasileira ou latino-americana, atribuindo a mim
Garcia Neto, 2011, pp. 125-126). Trata-se, como ex- e também a Niklas Luhmann uma postura “cultura-
presso por Machado de Assis, de um debate já presente lista” e imputando-nos, em uma deformação gritante
no século XIX. Cf. também infra nota 3. de nossas obras, “racismo mal disfarçado em ‘cultura-
2 Esse trecho, ao contrário do que se pode inferir de Schwarz lismo’ das teorias da modernização tradicional – que
([1977] 2000, p. 11), ao sustentar que o argumento de substancializam e ‘essencializam’ supostas heranças
um panfleto liberal contemporâneo de Machado de Assis culturais como até cem anos atrás se ‘essencializavam’
“põe fora o Brasil do sistema da ciência”, sugere que es- supostas diferenças raciais” (Souza, 2013, p. 153).
taria fora do sistema da ciência não o “país real”, mas o Além disso, apõe à minha obra apocrifamente a ex-
“país oficial”. pressão “sociedades avançadas” (idem, p. 167). Souza
aponta para um artigo no qual me referia especifica-
3 Nesse contexto, critica a ideia de que o poder neu-
mente ao caso latino-americano (Neves, 2012). É cla-
tro (conforme a noção de “poder real” na formulação
ro que, quando falo de “caso”, no contexto de minha
de Constant, [1815] 1957, pp. 1078ss.; 1872, pp.
obra, estou a falar de algo próximo a um exemplo, no
177ss.) teria passado “rapidamente dos livros aos fa-
escopo de um espectro conceitual mais abarcante. Mi-
tos”: “A simples cópia de um princípio teórico em um
nha obra é inundada de passagens em que rejeito a no-
artigo de Constituição não quer dizer que se tenha re-
ção de singularidade da experiência brasileira ou lati-
alizado ideia alguma. Isto é apenas passar de um livro
no-americana (o Brasil não existe como sociedade no
para outro livro, sem que deixe de ficar em estado de
modelo da teoria dos sistemas), ainda mais se isso im-
pura teoria” (Barreto, [1871] 2000, p. 395).
plica uma noção de unidade ou herança cultural (por
4 A essa formulação associa-se a afirmação de Sílvio Ro- exemplo, Neves, 1992, pp. 177-178, distanciando-me
mero, com base no positivismo e no evolucionismo de Faoro, [1958] 1985, p. 133; Neves, 1994, pp. 269-
então em voga: “É certo que os primitivos habitantes 270, nota 8, distanciando-me de DaMatta, 1991) ou
do país não ultrapassaram os últimos degraus da sel- a noção de “sociedades avançadas” levada a cabo pelas
vageria; é exato ainda que a nossa atual civilização é teorias “clássicas” da modernização (enfaticamente,
toda impregnada de barbarismo. Só os patriotas desa- Neves, 1992, pp. 74-76). Antes estudo problemas de
juizados poderão contestá-lo” (Romero, [1888] 1960, assimetrias estruturais na sociedade mundial (moder-
p. 83). Barreto, porém, fazia ressalvas em sua avalia- na), que são dinâmicas e contingentes nos termos da
ção negativa da experiência política brasileira: “Já se teoria dos sistemas, não tendo nada de “essencial”. Se-
vê que não é somente o lado bom, mas também o lado ria de supor-se que o açodado crítico estava ciente dis-
mau do governo inglês, igualmente indispensável para so, pois tomou emprestado o meu argumento sobre
a conservação e harmonia do todo, que não pode ser subcidadania na modernidade periférica para opor-se
transmitido a outro qualquer país” (Barreto, [1871] ao culturalismo que atribui a Roberto DaMatta, dan-
2000, p. 417).
