Você está na página 1de 253

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS

Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Diagramação: Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes


Capa: edição e montagem de Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes
Revisão: Rafael Jordan de Andrade Campos
_____________________________________________________________
Homa Publica: Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas
Vol. 02 (Janeiro de 2018)
Juiz de Fora: Homa, 2018. Semestral.
Direito – Periódicos
ISSN: 2526-0774 - Online
ISSN 2526-9321 - Impresso
_____________________________________________________________

As opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

CORPO EDITORI AL | EDITORI AL BOARD

EDI TOR A- CHEFE | EDI TOR-I N-CHI EF

Drª Manoela Carneiro Roland

CONSELHO EXECUTI VO | EXECUTIVE BO ARD

Drª Silvia Marina Pinheiro – FGV


Dr. Daniel Maurício Cavalcanti de Aragão – UFBA
Dr. João Roberto Lopes Pinto – UniRio
Drª Deisy de Freitas Lima Ventura – USP
Drª Cristiana Losekann – UFES
Dr. Carlos Lopez – Comissão Internacional de Juristas
Dr. Juan Hernandez Zubizarreta – Universidade do País Basco

CONSELHO CONSULTIVO | ADVISORY BO ARD

Dr. Surya Deva – Universidade da Cidade de Hong Kong


Dr. David Bilchitz – Universidade de Joanesburgo
Drª Bonita Meyersfeld – Universidade de Witwatersrand
Dr. Sheldon Leader – Universidade de Essex

CONSELHO EDI TORI AL | EDI TO RI AL COUNCIL

Drª Adriana de Azevedo Mathis – UFPA


Msª Ana Cláudia Ruy Cardia – PUC-SP
Dr. Anderson Vichinkeski Teixeira – UNISINOS
Ms. Assis da Costa Oliveira – UnB
Drª Bethânia de Albuquerque Assy – PUC/RJ
Dr. Bruno Milanez – UFJF
Ms. Caio Borges – USP
Msª Caroline da Rosa Pinheiro – UFJF

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Drª Denise de Castro Pereira – PUC-MG


Ms. Eduardo Bernabé Toledo – Universidade Paris 1: Pantheon-
Sorbonne
Dr. Elcemir Paço Cunha – UFJF
Drª Elizabete Rosa de Mello – UFJF
Drª Érica Guerra da Silva – UFRRJ
Ms. Fábio da Silva Veiga – Universidade de Alcalá, Espanha
Ms. Felipe Fayer Mansoldo – UFJF
Msª Flávia da Silva Scabin – FGV
Dr. Gerardo Enrique Cerdas Vega – UFRRJ
Msª Joana de Souza Machado – UFJF
Ms. Júlio Cesar de Lima Ribeiro – Universidade de Coimbra
Drª Leticia Virginia Leidens - UFF
Drª Lucero Ibarra Rojas – El Centro de Investigación y Docencia
Económicas (CIDE)
Msª Luciana Tasse Ferreira – UFF
Msª Marcelly Fuzaro Gullo – Universidade de Coimbra
Drª Maria Elena Rodriguez Ortiz – PUC/RJ
Ms. Pablo Perel – Universidad de Buenos Aires
Msª Paola Durso Angelucci – UFRJ
Dr. Raphael Carvalho de Vasconcellos – UERJ
Dr. Ricardo Prestes Pazello – UFPR
Dr. Rodrigo Salles Pereira dos Santos – UFRJ
Dr. Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri – UFJF
Dr. Siddharta Legale – UFJF
Drª Tayara Talita Lemos – UFJF

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

EQUIPE EDI TO RI AL | EDI TORI AL STAF F

Ms. Luiz Carlos Silva F. Jr. – PUC-Rio


Camila Corrêa Mazorque – UFJF
Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes – UFJF
Gabriel Ribeiro Brega – UFJF
João Luís Lobo Monteiro de Castro – UFJF
Lucas de Souza Oliveira – UFJF
Maria Fernanda Campos Goretti de Carvalho – UFJF
Rafael Jordan de Andrade Campos – PUC-Rio

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Sumário | Summary
Corpo Editorial | Editorial Board ............................................................. 5
Editora-chefe | Editor-in-Chief ............................................................. 5
Conselho Executivo | Executive Board ................................................. 5
Conselho Consultivo | Advisory Board ................................................. 5
Conselho Editorial | Editorial Council ................................................... 5
Equipe Editorial | Editorial Staff ........................................................... 7
Editorial................................................................................................... 13
Estado, democracia e o poder da corporação transnacional
| Rubens R. Sawaya................................................................................. 17
Introdução ........................................................................................... 18
1. O Estado como condensação de forças........................................... 19
2. A democracia e o controle social .................................................... 25
3. A Corporação como braço real do capital ....................................... 29
Conclusão ............................................................................................ 37
A FIBRIA e o “novo” papel do Estado no capitalismo brasileiro: do
“estado-empresário” ao “estado-empresa”
| João Roberto Lopes Pinto | Felipe Fayer Mansoldo ........................... 41
Introdução ........................................................................................... 42
1. Tendências....................................................................................... 44
2. Apontamentos ................................................................................. 51
2.1 Estado Capitalista .............................................................. 51
2.2 Capital monopolista........................................................... 56
3. BNDES como “centro de decisão” ................................................... 61
4. Trajetória FIBRIA.............................................................................. 65

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

4.1 Violações de direitos pela FIBRIA ...................................... 68


5. A prevalência do direito privado sobre o interesse público ........... 71
Considerações Finais ........................................................................... 79
Colonialismo e governo empresarial no sul global
| Flávia do Amaral Vieria ........................................................................ 85
Introdução ........................................................................................... 87
1. Matriz de poder colonial e neoliberalismo ..................................... 88
2. Neoliberalismo e governo empresarial ........................................... 93
3. Entendendo a arquitetura da impunidade ...................................... 98
Conclusão .......................................................................................... 104
Direitos humanos e empresas no Brasil: como as empresas mineradoras
têm afetado a proteção dos direitos humanos no território brasileiro
| Ana Cláudia Ruy Cardia ...................................................................... 109
Introdução ......................................................................................... 110
1. A atuação das empresas mineradoras e a necessária conexão com o
tema Direitos Humanos e Empresas ................................................ 112
2. Empresas mineradoras no Brasil: da tragédia de Mariana às
possíveis atividades da empresa Belo Sun no Pará ......................... 114
2.1. Dados e implicações da tragédia socioambiental ocorrida
em Mariana ........................................................................... 115
2.2. O Xingu em risco: A polêmica envolvendo a atuação da
mineradora Belo Sun no estado do Pará ............................... 119
3. Brasil sob os holofotes: O repúdio internacional ao modelo
desenvolvimentista apartado da proteção aos direitos humanos .. 124
4. A resposta do Estado Brasileiro: continuidade do desenvolvimento
na contramão da proteção aos direitos humanos ........................... 128
Conclusão .......................................................................................... 130

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Deber de vigilancia, Derechos Humanos y Empresas Transnacionales:


un repaso a los distintos modelos de lucha contra la impunidad
| Adoración Guamán ............................................................................ 138
Introducción ...................................................................................... 139
1. Breve referencia al marco teórico de la relación entre empresas
transnacionales y derechos humanos ............................................. 147
1.1. Lex Mercatoria y Captura Corporativa ........................... 147
1.2. La extensión de las cadenas de suministro .................... 153
1.3. Los obstáculos para el acceso de las víctimas a la justicia
efectiva y la reparación. ........................................................ 156
2. Las carencias del marco normativo internacional que regula la
relación entre ETN y Derechos Humanos. ....................................... 159
3. La propuesta francesa: una ley de vigilancia debida cortapisada por
la Cour Constitutionnelle .................................................................. 165
4. La prevención como elemento necesario: deber de vigilancia y texil:
el ejemplo del Informe Sánchez Candeltey sobre la iniciativa
emblemática de la Unión en el sector de la confección .................. 170
5. La prevención en el Documento de elementos para la constrcción
del Instrumento Vinculante sobre empresas transnacionales y otras
empresas de negocios y los derechos humanos.............................. 174
A ilusão do levantamento do véu societário e a responsabilidade das
empresas por violações de direitos humanos
| Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri .............................................. 185
Introdução ......................................................................................... 186
1. A técnica da desconsideração e a metáfora do levantamento do véu
societário. ........................................................................................ 188
2. A teoria da desconsideração: o levantamento como exceção...... 191
3. A fragmentação do poder empresarial e os arranjos
plurissocietários: o caso do Sistema Minas-Rio ............................... 195

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Conclusão .......................................................................................... 201


Práticas de el forum shopping entre la OMC y los TLC. El valor del
principio de la cosa juzgada en la solución de controversias
| Julián Tole Martínez ........................................................................... 205
Introducción ...................................................................................... 207
1. La cláusula de selección del foro o el forum shopping entre la
jurisdicción de la OMC y la jurisdicción de los TLC .......................... 210
2. La cláusula de exclusión del foro en la jurisdicción OMC como una
prohibición del forum shopping ...................................................... 224
3. La aplicación del principio de la cosa juzgada o “res judicata” en los
conflictos entre la jurisdicción de la OMC y la jurisdicción de los TLC
estadounidenses y europeos ........................................................... 231
Observaciones finales ....................................................................... 237
Política Editorial | Editorial Policy ....................................................... 248
Normas de Publicação | Publication Guidelines ................................. 250

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 12
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

EDITORIAL

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
13 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

EDI TORI AL

O Homa, Centro de Direitos Humanos e Empresas


(www.homacdhe.com), em funcionamento na Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Juiz de Fora desde 2012, com o apoio da Fundação
Ford, tem como um dos seus principais objetivos, uma vez que reflete uma
iniciativa de cunho acadêmico, contribuir para a consolidação da temática
de “Empresas e Direitos Humanos”, ou Business and Human Rights, ainda
pouco conhecida no país, e até internacionalmente, no que tange à sua
presença em matrizes curriculares e volume de pesquisas em pós-
graduação.
Desta forma, a Homa Publica – Revista Internacional de Direitos
Humanos e Empresas, assim como o Seminário Internacional que o Homa
organizou nos últimos 5 anos, são alguns dos principais veículos para a
difusão de ideias, resultados de pesquisas, assim como análises de casos
que possam apontar para as questões mais importantes relacionadas às
violações de Direitos Humanos cometidas por empresas, na atualidade, no
Brasil e no mundo. Busca-se com isso, inegavelmente, difundir reflexões e
alimentar debates capazes de revelar medidas preventivas de tais
violações, ou mecanismos mais eficazes para a responsabilização das
empresas.
Neste caminho percorrido pelo Homa até aqui, duas conclusões
parecem muito claras e ao mesmo tempo desafiadoras. A primeira é que
falar de Empresas e Direitos Humanos não significa contemplar a já familiar
Responsabilidade Social Corporativa, cuja lógica primordial viabiliza,
basicamente, a reprodução de práticas de promoção da boa imagem
empresarial. E, ainda, pesquisar a dinâmica de violações reiteradas de
Direitos Humanos perpetradas por corporações impõe a necessidade, e
aqui reside o aspecto mais desafiador, de se estabelecer como
condicionante precípua e prévia ao próprio planejamento da atividade
empreendedora, o respeito aos mais altos standards de promoção dos

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 14
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Direitos Humanos, e toda a sua sistemática de proteção, já reconhecida


nacional e/ou internacionalmente. Explica-se, portanto, a opção, no caso do
Homa, pelo posicionamento da expressão ‘Direitos Humanos” antes do
vocábulo “Empresas".
Esta primeira Revista de 2018 teve a sorte de trazer artigos que
contemplam discussões extremamente atuais, como, por exemplo, o
processo de negociação de um Tratado Internacional sobre Empresas
Transnacionais e Direitos Humanos, em curso no Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas desde 2014, mediante a aprovação da Res
26/9, além do crime ambiental mais grave do país, ou talvez do mundo,
envolvendo a Bacia do Rio Doce, em dezembro de 2015, que ainda segue
sem reparação devida aos atingidos e atingidas.
O primeiro artigo, por sua vez, inaugura uma problematização mais
de fundo, e de relevância inconteste sobre a relação entre “Estado,
democracia e o poder da corporação transnacional”, de autoria do Prof.
Rubens R. Sawaya; seguindo a temática do papel do Estado, tem-se o
trabalho dos professores João Roberto Lopes Pinto e Felipe Fayer
Mansoldo, intitulado, “A Fibria e o “Novo” papel do Estado no capitalismo
brasileiro: do “Estado- empresário” ao ‘Estado-empresa”; e buscando
analisar como opera as lógicas coloniais de atuação das empresas no
chamado Sul Global, apresenta-se o artigo da doutoranda Flavia do Amaral
Vieira, “Colonialismo e governo empresarial no sul global”.
No que poderia ser considerado um segundo bloco de
contribuições, o quarto artigo faz menção, como já mencionado, ao crime
ambiental da Bacia do Rio Doce, destacando, entretanto, o papel das
empresas mineradoras no país, abordando de forma critica o modelo de
desenvolvimento adotado, intitulando-se “Direitos Humanos e Empresas
no Brasil: como as empresas mineradoras têm afetado a proteção dos
Direitos Humanos no território brasileiro”, da Prof.ª Ana Claudia Ruy Cardia.
A partir da constatação do marco de impunidade sobre o qual, muitas vezes,
atuam e prosperam as empresas transnacionais, a Prof. Adoración Guamán,
da Universidad de Valencia, nos brinda com a uma análise abrangente sobre
a necessidade de normas vinculantes, como um tratado internacional, para

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
15 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

a efetiva responsabilização de empresas, principalmente transnacionais,


por violações de Direitos Humanos. O seu artigo denomina-se “Deber de
vigilancia, Derechos Humanos y Empresas Transnacionales: um repaso a los
distintos modelos de lucha contra la impunidad”.
Os dois últimos trabalhos colocam em questão ferramentas
jurídicas importantes passiveis de serem utilizadas na busca de
responsabilização de empresas por violações de Direitos Humanos e na
solução de controvérsias. O Prof. Sergio Marcos Carvalho de Avila Negri, da
Faculdade de Direito da UFJF, aponta para “A ilusão do levantamento do
véu societário e a responsabilidades das empresas por violações de Direitos
Humanos”; e o Prof. Julian Tole Martínez, da Universidad de Externado
discute “El forum shopping entre la OMC y los TLC. El valor del principio de la
cosa juzgada en la solución de controvérsias”.

Uma boa leitura a todos e todas.

Manoela Carneiro Roland


Editora-chefe

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 16
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

ARTIGOS Articles

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
17 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

ESTADO, DEMOCRACI A E O PODER DA


CORPOR AÇ ÃO TR ANSN ACI O N AL

STATE, DEMOCR AC Y AND THE POWER OF


TR ANSN ATION AL CORPOR ATIONS

Rubens R. Sawaya1

RESUMO
O Estado se estrutura pela condensação de forças em disputa que
constituem o bloco de poder hegemônico, bem como a ideologia que esse
bloco carrega e que orienta a ação da sua burocracia de Estado, mesmo que
temporariamente e em permanente conflito. Qual o espaço para a
democracia a partir do momento em que a grande corporação transnacional
consegue influenciar e ocupar os aparelhos de Estado? A democracia supõe
que os indivíduos têm o poder de constituir o Estado e de interferir
politicamente pelo voto, supondo poderes iguais quando há, na verdade,
de um lado, indivíduos isolados e, de outro, corporações transnacionais
organizadas em instituições supraestatais globais. Como é possível a
democracia? A história demonstra que ela apenas se enfraquece.

PALAVRAS-CHAVE: Estado. Democracia. Corporações transnacionais.


Poder de classe.

1 Professor e Coordenador do programa de pós-graduação em Economia Política,


Departamento de Economia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP,
Rua Ministro Godóy, 969 – 4º andar – sala 4E17, São Paulo SP – 05015-000. E-mail:
rsawaya@pucsp.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8332423408226643

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 18
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

ABSTRACT
The state is structured by the condensation of forces in dispute that
constitute the hegemonic power bloc, as well as the ideology that this bloc
carries and that guides the action of its state bureaucracy, even if
temporarily and in permanent conflict. What is the space for democracy
from the moment that the great transnational corporation succeeds in
influencing and occupying state apparatuses? Democracy assumes that
individuals have the power to constitute the state and interfere politically
by voting, supposing that they have equal power when there are, on the
one hand, isolated individuals and, on the other, transnational corporations
organized in supra-state global institutions. How is democracy possible?
History shows that it only weakens.

KEYWORDS: State. Democracy. Transnational corporations. Class power

INTRODUÇ ÃO

Qual é o espaço para a democracia quando o Estado é cada vez


mais apropriado pelos interesses da grande corporação agora
transnacional? O que é a grande corporação? De onde provém seu poder
supranacional? A forma tradicional de democracia representativa dilui o
poder de indivíduos que agem isoladamente – a cada um, um voto –
enquanto as corporações possuem poder institucional centralizado por
meio de organismos paraestatais que lhes confere capacidade de ocupar os
aparelhos de Estado, Estados geograficamente descentralizados,
dispersos.
O capitalismo não existe sem Estado. “O Estado [...] se revela como
um aparato necessário à reprodução capitalista, assegurando a troca de
mercadorias e a própria exploração da força de trabalho sob a forma
assalariada” (MASCARO, p.18). O processo de acumulação de capital que se
desdobra em concentração e centralização de capital, formando as grandes

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
19 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

corporações transnacionais, precisa do aparato jurídico-legal, institucional,


dos aparelhos de Estado, da burocracia para que esses processos ocorram
sem impedimentos. Precisam do Estado para que seu domínio sobre a
estrutura social permita que seus movimentos de expansão (concentração)
e de retração (centralização) possam ocorrer segundo seus interesses e
necessidades. Controlar os aparelhos de Estado é uma exigência interna do
próprio processo de reprodução social na forma capitalista.
O artigo está divido em três partes além dessa introdução. Na
primeira parte busca, de forma sucinta, conceituar o Estado capitalista
como resultado da condensação de forças hegemônicas em disputa que
estruturam seus aparelhos de controle e determinam as políticas que
garantem a acumulação de capital. Na segunda parte, questiona-se a
democracia formal como uma forma de controle social, realizada por
indivíduos, sobre os aparelhos de Estado: de um lado estão os indivíduos
dispersos como “iguais”, enquanto, de outro, estão as grandes corporações
transnacionais organizadas em instituições supraestatais. Na terceira parte,
busca-se identificar que capital individual constitui o que se denomina
corporação, principalmente com foco em sua forma atual transnacional,
relacionando-o com as relações de poder global que determinadas
instituições paraestatais buscam impingir sobre Estados dispersos,
colocando em xeque a democracia.

1. O ESTADO COMO CONDEN S AÇ ÃO DE FORÇ AS

Não é possível pensar o capitalismo sem Estado. Seria uma ideia


metafísica descolada da realidade concreta simplesmente porque nunca
existiu. Qualquer sociedade fundada em relações hierárquicas ou desiguais
precisa de um Estado que lhe dê coesão, que internalize as relações de
poder necessárias para a sua constituição como sociedade. É a estrutura de
poder que garante as formas de extração e acumulação de riqueza em
sociedades hierarquizadas e desiguais. É a forma política que organiza a

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 20
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

sociedade e permite sua coesão ao centralizar o conflito social, a disputa


pela riqueza, no Estado.
Se poderia dizer que quanto mais desigual é a estrutura social, mas
arraigada é a disputa pela riqueza social, mais forte e organizado deve ser
o aparato de Estado para manter a coesão e garantir e o funcionamento do
sistema, o processo de reprodução social. “Que não se possa compreender
o poder como violência (e sua forma última: o Estado centralizado), sem
conflito social, é indiscutível. [...] o poder político [supõe] a diferenciação
social” (CLASTRES, 1986, p.19). Talvez só uma sociedade imaginária sem
classes sociais, sem relações de poder seria possível sem Estado. É o Estado
que organiza a relação de poder e dominação que emerge da sociedade
concreta, que se estrutura a partir da forma como a sociedade se organiza
para produzir e reproduzir sua existência social a partir de desiguais.
O Estado capitalista tem sua existência definida a partir de
relações sociais específicas de poder e disputa pela riqueza social. Derivado
da forma específica de organização da reprodução social, se constitui
historicamente por dentro das relações de poder que se materializam no
controle dos meios de produção. É “nas relações de produção capitalista
[que] se dá [...] a organização social” que “separa produtores diretos dos
meios de produção” (MASCARO, 2013, p.18).
Como um conceito geral, o Estado capitalista é o resultado de uma
“condensação de forças” que se formam no seio das relações sociais e que
se estruturam em seus aparelhos e instituições. “Não é pura e
simplesmente uma relação; é uma condensação específica de uma relação
de forças entre as classes sociais” (POULANTZAS, 1985, p.148). São as
forças sociais em disputa que constituem e estruturam a forma de poder, o
Estado, responsável e necessário para organizar essas disputas. O Estado é
o resultado da desigualdade e da disputa. É o aparato de Estado, seus
aparelhos, sua burocracia, as instituições que fornecem o véu necessário
para a produção e a acumulação de riqueza na forma específica capitalista.
São em seus aparatos que “a ideologia dominante que o Estado reproduz e
inculca”, com a função de “constituir o cimento interno de seus aparelhos
[...]” (POULANTZAS, 1985, p.179), que garantem a reprodução social na

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
21 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

forma capitalista. “O Estado é [...] um momento de condensação de relações


sociais específicas, a partir das próprias formas de sociabilidade”
(MASCARO, 2013, p.19) constituídas materialmente nas pelas relações
sociais concretas.

Em uma formação social, composta por numerosas


classes sociais, e em particular, em uma formação
capitalista, onde a classe burguesa está
constitutivamente dividida em frações de classe, o
terreno da dominação política não é ocupado por uma
só fração de classe. É por uma aliança específica de
várias classes e frações de classe – aliança que em
outro lugar designei pelo termo bloco no poder. Assim,
as contradições entre as classes e frações de classe
dominantes assumem, muitas vezes, uma importância
determinada no que concerne às formas de Estado e
de Regime. [...] o bloco no poder, como acontece em
qualquer aliança, não é normalmente composto por
classes ou frações de classe de importância igual,
partilhando entre si pedaços do poder. Ele só pode
funcionar regularmente na medida em que uma classe
ou fração dominante impõe uma dominação particular
aos outros membros da aliança no poder, em suma: na
medida em que ela lhes consegue impor a sua
hegemonia e cimentá-los sob sua égide.
(POULANTZAS, 1976, p.78-79).

O Estado só está separado da lógica e das forças que o constitui e


estrutura – as relações reais de produção – na aparência. Aparecer como um
terceiro, um outro, um ser externo é central para os mecanismos de
controle. Sem essa mediação, “sem o Estado, o domínio do capital sobre o
trabalho seria um domínio direto” (Mascaro, 2013, p.18). O Estado, como
outro, impessoal, sem aparentemente representar nenhum capital
individual, garante e mantém o controle e as relações de produção em
funcionamento. Não representa nenhum capital em particular, nenhum
capitalista em particular, mas o capital em geral, na medida em que
organiza as relações capitalistas de produção dentro das normas e dos
limites do capital, campo em que as frações de classe estão em disputa.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 22
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Fornece as bases jurídicas e legais para que o processo de produção e


acumulação de capital ocorra sem violência explícita. Assim, torna-se o
mecanismo totalizador que organiza a sociedade, organiza o movimento do
capital em geral num contraditório em relação aos interesses particulares.
“As determinações materiais diretas da ordem reprodutiva do capital são
totalmente complementadas pela abrangente estrutura política de
comando das formas estatais do capital” (MÉSZÁROS, 2015, p. 87).

O Estado moderno altamente burocratizado, com


toda a complexidade do seu maquinário legal e
político, surge da absoluta necessidade material da
ordem sociometabólica do capital, e depois, por sua
vez – na forma de uma reciprocidade dialética – torna-
se uma precondição essencial para a subsequente
articulação de todo o conjunto. Isso significa que o
Estado se afirma como pré-requisito indispensável
para o funcionamento permanente do sistema do
capital, em seu microcosmo e nas interações das
unidades particulares de produção entre si [...].
(MÉSZÁROS, 2002, p.108).

Como representante do capital em geral, o Estado tem sua


existência determinada pela disputa dos capitais individuais sobre riqueza
social por um lado, e por outro, pela relação desses capitais com os
trabalhadores. Assim não pode perder sua aparência de ente autônomo.

Na totalidade social, o primado do econômico não se


faz à custa do político, mas, pelo contrário, é realizado
em conjunto, constituindo uma unidade na
multiplicidade. Tampouco essa totalidade é de
vetores causais aleatórios, como se o político gerasse
o econômico ou vice-versa. Trata-se de uma totalidade
Estruturada. (MASCARO, 2013, p.27).

Dessa forma, o Estado só está separado da lógica do processo de


acumulação, do capital em geral, em sua aparência. É necessária essa
separação para que os mecanismos de controle funcionem, para que tenha

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
23 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

o poder de garantir a eficiência da acumulação de capital. Toma corpo como


um terceiro, com uma burocracia aparentemente técnica, independente e
superior aos conflitos sociais concretos. Esta burocracia aparece como se
fosse desprovida de ideologia, ganha respeitabilidade e torna-se o
organizador do sistema, como braços do Estado torna sua ação concreta.
Na verdade, a burocracia estatal, como categoria social e não como classe
social específica, é “definida por sua relação com os aparelhos de Estado”
com o papel de realização de determinada ideologia que está acima dela,
elaborada pela fração de classe que constitui o bloco de poder
(POULANTZAS, 1976, p.26) em determinado momento. Apesar dessa
aparente ‘superioridade’ sobre os reais e concretos conflitos sociais, é para
dentro do Estado que esses conflitos se transportam. Assim, abriga e se
forma em determinado tempo e lugar da fração de classe que constitui o
bloco de poder.
Apesar da aparente autonomia que os aparelhos de Estado
buscam demonstrar, em cada tempo e lugar eles representam os interesses
de classe hegemônicos, que nunca são estanques ou livres de disputa, mas
que constituem, em cada momento, o bloco hegemônico de poder que
determina a ação concreta do Estado. É por dentro do Estado que se realiza
o poder. O Estado organiza e reproduz a hegemonia das frações de classe
em disputa ao fixar um campo variável de compromissos, ao impor aos
grupos sociais ou classes determinados sacrifícios com o fim de permitir a
reprodução do capital em geral, sem abandonar as relações sociais de
conflito que o constituem. É o espaço de manifestação dos conflitos entre
as frações do capital, frações de classe, levados ao interior do Estado.
Materializa-se a partir das disputas que lhe dá forma ao invadir seus
aparatos, suas estruturas e instituições sob o comando do bloco de poder,
as frações de classe social que controlam, mesmo que de forma precária e
temporária, os aparelhos de Estado. Assim, possui especificidade em sua
constituição porque é formado por frações de classe que ganham
hegemonia a partir das lutas sociais concretas e, assim, constituem o bloco
no poder. Tomar o poder é controlar os aparelhos de Estado e seus braços
burocráticos.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 24
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

“Não há um conjunto institucional padrão para a forma política


estatal. É um engano, por exemplo, associar estruturalmente capitalismo a
Estado democrático de direito”, a forma política estatal é determinada pelo
típico arranjo de classes que pode variar da democracia a ditaduras fascistas
(Mascaro, 2013, p.32-3). O único ponto unificador e que está na própria
razão de ser do Estado é seu papel como elemento central na contínua
reprodução do capital em geral. Em momentos de crise, quando não
cumpre essa função, o bloco no poder pode ser destituído.
Se o Estado capitalista é assim constituído, parece claro que as
forças de poder real se estruturam na relação entre o econômico e o
político, nunca desvinculados. O poder econômico está diretamente
relacionado ao poder político das frações de classe no bloco de poder que
determina sua ação concreta. O Estado é “atravessado necessariamente
pela [...] dinâmica das relações sociais em disputa. Instituições do Estado
podem ser apropriadas ou influenciadas de forma majoritária por pressões
de grupos ou classe específicas, fazendo com que a política estatal seja
amplamente favorável aos seus interesses” (MASCARO, 2013, p.47). O
poder de determinada classe ou grupo de interesse por dentro do Estado
se materializa no controle necessário sobre seus aparelhos, sobre a
burocracia, sobre a estrutura aparentemente autônoma, mas que realiza as
políticas econômicas e sociais concretas. Assim, não é o enfraquecimento
ou a dissolução do Estado que realmente interessa às frações de classe, mas
o controle dos aparelhos e da burocracia para, em um ambiente
aparentemente técnico democrático, implantar ou defender políticas
econômicas e sociais de seu interesse. O capital em sua forma material, a
corporação, precisa do Estado, precisa estar dentro dele.

O estabelecimento da política do Estado deve ser


considerado como resultante das contradições das
classes inseridas na própria estrutura do Estado. [...] o
Estado é o lugar de organização estratégica da classe
dominante em sua relação com as classes dominadas.
É um lugar e um centro de exercício do poder, mas que
não possui poder próprio. (POULANTZAS, 1985, p.152-
162).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
25 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Portanto, no capitalismo, o Estado é o lugar do exercício do poder


de controle sobre o processo de acumulação de capital. É o lugar onde são
definidas as estratégicas e as políticas econômicas que organizam a
acumulação de capital.
O processo histórico de acumulação de capital concentra e
centraliza capital constituindo grandes corporações transnacionais que
atuam mundialmente, mas que se localizam em diferentes espaços
geográficos (Estados) segundo suas estratégias de acumulação e controle.
As corporações se centralizaram e se transnacionalizaram, os Estados
continuam dispersos e locais. As corporações precisam dos Estados
nacionais para seu contínuo processo de ocupação e reocupação do espaço.
Por isso, como frações de classe que representam, precisam adentrar os
aparelhos de Estado para garantir as políticas sociais e econômicas
amigáveis.

