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VALDEMAR CORREA A VOLTA DE wrino CHIMANGO s/f =PARALELO J DINO DEZIDERIO Valdemar Corréa, nasceu em Qua- rai, no Est. do R. G, do Sul em 1897, filho de tradicional familia da_frontei- ra com o Uruguai, Sua esposa D, Odilia A. G. Corréa é quem declara: “Waldemar foi filho, irmio, marido e pai exemplar e verdadeiro amigo dos amigos.. Foi um dos baluartes da revolugio i de 23 que se iniciou na verdade em 1922. jehes institut Berlin Lutou sempre pelas mesmas idéias, Era sincero também consigo mesmo, Mais || tarde perseguido, marcado pelos Borgis- 54328 tas, radicou-se no Sul de S. Paulo, adqul- 5 riu uma fazenda onde implantou seus costumes, costumes gauchos. Chegou @ impantd-los na redondesa, bem como 0 linguajar gauchesco sendo por isto tam- bém_chamado de “O Gaticho”. Em sua propriedade onde residia com a familia fez uma Cancha de Carrei- ra, tendo sempre um parelheiro pronto “e um cavalo & soga para um trotesito”. Valdemar nio esqueceu 0 R.G. do qual sentida saudades, as quais amaina- va fazendo versos gauchescos, verdadel- ras obras primas onde externava seu amor a Querencia, Faleceu vitima de um acidente em sua fazenda em 7 de agosto de 1956. Valdemar Corréa que usava 0 pseu- dénimo de Dino Desidério, além de par- ticipar das lutas da Revolugao de 23, fez também da poesia uma arma para de- fender seus ideais. Ocorreulhe escrever, entre outros poemas, um andtema ao “borgismo” num livro que se propunha continuar a célebre obra de Amaro Ju- venal “ANTONIO CHIMANGO” e que por isso ganhou o titulo de “A VOLTA DE ANTONIO CHIMANGO”. “A VOLTA DE ANTONIO CHIMAN: GO” de Valdemar Corréa atingiu a um VALDEMAR CORREA OUTRAS POESIAS EDITORA PARALELO LTDA. 32 EDICAO 1973 » Edicio 6, na realidade, a primeira edigaéo em : re ae “ives, pois a it foi publicada como ces do Centenario da Guerra dos Farra eita pela COMISSAO, NACIO- do 1.B.C.C. da UNES- tiragens € circula- gio de ambita Esta 3 tcrmos de mercado parte das comemora' do © pos e a 2* teve sua publicagao fe ita NAL DE FOLCLORE sob 0 patrocinio Co © CO. Ambas as publicagdes tiveram pequenas a cio restrita. Assim gendo esta é a primeira nacional. Tlustragées: OROZIO YK AN Te Rua Rivadévia Corréa, 177, Composty na Linogrifica Rio Ltda. itora Paralelo artobras Crdfica Ltda para a Ed e impresso ua C 1y - Tel: 222-6988 - RIO - GB - 1973 Ltda. Rua das Marrecas, 37 - OFERTA A ti, guapa companheira, carinhosa © estoica, santificada pelas rodadas da vida, grande no sacrificio, a quem o destino bom me aculherou para sempre... hs nossas filhas, iguais a ti no estoicismo, na bondade, na grandeza.. poemas de ternura, cénticos de amor que engalanam e suavisam a nossa vida. V. Corréa ——000—. AGRADECIMENTO Peco licenga aos Poetas, aos repentistas, e escritores, que me perdoem a ousadia, de nao tomar-Ihes © tempo p/, apresentar estes versos, q. sfo as saudades do Pago, por tantos anos distantes; mias sinto q. nenhum destes gauchos fabulosos, q. varrem c/ sua poesia campeira es canhadas do meu R. Grande. poderiam dizer o q. digo e as minhas filhas dizem: Obrigado marido obrigado; obrigado pai por teres sido o que fostes. Otilia Guimaraes Corréa PREFACLO Valdemar Corréa (O mais legitimo rebento da nobreza Charruia.) Ninguém como tu, com tanta cor e graga, fala de minha terra e minha ra Diante de ti, exulto e sorvo a mesma vida 0 mesmo cheiro, 0 mesmo gosto que tantas vezes no meu chio bebi! Tulge em teu tipo o traco indelével do Pago... If 0 sulco abarbaredo da tua origem selvagem. Magestoso e herctileo, em ti se anima e expande, em cor e som, 2 imagem do meu Rio Grande! Em teu gesto refulge, no encanto bizarro, essa elegancia guerreira que foi de Bento Goncalves de David Canabarro! Quando falas, preseruto em tua voz e em teus nervos, toda a barbaridade, toda a grandiosidade dos clarins, dos tambores, das langas, das espadas IE o tropel dos cavalos, na poeira das estradas! Ah! Ninguém como tu, mais me aviva a saudade da existencia Natal. tecotho em ti, porque em ti se encerra, ~- Toda a herdica bondade do meu povo! — Todo © cheiro animal da minha Terra. . Aberto R. de Souza yD arbacena, 13/9/1927 ANTONIO CHIMANGO CCXILI -Ninguém dizer sabe a0 certo Quando isto hd de ter um fim; Que a continuar tudo assim, Como agora tem andado, Mande esparramar 0 gado, E faga arrancar 0 eapim. CCXIII -E aqui le ponho 0 arremate Na presilha desta histéria, Que um outro tenha a vitdria De cantar n’algum. fandango O mais que fez 0 Chimango Ppr’a levar S. Pedro & Gloria AMARO JUVENAL mais doce do que um afago sinto a saudade do Pago me esporeando o coragio... TINHA CARPETA DE JOGO © BOLICHE ESTAVA CHEIO... PRIMEIRO POUSO Vinha batendo na marca, Forgando a marcha do pingo, Para chegar no Domingo No passo do Garupd, Onde eu devia acampa La no boliche de um Gringo. Havia ld nesse dla Um carreirame de estouro, Pois, corria um zaino-mouro, Cavalo mui afamado, C’'um petigo colorado Do seu Maneca dos Couro, Um comércio de carreira Como hé muito nfo havia, E todo o mundo dizia Que nao havia lempbranga, De uma tio linda festanga, Como a que houve nesse dia. 1) — A parada era morruda, E quem nao tinka dinheiro Jogava vaca ¢ terneiro, Boi e tropa de novilho, Té mesmo um paiol de milho Jogou o Gringo Bolicheiro. Os parilheiros na cancha Foi sé o tempo de virar, Ouviu-se o povo gritar E a polvadeira subiu; Amigos o que se viu Foi coisa de admirar. Pois, ninguem acreditava Que um peticote maceta, (Se bem que s6 de paleta) Ganhasse aquela carreira; — A sorte 6 como gafeira, S6 dd em matungo sotreta. Depois da carreira grande Houve uma penca turuna, Correu um picaco da Tuna Com um bagual colorado, Um zaino, um baio enserado FE uma potranca lubuna. Nao correram meia quadra, Tavam todos de entreveiro De fiador vinha em primeiro, —2— Acs gritos de upa, upa © baio do Tio Manduca, Pingo de bato o altanciro. Carreira linda foi esta, Que pingos buenos ai-juna! Pois, 0 picago da Tuna Da marca de ésses em cruz, Na quadra levava luz Da potranquita lubuna. O tiro era meio largo, De cinco quadras e meia, Cancha macia de areia C’um lancante na chegada, Era muito apropriada P’ro cavalo que laceia. Ganhou o bagual colorado, Corrido sem um desconto, Bagualsito muito pronto Eo corredor mui ladino, (Em carreira umm pente fino Que se fazia de tonto). Desde ai ficou falado, (Se era pingo de primeira!) Correu por toda a fronteira, Livramento, Quarahy, » Borja, Bagé, Itaquy, Sem uunea perder carreira, —b— Era um pingo macanudo, Desses que raro aparece, Outro igual nfio se conhece, Que se tornasse afamado, Como o bagual colorado Criolo da marca de — S — Fiquemo ali uns treis dias, Corremo muita carreira, Joguemo tava e primera, Bebemo a canha da Venda, Nem mesmo jogo d> prenda Faltou nessa brincadeira. Havia ld muita China, Armou-se logo o fandango; A Chimarrita e o Tango Se dansou de pala e espora, Até que ao clarear da aurora, Alguem falou no Chimango. Calou-se logo a cordeoana, E uma Chinoca bonita, C’o um grande lago de fita Amarrado na cintura, Fazendo muita mizura, Toda dengosa e catita, Chegou-se bem junto a mim E foi dizendo a finoria: “Seu Dino conte uma histéria, — 14 — Amostre que nao é frango, Depois dansaremos um tango Que ha de ficar na meméria”. Eu nao me fiz de rogado Com a promessa da China, Dei de mao na concertina, Repiniquei um floreio, E ali no mais sem rodeio Empecei a relacina. Amigo velho Lauterio, Em honra de tua memoria Vou continuar tua histéria, Cantando neste fandango: “O mais que fez o Chimango P'ra levar Sao Pedro 4 Gloria”, Que a prebenda ¢ muito dura, Estou bem certo Lauterio; Nao facgo disto mistério Nem pretendo te igualar; Quero apenas continuar Do Chimango o dispauterio, Deixou de usar camisola Para usar calcas e fraque, Deixou de usar camisola Deixou crescer cavanhaque, (Isto muito Ihe convinha) Cortou o cabelo 4 escovinha, Meio em forma de bivaque. — 15 — Foi minguando no tamanho, Mas crescendo em arrogancia, Fazer-se dono da Estancia Era o sonho do Sonhudo; Tornar-se dono de tuco, Mandar s6 e sem discripancia. ito Turuna que tinha A pinta de Indigo atrevido, Foi por ele convertido; — Como o boi que sente o prego Vai se chegando p'ro rego Sem mesmo dar um bufido. Mas se acaso aparecia Um Gaucho fanfarrio, De espora grande e facto Na cintura atravessado, Ia o Chimango assustado Correndo apertar-the a mio. Se o Cujo era sé fachada Ia logo p’ra tropilha; Porém, se era um Curunilha, — Carta que se nio imparda — Ficava o Chimango em guarda Dando o lado da presilha. Ha muita coisa