20  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

do os créditos, em artigo do passado (Souza, 2000, p. 12 Cf. Neves, 1992, pp. 116-121, com ampla referência
147); porém, estranhamente, eximiu-se, mais tarde, bibliográfica.
de qualquer referência aos meus trabalhos no livro em 13 “XVIII. Organizar-se-á quanto antes um Código Ci-
que utilizou essas expressões no próprio título (2003). vil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça,
Além de tudo, é o próprio Souza quem, em verdade, e Equidade.”
fala de “singularidade brasileira” (2003, pp. 93ss.) e
14 “Art. 83 – Continuam em vigor, enquanto não re-
mesmo de “singularidade cultural brasileira” (2000,
vogadas, as leis do antigo regime no que explícita ou
pp. 128ss.). Ao contrário, Luhmann, ironicamente,
implicitamente não forem contrárias ao sistema do
afirma que “o conceito ‘cultura’” constitui “um dos
Governo firmado pela Constituição e aos princípios
piores conceitos que já foram construídos” (1995a, p.
nela consagrados.” A respeito desse dispositivo consti-
398). E, quando o admite, é com a seguinte reserva:
tucional, esclarece Pontes de Miranda (1981 [1928],
“O conceito ‘cultura’ [...] observa a si mesmo e tudo
p. 43): “Em virtude da revogação implícita não po-
o que cai sob sua compreensão como contingente.
diam perdurar, e assim foi entendido: a servidão de
[...] Daí que a semântica da cultura cobre tudo o que
pena, a morte civil, a diferença entre filhos de nobre e
se pode comunicar com a contingência. Libera-se de
os filhos de peão quanto ao direito de sucessões, etc.”.
qualquer tipo de sentido necessário [...]. Toda preten-
são de autenticidade retrocede como algo incomu- 15 Este autor acrescenta: “Da mesma maneira, as alega-
nicável ou é tratada como capricho de determinadas ções dos advogados reduziam-se, pela maior parte, à
pessoas ou grupos” (1995b, pp. 48 e 51, grifo meu). acumulação, tão extensa quanto fastidiosa, de remis-
sões, quase sempre copiadas, e muitas vezes impró-
7 Quando se parte do pressuposto teórico-sistêmico
prias” (p. 44).
fundamental de que a sociedade moderna constituiu
uma sociedade mundial, pensa-se em um contexto 16 Entretanto, essa formulação de Pontes de Miranda
comunicacional unitário que, como sistema social deve ser relativizada no que diz respeito ao que real-
abrangente, está diferenciado primariamente em mente veio a ser “consolidado”, pois a Consolidação
diversos subsistemas funcionais (Luhmann, 1975; também teve caráter inovador para a ordem jurídica
1993, pp. 571ss.; 1997, pp. 145-171; Stichweh, brasileira do Império (cf. Fonseca, 2012, pp. 26ss.).
2000). Isso, contudo, não exclui uma diferenciação 17 Após a primeira edição oficial em 1857, a segunda
segmentária secundária em Estados como organiza- edição em 1865 e a terceira em 1876, foi publicada
ções territoriais estritamente delimitadas, válida tan- a quarta edição, com os Aditamentos em resposta às
to para o sistema político quanto para o sistema jurí- críticas, em 1877, tendo sido publicada, em 1915, a
dico (Luhmann, 1998, pp. 375ss.; 2000, pp. 222ss.; quinta edição, acrescida das novas leis e decretos edi-
1993, p. 582). Nesse contexto, a teoria dos sistemas tados até 1913 (cf. Mártinez Paz, 1927, p. xxix). Para
de Luhmann, apesar de toda a ênfase no conceito a análise do alcance e do conteúdo da Consolidação,
de uma sociedade (mundial) única, não é indiferente ver Meira (1983, pp. 111ss.).