As grandes corporações têm surgido como


instituições controladoras predominantes no planeta,
como as maiores dentre elas alcançando virtualmente
todos os países do mundo e superando em tamanho e
poder muitos governos. Progressivamente, mais do
que o interesse humano, é o interesse das grandes
corporações que define as agendas políticas dos
Estados e dos organismos internacionais [...].
(KORTEN, 1996, p.70).

2. A DEMOCR ACI A E O CON TROLE SOCI AL

A dispersão jurídica das classes sociais em indivíduos por hipótese


iguais, sem classe, com direitos e formas de representação iguais, faz com
que o Estado tome a aparência de representante geral de indivíduos
isolados, todos com poder soberano sobre ele. Ou como apontava
Schumpeter, os eleitores aparecem como consumidores dispersos em um
mercado em concorrência perfeita e os políticos como produtos a serem

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 26
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

escolhidos em uma “loja de departamentos” (SCHUMPETER, 1961, p. 344).


Essa aparência fortalece a ideia pouco real do Estado como autônomo que
representa interesses de indivíduos dispersos, quando na verdade
constitui-se como representante não de indivíduos, mas de interesses de
grupos ou classes sociais organizadas. Essa individualização permite ao
Estado se apresentar como representante de interesses coletivos
democraticamente definidos.
A dissolução das classes sociais em indivíduos – capitais individuais
(empresas) e trabalhadores – fornece ao Estado a aparência de
representante de indivíduos e não o que realmente é: o resultado da
condensação de frações de classe em conflito com diferentes graus de
poder sobre a riqueza e sobre a política que estrutura e reestrutura o bloco
de poder e sua hegemonia. De um lado, como indivíduos isolados estão os
trabalhadores dispersos ou pouco organizados se não possuem sindicatos
fortes; de outro estão os representantes do capital, corporações, empresas
e bancos que constituem as frações de classe que disputam o espaço dentro
do Estado. Estes últimos se organizam institucionalmente (CARROLL,
2010).
A democracia formal tem a função de manter essa aparência de
que o controle sobre o Estado é exercido por um povo soberano constituído
de indivíduos dotados de igual poder. O controle do Estado por meio de
estruturas burocráticas em função do bloco no poder é garantido sob a
aparência de ente coletivo técnico, que seria superior à massa social. Assim,
se de um lado os indivíduos são fracionados pela lógica da estrutura
política, de outro lado o capital, as grandes corporações, tornam-se cada
vez mais organizadas e estruturadas para disputar e ocupar de forma
precisa o bloco de poder no controle do sistema.

Na democracia capitalista, a separação entre a


condição cívica e a posição de classe opera em duas
direções: a posição socioeconômica não determina o
direito à cidadania – e isso é o democrático na
democracia capitalista – mas, como o poder capitalista
de apropriar-se do trabalho excedente dos
trabalhadores não depende de condição jurídica

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
27 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

privilegiada, a igualdade civil não afeta diretamente


nem modifica significativamente a desigualdade de
classe – e é isso o que limita a democracia no
capitalismo. As relações entre capital e trabalho
podem sobreviver até mesmo à igualdade jurídica e ao
sufrágio universal. Nesse sentido, a igualdade política
na democracia capitalista não somente coexiste com a
desigualdade socioeconômica, mas a deixa
fundamentalmente intacta. (WOOD, 2003, p.184).

A democracia formal encobre as verdadeiras relações de poder


que constituem o próprio Estado em sua forma capitalista. Essas relações
de poder são materialmente constituídas, relacionando poder econômico e
político que, como antes afirmado, nunca estão descolados. Claro, a
depender da capacidade de organização política em grupos fortes de
representação social, trabalhadores organizados poderiam adentrar a
disputa política e ocupar espaços importantes via democracia formal,
dentro das “formas previstas e nos termos jurídicos e políticos dados”
(MASCARO, 2013, p.87), mas nunca podem subverter a lógica política
estruturada que determina a sociedade, sem fugir da “regra política” que
em última instância garante a estrutura e papel do Estado como capitalista.
Quando essa forma política é ultrapassada ou o Estado é usurpado em sua
função como Estado capitalista, representante do capital em geral e
responsável pela preservação do processo de reprodução do sistema,
quando se “põe em xeque a reprodução social” rompe-se o jogo
democrático.

A democracia no capitalismo é sempre dinâmica e


instável nesses espaços que extravasam para além do
controle imediato da burguesia. Daí que a
possibilidade de involução democrática é uma
constante natural dos sistemas sociais assentados
sobre as formas sociais capitalistas [...] [um] ditador,
nessas situações, pode [...] atender politicamente aos
interesses da maioria das classes burguesas.
(MASCARO, 2013, p. 89).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 28
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Isso significa que a estrutura democrática no capitalismo está


assentada em limites impostos pelo próprio capital e não pode sair deles.
Quando, por qualquer descuido democrático, os interesses da acumulação
são colocados em xeque, as frações de classe que representam esses
interesses atuam no seio da própria disputa dentro das estruturas do
Estado ou de fora para modificá-lo. Se não for possível alterar por dentro,
formas radicais podem ser adotadas.

Os Estados Unidos são [...] certamente o país onde a


retórica da governança democrática é mais
grosseiramente desmentida pela realidade política
plutocrática e cleptocrática. Depois que o Tribunal
Supremo permitiu que empresas financiassem
partidos e campanhas [...] a democracia recebeu seu
golpe final. A agenda das grandes empresas passou a
controlar totalmente a agenda política: da
mercantilização total da vida ao fim dos poucos
serviços públicos de qualidade; da eliminação da
proteção do meio ambiente e dos consumidores à
neutralização da oposição sindical; da transformação
da universidade num espaço de aluguel para serviços
empresariais à conversão de professores em
trabalhadores precários e dos estudantes em
consumidores endividados por toda vida; da
submissão da política externa aos interesses do
capital financeiro global à incessante promoção da
guerra para alimentar o complexo industrial-
securitário-militar. (SOUZA SANTOS, 2016, p.107).

Indo um pouco mais além, dada a própria estrutura do Estado


como condensação de forças em permanente disputa, bem como diante
dos riscos impostos à democracia formal mesmo com todos os seus
mecanismos de controle jurídico e institucional, o capital e as frações de
classe que o representa em cada momento deve ocupar os aparelhos de
Estado. São os Estados dispersos que em cada espaço local organizam e
permitem o processo de acumulação de capital por meio de suas políticas

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
29 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

econômicas e sociais. A corporação, sujeito concreto do capital, precisa se


apropriar dos mecanismos de controle para garantir sua reprodução. As
políticas liberalizantes das décadas de 1980 e 1990 marcam uma
determinada forma de controle sobre os aparelhos de Estado por
determinada fração de classe.

Os programas neoliberais da geração passada


concentraram riqueza e poder em um número bem
menor de mãos ao mesmo tempo em que arruinaram
a democracia vigente [...]. A democracia acabou sendo
debilitada à medida em que a tomada de decisão
deslocou-se para Bruxelas [...] o poder efetivo de
moldar os eventos foi em larga medida deslocado das
mãos dos líderes políticos nacionais para o mercado,
as instituições da EU [União Europeia] e as grandes
corporações. (CHOMSKY, 2017, p. 298-9).

“Hoje, os direitos das corporações transcendem aos dos meros


humanos” (CHOMSKY, 2017, p.120)

3. A CORPOR AÇ ÃO COMO BR AÇO REAL DO


C API TAL

As corporações constituem-se como um conjunto de empresas


produtivas e financeiras atadas entre si com um centro de controle. A
conexão entre as empresas e o controle pode ser por relações de
propriedade, participação acionária, ou/e por relações contratuais de
fornecimento (vertical) bem como de direitos de licenciamento para a
fabricação de determinados produtos (horizontal). Terceirização,
Outsourcing, fornecimento por terceiros ou concessão de direitos
contratuais para outras empresas sem relação de propriedade podem ser
formas de relação de controle por contratos. Chesnais (1996, p.33) já
apontava que “os grupos industriais tendem a se organizar como
‘empresas-rede’. As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 30
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de complexas modalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes


grupos a conciliar a centralização do capital com a descentralização das
operações [...]”. As relações de controle pela propriedade são as mais
visíveis, enquanto as relações controle por contratos firmados entre
empresas independentes são difíceis de serem detectadas.
Willianson, partindo da questão dos custos de transação,
demonstra como as empresas se interligam por sistemas baseados em
contratos dentro da cadeia de valor, em processos de verticalização
(WILLIANSON, 1985, caps. 4, 5 e 11). É uma forma eficiente de
descentralizar o processo decisório e diminuir os custos da administração
sobre unidades dispersas mantendo, ao mesmo tempo, o controle
centralizado. Cada unidade se comporta de forma independente, mas
interligada contratualmente. Como aponta Cohen, nesse sentido:

Corporation is no more than a web of contracts and


other legal documents that tie together various
parties to a specific company. In a broader legal term,
a corporation (as distinct from a sole proprietorship or
a partnership) is a freestanding entity separate from
its owners. (COHEN, 2007, p.28).

Pode-se dizer que essa forma de organização da grande


corporação permite um controle estratégico centralizado, eleva a
capacidade de planejamento em meio à produção ou comercialização
descentralizada. Essa é a forma mais moderna de centralização de capital
ao garantir o controle sem envolver a propriedade. A descentralização
(WILLIANSON, 1985, p.296) também permite que a corporação cresça e se
espalhe em unidades produtivas pelo mundo sem os limites
administrativos. A corporação torna-se um “enclave” que permite o
planejamento cujo objetivo é controlar empresas relacionadas “a exemplo
do que se passa com os pequenos fabricantes e fornecedores de
componentes para automóveis produzidos para grandes multinacionais
[...]” (HODGSON, 1994, p.199).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
31 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Já era conhecido o fato de que a descentralização da produção ou


vendas em unidades independentes facilita o controle estratégico central.
“Descentralização não é o contrário da centralização”, ao contrário, “leva a
centralização a um nível superior” (HYMER, 1978, p. 79). Com o
desenvolvimento das corporações por esses mecanismos “aumentou
enormemente sua capacidade para planejar em um nível mais alto [...]
cobrindo horizontes de tempo mais prolongados em um espaço geográfico
mais amplo” (HYMER, 1978, p. 79). O controle é centralizado, enquanto que
a estrutura operacional pode estar espalhada estrategicamente em
qualquer lugar do planeta (ver HYMER, 1978, p.81). Willianson e Cohen
mostram como hoje esse controle ocorre contratualmente. “A Growing
number of major companies in the high-tech sector contract out –
outsource – to specialized assemblers and manufacturers” (COHEN, 2007,
p.84).
As relações contratuais constituem formas de controle da cadeia
de valor tanto para trás, (matérias primas) como para frente (produto final).
“A mais comum versão dos investimentos diretos estrangeiros (IDE) é a
divisão do processo de produção em segmentos que distribui a produção
de diferentes partes do produto final em uma ou mais empresas
subsidiárias em um ou mais países em qualquer lugar do mundo [...]”
(COHEN, 2007, p.72). No setor automobilístico, por exemplo, o núcleo de
controle da cadeia está nas montadoras finais dos veículos, sendo que a
produção de partes peças e componentes pode estar espalhada no entorno
ou em algum outro país; no setor de confecções, o centro de controle está
na comercialização final dos produtos que distribuem sua produção por
países periféricos de mão de obra barata; no setor de commodities
agrícolas, o controle está nas empresas fornecedoras de adubos e
sementes híbridas, muitas delas também detém o controle da
comercialização. As corporações transnacionais “have been developing
globally integrated competitive strategies” (DICKEN, 1992, p. 144). “The
Constant capital ([productive] assets), variable capital (employment) and
commodity capital (sales) are located outside of its national domicile – that is,

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 32
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

the extent to which It accumulates capital in circuits that are transnational


[…]” (CARROLL, 2010, p.91).
A moderna corporação é um fenômeno que se consolida a partir
da segunda guerra na figura da empresa transnacional. É o resultado dos
processos de acumulação, concentração e centralização de capital que
ocorreram em cada espaço de acumulação, em cada Estado, em cada lugar,
como resultado da acumulação ampliada, e que se expandiu para o mundo
a partir da estrutura institucional (acordos de Bretton Woods) criada no
pós-guerra, e que se reproduz em escala global. Esses processos são o
resultado da natureza expansiva de cada capital individual (empresa,
corporação) que acumula uma massa de valor e que deve, de forma
constante, manter em valorização, recolocando-o no processo de produção.
Concretamente isso significa que cada capital individual, à medida de seu
sucesso em acumular, necessita crescer e ampliar sua base de criação de
valor constantemente. Cada empresa possui uma massa de lucros que
precisa reinvestir e, por isso, se expande continuamente sobre si mesma,
cresce, no que se denomina “processo de concentração de capital”, mas
também cresce sobre os outros capitais individuais por fusões, aquisições e
outras formas de controle, no que se chama “processo de centralização de
capital”. Esses processos conjuntos caracterizam a natureza expansiva de
cada capital individual na formação de monopólios e oligopólios, na
constituição das modernas corporações transnacionais.
Se esses processos já marcavam o movimento do capital no século
XIX em espaços locais, a partir da segunda guerra mundial tornam-se
globais. Assim, marca-se entre as décadas de 1940-70 um processo
expansivo do capital por investimentos diretos estrangeiros cruzados entre
Europa e EUA e, a partir desses centros, para países da periferia relevantes
(principalmente na América Latina). Em analisando esse movimento, Palloix
(1974) o denomina “internacionalização do capital”.
A partir da crise dos anos 1970, as corporações alteram sua
estratégia por uma onda de reestruturação global de capital. As políticas de
liberalização financeira e comercial defendidas por elas precisam adentrar
os aparelhos de Estado nos anos 1980-90, período de consolidação do

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
33 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

neoliberalismo. Essas políticas permitem a onda de reestruturação


produtiva mundial que envolve fusões e aquisições ao redor do planeta,
bem como a redistribuição e centralização de unidades produtivas em
determinados lugares (ver DIKEN, 1992; SKLAIR, 2001, p.75). Trata-se do
processo de centralização do capital agora global (COHEN, 2005, p.75),
como antes apontado. As políticas de liberalização comercial e financeira
defendidas durante a década de 1980 adentram os aparelhos de Estado e
sua burocracia que passa a ser dominada por economistas formados nas
teorias liberalizantes oriundas das críticas às políticas keynesianas
(ortodoxas) de administração da demanda agregada que prevalecia até os
anos 1970. As políticas neoliberais tornaram-se realidade ativa no mundo
(Wood, 2003, p. 49). A mundialização de capital dos anos 1990 se caracteriza
por processos de integração vertical da cadeia produtiva que garante um
melhor controle dos processos e mercados.

MNCs [multinational corporations] are huge


organizations with considerable control over
economic resources; they are not just business firms,
but the most complex and most highly developed
organizations in world capitalism, operating in the
most important branches and the most highly
concentrated sectors of the economy. These giant
firms and their global strategies have become major
determinants of trade flows and of the location of
industries and other economic activities […]. These
firms […] have become major players not only in
international economic but in international political
affairs as well. (COHEN, 2007, p. 53).

Segundo Carroll, entre os anos 1990 e 2000, a centralização de


capital fortaleceu a interconexão estratégica entre as grandes corporações
transnacionais dentro de um espaço centralizado de controle no Atlântico-
norte. This “[…] suggests that corporate interlocking and successful capital
accumulation are mutually reinforcing process, and that, particularly in
Europe transnational networking makes a difference. Highly networked firms
tend to remain near the top of the global corporate hierarchy and the boards

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 34
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

of firms that have managed to stay near the top […]” (CARROLL, 2010,
p.100). As 500 maiores corporações são todas transnacionais com seus
escritórios de controle centralizados na Europa e EUA. Essas grandes
corporações controlam um enorme conjunto de subsidiárias, produtivas e
comercias, espalhadas pelo mundo. Em 2015 faturavam US$ 30 trilhões,
cerca de 40% do PIB mundial apenas contando-se diretamente a relação
matriz-filial, portanto, sem contar o controle contratual. Segundo Cohen
(2007), tomando-se os dados de 2005, “77,000 multinational companies [...]
operate 770,000 individual foreign subsidiaries and affiliates” (COHEN, 2007,
p.63).

If educated guesses about the value added of MNCs in


their home countries are combined with the
estimated value added of their overseas subsidiaries,
companies having a multinational presence probably
accounted for between 50 and 80 percent of the
world’s industrial output in the early 2000s. (COHEN,
2007, p.56).

Essas corporações se fortaleceram e se centralizaram com apoio


de um aparato paraestatal institucional criado e administrado por elas
próprias e que vem se fortalecendo desde o pós II Guerra Mundial que
Carroll afirma constituir o que chama de “policy groups”.

The corporate-policy network is highly centralized [...].


Its inner circle is a tightly interwoven ensemble of
politically active business leaders; its organization
core includes the Trilateral Commission, the
Bilderberg Conference, the European Round Table of
industrialists and the World Business Council for
Sustainable development. […] The North-Atlantic
ruling class remains at the centre of the process.
(CARROLL, 2010, p.201).

Estas instituições abriram caminho político para a


transnacionalização do capital. São instituições privadas criadas pelas

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
35 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

corporações transnacionais que atuam em uníssono para levar ao mundo,


aos governos dispersos, para dentro dos aparelhos de Estado, as políticas
que lhes garantem a reestruturação mundial de capital em centralizações,
a acumulação de capital com controle centralizado. Carroll analisa em
detalhes o funcionamento e a origem dessas instituições. Mostra como
estão interconectadas e localizadas e como as maiores corporações
transnacionais, as 500 maiores, controlam-nas por meio da ocupação de
cargos por seus executivos. Destaca o papel dessas instituições na
estruturação da ideologia neoliberal que define as políticas e as estratégias
por dentro dos aparelhos de comando dos Estados nacionais,
subordinando-os à lógica do processo mundial de acumulação de capital e
ao processo de centralização.

[…] by the closing of twentieth century a well-


integrated transnational corporate community had
formed, and that neoliberal policy groups, themselves
vehicles of globalization, were instrumental in its
formation. […] They educate publics and states on the
virtue of the neoliberal paradigm. In short, they are
agencies of political and cultural leadership, whose
activities are integral do the formation of a
transnational capitalist class. (CARROLL, 2010, p.54-
55).

Os Estados nacionais estão dispersos, enquanto as corporações


transnacionais criaram instituições que as unificam, que formulam políticas
e estratégias globais, instituições que defendem seus pontos de vista e os
disseminam nos encontros e reuniões anuais que juntam no mesmo espaço
executivos, políticos e seus intelectuais orgânicos (principalmente
economistas).
O capital transnacional está organizado centralmente, os Estados
não. Essa dispersão de forças torna mais fácil o controle sobre os Estados
que aparecem como concorrentes dispersos disputando a atração das
corporações transnacionais para seus territórios. Como afirma Michalet
tratando dos Estados do centro, “[…] l’Etat […] deviant un simple facilitateur

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 36
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de l’activité des enterprise” (MICHALET, 1999, 129-30). O domínio do capital


sobre a política local, pela dispersão, torna-se mais forte. Assim, por atuar
de forma organizada é capaz submeter aos seus objetivos tanto os Estados
do centro como os periféricos.

Transnational policy-planning bodies like the


European Round Table of industrialists have come to
play important roles in the constructing the consensus
within business communities that enables corporate
capital to project influence in political and cultural
domains that transect national borders. […] such
groups comprise a multi-organizational field, within
what has been called global civil society, from which
have emanated visions and policy proposals of a
broadly neoliberal character. (CARROLL, 2010, p.179).

As organizações que subsidiam o capital têm por objetivo abrir o


espaço para a acumulação ampliada mundial, para sua reestruturação, sem
deixar – ao contrário, busca impedir – que ações contra-arrestantes ou em
defesa do interesse nacional, ações que historicamente fizeram parte da
própria natureza do Estado nacional capitalista, atuem para administrar as
contradições internas do próprio processo de acumulação de capital. As
forças contra-arrestantes se enfraquecem e os próprios Estados passam a
atuar em cada espaço local para o interesse do capital transnacional.
O Estado capitalista sempre atuou como regulador do processo de
acumulação, como regulador dos contratos que permitem a apropriação do
valor criado socialmente e sua reaplicação no processo de acumulação
(WOOD, 2014, p.106). Mantém essa atividade, mas tem agora sobre sua
cabeça e dentro de seus braços burocráticos, intelectuais orgânicos
formados nas grandes universidades da Europa e EUA, principalmente
economistas ortodoxos, que atuam como “técnicos” na formulação de
políticas econômicas defendidas por essas instituições transnacionais sob o
controle do capital transnacional. Esse capital pressiona os Estados por
meio dessas organizações para garantir seu espaço para acumulação sem
limites. As “corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
37 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

reguladoras [Estados] estão fragmentadas em 200 países” (DOWBOR,


2017, p.47), e, por isso, têm poder de interferir política e ideologicamente
sobre eles.
O poder sobre os Estados fica claro quando as corporações Norte-
americanas com negócios na China forçam o Governo dos EUA a abandonar
“silenciosamente suas políticas de condicionalidade” que impunham
restrições econômicas ao Governo de Pequim, forçando o governo Clinton
em 1994 a suspender as medidas contra a China (veja KISSINGER, Sobre a
China, 2011 p.451). A mesma lógica pode ser vista no documentário “The
Brussells Business: Who runs Europe”2 que mostra o trabalho de lobby das
grandes corporações sobre o Parlamento Europeu.

[...] os analistas do pensamento dominante observam


despreocupadamente que “as grandes empresas
controlam totalmente a máquina de governo”
([palavras de] Robert Reich), reiterando a observação
de Woodrow Wilson [...] de que “os donos do governo
dos Estados Unidos são os capitalistas industriais
associados. (CHOMSKY, 2006, p.230).

CONCLUS ÃO

Como resultado do processo histórico de acumulação,


concentração e centralização de capital, a grande corporação se tornou
transnacional. Isso significa que, como estrutura empresarial produtiva e
financeira ultrapassou as fronteiras nacionais. Algumas delas perderam
neste processo inclusive sua nacionalidade por processo de fusão,
aquisição, jointventure.
Os Estados continuam nacionais e permanecem essenciais ao
processo de acumulação de capital em suas diferentes fases tanto de
expansão como de retração. O capital como frações de classe que

2 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QFevdq4wZRw>. Acesso em


jan. 2018.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 38
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

constituem blocos no poder sempre esteve dentro da estrutura do Estado,


de seus aparelhos, materializando a simbiose entre econômico e político. A
lógica do clássico imperialismo já demonstrava essa relação.
Como resultado da própria natureza do processo de acumulação,
concentração e centralização que caracteriza o movimento do capital no
capitalismo, a corporação tornou-se cada vez mais forte e transnacional.
Organizou-se, nesse processo, inclusive em torno de instituições que
tornaram mais explícito e eficiente seus mecanismos de pressão e controle
sobre os aparelhos de Estado, de todos os Estados. As políticas
liberalizantes que caracterizaram os anos 1990 e a primeira década de 2000
demarcam essa relação entre capital e Estado. O capital penetrou as
estruturas do Estado.
Nesse contexto, pela estrutura constitutiva do próprio Estado
capitalista, a democracia como se apresenta não é e não pode ser
substantiva porque delimitada em um espaço formal, institucional, nos
marcos da ação do Estado para a reprodução da sociedade capitalista. As
formas de organização social atuais, as formas da democracia nesses
marcos tornam muito difícil uma democracia representativa substantiva,
uma democracia que “parte do Homem e faz do Estado o Homem
subjetivado, [...] onde o homem não existe em razão da lei, mas a lei existe
em razão do homem [...] [onde] a constituição, a lei, o próprio Estado, é
apenas uma autodeterminação de um conteúdo particular de povo [...]”. O
autor ainda completa afirmando que “[...] na verdadeira democracia o
Estado político desaparece [...]” (MARX, 2005, p.50-1). Ou, como diz
Boaventura de Souza Santos, “Radicalizar a democracia significa intensificar
sua tensão com o capitalismo” (SOUSA SANTOS, 2016, p.126).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
39 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARROLL, W.K. The Making of a Transnational Capitalist Class: corporate


power in the 21st century. ZLondo-New York: Zed Books, 2010.

CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1995.

CHOMSKY, N. Os Estados fracassados: o abuso do poder e o ataque à


democracia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

CHOMSKY, N. Quem manda no mundo? São Paulo: Planeta, 2017.

CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco


Alves, 1986.

COHEN, E.D. Multinational Corporations and Foreign Direct Investment:


avoiding simplicity, embracing complexity. New York: Oxford, 2007.

DICKEN, Peter. Global Shift: the internationalization of economic activity.


London: Paul Chapman Publishing, 1992.

DOWBOR, L. A era do capital improdutivo: a nova arquitetura do poder;


dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São
Paulo: Outras Palavras, 2017.

HODGSON, G. Economia e Instituições: manifesto por uma economia


institucionalista moderna. Portugal – Oeiras: Celta, 1994.

HYMER, S. Empresas Multinacionais: a internacionalização do capital. Rio de


Janeiro: Graal, 1978.

KISSINGER, H. Sobre a China. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

KORTEN, David C. Quando as corporações regem o mundo. São Paulo: Futura,


1996.

MARCARO, Alysson L. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.

MARX, Karl, Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo,


2005.

MÉSZÁROS, Istvan. A Montanha que Devemos Conquistar: reflexões acerca


do Estado. São Paulo: Boitempo, 2015.

MÉSZÁROS, Istvan. Para Além do Capital: rumo a uma teoria da transição.


São Paulo: Boitempo, 2002, p.108.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 40
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

MICHALET, C-A. La séduction des Nations ou comment attire les


investissements. Paris: Economica, 1999.

PALLOIX, Crhistian. As Firmas Multinacionais e o Processo de


Internacionalização. Lisboa: Estampa, 1974.

POULANTZAS, Nicols. Classes in Contemporary Capitalism. London: NLB,


1976.

POULANTZAS, Nicols. O Estado, o Poder, o Socialismo. Rio de Janeiro: Graal,


1985.

SKLAIR, L. The transnational capitalist class. Oxford-UK/Victoria-Australia:


Blackwell, 2001.

SOUSA SANTOS, Boaventura. A difícil democracia: reinventar as esquerdas.


São Paulo: Boitempo, 2016.

WILLIANSON, Oliver. The Economic Institutions of Capitalism. New York: The


Free Press/Macmillan, 1985.

WOOD, Ellen. Democracia Contra Capitalismo: a renovação do materialismo


histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.

WOOD, Ellen. O Império do Capital. São Paulo: Boitempo, 2014.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
41 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

A FI BRI A E O “NOVO” P APEL DO ESTADO NO


C API TALI SMO BR ASILEI RO: DO “ESTADO -
EMPRES ÁRIO” AO “ESTADO- EMPRESA”

FIBRI A AND THE "NEW" ROLE OF THE STATE IN


BR AZILI AN C API TALISM : FROM THE " STATE-
ENTREPRENEUR" TO THE "STATE- ENTERPRISE"

João Roberto Lopes Pinto1


Felipe Fayer Mansoldo2

RESUMO
O presente artigo foca as relações entre grupos econômicos e Estado no
Brasil contemporâneo, discutindo sobre o que seria um "novo" papel do
Estado no contexto pós-privatizações de consolidação do capitalismo
monopolista, examinando se e em que medida tais relações tem
representado uma prevalência dos interesses privados sobre os interesses
públicos através de uma colonização do direito público pelo direito privado,
e tendo por método analisar, a partir de um quadro teórico marxista, a
trajetória de relações entre o BNDES e a FIBRIA.

PALAVRAS-CHAVE: BNDES. Financiamento Público. Grandes corporações.

1 Professor da Escola de Ciência Política da UNIRIO, onde é coordenador do


ECOPOL/NELUTAS, e do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RJ. Doutor em
Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2004),
com doutorado sanduíche pela Universidade de Nanterre (Paris X). E-mail:
joaoroberto1967@gmail.com. Currículo Lattes disponível em:
<http://lattes.cnpq.br/1548806483243192>.
2 Professor Substituto de Direito Processual Civil da UFJF, Departamento de Direito
Público Formal e Ética Profissional. Pesquisador associado ao HOMA. Mestre em
Direito e Inovação, linha de pesquisa em Direitos Humanos, pela UFJF (2017). E-mail:
felipefmdir@gmail.com. Currículo Lattes disponível em:
<http://lattes.cnpq.br/2208552201295005>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 42
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

ABSTRACT
This paper focuses on the relations between economic groups and the
State in contemporary Brazil, discussing what would be a "new" role for the
State in the post-privatization context of the consolidation of monopoly
capitalism, examining if and to what extent such relations have represented
a prevalence of private interests over public interests through a
colonization of public law by private law, and having as a method to analyze,
from a theoretical Marxist framework, the trajectory of relations between
BNDES and FIBRIA.

KEYWORDS: BNDES. Public Founding. Large Corporations.