no mundo Que niio tem explicagéo: Eu vi muito Tndio sio, — 6 — Com fama de valentin, Ir 4 clara luz do di Ao Chimango dar bencio. A mais ninguem daya ouvido E um dia um fato se deu: Com um pedo embrabeceu E disse: “No dou licenga, Pois, voce pensa que pensa, Mas quem pensa aqui sou FU.” Por toda a parte se ouvia O estalar do chicote, ¥E a trompago e a piparote Levava tudo na linha; Ele que era uma galinha Com ares de Dom Quixote. Sob um rigor tio tuano E o tal de positivismo, Ia mermando 0 civismo Do Gaucho heroico e guapo, Neto e filho de Farrapo De legenddrio heroismo. Parece mesmo mentira Que uma raca tio valente, (Se nfo vivia contente Isso a0 menos parecia) Suportasse a tirania Desse Soba prepotente. — 7 C’o a morte do Zé Turuna Nao teve grande embaraco, Levando tudo a trompago Foi governando a vontade, Cerciando a liberdade Com patranha e estardalhago. Até nem eu mesmo compreendo Como um piasinho de estancia, Ganhasse tanta importancia Chegasse a ter excelencia; Ele que era uma excrecencia Desde os tempos de crianga. Por muitos anos a fio Aquele Chimango astuto, Foi Senhor abscluto La na Estancia de SAo Pedro, Sua camarilha, de medo, Le chamava de impoluto. Aquele ninguem de gente ‘ao fanadinho e esmirrado, Como um guachinho pesteado Que anda sempre com soltura, (Nao valia uma. fris ‘ad, Chegou a ser Pontentado. A ninguem dava o direito De ser contra a sun opinio, A Indiada 1a no galpao — 18 — So falava de cochicho; Amigos aquele bicho Era pior que assombracio. Vivian todos na Estancia Assim como que assombrados, E os Gauchos mais largados Que fizessem cara feia, Ou morriam na peleia Qu, depois, assassinados. Quanto Gaucho morreu Ninguem sal Nio fosse da sua manada Tinha os seus dias contados: Nfo andassem descuidados, 2, de embosca: Nem cochilassem na estrada, Foise a Estancia despovoando Com essa destemperancga, Pre outros paros, de mudenca Ta indo a Gauchada, Levando a alma prenhada, Do desejo de vingancs. Como o mundo dé mais volta Do gue lage enrodilhade. Eo No Cademo da existen Tev esta stir o Guucho a pacien yr G Tmomento ¢ we TQ ae wn e (lz ™” z = zo an wm ~o QP mn oa So 3 Pe mr LS Ss Co z c= =z eS mz Gb za cy a rs Pobre Wstancia de Sio Pedro! De tao linda que cla cra Quase que virou Tay 44 2 : | Chegaria mesmo 4 ruina, | Se niio fosse sua cina. Ser bergo de Indiada Cucra. SEGUNDO POUSO fa 0 sol muito bal inho Quase encostando no chio, Quando eu me apiei no galpdo: Vinha de marcha puchada, Pois, sai de madrugada Do Povo do Boqueiriio. Desensilhei 0 meu pingo = entrei logo p’ro boliche; “Negocinhe muito mixe, Fumo, cachaca e mais nada, Onde de noite a peonada Vinha ali de ponto fixe.” © boliche estava cheio Tinha carpeta de jogo, No fogdo aceso o fogo Quentando agua p’ro amargo, Canha corria a lo largu Entre todo aquele povo. Fui lago cumprimentando Que era a minha obrigacao, ‘Toquei no chapéu c’o a mao E fui dando as buenas-tarde, Foi no boliche um alarde De grande satisfacao. Soube logo dos presentes Que ali estavam de fungio; Que na Estancia do Capio, Do seu Niquito Macedo, No outro dia bem cedo Pprincipiava a marcagao. chescas, I das festas gav A que tem mais atrativos, Sem correr grandes perigos ‘Tem canha e me] com menstruz, Sonho de ovo de Avestruz, Quépucha, que festa, amigos. Se a terneirada € criada, Gordacha e de boa cria Como essa que 14 nascia, Para um Gaucho é um regalo Sacudir de longe um pialo, Desde a ilhapa até 4 prisia. Nem bem o lacgo se espicha “i se dd volta o mamio, T um Gaucho lgeiriio Aperta logo o terneiro — 23 — Gritando em tom prazanteiro: “Cheguele a marca Patréo”. Mal a marca se le assenta Logo a fumaga se alteia, Eo terneiro corcoveia, P'ra que se perder nao venha, Assim como que uma senha Se assinala numa oreia. Quando se Ihe tira o lago Se levanta num repente, Que estanda de marca quente Nao refuga uma parada, Atira logo a cornada Em quem tiver pela frente. Entre os corpeios e os gritos De — Afloge la calavera — Pialando numa mangueira Sem sentir se passa o dia, Pois, tudo ¢ riso e alegria Nessa festa tio campeira. Nos dias de marcagiio, Da Estancia todo o Chinedco, Se levanta muito cedo Para fazer a faxina, Que a noite tem relancina, Com muito amor em segredo. Mui encantados da vida, — 24 Sentados junto ao fogio, Com grande satisfagao Comentam os casos do dia, Enquanto a chaleira chia No fogo p’ro chimarrio, E como a noite era linda E muito claro o luar, Depois de muito matear, Peguei na gaita de novo P’ra alegrar aquele povo E continuci a cantar. Iam os tempos mudando, Sé6 n&éo mudava o Chimango, Continuava maturrango, Cheio de manha ¢ lumbrisa. Nao sustentava uma briga, Pois, nunca passou de frargo. Tinha os quatro curumfihcs, “Desde que saiu da escola Daquele bocd de méla”, Mais inda era como danies, Tinha as vezes scus rompintes, “Corria vendo pistola.” Um dia ajuntou sua gente E disse de supetio: “Eu vou fazer eleigio, Pois, que tem de ser assim, Todos votaréo em mim P’ra continuar de patrio.” “Sou o unico capaz De continuar minha obra Tenho experiencia de sobra, muitos novicos, No conhecem os servizos Voces si Nem sabem fazer manobra.” “A todos faco cientes Da minha resoluciio, Cumpram c’o a obrigacie. E quem nfo tiver contente Se raspe da minha frente Sinio entra no facio.” Nisto um Gaucho atrevido Que se achava ali presente Le retrucou num repente: “O patrao deve ser outro, No meio de tanto potro Nao haverd um mais decente?” “Eu protesto com veemencia Contra a sua indicagio. Nao crelo que no Rincio Nao haja um outro capaz, De servir de capataz De maior-domo ou patriio.” O Chimango fleou fu! —~ 26 — E com voz muito macia, Mastigando o que dizia, (Assim como num desvario) Di: pro seu Secretdrio; “Me responda essa ousadia. Eo pobre velho Protasio, Que de arrelias nfo gosta, Se virou meio de costa, Tossiu puchando o pigarro, Quase engoliu o cigarro, Mas nfo se ouviu a resposta. Ss apotrou logo o Chimango Deu um patago na maneia, A encrenca ia sendo feia, Se um tal de Vava Aranha, Gaucho de meia canha Who evitasse a peleia. Gaucho de bola e lago, Tinha talento e bravura, Bem retaco, boa altura, Era um Gaucho chibante, Mui garboso e bem falante Cativava as criaturas. Gaucho quer de cartola Ou de chilenas de prata, De colarinho e gravata Ou de botas e bombacha, — a % Indio que nao se agacha Nem, do que diz se retrata. Fez ver ao velho Simées, (Era um Gaucho ladino) Que p’ra voltear um teatino Se necesita de manha, E que em lugar de patranha Precisa-se muito tino. Um tal de Gegé Nanico, Que hé muito tinha esperancy, De ser capataz da Estancia, Disse num tom de chalaea: “Entio que a escolha se faga Com muita peponderancia,” “N&o tem escolha nenhuma, (Disse 0 Chimango enfezado) Isto 6 caso liquidado Pois, que resolveu-so assim; Yodos votarao em mim Porque ja fui indicado.” Depois desta reunisio O Nanico de mansinho, Foi saindo p'ra um vizinhe Sem fazer buia ou alard Um tal Rolinha Bernarde A quem chamava Padrinha. Po! » hd muito gue sabia — 28 — Que havia combinacaio Da Indiada 14 no galpio, De se fazer um fandango Para voltear o Chimango Se ele roubasse a eleicio. E por la se foi ficando A ospera do movimento, ‘Té que chegasse 0 momento Dele entrar com o seu jogo, Pois, que apesar de inda novo Era homem de empreendimento. ¥ desses tipos mui raros Que niéio se ve todo o dia, Tem vontade e energia Em graduacgaio muito alta, Eo que em tamanha le fulta Tem de astticia em demasia. Mais vaqueano que Sorro Para fazer picardia Tem muita sabedoria Para entrar numa fuzarca: ‘Tem mais manha do que mares Na porta de ferraria. C’o a noticia que o Chimanzo Se fazia candidato, Foram saindo do mato Como quam sente a mutuen, — 29 — Chapéu quebrado na nuca, Os Gauchos Maragato. Se amontuaram no galpao pra arreglar aquele pleite, i escolher o mais a jeito Pra ocupar aquele cargo, Ja sabendo que a lo largo Seria o Chimango cleito. Pois se cle era mais manheiro Que turuno jaguané; Pra uma eleicgéo vencer Nao tinha dificuldade, C’o a maior facilidade Fazia um morto vivé. Do que foi essa eleicg&o Todo o mundo esta lembrado, Vendo 0 causo mal parado neia: Disse com muita arrogar “voces vao ver sem tardanga Que eu nao serei de rrotado.” Foi assim como eu Ics conto pois, isto nfo é mistério, (Se bem que seja mui sérlo) Vendo a parada perdids, Buscou logo uma saids, Pez votar o cemintério. @ tal parbaridade — 30 -- Ficou tudo atarantado, Assim como que golpeado De um rebencago da sorte; Ché-egua, que nem a morte Respeitava esse lasquiado. Foi ent&o que o sen Quim ©: (Que era o outro candidate) Gaucho de muito