aos problemas que, como consequência do desen- 18 Cf. Surgik (1988), Meira (1983, pp. 113-114), Mer-
volvimento assimétrico dessa sociedade, emergem cadante (1980, p. 188). Observe-se que a ideia de um
em diversas regiões do globo (cf. Luhmann 1986, p. “código negro” não era nenhuma novidade, tendo
168; 1993, p. 572; Neves, 2006). sido adotada na França em 1685 por Luís XIV no
8 Cf. Luhmann (1997, pp. 158-159), com objeções à Édito chamado Le Code Noir (https://archive.org/
concepção de capitalismo como “sistema mundial”, stream/lecodenoirouedi00fran#page/n5/mode/2up),
proposta por Wallerstein (2006). para vigorar apenas em colônias da França (a respei-
9 Os trechos citados de obras em língua estrangeira fo- to, ver Sala-Molins, 1987; Mignot, 2007; Richard,
ram traduzidos por mim para o português. 2010). A grande diferença é que, no contexto impe-
rial brasileiro, a proposta de Teixeira Freitas era para a
10 “Se o nível de complexidade da sociedade modifica-
sua adoção e vigência em um país (ao menos jurídico-
-se, a semântica orientadora do vivenciar e agir precisa
-formalmente) independente.
adequar-se a ele, porque, senão, ela perde a conexão
com a realidade” (Luhmann, 1980, p. 22). 19 Estranhamente, em seus comentários ao art. 6º, in-
ciso I, da Constituição imperial, nem Bueno (1857,
11 Em temática similar, embora com outras implicações
pp. 450-3), nem Sousa (1867, pp. 40-53), nem Ro-
a partir da obra de Luhmann e de meus trabalhos crí-
drigues (1863, p. 10) faz qualquer referência a essa
ticos a respeito dela, ver Ribeiro (2013).
questão.
Ideias em outro lugar  21

20 Cf. Pontes de Miranda ([1928] 1981, p. 81); Go- Quanto a essa última semântica, pode-se afirmar a
mes (1958, p. 19); Nabuco ([1897-1899] 1997, pp. existência uma tensão paradoxal entre o liberalismo
1054ss.); Meira (1983, pp. 186ss.). O Esboço (Freitas, do Esboço e o escravismo imperial. A esse respeito, o
1983) foi publicado originariamente em 1864. próprio Bosi (ibidem) admite que o conteúdo do par
21 Cf. Nabuco ([1897-1899] 1997, p. 1062); Meira “escravismo-liberalismo” poderia pôr-se “como con-
(1983, pp. 361-362); Gomes (1958, p. 19, nota 18). tradição real se se atribuísse ao segundo termo, libe-
Entretanto, a proposta havia sido acatada pela Seção ralismo, um conteúdo pleno e concreto, equivalente à
de Justiça do Conselho de Estado (Nabuco, [1897- ideologia burguesa do trabalho livre que se afirmou ao
1899] 1997, pp. 1060-1061; Mártinez Paz, 1927, p. longo da revolução industrial europeia”. Entretanto,
xix; Meira, 1983, pp. 356-358; Alves, 2003, p. 4). Bosi não admitia as diferenças da qual partimos, que
implicam paradoxos, pois estava vinculado a uma on-
22 A carta encontra-se na íntegra em Meira (1983, pp.
tologia dialética da totalidade (daí por que fala, antes,
352-356).
de “contradição”). Além do mais, não se pode des-
23 Sobre a repercussão da obra de Teixeira de Freitas em conhecer que o desenvolvimento do liberalismo nas
outros países (inclusive europeus), ver Meira (1983, metrópoles, tanto do ponto de vista das expectativas
pp. 387ss.). Na Argentina, Dalmacio Vélez Sársfield, cognitivas e normativas (estrutura) quanto da semân-
ao apresentar ao Ministro da Justiça o primeiro livro tica, estava relacionado, paradoxalmente, com a escra-
do Projeto de Código Civil, em 21 de junho de 1865, vidão nas colônias. Uma das dimensões semânticas
declarou que se serviu de diversos códigos estrangei- deste paradoxo apresenta-se no silêncio dos autores
ros, “y sobretodo, del Proyecto de Código Civil que iluministas em relação ao Código Negro e, em geral, à
está trabajando para el Brasil el Sr. Freitas, del cual he escravidão nas colônias (cf. Kolle, 1991; Sala-Molins,
tomado muchíssimos artículos” (apud Meira, 1983, p. 1987, pp. 205ss.).