INTRODUÇ ÃO

As privatizações nos anos 90 do século passado introduziram


novas tendências no capitalismo brasileiro que seguem e aprofundam suas
feições desde então. Certamente, não se trata de um movimento inercial,
linear sem contradições, tensões e alterações de ritmo e direção ao longo
do período. Muito embora ainda se precise avançar na reflexão sobre a
reorganização capitalista nas últimas duas décadas, estudos recentes 3 são
indicativos de algumas destas tendências, das quais se destacam:

a) Mudança no padrão de atuação do Estado, como agente


econômico direto, atuando como Estado-empresário até meados dos anos
1980, para outro, em que o Estado assume um papel auxiliar na estrutura e
dinâmica dos negócios em proveito da consolidação de um capital
monopolista no Brasil.

3 Sobre estudos recentes que tratam da reorganização do capitalismo no Brasil ver


Boito, 2007; Pinto et alli, 2011; Lazzarini, 2011 e 2015; Garcia, 2012; Rocha, 2013;
Bugiato, 2016; e Campos, 2014 e 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
43 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

b) Formação de grandes grupos privados domésticos, de caráter


monopolístico, nos setores de commodities (mineração, siderurgia, papel e
celulose, alimentos e petroquímica), bancário e infraestrutura (rodovia,
ferrovia, geração e distribuição de energia) com forte presença do capital
público, via financiamento de bancos públicos e participações minoritárias
de empresas públicas e fundos institucionais nas firmas privatizadas
(notadamente, BNDES, Eletrobras, Petrobras, Previ, Petros e Funcef).
c) Domínio do capital financeiro sobre a estrutura de propriedade
destes grupos privados, por meio da atuação de grandes bancos, fundos de
investimento e holdings.
d) Desnacionalização de setores intensivos em capital, a exemplo do
setor de telecomunicações e eletroeletrônicos; e presença estrangeira
minoritária, mas crescente, nos setores de commodities, bancário e
infraestrutura.
e) Internacionalização do capital por grupos privados constituídos no
pós-privatização, contando normalmente com o apoio do Estado e sendo
realizada por meio de fusões e aquisições, joint-ventures, lançamento de
ações em praças estrangeiras.

O presente artigo, resultado de uma parceria entre os grupos de


pesquisa ECOPOL – “Estado, grupos econômicos e políticas públicas no
Brasil” da UNIRIO e o HOMA – “Centro de Direitos Humanos e Empresas” da
UFJF, discute a relação do BNDES com a FIBRIA, maior produtora de papel
e celulose do mundo, constituída a partir da aquisição da Aracruz Celulose
pela Votorantim Industrial, em 20094. Na verdade, a trajetória da Aracruz
até a sua aquisição pela Votorantim e o papel desempenhado aí pelo BNDES

4 Pesquisa que envolveu as professoras Manoela Roland (UFJF) e Sílvia Pinheiro


(FGV-RJ) e o professor João Roberto Lopes Pinto (UNIRIO); os pesquisadores da UFJF
Luiz Carlos Silva Faria Jr, Felipe Fayer Mansoldo, Giulia Fardim, Enya Barros, Henrique
Machado e Guilherme Dominato; a pesquisadora da FGV-RJ Bianca Fortes Villaça; e
os pesquisadores da UNIRIO Lorena Lira, Gustavo Galvão Pedro, Lucas Nasra e Tayná
Paolino. Agradecimentos ao professor Rodolfo Noronha (UNIRIO) e aos
pesquisadores, também da UNIRIO, Fernanda Abi-Chain e Vinícius Valentim, que
fizeram a revisão do texto.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 44
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

se constituem em um claro exemplo das tendências acima descritas,


permitindo, assim, melhor compreendê-las, bem como uma maior
aproximação sobre o seu sentido e direção.

1. TENDÊNCI AS

A mudança no padrão de atuação do Estado no capitalismo


contemporâneo não é, como sabido, uma particularidade brasileira. Embora
a figura do “Estado-empresário” ou “Leviatã como empreendedor” –
instrumento, por excelência, de viabilização da infraestrutura e indústria de
base necessárias ao desenvolvimento capitalista –, ainda esteja presente
em muitas economias do mundo, percebe-se uma variação de tendência a
partir dos anos 1980. A onda de privatizações do final do Século XX, seja por
meio da venda de ativos em mãos do Estado seja por meio das parcerias
público-privadas, têm levado a um reposicionamento do Estado frente aos
agentes privados, que tendem, por sua vez, a uma elevada e crescente
concentração de poder econômico. Como afirma Sérgio Lazzarini:

O declínio do modelo em que o governo agia como


empreendedor, na condição de proprietário e gestor
de empresas, foi consequência de dois choques
macroeconômicos. Primeiro, com os choques do
petróleo vieram a inflação, os controles de preços e os
prejuízos das empresas estatais. Segundo, nos
Estados Unidos, o Federal Reserve reagiu à alta da
inflação na década de 1970 com o aumento radical da
taxa de juros, o que acarretou uma série de crises nos
países em desenvolvimento (LAZZARINI, 2015, p. 54).

Assiste-se a partir daí a introdução de novas variedades de


“capitalismo de Estado”, não mais centrado no “estado empresário”,
avançando para novas formas em que o Estado se preserva como acionista
controlador, possibilitando a participação de investimentos privados
(“Leviatã como investidor majoritário”), ou, ainda, como acionista

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
45 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

minoritário, renunciando ao controle das empresas em favor dos


investidores privados (“Leviatã como investidor minoritário”). Embora estas
formas de participação estatal não sejam inteiramente novas, elas tendem
a ser dominantes na relação público privado no contexto pós-privatizações.
As privatizações características do período não foram, portanto,
tão abrangentes quanto retrata a literatura. Em boa parte dos casos se
trataram de privatizações parciais, em que o Estado ou se manteve como
controlador ou como investidor minoritário. Esse foi o caso brasileiro, em
que por meio de empresas públicas e fundos de pensão o Estado se
manteve como sócio de empresas privatizadas.
O desenvolvimento do capitalismo no Brasil foi, como é
interpretação corrente na literatura, capitaneado pelo Estado, na figura do
“Estado desenvolvimentista”, assegurando, via estatais e processo de
“substituição de importações”, os investimentos necessários em
infraestrutura (transporte e energia) e na indústria de base e insumos.
Este modelo se aprofunda no contexto de associação ao capital
monopolista multinacional, que passa a investir nos setores de bens de
consumo duráveis (automotivo, eletroeletrônicos), particularmente após o
Golpe Empresarial-Militar de 64 (DREIFUSS, 1984). O capital privado
nacional, tradicionalmente vinculado ao setor de bens de consumo não
duráveis (têxtil, calçados, alimentos e bebidas), amplia sua atuação, sob o
patrocínio do Estado, nos setores de insumos básicos, peças e
equipamentos, construção civil e financeiro – configura-se aí o famoso
modelo do “tripé”, segundo a nomeação dada por EVANS (1977),
envolvendo o capital estatal e o privado (nacional e estrangeiro).
Com a crise do petróleo nos anos 1970, o crescente endividamento
público e a liberalização dos mercados esgota-se a via da “substituição de
importações” e do ativismo econômico do Estado em favor das
privatizações e da chamada “inserção competitiva” no capitalismo global. O
capital privado nacional e o estrangeiro avançam sobre o capital estatal
sem, contudo, dispensá-lo como sócio garantidor de seus negócios.
Nos últimos cinqüenta anos, a concentração e centralização de
capitais por certas frações da burguesia brasileira obedeceram, pois, a dois

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 46
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

padrões de acumulação, definidos em função de formas específicas de


inserção do Brasil no capitalismo global. Um primeiro, que se estende até o
início dos anos 80, caracterizado pelo modelo de “substituição de
importações”, com forte suporte e indução de políticas concentracionistas
e de um Estado empreendedor, respondendo aos espaços abertos pela
penetração do capital multinacional nos setores mais dinâmicos da
economia. Etapa de avanço da burguesia brasileira para além dos setores
tradicionais, em direção aos setores financeiros, de insumos básicos,
agroindústria e construção civil (CAMPOS, 2014).
A segunda fase seria marcada pelo esgotamento do modelo
anterior e sua transição em direção a um padrão de inserção internacional,
no contexto de liberalização econômica e globalização dos mercados
financeiros. Quando frações da burguesia brasileira que haviam alcançado
hegemonia no período anterior aprofundam ainda mais seu processo de
concentração e centralização por meio seja de fusões e aquisições em meio
à abertura de mercado; seja do controle, via privatizações, de grande
volume de ativos públicos, ao mesmo tempo em que seguem contando com
aportes do Estado, via participações societárias e crédito subsidiado
(ROCHA, 2013).
Com efeito, tais frações consolidam posições exatamente nos
setores anteriormente sob o comando do Estado, notadamente de
indústria pesada, insumos básicos, bancos, infraestrutura e energia, além
dos setores onde já possuíam força a exemplo da construção civil e
agroindústria5. Posições societárias compartilhadas, dispostas em cadeias
verticalizadas, piramidais, com o controle centralizado invariavelmente em
holdings, caracterizam as estruturas de propriedade dos grandes grupos
privados no pós-privatização. Outra característica destes grupos privados é

5 Como exemplos mais notórios destes grupos privados: Grupo Votorantim/FIBRIA,


Gerdau, Organizações Globo/Net, Cosan, Fundo Tarpon/Perdigão/Sadia,
Vicunha/CSN, Itaú/Eucatex/Brasileira Metalurgia & Mineração, Andrade Gutierrez, La
Fonte/Oi, Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Bradesco/Vale, Fundo Gávea
Investimentos, Grupo Ultra/Ipiranga, Banco Safra, JBS/Friboi/Seara/Vigor.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
47 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de que são de base familiar, ou seja, suas holdings controladoras são de


propriedade de membros de uma ou mais famílias6.
Suportadas por fundos públicos, como no caso do papel
desempenhado pelo BNDES, BNDESPAR e fundos de pensão das estatais,
as frações hegemônicas da burguesia brasileira teriam alcançado a partir
daí e, mais ainda, no contexto pós-crise financeira de 2008, um caráter
monopolista, mantendo com o capital transnacional posições
compartilhadas e/ou de divisão de mercado. Na última década, a chamada
política das “campeãs nacionais” representou o reforço das posições destas
frações monopolistas da burguesia brasileira no setor de commodities
(notadamente, mineração e siderurgia, papel e celulose, agronegócio),
onde teríamos “vantagens comparativas” no mercado globalizado.
Como decorrência desse caráter monopolista da burguesia
brasileira e também de políticas públicas nesta direção – por meio do
Itamaraty e BNDES –, assiste-se o processo recente e agressivo de
internacionalização ou multinacionalização de empresas brasileiras,
particularmente em direção à América Latina e África, exponenciado na
última década (GARCIA, 2013; BUGIATO, 2016)7.
De uma fase à outra, o Estado vê reduzida a sua atividade
econômica, assumindo um papel auxiliar na estrutura e dinâmica dos
negócios em favor da formação de um capital monopolista. Se no primeiro
momento, assiste-se, de certa forma, a uma ascendência do Estado sobre a
burguesia interna, no segundo, o Estado se vê em meio a uma forte disputa
por hegemonia entre diferentes frações do capital monopolista (Boito,
2007; Bugiato, 2016)8.

6 Como no caso das famílias Ermírio de Moraes (Votorantim), Camargo Correa,


Odebrecht, Setubal/Vilela/Moreira Sales (Itaú), Roberto Marinho (Globo), Lázaro
Brandão (Bradesco), Andrade Vieira (Andrade Gutierrez), Jereissati (La Fonte),
Ometto (Cosan), Irmãos Sobrinho (JBS), Steinbruch (Vicunha), Gerdau, Safra.
7 Apenas na primeira década deste século, o estoque de investimento direto no
exterior por empresas brasileiras mais do que quadruplicou, ultrapassando os US$
200 bilhões.
8 Embora estejamos aqui de acordo com as leituras que apontam para um
fortalecimento da “burguesia interna” a partir das políticas operadas pelos governos
Lula e Dilma, o que o presente trabalho pretende problematizar é, exatamente, a

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 48
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

No plano retórico, esta mudança do papel do Estado tende a


alimentar um debate tão recorrente quanto pouco esclarecedor em torno
das disjuntivas “capitalismo de Estado” e “capitalismo de negócios”,
“(neo)desenvolvimentismo” e “social-liberalismo”, ou, ainda,
simploriamente Estado e mercado. Tais disjuntivas são falaciosas pelo
simples motivo de que o capitalismo, como admitem até os mais
empedernidos neoliberais, não pode prescindir do Estado. Por outra parte,
o “dilema” se torna ainda mais falso, senão anacrônico, quando se constata
que, na verdade, ele encobre hoje disputas entre frações da burguesia
monopolista sobre os recursos financeiros, legais e administrativos do
Estado, bem como sobre a natureza e os objetivos da intervenção
governamental.
Os (neo)liberais, críticos cínicos9 da presença do Estado na
economia, alegam que quanto maior ela for maior será o risco de
intervencionismo, dirigismo, autoritarismo e ineficiência econômica. O
liberal Lazzarini se vale, na obra Capitalismo de Laços (2011), do termo de
Andrei Shleifer da “mão espoliadora” referindo-se ao caráter prejudicial da
participação do Estado nos negócios.
Não reconhecem que uma maior presença do Estado em serviços
e infraestrutura sociais, por exemplo, seja necessária, nem tampouco que
tal presença possa também assegurar o abastecimento de bens essenciais
e induzir à geração de empregos. Contudo, nos dias que se seguem, a tal
crítica liberal ao “capitalismo de Estado” parece se dirigir, agora, a um outro
alvo. Para além da função propriamente econômica, uma maior participação
do Estado implica estender o alcance do direito público sobre o direito
privado. Eis aí o que os liberais, porta-vozes das oligarquias financeiras,

idéia de uma “retomada do papel do Estado”, discutindo os limites e a natureza da


“nova” atuação do Estado em favor de uma acumulação, agora em bases
monopolísticas.
9 Cínicos no sentido atribuído por Sloterdijk, que observa o cinismo como “falsa
consciência esclarecida” ou “consciência infeliz”, que “não se sente mais aturdida por
nenhuma crítica ideológica; sua falsidade já está reflexivamente conformada”
(SLOTERDIJK, 2012, p. 32).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
49 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

pretendem desconstruir: a função pública do Estado, subordinando-o ao


direito privado, aos interesses monopolistas do capital financeiro10.
Como afirmam Dardot e Laval:

Não basta constatar a continuidade do Estado, ainda é


preciso analisar de perto seus objetivos e os métodos
que emprega. Muito freqüentemente esquecemos
que o neoliberalismo não procura tanto a ‘retirada’ do
Estado e a ampliação dos domínios da acumulação do
capital quanto à transformação da ação pública,
tornando o Estado uma esfera que também é regida
por regras de concorrência e submetida a exigências
de eficácia semelhantes àquelas a que se sujeitam as
empresas privadas (DARDOT E LAVAL, 2016, p. 272,
grifo dos autores).

Esta mudança conduz, segundo os autores, a uma subversão dos


fundamentos democráticos do Estado de direito, conduzindo mesmo a
sociedade a uma realidade de “pós-democracia”. “Essa mutação
empresarial, afirmam Dardot e Laval, não visa apenas a aumentar a eficácia
e reduzir os custos da ação pública; ela subverte radicalmente os
fundamentos modernos da democracia, isto é, o reconhecimento dos
direitos sociais ligados ao status de cidadão (...) É essa nova concepção
‘desencantada’ da ação pública que leva a ver o Estado como uma empresa
que se situa no mesmo plano das entidades privadas, um ‘Estado-empresa’
que tem papel reduzido em matéria de produção do ‘interesse geral’” (Op. Cit.,
p. 274, grifo nosso).
Quando, com as privatizações, o Estado deixa o controle de
empresas acomodando-se ao papel de sócio minoritário, isso significa, na
verdade, uma “reprivatização” ou uma “dupla privatização”. Ao abrir mão
do controle, sem deixar de participar da empresa privatizada, mas agora de

10 Vale dizer que, mesmo partindo de raciocínio diverso, os partidários do


“neodesenvolvimentismo”, ao não qualificarem o significado da “maior presença do
Estado” nos governos Lula e Dilma, correm o risco de, igualmente, justificarem a
desconstrução da função pública. Argumentamos nesta direção em outro artigo
(Pinto, 2017).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 50
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

forma minoritária, o Estado torna-se sócio da empresa, abdicando da sua


função pública. Parece ser este, exatamente, o ideal dos liberais hodiernos,
ou seja, menos Estado e mais recursos públicos para assegurar a rentabilidade
do negócio.
Não por acaso, Lazzarini defende, entre os modelos de
“capitalismo de Estado”, justamente o modelo do “Leviatã como investidor
minoritário”. Nas palavras do autor, “em nossa opinião, esse modelo de
capitalismo de Estado está menos sujeito aos problemas de agência e às
injunções sociais que afligem as empresas sob a propriedade e o controle
integral do governo. Além disso, a intervenção política deve ser baixa ou
mínima (embora presente) nesta forma de propriedade estatal”
(LAZZARINI, 2015, p. 19, grifo nosso)11. Nestes termos, a participação do
Estado só valeria enquanto favorecesse os negócios, ou seja, desde que o
Estado assuma uma lógica de mercado, eminentemente comercial, em vez
de pública.
Estaríamos assistindo, como afirmam Dardot e Laval, o domínio da
“razão neoliberal” sobre todas as esferas da vida social, inclusive sobre o
próprio Estado:

Resulta desta primazia absoluta do direito privado,


afirmam os referidos autores, um esvaziamento
progressivo de todas as categorias do direito público
que vai no sentido não de uma ab-rogação formal
destas últimas, mas de uma desativação de sua
validade operatória. O Estado é obrigado a ver a si
mesmo como uma empresa, tanto em seu
funcionamento interno como em sua relação com os
outros Estados. Assim, o Estado, ao qual compete
construir o mercado, tem ao mesmo tempo de
construir-se de acordo com as normas do mercado
(DARDOT E LAVAL, 2016, p. 378, grifo nosso).

11 Lazzarini parece aqui fazer um “acerto de contas”, uma revisão de suas próprias
idéias, apresentadas em sua obra “Capitalismo de Laços”, de 2011. Nela, o autor
desenvolve uma análise crítica sobre os “laços” entre Estado e agentes privados no
contexto pós-privatizações. Embora crítico do Governo Lula, que teria acentuado tais
relações, Lazzarini atribui ao Governo FHC a introdução deste novo padrão de
atuação do Estado no capitalismo brasileiro.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
51 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Embora se trate, efetivamente, de um novo papel assumido pelo


Estado, pode-se ressalvar que, apesar das mutações na natureza da ação
pública, o Estado segue favorecendo a acumulação capitalista. Pois bem, o
fato é que as transformações na natureza da ação do Estado, tornado
“Estado-empresa”, correspondem justamente a mudanças no padrão de
acumulação capitalista, sob o atual domínio do capital monopolista,
financeiro. Antes de prosseguir na análise do desenvolvimento recente do
capitalismo brasileiro à luz do caso da FIBRIA, importa, pois, apresentar
alguns referenciais teórico-conceituais acerca das definições de Estado
Capitalista e capital monopolista empregadas neste trabalho.

2. APONTAM ENTOS

2.1 E S T A D O C A P I T A L I S T A

Sem nos perdermos em digressões teóricas, importa por clareza


político-conceitual fazer aqui remissão ao pensamento marxista de Nicos
Poulantzas sobre o Estado capitalista. Para ele, a materialidade do Estado,
ao mesmo tempo em que é constitutiva das relações de produção, também
é “condensação de uma relação de forças entre classes e frações de classe”.
Mas, como reconhece o autor, os poderes de classe não são redutíveis ao
Estado e sempre transcendem seus aparelhos. A primazia cabe, pois, à luta
de classes, pois “na complexa relação luta de classes/aparelhos, são as lutas
que detém o papel primordial e fundamental” (POULANTZAS, 2000, p. 36) 12.

Compreender o Estado desse modo (como


condensação de uma relação), vai dizer Poulantzas, é
evitar os impasses do eterno pseudo dilema da
discussão sobre o Estado, entre o Estado concebido
como Coisa-instrumento e o Estado concebido como

12 Para uma boa síntese sobre a trajetória do pensamento de Poulantzas acerca do


Estado capitalista ver Codato, 2008.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 52
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Sujeito. O Estado como Coisa: a velha concepção


instrumentalista do Estado, instrumento passivo,
senão neutro, totalmente manipulado por uma única
classe ou fração, caso em que nenhuma autonomia é
reconhecida ao Estado. O Estado como Sujeito: a
autonomia do Estado, considerada aqui como
absoluta, é submetida a sua vontade como instância
racionalizante da sociedade civil. Concepção que
remonta a Hegel, retomada por Max Weber e a
corrente dominante da sociologia política (a corrente
'institucionalista-funcionalista'). Ela relaciona esta
autonomia ao poder próprio que o Estado passa a
deter e com os portadores desse poder e da
racionalidade estatal: a burocracia e as elites políticas
especialmente (Op. Cit., p. 131).

Tal compreensão dissipa, igualmente e por completo, a suposta


dualidade liberal entre Estado e mercado13. Sobre a relação do Estado com
as classes dominantes, o autor argumenta que o Estado assume o papel de
representar e organizá-las (a burguesia) enquanto tais. Importa assinalar
que, para ele, a burguesia se apresenta sempre como que dividida em
frações de classe, seja pelo lugar ocupado na produção (financeiro,
industrial, comercial); seja pela convivência entre diferentes modos de
produção, como na persistência da classe proprietária de terra; pela
distinção entre capital monopolista e não-monopolista; ou, ainda, pela
distinção entre burguesia internacionalizada e burguesia interna.

13 Muito embora, para efeito da análise aqui proposta, a referência seja Poulantzas,
não se deve perder de vista o alinhamento desta perspectiva com a visão de “Estado
ampliado” de Gramsci. Nas palavras deste autor “a formulação do movimento de
livre-câmbio baseia-se num erro teórico cuja origem prática não é difícil identificar,
ou seja, baseia-se na distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de
distinção metodológica é transformada e apresentada como distinção orgânica.
Assim, afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o
Estado não deve intervir em sua regulamentação. Mas, dado que sociedade civil e
Estado se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que também o
liberalismo é uma ‘regulamentação’ de caráter estatal, introduzida e mantida pela via
legislativa e coercitiva” (GRAMSCI, 2000, p. 47).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
53 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Cabe, pois, ao Estado organizar e unificar a diversidade conflituosa


das frações burguesas como classes dominantes, configurando o que
Poulantzas nomeia de “bloco no poder”. No dizer do autor, “em termos
corretos, o Estado capitalista, através do jogo interno das suas instituições,
torna possível, na sua relação com o campo da luta política de classe,
relação esta concebida como fixação de limites, a constituição do bloco no
poder” (POULANTZAS, 1977, p. 225).
A dominação política das classes ou frações de classe burguesas,
expressa no “bloco no poder”, não se dá sem conflito no seu interior, cujo
equilíbrio instável se faz, invariavelmente, sob a direção de uma classe ou
fração hegemônica no interior do “bloco”, assegurada igualmente pelo
Estado.
Sem cair no terreno das argumentações abstratas e formalistas é
o próprio autor que faz a indagação: “Como se estabelece concretamente
esta política do Estado em favor do bloco burguês no poder?”
(POULANTZAS, 2000, p. 130). Poulantzas rejeita aí qualquer interpretação
instrumentalista do Estado, como se houvesse uma dependência direta da
máquina estatal relativa a essa classe ou fração hegemônica. Na verdade,
argumenta Poulantzas, “o Estado pode preencher essa função de
organização e unificação da burguesia e do bloco no poder, na medida em
que detém uma autonomia relativa em relação a tal ou qual fração e
componente desse bloco, em relação a tais ou quais interesses
particulares” (Op. Cit., p. 129).
Tal “autonomia relativa” seria conferida pelas contradições
existentes entre as frações no interior do bloco no poder e delas também
em relação às classes dominadas. Contradições essas que se expressam no
seio do Estado, assumindo a forma de contradições internas entre os
diversos ramos e aparelhos do Estado. “É o jogo dessas contradições na
materialidade do Estado que torna possível, por mais paradoxal que possa
parecer, a função de organização do Estado... Essa autonomia não é, assim,
uma autonomia do Estado frente às frações do bloco no poder, ela não
advém da capacidade do Estado de se manter exterior a elas, mas a
resultante do que se passa dentro do Estado” (Op. Cit., p. 136 e p. 138).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 54
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Bem entendido, Poulantzas reconhece que as diferentes frações


no interior do bloco só participam da dominação política na medida em que
estão presentes no Estado, ou seja: “Cada ramo ou aparelho de Estado...
constitui a sede do poder, e o representante privilegiado, desta ou daquela
fração do bloco no poder, ou de uma aliança conflitual da algumas dessas
frações contra as outras” (Op. Cit., p. 135). A organização da unidade do
bloco no poder se faz, portanto, por meio de:

Toda uma cadeia de subordinação de determinados


aparelhos a outros, e pela dominação de um aparelho
ou setor do Estado, o que cristaliza por excelência os
interesses da fração hegemônica sobre outros setores
ou aparelhos, centros de resistência de outras frações
do bloco no poder (Op. Cit., p. 140).

No contexto atual do capital monopolista, que Poulantzas já em


1979 identificava com o avanço neoliberal e a derrocada do “Estado-
Providência ou Estado bem-estar”, o autor argumenta que a hegemonia da
fração monopolista no interior do bloco se expressa por meio do controle
de dispositivos e aparelhos que centralizam o poder no interior do Estado 14:

A unidade-centralização do Estado, em favor


atualmente do capital monopolista, se estabelece
portanto, vai dizer o autor, por um complexo
processo: por transformações institucionais do Estado
de tal forma que alguns centros de decisão,
dispositivos e núcleos dominantes, só podem ser
permeáveis aos interesses monopolistas instaurando-
se como centros de orientação da política de Estado e
como pontos de estrangulamento de medidas
tomadas 'alhures' (porém dentro do Estado) em favor
de outras frações do capital” (Op. Cit., p. 140, grifo
nosso).

14 O autor chega também a ressalvar que, muito embora o domínio monopolista


tenda a restringir a autonomia do Estado, mesmo neste caso ela estaria presente.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
55 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Aqui, Poulantzas diverge em relação à visão althusseriana de que


os “aparelhos ideológicos de Estado” atuam sempre de forma “negativa”,
seja pela repressão ou doutrinação ideológica. A eficácia do Estado estaria
aí no que “proíbe, exclui, impede de fazer, ou então no que engana, mente,
oculta ou faz crer”. Aí residem duas ordens de problema, segundo
Poulantzas. De um lado, tal perspectiva não reconhece a presença do poder
político na economia, perdendo-se, assim, de vista o quanto o Estado
“introduz-se no próprio cerne da reprodução do capital”.
De outro, “o maior inconveniente é que isso reduz a especificidade
do aparelho econômico de Estado, diluindo-a nos diversos aparelhos
repressivos e ideológicos, e torna impossível a localização da malha do
Estado onde por excelência se concentra o poder da fração hegemônica da
burguesia” (Op. Cit., p. 32, grifo nosso)15.
A centralidade dos “aparelhos econômicos de Estado”, no
contexto do capitalismo monopolista, implicaria em uma subordinação de
todas as outras funções de Estado à função econômica, configurando o que
o autor nomeia de “estatismo autoritário”. Como afirma o Poulantzas,
“essas funções seguem, numa certa medida, sua lógica própria. Elas não
podem mais estar submetidas à organização do consentimento: elas
colocam em causa a imagem do Estado garantia do bem-estar e interesse
geral, pois denunciam a subordinação do Estado aos interesses do capital”
(Op. Cit., p. 170, grifo nosso). Como de resto se verifica, hoje, na forma como
o Estado brasileiro se subordina à lógica privada em favor da acumulação
em bases monopolistas, abdicando de sua função pública16.
Tais aparelhos se confundem com os “centros de decisão”, que
representam o lócus privilegiado de atuação das frações monopolistas da
burguesia. Constituem-se, como já dito, na “sede do poder”, representante

15 Este inconveniente, segundo Poulantzas, também estaria presente no


pensamento gramsciano.
16 Ressalte-se aqui a semelhança do argumento de Poulantzas com a constatação
feita por Dardot e Laval e anteriormente citada sobre a forma assumida, atualmente,
pelo Estado de “Estado-empresa”, com papel reduzido em matéria de produção do
interesse geral.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 56
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

privilegiado desta ou daquela fração do bloco no poder, ou de uma aliança


conflitual de algumas dessas frações contra as outras17.
No caso brasileiro, tomamos aqui o BNDES como um destes
“centros de decisão” representante dos interesses de frações monopolistas
da burguesia brasileira18. Isso porque, o BNDES assume um papel destacado
no fortalecimento do capital privado nacional ao longo de todo o período,
mais especialmente a partir de 1974, quando assegura uma fonte firme e
estável de recursos via gestão do PIS-PASEP. Como afirma Lazzarini, “antes
de 64, quase 100% dos empréstimos se destinavam ao financiamento de
projetos públicos, fossem diretos, de órgãos governamentais, fossem
indiretos, de empresas estatais. Por volta de 1970, porém, o setor privado
já recebia quase 70% dos empréstimos, e, no final da década, os projetos
públicos ficavam com menos de 20% dos empréstimos” (LAZZARINI, 2015,
p. 280-281).
Antes, porém, de resgatar a trajetória do BNDES como “centro de
decisão” na formação de uma burguesia monopolista no País, cabe fazer
uma breve remissão à categoria de capital monopolista, financeiro.