trato, Topou aquela parada; re} Pesséa mui respeitada, Deputaco e literato. Gaucho muito Instruido Que viajou por tod> o mundo, Tinha um amor mui profur Pela ideia Democrata, E as manhas de Diplomata Conhecia bem a fundo. Ao Seindo logo pra rua E liem na porta do gatpiio Deitou linda falacio, Frotestou, ficou puava. se que sé restava rse a revolueaa, on de revolugain A Estancia se aivorecou, A Indiada toda Ponum upa, sem tardanga, algou, 41 o-- Empunhando a velha langa P’ra coxilha enveredou. Nas eleigdo correu sangue A colsa tornou-se mal, ira da guerra o sinal; La p'ras bandas da fronteira Mataram o Vasco Percira Gaucho tradicional. E la p’ros lados da Serra Um Gaucho trabuzano, Por sobrenonie Caetano, Idiosito Inda novato, Fina flor de Maragato Deu um grito: “Morra 0 Tirano” Saiu logo p’ra coxilha C’o um magote macanudo, De Gauchos topetudo Do porte de Fidencinho, Jango do Padre, Portinho, Fabricio Vieira e Cascudo. Se pararam as coisas negras, S6 tinha um rumo a tomar, Nao tinha que vacilar, Era ensilhar o cavalo, Quebrada o cacho 4 cantagalo, Ir p’ra coxitha peliar, E num va dew-se o estouro — 32 — Que foi a grande Epopéia, Maior que a guerra Europeia Pela bravura e ousadia, E os rasgos de valenti Que houve nessa, peleia. Mais uma vez 0 Gaucho Demonstrou sua pujanga, Empunhando a sua langa, Guasquiado pelo Minuano Foi combater o Tirano Cheio de fé e de confianga. Cheio de fé na bravura Herdada dos Farropilhas, Que no fragor das guerrilhas Lutando c’o heroicidade, Conquistaram a Liberdade No entreveiro das coxi Com confianga ilimitada No seu valor de guerreiro, Pois que sempre foi primeiro Sobre o solo americano, A combater o Tirano Peito a peito, no entrevciro. Povo gigante do Pampa, Que nunca serd vassalo, Niio ha quem possa domilo, cansa Na luta nunea — 33 Tendo por armas, a Janga 3 as patas do seu cavalo. No campo rubro da luta Escreveste a tua histéria, De outra igual nao nd memdrit Nem ma s bela do que a (ua, Onde a bravura flutua Sobre o sangue da Vitdria. Nao 6 de joelhos chorando Que a Liberdade se alcanga: I. com a ponta da lanca, (Dizia Silveira, Martim) Para chegar a um fim ¥F p’ra frente que se avanga. Por amor ao teu Rincfio Tens Iutado com valor, Gaucho Libertador Liberal ou Farropilha, Asteando lé na coxilha QO Pavilhaio Tricolor. s ay Ay HY \ aot iyi : A i seine ull ais We 35 TERCEIRO POUSO Vinha ao tranco do meu pingo Assobiando uma havaneira, Quando vi junto a tronqueira De uma porteira da estrada, Uma carreta toldada Na flarda de uma ladeira. Ao claréo da lua cheia Que cntordilhava a canhada, Vinha pastando a boiada Pela costa do alambrado, No seu passo demorado Em procura de uma aguada, Ao derredor do fogiio Os carreteiros mateando, As buenas-noite fui dando, E um pardo velho se erguendo, “Buenas-noite, (foi dizendo) Se apcie c vd se chegando,” Dei de redea no meu flete — 36 — E a perna logo boliei, Num upa desencilhei, Puchei pelo maniador Wa cerca do corredor A soga no mais lo atei. Me sentei no cabecalho Que estava arriado no chao, Chichurriei um chimarrao, Enquanto que um pardavasco Dava volta no churrasco, Um costilhar de capio. Fui entéo dando as noticias Que trazia da cidade, Pois, naquela imensidade Um Gaucho carreteiro, Passa as vezes 0 mes inteiro Sem saber das novidades. Passa as vezes mais de um dia Arrancando algum peludo, Daqueles bem cabeludo, No meio de algum banhado; Que até hoi fica atolado Se nao for bem macanudo. A carreteada no inverno, ® um trabalho insano, Debaixo de um frio tirano Passa semanas a fio, — 37 — Toreando o Minuano frio C’o poncho pampa de pano. Fo no vero é um tormento, Quando € mui torte a soalheira, Fiea a boiada manbeira Que para andar 6 preciso Sentir a ponta do guizo Ao flardear uma ladeira. Mus mesino assim esta vida ‘om muita compensacio; Charque gordo, bom fogiio, Munhata assada, cachaca, vapadura com bolacha Boa erva p’ro chimarréo. E quando a noite € serena, E o Cruzeiro resplandece, E a tua cheia aparece Bem junto das Tres-Marias Parece até bruxaria; ‘ O Gaucho se enternece. E ao fiiar um céu assim Tao cheio de encantamento, Tarde da noite ao relerto: Vio seus sonhos oneordoado, Como poste de alambrado, Cruzando no r samento, Foi n’uma noite como esta — 38 — Num prise do ee Vitpndoe a dug doc y ona conceriing, Dei de mi Recamecel ora sureinen Fiste meu eanto eampeiro: Agnele grito de ners Pol come um: tuiio vielento, Mais voloz gite 9 peusanento Resendo pelos cunhadas, Sony quchbradas Poi arordens TLeynde na asa do vento. ALGO Quyarebiyraeytal Do io Pardo ve To nn, Por Bagé, por Dam Pedrilo, aquele Grito Sod se ouvi Preyads pelo Tio Quim. F tudo que era Giatcho De conta no sor Hincho, on facho, De leans, dag omni soberano Num ges Poi combater 9 Tirano Fazendo 2 revolueho. Por toda a parte so Malls o lenco colorado, O mesmo que no passado Foi simbolo Farroupilha, 89 — No topo de uma coxiiha Ny um pé de Ianga amarrado. Por esta mesma divisa F © mesmo fim irmanado, Le! Haram do mesms lado, Estacio, Pad&o, Portinho, Turibio © Chico Marinho, Negro Adio, Nico Rosado. OS heroicos Tinibativas Orgulho de um Povo inteiro, Elejalde, o altancire, Alvaro Lemos, Padilha, Que tombaram na coxilha Glorificando entreveiro. Esse punhado de bravos De imorredoura memiria, Todos cobertos de Gloria Tombaram 14 nas coxilhas, Como os bravos Farroupilhas, Escrevendo 2 nos, historia. No Serro do Cavera Sursiu logo o velho Honorio, Gaucho muito simpidrfio Tateligente, altanciro; O seu valor de guerreiro Fm todo 0 Pampa é notorio, Mais valente do que as armas — 49 E mais guapo do que um Jaguar, A suas bravura sem par E o seu valor #e guerreiro, Demonstrou no entreveiro Esse Genio militar. Ajuntou a sua gente Sem fazer grande aparato, Era tudo Maragato, Gauchada da fronteira, Mui distorcida e campcira, Era turuna de fato. Indiada mui macanuda, «Do que havia de melhor) Di Nunca sentia cansago, No que se botasse o laco Saia cabrestiador. yauchada era a flor, Conhecedor dos seus Pagos Come a palma de sua mao, Guerreiro por vocacio, Conhecia muito hem, As vaniagens que se tem Quando se ganha o tirfo. No esperou o inimigo Subiu logo p’ra coxilha, E de guerrilha em guerrilha, . lanca, facho ¢ mango, — 41 — Poi Sponionce o Chimange Por dianta como tropilha. Antindands Andaya 6 ficou mui respeitade Por sua pinta de atrevido; Era guapo co destoreido Como um Ratio de Banhaco. Tndio mni manso p'ras balas Bp euro pra o entreveiro, SUAS ex rgas de lanceiro Bram © ierror do inimizo: E adonde havia perigo, Vinha sempre de ponteiro, Deas margens do Camaq Fol p'ras péginas da histéria, Todo coberto de Gldria an Conquisiada na coxitha, Um neto de Yarroupiiha De legen, ria memoria. Poi maior dos Caudilhos De todo esse movimiento, Sem descancar um momento © General Zéca Netto, Fez um circulo completo Sem nunca perder o alento. Saindo do Camaquan — 42 — for combater no Bala, Cruzou oO passo do Aracé Penontando a Chimangada Por diante, que como eguada Se arrinconou no A wud. YL ocemmo Quero-auerG Nao seutia trio nem fome; neon sengo Lobisormem Pars toda a Chimangada, Que cravava o pé na estrada Nom bem ouvia o sen nome, Magqnanto que ele pelinva A frente da Indiada gnapa, © velho Soba satrapa Pentro aa seu gabinete, Com soldados de alfinete Ye dava cerco no mapa. © Chimango espertalhio Rounin sua camarilhs, Prometenu fazer partilhe, Per um posto de invernada Vaca de leite ¢ manada, De cavalo, wma tropitha, Pra quem ajuntasse gente Pra defenderle o pelego; © Chimango dava emprego FE tudo o mais que quizessem. — 43 - Que viessem de donde viessem Que fosse Gringo ou Galego. N&o queria ver o pelo Nem a marca que trazia Ele sémente queria Ter o Preco do parceiro P'ra defender-le o pelego; E pagou muito estrangeiro Muito mais do que valia. Mandou justar uns “paissanos” Ali por um Pago “ajeno”, Onde um tal Nepomuceno, Castelhano mui pedante Vinha como comandante Com fumaga de Indio Bueno. Mas aqui perdeu a fama Que tinha de guapetao, No primeiro supetao, © combate de Palomas, Se acabaram as suas bromas, Fugiu como um boi ladrio. Com o Netto em Camaquan. Eo Honorio em Caverd Tio Estacio no Assegua E © Portinho 14 na Serra Dez meses durou a guerra Que deu tanto que fala. — 44 — Aos poucos se foi tomando Da Chimangada o armamento N&o se tinha no momento Em que comegou a luta, Mais que uma tropa recruta Com rnuito despreer.dimento. Tornaram-se as coisas feias Para as bandas do Tirano, (isto 14 p’ro fim do ano) Comegava a sua agonia, Quando apareceu um dia, Um milico carcamano. Do tal Rolinha da Corte Diz que vinha de