288). Cf. Mercadante (1980, p. 194, nota 24); Pontes
26 Segundo a famosa formulação de Aristides Lobo: “O
de Miranda ([1928] 1981, p. 80). Por sua vez, o sena-
povo assistiu àquele acontecimento bestificado, espanta-
dor Carlos Serrey declarou que o Código Civil argen-
do, surpreso, sem saber o que ele significava. Muitos
tino “consituye un titulo de honor para el doctor Vé-
acreditavam sinceramente estar assistindo a uma para-
lez Sársfield e para el jurisconsulto brasileño Freitas,
da” (apud Maximiliano, 1948, p. 105).
su guia principal” (apud Pontes de Miranda, ibidem).
A esse respeito, ver, em detalhes, Meira (1983, pp. 27 Para uma detalhada exposição das sessões da Consti-
267ss.), Mártinez Paz (1927, espec. pp. xxxii-xxxiii e tuinte e das discussões nela travadas, fortemente im-
xlv-xlix), Levaggi (1988). pregnadas pelo constitucionalismo norte-americano,
ver Roure (1918-1920). Cf. infra nota 36.
24 Além do Esboço de Teixeira de Freitas, houve ou-
tras duas tentativas de codificação civil no Impé- 28 Sobre a deformação do positivismo de Augusto
rio, também sem sucesso: os projetos de Nabuco Comte na recepção, à época, no Brasil, ver Buarque
de Araújo (Nabuco, [1897-1899] 1997, pp. 1062- de Holanda (1985, pp. 289-305).
1074) e de Felício dos Santos (Pontes de Miranda, 29 Embora em outra perspectiva (na busca da identida-
[1928] 1981, p. 82). de da “sociedade brasileira”), Buarque de Holanda
25 Não se desconhece aqui que a semântica econômi- (1988, p. 125) estava atento a essa questão, observan-
ca liberal da sociedade mundial era entrecortada pelo do que, com a implantação da República, o Estado
escravismo do Império brasileiro, não sendo de rejei- “desenraizou-se” ainda mais do país. Segundo Faoro
tar-se, nesse particular, a asserção de Bosi (1992, p. (1976, p, 64), fortificou-se o “arbítrio”. Cf. também
195): “O par formalmente dissonante, escravismo-li- Carvalho (1996, espec. p. 379).
beralismo, foi, no caso brasileiro pelo menos, apenas 30 A esse respeito, ver Neves (1992, pp. 170-171). É claro
um paradoxo verbal”. Entretanto, cumpre distinguir, que os problemas eleitorais não se reduziam à prática
como já sustentado na introdução, entre a semânti- constitucional, pois a falta de garantia do voto secreto
ca “factual” do liberalismo, fundada diretamente nas alimentava a fraude nas eleições, assim como a inexis-
estruturas (expectativas cognitivas) do capitalismo tência de direito de voto para os analfabetos e mendigos
mundial, e a semântica “contrafactual” do idealismo (art. 70, § 1º, incisos 1 e 2, da Constituição) excluía
jurídico liberal – na qual, em certa medida, o Esboço do processo eleitoral ampla parcela da população: se-
assentava-se –, relacionada imediatamente com as es- gundo os dados oficiais (IBGE, 1989, p. 72), 65,1%
truturas político-jurídicas (expectativas normativas). da população a partir de 15 anos eram analfabetos em
22  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

1900 e ainda 64,9%, em 1920. Além do mais, o voto 38 Pontes de Miranda ([1928] 1981, pp. 82-83, com ob-
feminino permaneceu proibido até a reforma eleitoral servações racialistas). Voltarei a essa questão na seção
de 1932 (Decreto 20.076, de 24/02/1932), após a que- “Ao Código Civil de 1916”.
da da Primeira República e a revogação da Constituição 39 Cf. especialmente Vianna (1939, pp. 9-13).
de 1891. De 1898 a 1926, a participação eleitoral os-
40 O texto completo encontra-se em Coelho Rodrigues
cilou entre 3,4% e 2,3% da população, segundo Faoro
(1980).