2.2 C A P I T A L M O N O P O L I S T A

O capital monopolista se define, de um lado, pela concentração da


produção e do capital, tendo por consequência a formação de monopólios,
ou melhor, oligopólios, que exercem controle sobre os mercados; e, de

17 Importante dizer que, para Poulantzas, a hegemonia de frações da burguesia


monopolista não se dá apenas pelo controle de aparelhos burocráticos, de órgãos do
Estado, mas também por meio de dispositivos legais, bem como da materialidade das
próprias políticas governamentais.
18 Certamente, o Estado brasileiro conta com outros “centros de decisão”, a exemplo
de outros “aparelhos econômicos” como o Banco Central, Ministério da Fazenda,
Conselho Monetário Nacional, Conselho de Política Monetária, Banco do Brasil a
Caixa Econômica Federal. Poulantzas argumenta que, em razão de disputas por
hegemonia entre as frações monopolistas da burguesia no interior do bloco no
poder, podem ocorrer mudanças dos “centros de decisão”, ou seja, deslocamento do
poder de um aparelho para outro em razão de alteração na relação de forças entre
as frações monopolistas.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
57 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

outro, a interpenetração dos bancos com a indústria, subordinando o


capital produtivo ao capital financeiro.
A concentração e centralização de capitais levando à criação de
firmas monopolistas na indústria e conduzindo, igualmente, à ascensão de
um moderno sistema de crédito em poucos bancos que concentravam as
poupanças de toda a comunidade resultou na vinculação entre os capitais
industrial e bancário, em proveito deste. “A fusão dos dois resultou do fato
de não terem as empresas monopolistas para onde se voltarem de modo a
obter os vultosos financiamentos de que necessitavam para facilitar sua
acumulação, ao passo que os bancos não tinham alternativa lucrativa senão
investir na indústria seus grandes fluxos de fundos” (BOTTOMORE, 1983, p.
48).
Lenin já vislumbrava em 1916 a emergência do capital financeiro,
particularmente na Alemanha, Inglaterra, França e EUA19. Como afirma o
autor “o capital financeiro é o resultado da fusão do capital de alguns
grandes bancos monopolistas com o capital de grupos monopolistas de
industriais” (LENIN, 1982, p. 88).
Entre os elementos definidores do capital financeiro, o referido
autor enumera: a) concentração da produção e do capital atingindo um grau
de desenvolvimento tão elevado que origina os monopólios cujo papel é
decisivo na vida econômica; b) fusão do capital bancário e do capital
industrial, e criação, com base nesse “capital financeiro”, de uma oligarquia
financeira; c) diferentemente da exportação de mercadorias, a exportação
de capitais assume uma importância muito particular; d) formação de
uniões internacionais monopolistas de capitalistas que partilham o mundo
entre si.
As formas de interpenetração do capital bancário junto ao capital
industrial foram também identificadas por Hilferding e Lênin, já no
nascedouro do capital financeiro. Tal interpenetração, traduzida em
domínio pelo capital bancário, se dava pela emissão e propriedade de ações

19 Em sua obra, Lenin desenvolve de modo crítico alguns dos argumentos que já
estavam presentes na obra “O Capital Financeiro” (1910) de Rudolf Hilferding,
primeiro a formular o conceito, analisando em particular o caso alemão.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 58
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

das empresas, bem como de “ligações pessoais”, em que controladores e


administradores dos bancos exerciam o controle e os assentos nos
conselhos de administração das indústrias.
O estudo realizado por Lenin é bastante esclarecedor sobre a
estrutura do capital financeiro, naquele momento ainda em formação. Para
além da constatação da forma assumida pelo capitalismo monopolista, o
estudo antecipa, em muitos aspectos, as implicações deste novo padrão de
acumulação capitalista, que alcança pleno desenvolvimento somente
oitenta anos depois de sua publicação.
“O capital financeiro, vai dizer Lenin, concentrado em algumas
mãos e exercendo o monopólio de fato, obtém da constituição de firmas,
de emissões de títulos, dos empréstimos ao Estado etc., enormes lucros,
cada vez maiores, consolidando o domínio das oligarquias financeiras e
onerando toda a sociedade com um tributo em benefício dos monopolistas
(...) o monopólio, logo que tenha se constituído e reúna milhões, penetra
forçosamente em todos os domínios da vida social, independentemente do
regime político e de todas as outras ‘contingências’ (...) A supremacia do
capital financeiro sobre todas as outras formas de capital significa a
hegemonia dos que vivem de rendimentos e do oligarca financeiro” (Op.
Cit., p. 52,54 e 58, grifo do autor).
Em que pese a importância e validade destes estudos pioneiros
sobre o capital financeiro, bem como de outros que buscaram um maior
aprofundamento sobre as características do capital monopolista como no
estudo de SWEEZY e BARAN (1966) sobre o caso americano, eles não dão
conta da complexidade assumida hoje pelo capital financeiro. Um dos
limites destes estudos está na identificação do capital financeiro com os
bancos e do capital industrial com as empresas cujas atividades são apenas
industriais.
Como afirma BOTTOMORE (1983, p. 50), “tal identificação significa
que formas de articulação entre o capital de financiamento e o capital
industrial que não estão compreendidas nos laços entre os bancos e
empresas ficam excluídas da análise teórica (e de boa parte da investigação
empírica), embora o conceito de capital financeiro pretenda ser mais geral”.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
59 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Escapariam, assim, do conceito não apenas outras formas de capital


financeiro, que não o bancário propriamente, como também a forma com
as grandes corporações contemporâneas integram no seu interior as
dimensões financeiras, industriais e comerciais.

Bom exemplo da debilidade empírica resultante dessa


restrição teórica são as modernas empresas
multinacionais, que abrangem a produção industrial,
as atividades comerciais e as atividades bancárias das
transações monetárias e de controle dos fundos de
investimento (na forma de lucros retidos e de reservas
e na forma de empréstimos tomados nos mesmos
grandes mercados monetários de que se valem os
bancos). Elas integram o capital de financiamento e o
capital industrial (e mercantil), mas, como isso ocorre
dentro delas próprias, o conceito de capital financeiro
definido em termos de bancos e empresas não pode,
a rigor, lhes ser aplicado” (Op. Cit., p. 50).

Mais recentemente, com as privatizações e a liberalização


financeira, a dinâmica do capital financeiro se globaliza e se internaliza na
dinâmica dos grupos econômicos, alcançando uma escala e um poderio que
desconhecem fronteiras e Estados nacionais. Como afirmam Dardot e Laval:

A passagem do capitalismo fordista ao capitalismo


financeiro foi marcada também por uma sensível
modificação das regras de controle das empresas.
Com a privatização do setor público, o peso cada vez
maior dos investidores institucionais e o aumento dos
capitais estrangeiros na estrutura de propriedade das
empresas, uma das principais mudanças do
capitalismo foram os objetivos perseguidos pelas
empresas sob pressão dos acionistas. De fato, o poder
financeiro dos proprietários da empresa conseguiu
dos gestores que estes exercessem pressão constante
sobre os assalariados com o intuito de aumentar os
dividendos e as cotações na bolsa. Segundo essa
lógica, a ‘criação de valor acionário’, isto é, produção
de valor em proveito dos acionistas como determinam
os mercados de ações, torna-se o principal critério de

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 60
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

gestão dos dirigentes. (DARDOT; LAVAL, 2016, p.


200).

Os referidos autores apontam também as implicações sociais do


domínio exercido pelo capital financeiro. “O fortalecimento do capitalismo
financeiro, vão dizer, teve outras consequências importantes, sobretudo
sociais. A concentração de renda e patrimônio acelerou-se com a
financeirização da economia” (Op. Cit., p. 201). Não por acaso, o alentado
estudo de Thomas PIKETTY (2014) revela, com base em séries históricas de
vinte países – especialmente EUA, França, Reino Unido, Alemanha e Japão
–, uma “elevação espetacular da desigualdade” de renda e riqueza a partir
dos anos 1970, retomando ao final da última década a patamares de finais
dos críticos anos 1920.
No caso brasileiro, a interpretação corrente é que não chegamos a
constituir um capital financeiro nos termos clássicos, de articulação entre
capital bancário e industrial. TAVARES (1973) argumenta que o movimento
de concentração no setor bancário e industrial brasileiro se realiza sem que
se estabeleçam maiores vinculações entre os setores. “Os dois processos
não foram simétricos, tendo-se desenvolvido até agora com dinâmicas
distintas. Do mesmo modo, não tem havido articulação definida entre a
ação dos principais grupos financeiros, até pouco tempo atrás
majoritariamente nacionais, e a ação das maiores empresas industriais dos
ramos mais dinâmicos (...) Assim, aquela articulação entre capital financeiro
e industrial que permitiria algo semelhante a um processo integrado de
acumulação no pólo capitalístico da economia não parece estar ainda em
vias de realização no Brasil” (Op. Cit., p. 247 e 252).
Com efeito, a formação de um capital monopolista, ou melhor,
oligopolista no País teria se apoiado em políticas protecionistas e
concentracionistas do Estado, bem como por meio do fundo público, em
especial via BNDES. MANTEGA e MORAES (1979) apontam para o papel
desempenhado pelo Estado, já naquele momento, na formação de um
capital monopolista nos setores bancário e financeiro; da construção civil; e

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
61 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

do setor da indústria pesada. Contudo, a dimensão monopolista e


financeira do capital no Brasil teria se consolidado somente com as
privatizações, não apenas por meio da incorporação pelos grupos privados
do patrimônio público, mas também pela introdução de diferentes
mecanismos financeiros que tendem a exercer o controle, via holdings,
sobre os grupos20.

3. BNDES COMO “CENTRO D E DECIS ÃO”

Como afirma Poulantzas, alguns “aparelhos econômicos” do


Estado atuam como “centros de decisão” ou “centros de orientação da
política de Estado”, à medida que permeáveis aos interesses monopolistas.
Argumentamos aqui sobre como o BNDES se forjou historicamente como
um destes “centros de decisão”.
Já no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) de 1971, ao
BNDES seria destinado o papel de impulsionar a empresa brasileira e
capacitá-la para se tornar ‘a grande empresa nacional’. Destaque aí para o
Fundo de Modernização e Reorganização Industrial (FMRI), voltado para
financiar projetos de fusão, incorporação e reorganização técnica e
administrativa, favorecendo a concentração e ganhos de escala. Como
afirma MARTINS (1985), o BNDES cumpriu o papel de “demiurgo da
burguesia nacional”.
Será também em 1974 que o BNDES cria três subsidiárias (FIBASE,
EMBRAMEC E IBRASA21), que atuam como holdings voltadas a alavancar, no
contexto de substituição de importações do II PND, o capital de grupos

20 Sem esquecer dos bancos, que vão também participar dos leilões das
privatizações, na maioria dos casos para logo em seguida realizarem seus ganhos no
mercado, mas também permanecendo como proprietários de importantes empresas,
como no caso do Bradesco na Vale e do Itaú na Brasileira Metalurgia & Mineração,
maior produtora de nióbio do mundo.
21 Foram assim criadas a Mecânica Brasileira S.A. (Embramec), a Insumos Básicos S.A.,
Financiamento e Participação (Fibase) e a Investimentos Brasileiros S.A. (Ibrasa),
voltadas a capitalizar empresas nacionais através de participações acionárias e
financiamento a acionistas.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 62
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

privados nacionais, especialmente nos setores de bens de capital e insumos


básicos – estas subsidiárias serão posteriormente em 1982 fundidas em
uma única holding, o BNDESPAR.
Ao mesmo tempo, com o objetivo de fortalecer a empresa
nacional, o BNDES inaugurou, a partir de 1975, a modalidade de
empréstimos com correção monetária fixa, já que o choque de custos
provocado pela crise do petróleo levara a um aumento de preços, já em
1974, da ordem de 34%. Através do Decreto-Lei nº 1.452, o BNDES passou
a refinanciar o valor da correção monetária que excedesse 20% a.a. No
entanto, nos anos seguintes, a inflação continuou a se acelerar. Na prática,
isso significou um processo de doação de recursos públicos ao setor
privado, estimado em US$ 3,2 bilhões (TAVARES, 2010).
Embora o BNDES se concentrasse no fortalecimento do capital
privado nacional, a dimensão associada deste ao capital estrangeiro fazia
com que muitas vezes este último também se beneficiasse dos
financiamentos do Banco. Vale lembrar, que, muito embora a Lei 4.131 de
1962 regulamentasse a proibição de financiamento de empresas
estrangeiras por bancos públicos, o BNDES financiava, através do Fundo de
Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais
(FINAME, criado em 1964) a compra por empresas nacionais de máquinas e
equipamentos de grupos estrangeiros. Ademais, como já assinalado, muitas
das empresas nacionais financiadas pelo BNDES, no período, contavam com
participação de capital estrangeiro22.
Com o esgotamento do modelo de ‘substituição de importações’
no contexto da crise da dívida e descontrole inflacionário, o BNDES se
tornou proprietário de empresas em dificuldades financeiras em finais dos
70, a exemplo da Aracruz Celulose, como veremos mais adiante. O Banco
irá, no intuito de se capitalizar, vender algumas destas empresas na

22 As restrições impostas pela Lei 4.131 foram, em boa medida, revogadas pelo
Decreto 2.233, de 1997, que franqueou o financiamento público a empresas
estrangeiras que atuem em atividades de interesse nacional. Sem esquecer a Emenda
N. 06/1995, que tornou sem efeito o Art. 171 da Constituição de 88, que diferenciava
empresa brasileira de empresa de capital nacional.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
63 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

segunda metade dos anos 80, o que o habilita a ser o gestor do Plano
Nacional de Desestatização nos anos 90, bem como o principal financiador
e sócio dos consórcios vencedores dos pregões das privatizações.
Na última década, o Banco se torna um dos maiores bancos de
desenvolvimento do mundo em volume de recursos e exponencia seus
aportes aos grandes grupos privados no Brasil, através do crédito
subsidiado e/ou de participações acionárias via BNDESPAR, consolidando o
modelo de participações minoritárias. Constituiu-se aí como um dos
principais instrumentos da política das “campeãs nacionais”. Além de
patrocinar processos de fusões e aquisições no contexto pós-crise
financeira de 2008, o Banco tem financiado a internacionalização de
empresas brasileiras, inclusive através de sua própria internacionalização
como instituição financeira23.
O BNDESPAR fechou o ano de 2015 com uma carteira de ações
compreendendo 116 empresas, totalizando R$ 67,3 bilhões. De modo
similar ao que acontece no caso das operações de crédito, as participações
do Banco se concentram nos setores de Petróleo e Gás, Mineração, Energia
Elétrica, Papel e Celulose, e Alimentos e Bebidas, que ficaram 82,6% da
carteira, com destaque para a liderança do setor de Papel e Celulose, que
sozinho ficou com 22,5%. Segundo consta do próprio Relatório
Administrativo do BNDESPAR, em 31 de dezembro de 2015, o BNDESPAR
possuía representantes em 12 (doze) Conselhos Fiscais e 45 (quarenta e
cinco) Conselhos de Administração no universo de 116 empresas em que
mantinha participação acionária24.
Já no contexto do “Golpe de 16”, que inaugura o ilegítimo Governo
Temer, os conflitos no interior das frações monopolistas da burguesia
brasileira tendem a reorientar a atuação do Banco em favor, sem descurar

23 Em 2013, o BNDESPAR detinha participações em 15 das 30 empresas brasileiras


mais intercionalizadas.
24 Para uma análise mais detalhada dos principais desembolsos do Banco, bem como
das participações do BNDESPAR, no período de 2008 a 2013 ver Pinto 2014a; Pinto
2014b.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 64
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de todo dos setores da burguesia monopolista interna, de frações


monopolistas profundamente financeirizadas e internacionalizadas.
Evidência disso, o papel assumido pelo BNDES no âmbito do
“Programa de Parceria para o Investimento” (PPI) de patrocinar, via
financiamento e modelagem de projetos, parcerias público-privadas no
setor de infraestrutura (geração e distribuição de energia, saneamento,
portos, aeroportos, rodovias e ferrovias), com regras que asseguram
elevadas taxas de retorno e abertura para investidores estrangeiros,
incluindo aí fundos de investimento25.
Embora ainda prematuro, talvez se possa dizer que o BNDES, a
despeito de se manter como um importante “aparelho econômico de
Estado”, sofre um sensível deslocamento de seu poder, no contexto do
Governo Temer, em favor do Ministério da Fazenda, do Planejamento e do
Banco Central, artífices das reformas e ajustes fiscais draconianos em curso
no País. Vale dizer que os desembolsos do Banco em 2016 retrocederam
aos patamares de 200226.
As medidas anunciadas pelo Governo Temer no final do primeiro
trimestre de 2017 apontam não apenas para um esvaziamento do papel até
aqui desempenhado pelo Banco, mas também para um reforço da lógica
financeira a presidir os negócios. A aproximação progressiva da taxa de
longo prazo, operada pelo Banco, com a taxa de títulos públicos, além da
disponibilização dos recursos do FAT para bancos privados, são claramente
medidas que reduzem enormemente a margem de atuação do BNDES em
proveito da banca privada.

25 Importante chamar a atenção que, mesmo antes das privatizações propostas por
Temer, as concessões para agentes privados no setor de saneamento já estavam em
curso, inclusive com a presença de fundos de investimento (ver a este respeito
<https://www.facebook.com/pg/proprietariosdosaneamento/photos/?tab=album&
album_id=1147546435366441>, acessado em 10 julho de 2017).
26 Uma das medidas do Governo Temer que, deliberadamente, atuaram na retração
da capacidade financeira do Banco foi a exigência de antecipação de R$ 100 bilhões
relativos aos repasses realizados pelo Tesouro.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
65 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Cabe, pois, na sequência verificar de que forma o caso da


FIBRIA/BNDES pode ajudar a jogar luz sobre o novo papel que vem
assumindo o Estado no capitalismo brasileiro.

4. TR AJETÓ RI A FI BRI A

As constatações preliminares do estudo ECOPOL/HOMA, em


relação à prevalência do direito privado sobre o público na relação entre o
BNDES e a FIBRIA, dizem o quanto é incontornável expormos e debatermos
publicamente os vínculos institucionais dos “aparelhos econômicos de
Estado” com as “frações monopolistas da burguesia”27. Vínculos estes que
põem por terra a presunção liberal de dissociação entre economia e política
e que são responsáveis por estreitar e minar a democracia e o campo dos
direitos sociais.
Antes, contudo, de avançarmos nas questões mais sensíveis
levantadas pelo referido estudo, importa reportar a trajetória que dá
origem à FIBRIA Celulose SA, líder mundial na produção de celulose de
eucalipto, com fábricas localizadas em Três Lagoas (MS), Aracruz (ES),
Jacareí (SP) e Eunápolis (BA), onde mantém a Veracel em Joint-
Operation com a finlandesa Stora Enso. Em sociedade com a Cenibra, opera
o único porto brasileiro especializado em embarque de celulose, Portocel

27 As denúncias no âmbito da Operação Lava-Jato, embora centradas em partidos e


empresas, ajudam a explicitar quão institucionalizadas são as relações privilegiadas
entre grupos privados e “aparelhos econômicos” do Estado brasileiro, independente
do partido de governo de plantão. Para Poulantzas, os “partidos de governo” se
misturam e se vinculam à burocracia pública representante dos interesses
monopolistas. Nas palavras do autor “em razão da politização direta da
administração, é da mesma maneira que os funcionários se agrupam junto ao partido
dominante, que este último introduz na administração seus homens de confiança. (...)
Daí decorre uma série de conseqüências: o bloqueio na circulação do pessoal político;
a criação de toda uma série de interesses corporativistas multiformes baseados na
ocupação de postos, na distribuição de sinecuras, o desvio de dinheiros públicos para
fins partidários, o tráfico de influências entre o partido dominante e o Estado, o
farisaísmo do partido dominante. Traços que sempre caracterizaram o Estado
burguês, mas que tomam atualmente dimensões prodigiosas” (POULANTZAS, 2000,
p. 242, grifos nossos).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 66
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

(Aracruz, ES). Em 31.12.2016, o valor dos ativos totais da FIBRIA somavam


R$ 34,4 bilhões.
Como foi dito acima, a trajetória da FIBRIA é bastante emblemática
da dinâmica do capitalismo no Brasil, especialmente do papel
desempenhado aí pelo Estado, no caso pelo BNDES. Como a empresa foi
constituída a partir da aquisição, em 2009, da Aracruz Celulose pela
Votorantim Industrial, cabe remontar a própria trajetória da Aracruz28.
Em 1972 foi constituída a Aracruz Celulose, em Barra do Riacho,
município de Aracruz-ES, pela família Lorentzen, de origem norueguesa. Já
em 74, o BNDES aprova um financiamento da ordem de US$ 400 milhões
para a implantação da fábrica de celulose de fibra curta branqueada,
contemplando mais de 55% do valor do projeto. Um ano depois, o BNDES
torna-se sócio da Aracruz, com 38,2% do capital da empresa.
Em meio à crise dos anos 70, a participação do BNDES na Aracruz
chegou a alcançar em 1977, 48% do capital da empresa, configurando um
controle acionário pelo Estado. No contexto das primeiras privatizações
ocorridas no Governo Sarney, o BNDES, que naquela altura detinha 40% do
capital, vende em 1988 para o Banco Safra 28% de suas ações, ficando com
12,5% do capital. Neste momento, a família Lorentzen/Arapar amplia sua
participação de 10% para 28% e a Cia. Souza Cruz assume outros 28%.
Em 1996, a Cia. Souza Cruz vende sua participação na Aracruz para
o grupo Mondi Brazil Limited, subsidiária da Anglo American Corporation.
Já em 2001, a Votorantim Papel e Celulose (VCP) 29 adquire, por US$ 370
milhões, as ações da Mondi Brazil, configurando a partir daí a seguinte

28 O presente resgate histórico da Aracruz Celulose teve como fontes principais o


próprio site da FIBRIA e o documento “Aracruz Celulose SA: Uma estratégia
financeira de emissão de ADRs” (disponível em <http://pensa.org.br/wp-
content/uploads/2011/10/Aracruz_celulose_uma_estrat%C3%A9gia_financeira_de
_emiss%C3%A3o_de_ADRs_19971.pdf>). Contou, ainda, com o processo aberdo no
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) relativo ao ato de
fusão/aquisição da Aracruz pela VID, conseguido pela equipe da pesquisa por meio
da Lei de Acesso à Informação.
29 A Votorantim Celulose e Papel (VCP) foi constituída em 1988.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
67 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

estrutura societária: Arapar/Grupo Lorentzen (28%), Arainvest/Grupo Safra


(28%), VCP (28%) e BNDESPAR (12,5%).
Importante assinalar que desde 1992, ações da Aracruz passaram
a ser negociadas na bolsa de Nova York. O mesmo ocorre com a VCP, a partir
de 2000. Em 2003, o grupo Moreira Salles e os Almeida Braga compraram
49% da Arapar, por meio da São Teófilo Representação e Participações SA;
e o Fundo Gávea Investimentos de Armínio Fraga adquiriu 6% também da
Arapar.
Em meio à crise 2008, a Aracruz sofre um prejuízo de R$ 2,13
bilhões por aplicações em derivativos cambiais. As operações com
derivativos pela Diretoria Financeira era conhecida de todos os acionistas
controladores da empresa, segundo declaração do ex-Diretor Isac Zagury,
afastado depois que o prejuízo veio a público30. Um caso exemplar de como
a lógica financeira está presente no interior de grandes grupos privados no
País e, neste caso, avalizada pelo fundo público.
Enfim, em 2009, a VCP adquire as participações da Arapar/São
Teófilo e Arainvest, assumindo 84% do capital da Aracruz. Para tanto, houve
necessidade do aumento de capital da empresa no valor de R$ 4,3 bilhões,
constituindo na operação uma nova empresa, a FIBRIA, com 29,4% do seu
capital controlado pela Votorantim Industrial (VID) e 30,4% sob controle do
BNDESPAR – o BNDES injetou R$ 2,4 bilhões na operação.
Embora na configuração societária da nova empresa o BNDES
detivesse maioria acionária e, portanto, se constituísse em controlador da
FIBRIA, neste mesmo ano VID e BNDESPAR assinam um acordo de
acionistas, que vincula os 29,4% das ações da VID e 20,6% das ações do
BNDESPAR, conferindo controle acionário à VID. O referido acordo com
validade de cinco anos foi renovado em 2014 por igual período. Em
setembro de 2015, o BNDES reduz sua participação na FIBRIA para 29,1% 31.

30 Ver em <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,aracruz-sabia-das-
operacoes-com-derivativos,283663>.
31 Em 2016, a FIBRIA adquiriu participação minoritária na canadense CelluForce, que
opera a maior fábrica de um tipo especial de celulose conhecido como nanocristalina
(CNC).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 68
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Já o grupo Votorantim – atual controlador da Fibria e que também


atua nos setores de mineração e siderurgia, cimento, cítricos, energia,
agroindústria e financeiro – está presente em 23 países, com ativos totais
no final de 2016 no valor de R$ 79,6 bilhões e e é controlado pela holding
Hejoassu Administração S.A.. Tal holding é, por sua vez, controlada por
outras quatro holdings – Jemf Participações S.A., Mrc Participações S.A.,
Aem Participações S.A. e Erman Participações S.A. –, de propriedade de
membros da família Ermírio de Moraes e que detém, cada uma, 25% da
Hejoassu.
Os dois maiores financiamentos do BNDES para a Aracruz, na
última década, totalizam R$ 893 milhões, correspondendo, em média, a
70% do valor total do projeto; com taxas de, no máximo, 9% ao ano; e
carência chegando, em alguns casos, a oitos anos. Tais contratos voltados
para o plantio de eucalipto foram enquadrados, de forma no mínimo
questionável, no Programa de Dinamização Regional do BNDES, que
oferece condições especiais de crédito para investimentos em áreas de
baixo IDH32.

4.1 V I O L A Ç Õ E S D E D I R E I T O S P E L A FI BRI A 33

Até o ano de 2013, a FIBRIA possuía 846 mil hectares de terras no


Brasil, sendo mais da metade dessa área ocupada pelo plantio de eucalipto.
Os impactos do monocultivo dessa planta já são conhecidos: a drástica
redução dos recursos hídricos das bacias, a retirada dos nutrientes
presentes no solo, o aumento da erosão e a diminuição da biodiversidade
da área.

32 Estas informações de contratos de financiamento do BNDES para a Aracruz foram


obtidas pela equipe da pesquisa também por meio da Lei de Acesso. Foram
analisados pela equipe os dois maiores contratos do BNDES com a FIBRIA até abril
de 2016. Um no valor de R$ 297,2 milhões, contratado em 21.12.2005 e outro, no
valor R$ 595,9 milhões, contratado em 28.11.2006 – com a antiga Aracruz Celulose.
33 Esta seção se serviu de estudo realizado pela pesquisadora Lorena Lira.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
69 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

A chegada da Aracruz ao estado do Espírito Santo remonta ao


período da Ditadura Militar quando o Governo federal, vinculado a
iniciativas locais, apoiou projetos para acelerar a industrialização do estado.
A região do Sapê do Norte, designada para o plantio das primeiras mudas
de eucalipto, teve sua escolha justificada por condições edafoclimáticas
(relativas ao solo e clima) favoráveis ao desenvolvimento da planta, pela
topografia que permitia a mecanização e pela facilidade de acesso tanto ao
sistema viário quanto ao mar (DALCOMUNI, 1990, p. 188 apud DDHH, 2010).
A área era ainda tomada como economicamente inexpressiva,
subdesenvolvida e de escasso povoamento. Tais premissas escondiam a
presença dos povos indígenas e quilombolas que habitavam as terras e a
partir delas preservavam suas formas de vida. Por representarem um
empecilho às ambições extrativistas da empresa, essas comunidades foram
vítimas de processos de expulsão empreendidos pela Aracruz e, em
diversas vezes, apoiados pelo Estado brasileiro.
Desde o início, os processos de remoção dos povos tradicionais
geraram consequências dramáticas. Aqueles que não foram obrigados a se
mudarem para o meio urbano, ficaram limitados a uma pequena extensão
de terra, como é o caso dos Tupiniquim e dos Guarani que, em 1979,
encontravam-se ‘ilhados’ em 40 hectares das terras que lhes restavam e que
a Aracruz alegava serem de sua propriedade (MARACCI, 2008, p.190 apud
DDHH, 2010).
Somente em 2002, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
foi instaurada pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo para investigar
irregularidades nos processos de licenciamentos ambientais pela Aracruz
Celulose. A CPI trouxe à tona a violência empregada pela empresa na
usurpação de terras indígenas na cidade de Aracruz e de quilombolas nos
municípios de São Matheus e Conceição da Barra. Alguns meios
fraudulentos de apropriação das terras dos povos tradicionais foram
apontados. De acordo com depoimentos colhidos pela Comissão, os
moradores foram levados a entregar seus documentos a um suposto
agrimensor que prometia produzir títulos das propriedades. Para Barcellos,
a estratégia de desaparecimento da documentação visava impedir que

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 70
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

indígenas e quilombolas tivessem instrumentos para contestar o despejo


imposto das terras (2008 apud DDHH, 2010). Além disso, indígenas das
aldeias de Macacos e Irajá foram retirados a força da região. A CPI foi
encerrada sem produzir documentos conclusivos.
Em novembro de 2013, o Ministério Público Federal do Espírito
Santo ajuizou ação civil pública contra a FIBRIA S/A, o BNDES e o Estado do
Espírito Santo requerendo a anulação dos títulos de terras concedidos na
década de 70 à sua antecessora, a antiga Aracruz Celulose S/A.
Posteriormente, em 2015, outra ação civil pública foi ajuizada para
abranger terrenos não constantes da primeira ação.
Nas ações, a empresa é novamente acusada de ter obtido, de
forma fraudulenta, os títulos que correspondem ao domínio de milhares de
hectares de terras devolutas e de ocupação quilombola nos municípios de
São Mateus e Conceição da Barra (ES). O processo de grilagem das terras
teria se dado pela ação de funcionários da empresa que, passando-se por
pequenos agricultores para receber os títulos do governo estadual, os
transfeririam em seguida para a Aracruz.
Além da indisponibilidade dos imóveis transferidos à FIBRIA, o
MPF demanda que, sendo reconhecida a indicada fraude, as terras sejam
tituladas em favor das comunidades quilombolas, quando comprovada a
ocupação tradicional dessa região, de acordo com a Lei Estadual no 5623/98.
Em 2014, o juiz federal Nivaldo Dias (1ª. Vara Federal de São
Mateus/ES) determinou, em caráter liminar, a suspensão de operação de
financiamento do BNDES em favor da FIBRIA nos Municípios de Conceição
da Barra e São Mateus (ES). A ação se baseia em Inquérito Civil Público,
aberto em 2010 para apurar possíveis fraudes, ocorridas nos anos 70, na
legitimação da posse de terras devolutas e de ocupação quilombola nos
referidos municípios34. Tanto BNDES quanto Fibria recorreram.

