Você está na página 1de 9

Introdução à Expressão Musical

Mônica Giardini

A expressão musical é uma constante e eterna busca do músico. Por outro lado, a importância de se
tocar em bom estilo com expressão própria é frequentemente negligenciada pelos professores e,
consequentemente, pelos seus alunos. Quando um grupo aprende com um professor ou diretor
experiente, que sabe bem a gramática musical e seus diferentes estilos e formas de expressão, é
claramente visto que esse grupo de estudantes tem um bom desempenho de expressão, de acordo com
o conhecimento do professor. Eles se esforçam em obter resultados mais agradáveis do que apenas
tocar nota.

O aluno que, por fatalidade, não teve a chance de estudar com um bom professor, ou não terá a menor
consciência da sua deficiência de expressão ou se sentirá incapaz de se expressar como os outros.

Para esse assunto, não se acha disponível muita biografia, pois não é fácil entender (ou sentir) simples
nuances musicais pela escrita, necessitando de exemplos práticos de bons profissionais, sendo,
inclusive, a verdadeira interpretação muito particular. Não dá para julgar o que é mais correto.

Mas eis aqui a primeira dica elementar que ajudará o iniciante a ter uma base do que deve praticar e
observar em gravações. Quando estiver realizando uma leitura à primeira vista, faça-a prestando
atenção onde estão as tensões e os repousos da música. O iniciante não conhece harmonia, mas pode
muito bem compreender toda a retórica (lógica) de uma leitura comum de um livro, buscando entender
quando o sentido é de afirmação, exclamação, interrogação, reticências, virgula e conclusão, de acordo
com a vontade de enfatizar mais ou menos uma idéia. Por exemplo na frase:

• COMO você irá tocar isso?


• Como VOCÊ irá tocar isso?
• Como você IRÁ tocar isso?
• Como você irá TOCAR isso?
• Como você irá tocar ISSO?

Você deve notar que, cada vez que muda a ênfase, dá à sentença um diferente significado. Da mesma
forma, se o músico acentua uma nota errada, ele dará à música uma interpretação que pode não ser a
intenção do compositor.

Tocar com expressão significa tocar algumas notas mais fortes, com mais ênfase, e outras mais fracas,
com as sutilezas de entonação de uma conversa. Colocar os acentos no lugar certo vai depender da
habilidade do artista de procurar ouvir ao máximo e experimentar todas as possibilidades, até atingir
uma maturidade lógica de expressão.

Isso só se tornara proveitoso se o aluno deixar de lado a preguiça, tiver concentração e clareza do que
ele espera sentir em cada nota, raciocinar sobre o que não saiu bom e praticar muito até conseguir tocar
com clareza de expressão e com sua própria lógica - ou seja, que ele saiba porque decidiu fazer assim.

Mesmo a criança que está aprendendo a emitir as primeiras notas no instrumento, com poucas
informações, já deve criar o hábito de "cantar" com expressão.

Exemplo: Pede-se ao aluno para ler o seguinte trecho musical:


Com muita freqüência, o aluno está preocupado em emitir as notas, e toca tudo muito forte, lendo-as
como uma criança que aprende as primeiras silabas da cartilha.

Após a leitura, sugere-se ao aluno que ele possui as seguintes opções de frasear um trecho musical:

Pede-se que ele toque usando todas as possibilidades e escolha a que acha que combina mais com
aquele trecho. Caso o aluno tenha dificuldades em descobrir a mais óbvia, o professor deve procurar
colocar letra, observando as silabas tônicas corretamente, e fazê-lo cantar. Por exemplo:

No próximo número, veremos como tocar/interpretar figuras pontuadas, sincopadas e notas ligadas de
mesma altura e de alturas diferentes.
Expressão Musical I

Mônica Giardini

Publicado na Revista Weril n.º 123

Figuras Pontuadas

Nas partituras, freqüentemente aparecem figuras pontuadas como uma colcheia seguida por uma
semicolcheia que, muitas vezes, são tocadas incorretamente. Muito se deve observar antes de executar
tal figura:

1o. - Verificar se a música é popular ou erudita.

No popular:

É muito comum um aluno que estuda erudito ter dificuldades em executar um trecho musical popular,
para o qual muitas vezes é tachado de "duro" ou "travado". Por outro lado, o que estuda popular pode
ser repreendido por não ter precisão ao tocar um erudito.