([1958] 1985, pp. 620-621).
41 O seu parecer foi adotado pela Comissão Especial em
31 Sobre esse conceito, ver Loewenstein (1975, pp. 62-66).
18 de janeiro de 1902 (cf. Comissão Especial da Câ-
32 A respeito da chamada “política dos governadores”, mara dos Deputados, 1902).
ver, por exemplo, Faoro ([1958] 1985, pp. 563ss.);
42 Ver Bevilaqua (1906, 449-478), em resposta às críticas
Carone (1969, pp. 103ss.; 1971, pp. 177ss.). Cardoso
de Rui Barbosa, expressas no parecer (Barbosa, 1902) e
(1985, pp. 47ss.) designa-a “pacto oligárquico”.
na famosa Réplica de 31 de dezembro de 1902 (Barbo-
33 Nesse sentido, ver principalmente Vianna (1939, pp. sa, 1904), que levaram, respectivamente, às observações
77ss.); Torres ([1914] 1978). críticas e à chamada “tréplica” de Ribeiro (1902; 1905).
34 Cf., por exemplo, Vianna (1939, pp. 81, 91 e 111). Sobre essa polêmica e suas implicações jurídico-políti-
35 Evidentemente, trata-se, nesse contexto, de um em- cas, ver o estudo pioneiro de Veronese (2012).
prego enviesado ou deslocado de “classe média”, se 43 Para uma síntese sobre a elaboração do projeto, sua
consideramos, por exemplo, o significado que Tho- revisão pelo governo e sua tramitação no Congresso
mas Piketty (2013, pp. 389-393) atribui a essa expres- Nacional, ver Pontes de Miranda ([1928] 1981, pp.
são: “‘Classes populares’ (os 50% de baixo), ‘classes 83-86). A respeito do envolvimento de Rui Barbosa,
médias’ (os 40% do ‘meio’, que dizer, os 40% incluí- inclusive do seu parecer jurídico apresentado na Co-
dos entre os 50% de baixo e os 10% do topo) e ‘classes missão Especial do Senado em 1905 (Barbosa, 1968),
superiores’ (os 10% do topo)” (p. 393). Nesse sentido, ver Dantas (1962b).
Rui Barbosa pertenceria a uma ínfima classe alta ou 44 “A data mental do Código (como do B. G. B. e do
superior. Mas o próprio Piketty reconhece a relativi- suíço) é bem 1899; não seria errôneo dizê-lo o ante-
dade de suas denominações, admitindo mesmo serem penúltimo Código do século passado [XIX]” (Pontes
“arbitrárias e discutíveis”, assim como aponta para ou- de Miranda, [1928] 1981, p. 85).
tros empregos da expressão “classe média”, inclusive
45 As alterações para a inclusão legal do trabalhador ru-
para fins estratégicos de assegurar benefícios estatais
ral só começaram a ocorrer a partir da entrada em vi-
(pp. 393-394). No nosso contexto, a expressão usada
gor do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº 4.214,
entre aspas refere-se apenas a uma camada urbana de
de 2 de março de 1963), mas de forma muito lenta
profissionais que não se incluíam na massa dos social-
e sem os correspondentes efeitos práticos (cf. Moraes
mente subalternos nem na elite dos latifundiários ou
Filho, 1982, pp. 111-115).
