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Introdução
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UFMS. Departamento de Letras. Programa de Mestrado em Estudos de Linguagens.
Campo Grande – Mato Grosso do Sul – Brasil. CEP: 79070-900. E-mail:
ma.menegazzo@uol.com.br
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UFMG. Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários
(Mestranda). Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil. CEP: 30575-300. E-mail:
psique.imago@gmail.com
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compreender como a literatura contemporânea reescreve aquele
mesmo período histórico, utilizando novos elementos na configuração
de suas personagens femininas. Entretanto, também é importante
indagar a respeito da permanência do modelo romântico. A partir dessa
análise, pode-se deslindar o diálogo da literatura com a história
cultural, o que permite reavaliar aspectos relativos à identificação
comum do regional com o rural, assim como objetos culturais
resultantes dessa tensão. Sendo assim, os principais objetivos da
pesquisa foram: evidenciar os recursos descritivos utilizados na
configuração dos retratos femininos nos romances selecionados,
contribuir para os estudos histórico-artísticos e literários no que
concerne ao retrato e à literatura regional, bem como identificar e
relacionar as diferentes possibilidades de representação de um mesmo
tempo histórico.
Resultados e discussões
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Isto é: acometida por febres intermitentes.
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Essa descrição, um tanto quanto rústica, que compara a cor da moça a
de uma fruta da terra, é o primeiro contato que temos com a figura de
Inocência. Mais adiante, no capítulo V do livro, intitulado “Aviso
prévio”, Pereira declara:
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LOUVEL, Liliane. A descrição “pictural”: por uma poética do iconotexto. In:
ARBEX, Márcia (Org.). Poéticas do visível: ensaios sobre a escrita e a imagem.
Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários,
Faculdade de Letras da UFMG, 2006.
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Ao chamar de injuriosa a opinião do pai da jovem, o narrador
demonstra não concordar com ela, esclarecendo ao leitor quais são
suas consequências: rigorosa clausura para as moças, casamento
convencionado entre parentes próximos e crimes motivados até mesmo
por simples suspeitas. Esse esclarecimento feito pelo narrador é
importante, pois a última consequência citada (crimes) – embora ainda
não suspeite o leitor – tem relação direta com o desfecho da história do
romance, isto é, é uma espécie de antecipação, também chamada de
prolepse.
Ainda no que concerne à opinião de Pereira, o que ela cria é um
estereótipo da figura feminina, que nem ao menos tem a oportunidade
de defesa. E esse estereótipo é fantasioso, pois se sustenta em
preconceitos e suposições (ou crenças), enfim, na visão masculina do
sertanejo descrito por Taunay, própria daquele período, na qual a
mulher é tomada como um ser incapaz (ela não pode fazer suas
próprias escolhas) e guiado apenas pelos próprios instintos e emoções,
o que justifica sua dependência total em relação ao homem, tido como
o ser racional. Para a socióloga Heleieth Saffioti, o estereótipo violenta
as particularidades dos indivíduos, na medida em que objetiva modelar
– enquadrar – todos os membros de cada categoria de gênero. Ela
esclarece:
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Forças Expedicionárias em direção ao sul de Mato Grosso (LEPECKI, 2003, p. 19).
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– [...] Que pretendes fazer? – Entender melhor
os fatos. Acima de tudo, preciso de
explicações! – Já pensaste nos riscos? – Não.
Creio que às vezes é preciso decidir assim, sem
pensar, senão tudo passa, até a raiva! Não se
faz nada e também nada acontece! Não se corre
o risco e não se vive! Vou, mesmo no escuro. É
a minha vida, madrinha! Além disso, há outras
mulheres com as tropas. Muitas até! Não é
tanta loucura como certamente toda a família
irá pensar. [...] A parteira ouvira pacientemente
o desabafo. Esperou um pouco até a jovem se
acalmar para perguntar: – Estás mesmo
decidida? – Estou – baixou os olhos e
completou num sussurro: – Preciso saber com
que homem me casei. [...] As perguntas
seguintes não chegaram a ser formuladas,
porém martelavam seu pensamento o tempo
todo: Por que ele se casou? Por que agora me
rejeita? Por quem me toma? Por uma imbecil
sem ideias próprias? Decididamente não se
conheciam... (LEPECKI, 2003, p. 72).
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Cunhataí significa “[...] moça nova, moça bonita. Que está pronta para o amor”
(LEPECKI, 2003, p. 344).
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Micaela arrastou-se até uma linha de caçadores
e numa rápida troca de olhares ofereceu-se para
recarregar os fuzis. Ana tentava em vão
acalmar as mulheres que gritavam, histéricas.
As duas perceberam o óbvio: estavam quase
sem munição! E os outros que não vinham
ajudar? Por que os canhões demoravam tanto?
Um dos soldados brasileiros caiu, ferido no
ombro, e se contorcia de dor. Um cavaleiro
paraguaio aproximou-se com uma lança
comprida na mão direita, pronto para acertar
mais um caçador e romper o cerco. Foi abatido
pelo tiro de Micaela, que acabara de apropriar-
se de um fuzil. – Bravo, mulher! – gritou o
capitão Rufino que vira a cena a pouca
distância. – Agora se abaixe! Está na linha de
tiro! [...] Micaela demorou para entender o que
ele dizia, pois permanecia atônita, sem crer que
acabara de matar um homem. Ficou imóvel
vendo o cavaleiro no chão, enquanto um
caçador tentava capturar a todo custo o cavalo
assustado do inimigo. A batalha continuava
encarniçada, porém Micaela só tinha olhos para
a mancha de sangue que se alargava, tornando
mais rubra ainda a camisa do paraguaio morto.
– Si protege, sinhá! Óia os tiro! [...] Acordando
do choque com os gritos de Ana, retomou sua
posição. Rasgou um pedaço da saia, fez um
curativo improvisado no ombro do soldado e
continuou a recarregar os fuzis (LEPECKI,
2003, p. 307-308).
Conclusões
REFERÊNCIAS