34 Em 2015, a FIBRIA foi alvo também de denúncias de violação de direitos


trabalhistas. No dia 25 de agosto daquele ano, empregados das fábricas de Três
Lagoas, no Mato Grosso do Sul, tornaram públicas demissões praticadas pela
empresa no contexto de formação do sindicato dos trabalhadores florestais na
região. Segundo relatos de trabalhadores, a FIBRIA também oferece precárias

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
71 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Recentemente, em setembro de 2017, o juiz reviu esta decisão,


restringindo a proibição de financiamento para plantio de eucalipto e
produção de celulose apenas em relação aos imóveis citados na petição
inicial do MPF. Por outro lado, a Procuradoria obteve importante vitória no
TRF da 2ª Região, que determinou a inversão do ônus da prova nas
respectivas ações. Os processos seguem seu trâmite, ainda longe de um
desfecho.

5. A PREV ALÊNCI A DO DIR EI TO PRIV ADO


SOBRE O INTERESSE PÚBLICO

Neste breve resgate da trajetória da FIBRIA fica evidente, de um


lado, o papel do Estado, via BNDES, de formação e sustentação de uma
burguesia monopolista no setor de papel e celulose. De outro, o papel
deliberadamente minoritário e auxiliar assumido pelo Banco em um
poderosíssimo grupo econômico, detentor de graves passivos sociais e
ambientais35. Como a nossa história é pródiga em demonstrar, a formação
do capital monopolista tem se sustentado na precarização das relações de
trabalho; espoliação dos territórios urbanos e recursos ambientais;
privatização dos serviços e fundos públicos; e violação de direitos
humanos36.
Ao mesmo tempo, a atuação do Banco em favor da formação de
grandes oligopólios, com estruturas de propriedade verticalizadas e
concentradas, contraria, por sua vez, o próprio estatuto do BNDESPAR, que

condições de trabalho, com ambientes habitados por animais peçonhentos,


maquinário velho e danificado e não cumprimento dos horários de almoço dos
funcionários (WRM, 2015).
35 Vale assinalar que no inciso I do art. 5 do Estatuto do BNDESPAR, que define as
formas de apoio financeiro, está dito: “I – subscrição e integralização de valores
mobiliários e, em se tratando de ações, preferencialmente em proporções
minoritárias” (grifo nosso).
36 A Votorantim também é detentora de passivos sócio-ambientais em outros
setores em que atua, como no caso da mineração de zinco nas cidades mineiras de
Vazante e Três Marias, com graves impactos na região, conforme MENDONÇA (2009).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 72
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

estabelece como um de seus objetos sociais: “IV - contribuir para o


fortalecimento do mercado de capitais por intermédio do acréscimo de
oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital
de empresas” (grifo nosso).
O papel desempenhado aí pelo BNDES demonstra o quanto
também é ilusório o discurso de que o Banco “escolheria”, “elegeria” seus
sócios candidatos a oligopólios ou as “campeãs nacionais”. Na realidade, se
trata de vínculos históricos e institucionais entre a burocracia do Banco e a
burocracia de grandes grupos privados. O controle de que fala Poulantzas
dos “aparelhos econômicos de Estado” pelas frações da burguesia
monopolista se processa, como visto, de diferentes formas: participações
societárias, acordos de acionistas, presença em conselhos de
administração, migração entre ocupantes de órgãos públicos com o setor
privado e vice-versa (“porta giratória”)37.
Como já foi dito, até finais de 2015 a União, por meio do BNDES e
de sua subsidiária integral, o BNDESPAR, possuía a maioria das ações com
direito a voto da FIBRIA, o que poderia no limite caracterizar uma
“Sociedade de Economia Mista”, sujeita ao direito administrativo público –
com controle externo, via TCU; concurso público para admissão de pessoal;

37 Todas essas formas de conexão entre o público e o privado remontam ao conceito


de “anéis burocráticos” de CARDOSO (1975), segundo o qual “não se trata de lobbies
(forma organizativa que supõe tanto um Estado como uma sociedade civil mais
estruturados e racionalizados), mas de círculos de informação e pressão (portanto,
de poder) que se constituem como mecanismo para permitir a articulação entre
setores do Estado (inclusive forças armadas) e setores de classes sociais” (Op. Cit.:
208). Já DREIFUSS (1984) parece avançar na percepção do mesmo fenômeno, ao se
referir a “anéis burocrático-empresariais”. O autor argumenta “acrescentou-se a
qualificação de empresarial ao conceito de Fernando Henrique Cardoso por dois
motivos: primeiramente, os ‘burocratas’ em sua maioria eram empresários, apesar de
ocuparem posições burocráticas. Em segundo lugar, e talvez o fator mais
significativo, é que esses anéis tendem a ser mais permanentes do que o termo de
Cardoso sugere, e favorecem, quase exclusivamente, a interesses empresariais
específicos contra outros setores da sociedade civil. A base lógica dos anéis
burocrático-empresariais é influenciada em alto grau por suas conexões empresariais
regulares e não por normas burocráticas de comportamento, ou por efêmeras e
eventuais ligações econômicas” (Op. Cit.: 110). Sobre o conceito e a prática da “porta
giratória” ver DIAS, A.C. et. al., 2015.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
73 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

e regime de contratação por licitação38. Mas, como se sabe, o acordo de


acionistas entre VID e BNDESPAR assegura o controle acionário à VID. Pelo
dito acordo, a Votorantim tem o direito de nomear 5 representantes no
Conselho de Administração da empresa e o BNDESPAR apenas 239.
Embora com presença minoritária no Conselho, o BNDESPAR tem
direito de veto sobre um conjunto de matérias, da aprovação do orçamento
anual até operações acima de R$ 20 milhões. Vale notar que entre as
referidas matérias, não consta qualquer menção a aspectos sociais ou
ambientais. Longe disso, o acordo prevê que os acionistas orientarão suas
decisões segundo princípios, entre eles: “os recursos da Companhia e de
suas Controladas serão geridos de modo a assegurar o maior retorno
possível para seus acionistas”.
Vale dizer que os limites ao exercício do interesse público quando
da participação majoritária ou minoritária do Estado em empresas de
capital aberto também estão dados pela própria Lei das Sociedades
Anônimas. Em seu Art. 115, a Lei das S.A. estabelece que “o acionista deve

38 De acordo com o art. 5 do Decreto-Lei 200/67, que dispõe sobre a organização da


Administração Federal: “III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de
personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de
atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a
voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta”
(grifo nosso). Com a venda de participações na FIBRIA em finais de setembro de 2015,
o BNDESPAR recua de sua posição majoritária em benefício da Votorantim, por uma
diferença de apenas 0.3%. Para além de razões econômicas, esta venda pode ter um
sentido de precaução do Banco frente a possíveis implicações de deter maioria
acionária em uma empresa privada.
39 O acordo de acionistas entre BNDESPAR e Votorantim define como controle, “o
poder de uma ou mais pessoas de controlar direta ou indiretamente, através de
títulos valores mobiliários ou direito de voto ou através de acordo deter direitos que
lhe assegurem de modo permanente a preponderância nas deliberações sociais e o
poder de eleger a maioria dos administradores” (grifo nosso). Contudo, em recente
e esclarecedor artigo sobre o “Controle das empresas semiestatais”, o procurador
federal Murillo Giordan Santos afirma o seguinte “ainda que o Estado detenha a
maioria do capital votante, a empresa poderia ser controlada por particulares
detentores de parcelas minoritárias do capital votante, caso houvesse acordo de
acionistas nesse sentido. No entanto, esses acordos de acionistas não têm o condão
de alterar o regime jurídico aplicável a essa espécie de empresa, pois elas
permanecerão públicas de acordo com o disposto no art. 5, III, do Decreto-Lei
200/67” (SANTOS, 2015, p. 64).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 74
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo


o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros
acionistas”. Emblemático, neste sentido, foi a aplicação, em maio de 2015,
de multa pela Comissão de Valores Mobiliários à União que teria infringido
o art. 115, ao ter votado em situação de conflito de interesses em
assembleia geral extraordinária da Eletrobrás realizada em 3/12/201240.
Como se vê, a atuação do BNDES na FIBRIA mostra-se totalmente
alinhada aos interesses comerciais da empresa. Em dezembro de 2013, o
Conselho de Administração, com a presença dos representantes do BNDES,
aprova a venda pela FIBRIA, por R$ 1,6 bi, de 210 mil hectares de terras
localizadas nos estados do MS, SP, ES e BA para a Parkia Participações SA,
permanecendo a FIBRIA com operadora das florestas por até 24 anos nas
áreas envolvidas na transação.
O diretor presidente da Parkia é Charles Wanderley Maia, que
acumula a mesma função na Arapar Participações SA, como revela o Diário
Oficial do Estado do Rio de Janeiro, de 27.11.2013. Vale aqui lembrar que a
Arapar, além da família Lorentzen, conta com os Moreira Salles e o Fundo
Gávea de Armínio Fraga. Os outros dois diretores da Parkia são sócios da
Brookfields Brasil Ltda., subsidiária do fundo bilionário de investimentos
canadense Brookfields.
A referida operação se mostra bastante questionável já que a
FIBRIA cedeu quase um quarto de suas terras em proveito de um grupo
financeiro, cujos controladores são antigos donos da própria Aracruz e
também capitais estrangeiros. Neste caso, algo que representaria uma
violação do parecer da Advocacia Geral da União, que desde 2010
suspendeu a possibilidade de estrangeiros comprarem terras no Brasil.

40 Nessa AGE, a União se manifestou a favor da renovação antecipada de contratos


de concessão de geração e transmissão de energia elétrica celebrados entre: de um
lado, subsidiárias da Companhia (como concessionárias), e, de outro, a própria União
(como poder concedente). Ver o processo em
http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2015/20150526-1.html (acessado em 08
de fevereiro de 2016).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
75 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Contudo, o caráter subordinado do BNDES em relação aos


interesses da empresa fica, ainda mais patente, quando se verifica que o
próprio Banco recorre da decisão do Juiz Nivaldo Dias, em favor da
continuidade do financiamento, alegando que o seguimento da atividade
no local não impediria a entrega das terras, caso fosse reconhecido o direito
dos quilombolas. O juiz manteve a decisão liminar num primeiro momento,
já que a grilagem das terras estaria suficientemente comprovada e não
caberia ao banco público financiar plantio de eucalipto em terras griladas.
O BNDES seguiu, tal como a FIBRIA, apresentando recursos, chegando-se a
situação atual, em que houve um recuo por parte do juiz, que, embora não
tendo ainda conferido a sentença, restringiu a abrangência da tutela
provisória anteriormente concedida.
O alinhamento do BNDES à dinâmica dos negócios dos grupos que
apóia se revela também na fragilidade da política socioambiental do banco
(PINTO, 2012; CONECTAS, 2014). Como os referidos estudos demonstram,
o Banco acaba por se limitar a observar a formalidade das licenças
ambientais, não se atendo nem mesmo, como determina a legislação
ambiental, às condicionantes previstas no processo de licenciamento.
Os vínculos institucionais entre FIBRIA e BNDES são
representativos de mecanismos pelos quais frações da burguesia
monopolista asseguram seus interesses junto aos “centros de decisão”, ou
melhor, aos “aparelhos econômicos de Estado”, levando ao reforço da
concentração e centralização de capitais em prejuízo do direito e fundo
públicos. Como se pode verificar de forma cabal no caso do BNDES na
FIBRIA, o padrão de participação minoritária do Estado, consagrado no pós-
privatizações, serve abertamente à acumulação privada às expensas do
interesse público, haja visto que não há sequer um regime jurídico a regular
tal modelo de participação estatal.
SANTOS (2015) parte, exatamente, da constatação de que “não há
no Brasil disciplina legal sobre o regime jurídico dessas sociedades
semiestatais” ou “empresas semiestatais”, ou seja, “empresas em que o
Estado detém participação minoritária no capital social”. A partir desta
constatação, o autor discute quais seriam as formas possíveis de controle.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 76
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Em princípio, a participação minoritária de empresas estatais em uma


empresa privada se justificaria no sentido de promover alguma finalidade
pública, ou seja, “melhorar o desempenho das atividades compreendidas
em seu objeto social”.
No caso do BNDES, controlador do BNDESPAR, seu objetivo
primordial é o de, conforme o Art. 3 de seu Estatuto, “apoiar programas,
projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento
econômico e social do País”. Resta, então, indagar se fomentar um grupo
monopolista como a FIBRIA é proporcionar desenvolvimento aos
brasileiros. Seria o caso, aqui, de parafrasear o embaixador Juracy
Magalhães e atualizar sua ironia, afirmando “o que é bom para a FIBRIA é
bom para o Brasil”41.
O cumprimento da finalidade social poderia ser assegurado,
argumenta Santos, por meio da participação de representante das estatais
e suas subsidiárias no conselho de administração das “empresas
semiestatais”. Algo que, como constatado no caso da participação de
representantes do BNDES no Conselho da FIBRIA, não parece se traduzir na
defesa de interesses públicos.
Uma via de controle seriam os próprios órgãos de fiscalização, a
exemplo dos tribunais de contas, que poderiam verificar a eficiência dos
negócios que elas mantêm com as estatais, o que permitiria ao órgão de
controle solicitar informações e documentos das “semiestatais”. No
entanto, tais órgãos não possuiriam competência para formular
determinações e recomendações às “empresas semiestatais”. Sobre este
ponto, importante ressalvar um pequeno avanço obtido com a nova Lei das
Estatais, a Lei 13.303/2016.
O § 7º do Art. 1º da referida Lei estabelece que “na participação
em sociedade empresarial em que a empresa pública, a sociedade de
economia mista e suas subsidiárias não detenham o controle acionário,
essas deverão adotar, no dever de fiscalizar, práticas de governança e

41 “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. ” A frase do embaixador
Juracy Magalhães era usada para ironizar os “entreguistas” nos anos 1970 a 90.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
77 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

controle proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio


do qual são partícipes”. Para tanto, a Lei determina a produção de uma série
de documentos e relatórios sobre as condições e o desempenho da
empresa em que o Estado é minoritário42.
Se isso abre uma maior possibilidade de controle pelos órgãos de
fiscalização, não se pode dizer que se trata de um grande avanço já que a
própria Lei confere às empresas estatais e suas subsidiárias a possibilidade
de imporem sigilo, confidencialidade sobre suas informações, restringindo
enormemente a transparência e as possibilidades de controle. A título de
exemplo vale reproduzir aqui o Art. 88 do Capítulo III “Da Fiscalização pelo
Estado e pela Sociedade”. Diz o referido artigo, “as empresas públicas e as
sociedades de economia mista deverão disponibilizar para conhecimento
público, por meio eletrônico, informação completa mensalmente
atualizada sobre a execução de seus contratos e de seu orçamento,
admitindo-se retardo de até 2 (dois) meses na divulgação das informações”.
Já o seu § 1o , estabelece o seguinte: “a disponibilização de informações
contratuais referentes a operações de perfil estratégico ou que tenham por

42 Vale aqui elencar o conjunto das informações exigidas pela Lei, previstas nos
incisos do § 7 do Art. 1: I - documentos e informações estratégicos do negócio e
demais relatórios e informações produzidos por força de acordo de acionistas e de
Lei considerados essenciais para a defesa de seus interesses na sociedade
empresarial investida; II - relatório de execução do orçamento e de realização de
investimentos programados pela sociedade, inclusive quanto ao alinhamento dos
custos orçados e dos realizados com os custos de mercado; III - informe sobre
execução da política de transações com partes relacionadas; IV - análise das
condições de alavancagem financeira da sociedade; V - avaliação de inversões
financeiras e de processos relevantes de alienação de bens móveis e imóveis da
sociedade; VI - relatório de risco das contratações para execução de obras,
fornecimento de bens e prestação de serviços relevantes para os interesses da
investidora; VII - informe sobre execução de projetos relevantes para os interesses
da investidora; VIII - relatório de cumprimento, nos negócios da sociedade, de
condicionantes socioambientais estabelecidas pelos órgãos ambientais; IX -
avaliação das necessidades de novos aportes na sociedade e dos possíveis riscos de
redução da rentabilidade esperada do negócio; X - qualquer outro relatório,
documento ou informação produzido pela sociedade empresarial investida
considerado relevante para o cumprimento do comando constante do caput.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 78
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

objeto segredo industrial receberá proteção mínima necessária para lhes


garantir confidencialidade”43.
Outro meio de controle, consagrado na Constituição de 88, foi
igualmente enfraquecido pela nova Lei das Estatais. Conforme estabelece
o inciso XX do Art. 37 da Constituição, a participação de empresa pública
em empresa privada depende de autorização legislativa em cada caso.
Embora já bastante flexibilizado na prática, o referido dispositivo legal
perde sua validade com o advento da nova Lei.
Novamente, vale checar o que diz a Lei no § 2º do Art 2º: “§
2o Depende de autorização legislativa a criação de subsidiárias de empresa
pública e de sociedade de economia mista, assim como a participação de
qualquer delas em empresa privada, cujo objeto social deve estar
relacionado ao da investidora, nos termos do inciso XX do art. 37 da
Constituição Federal”. E segue afirmando: “§ 3o A autorização para
participação em empresa privada prevista no § 2o não se aplica a operações
de tesouraria, adjudicação de ações em garantia e participações
autorizadas pelo Conselho de Administração em linha com o plano de
negócios da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
respectivas subsidiárias”. Ou seja, a participação minoritária de empresas
estatais em empresas privadas passa a ser, então, uma decisão exclusiva do
Conselho de Administração da estatal, reduzindo, por óbvio, drasticamente
as possibilidades de controle.
Uma outra forma por meio da qual o direito público perde sua
“validade operativa” em favor dos interesses privados, no caso de
participações minoritárias do Estado em empresas privadas, diz respeito a
prerrogativas jurídicas conferidas a partir da natureza pública de um ente.
Como esclarece MANSOLDO (2017, p. 71, grifo nosso), “dentre tais

43 Como afirma MANSOLDO (2017, p. 65), “o dispositivo não possui abrangência


suficiente, porém, para estabelecer um regime jurídico que discipline o fenômeno
das empresas privadas com participação estatal, silenciando acerca de assuntos que
lhes seriam pertinentes, como a escolha do sócio privado, a celebração de acordos
de acionistas ou outros mecanismos de compartilhamento de controle das
companhias”.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
79 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

instrumentos destaca-se a suspensão de segurança, que permite solicitar ao


respectivo tribunal que seja sobrestado o cumprimento de uma liminar ou
ordem desfavorável concedida por um juiz de primeira instância por
implicar ‘grave lesão à ordem, à segurança ou à economia públicas”44.

CONSI DER AÇÕ ES FIN AIS

As constatações preliminares do estudo ECOPOL/HOMA, em


relação à prevalência do direito privado sobre o público na relação entre o
BNDES e a FIBRIA, dizem o quanto é incontornável expormos e debatermos
publicamente os vínculos institucionais, formais ou não, dos “aparelhos
econômicos de Estado” com as “frações monopolistas da burguesia”.
Vínculos estes que põem por terra a presunção liberal de dissociação entre
economia e política, Estado e mercado, e que são responsáveis por estreitar
e minar a democracia e o campo dos direitos sociais45.
Aos que pretendem fazer frente a este domínio monopolista, resta
escaparem à armadilha pendular Estado versus mercado, sob o risco de
justificar e reproduzir o que se pretende combater, soçobrando em um
“neoliberalismo de esquerda”. Dardot e Laval são precisos neste sentido:

“sem ousar regogizar-se abertamente, a esquerda


pega-se espreitando os sinais precursores de um
retorno do pêndulo a uma regulação direta da parte

44 Mansoldo ressalva que “embora pela literalidade do dispositivo tal medida seja
permitida somente às ‘pessoas jurídicas de direito público’, há um elastecimento do
conceito para garantir legitimidade ativa a concessionárias ou permissionárias de
serviço público, embora sejam pessoas jurídicas de direito privado”. Não é também
novidade o quanto o judiciário brasileiro tem se valido do referido dispositivo,
contrariando direitos sociais e ambientais de populações atingidas por mega-
empreendimentos ligados à política estatal, invariavelmente com participações do
BNDES – o caso da construção da Usina de Belo Monte em Altamira-PA é
emblemático a esse respeito.
45 Como sugerido no Relatório Final da CPI do BNDES no Senado, em fevereiro de
2016: “o desempenho do BNDES não pode ser medido como se um banco privado se
tratasse embora obedeça à regulação bancária e de Mercado de capitais o BNDES é
um executor de políticas públicas cujos fins não se confundem com a quitação dos
financiamentos que concede”.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 80
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

dos governos. Presta pouca atenção ao fato de que este


‘retorno’ se opera em benefício de um Estado
empresarial” (DARDOT e LAVAL, 201, p. 396, grifos
nossos).

Trata-se, antes, de fazer avançar a democracia sobre a alta


administração do Estado (BNDES, Banco Central, Caixa Econômica Federal,
Ministério da Fazenda, Banco do Brasil, Eletrobras, Petrobras, Judiciário
etc.), desvinculando estes “aparelhos econômicos” dos interesses
monopolistas e financeiros e pondo-os à serviço do público, do comum, sem
o que não apenas persistirá a tal da “corrupção”, mas também o
aprofundamento da desigualdade social e perda de direitos. Importa, por
exemplo, redirecionar o BNDES para o financiamento à infra-estrutura
social – transporte de massa e saneamento público; e o Banco Central para
a redução da taxa de juros, a maior do mundo e que engorda grupos
financeiros empoleirados na alta burocracia fazendária do Estado,
estrangulando os gastos sociais. Enfrentar o assalto do Estado pelo 1% mais
rico é, como já disse o geógrafo David Harvey, o desafio de toda e qualquer
democracia neste limiar de século.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
81 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOITO JR., Armando. Estado e burguesia no capitalismo neoliberal. Revista


de Sociologia e Política. Curitiba, (28) pp. 57-73, jun. 2007.

BUGIATO, C. Martins. A política de financiamento do BNDES e a burguesia


brasileira. Tese de Doutorado. Campinas: Departamento de Economia da
UNICAMP. 2016.

CAMPOS, Pedro H. P. Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a


ditadura civil-militar, 1964-1988. Niterói: Eduff. 2014.

_______ e BRANDÃO, Rafael V. da M. Os donos do capital: a trajetória das


principais famílias empresariais do capitalismo brasileiro. Rio de Janeiro:
Autografia. 2017.

CARDOSO, Fernando H. Autoritarismo e Democratização. Rio de Janeiro: Paz


e Terra. 1975.

CDDH. Estudo e Relatório de Impactos em Direitos Humanos de Grandes


Projetos (EIDH/RIDH): o caso do monocultivo de eucalipto em larga escala no
norte do Espírito Santo. Conceição da Barra/São Mateus. 2010.

CODATO, Adriano. Poulantzas, o Estado e a Revolução. Revista Crítica


Marxista. Campinas: Unicamp, (27), pp. 65-85. 2008.

CONECTAS. Desenvolvimento para as pessoas? O financiamento do BNDES e


os direitos humanos. São Paulo: Conectas. 2014.

DARDOT, P.; LAVAL, C. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade


neoliberal. São Paulo: Boitempo. 2016.

DIAS, A.C. et. Al. The Revolving Door: Evidence from the United Kingdom,
Germany, France, Spain, Belgium, Greece and Brazil. Working Papers. Lisbon
School of Economics and Management. Universidade de Lisboa. 2015.

DREIFUSS, René Armand. 1964, a conquista do Estado. Petrópolis:


Vozes.1984.

EVANS, Peter. A tríplice aliança. As multinacionais, as estatais e o capital


nacional no desenvolvimento dependente brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar.
1977.

GARCIA, Ana S. A internacionalização de empresas brasileiras durante o


governo Lula: uma análise crítica da relação entre capital e Estado no Brasil

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 82
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

contemporâneo. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Instituto de Relações


Internacionais da PUC. 2012.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere: Maquiavel; Notas sobre o Estado e


a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Vol. 3. 2000.

HILFERDING, Rudolf. O Capital Financeiro. São Paulo: Nova Cultural. 1985

LAZZARINI, S. G. Capitalismo de laços. Rio de Janeiro: Elsevier. 2011

_______ e MUSACCHIO, A. Reinventando o Capitalismo de Estado: O Leviatã


nos negócios: Brasil e outros países. São Paulo: Portfolio-Penguin. 2015.

LENIN, V. I. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Editora


Global. 1982.

MANSOLDO, Felipe Fayer. Discutindo desenvolvimento e direitos humanos: a


atuação do BNDES sob a perspectiva poulantziana de Estado e seu reflexo nas
violações aos direitos humanos por empresas. Dissertação de Mestrado. Juiz
de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, Dissertação de Mestrado.
2017

MANTEGA, G.; MORAES, M. Acumulação monopolista e crises no Brasil. Rio


de Janeiro: Paz e Terra. 1980

MARTINS, Luciano. Estado e burocracia no Brasil pós-1964. Rio de Janeiro:


Paz e Terra. 1985.

MENDONÇA, Maria Luisa. O verdadeiro perfil do Grupo Votorantim. In:


INSTITUTO ROSA LUXEMBURG. Empresas transnacionais brasileiras na
América Latina: um debate necessário. São Paulo: Expressão Popular, pp.
175-186. 2009.

MPF. Justiça mantem liminar que suspende financiamentos do BNDES à


FIBRIA Celulose. Disponível em:
<http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-
site/copy_of_geral/mpf-mantem-liminar-que-suspende-financiamentos-
do-bndes-a-FIBRIA-celulose>. 2014. Acesso em: 11 mar. 2016.

MPF. MPF/ES entra com ação contra antiga Aracruz Celulose por grilagem de
terras públicas. Disponível em:
<http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_meio-
ambiente-e-patrimonio-cultural/mpf-es-entra-com-acao-contra-FIBRIA-s-a-
antiga-aracruz-celulose-por-grilagem-de-terras-publicas>. 2013. Acesso
em: 11 mar. 2016.

PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2014.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
83 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

PINTO, João R. L. Et alli. O BNDES e a reorganização do capitalismo


brasileiro: um debate necessário. In: MAGALHÃES, Raphael de Almeida
(org.). Os Anos Lula: um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Editora
Garamond, pp. 249-286. 2011.

PINTO, João R. L, (Org.). A ambientalização dos bancos e a financerização da


natureza: um debate sobre a política ambiental do BNDES e a
responsabilização das instituições financeiras. Brasília: Rede Brasil sobre
Instituições Financeiras Multilaterais. 2012.

_______. O BNDES e a expansão do capitalismo brasileiro: corporações e


setores privilegiados – Parte 1. Jornal dos Economistas. Rio de Janeiro:
Corecon-RJ, (301), pp. 10-12. 2014a.

_______. O BNDES e a expansão do capitalismo brasileiro: corporações e


setores privilegiados – Parte 2. Jornal dos Economistas. Rio de Janeiro:
Corecon-RJ, (302), pp. 10-12. 2014b.

_______. Contra a privatização do BNDES: qual a melhor defesa?. Jornal dos


Economistas. Rio de Janeiro: Corecon-RJ, (334), pp. 12-13. 2017.

POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro/RJ: Graal.


2000.

_______. Poder político e classes sociais. São Paulo, ed. Martins Fontes. 1977.

ROCHA, Marco A. M. da. Grupos Econômicos e Capital Financeiro: uma


História Recente do Grande Capital Brasileiro. Tese de Doutorado. Campinas,
Instituto de Economia da UNICAMP, Tese de Doutorado. 2013.

SLOTERDIJK, Peter. Crítica da Razão Cínica. São Paulo: Estação Liberdade.


2012.

SOARES, Murillo Giordan. Controle das empresas semiestatais. RIL


Brasileira. Brasília: Senado Federal, (208), pp. 61-79. 2015.

SPERS, Eduardo E. Et alli. Aracruz Celulose S.A.: uma estratégia financeira de


emissão de ADRs. São Paulo: Fundação Instituto de
Administração/Pensa.1997.

SWEEZY, P. e BARAN, P. Capitalismo Monopolista. Rio de Janeiro: Zahar


Editores. 1966.