Isso acontece porque as concepções de interpretação do erudito e do popular muitas vezes são opostas.
Veja o exemplo a seguir:

O que seria proibido na música erudita é justamente a característica principal para se executar este
trecho musical popular, sem deixá-lo pesado. Isso significa que, para tocar em bom estilo popular,
devo ler "tercinando" a colcheia pontuada seguida da semicolcheia, assim:

No erudito:

Muitos são os cuidados:

a) Não se deve tocar com o mesmo volume de som a nota que segue a figura pontuada. A colcheia
pontuada, por exemplo, é mais forte que a semicolcheia que a segue.
b) Observe que, apesar dos números de volume do início estarem constantes (3-1), existe uma
dinâmica indicada de que cada grupo será progressivamente mais forte que o outro. Mesmo que a
dinâmica não estivesse marcada, o intérprete faria o crescendo naturalmente. Quando temos a
repetição de um mesmo grupo ou mesma nota por mais de duas vezes seguidas, cria-se uma tensão
gerada pela insistência. É de bom estilo interpretá-las com um crescendo.

c) Em oposição ao estilo da música popular, não se pode executar como tercinas. Deve-se respeitar o
valor integral de cada nota.

d) Sempre que estas figuras, colcheia pontuada mais semicolcheia, aparecem numa passagem duas ou
mais vezes seguidas, a corrente de ar deve parar por um instante depois de cada colcheia pontuada. Em
outras palavras, cada colcheia pontuada é separada da semicolcheia e com menor duração que o
escrito. Porém, à semicolcheia é dado o valor total e ela é tocada legato.

Quando somente uma dessas figuras aparecer na melodia, a colcheia pontuada deverá ser tocada legato
(dando seu valor integral). Neste caso, a colcheia pontuada deve soar como uma semínima seguida por
uma pequena apoggiatura. Portanto, a melodia dada anteriormente deve ser tocada como se tivesse
sido escrita assim:

Observe que no início aparecem quatro vezes seguidas esses grupos de notas, e as colcheias pontuadas
são tocadas um pouco mais curtas. Já nos compassos dois e três, elas devem ser tocadas com total
valor, porque as figuras ocorrem separadamente. Nestes casos, deve-se tomar cuidado para não quebrar
o som entre a colcheia pontuada e a semicolcheia.

e) Na última nota desse trecho, no 4º compasso, o volume da semínima não deve diminuir até que seu
valor total termine. Ela é executada numa dinâmica mais baixa porque é final de frase, mas deve-se
posteriormente sustentá-la ou mesmo crescê-la até que conclua sua total duração. O hábito de diminuir
o volume de notas longas antes de concluir sua total duração é um descuido cometido por artistas que
tocam metais, madeiras, cordas e até mesmo por cantores. Isso não significa que uma nota longa não
deva ser diminuída quando assim for indicado, mas na maioria dos casos soa como se o artista não
tivesse ar suficiente para terminar a frase.

f) A semínima pontuada seguida por uma colcheia deve ser tratada da mesma maneira descrita nos
itens anteriores. Se mudarmos a unidade de tempo do exemplo citado, deverá soar como a anterior:

São atitudes altamente essenciais para quem deseja executar com expressão: observar conscientemente
as regras aqui citadas, ter controle absoluto do som e habilidade para tocar suavemente.
Expressão Musical II

Mônica Giardini

Publicado na Revista Weril n.º 124

Síncopas

A síncopa é mais um assunto difícil de se abordar, mas que possui muita importância expressiva. Ela é
que dará o caráter e a cor específica de determinado tipo de música. Foi utilizada nas composições
antigas e ainda mais nas modernas, sem distinção de popular ou erudita. Podemos até dizer que é uma
das características marcantes da música popular brasileira. Por isso, não podemos generalizar sua
interpretação, pois esta sofre mudanças de intenções, de acordo com o estilo e o gênero.

Aplicar o acento e a ênfase a uma passagem musical requer um bom conhecimento de estilos, o que
torna o assunto muito complexo. Muitos acham que é somente uma questão de gosto. Músicos de
várias nacionalidades normalmente executam as mesmas peças de forma diferente. Porém, podemos
admitir que o acento que parece sumamente pesado a um músico, parecerá bastante normal a outro. O
principal ponto a ser lembrado, sempre, é evitar monotonia, sem ficar sensacionalista. O acento deve
ser variado, razoável e inteligente.

Devemos, no entanto, partir de um princípio básico ao iniciar o estudo das síncopas. Esta é, por
definição, uma mudança do acento métrico que, ao invés de cair em tempos fortes do compasso, é
deslocado para partes fracas. Existem inúmeras maneiras de representar a síncopa, mas nos
limitaremos a falar apenas daquela que gera mais polêmica e dúvida ao interpretá-la. Ela é pouco
entendida quando construída em forma simples, como no Exemplo 1.

Mas, para muitos, é fácil interpretá-la à primeira vista. Não é difícil fornecer a quantidade certa de
acento para todas as mínimas e evitar enfatizar as semínimas. O problema ocorre quando ela é tocada
com maior rapidez, como no Exemplo 2. Neste caso, a melodia no. 1 foi escrita numa forma que
requer ser tocada no dobro do tempo.
Ao tocar este trecho, é comum se ouvir a nota sincopada com menor duração e sua ênfase reduzida,
assim como as notas que a precedem e a seguem ficam com ênfases semelhantes. Isso cria um defeito
que soa como se tivesse sido escrita assim:

O exemplo 3 altera o efeito pretendido. Reduzindo a duração das notas sincopadas e diminuindo o
acento exigido, a passagem muda de sentido e se torna monótona.