grandes comerciantes, especialmente os vinculados à
exportação de mercadorias. Reconheço, porém, que o 46 As restrições atuais aos direitos dos trabalhadores do-
Brasil da virada do século XIX para o século XX cor- mésticos encontram apoio no parágrafo único do art. 7º
responde antes àqueles contextos político-históricos da Constituição brasileira. A nova Emenda à Constitui-
em relação aos quais, para Piketty, é pertinente opor ção nº 72/2013, que alterou esse dispositivo, aproximou
“uma imensa maioria de ‘classes populares e médias’ os direitos dos empregados domésticos aos dos demais
(o povo) e uma ínfima minoria de ‘classes superiores’ trabalhadores, principalmente para estender àqueles o
(as ‘elites’)” (p. 394), tendo pertencido Rui Barbosa – FGTS. Entretanto, a taxa de informalidade ilegal per-
repita-se – a essas últimas. manece altíssima na contratação de empregados domés-
ticos (73,7% em 2009 – cf. M. Gomes, 2011).
36 “Mas a coqueluche da época era o presidencialismo
norte-americano, que fizera rapidamente o progresso 47 Sobre as alterações decorrentes desta Lei, ver a sucinta
da grande nação amiga, como o parlamentarismo ha- exposição jurídica de Bueno (1972).
via feito o da Inglaterra” (Roure, 1918-1920, vol. I, 48 A esse respeito, manifestou-se Pontes de Miranda
p. 354). ([1928] 1981, p. 454): “Foi Clóvis Bevilaqua o mais
37 A respeito das relações de subinclusão (ou subintegra- favorável à mulher (arts. 251 e parágrafo único, 254,
ção) e sobreinclusão (ou sobreintegração), ver Neves 287, 393 e 414, I), à filiação ilegítima (art. 367) e à so-
(1994; 1992, 94ss. e 155ff.; 2006, pp. 261ss.). lidariedade familiar (arts. 332, 409, 416, 447 e 467)”.
Ideias em outro lugar  23

49 No tocante ao racialismo, afirmava este autor: “A be- ção da modernidade euro-ocidental na América (o
nevolência jurídica, o exagerado afetivismo, que Cló- exemplo dos Estados Unidos)”, da “transformação da
vis Bevilaqua depois reconheceu como característica, modernidade ocidental na Ásia (o exemplo do Japão)”
e cercou de elogios, constituiu defeito de energia, re- e do “fundamentalismo como movimento moderno
sulta do elemento negro mesclado à população [...]. contra a modernidade” (estes são os títulos dos capí-
O negro e o indígena entravam como influências bio- tulos do livro de Eisenstadt), aponta-se para uma assi-
lógicas, e não sociológicas, isto é, de fatos sociais a metria entre núcleos irradiadores de estruturas e ideias
fatos sociais. Não há institutos de direito negro ou (semântica) e espaços sociais que as reproduzem e as
indígena no direito brasileiro; mas há fatores negro transformam ou se confrontam com elas.
e indígena no modo de ser e na atividade jurídica do 57 “Não se trata apenas de relativizar a oposição de local
brasileiro: estas influências terão de passar, e é provei- e universal, mas também de ver as reciprocidades per-
toso que se acelere a extirpação dos inconvenientes, versas entre ex-colônia e nações imperialistas, subde-
que deles derivam” (Pontes de Miranda, [1928] 1981, senvolvidos e desenvolvidos, periféricos e centrais etc.,
pp. 445-446). Ele defendia, então, a oportunidade de oposições politicamente mais relevantes e carregadas”
“medidas eugênicas” (p. 447). Também conforme o (Schwarz, 2012, p. 170). A esse respeito, parece que
racialismo dominante na época, Bevilaqua ([1922] as críticas de Franco (1976) e Bosi (2010, espec. p.
1975, p. 194) referia-se a negros e índios como “raças 400) à posição de Schwarz tendem à simplificação.
afetivas”. Sobre essa matéria, ver Grinberg (2008, es- Ver supra nota 25. Cf. também Schwarz (2012, pp.
pec. pp. 34-37). A respeito do “racismo” de Bevilaqua, 171-172).
ver Machado Neto (1969, p. 125).