emissdrio; Milico mui salafrdrio (Um Mistinguete de botas) Contando miuitas lorotas Foi desfiando o seu rosidrio. Deu de lingua c’o Chimango E embuealaram o Tio Quim, to ¢ ‘'Tramposo, calaverago, Milico mu trim. Parecia até palhaco De circo de Boriantim. Na Estancia do Pedras Altas Fizeram uma reuniio, P'ra se tomar doc — 45 — E 4 guerra betar um fim; A Estancia era do Tio Quim. © Chefe da Oposiciio. Diseutiram muitos dixs Muita coisa se acordou, Que escrito em papel ficou; Disseram chamar-sc Pacto, Mas cu acho que era gato E que por lebre passou. Poi ai nesse conchavo Que findou a revolucio; © Chimango espertalhio Alguma. coisa eedeu, Mas a lo largo venceu Continuuando de Patrio. — At 3 < 5 2 % = Uh aun LE GARANTO QUARTO POUSO Antes que as barras do dia Viessem no céu despontando, E a madrugada clareando, Tava fechado o rodeio La na invernada do meio Ea eguada se refugando. A cavalhada na forma Dencontra um lacgo estirado Tudo quieto e bem formado; Cada pefio com seu bucal Para pegar o bagual Que fosse mais bem domado. O servigo ia ser brabo, Pois ia se fazer tropa, E nao € qualquer orapa Que serve para um aparte; Este servigo tem arte Nao 6 qualquer um que topa. — 48 — E preciso ser Gaucho Pra tirar boi do rodeio. Se traz o pingo no freio, Assim como que esperando, Que se va o boi apartando Para se dar o acalqucio. Quando © boi olha p’ra frente, Se grita, upa, ¢ ja esteve: E neste momento breve Que se faz a atropelada; Pra evitar a rabonada Calcar antes nao se deve E aos gritos de ba-ba-ba Se saca um boi do rodeio: Levando a caimbra do freio Na picanha do tarquino, Le garanto que um brazino Nem sabe de donde veio. No cuarador de um rodeio Precisa um Gaucho vivo, Que nunca perea os estribos E nem fique descuidado, Que ande sempre bem montado Seja mui campeiro e ativo. Pois por qualquer um descuido Pode dar uma pechado, Fazer uma chambonada De muito mau resultado, — 49 — Deixar um Indio pisado, Ou com a berna quebrada. Se num aparte de tropa A novilha 6 ligeira E a peonada curujeira, Mui ligeiro o dia passa Entre o dichote e a chalaga Daquela gente campcira. Quanto mais braho € 0 serviga Mais prazer fem-se em faze-lo, Se empurra hoi p'ro sinuclo Desde que 0 dia amanhcce TE que o sol desaparece, De sol a sol, pelo a pelo. E, a noite quando se chega Pra churrasquear no galpio Sentado junto ao fogio, Por Deus que se sabore’ Uma costela de oveia E um bom mate chimarrio, ia E adonde houver uma gaita E um Gaucho pra escutar, Eu ni 5 Uno posso me esquivar De chicotear 9 Ch: nango, E abro o peito ao s pee oF m de um Tango sua historia continuar, P sins icou o Chimango mandando, ~~ 50 — Por tempo determinado, Assim ficou assentado, Wao poder mais ser eleito Quando houvesse 0 novo pleito No fim do prazo marcado Mudou um pouco o sistema Eo modo de governar, Na esperanga de agradar £ tirar o seu proveito, Levava a coisa com geito Pois, sabia amanunciar. Reuniu a sua gente P'ra escolher 0 mais tapaz, Que entrando de capataz Continuasse obedecendo; XE atraz dele se escondendo Governasse por detraz. Depois de muto pensar Escolhen 0 Gege Nanico; Passouwle mel pelo bico FezJe muita gentileza, Chamou-l: até de beleza, Dewle um presente mui rico. Amanucio-le bastante Chamou-le de bom rapaz, Inteligente e saga Como bem poucos havia, ole queria id capataz, Perganion s Ser da Fstane Se quizesse, era dizer Por que o resto ele faria, No seu nome mandaria Votar toda sua gente, Que como sempre obediente As suas ordens cumpriria. “Serds eleito na certa Se ouvires o que cu te digo: Se alguem gritar eu nao ligo, Verds logo num repente Como toda a minha gente Ha de chamar-te de Amigo”. Com toda essa ladainha © que o Chimango queria, Era ver se conseguia Fazer c’o Gege Nanico, O que com ele, chomico, © Coronel Prates fazia. Mas... 0 Nanico era espertu Velhaco como raposa; Se deu logo pela coisa Mas se fez desentendido; Indiosito mui sabido Se fez de Mané de Sousa. Pois que assim era preciso, FE o que o Chimango queria, Logo 0 Nanico fazia Com seguranga e prestesa. — 52 — SS assim tinha certeza De que o embugalaria. Nesse jogo da esperteza, No manejo do en: © Gegé mais o Tirano, Em memorav De se fazer picardia, Se pegaram mano a mano. © Chimango na trapaca Parecia mais perfeito, Mas o Gegé nasccu feito, Mostrou naquele fadango Que par ele 0 Chimango Era crianca de peito. Vendo oGegé t&o cordato Nao podia vacilar; Mandou seu nome indicar Pra capataz, na cleicio, Guardando a doce ilusao Que continuava a mandar Des que nio fosse o Chimango Qualquver wn ontro servia, Tsso nem se discutia, Té se fosse necessario, No Polaco Boticério A Opos cho votaria. Se derrubando o Chimango — 53 — Se aeabava a Tiran: Era sd o que se diva Em alia voz, sem rodeio; “Quebrando-se aquele freio © Pampa se redimia.” E foi assim que o Gegé Voi eleito num = repente, Sem ter um de concorrente Nem sofrer oposicaio, Veneeu aquela cleigdo Num pleito muito decente. J mat se pegou lA em cima Com as redeas do poder, Fes jogo ao Chimango ver Que ele ali era cemais, N&o sendo mais capataz La nfo tinha que fazer. Pois, s6 quem mandava agora Era cle e mais ningueni Que se portasse mui bem Ea tudo que ele dissesse, Com presteza obedecesse, Ea tudo dissesse —- Amem — E que sé por gratidfio E so por isto e mais nada Ta darle uma morada LA no fundo de um potreiro, Para ficar de Posteiro Cuidando de uma manada — 54 — Por da ca aque palha Virava o Chiniango a bicho, Pelo mais telo capr Cos arreios velhaqueava, no . Parece que sempre andova Com ortiga no bicho, Quis logo boliar a anca, Chamar Gegé traidor, Mas pensando achow melhor Levar a coisa com jeito Bater tres vezes no veita E chamiélo de Serhor. De Postelro foi vivendo Curtindo 0 seu desengano, Tendo s6 um poetico ruano No Ranchito de tétora; No mesmo Paro onde fora Por tanto tempo Tirano. © mundo ca muita volta; Quem havia de dizer, Que aquele velho Pars, Que foi tio idolatrado, Hoje vive despresado Como Negro da Guiné. Mais fingido do que Sorro Se fazia de contente, Tornou-se muito prudente; Se na Estancia festa havia . Ele nao aparecia Se desculpando por docnte, Na esperanga que o Nanico. Nas quartas se embarac: E que dele preci Para fazer um desmancho, ASSO Se foi Beanco no Rancho A espera que ele o chamasse. Mas o tempo foi passando E 0 Nanico nao Tudo na Estancia mudou, Capataz de muito tino Nunca teve um desatino, chamou, Mui respeitado ficou. S6 com aquela mudanca Todo o Pago refloriu, Alé 0 Gaucho se riu O que ha muito n&o fazia. — N&o hé como a Tirania P’ra um povo ficar sombrio. Com um Gaucho mandando Hoji Ta gordo todo o seu gado tudo esta mudado, Naqueles campos de lei, Voltou 0 “Gaucho a ser Rei Em vez de Negro surrado,” E se nfo fosse um fancango —- 55 — De Grande camplicacio, Com um tal de Vaz Antao La da Corte arrendatario, Velho muito atrabiliario Com fama de valeniao: Talvez que o Gegé Nanico Inda estivesse em SAo Pedro, Pois, conhecia o segredo De ganhar a bem querencia, Com todos tinha paciencia, F de ninguem tinha medo. Bo J ESTANCIA LINDA ERA AQUELLA H FTE ONDE A vista JE ESTENDIA A — 58 — QUINTO POUSO Estancia linda cra aque Te onde a vista se estendia, Por mais de uma sesmaria De campo todo gramado, Era de fama o seu gado Quer de corte, quer de cria.” Do passo do Garupa Até o Quarahy-mirim “a Estancia cra assim, astos mui bem formada, rigos, bem aguada Toda De arroias que nio tém fim. Galpio coberto de zinco Rameda de doze esteio, Palanque de palmo e meio De grossura, bem cravado, Cocho de falquejado Para dar sal no rodeio, — 59 — O seu gado era de conta, Um Durham mui apurado, Bem manteudo e enquartado, Vermelho, baio ou salino, Gordacho e de pelo fino, Mui tambeiro e her custelado Uma tropa ce novilho, S6 com tres anos de idade, Dava peso de verdade La p’ro fim da primavera, © boi la nao tinha espera Engordava mais que um frade. Campos de pedregulho, Campos altos de coxilha, Onde a grama de forquilha Nascia dentreverada, Té no fundo da canhada Com o trevo e a flexilha. E da sua cavalhada De falar nio me arreceio, No que se metesse o freio Era bom e bem domado; Tava um Indio bem montado Quer p'ra cancha ou p’ro rodeio. Ché-egua, quando eu me Jembro Que esta Estancia ja foi minha Que nesses tempos eu tinha Prata em penca na guayaca, — 60 — E os campos cheios de vaca, Té me bate a passarinha. Ao relembrar csla Estancia Por qualquer coisa me Zango, Procuro logo um fandango P’ra refrescar a meméria, E assim continuar a historia Do tal de Antonio Chimango. Quando surgiu essa encrenca Do Nanico e o Vaz Antao, Correu logo no galpio, A