Quando a melodia é escrita em colcheias e semicolcheias e se toca mais rapidamente, ela deve soar
como se tivesse sido escrita como se vê no Exemplo 4.

Muitos tocam o Exemplo 4 apoiando o primeiro tempo e diminuindo a ênfase da nota sincopada, o que
resultará numa descaracterização do seu efeito original, soando como se estivesse sido escrita de
acordo com o Exemplo 5.

O aluno deve ter como princípios básicos as seguintes concepções de estudo:

1) As notas que antecedem e seguem a nota sincopada devem ser tocadas mais curtas do que está
escrito e cerca de três vezes mais leve que a nota sincopada ou enfatizada.

2) A nota sincopada deve ser tocada próxima do seu valor completo e receber três vezes mais volume
do que a nota precedida e a seguinte.

3) A nota sincopada não deve ser tocada displicentemente, de maneira rude e inacabada. Quando tiver
uma colcheia, deve-se tomar cuidado ao tocá-la, para que ela não seja atacada de forma tão árdua, no
lugar de ser enfatizada.

No início, o aluno deve praticar bem devagar, dando especial atenção nos volumes relativos a cada
nota, concentrando-se nos resultados até que se torne um hábito acentuá-las corretamente e sustentá-las
no exato valor de cada nota escrita.
Gostaria de encerrar nosso assunto por aqui, mas não posso deixar de orientar o estudante sobre o
muito que ele tem que estudar a respeito, para realmente tocar em bom estilo.

Para compreender melhor a complexidade do assunto, é bom acrescentar que Debussy sofreu forte
influência da música norte-americana de sua época, o jazz.

Muitos gêneros musicais populares executam as síncopas mais curtas ou com ataques mais exagerados
em função do swing e de seu característico ritmo. Não podemos generalizar que todas as músicas
populares tocam-nas mais curtas, porque isso não é verdade. No choro rápido, por exemplo, ela é
curta, em função da ginga que o estilo pede. Já no choro lento, notaremos que são tão sustentadas
como o 'dito' erudito onde o pandeiro até ajuda a sustentar a síncopa. Mesmo dizendo isso, só quem
escuta e o entende bem saberá dar ao choro seu correto sotaque.

Uma coisa é verdade: não tocaremos em bom estilo uma determinada música sem antes ouvi-la
bastante e estudar a fundo seu estilo e origem.
Expressão Musical III

Mônica Giardini

Publicado na Revista Weril n.º 125

Ligaduras

O maior obstáculo para uma boa interpretação é o fato de alguns estudantes tocarem muito forte, com
ênfase em todas as notas e sentirem-se satisfeitos com isso. Eles nunca educaram seus ouvidos para o
que é correto e artístico. A conseqüência dessa errônea satisfação é que a quase impossibilidade de o
professor corrigir esta falha. Não é exagero. Com experiência própria, percebo que, por mais que o
ensinemos, esse aluno que não adquire o hábito de ouvir boas interpretações permanece com a
satisfação de tocar todas as notas fortes. Essa é uma característica que ocorre principalmente nos
alunos de instrumentos de sopros.

Para resolver isso, o primeiro passo é desenvolver o hábito de ouvir grandes intérpretes, incluindo
grupos vocais e, se possível, acompanhando com a partitura, para se observar a expressão de cada nota.

O aluno atento observará que as regras básicas sobre ligaduras, a seguir, aparecerão com muita clareza
nas boas interpretações.

1) Ligadura de notas iguais

Quando duas notas de mesma altura são ligadas, a segunda deve receber quase o mesmo volume da
primeira.

2) Ligadura de notas de alturas diferentes

Quando duas notas de alturas diferentes estão ligadas, a segunda deve receber menos volume que a
primeira, independentemente do intervalo ser ascendente ou descendente.

Partindo-se dessas duas regras básicas, o próximo passo é distinguir o esqueleto da música, ou seja, as
notas que realmente são importantes para a melodia das que são acrescentadas para enriquecê-la.
No exemplo a seguir, veremos que as notas ligadas são pronunciadas, pertencendo à melodia básica.

Na mesma melodia, podem ser acrescentadas notas para enriquecê-la. Estas deverão ser tocadas mais
leves e com acentos reduzidos em relação às notas principais.

Seguindo os fundamentos acima e os de redução de valores já estudados em capítulos anteriores, este


Allegro Marziale deve soar como se estivesse sido escrito assim:

Repare que as primeiras notas das ligaduras são mais pronunciadas e as segundas mais curtas, assim
como as colcheias pontuadas e também as semínimas (neste caso, por se tratar de uma passagem em
staccato e em tempo rápido).

O músico que só se preocupa em tocar notas e não conhece esses pré-requisitos de interpretação tocará
esta melodia assim:

Infelizmente, é comum ouvir estudantes tocarem como no exemplo anterior, ou seja, pesado e tudo
forte. Isso só mudará, como já dissemos, quando eles desenvolverem o gosto pela boa interpretação e o
respeito por cada detalhe da música.

Mônica Giardini é maestrina da Banda Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo.

Você também pode gostar