58 Cf. supra nota 5.
50 “E falo somente desse socialismo que se nos apresenta
como uma solução empírica das duras contingências
do presente, e não desse produto genuíno da anarquia
BIBLIOGRAFIA
mental que investe contra a organização da proprieda-
de, da família e do governo, sem saber que forças hão
de substituir a essas que pretende eliminar” (Bevila- ALVES, José Carlos Moreira. (2003), A parte geral
qua, 1906, p. 41). Essa segunda feição do socialismo do projeto de Código Civil Brasileiro: subsídios
era definida como “fermento produzido por um esta- históricos para o novo Código Civil Brasileiro. 2.
do de inquietação, de constrangimento, de revolta em ed. São Paulo, Saraiva.
que se atormenta uma parte considerável do gênero BARBOSA, Rui. (1902), “Parecer do senador Ruy
humano” (p. 42). Cf. Gomes (1958, p. 43). Barbosa sobre a redação do projecto da Câma-
51 Cf. supra nota 49. ra dos Deputados”. Diário do Congresso Nacio-
52 Loewenstein (1942, p. 122) caracterizou-a como “tut- nal, suplemento ao n. 126 de 27 de julho de
tifrutti internacional” e “coquetel constitucional”. 1902. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional.
53 De acordo com o art. 180 da Constituição de 1937, _______. (1904), Réplica do senador Ruy Barbosa
no entanto, restou ao presidente da República “expe- às defesas da redação do projecto da Câmara dos
dir decretos-leis sobre todas as matérias de competên- Deputados. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional.
cia legislativa da União”. _______. (1932-1934), Comentários à Constitui-
54 Cf. supra nota 1. ção Federal Brasileira. Org. Homero Pires. São
55 Como sugerem Lopes e Garcia Neto (2009, p. 2), em Paulo, Livraria Academica/Saraiva, 1932 (vol.
relação ao pensamento “crítico” no Brasil das décadas I), 1933 (vols. II e III), 1934 (vol. V).
de 1920 e 1930. Na versão definitiva, publicada em _______. (1968), Código Civil: Parecer. Obras com-
espanhol, estes autores retiram esta expressão do tre- pletas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Ministé-
cho citado (idem, 2011, p. 106), mas o argumento rio da Educação e Cultura, vol. XXXII (1905),
permanece no artigo. tomo III.
56 Parece-me equivocada a concepção segundo a qual a BARRETO, Tobias. (2000), “A questão do poder
“multiplicidade da modernidade”, no sentido de Ei- moderador: o governo parlamentar no Brasil”
senstadt, não comporta assimetrias. Na própria obra
[1871], in _______, Estudos de direito, Campi-
de Eisenstadt (2000), ao se falar do “surgimento” da
modernidade na Europa Ocidental e da “transforma-
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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 

IDEIAS EM OUTRO LUGAR? IDEAS IN ANOTHER PLACE? DES IDÉES AILLEURS ?


CONSTITUIÇÃO LIBERAL E LIBERAL CONSTITUTION CONSTITUTION LIBÉRALE ET
CODIFICAÇÃO DO DIREITO AND THE CODIFICATION CODIFICATION DU DROIT PRIVÉ
PRIVADO NA VIRADA DO SÉCULO OF PRIVATE LAW AU TOURNANT DU XIXe VERS LE
XIX PARA O SÉCULO XX NO BRASIL XXe SIÈCLE AU BRÉSIL

Marcelo Neves Marcelo Neves Marcelo Neves

Palavras-chave: Estado brasileiro; Socieda- Keywords: Brazilian State; World socie- Mots-clés: État brésilien; Société mon-
de mundial; Constituição liberal; Codifica- ty; Liberal constitution; Private law codi- diale; Constitution libérale; Codification
ção do direito privado; Teoria dos sistemas. fication; Systems theory. du droit privé; Théorie des systèmes.