TAVARES, M. C. Et alli. Memórias do Desenvolvimento: o papel do BNDE na


Industrialização do Brasil – Os anos dourados do desenvolvimento, 1952-
1980. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para
o Desenvolvimento. 2010.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 84
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao


capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro:
Zahar Editores. 1973.

WRM. Brasil: aprovada a liberação comercial do primeiro eucalipto


transgênico. Disponível em:<http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-
wrm/secao1/brasil-aprovada-a-liberacao-comercial-do-primeiro-eucalipto-
transgenico/>. 2015. Acesso em: 11 mar. 2016.

WRM. Brasil: Justiça mantém liminar que suspende financiamentos do BNDES


à FIBRIA Celulose, empresa certificada pelo FSC. Disponível em:
<http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao3/brasil-justica-
mantem-liminar-que-suspende-financiamentos-do-bndes-a-FIBRIA-
celulose-empresa-certificada-pelo-fsc/>. 2014. Acesso em: 11 mar. 2016.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
85 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

COLONI ALI SMO E GOVER NO EMPRESARI AL NO


SUL GLOB AL

COLONI ALI SM AND ENTREPRENEURI AL


GOVERN ANCE I N THE GLOB AL SOUTH

Flávia do Amaral Vieira1

RESUMO
Ao remontar às raízes que interligam os territórios latino-americanos,
sobretudo o brasileiro, às lógicas operativas do capitalismo transnacional,
nos aliamos a tese de Quijano, segundo a qual, a globalização em curso é,
em primeiro lugar, a culminação de um processo que começou com a
constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado
como um novo padrão de poder mundial. Nesse cenário, com o avanço do
neoliberalismo e as grandes ondas de privatização, as corporações
transnacionais se tornam uma das mais poderosas instituições do nosso
tempo, com o apoio estratégico dos Estados. Um “mercado mundial”
formado por um entrelaçamento de coalizões de entidades públicas e
privadas promovem diferentes interesses de poderes estatais e
econômicos, consolidando um “governo empresarial”, que exerce papel
central na exploração e transferência das riquezas do Sul global para o
Norte. Paralelamente a este processo, violações de direitos humanos
causadas por estas empresas passam a ser cada vez mais contestados pela
sociedade civil e por fóruns internacionais, objetivando romper com que
vem sido chamado de “arquitetura da impunidade”, a partir da imposição
de termos como governança e autorregulação. A partir de pesquisa

1 Doutoranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-graduação em Direito da


Universidade Federal do Pará, PPGD-UFPA, Brasil. E-mail: ei_flavia@hotmail.com.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 86
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

bibliográfica, este artigo pretende analisar como operam as lógicas


coloniais de normatização da atuação dessas empresas no Sul Global.

PALAVRAS-CHAVE: Colonialismo. Neoliberalismo. Sul global.

ABSTRACT
In summing up the roots that link Latin American territories, especially
brazilian ones, with the operative logics of transnational capitalism, we
agree with Quijano's thesis that globalization is, in the first place, the
culmination of a a process that began with the constitution of America and
colonial/modern and eurocentric capitalism as a new world power
standard. In this scenario, with the advance of neoliberalism and the great
waves of privatization, transnational corporations become one of the most
powerful institutions of our time, with the strategic support of the states.
A "global market" formed by an interlocking of coalitions of public and
private entities promotes different interests of state and economic
powers, consolidating a " entrepreneurial governance" that plays a central
role in the exploration and transfer of wealth from the global South to the
North. Parallel to this process, civil society are aiming to break with what
has been called "architecture of impunity", that prevents accountability of
transnational corporations for human rights violations, from the imposition
of terms such as governance and self-regulation. From a bibliographical
research, this article intends to analyze how the colonial logics of
normalization of the performance of these companies operate in the Global
South.

KEYWORDS: Colonialism. Neoliberalism. Global south.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
87 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

INTRODUÇ ÃO

Na atualidade, constata-se que existe uma tensão crescente entre


a expansão da economia na globalização e os direitos humanos. Os
problemas emergem da existência de fortes assimetrias entre as
corporações – o poder econômico – e as populações, ou entre corporações
e Estados, que geram situações de abusos, delitos e violações de direitos
humanos, com notória semelhança às lógicas da colonialidade.
A partir de pesquisa bibliográfica, este artigo pretende analisar
como operam as lógicas coloniais de normatização da atuação dessas
empresas no Sul Global. Estamos de acordo com Dardot e Laval quando
afirmam que a análise do neoliberalismo deve ser precisa, documentada,
circunstanciada e atualizada para ter eficácia política (DARDOT; LAVAL,
2016, pg. 07).
Assim, partimos do pressuposto de que há um grande déficit nos
estudos sobre neoliberalismo e direitos humanos, que é a reflexão sobre a
natureza substancialmente colonial do neoliberalismo. Ao remontar às
raízes históricas, epistêmicas, político-econômicas, culturais e ideológicas
que interligam os territórios latino-americanos às lógicas operativas do
capitalismo transnacional, alia-se a tese de Quijano, segundo a qual, a
globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um processo
que começou com a constituição da América e do capitalismo
colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial
(QUIJANO, 2005, pg. 123).
À expansão das políticas econômicas neoliberais na América
Latina, a partir dos anos 1980, favoreceu a entrada de investimentos e
acionistas internacionais, mercantilizaram e colocaram à disposição destas
corporações setores básicos da vida das pessoas. Assim, transnacionais
passam a exercer domínio e monopólio sobre os recursos naturais em
praticamente todas as esferas, controlando a maioria dos setores
estratégicos da economia mundial, sendo que algumas delas passam a
exibir poder econômico superior ao valor do produto interno bruto (PIB) de
alguns países.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 88
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Nesse sentido, verifica-se que a relação entre os sujeitos de Direito


com o Estado constitucional moderno, passa a ser substituída por
obrigações contratuais privadas e despolitizadas, nas quais a parte mais
fraca se encontra mais ou menos à mercê da parte mais forte (SANTOS,
2007, pg. 80).
Mesmo que, ao longo do século XX, com o processo de
democratização das relações sociais e a entrada em cena das camadas
populares na arena política, tenham se promovido algumas balizas ou
condições necessárias para a realização dos direitos humanos e sociais na
contemporaneidade (MATHIS, 2016, pg. 123), estas empresas gozam de um
sistema denominado arquitetura da impunidade, que impede que sejam
responsabilizadas por violações de direitos humanos.
A arquitetura da impunidade se fundamenta em instrumentos de
autorregulação e no discurso neoliberal da boa-governança. A hipótese
central é que a ausência de instrumentos que regulamentem de fato, que
imponham sanções e responsabilização de empresas transnacionais por
violações de direitos humanos no mundo evidencia padrões de relação
coloniais entre o Sul global e o Norte global, sede das corporações.
Nesse sentido, primeiramente apresentaremos uma reflexão
sobre a matriz de poder colonial da atualidade, em seguida sobre o
neoliberalismo e a égide do que é chamado por Dardot e Laval (DARDOT;
LAVAL, 2016) como governo empresarial, para apresentar uma crítica à
arquitetura da impunidade que impede a responsabilização de corporações
transnacionais por violações de direitos humanos.

1. M ATRIZ DE PODER COLO NI AL E


NEOLIBER ALI SMO

A América latina tem sido um dos principais alvos da ofensiva


imperialista articulada pelos Estados centrais e grandes corporações
transnacionais no contexto da globalização neoliberal, através da aplicação

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
89 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de políticas neoliberais e da ação recolonizadora na região (CARVALHO,


2012, pg. 741).
Diante dessa problemática, alia-se a tese de Quijano, segundo a
qual a globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um
processo que começou com a constituição da América e do capitalismo
colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial 2
(QUIJANO, 2005, pg.117).

“Em primeiro lugar, o atual padrão de poder mundial é


o primeiro efetivamente global da história conhecida.
Em vários sentidos específicos. Um, é o primeiro em
que cada um dos âmbitos da existência social estão
articuladas todas as formas historicamente
conhecidas de controle das relações sociais
correspondentes, configurando em cada área um
única estrutura com relações sistemáticas entre seus
componentes e do mesmo modo em seu conjunto.
Dois, é o primeiro em que cada uma dessas estruturas
de cada âmbito de existência social, está sob a
hegemonia de uma instituição produzida dentro do
processo de formação e desenvolvimento deste
mesmo padrão de poder. Assim, no controle do
trabalho, de seus recursos e de seus produtos, está a
empresa capitalista; no controle do sexo, de seus
recursos e produtos, a família burguesa; no controle
da autoridade, seus recursos e produtos, o Estado-
nação; no controle da intersubjetividade, o
eurocentrismo. Três, cada uma dessas instituições
existe em relações de interdependência com cada
uma das outras. Por isso o padrão de poder está
configurado como um sistema. Quatro, finalmente,
este padrão de poder mundial é o primeiro que cobre

2 Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da


população mundial de acordo com a ideia de raça, uma construção mental que
expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as
dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade
específica, o eurocentrismo. Esse eixo tem, portanto, origem e caráter colonial, mas
provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi
estabelecido. Implica, consequentemente, num elemento de colonialidade no
padrão de poder hoje hegemônico (QUIJANO, 2005, pg. 117).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 90
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

a totalidade da população do planeta”. (QUIJANO,


2005, pg. 123).

De acordo com Catherine Walsh, o termo colonialidade se refere a


“uma matriz de poder global que tem classificado de forma hierarquizada
populações, seus conhecimentos e sistemas cosmológicos de vida de
acordo com um padrão eurocêntrico” (WALSH, 2010, pg. 15).
Nesse sentido, Grosfoguel destaca que colonialidade e
modernidade constituem duas faces da mesma moeda, se reconhecermos
que a revolução industrial europeia só foi possível graças às formas
coercivas de trabalho na periferia, o que significa que ao mesmo tempo que
no Norte global surgiam direitos, leis e instituições da modernidade, como
o Estado-nação, a cidadania e a democracia, no Sul global vivia-se sobre o
paradigma da dominação/exploração (GROSFOGUEL, 2008, pg. 125).

A primeira ilação a tirar do deslocamento da nossa


geopolítica do conhecimento é que aquilo que chegou
às Américas nos finais do século XVI não foi apenas um
sistema económico de capital e trabalho destinado à
produção de mercadorias para serem vendidas com
lucro no mercado mundial. Essa foi uma parte
fundamental, ainda que não a única, de um “pacote”
mais complexo e enredado. O que chegou às Américas
foi uma enredada estrutura de poder mais ampla e
mais vasta, que uma redutora perspectiva económica
do sistema-mundo não é capaz de explicar. Vendo a
partir do lugar estrutural de uma mulher indígena das
Américas, o que então surgiu foi um sistema-mundo
mais complexo do que aquele que é retratado pelos
paradigmas da economia política e pela análise do
sistema-mundo. Às Américas chegou o homem
heterossexual/ branco/ patriarcal/ cristão/ militar/
capitalista/ europeu, com as suas várias hierarquias
globais enredadas e coexistentes no espaço e no
tempo [...] (GROSFOGUEL, 2008, pg. 122).

Para Grosfoguel, continuamos a viver sob a matriz de poder


colonial, através da colonialidade global, na qual os povos não-europeus

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
91 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

permanecem vivendo sob exploração e dominação europeia/euro-


americana, arraigadas e enredadas na divisão internacional do trabalho e na
acumulação do capital à escala mundial (GROSFOGUEL, 2008, pg. 126).
Ainda que não estejam sujeitos a uma administração colonial, o regime da
colonialidade global atualmente é imposto pelas instituições financeiras
internacionais e pelas corporações.
A hierarquia étnico-racial global é parte integrante do
desenvolvimento da divisão internacional do trabalho no sistema
capitalista3. Nesse sentido, identifica-se a continuidade das relações
centro-periferia, agora instituídas por intermédio da reconfiguração
territorial e dos fluxos de capitais direcionados aos países da periferia do
capitalismo, através dos frequentes deslocamentos de capital e do avanço
das grandes corporações transnacionais e conglomerados financeiros
(ASSIS, 2014, pg. 619), expandindo a ocupação territorial do capital.

Estado e o mercado representariam, nesse esquema,


dimensões complementares de um processo unitário
que impulsiona a expansão do capitalismo por meio da
perpetuação das relações centro-periferia. Se, antes, a
posição de centro era exercida por uma dominação e
uma influência política derivada do poder dos Estados,
agora seria mais adequado conjeturar que as relações
de dependência são resultado do poder econômico de
grandes corporações transnacionais e conglomerados
financeiros, que se ancoram na lógica de mercado e na
influência política dos Estados de origem para fazer
valer sua força de constrangimento (ASSIS, 2014, 620).

3Atualmente, as zonas centrais da economia-mundo capitalista coincidem com


sociedades predominantemente brancas/europeias/euro-americanas, tais como a
Europa Ocidental, o Canadá, a Austrália e os Estados Unidos, enquanto as zonas
periféricas coincidem com povos não-europeus outrora colonizados. O Japão é a
única exceção que confirma a regra, na medida em que nunca foi colonizado nem
dominado pelos europeus e, à semelhança do Ocidente, desempenhou um papel
activo na construção do seu próprio império colonial. A China, embora nunca
colonizada na sua totalidade, viu-se periferizada pelo uso de entrepostos coloniais
como Hong Kong e Macau, e por intervenções militares diretas (GROSFOGUEL, 2008,
pg. 127).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 92
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Assim, embora a colonialidade nunca tenha estado ausente,


através do termo recolonização, se identifica o salto quantitativo do
imperialismo que vem ocorrendo nos países da América Latina, através de
variadas ações que buscam subordinar os Estados periféricos
politicamente, economicamente, e militarmente, agravando as
desigualdades sociais.
A partir da análise da entrada destes investimentos diretos no
controle e apropriação de recursos naturais, constata-se que regressão
primário-exportadora verificada no Brasil, assim como em outros países
latino-americanos, são amostras da continuidade de um processo dotado
de raízes estruturais. De acordo com esse raciocínio, os preços de mercado
e a troca desigual são mecanismos arbitrários por meio dos quais as
economias centrais extraem energia e exportam entropia para suas
periferias, em um intercâmbio desigual vigente no sistema-mundo colonial-
moderno (ASSIS, 2014, pg. 623).
A resposta neoliberal propunha que o “desenvolvimento” devia
fundamentar-se na especialização da produção tradicional agrícola dirigida
ao exterior (exportação), e, portanto, orientada para o mercado (livre
comércio internacional). Nesse sentido, recolonização na América Latina
constitui um processo amplo, diversificado e que atende aos interesses das
grandes corporações transnacionais dos Estados centrais, podendo ser
apreendida de inúmeras maneiras.
Neste cenário, com o objetivo de atender às exigências do modelo
de desenvolvimento e do processo de reestruturação econômica do capital,
em nível nacional e internacional, verifica-se o recrudescimento das
estratégias de desregulamentação, flexibilização, expansão em larga escala
do processo de terceirização e subcontratação do trabalho e informalização
de amplos setores da economia, que implicam mudanças substanciais nas
relações sociais de trabalho e, consequentemente, um processo de
precarização das relações sociais de trabalho e perdas de direitos sociais
(MATHIS, 2016, pg. 132).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
93 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

As mediações e o controle sobre os diferentes


governos dos Estados periféricos são assegurados,
dentre outras formas, pela manutenção das relações
assimétricas de poder e pela garantia de que os
contratos firmados com as instituições financeiras
internacionais não serão quebrados. Outrossim, o
controle sobre as populações pobres da periferia
(através da coerção, da cooptação e do
consentimento) continua sendo uma das tarefas mais
importantes dos governos burgueses locais. A
associação de interesses entre as classes dominantes
imperialistas e periféricas visa assegurar a
manutenção das condições de espoliação sobre a
classe trabalhadora e, ao mesmo passo, garantir a
ininterrupção dos fluxos de bens e capitais em direção
aos espaços centrais do capitalismo mundial
(CARVALHO, 2012, pg. 746).

Através dessas práticas, o neoliberalismo consolidou a


dependência e a subordinação neocolonial na reprodução e acumulação
assimétricas necessárias para seu projeto. O colonialismo neoliberal se
expressa radicalmente na exploração econômica tanto da força de
trabalho, via precarização dos direitos trabalhistas e relações de trabalho;
como também na exploração ilimitada da natureza, identificada no
extrativismo; e nas condições socioeconômicas e ambientais em geral, a
exemplo da ampliação das periferias urbanas (PUELLO-SOCARRÁS, 2013,
pg. 48).

2. NEOLIBER ALI SMO E G OV ERNO


EMPRES ARI AL

Deleuze, quando discutia as sociedades de controle, elaborou uma


definição para o capitalismo atual, que não seria mais dirigido a produção,
relegada ao Terceiro Mundo, mas seria um capitalismo de sobre-produção:
compra produtos acabados, ou monta peças destacadas, não vende

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 94
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

serviços, compra ações; e conquista mercados através de especialização,


colonização ou por redução dos custos de produção. De acordo com o autor,
Estado ou potência privada, são agora figuras cifradas, deformáveis e
transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes (DELEUZE,
1992, pgs. 223-4).
No mesmo sentido, Foucault identifica que no neoliberalismo, a
análise econômica deve encontrar como elemento de base a empresa; a
economia deve ser feita de unidades-empresas, assim como a sociedade
(FOUCAULT, 2008, pg. 310).
O sistema neoliberal é instaurado por forças e poderes que se
apoiam uns nos outros em nível nacional e internacional. Oligarquias
burocráticas e políticas, multinacionais, atores financeiros e grandes
organismos econômicos internacionais formam uma coalizão de poderes
concretos que se valem de todos os meios e os registros, seja financeiros,
diplomáticos, históricos, culturais, etc., para promover os interesses
misturados dos poderes estatais e econômicos, exercendo função política
em escala mundial (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 286). Hoje, a relação de
forças pende inegavelmente a favor desse bloco oligárquico.
No Brasil, o processo de privatização massivo das empresas
públicas teve início na década de 90, em seguimento as políticas de ajuste
fiscal e neoliberal do Consenso de Washington 4, tendo em vista o

4 A denominação Consenso de Washington faz referência a um documento


apresentado pelo Institute for International Economics em uma reunião em
Washington DC. em 1989, com propostas de reformas que já vinham sendo aplicadas
em alguns países da América Latina e que eram consenso entre os membros do
Congresso e governo estadunidense, tecnocratas das instituições financeiras
internacionais, agências econômicas do governo norte-americano e o Federal
Reserve Board (BANDEIRA, 2002, pg. 35).Este conjunto de políticas
macroeconômicas previa um amplo programa de reformas estruturais dirigidas aos
países da periferia (OLIVEIRA, 2011, pg. 146), com recomendações de que o Estado
se retirasse da economia, seja como empresário ou como regulador das transações
domésticas e internacionais, a fim de que toda a América Latina se submetesse às
forças do mercado. A adoção de tais medidas constituiria condição fundamental para
que estes Estados pudessem renegociar a dívida externa e receber qualquer recurso
das agências financeiras internacionais, como o Bando Mundial e Fundo Monetário
Internacional. A ratificação da proposta neoliberal tornava-se condição para negociar
qualquer cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral, de forma que os

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
95 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

favorecimento da internacionalização do capital e a concentração industrial


da produção (FILHO; SILVA, 1999, pg. 395). As grandes ondas de
privatização, desregulamentação e diminuição de impostos desde os anos
1980 deram crédito a ideia de um desengajamento do Estado, liberando a
ação dos capitais privados nos campos regidos até então por princípios não-
mercantis (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 271).
Com efeito, o discurso do livre mercado está ligado a um mito.
Desde Lipmann, constata-se que aqueles que mais defendem a ideia do
laissez-faire, vide os países desenvolvidos, são os mesmos que, por meio de
direitos aduaneiros e combinações, organizaram a vida industrial de seus
países em sistemas de empresas submetidos a um controle altamente
centralizado (1935, pg. 43), isto é, já se tratava da natureza da intervenção
governamental e seus objetivos.
Assim, constata-se a necessidade de abandonarmos a armadilha
histórica da separação da esfera dos interesses privados e do Estado
(DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 271), afinal a economia de mercado não
poderia funcionar sem a densa rede de dispositivos sociais, educacionais,
científicos e militares5 herdados dos períodos anteriores do capitalismo.
Quando a gestão dos dispositivos administrativos e sociais ficam
nas mãos do Estado, ela contraria a lógica de mercado quanto ao papel dos
preços e à pressão da concorrência. Assim, no neoliberalismo, devem custar
menos e se orientar para as exigências da competição econômica, enquanto
campanhas midiáticas contra a gestão burocrática e o peso dos impostos,

países teriam que sujeitar suas respectivas políticas econômicas e decisões de


investimentos à fiscalização internacional, por meio das condicionalidades. Os
principais países latino-americanos ficaram diante do seguinte dilema: ou declaravam
moratória ou se submetiam aos órgãos intergovernamentais de regulação financeira.
A quase totalidade dos governos acabou optando pela segunda alternativa (SINGER,
1996, pg. 164).
5 Dispositivos são estratégias de relações de forças sustentando tipos de saber, e
sustentadas por eles (FOUCAULT, 1994, 300). Isto é, são discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, etc; elementos
discursivos e não discursivos que coordenam estratégias e relações de poder de
grupos e indivíduos. Para Deluchey, a estratégia pode ser relacionada com a luta de
classes (DELUCHEY, 2016, pg. 189).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 96
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

contribuem para a desvalorização daquilo que antes dependia da ação


pública e da solidariedade social (DARDOT, LAVAL, 2016, pg. 273). Para
esses autores, essa imposição à ação pública dos valores, práticas e o
funcionamento da empresa privada, instituem uma nova forma de governo,
o governo empresarial.
Com esse governo empresarial, o mercado não se impõe
simplesmente porque “invade” os setores associativos e de Estado, mas
porque se tornou um modelo universalmente válido para pensar a ação
pública e social. Hospitais, escolas, universidades, tribunais e delegacias são
considerados empresas da alçada das mesmas ferramentas e das mesmas
categorias (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 313).
Essa redução da intervenção política a uma intervenção horizontal
com atores privados introduz a uma mudança de perspectiva, criando o
“Estado-empresa”, que tem um papel reduzido em matéria de produção do
“interesse geral” (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 274). Esse falso equilíbrio
possibilitou o crescimento das empresas transnacionais, grandes
corporações empresariais e os conglomerados financeiros que têm se
valido do poder econômico para expandir e incorporar novos espaços nos
circuitos de acumulação do capital (ASSIS, 2014, pg. 616).
O discurso em prol da importância de investimentos estrangeiros
e das empresas transnacionais nos países em desenvolvimento se
fundamenta em um argumento segundo o qual os intercâmbios comerciais
permitiriam diminuir as disparidades entre as nações, reduzindo a distância
entre pobreza e riqueza. No entanto, ao largo prazo não foi obtido este
resultado, a desigualdade social se acirrou, em um processo de
concentração da riqueza nas mãos de poucos.
No Brasil, pesquisa desenvolvida pelo Consórcio Latino-americano
de Pós-Graduação em Direitos Humanos aponta diversos problemas com
relação ao cumprimento dos direitos humanos nestas empresas no Brasil,
como: presença de trabalho análogo à escravidão; trabalho infantil; déficits
no acesso à justiça e informação; violações do direito à liberdade sindical,
entre outros; e comprometendo mais ainda este cenário, problemas sérios

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
97 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de articulação institucional no combate à estas práticas e de fiscalização


pelos órgãos responsáveis6.
Ademais, Dardot e Laval destacam que, nesse cenário, verifica-se
que as crises do neoliberalismo são oportunidades para as classes
dominantes, ao permitirem a intensificação da produção, com custos
menores e com legislações mais flexíveis, comprimindo cada vez mais a
sociedade através do desmonte de direitos sociais, de forma que se destaca
sua notável capacidade de auto-fortalecimento.

Compreender politicamente o neoliberalismo


pressupõe que se compreenda a natureza do projeto
social e político que ele representa e promove desde
os anos 1930. Ele traz em si uma ideia muito particular
da democracia, que, sob muitos aspectos, deriva de
um antidemocratismo: o direito privado deveria ser
isentado de qualquer deliberação e qualquer controle,
mesmo sob a forma do sufrágio universal. Essa é a
razão pela qual a lógica não controlada de auto-
fortalecimento e radicalização do neoliberalismo
obedece, hoje, a um cenário histórico que não é o dos
anos 1930, quando ocorreu uma revisão das doutrinas
e das políticas do “laissez-faire”. Esse sistema fechado
impede qualquer autocorreção de trajetória, em
particular em razão da desativação do jogo
democrático e até mesmo, sob certos aspectos, da
política como atividade. O sistema neoliberal está nos
fazendo entrar na era pós-democrática (DARDOT;
LAVAL, 2016, pg. 08).

Assim, a experiência histórica revela que as relações econômicas


entre países estabelecidas a partir da expansão das relações mercantis e o
processo de acumulação são assimétricas, e na verdade tem relação direta
com a produção de condições que não propiciam desenvolvimento.

6 Resultados preliminares de pesquisa ainda em andamento realizada pelo Consórcio


Latino-Americano de Pós-graduação em Direitos Humanos, com apoio da Clínica de
Direitos Humanos da Amazônia, Universidade Federal do Pará, e Fundação Ford.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 98
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

3. ENTENDENDO A ARQ UI TE TUR A DA


IMPUNID ADE

Nesse cenário, verifica-se que até o próprio conceito de direito


moderno, entendido como norma universalmente válida que emana do
Estado e é por ele imposta coercitivamente caso necessário, encontra-se
em transformação (SANTOS, 2007, pg. 82). As empresas não são mais meros
atores coadjuvantes do cenário internacional. A concretude do poder
econômico, e, portanto, da influência destes sujeitos em todas as instâncias
governamentais – incluindo a elaboração normativa, não pode mais ser
ignorada por analise formal da adequação de empresas enquanto
responsáveis por violações de direitos humanos (HOMA, 2015, pg. 07).
Nesse sentido, a exigência de que Estados sejam capazes de
controlar transnacionais em territórios em que o capital destas empresas
tenha mais relevância que o poder estatal se torna um grande desafio
(SELVANATHAN, 2015). Inclusive, em inúmeros acordos bilaterais,
empresas tem direitos garantidos perante Estados, sem que, por outro
lado, os indivíduos tenham a mesma garantia perante as atividades
empresariais (HOMA, 2015, pg. 08).
O discurso destas corporações, que fundamenta o que atualmente
vem sido chamado de “arquitetura da impunidade”7, baseia-se no
voluntarismo, na proposição de uma modalidade de regulamentação
eufemisticamente denominada “lei branda” (soft law), de caráter
conciliatório. De acordo com esta ótica, empresas, de forma autônoma e
voluntária, limitariam e controlariam sua ação direta ou indireta para evitar
violações aos direitos humanos.
Trata-se de uma perspectiva baseada também no discurso da
teoria da nova governança, que assenta a premissa de que o Estado não

7 “Arquitetura da impunidade” é como alguns denominam (BERRON; BRENNAN,


2012) uma rede de acordos, tratados e leis que ampliam os direitos dos “negócios”,
como a ocupação direta de cargos em organizações internacionais ou a pressão via
governos nacionais que defendem os interesses econômicos de suas empresas
(STIGLITZ, 2014).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
99 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

pode ser o único encarregado de enfrentar os desafios sociais urgentes,


devendo envolver outros atores nessa tarefa, em uma literatura que
enfatiza a “regulação reativa”, cooperação informal, associações público-
privadas e processos multistakeholders (RUGGIE, 2014, pg. 09). Para Dardot
e Laval, o termo governança se tornou palavra-chave da nova norma
neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 275).
Para esses autores, a nova norma concorrencial implicou o
desenvolvimento crescente de formas múltiplas de concessão de
autoridade às empresas privadas, de forma que atualmente identificam um
cenário de coprodução público-privadas das normas internacionais, sempre
favoráveis aos grandes grupos oligopolistas (DARDOT; LAVAL, 2016, pg.
277), que compõem a arquitetura da impunidade.

Assim, a empresa torna-se fundamento da


organização da “governança” da economia mundial
com o apoio dos Estados-locais. Hoje são os
imperativos, as premências e as lógicas das empresas
privadas que comandam diretamente as agendas do
Estado [...]. Isso quer dizer que as políticas
macroeconômicas são amplamente o resultado de
codecisões públicas e privadas, embora o Estado
mantenha certa autonomia em outros domínios,
mesmo que essa autonomia tenha sido enfraquejada
pela existência de poderes supranacionais e pela
delegação de inúmeras responsabilidades públicas a
um emaranhado de ONGs, comunidades religiosas,
empresas privadas e associações. (DARDOT; LAVAL,
2016, pg. 278).

Aparentemente, remete-se a ideia de uma privatização da


fabricação da norma internacional e a uma normatização privada necessária
a coordenação das trocas de produtos e capitais. Para Dardot e Laval, a
governança de Estado visa oficialmente a fazer com que as entidades
privadas forneçam bens e serviços de forma supostamente mais eficiente e
outorga ao setor privado a capacidade de produzir normas de
autorregulação no lugar de lei (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 278).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 100
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

As lógicas de regulação indireta e híbrida são passíveis de ser


encontradas em todos os processos nos quais especificações técnicas são
necessárias ao comércio mundial. Dentro dessa configuração, os Estados
não têm mais do que um papel de subordinado ou assistente e interiorizam
suficientemente esse papel para não ter mais condições de definir políticas
sociais, ambientais ou cientificas sem a concordância – ainda que tácita –
dos oligopólios (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 282).
Assim, é com os recursos do Estado, e com retórica tradicional,
utilizando termos como “interesse nacional, segurança do país, o bem do
povo”, que os governos, em nome de uma concorrência que eles mesmos
construíram e desejaram, conduzem politicas vantajosas para as empresas
e desvantajosas para seus assalariados (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 282).
Nesse sentido, o debate sobre a atuação dos poderes econômicos
no Brasil e seu possível impacto sobre a democracia, isto é, a análise sobre
os efeitos estruturantes da participação política dos atores econômicos na
economia e na sociedade do país se mostram urgentes, a partir do
reconhecimento da complexidade da interação Estado-empresas e da
identificação de um processo de captura corporativa.