noticia que o Chimango, Tava a espera de um fandango Pra voltar a ser Patrao. Esperava que o Nanico C'o Vaz Antaéo se estrepasse, Que p’ro mato disparasse Para se esconder de medo, FE, abandonando Sao Pedro Nunca mais cle voltasse. Corria mesmo em segredo, Que havia combinag Do Chimango e 0 Vaz Antio Para voltearem o Nanico, Junto c’o velho, Nho Nico, Capataz ki do Sertao. ‘40, Houve mesmo quem dcissesse — 61 — Sem sofrer contesta Que o Chirnango do Rinca&o, Escrevia li p'ra Corte, Trazendo o seu Braco Forte Sempre ao par da situagao. Porém, 0 Chimango um dia Mandou dizer ao Nanic “Nao creias em mexirico, Conheces minha opiniio, Entre tu c o Vaz Antio Bem sabes com quem eu feo. “Tu podes contar comigo Do meu prestigio aispor, Pois bem sabes do amor Que eu tenho pelo Rincaio; Vico a tua dcisposiyao ja la para o que for.” Porém, mais tarde se soube Por uma carta ou cartio, Que aquele velho trompeta Se metia de paleta Pra fager papel de espiio © Nanico persebendo Com qnem estava metido, Se fox dc desentendido. Clason 0 Chimangn en Sin Pedro, Contowte muito em segredo © que tinha resolvido. — 62 — Porém nie disse a verdade, Mas mentiu com perfeicao, Pois sabia de ante mio Que © vetho no outro dia, Numa carta mandaria Contar tudo ao Vaz Antao, Foi levando eles tapeados Com muilo jeito ¢ com tato, Inventava sempre um fato Para 20 Chimango ir levando; FE com ele foi brincando Como © gato com o rato, Foi tapeando, foi tapeando, Alé que 9 dia chegou; A sua Indica aprestou, 1, Montonde am inde mn Se sestin de Gener POUL . pln Corte se rocou, betouo Vax Antao pra fora Holamon conta da Bstancia. Rfandou fazer sua mudanga Hole fob merar seni meco Dozande na de Sao Pedro Vin sapataz Ce eantionea, Tn fal de Joso lonio, Gaucho nmi camperago Cor a ofema de gia taro Que fieon love querido, - BBO Pois, era Indio atrevido Quer nas bolas, quer no lago Gaucho muito impulsivo Mas porém, de gesto nobre, O que pensa nao encobre Por qualquer coisa se espande, ‘Tem o cora mais grande Do que esperancga de pobre. Feitio de Bento Gongalves, Onde a bravura se estampa, Nao anda mijando em guampa Nem se faz desentendido; ¥ no Pago conhecido Como — O General do Pampa. C’o essa mudanca o Chimango Ficou muito satisfeito, Pois, era amigo do Peito Do General Zé Antonio; Consigo disse o demonio “A coisa veio a meu jeito”. “Agora o Gegé Nanico Vai ver que niéo sou mais frango, Hei de arranjar-le um fandango P’ra pagar o que ime fez, Vou mostrale desta vez Quem é 0 Antonio Chimango”. “Vou fazer-le um emboscada — 64 — Que nisto ninguem me ganha, Apezar de toda a manha Desta vez nio se me escapa, Hei de capi-lo de faca E marcé-lo na picanha”. Numa manhi muito cedo Procurou o General, Lamentou todo o seu mal Teve um grande desembuxo, Sabia que esse Gaucho Era mui sentimental. Desfiou sua desdita Fazendo muita careta, Pintou-a sinistra, preta, Como fundo de ¢! leira, E fez maior choradeira, Que buzina de carreta. Foi téo grande a choradeira Que alarmou todo o Rincao, E, 4 noite junto ao fogio JA todo o mundo dizia “O Chimango qualquer dia, Vai fazer nova tra Amigos aquele dito Foi-se aos poucos confirmando, E o Chimango, matutando, ‘Tava sempre de aicatela. — Cachorro que come oveia, Nao tem cura, so matando. — 65 -— Mas o Gegé sempre alerta Bispou de longe o perigo, Mandou chamar seu amigo Que deixou de capataz, E disse: “Esse Satanaz $6 nos serve de inimigo”. “Toma cuidado com cle Se queres viver em paz, Pois, de tudo ele é capaz, Tem consigo uma mania; Ne voltar a ser um dia De Sfo Pedro o Capataz”. Neste interim 14 na Corte Houve um desentendimento, Um bate boca violento Que terminou nwn fadango, De que Antonio Chimango Quis tirar o seu proveito. Foi o causo que o Luzardo, (Espécie de Secretidrio), Um Polaco Boticaria, E um tal de Jofiozinho Micuim, Provocaram um motim S6 por questio de saldrio. Mas o Gegé sem demora No Micuim passou os arreio, No “Quem Vem Ld”, botou freio, No Polaco deu uns mangagos, E uns quatro ou cineo puascagos No Negro do Pastoreio. — Que © porqueira estava feita — di: Nao tinha clareado o dia, Era s6 0 que s J& no rumo do Rincio Pelos ares, num Aviao, Se foram Os quatro a li cria, Chegaram mui assustados Com essa bruta cnsilhada; O mesmo que cavalhada La no fundo do Potreiro, Quando sente estranho cheiro, Dispara de cola alquda. Se enquadrilharam no Pago Com o Chimango € 0 Quim Chico, KE dentro de mes e pico Mandaram um Postulado, Pra que fosse observado No governo do Nanico. Queriam que ele fizesse A tal de Constituigio, S depois uma cleigio ji mais que lambanca, dt FE nao s Dando outro jeito na danga, P'ra se ter novo Patraio. E caso nao eoncordasse — 67 Dissesse logo a razao, Pois, que todos no Rincao Tavam muito descontentes, Bem podia num repente Estourar a revolugio. Mas o Nanico que hd muito Jé andava de cara feia, Prevendo aquela peleia Mandou dizer ao Chimango; “Eu vou te aplumar o mango Bem no tronco das oreia.” Tinha o Chimango ajuntado Muita gente no Rincio, Virou até guapetao, Tomou uns tragos, ficou empedo, E disse “Eu nao tenho medo De fazer revolucio”. P'ra todo o mundo dizia, “Isto vai ser um passeio, O Nanico com rezeio Da erita da Oposigao, Fica de redea no chio Cabrestiando pelo rreio". “A todos voces eu fago Um juramento cristao; Vou tocar esse chambiéo Lad p’ra uma terra estrangeira, Assim da mesma mancira Que ele tocou o Vaz Antio.” — 68 — Fizeram a coisa bem tcita Ja sé um golpe infernal; Se n&o fosse o General Refugar esse barulho O Gegé ia de embrulho, Como um ente angclical. Mas a coisa fou mui outra, E envez de lanca e facio, Naquela revolugao Foi grande a fuzilaria, Por toda a parte se ouvia O ribombar Go canhio. © Nanico sem demora Reuniu sua Gauchada, Que fazendo madrugada Trouxe logo a recolhida, Saiu de marcha batida Leyantando po da estrada. Gauchada mui parelha Toda ela mui enxuta, Ja traquejada na luta Teve pronta num repente, Parece até que essa gente Ta tazer reculuta. O Chimango se Teve pronto num momento aprestou Atow a mala nos tento, Montou wn petico bragacdo — 69 — Botou um lenge colorado E foi chefiar 0 movimentto, abe Até hoje nao se Como isso assucedeu Todo o Pampa estremeceu Com tamanha valent Por toda a parte se ouvia; “Pobre velho, enloqueceu.” Mas logo a0 mexer dos cascos Levou o Chimango cartucho Nao aguentou o repucho Pois nunca tinha peliado, Mas apesar de assustado Teve um gesto mui gaucho. Nao fez como os companhciros Que cravaram a rachada, Ao tranco, de cola atada, Foi esperando o inimigo, Talvez dizendo consigo: “Oi, ld gente desgragada.” “Mais vale andar um apé Do que andar-se mal montado”, Confirmou-se ali o ditado Mais conhecido auc 0 0, “i melhor andar um so, Do que mal acampanhado. Quando avistou o inimigo — 70 — Logo a perna cle boleou, anDanhow Sua espada ce e atirou o pala p'ra fraz, Dizendo: “Agora no mas Vou mostrarles quem sou” “Nao pensem que com: convers Me vao levar prisienciro; Sou Gaucho tarimbelro ¥ peleio com muito afin Por usay poncho ce lh Nio me tomem por carneiro.” “Reparem na minha espada, No meu poncho, minhas botas, Nao me venham com lorotas Nem relagio de defuntas, Nem que venhan todes juntos Me hao de levar p’ra Pelota: “my hei de morier veliando No topo desta coxilha, Cait como um Farroupiiha Contra as balas de um Tirano Peliando mano a Mano Contra toda a sua tropilha.” Foi assim que ele foi preso, Brabito que nem Zorrilho; Amarrado no lombilho ‘Ao tranco do seu bragado, —1W— Ia o pobre acabrunhado Fantasiado de Cauditho. Depois seguiu 14 p'ra Corte Num vapor engaiolado, Mais tarde foi desterrado, Era esse o seu destino; Como matungo teatino Viver do Pago apartado. ha fumaca sem fogo Nem casamento sem saia — E 0 U T R A S E cancha de osso sem raia E coisa que n&o se explica, P 0 E S lA SS — Nao ha bolas sem manica Nem matreiro que nao caia. — Feliz como abelha E como tudo no mundo Tarde ou cedo tem um fim, Tinha que ser mesmo assim; Hoje o Chimango, coitado, Vive triste e acabrunhado Como Carancho em Cupim. E aqui le ponho o remate Na ilhapa deste relato, Que seja outro Maragato Que um dia tenha a Vitoria, De contar o fim da historia Desse TIRANO INSENSATO. — 2 — QUEM SOU & Fernandina Marques, 6 rouxinol do Parana. Curitiba, outubro de 1930 Fu sou gaticho de mui boa mancha, nfo refugo fandango nem me achico, la do meu Pago vim gritando: “CANCHA"! You pegar o barbado pelo hico. ie no fadango, de facado e espora, abro talho de palmo num vivente, pois a destreza no meu punho mora, eo meu lema de guerra 6 : “Para a Frente”. Sou monarca lar! io das coxilhas, temperado aos gua agos do minuano at sou neto dos pravos Parroupillas. Sou soldaco viril que vai pra guerra, irbaro tirano var a minha terra. combater esse } que pretende # VISAO PAMPEANA Longe do pago, Vivo abichornado trago sempre @ Quréncia na retina, e no meu coragio amargurado a saudade cruel da minha China. — 73 China querida, guapa companheira, Zaina-negra, cor de cuia usada, que me esperava alegre na porteira quando eu voltava @ noite da invernada. Longe do Pago, vivo a relembra-lo... nao me saem da memoria wn sé momento, minha China, meu rancho e meu cavalo. Longe do Pago, nesta longa ausencia, trago sempre povoado o pensamento com a vizio Pampeana da Queréncia... BAILE DE RANCHO A Tancredo Tostes Baile de rancho adonde a canha impera ea gaita geme as marcas mais sonoras, e€ a gauchada guapa se entrevera aos compassos da gaita e das esporas. Uma China catita e candongueira, flor de china agreste do meu Pago, nega o estrivo, sé por brincadeira, refugando dansar com o Indio Vago. Cala-se a gaita, apaga-se o candieiro. Retoga o chinaredo alvorogado enquanto as dagas bailam de entreveiro. Ouve-se fora o grito de “upa! upa!”