O artigo analisa, partindo de pressupos- Based on assumptions of systems the- L’article analyse, à partir d’une perspec-
tos da teoria dos sistemas em uma pers- ory in a critical perspective, this paper tive critique des hypothèses de la théorie
pectiva crítica, a relação entre estrutura analyzes the relationship between social des systèmes, la relation entre la struc-
social e semântica no Estado brasileiro structure and semantics in the Brazilian ture sociale et sémantique dans l’État
da passagem do século XIX para o sécu- State at the turn of nineteenth century, brésilien au tournant du XIXe. Il consi-
lo XX, considerando especificamente as specifically considering the issues of lib- dère spécifiquement les questions du
questões do constitucionalismo liberal eral constitutionalism and codification constitutionnalisme libéral et de la codi-
e da codificação do direito privado. Em of private law. First, the author seeks to fication du droit privé. L’auteur cherche,
primeiro lugar, o autor procura afastar- depart from the model of “interpreters tout d’abord, à s’écarter du modèle des
-se do modelo dos “intérpretes do Bra- of Brazil” in order to characterize the “interprètes du Brésil” pour caractériser
sil”, para caracterizar o Estado brasileiro Brazilian State as a territorial political- l’État brésilien comme une organisation
como organização político-jurídica terri- legal organization within the modern politique et juridique territoriale dans
torial no âmbito da sociedade moderna society as world society. In the second le cadre de la société moderne en tant
como sociedade mundial. No segundo section, the author discusses the diffi- que société mondiale. L’auteur aborde,
momento, o autor discute as dificuldades culties in adopting a civil code during ensuite, les difficultés de l’adoption
da adoção de um código civil durante the Brazilian Empire. In this regard, he d’un code civil sous l’Empire et met en
o Império. A esse respeito, aponta para points to the difficulty of liberal legal avant la difficulté des idées juridiques
a dificuldade das ideias jurídicas liberais ideas under non-liberal local socioeco- libérales dans le cadre des structures
no âmbito de estruturas socioeconômicas nomic structures. In the third part of the socioéconomiques locales non libérales.
locais não liberais. Na terceira parte, o article, the author deals with the condi- Dans une troisième partie, l’auteur
autor trata das condições de surgimento tions of emergence of the 1891 Consti- analyse les conditions de l’élaboration
da Constituição de 1891, enfatizando o tution, emphasizing the shift of meaning de la Constitution de 1891, mettant
deslocamento do sentido e função das and function of the liberal legal-political l’accent sur le déplacement des idées
ideias jurídico-políticas liberais no con- ideas in the context of the Brazilian State juridiques libérales dans le contexte de
texto do Estado brasileiro da Primeira of the “First Republic”. He then ad- l’État brésilien de la Première Répu-
República. Em seguida, aborda as condi- dresses the conditions of emergence and blique. Il aborde ensuite les conditions
ções do surgimento e o significado práti- the practical meaning of the Civil Code de l’émergence et le rôle pratique du
co do Código Civil de 1916, consideran- of 1916, considering again the displace- Code Civil de 1916, tout en considé-
do novamente o deslocamento das ideias ment of liberal legal ideas in the context rant le déplacement des idées libérales
jurídicas liberais no contexto do Estado of the Brazilian state. Finally, the author dans le cadre de l’État brésilien. Finale-
brasileiro. Por fim, o autor conclui com takes distance from the notion of “mis- ment, l’auteur conclut avec la formula-
a formulação paradoxal de que as ideias placed ideas” to complete with the para- tion paradoxale selon laquelle les idées
liberais, naquele contexto, atuaram ao doxical formulation that liberal ideas, in libérales, dans ce contexte, ont égale-
mesmo tempo como ideias em outro that context, acted as both ideas in an- ment, en tant qu’idées, agi ailleurs (la
lugar (a sociedade no âmbito do Estado other place (society in the scope of the société dans le cadre de l’État brésilien)
brasileiro) e no mesmo lugar (a sociedade Brazilian State) and in the same place et au même endroit (la société mon-
mundial). (the world society). diale).

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