[...] alguns descrevem como a “captura corporativa”,


ou captura da política/democracia por parte dos
poderes econômicos, fenômenos que não se limitam à
participação dos “ricos” na política – a velha
plutocracia weberiana –, mas que se referem a uma
maior promiscuidade facilitada pela dependência dos
políticos nos sistemas democráticos competitivos, ou
seja, a possibilidade de sua eleição depende dos meios
econômicos para a realização das campanhas
eleitorais, ao mesmo tempo que o exercício dos
cargos (executivos e legislativos) é condicionado
pelos compromissos para a viabilização da futura
reeleição ou de uma “retirada digna” da gestão
pública – ilustríssimos ex-premiers europeus são,
atualmente, consultores de grandes empresas.
(BERRON, 2014, pg. 01).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
101 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Isto é, nesse processo, atores econômicos tentam “capturar” as


instituições de representação política nacionais e supranacionais de modo
que seus interesses se transformem em decisões públicas (leis e normas,
políticas públicas, programas governamentais, licitações, decisões
judiciais)8 que favoreçam primordialmente os interesses das empresas
(VIGENCIA, 2016, pg. 07).
Para tratar deste tema, Boaventura de Sousa Santos retoma sua
tese de que o pensamento moderno é um pensamento abissal (SANTOS,
2007, pg. 71). O autor caracteriza este sistema através de distinções visíveis
e invisíveis estabelecidas por meio de linhas radicais que dividem a
realidade social em dois universos distintos, através da elaboração de duas
categorias dicotômicas fundadas na distinção entre as sociedades
metropolitanas e os territórios coloniais: regulação/emancipação9 e
apropriação/violência10.

8 O enfraquecimento ou a diluição de regulações que controlam a conduta de


determinado setor econômico, o conhecimento antecipado de planos ou programas
governamentais, a participação em conselhos ou comissões encarregadas de
desenhar ou implementar políticas públicas, o financiamento de campanhas políticas,
o lobby e a promoção de bancadas parlamentares no Congresso, bem como a
contratação de políticos e funcionários públicos são alguns dos mecanismos
utilizados por empresas para influenciar as decisões políticas (VIGENCIA, 2016, pg.
11).
9 De fato, a dicotomia “regulação/emancipação” se aplica apenas a sociedades
metropolitanas. Seria impensável aplicá-la aos territórios coloniais, aos quais se
aplica a dicotomia “apropriação/violência”, por sua vez inconcebível de aplicar a este
lado da linha. Contudo, a inaplicabilidade do paradigma “regulação/emancipação”
aos territórios coloniais não comprometeu sua universalidade (SANTOS, 2007, pg.
72).
10 A apropriação e a violência assumem formas diferentes nas linhas abissais jurídica
e epistemológica, mas em geral a apropriação envolve incorporação, cooptação e
assimilação, enquanto a violência implica destruição física, material, cultural e
humana. Na prática, é profunda a ligação entre a apropriação e a violência. [...]. No
tocante ao direito, a tensão entre apropriação e violência é particularmente
complexa em virtude de sua relação direta com a extração de valor: tráfico de
escravos e trabalho forçado, uso manipulador do direito e das autoridades
tradicionais por meio do governo indireto (indirect rule), pilhagem de recursos
naturais, deslocação maciça de populações, guerras e tratados desiguais, diferentes
formas de apartheid e assimilação forçada etc. (SANTOS, 2007, pg. 75).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 102
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

O argumento do autor é que esta realidade permanece até a


atualidade, o pensamento moderno ocidental segue operando mediante
linhas abissais que separam o mundo subumano, de tal modo que os
princípios da humanidade não postos em causa por práticas desumanas.
Assim, as colônias representam um modelo de exclusão radical que
permanece no pensamento e nas práticas modernas tal como no ciclo
colonial (SANTOS, 2007, pg. 76).
Ademais, o autor ainda acrescenta que, de acordo com sua análise,
a lógica da apropriação/violência se desloca num movimento complexo,
ganhando força em detrimento da lógica da regulação/emancipação numa
extensão tal que o domínio desta última não só se encolhe, como também
se contamina internamente pela primeira (SANTOS, 2007, pg. 77). Assim, a
“regulação/emancipação” é cada vez mais desfigurada pela presença e pela
crescente pressão da “apropriação/violência” em seu interior (SANTOS,
2007, pg. 79).
Nesse sentido, para Boaventura Santos, o soft law destinado às
empresas transnacionais, lei cujo cumprimento é voluntário, seria a
manifestação mais benevolente do ordenamento “regulação/
emancipação”, trazendo consigo a lógica da apropriação/violência sempre
que estejam em jogo relações de poder muito desiguais (SANTOS, 2007, pg.
82).
O soft law, esta lei eufemisticamente denominada “branda” por
ser branda com aqueles cujo comportamento empreendedor é considerado
regular, e dura com aqueles que sofrem as consequências do seu não-
cumprimento, apresenta semelhanças intrigantes com o direito colonial,
cuja aplicação dependia mais da vontade do colonizador do que de qualquer
outra coisa (SANTOS, 2007, pg. 82).
Constata-se o fenômeno do “regresso do colonizador”, que implica
a ressuscitação de formas de governo colonial, sendo que a expressão mais
evidente desse movimento pode ser concebida como uma nova forma de
governo indireto, que emerge em diversas situações em que o Estado se
retira da regulação social e os serviços públicos são privatizados, de modo

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
103 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

que poderosos atores não-estatais adquirem controle sobre a vida e o bem-


estar de vastas populações (SANTOS, 2007, pgs. 79-80).
A necessidade de regulação das empresas nasce do poder
ontológico do Direito. O direito, prescreve o que constitui uma ordem
razoável aceitando e validando algumas partes da vida coletiva, ao mesmo
tempo que proíbe, excluindo outros, tornando-os invisíveis. A lei e os
direitos ligam a linguagem com coisas ou seres; eles nomeam o que existe
e condenam o resto à invisibilidade e à marginalidade (COSTA DOUZINAS,
2013).
O destaque cada vez maior às obrigações em direitos humanos de
atores não estatais, o reconhecimento crescente de direitos econômicos e
sociais, e campanhas fora do âmbito das Nações Unidas contra o potencial
destrutivo de projetos de desenvolvimento de grandes corporações, que
impulsionaram o surgimento de novas formas de responsabilização de
instituições financeiras por danos ambientais e sociais; são descritos por
Feeney como os principais motivos para que a partir dos anos 70, o tema de
direitos humanos e empresas passasse a integrar a agenda internacional
(FEENEY, 2009, pg. 175).
Nesse contexto, houve diversas tentativas de Estados e da
sociedade civil para elaborar parâmetros globais de responsabilização de
empresas envolvidas em violações de direitos humanos. Apesar da abertura
de novos fóruns de discussão, e de tentativas de base principiológica
estabelecidas pela ONU, OIT, OECD, ou em nível privado, constata-se que
são insuficientes frente ao poder das transnacionais (UGALDE, 2013, pg.
174) e não são capazes de modificar o cenário de impunidade perante
violações de direitos humanos.
Em 26 de setembro de 2014, durante a 26ª sessão do Conselho de
Direitos Humanos da ONU foram aprovadas duas Resoluções sobre o tema
de empresas e direitos humanos, uma que garante a continuidade ao
enfoque dos princípios orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos e
busca aprofundar sua implementação, enquanto a outra estabeleceu a
criação de um Grupo de Trabalho encarregado de elaborar um projeto de
instrumento vinculante sobre o tema.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 104
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

A partir dos debates em torno deste Grupo, que já realizou duas


sessões, surgiu uma possibilidade de reconhecimento das empresas
transnacionais como sujeitos de direitos e deveres perante o Direito
Internacional, passíveis, portanto, de responsabilização diante da violação
de Direitos Humanos. Em outubro de 2017, ocorrerá a terceira sessão do
grupo e a expectativa é que se iniciem as negociações.
Nesse sentido, constata-se o início de um processo de
reconhecimento público de que violações de direitos humanos não são
cometidas unicamente por instituições e aparatos do poder do Estado, mas
são cometidas também por atores privados e outras entidades, como as
empresas transnacionais, no neoliberalismo.

CONCLUS ÃO

Este artigo teve por objetivo analisar como operam as lógicas


coloniais de normatização da atuação das corporações transnacionais no
Sul Global. Assim, partimos do pressuposto de que havia um déficit nos
estudos sobre neoliberalismo e direitos humanos, que seria a reflexão
sobre a natureza colonial do neoliberalismo
Constatou-se que a expansão das políticas econômicas neoliberais
na América Latina, a partir dos anos 1980, favoreceu a entrada de
investimentos e acionistas internacionais, mercantilizou e colocou à
disposição destas corporações setores básicos da vida das pessoas, através
de privatizações massivas, incluindo serviços públicos essenciais para o
gozo dos direitos humanos e coesão social.
Nesse sentido, aliou-se a tese de Grasfoguel, segundo a qual ainda
vivemos sob a matriz de poder colonial, através da colonialidade global,
imposta pelas instituições financeiras internacionais e pelas corporações,
de forma que, identifica-se a continuidade das relações centro-periferia
(2008).
Adotando o pensamento de Dardot e Laval, reconhecemos que o
Estado e os setores privados se encontram em coalizão, articulando um

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
105 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

governo empresarial (DARDOT; LAVAL, 2016). O discurso destas


corporações e do Estado no neoliberalismo fundamenta o que atualmente
vem sido chamado de “arquitetura da impunidade”, baseado no
voluntarismo e na boa governança, em um sistema com semelhanças
intrigantes com o direito colonial, destacadas por Santos (SANTOS, 2007).
Com efeito, concluímos que violações de direitos humanos não são
cometidas unicamente por instituições e aparatos do poder do Estado.
Nesse sentido, sob a perspectiva da teoria crítica das relações
internacionais e dos direitos humanos, o debate sobre a arquitetura da
impunidade das empresas transnacionais e sobre a captura corporativa do
Estado e da democracia no Brasil se tornam urgentes para os processos de
luta pela efetivação de direitos humanos.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 106
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Wendell Fischer Teixeira. Do colonialismo à colonialidade:


expropriação territorial na periferia do capitalismo. CRH, Salvador, v. 27, n.
72, p. 613-627, Set./Dez. 2014.

BRENNAN, B.; BERRÓN, G. 2012. Hacia una respuesta sistémica al capital


transnacionalizado. América Latina en Movimiento, Quito, ALAI, n. 476, jun.
2012. (Capital transnacional vs Resistencia de los pueblos). Disponível
em: <http://alainet.org/publica/476.phtml>. Último acesso em: dezembro
de 2016.

CARVALHO, Marcos Cesar Araujo. A Reconfiguração das relações de poder


na américa latina: recolonização e resistências em um contexto neoliberal. In
Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVI, núm. 418 (61), 1 de noviembre de 2012.

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a


sociedade neoliberal. Trad. Mariana Echalar. 1ª ed. São Paulo: Boitempo,
2016.

DELEUZE, Gilles. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle, In


Conversações, 1972-1990, São Paulo: Ed. 34, 1992 [1990], 219-226.

DELUCHEY, Jean-François Yves. Sobre Estratégias e Dispositivos Normativos


em Foucault: 1. Considerações de Método. Revista da Faculdade de Direito
da UFG, v. 40, 2016, p. 175-196.

DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos,


2009. ________________.Seven Theses on Human Rights: (7) Cosmopolitanism,
Equality & Resistance. In. Critical Legal Thinking. 2013. Disponível em:
<http://criticallegalthinking.com/2013/06/13/seven-theses-on-human-
rights-7-cosmopolitanism-equality-resistance/> Acesso em 20/12/2016.

FEENEY, Patricia. A Luta por Responsabilidade das Empresas no Âmbito das


Nações Unidas e o Futuro da Agenda de Advocacy. SUR. Revista Internacional
de Direitos Humanos, v.6, n.11, p. 175-191, 2009.

FILHO, Nelson Siffert; SILVA, Carla Souza. As Grandes Empresas nos Anos 90:
Respostas Estratégicas a um Cenário de Mudanças. In: GIANBIAGI, Fábio
Giambiagi; MOREIRA, Maurício Mesquita (Org.). A economia brasileira nos
anos 90. 1. ed. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes,


2008, “Aula do 14 de março de 1979”, p. 297-327.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
107 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e


os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e
colonialidade global, Revista Crítica de Ciências Sociais [Online]. 80 | 2008,
colocado online no dia 01 outubro 2012, criado a 11 agosto 2017. URL :
<http://rccs.revues.org/697> ; DOI : 10.4000/rccs.697>

HOMA- UFJF. Tratado sobre Direitos Humanos e Empresas: duas questões


principais. 2015. Disponível em: <http://homacdhe.com/wp-
content/uploads/2015/11/Artigo-Tratado-sobre-Direitos-Humanos-e-
Empresas-Duas-Quest%C3%B5es-Principais.pdf> Acesso em 29/12/2016.

LIPPMANN, Walter. The permanent new deal. In The New Imperative.


Londres: Macmillan. 1935.

MATHIS, Adriana de Azevedo. Impactos da mineração e direitos humanos em


Carajás/Pará. In. Homa Publica: Revista Internacional de Direitos Humanos
e Empresas Vol. 01 (Novembro de 2016) Juiz de Fora: Homa, 2016. Págs.
122-139.

PUELLO-SOCARRÁS, José Francisco. Ocho tesis sobre el Neoliberalismo


(1973-2013). In. O neoliberalismo sul-americano em clave transnacional:
enraizamento, apogeu e crise. Organizado por Hernán Ramírez. – São
Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2013. Págs. 13-57.

QUIJANO, Anibal. Colonialidad del Poder, eurocentrismo y America Latina.


Disponvível em
<http://www.clacso.org/wwwclacso/espanol/html/libros/lander/10.pdf>.
Acesso em: 20 de dezembro de 2016.

RUGGIE, John G. A UN Business and Human Rights Treaty? 2014. Disponível


em: <www.hks.harvard.edu/m-
rcbg/CSRI/UNBusinessandHumanRightsTreaty.pdf>. Acesso em
01/01/2016.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas


globais a uma ecologia de saberes. Novos estudos. - CEBRAP, São Paulo, n.
79, p. 71-94, Nov. 2007. Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002007000300004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 21 Dec. 2016.

SELVANATHAN, Puvan J. The Business and Human Rights Treaty Debate: Is


Now the Time. The Kenan Institute for Ethics. Janeiro de 2015.

UGALDE, Koldo. Los Acuerdos Marco Internacionales (AMIs) ¿Oportunidad


para reequilibrar poder frente a las empresas transnacionales (ETNs)? Una
visión desde la EU. In. Empresas transnacionales en América Latina. Análisis
y propuestas del movimiento social y sindical. Coordinación: Juan
Hernández Zubizarreta et. al. Junio de 2013. p. 173-185

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 108
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

WALSH, Catherine. Development as Buen Vivir: Institutional arrangements


and (de)colonial entanglements. Development, 2010, 53(1), págs. 15–21.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
109 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

DIREI TO S HUM ANO S E E MPRES AS NO BR ASIL:


COMO AS EMPRESAS MIN ER ADOR AS TÊM
AFETADO A PRO TEÇ ÃO D OS DIREI TO S
HUM ANO S NO TERRI TÓRI O BR ASILEI RO

HUM AN RIGHTS AN D BUS INESS IN BRAZIL: HOW


MINING COMP ANI ES ARE AFFECTI NG HUM AN
RIGHT PRO TECTION IN THE BR AZI LI AN
TERRI TORY

Ana Cláudia Ruy Cardia1

RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar o impacto das empresas mineradoras
nacionais e transnacionais que operam no Brasil, verificando se suas
atividades estão alinhadas com os princípios, regras e recomendações de
Direitos Humanos e Empresas elaborados pelos organismos internacionais.
Da análise do desastre ambiental provocado pela Samarco na cidade de
Mariana, estado de Minas Gerais, às ambições desenvolvimentistas vistas
nas tentativas de instalação da mina a ser operada pela empresa canadense
Belo Sun Mining Corporation nas áreas adjacentes à usina hidrelétrica de
Belo Monte, Pará, o presente artigo procura demonstrar que há evidências
claras de que tanto as empresas de mineração operando no Brasil quanto o
Estado brasileiro caminham na contramão do desenvolvimento de um
amplo espectro de proteção aos direitos humanos decorrente da atividade
empresarial.

1
Mestre e Doutoranda em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora da Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (FD-UPM). Advogada.
[anaclaudiaruy@gmail.com].

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 110
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

PALAVRAS-CHAVE: Brasil. Direitos Humanos e Empresas. Direito


Internacional. Empresas Mineradoras.

ABSTRACT
The present work aims to analyze the impact of national and transnational
mining companies operating in Brazil, verifying whether their activities are
in line with the Human Rights and Business principles, rules and
recommendations given by international bodies. From the analysis of the
environmental disaster provoked by Samarco in the city of Mariana, Minas
Gerais state, to the developmental wishes viewed in the attempts of
installment of the mine to be operated by the Canadian mining company
Belo Sun Mining Corporation in the adjacent areas of Belo Monte
hydroelectric power plant, Pará, the present paper seeks to demonstrate
that there is clear evidence that both mining companies operating in Brazil
as well as the Brazilian State go against the development of a broad
spectrum of human rights protection arising from business activity.

KEYWORDS: Brazil. Human Rights and Business. International Law. Mining


Industries.

INTRODUÇ ÃO

A necessidade de proteção dos direitos humanos é, na sociedade


internacional pós-moderna, uma premente realidade, em especial se
considerado o atual estágio da globalização, em que novos atores e sujeitos
de Direito Internacional Público interagem direta e quotidianamente.
É neste contexto fático que se insere a imprescindível observância
às atividades desempenhadas pelas empresas transnacionais. Com capital
em alguns casos superior ao Produto Interno Bruto de alguns Estados, as
corporações apresentam atualmente grande força interventiva naqueles

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
111 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

sujeitos Direito Internacional, sendo ainda mais intensa em sociedades em


desenvolvimento. No caso específico das indústrias extrativistas, verificou-
se nos últimos anos um incremento de suas atividades ao redor do globo, o
que também as projeta para e as inclui no cenário ora descrito.
A atuação de empresas mineradoras no plano internacional
provoca notáveis alterações no meio ambiente, posto que a extração de
minérios demanda modificações drásticas na topografia dos territórios
explorados. Ademais, um aspecto que merece destaque quanto à atuação
de empreendimentos dessa natureza é o crescente número de violações
aos direitos humanos decorrentes diretamente da exploração dessa
atividade, muitas vezes apoiada por Governos, em seus ímpetos
desenvolvimentistas, mas com impactos desconhecidos pela população
diretamente por eles afetada.
É essa a questão geral que o presente trabalho objetiva avaliar,
tendo por contexto a atuação de empresas mineradoras no Estado
Brasileiro. Da análise da tragédia provocada pela empresa Samarco nos
Municípios de Mariana e Bento Gonçalves, estado de Minas Gerais, e demais
localidades do estado do Espírito Santo - bem como de suas consequências
à população daqueles locais -, à polêmica envolvendo o início das obras de
exploração de minérios pela empresa Belo Sun no Rio Xingu, no estado do
Pará, o presente trabalho intenta demonstrar que o panorama de
desenvolvimento adotado pelo Estado Brasileiro caminha em descompasso
com a normativa internacional de Direitos Humanos e Empresas, assim
como com as obrigações internacionalmente assumidas perante os
Sistemas Global e Interamericano de Direitos Humanos.
Será utilizado o método qualitativo de análise de fontes primárias
e secundárias, bem como o método indutivo para o alcance das principais
conclusões, tendo como linha condutora a visão de Zygmunt Bauman
(BAUMAN, 2011, p. 32, 78) de globalização e de pós-modernidade, bem
como de suas potenciais consequências negativas para a proteção aos
direitos humanos.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 112
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

1. A ATU AÇ ÃO D AS EMPRES AS MINER ADOR AS E


A NECESS ÁRI A CONEX ÃO COM O TEM A
DIREI TO S HUM ANO S E EM PRES AS

Nos últimos anos, verificou-se na sociedade internacional uma


intensificação da atividade extrativista mineral (UNITED NATIONS
ENVIRONMENT PROGRAMME, 2016, p 14-16). Beneficiadas por legislações
muitas vezes pouco impositivas de medidas protetivas ao meio ambiente,
ou mesmo por Poderes Judiciários pouco combativos às eventuais
violações, as empresas dessa natureza passaram a integrar o rol de sujeitos
responsáveis por grandes violações aos direitos humanos e ao meio
ambiente.
Seja por meio de práticas destrutivas dos ecossistemas locais, seja
pela ocorrência de descasos para com a população residente nos entornos
dos projetos de mineração - que se traduzem não apenas em potenciais
contaminações ao ambiente em que se localizam as comunidades próximas,
mas também pela ausência de consulta às populações sobre os eventuais
riscos e impactos socioambientais da atividade das empresas mineradoras,
além de potenciais explorações aos direitos trabalhistas daqueles que
atuam diretamente nas minas e na criminalização das populações locais -, a
realidade atual se resume na ocorrência de um grande número de violações
aos direitos humanos e ao direito ambiental por parte das empresas
mineradoras (KEMP, BOND, FRANKS, COTE, 2010, p. 1553-1562). Acidentes
trágicos como o rompimento das barragens de rejeitos da mina de ouro de
propriedade da empresa Aurul S.A. em Baía Mare, Romênia (UNITED
NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME/OFFICE FOR THE CO-
ORDINATION OF ENVIRONMENTAL AFFAIRS, 2000, p. 6-7), em 2000, ou
mesmo o vazamento dos rejeitos da barragem pertencente à mina de
Mount Polley, no Canadá (AUDITOR GENERAL OF BRITISH COLUMBIA,
2016, p. 3), de propriedade da empresa Imperial Metals, comprovam a
existência de um descompasso entre a atuação das empresas mineradoras

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
113 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

e a aplicação efetiva dos direitos humanos internacionalmente


consagrados.
As consequências de tais atividades, contudo, não passam
despercebidas aos olhos da sociedade internacional, das organizações da
sociedade civil e dos Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos,
que buscam alcançar a efetiva reparação dos danos socioambientais
ocasionados por tais coroporações. A fim de mitigar esse desacerto
verificado no plano interno dos Estados, um extenso rol de normas
internacionais foi elaborado nas últimas décadas. De natureza vinculante
ou mesmo com caráter de soft law (NASSER, 2006), é sabido que algumas
empresas e Estados acabaram por aderir a tais regras na tentativa de
adequar seus padrões de atuação aos standards protetivos desenvolvidos
na esfera internacional.
Neste cenário de normas do ramo do Direito Internacional
reconhecido como Direitos Humanos e Empresas e que se aplicam à
realidade das mineradoras, é possível mencionar os Voluntary Principles on
Security and Human Rights, estabelecidos em 2000 e destinados
especificamente ao setor de indústrias extrativas, com diretrizes para
Estados, empresas e organizações não-governamentais (VOLUNTARY
PRINCIPLES ON SECURITY AND HUMAN RIGHTS, 2000); a Extractive
Industries Transparency Initiative e o Kimberley Process Certification Scheme,
criados em 2003 (BAUMANN-PAULY, NOLAN, 2016, p. 147-160); os
Princípios do Equador (EQUATOR PRINCIPLES, 2013), estabelecidos em
2006 pela International Finance Corporation (INTERNATIONAL FINANCE
CORPORATION, 2012), instituição ligada ao Banco Mundial destinada à
promoção de empréstimos financeiros ao setor privado, que intenta
garantir a sustentabilidade social e ambiental dos projetos financiados por
aquele Banco, bem como o estabelecimento de uma política de divulgação
de informações sobre o andamento daquelas iniciativas (CARDIA, 2015, p.
83-91). Outros bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco
Interamericano de Desenvolvimento, também contam com salvaguardas
socioambientais para projetos desenvolvidos por mineradoras (BANCO
INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2015).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 114
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Também aplicáveis às mineradoras são as diretrizes da OCDE,


assim como, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), verifica-
se a existência do Pacto Global e dos Princípios Orientadores da ONU sobre
Empresas e Direitos Humanos (CARDIA, 2015, p. 91-175). Mais recente,
também, é a discussão no sistema onusiano sobre a elaboração de um
tratado sobre a matéria2.
Uma vez verificada a conexão entre a atividade desempenhada
pelas empresas mineradoras e a imprescindível proteção aos direitos
humanos e ao meio ambiente, comprovada mediante a existência de um
número razoável de normas internacionais relacionadas à proteção dos
direitos humanos decorrentes da atividade empresarial, passa-se à conexão
de tais pressupostos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Estado
Brasileiro e demonstrado pelo posicionamento do País nos casos
envolvendo mineração, especificamente nos estados de Minas Gerais e
Pará.

2. EMPRES AS MINERADOR AS NO BR ASIL: D A


TR AG ÉDI A DE M ARI AN A ÀS PO SSÍVEI S
ATI VID ADES D A EMPRES A BELO SUN NO
P AR Á

Apesar da miríade de projetos de mineração existentes no Brasil,


o presente trabalho se desenvolve diante da análise das consequências
socioambientais verificadas pelo desempenho negligente da empresa
Samarco no estado de Minas Gerais, assim como das ambições
desenvolvimentistas do projeto encabeçado pela companhia Belo Sun
Mining Corporation, no Pará, a fim de traçar um panorama de atuação de

2
HOMA. Tratado sobre direitos humanos e empresas: duas questões principais.
Disponível em:
<http://homacdhe.com/wp-content/uploads/2015/11/Artigo-Tratado-sobre-
Direitos-Humanos-e-Empresas-Duas-Questões-Principais.pdf>. Acesso em: 12 Set.
2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
115 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

tais empreendimentos no Brasil e que conta com a conivência do próprio


Estado Brasileiro.