... ¥ 0 Indio Vago ao tranco do tostado com a China catita na garupa. — 74 —~ DU? PERAS Meu velho rancho, como estdés mudado! Como corroeu-te o tempo, velho amigo. Nada mais és que a sombra do passado rancho, como pareces-te comigo..- Foste outrora um rancho bem quinchado, da minha mocidade morno abrigo, hoje sosinho, triste, abandonado, rancho, como parego-me contigo. Vendo-te assim em ruinas jé desfeito sinto em minha alma o canto da saudade, e o coracio a relinchar no peito. Ha muito ji nfo temos primavera, o inverno da vida nos invade, eu, como tu, também ja sou tapera. CONFIDENCIAS & Osvaldo Corréa Buenas tardes, compadre serve um mate mientras eu saco 0 freio do meu flete para darle um verdeio; Passe um naco de fumo, amigo e espete uma costela gorda de capiv e arrime-se ao fogio. Eu quero abrir-lhe as portas do meu peito adonde 0 coragi alegre ¢ satis{cito — 1% -~ fy relincha de alegria e retoca de prazer... ¥, compadre, que a China que cu queria até nem posso crer, ceu um suspiro puchado la do fundo do coragio em flor... Dizem, compadre, que é sinal de bem-querer. que 6 a voz do coragio, a voz do amor... Compadre velho, quer me parecer que quando a China suspira desse geito, é que tem algo dentro do seu peito e s6 por mona nfo nos quer dizer. MINHA CHINA Alta e delgada, pisa com carinho, de um moreno da cor da cuia usada, olhos grandes e dentes cor darminho cabelos negros, boca bem talhada. Quando me seva o mate, de mansinho cantarolando gauchesca toada, cuido ouvir o gorgear de um passarinho na candidez de sua voz velada. Com um lengo de seda comprimindo as curvas sinuosas de seus seios ela chega-se a mim sempre sorrindo, FE eu te quero tanto, China amada, que tenho sempre os meus ouvidos cheics doce alino som de tua risada. — 6 — PAGO!!! Coxilhas que se transformam em terras para trigais; Gauchos que ja trocaram Jeeps por baguaes; Estancias que vio morrendo cidades que vaéo nascendo, ja nos meus Pagos natais. Fogéo que jaz apagado ao lado da geladeira; lago todo enrolado ressequida boleadcira, A vida nova surgindo aos poucos substituindo a velha vida campeira. Pistola, lanca e facio, pombacha, bota e chilenas, carne gorda e chimarrio, lindas chinocas morenas emigrastes do Rinciio pra outras plagas allenas? Velho tempo que transformas © mundo e as geragdes; Que é feito dos fogdes sempre acesos nos galpédes? Que fizestes do meu Pago? Que 6 feito do Indio Vago. de legendadrias tradieses? —~7— onde 0 Gaucho cheio de heroismo Pago... tu sé existes, ro nasce e cresce no culto do civismo em apagados debuxos, nessas cantigas tio tristes que sio almas de GAUCHOS... Rio Grande das homéricas jornadas das lutas libertarias orvalhadas do sangue mais viril; DE PE PELO BRASIL onde © Gaticho de langa, bola e lago, nas fronteiras da Patria estende 0 brago de pé pelo Brasil! de pé pelo Brasil! Rio Grande das faganhas Farroupilhas : escritas no entreveiro das coxilhas Rio Grande das tertilias galponeiras, das chinocas catitas, milongueira cheias de encantos mil; onde o Gaticho, Taura soberano com sangue varonil; onde o Gaucho, cavaleiro andante vive eternamente vigilante, desfralda o pala ao sopro do minuano, de pé pelo Brasil. de pé pelo Brasil! ‘ . Rio Grande das pelejas Cisplatinas Rio Grande das coxilhas verdejantes de Itororé, de Tomas Valentinas, dos arroios e sangas murmurantes de bravura leonil; e um lindo céu de anil; onde o Gaticho, indémito e altaneiro onde o Gaucho, sentinela alerta na defesa da Patria 6 vanguardeiro no lombo do bagual vive desperto de pé pelo Brasil! de pé pelo Brasil! Rio Grande do fogiio, cuia e chaleira do lago, daga, mango e boleadeira, de misculo perfil; Rio Grande das lenddrias epopéias / onde o Gaticho nasce, vive © cresce das tradigdes gloridsas das peleias “ . i » so alteia, se agiganta e se engrandece da adaga e do fuzil; . “aT! . de pé pelo Brasil! onde o Gaucho, sobranceiro e forte joga com a vida sem temer a morte . VELHO RANCHO de pé pelo Brasil! i Chegastes tarde demais na minha vida. Tilo Grande do tropel da bagualada Meu rancho esté velho, cafumagado, retogando no fundo da invernada A cumicira toda retorcida, a0 sol primaveril eo velho teto, todo esburacado. — 78 — — 1m — O que viestes fazer, China querida? O que viestes buscar neste passado? Toma outro rumo, busca outra guarida, onde o mate no seja tao lavado. Si vens na reculuta de um carinho, certamente que errastes o caminho deve haver no teu sonho algum engano. Como queres unir tua primavera com minha negra e tétrica tapera de solidio, saudade e desengano? MEMORIAS Com licenca companheiros, dém-me um banco pra sentar uma viola pra tocar, que eu venho do meu desterro e como o velho Martin Fierro cu também quero cantar. Eu nao cantarei peleias todas cobertas de gldrias, eu nado cantarei vitdrias, nem conquistas que nao tenho, eu aqui somente venho cantar-Ihes minhas memorias. Sio memorias de um Gaticho, que vive longe do Pago, mas que traz no pensamento apesar da longa auséncia, as paisagens da Queréncla, as lendas do Indio Vago. Criolito 14 do Serro barrancas do Garupdé j& torici boi-tatd, — 80 — manejei bolas e lago j& quebrei muito picago de chilena e xiripa. Ja cruzei arroio a nada tropiando pro saladeiro, ja jungi muito tambeiro no coice duma carreta, ja risquei muita paleta de aporriado caborteiro. Ja galopiei muito potro € apartei boi no rodeio. e ja quebrei muito freio de Taura velho quechudo.. . ja arranquei muito peludo, ja tirei muito floreio. Ja tive estincia de lei. os campos cheios de gado, Fui Gaticho respeitado. de alma nobre e bonhachao. ninguém me estendeu a mao, que nao fosse contemplado. Sempre tive por principio, bondade com altivez; nunca tive malvadez.. Se fui grande na grandeza, tenham amigos certeza, eu fui maior no revez.. GAUCHADA Velho Dionisio Cardoso guasea taura e cumperago, era doutor no pugal, — 91 — fo 7 nos bastos, bolas e lago. Foi gaticho como poucos Indio velho de respsito, : usava barba comprida escudando o largo peito. Vivem inda suas memérias vivas nas almas camperas, recontadas no aconchego das tertulias galponeras. / De uma feita, bem me lembro, andava de seu parceiro, foi num aparte de tropa pra mandar pro saladeiro. Eu montaya um zaino-negro ossudo e anca de vaca, bom de pata e bem domado, pingo de se pelear de faca. O Dionisio, um doradilho lindago, de pelo fino, bagualzito mais ligeiro que aspa de boi brazino. Traziamos um novilbo bem na barbela do freio, quando ouvi um borborinho na beirada do rodeio. Era um bagual disparando eampo afora c'os arreio, levei logo a miio no lago e ergui meu pingo no freio. Ji vinha de armada feita bem no jeito de lagar, quando ouvi que umas bolas assoviavam no ar. — 32 — Vi que era o velho Dionisio, que como encanto surgia, mais ligeiro do que um raio reboleando as trés-Marias Mes no momento preciso, que ia soltar as bolas, o seu bagual se perdeu e no mas, virou a cola, O Taura velho Dionisio, saiu de rédeas na mio, deu uma volta nas bolas e largcu com precisio. Que tira de bola certo. en nunca vi outro igual! as trés-Marias cairam bem na cruz do animal Nao pensem que € lorota, nem um conto de hespanhol; assisti essa ganchada de fazer parar o sol, GAUCHO DE LAY a don Espineli Yo ya fui gaucho de lay en mis tiempos de paysano, con ja guitarra en la mano, y mi cutijo de acero, jamais encontré parcero alla en mi Pago Jejano, — §3 — Entre el gauchaje del Pago, tuvo el cartel de cantor, fui el taita payador que cantando en la guitarra, en viejas noches de farra saqué coplas de mi flor. Hoy soy viejo, porongudo, sin mas que la noche y cl dia, ya no tengo mas valia.. Soy un gaucho despilchao soy la sombra del passao, con la guayaca vazia, Pero endonde una guitarra hace sonar el bordon, estoy listo y compadron pa dentrar en la payada con la memoria entonada cen e] alma y corazon. Yo soy como Martin Fierro, a ustedes voy advertir, déspues de tanto sufrir de vivir como entenao yo quiero vivir mamao cantando quiero morir.. CHINA LIND. Alta e delgada, China linda, ai-juna! Zaina como pitanga bem madura, tem a fragancia eril de um pé de tuna na singeleza mais perfeita e pura. — 34 — O seu cabelo cor da ¢abritina, tem o negror da noite bem escura, tem um sorriso que 6 um clario de luna no pedestal de branca dentadura. Nos maracujis dos scios palpitantes, tem o fogo do amor que me alucina, no seu arfar ritmico e constante. E que olhos lindos tem a minha China duas estrelas licidas, brilhantes. com guayijtis maduros na retina. SY PINGAGCO & Antenor Lemos. 1917 Pingo Bueno num apuro, bom de pata e bem domado. De sacar China no escuro, e de torear Delegado. ¥ um pingaco corujeiro, guapo como um Farroupilha, macanudo no entreveiro, vale por uma tropilha. Num aparte, num rodeio, o meu Pingo é pururuca, entra e sai mascando o freio. pé de estribo e mao de langa, saco paica na garupa e aleaide algum me aleanga. RETRUCOS ao velho Ticté Amigo velho Tieté n&o tenha pena de mim tenho versos na cabeca como bicho no cupim O meu zaino malacara é mesmo um pingo de fato tratado pela Brigada pra monta de Maragato. Cantei aqui no meu Pago sem nunca encontrar parceiro vou cantar em terra estranha 14 pras bandas do estrangeiro Pode ser que nessas terras onde hd mais sabedoria eu encontre um carcamano pra cantar de parceria. Pra cantar versos comigo de mano a mano ao relento pode vir de Passo-Fundo de Bagé ou Livramento Finou-se 0 velho Tieté saudoso procuro a rima que a terra Ihe seja leve com o Himalaia por cima. “Galernos ventos te levem” me saudastes na partida, € cu te agradego, Tieté — 86 — na hora da despedida, te desejando saude muita plata e buena vida. INDIO VAGO Por uns trages de canha e mais tomaco por desfastio, talvez, na puiperia, € uns talhos de facto no delegado, ergueu 0 poncho ¢ se foi A la cria, é um paria renegado, Hoje esse Taura fugindo da justiga A luz do dia, a noite ronda os ranchos do povoado em procura de amor ec alegria. Se a policia o descobre, dé peleia, de daga em punho, mais algum volteia rumbeia ao tranco, sem temer a morte. IZ nas verdes coxilhas do meu Pago montado num bagual, esse Indio Vago, 6 a estdtua viva do gaticho forte! GRITO DE GUERRA ao Adalberto — 1923 Ensilha o Pingo e ajusta a tua langa, e desfralda a bandeira colorada esse Pendio de glérias que balanga na alma livre da tua gauchada! Repete a carga herdica de Palomas; Ressurge audaz com tua valentia, — 37 — dos gatichos corcéis ruflando as comas e amordaca o canhao da Tirania. Liberta o teu rinc&o, novo Farrapo! Queima na luta o wWtimo cartuche ou tomba na coxilha como um guapo! Terds ent&o por toda a eternidade a gratidio do coragéo gaticho Legenddrio campeiio da LIBERDADE!!! COMPADREADA a Albano David Buenas tardes, pulpero, éche um trago que eu tenho a guela seca da troteada, na milicada vim fazendo estrago e um talho a mais, pra mim 6 quase nada Ontem a tarde, quando o sol de arrasto pelas coxilhas procurava pouso, vinha um milico me apagando o rasto, dei-lhe um mangacgo e achatei-lhe 0 touso Quebra largado, nunca me mancio e se algum Taura se tiver por bueno pele de daga que eu Je dou um floreio Meta outro trago, por favor, Moreno, pois se sou Touro ld no meu rodeio eu sou Touraco num rodeio ajeno. DIA DE INVERNO Uma chuva muito fina, timida e fria, tamborila e escorre no zinco do galpio; — 88 — as chamas dos tigdes se apagam em agonia, grossos rolos de fumo pelo ar se vio. Um vento penetrante nas frestas as obia, e passa cantando uma gélida cancio, triste como o agouro da coruja que pia, na calada da noite, pousada no oilao. De quando em quando sangra o céu acinzentado, © punhal ziguezagueante de um corisco, ¢ a terra toda treme ao eco do seu brado. Vae, pelo lombo das coxilhas estiradas, © gado encordoado, em busca do aprisco, tiritando de frio, com as carnes molhadas. INSONIA Quantas vezes eu passo a noite inteira contando os caibros do meu rancho amigo, prescrutando do vento 2 gemedeira , passando pelas frinchas do postigo. Vém-me & lembranga entio, a vez primeira em que te vie conversei contigo; eo passado desfila na porteira do tempo velho e a cismar pro: gO... Quanto carinho tu me deste outrora,.. Insensato, néio soube compreende-lo, e como sinto falta dele agora. Minha noite se torna um pesadelo... Espero sempre 0 despontar da aurora na esperanga de novamente te-lo. — 89 — ANTONIO NETO No entreveiro das langas, na coxilha, no sangue derramado herdicamente, temperastes tua fibra Farroupilha, pra viver na histéria eternamente. O teu Pingo rasgou no chao as trilnas de norte a sul, ao tranco lentamente, de leste & oeste, ao sopro das guerrilhas, tal como um vendaval onipotente. Centauro bravo, majestosa estampa, vives ainda na alma do Gaucho, que nasce e morre sob o céu do Pampa. Nos legastes a tua grande gloria, desde 0 primeiro a0 ultimo cartuxo, escrevendo com honra a tua historia. CRUZANDO O PAMPA Cruzando 0 pampa ao tranco do meu flete, sou monarca largado do meu Pago, Sesteio A sombra de algum caponete mato a sede no arrdéio, trago a trago. Indio seco nos bastos, bom ginéte, nao refugo bagual nem Indio Vago, destorcido na folha do machete adonde entro peleando, faco estrago, © quando a noite veiha se entordilha, © a Jua estende o pala na coxilha, abro a minha gaita companitira. — 909 — Enquanto a gaita velha geme e chora, eu you cantando pela noite afora, as faganhas da gente galponeira.. AO CLUBE DiC TRINTA E CINCO Rio, 9-1-1952. Com licenca, companheiros, entre vés aqui me afinco, € se a cantar eu me finco € ane vos peco a bolada, de saudar a gauchada do Club de Trinta e Cinco. Quem nasceu neste Rincio onde retoca o Minuano, onde o Taura 6 soberano, nasce e morre Farroupilbha, tendo por leito a coxilha, por testo o poncho de pano. Quem nasceu nessa Querencla onde gatopa a potrada, onde a Chinoca tostada, enfeita o Rancho campeiro, e onde o Gavicho altaneiro pega & daga por nonade. Quem nasceu por esses Pagos, e se criou nos galpdes, tem sempre recordagées das lendas e das historias, recamadas pelas gldrias de tio belas tradicdcs. — 91 — Em qualquer parte que esteja, aguento altivo o repucio, seja na lanca ou cartucho, no mango ou daga de acero, nasci Gaticho campeiro, me orgulho de ser GAUCHO! Recebendo os cumprimentos no Natal e Ano Novo, nestas sestilhas retovo as rimas com grande afinco, pra saudar o Trinta e Cinco das tradicg6es do meu povo. Retribuindo as Boas festas, com toda a sinceridade, desejo a esta entidade, gatichesca e macanuda, uma tropa bem morruda de paz e felicidade... SAUDADE Os quero-quero rubros dos teus beijos gritando no potreiro do meu sonho, sio fantasmas em lIeves murmiurejos, perturbando o meu intimo tristonhc. Na minha solidéo, velhos desejos galopam infrenes... ent&éo me ponho @ escutar os levissimos arpejos da saudade, num ritmo medonho. Pastoreando os recucrdos do meu tédio, — 92 — sinto que meu ma! n&éo tem remédio, que nao tem cura a angtistia que me invade. Ensilho entéo o mouro do tormento desato o lago do meu pensamento, pra pialar de longe uma Saudade... IBOLO DE 23 ao Adalberto Gaucho como poucos, atrevido, no manejo da langa e bacamarte, valente entre os valentes, conhecido, em todo o pampa, novo Bonaparte... Montado num sibruno marca de “S” vencendo tudo que lhe surge adeante, no auge da luta, ei-lo que aparece no valor do seu brago confiante, Comanda as cargas com um “Vamo embora” entra gritando pelo entrevero, trazendo o pingo na ponta da espora - Ergue-o firme no freio, up®... UD) Cruza peleando altivo e sobranceiro levando a Liberdade na garupa. SMANUANO Uiva, guincha, ulula, geme e passa pelas frinchas de bivro ca tapera, — 93 — onde jaz dormitando inda a carcassa, do Ultimo fogio da primavera. Chora e canta na fina folha escassa da casuarina esguia, esbelta e austera, a melodia triste que uma raga, escreveu com Seu sangue em outra era. Pela canhada adentro, assobiando desce e sobe a ladeira e vai adeante, os pastos e macegas encrespando. Pelas coxilhas vai semeando a morte, e s6 detém na ftiria, a esse gigante a estdtua herdica do Gaticho forte... MEU PINGO O meu Pingo tordilho, troca passo, tem os quartos vinagre e a crina preta. Tem dois palmos e meio de espinhaco e uma manchita clara na paleta. Os machinhos de pé, como veado, anca de vaca, orelha de tesoura, de pata ¢ macanudo e bem domado, é um pingo que um gaticho nfo desdoura. Quando vou no meu Pingo num rodeio, empurro 0 touro na ponta da bota; de rabonar, amigo, ndo receio... Nas carreiradas fago pata ancha, € les juro por Deus, nado é lorota, nunca meu Pingo viu o pé da cancha! — 94 — TE TOMANDO UM ° dQ Osvaldo Aranha reminiscé éncia de 1939. Crepitava o civismo da gauchada, Aos relinchos dos pingos no entrevero, Assombrando o povo brasileiro Com o “O QUE E QUE BA”, a tiltima agachada. E a nossa velha turma aquerenciada aos rigidos guascacos do pampeiro ligeiro como o estouro da boiada foi pra estancia do Rio de Janeiro. A indiada atropelando o cativeiro, guapa e serena, cumpre o seu fadario, que sagrou portenta na campanha. Fol 0 Gaticho revolucionario ao comando loquaz de OSVALDO ARANHA Yoi 0 Rio Grande! Sublime! Extraordindrio!.. JIOMENAGEM Rh Gettlio Vargas, no scu aniversario. 1-4-1939. Da Patria pelo Pampa indescritivel, ao tranco do destino que escarceia, vives Gaucho, tipo inconfundivel, no cendrio febril que te rodeia. De brayura sem par e indiscutivel, a tua vida de ligdes € cheia, Na conquista do bem indestrutivel, nado conheces entraves nem man Da nossa historia, paginas tio belas tu jd escrevestes, com bravura tanta que néo podemos esquecernos dela, Gaticho andejo da imortalidade! A tua vida toda se retrata na cristalizacio da Liberdade. MONARCA ao Napoledo Fu sou Gaucho de mui boa mancha, n&o refugo bagual porteixa afora; o meu brio desafronto sem demora, e no meu peito o medo nao se arrancha, E no fandango, de facio e espora, com o pala no ombro grito: “CANCHA” o toruna que tenha pata ancha, gue me pise no poncho sem demora. No manejo das bolas e do Iago, na boca de um bagual, na folha de aco do meu faciio, a liberdade existe. . Montado no meu flete, langa em riste, eu sou Monarca largado das coxilhas, sou neto dos herdicos Farroupilhas. LENDA CRIOULA Conta uma lenda antiga do meu Pago que a vagar na coxilha em ctesespero, — 96 — a alma errante dum Gaticho Vago Vagueia transforrnada em Quero-quero. Seus esporées usados como breve, sio amuletos dum poder infindo, que torna o sono do Gaticho leve para ninguém o surpreender dormindo. Ha rio seu canto wma alma encla relembrando as facanhas Farroupilhas quando ele ita i noite junto & estrada Certamente 6 por isso que em seu grito vejo as pelejas bravas das oxilhas de Juan Morera, Cruz e Agapito. RELINCHO DE TRISTEZA Quando & tarde ao trotesinho vai 0 sol, triste e sozinho, nas coxilhas se deitar, abro a gaita companheira e n’uma toada campeira passo as horas a cantar. Mais doce do que um afago sinto a saudade do Pago, me esporeando o coragio, dou rédeas ao pensamento © vou cantando ao relento enquanto as horas 1 surdina Floreio a gaita recordando aquela China que deixei no men Rincio, minha gaita gemelunda —~ 97 chorando a mégua profunda 6 tal qual meu coragio. Vai a noite se estendendo e¢ as estrelas vio nascendo no pala do céu azul, uma estrelinha cadente trazme a saudade pungente do meu Rio Grande do Sul. Fico entio mirando a lua, qual se fosse a imagem tua no céu azul a vagar, dou um relincho de tristeza acordando a natureza toda branca de luar. Manhisita criola de domingo ensilhei o meu zaino bico-branco, dei um tope na cola do meu pingo, alcei a perna e fui andando ao tranco. Debrucei meu chapéu meio de lado, fui rumbiando no rumo do povoado... Manhisita criola domingusira, © meu zaino escarceia estrada afora, nos cascos leva o rumo da porteira onde a Tirana dos meus sonhos mora. Debrucei meu chaéu meio de lado, fui rumbiando no rumo do povoado... Manhasita crioula, manhisita, — 98 — mal o sol vai nascendo ensanguentado, you em busea do afago da chinita, e do seu beijo morno e prolongado, Dehbrucei meu chapéu meio de lado, fui rumbiando no rumo do povoado SISMARENTO ao Basilio Bica Num dia assim, dia invernal, cinzento, amargueando bem juntinho do fogao, sinto a chuva eair como um lamento tamborilando no zines do galpio. FE ouvyindo a chuva, eu fico sismarento olhos pregados na braza de um ticio, uma apés outra, no meu pensamento, as minhas lembrangas desfilando vao. Ensilho a cnia e tomo mais um mate, minha memoria. é caixa de maseate, onde guardo 68 yeouerdos do meu pago. Uma tristeza linguida me invade, porque entre as pugigangas da saudade encontro a renda do mais terno afago. GAUCHG PLORINO a Severiano Gdes Alto e eanhoto, destro ¢ gadelimdo, ipa hordado, pala de scda ¢ * —- 99 — daga de prata em cinta de veludo, botas de potro e tirador franjado. is do meu Pago o indio macanudo, cruzador dos rincdes de lado a lado, ao tranquito do Pingo, em quem tens tudo companheiro fiel no freio algado. Cantor errante, vais de Pago em Pago, na conquista dum beijo ou dum afago, em busca de venturas e prazeres. Mas, se um dia o destino te boleia, trocas ° amor e os beijos das mulheres pela gloria viril de uma peleia... EANDO Dele cancha, parceiro, a esse sotreta, Pra que se arraste pelo campo afora, quero repinicar-Ihe na paleta as rosetas de acero das esporas. Deixe e Delxe que eu quero dar-Ihe uma retreta fe rebenque e chilenas, sem demora, pele no focinho, e nfo se meta e le afloche no mas, que vd s’embora... Ela nos fomos pelo pampa vasto, 80s ruidos das chilenas e do basto, arrancando macega das coxilhas; ne voltarmos ao tranco, @ tardesinha, le pescogo estirado, o quebra vinha, eoloriando, do bico até as virilhas... — 100 — RIOULA TROPILUA Pela estrada comprida do meu pensamento reponto a tropiha crioula das lembrangas; a madrinha ruana de momento a momento troca orelha avivando mortas esperangas. Vou levando a tropilha a passo tardo e lento, para darle & peber na sanga de dguas man: dum passado de sonho, de alegria e tormento, de dagas flamejantes ¢€ agugadas langas Vaio seguindo 4 madrinha 0 zaino do desejo, © gateado do sonho, 0 tostado do beijo, © tubiano do afago e 0 pampa do tormento. Num lote mais atras, o baio danciedade, o picago da dor, 0 alaziio da saudade © mouro do suspiro € 0 rosilho do alento. GAUCIIO Monarca das cox has, centauro soberano, teu pedestal 6 0 pingo e teu trono os arreios, no topo das co; has, guasquiado do Minuano, olhos de frente 20 sol, sem temores nem reccios, Galopa em tuas velas o sangue do Agoreano, mesclado ao do charrtia, ambos de glérias cheios, lembras no porte viril um gladiador romano nas pelejas dantescas de homéricos torneios. Guarda do Pampa infinito a infinita grandez: © culto do heroismo vive em tua alma acesa, como pira sagrada iluminando as coxilhas — 101 — Montado no teu pingo, com bolas, daga @ lago és a estdtua do Taura recortada no espaco talhada na bravura do bravos Farroupilhas. NA GAITA Abro os foles da cordeona dando rédea ao pensamento para matar ao saudade eu vou cantando ao relento. La vem a lua nascendo, grande, branca, arredondada, velando a alma do Pampa entordilhando a canhada. E canto ao som da cordeona recordando a imagem tua mirando a luz das estrelas € 0 pala branco da lua. Minha, gaita companheira quanto mais canto, mais chora © as estrelas ao tranquito vao indo todas embora, No horizonte vem surgindo as rubras barras do dia, minha gaita vai calando vai morrendo a alegria. Fica apenas pra consolo da tristeza que me invade 9 éco da minha gaita, num relincho de saudade. . — 102 — NHA CAXUXA Wha caxuxa, bruxa benfaseja que mora la no fundo das bibdécas Pada pampeana que ao luar adeja, yelando o sono virgem das chinocas Léguas e léguas essa bruxa andeja palmilha o pampa em calvagadas loucas em busca de um amor que alguem deseja ou de esperangas vis que nao so poucas Monteda em pelo, segurada as crinas, dos potros chucros pelo pampa afora recothe as preces virginais das chinas. Bruxa santa, padroeira das campinas, que se recolhe ao despontar da aurora para a noite velar por suas filhas. PINTANYO UM BALO Em resposta ao ‘Fechando um Baio” ce Amandio Bica, publicado em Passo Fun do, R.GS., em 12 de dezembro de 1951 Lendo 0 teu “Fechando um Baio” caro amigo Amandio Bica, : a saudade me pinica como roseta de espéra, e aqui no mais, sem cemora, | tu sem resposta niio fica. | de Cachocira ou Piquiri, ou qualquer outro rincdo, -— 103 —

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