2.1. D A D O S E I M P L I C A Ç Õ E S D A T R A G É D I A
SOCIOAMBIENTAL OCORRIDA EM MARIANA

Em 05 de novembro de 2015, registrou-se o rompimento da


barragem de rejeitos de “Fundão”, localizada no Município de Mariana,
cidade histórica do estado brasileiro de Minas Gerais. A barragem, de
propriedade da empresa Samarco - uma joint venture entre a empresa
brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, estabelecida em 1977 -,
fazia parte de um conjunto de tanques de contenção de resíduos de mesma
natureza, conhecidas como barragens de “Santarém” e “Germano”.
O acontecimento em comento afetou a vida de cerca de três
milhões de pessoas que vivem na região, deixando desabrigadas
aproximadamente trezentas famílias e ensejando o óbito e o
desaparecimento de número maior que vinte pessoas. No Município de
Bento Rodrigues, também no estado de Minas Gerais, foram destruídas
80% das casas. Estima-se o vazamento de 62 milhões de metros cúbicos de
lama tóxica provenientes da exploração de minérios por referidas empresas
naquela região3.
O ocorrido em Mariana se constitui atualmente como a maior
tragédia da história com barragens dessa natureza4, sendo duas vezes
maior que o segundo pior acidente do tipo, ocorrido no ano de 2014 na mina
canadense de Mount Polley, na Columbia Britânica. Isso porque o despejo

3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MPF denuncia 26 por tragédia em Mariana.
Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-denuncia-26-por-
tragedia-em-mariana-mg>.Acesso em: 14 Nov. 2017.
4
AGÊNCIA BRASIL. Desastre em Mariana é o maior acidente mundial com
barragens em 100 anos. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-
maior-acidente-mundial-com-barragens-em-100-anos>. Acesso em: 31 Jul. 2016.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 116
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

dos rejeitos atingiu a Bacia do Rio Doce, que cruza os estados de Minas
Gerais e Espírito Santo, desembocando no Oceano Atlântico.
As consequências ambientais foram as mais diversas possíveis.
Com a tragédia, verificou-se uma mudança no curso do Rio Doce, que ainda
hoje apresenta o risco de sofrer alterações em seu padrão de inundação,
ocasionando novos danos. Verificou-se também a contaminação e a morte
de peixes e de espécies da flora que acompanham aquele Rio. O despejo de
rejeitos tóxicos no Oceano Atlântico afetou o ecossistema marinho,
ensejando novos danos que certamente extrapolarão as fronteiras
nacionais. A proporção dos danos ambientais tende a aumentar na medida
em que os rejeitos avançam por aquele Oceano, assim como na medida em
que a lama que se alastrou se assenta nos locais pelos quais passou,
ocasionando a impermeabilização dos solos atingidos e,
consequentemente, ampliando sua acidez.
Quanto às implicações econômicas, a contaminação das águas do
Rio Doce provocou não apenas o desabastecimento da região, afetando a
agricultura, as indústrias siderúrgica, metalúrgica e o comércio das regiões
atingidas, como também trouxe implicações para a população que tinha sua
renda garantida pela pesca (IBAMA, 2015, p. 4-5).
Na tentativa imediata de reparar os danos provocados, medidas
judiciais e extrajudiciais foram tomadas. No plano judicial, foram propostas
ações civis públicas e de indenização. Extrajudicialmente, a Samarco foi
notificada e multada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável do estado de Minas Gerais (SEMAD) e pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) ao pagamento de mais de 300 milhões de reais por danos
ambientais ocasionados em decorrência daquela tragédia, além da
suspensão de sua licença ambiental. Ademais, foi celebrado um Termo de
Compromisso Socioambiental Preliminar pelo Ministério Público de Minas
Gerais e pelo Ministério Público Federal com a empresa Samarco
(MINISTÉRIO PÚBLIO FEDERAL, 2015), na tentativa de encontrar formas
para mitigar os impactos ocorridos. Dos termos de referido acordo, aquela
empresa teve de prestar caução socioambiental de um bilhão de reais para

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
117 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

garantir a realização de medidas de prevenção, contenção e reparação de


danos ocasionados5.
Foram também conduzidas investigações pela Polícia Civil do
estado de Minas Gerais e pela Polícia Federal. O Ministério Público Federal
e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais deram início às
investigações logo após a ocorrência do rompimento da barragem de
Fundão. A Promotoria do Município de Mariana abriu inquéritos
relacionados à proteção dos direitos humanos dos desabrigados. Uma
denúncia criminal foi feita ao final de 2016 perante a Justiça Federal, sendo
citados vinte e dois réus e quatro empresas (Samarco, Vale, BHP Billiton e
VogBr) por homicídio no caso da tragédia ora em comento6.
No decorrer das investigações, constatou-se que em nenhum
momento a população residente nas regiões atingidas foi consultada sobre
os possíveis impactos ambientais decorrentes das atividades lá
desenvolvidas, não podendo, portanto, participar da elaboração de
políticas públicas e fiscalização das atividades governamentais de proteção
ao meio ambiente. Nota-se, portanto, o completo descaso daquelas
empresas para com a saúde e a segurança da população local, bem como
para com a proteção do meio ambiente.
Passados dois anos de referida tragédia, um número expressivo de
pessoas permanece desabrigada, sem ter podido retomar sua vida com
normalidade, sendo que algumas famílias, inclusive, ainda não foram
indenizadas pelos danos ocasionados7. Ademais, estudos mais recentes de

5
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. MPMG e MPF assinam
Termo de Compromisso Preliminar com a Samarco, garantindo montante mínimo
de R$ 1 bilhão para tutela ambiental emergencial. Disponível em:
<https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/mpmg-e-mpf-assinam-termo-de-
compromisso-preliminar-com-a-samarco-garantindo-montante-minimo-de-r-1-
bilhao-para-tutela-ambiental-emergencial.htm#.Vw6fkfkrJD9>. Acesso em 14 Nov.
2017.
6
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Denúncia. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/denuncia-samarco>. Acesso em:
14 Nov. 2017.
7
AGÊNCIA BRASIL. Atingidos em Mariana ainda não sabem quando serão
indenizados pela Samarco. Disponível em:

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 118
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

avaliação dos impactos do material despejado no meio ambiente para o


ecossistema e para as populações trouxeram o alerta de que as águas
permanecem impróprias para consumo e utilização na agricultura. O teor
de rejeitos nas águas está ainda relacionado à possibilidade de
contaminação dos indivíduos que a consumirem e até mesmo de doenças
mais graves, tais como câncer do trato digestivo e bexiga (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO, 2017, p. 119). O meio marinho também
apresenta altos indícios dos rejeitos de ferro e redução das comunidades
de fitoplânctons, zooplânctons e utros microorganismos, potencializando
os efeitos negativos supramencionados.
No plano judicial, em março de 2017 foi homologado parcialmente
na justiça estadual de Minas Gerais um Termo de Ajustamento Preliminar
entre o Ministério Público Federal e as empresas Samarco e suas acionistas
Vale e BHP Billiton8, que aceitou as garantias oferecidas pela Samarco e
suspendeu alguns dos processos em andamento contra a empresa.
O IBAMA manteve a aplicação de suas multas administrativas,
rejeitando todos os recursos interpostos pela Samarco9 para questionar o
valor pecuniário atribuído às violações ao meio ambientes decorrentes do
desastre que, como visto, não teve nenhuma característica meramente
acidental.
As famílias, as principais afetadas, também têm tido pouca
participação nas medidas de reparação e o comércio local permanece à
míngua com a ausência de cuidados. Apesar do ocorrido ter chocado as
sociedades brasileira e internacional por sua magnitude socioambiental, o

<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-11/mariana-um-ano-depois-da-
tragedia-atingidos-nao-sabem-quando-serao-indenizados>. Acesso em: 15 Nov.
2017.
8
VALE. Vale informa sobre a homologação parcial do Termo de Ajustamento
Preliminar celebrado em 18/01/2017 com o Ministério Público Federal. Disponível
em: <http://www.vale.com/brasil/PT/investors/information-market/press-
releases/Paginas/vale-informa-sobre-a-homologacao-parcial-do-termo-de-
ajustamento-preliminar.aspx>. Acesso em 01 Set. 2017.
9
IBAMA. IBAMA nega recursos da Samarco. Disponível em:
<http://www.ibama.gov.br/noticias/422-2017/1164-ibama-nega-recursos-da-
samarco>. Acesso em 01 Set. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
119 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Governo Brasileiro pouco fez para amenizar a situação daqueles que mais
sofreram com a tragédia, assim como com o território fisicamente
afetado10, afastando-se de suas obrigações nacional e internacionalmente
assumidas de proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente.

2.2. O X I N G U E M R I S C O : A P O L Ê M I C A E N V O L V E N D O A
ATUAÇÃO DA MINERADORA BELO SUN NO ESTADO DO
P AR Á

Além do retrato de destruição demonstrado pela tragédia ocorrida


em Minas Gerais, outra situação afronta a proteção do meio ambiente e das
comunidades indígenas e ribeirinhas da região norte do Brasil, mais
precisamente localizadas na Volta Grande do Rio Xingu, no estado do Pará.
Nessa mesma localização – já evidentemente afetada pelas obras da usina
hidrelétrica de Belo Monte (DE FRANCESCO, CARNEIRO, 2015, p. 8) – é
planejada a construção da maior mina de ouro a céu aberto do Brasil.
O projeto, denominado “Projeto Volta Grande”, é idealizado pela
empresa Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária brasileira da empresa
canadense Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo
Forbes&Manhattan Inc., e intenta a extração de mais de cinquenta
toneladas de minério de ouro, com investimentos superiores a um bilhão
de dólares para os aproximados onze anos de exploração mineral (BRANDT
MEIO AMBIENTE, LTDA., 2012, p. 2-9). A área de referido projeto está
localizada no município de Senador José Porfírio, próximo à comunidade da
Vila da Ressaca e a 50 quilômetros da cidade de Altamira, além das
comunidades indígenas dos Juruna e Arara e de povos indígenas isolados
pela mata local. Se aprovado, o projeto demandará o reassentamento das

10
FOLHA DE SÃO PAULO. Autoridades e funcionários pedem a volta da Samarco
em audiência pública. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/05/1886595-autoridades-e-
funcionarios-pedem-a-volta-da-samarco-em-audiencia-publica.shtml>. Acesso em:
15 Nov. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 120
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

famílias das localidades mais próximas, que sobrevivem do garimpo


(BRANDT MEIO AMBIENTE, LTDA., 2012, p. 40), da pesca e da agricultura
(MAGALHÃES, CUNHA, 2017), na região ribeirinha (INSTITUTO
SOCIOAMBIENTAL, 2015).
Com a promessa de que a instalação da mina de ouro gerará
aproximadamente dois mil e cem empregos diretos e seiscentos indiretos
ao longo de sua existência, além do aumento de renda para a região com o
recolhimento de impostos e royalties (BRANDT MEIO AMBIENTE, LTDA.,
2012, p. 2-38), a empresa tem desde 2012 demandado a aprovação de seu
projeto perante as autoridades locais mediante a apresentação de seus
relatórios de Impacto Ambiental, dentre outras documentações previstas
na legislação ambiental brasileira (MACHADO, 2013).
A resistência, contudo, tem ganhado forma em documentos
emitidos pelos mais variados órgãos nacionais, que questionam a lisura do
procedimento de concessão das licenças necessárias ao início das obras do
Projeto Volta Grande, especialmente em relação à necessária consulta dos
povos indígenas que serão afetados pelo empreendimento, em
consonância com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do
Trabalho, a qual o Brasil é signatário (HOMA, 2016, p.143-169). Em relação
à proteção dos povos indígenas, em 2012, a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) emitiu relatório técnico a ser preenchido pela empresa quanto aos
possíveis impactos às comunidades indígenas já afetadas por Belo Monte,
alertando para a necessidade de observância do procedimento às regras
dispostas no tratado supramencionado. Tem sido também questionada
judicialmente a forma de aquisição das terras para a operação do
empreendimento, bem como a realização de um estudo de impacto que
considere as interpéries já provocadas pela usina hidrelétrica de Belo
Monte, que, somente durante seu período de instalação, reduziu em 80% a
vazão do Rio Xingu no trecho afetado pelas obras, além dos consequentes
impactos socioeconômicos trazidos à população local.
Apesar das mais variadas objeções ao projeto, o Conselho Estadual
de Meio Ambiente, juntamente com a Secretaria Estadual de Meio
Ambiente e Sustentabilidade do estado do Pará (SEMAS/PA), expediu, em

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
121 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

2014, licença prévia de operação. Tendo em vista a situação ora


apresentada, o Ministério Público Federal solicitou perante a Justiça
Federal a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental, pedido
que foi atendido também em 201411, sob a justificativa de que seria
necessária a realização de consulta prévia às comunidades indígenas
impactadas.
Inobstante a decisão judicial que proibiu a continuidade do
licenciamento ambiental, em fevereiro de 2017 a SEMAS/PA concedeu a
licença de instalação do procedimento à empresa canadense,
especialmente sob o argumento de que o empreendimento traria
prosperidade econômica à região, com geração de empregos e uma
arrecadação de mais de sessenta milhões de reais em royalties em seus
anos de opeação, sendo que sessenta e cinco por cento deste total seria
destinado ao município12.
Imediatamente após a emissão da licença de instalação pela
SEMAS/PA, o Ministério Público Federal publicou uma Recomendação no
sentido de que seria necessária, para a concessão da licença, a elaboração
de um plano de vida para as populações tradicionais moradoras da região,
assim como uma análise pormenorizada de sinergia e sobreposição de
impactos das obras conduzidas pela empresa mineradora e pelo consórcio
construtor das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte13. Atitude
semelhante foi praticada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos,

11
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEXTA REGIÃO. Processo nº 0002505-
70.2013.4.01.3903. Subseção Judiciária de Altamira. Juiz Paulo Mitsuru Shiokawa
Neto. Julgado em 17.6.2014.
12
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE DO ESTADO DO PARÁ.
Projeto Volta Grande recebe licença de instalação. Disponíel em:
<https://www.semas.pa.gov.br/2017/02/02/projeto-volta-grande-recebe-licenca-
de-instalacao/>. Acesso em: 14 Nov. 2017.
13
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Recomendação 01/2017/GAB1. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2017/recomendacao-
semas-li-belo-sun>. Acesso em 01 Set. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 122
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

que, seguindo as recomendações da FUNAI, solicitou à SEMAS/PA


informações sobre os impactos às populações indígenas da região14.
Diante da ausência de posicionamento pela SEMAS/PA a respeito
dos questionamentos feitos pelos órgãos públicos nacionais, com a
consequente manutenção da licença concedida à Belo Sun Mineração Ltda.,
medidas judiciais foram solicitadas perante os tribunais estaduais e
federais. Em ambos os processos ajuizados, a licença de instalação
concedida pela SEMAS/PA foi suspensa, de forma que, por ora, não é
possível à empresa mineradora Belo Sun Mineradora Ltda. promover
qualquer atividade na região.
Em março de 2017 foi organizada pelo Ministério Público Federal
uma audiência pública para ouvir a população e as empresas a respeito dos
impactos já sofridos com a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte e
possivelmente ocasionados pelo início de um eventual projeto de
mineração na região. Na ocasião, compareceram os representantes dos
principais órgãos públicos atuantes na proteção dos direitos do meio
ambiente e dos cidadãos, representantes de organizações do terceiro setor
- que realizam importante trabalho in loco de denúncia dos acontecimentos
na região -, pesquisadores de universidades locais, assim como emissários
da empresa Belo Sun. Apesar de convidados, não apareceram ao encontro
os principais representantes da empresa Norte Energia, responsável pela
construção de usina hidrelétrica de Belo Monte, maior geradora dos
impactos socioeconômicos e ambientais atualmente na região. Na ocasião,
confirmou-se o que trouxeram as decisões judiciais mais recentes: a
situação de pobreza e miséria já verificadas entre os povos das regiões
afetadas foi potencializada pela construção da hidrelétrica de Belo Monte,
que, com a redução da vazão do Rio Xingu para a realização de suas obras,

14
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E CIDADANIA. CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS.
Recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH. Relatório
do Grupo de Trabalho sobre população atingida pela implementação da UH Belo
Monte e pelo projeto de instalação da Mineradora Belo Sun. Disponível em:
<https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos
/oficio_cndh_ndeg_74_-_a_semas-pa.pdf>. Acesso em: 01 Set. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
123 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

afetou diretamente o modo de vida das comunidades ribeirinhas que


dependiam econômica e socialmente do rio para o desenvolvimento de
suas atividades, assim como das populações indígenas, que veem no rio sua
principal fonte de subsistência e de realização de rituais específicos de suas
tribos15.
O caso envolvendo a mineradora Belo Sun demonstra os esforços
dos órgãos públicos nacionais e das organizações da sociedade civil na
proteção do meio ambiente e das comunidades ribeirinhas da Volta do
Xingu, trazendo uma pequena perspectiva positiva para uma população já
tão vitimizada pelos impactos de obras civis de grande porte e também
assustada com as possíveis consequências negativas advindas de
experiências como a já analisada tragédia ocorrida em Mariana. Ademais, a
resistência que se verifica nas decisões judiciais é uma amostra de como
tem sido possível tentar salvaguardar o respeito aos direitos humanos
diante da atuação de empresas no Brasil, assim como a preservação do
bioma amazônico (NOBRE, 2014).
Não se deve, contudo, depositar apenas no funcionamento de tais
órgãos toda a esperança de um desenvolvimento sustentável no País. Isso
porque, se considerados os percalços envolvendo a construção da usina
hidrelétrica de Belo Monte - com alguns dos impactos já mencionados -,
apesar da existência de mais de vinte e cinco ações judiciais intentadas
somente pelo Ministério Público Federal contra a continuidade das obras16
pelos mais variados motivos – ausência de consulta aos povos indígenas,
ausência de avaliação de impactos ambientais, inexistência de licitação para
existência de consórcio, dentre outros -, é sabido que, em alguns casos,

15
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Moradores do Xingu mais impactados por Belo
Monte vivem na incerteza e na pobreza. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/moradores-do-xingu-
mais-impactados-por-belo-monte-vivem-na-incerteza-e-na-pobreza>. Acesso em: 12
Set. 2017.
16
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Processos Caso Belo Monte. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-
imprensa/documentos/2016/tabela_de_acompanhamento_belo_monte_atualizada
_mar_2016.pdf/>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 124
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

decisões do Poder Judiciário Brasileiro tem sido confrontadas em nome da


continuidade das obras.
A tragédia envolvendo a empresa Samarco, em Mariana, e a
polêmica em torno da atuação da empresa canadense Belo Sun Mineradora
Ltda. no estado do Pará são apenas dois exemplos do modelo adotado pelo
Estado Brasileiro para promover seu desenvolvimento em relação à
mineração. Tais questões, problemáticas aos olhos dos órgãos públicos e
privados nacionais, não passaram despercebidas pelos principais
representantes de Direito Internacional que atuam com os temas
correlatos à discussão ora apresentada. É o que se verá a seguir.

3. BR ASIL SO B OS HOLOFO TES: O REPÚDIO


INTERN ACION AL AO MOD ELO
DESENVOLVIMENTI STA AP ART ADO DA
PRO TEÇ ÃO AO S DI REI TO S HUM ANOS

Todas as ações promovidas para condenar a Samarco, a Vale e a


BHP Billiton por suas atividades extremamente gravosas ao meio ambiente
demonstram que as tentativas empresariais de buscar o desenvolvimento
econômico devem vir acompanhadas de rigorosos processos de due
diligence, bem como de fiscalizações periódicas, seja por parte de seus
dirigentes, seja por órgãos nacionais de controle ambiental e de proteção
aos direitos humanos.
Esse foi o entendimento do Grupo de Trabalho da ONU sobre
Empresas e Direitos Humanos em relatório publicado após a visita feita ao
Brasil em dezembro de 201517 e serviu também de pressuposto para a
denúncia do Estado Brasileiro feita à Comissão Interamericana de Direitos

17
UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Statement at the end of visit to Brazil by the
United Nations Working Group on Business and Human Rights. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=16891&
LangID=E>. Acesso em: 09 de abr. 2016.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
125 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Humanos - órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos


encarregado da proteção dos direitos humanos no continente americano -,
por quinze organizações da sociedade civil durante o 158ª Período
Extraordinário de Sessões daquele órgão.
Na denúncia apresentada à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos18, foram trazidas informações referentes a treze casos
envolvendo a atuação de empresas mineradoras no País cujas atividades
extrapolam a proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente. Dentre
os casos apresentados, incluía-se o caso da barragem de “Fundão”.
Nos comentários gerais relacionados à participação do Estado
Brasileiro na extração de minérios, denota-se que o País tem adotado
postura conivente com a atividade desordenada das empresas
mineradoras, em especial em virtude de benefícios econômicos
provenientes da China, maior importadora do minério nacional na
atualidade. Além disso, o incremento da demanda de minérios – com o
aumento verificado de 630% nas importações globais - e a escolha, pelo
Brasil, desse modelo de política de exportação, tem resultado no
enfraquecimento de leis de licenciamento ambiental e na redução de
impostos às empresas do setor, bem como na fiscalização da atividade
desempenhada pelas empresas denunciadas. Não obstante, os
financiamentos por bancos públicos, como o BNDES, aos empreendimentos
de mineração – que se concentram nas mãos de um pequeno número de
empresas - têm também crescido exponencialmente, sem que haja
verdadeira fiscalização sobre a destinação dos recursos, bem como sobre a
idoneidade das empresas quanto à proteção dos direitos humanos.
Ademais, o modelo econômico relacionado à mineração no Brasil
atualmente visa, com o pagamento de royalties aos governos estaduais e
municípios afetados, criar forte dependência socioeconômica das
populações que vivem no entorno dos empreendimentos, população essa

CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Afetações aos Direitos Humanos devido à


18

Mineração no Brasil. Disponível em:


<http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/informe_audie%CC%82ncia-
minerac%CC%A7a%CC%83o%20revisado.pdf>. Acesso em: 31 Jul. 2016.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 126
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

que, em geral, carece de recursos e de compreensão dos verdadeiros


interesses ocultos dos entes públicos e privados envolvidos. Como forma
de agravar a situação já existente, a denúncia apresentada ainda menciona
os entraves trabalhistas provocados pela terceirização da mão de obra nos
locais de exploração mineral.
Em especial em relação ao ocorrido em Mariana, a denúncia
destaca que a Samarco não possuía nenhum sistema de emergência e alerta
às populações em caso de rompimento das barragens, assim como
estimativa acurada sobre o total de populações atingidas por uma tragédia
daquela natureza19. Após o ocorrido, a denúncia também explicita que
pouco foi feito em prol das comunidades afetadas tanto pelas empresas
envolvidas quanto pelo Estado, em especial no que diz respeito à
transmissão de informações às populações sobre as condições locais, bem
à sua assistência social.
As conclusões da denúncia apresentada à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos trazem importantes lições não apenas
ao Estado Brasileiro, mas também às demais empresas mineradoras
atuantes no Brasil e no plano global. Isso porque a combinação de todos
estes descasos resulta na violação de uma série de direitos, como direito à
moradia, direito a um trabalho digno, direito à integridade cultural, direito
à vida, direito ao território e direito à consulta livre, prévia e informada de
populações indígenas, todos eles consagrados na Convenção Americana de
Direitos Humanos, pilar central do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos e com teor semelhante às Convenções que embasam outros
sistemas regionais e o próprio sistema global de proteção aos direitos
humanos.
Entende-se, portanto, que as situações ora sob comento servem
de alerta ao demais Estados desenvolvidos e em desenvolvimento que
adotam modelos econômicos semelhantes ao brasileiro, pautado na
exportação de matérias-primas e inobservância à dignidade e aos direitos

IIdem, p. 30.
19

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
127 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

das populações diretamente afetadas pelos empreendimentos de


exploração mineral.
Por fim, vale lembrar que a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos possui postura bastante atuante no continente americano na
tentativa de garantir a punição e coibir futuros abusos ocasionados por
empresas mineradoras20, o que cria a tendência de que novos casos
envolvendo o impacto socioambiental da atuação de empresas
mineradoras venham a ser analisados perante aquele órgão, bem como,
eventualmente, sejam encaminhados para a Corte Interamericana de
Direitos Humanos em casos contenciosos. Em relação à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, sua jurisprudência é especialmente
rica quanto à necessária observância dos direitos dos povos indígenas em
sua relação sagrada com o território físico, assim como quanto à sua
necessidade de consulta21.

20
INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. 153 Period of Sessions.
Disponível em:
<http://www.oas.org/es/cidh/audiencias/Hearings.aspx?Lang=es&Session=136>.
Acesso em: 31 Jul. 2016.
21
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Caso de la Comunidad
Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Série C, nº 79. Sentença de 31 de
Agosto de 2001. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Série C nº 125.
Sentença de 17 de junho de 2005. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam.
Série C nº 124,. Sentença de 15 de junho de 2005. Caso comunidade Indígena
Saehoyamaxa Vs. Paraguay. Série C nº 146. Sentença de 29 de Março de2006. Caso
del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Série C nº 172. Sentença de 28 de Novembro de
2007. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Série C nº 214.
Sentença de 24 de Agosto de 2010. Caso de los Puebrlos Indígenas Kuna de
Madugandí y Emberá de Bayano y sus Miembros vs. Panamá. Série C nº 284.
Sentença de 14 de Outubro de 2014.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 128
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

4. A RESPOSTA DO ESTADO BR ASILEIRO :


CONTINUID ADE DO DESE NVOLVIMENTO N A
CONTR AM ÃO D A PRO TEÇ ÃO AO S DI REI TOS
HUM ANO S

Inobstante a análise pormenorizada das situações fáticas


envolvendo a ocorrência do desastre ambiental de Mariana e a ambição da
empresa canadense Belo Sun em desenvolver seu projeto de mineração na
região do Xingu, com possíveis e quase certos impactos socioambientais às
populações de ambas as localidades, é certo que o Estado Brasileiro pouco
tem feito para permitir a responsabilização dos agentes envolvidos, assim
como para garantir a efetiva aplicação das normas relativas ao
licenciamento de grandes obras com potenciais impactos ao meio ambiente
e à população local.
Ao contrário: nos últimos anos, os Poderes Executivo e Legislativo
têm caminhado na contramão da proteção dos Direitos Humanos, por meio
do estabelecimento de normas, políticas e expedição de decretos que
visam garantir às empresas um processo facilitado de obtenção de
autorizações de implantação e operação de projetos de mineração, com
afrouxamento das regras socioambientais anteriormente instituídas.
No Plano Legislativo, a chamada Agenda Brasil, estabelecida pelo
Senado Federal, trouxe algumas determinações de modificação de marcos
legais tradicionais que, na visão daquele órgão, se mostram como entraves
ao desenvolvimento econômico do País.
Dentre as modificações pretendidas, encontra-se: (i) a revisão e a
implementação do marco jurídico do setor de mineração como forma de
atrair investimentos produtivos; (ii) a revisão dos marcos jurídicos que
regulam áreas indígenas, como forma de compatibilizá-las com atividades
produtivas; (iii) a revisão da legislação de licenciamento de investimentos
na zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas como forma
de incentivar novos investimentos produtivos; (iv) a eliminação de vistos
turísticos para mercados estratégicos, com vistas à estimular o

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
129 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

desenvolvimento turístico por meio do aproveitamento do câmbio


favorável e da realização de megaeventos; (v) a simplificação do
licenciamento para a construção de equipamentos e infraestrutura turística
em cidades históricas, orla marítima e unidades de conservação,
melhorando a atração de investimentos; (vi) o estabelecimento de processo
de celeridade para o licenciamento ambiental de obras estruturantes; (vii)
a simplificação de procedimentos de licenciamento ambiental, com a
consolidação ou codificação da legislação do setor, que é, nas palavras
daquele documento, complexa e muito esparsa; dentre outros22.
Em relação aos atos do Poder Executivo, em julho de 2017, o
Presidente da República, Michel Temer, editou três medidas provisórias 23
voltadas à regulamentar o setor minerário em relação ao recebimento de
royalties das empresas mineradoras, sob a justificativa de incrementar o
Produto Interno Bruto do País e gerar novos empregos. Em agosto de 2017,
um decreto expedido pelo Presidente determinou a extinção da Reserva
Nacional de Cobre e seus Associados, localizada entre os Estados do
Amazonas e Pará, região da Floresta Amazônica de alto potencial minerário
e em que se encontram territórios de floresta nativa, bem como tribos
indígenas demarcadas. A justificativa para tal determinação foi justamente
a de se buscar atrair novos investimentos minerários no país. Contudo, após
pressões da sociedade brasileira, referido decreto foi revogado24.

22
SENADO FEDERAL. Agenda Brasil. Disponível em:
<http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/08/12/agenda-brasil.>.
Acesso em 22 ago. 2017.
23
BRASIL. Medida Provisoria nº 789, de 25 de julho de 2017. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv789.htm>.
Acesso em: 15 Nov.2017. BRASIL. Medida Provisória nº 790, de 25 de julho de 2017.
Dispnível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/Mpv/mpv790.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2017. BRASIL. Medida
Provisória nº 791, de 25 de julho de 2017. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv791.htm>.
Acesso em: 15 Nov. 2017.
24
G1. Renca: Governo revoga decreto que liberava mineração em reserva na
Amazônia. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/decreto-que-
revoga-extincao-da-renca-e-publicado.ghtml>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 130
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Da análise dos acontecimentos mais recentes resta evidente que,


apesar da atual existência de regras rígidas para a concessão de
licenciamento ambiental e punição de empresas e pessoas físicas por danos
ao meio ambiente e violações aos direitos humanos decorrentes da
atividade corporativa, tais regras já estão também na pauta de revisão por
parte dos poderes Legislativo e Executivo nacionais.

CONCLUS ÃO

O presente trabalho intentou demonstrar a magnitude do impacto


socioambiental de empresas mineradoras, em especial em Estados em
desenvolvimento, que flexibilizam suas regras em prol de obtenção de
recursos, esquecendo-se da contrapartida imprescindível de proteção aos
direitos de seus cidadãos. A comprovação de tal hipótese se deu mediante
a análise de casos concretos verificados no Estado Brasileiro, em especial
da tragédia provocada no estado de Minas Gerais pela empresa Samarco,
assim como da querela envolvendo o início das obras de mineração no
estado do Pará, na região do Rio Xingu, no proketo intentado pela
mineradora canadense Belo Sun Mining Corporation. Apesar dos
desacertos verificados em Minas Gerais, novamente o Estado Brasileiro tem
ignorado os possíveis riscos advindos da instalação das obras de mineração
no estado do Pará, riscos estes que foram comprovadamente expressos nos
Estudos de Impacto Ambiental daquela obra e alertados pelas principais
autoridades locais envolvidas no processo de liberação da licença ambiental
da empresa.
Os exemplos estudados no presente trabalho fazem parte de um
modelo de desenvolvimento estrutural adotado pelo Brasil – que
claramente caminha na contramão do desenvolvimento sustentável e da
proteção aos direitos humanos. Confirma-se, assim, a premissa
estabelecida por Zygmunt Bauman em sua analogia às “baixas colaterais”:
são as camadas mais desfavorecidas economicamente pelo processo de
globalização que acabam se descompensando pelos danos ocasionados

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
131 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

pelas atividades desempenhadas em nome do progresso (BAUMAN, 2013,


p. 11-12). Além disso, denota-se a desídia das empresas mineradoras para
conduzir processos dignos de proteção aos direitos humanos também
quando da ocorrência de tragédias envolvendo os locais de exploração de
minérios. Esse padrão de atuação do Brasil foi, como visto, exposto
internacionalmente em mais de uma ocasião, seja diante do sistema global,
seja diante do sistema regional de proteção aos direitos humanos, mas não
tem sido suficiente para impedir que o País continue orientando suas
políticas com a finalidade de proteger tais empreendimentos em
detrimento de sua população. Salta aos olhos, portanto, a desídia de o
descaso do Estado Brasileiro para com seus cidadãos, assim como para com
a sua diversidade ambiental e bioma diferenciado. Em nome de um
pretenso progresso, o Brasil acaba se prostrando aos interesses dos
Estados desenvolvidos tecnologicamente, como exportador de matéria-
prima bruta, impossibilitando seu desenvolvimento em áreas estratégicas
à população e sua real evolução rumo a um modelo sustentável.
Espera-se, apesar dos retrocessos, que a possibilidade de
responsabilização internacional do Estado Brasileiro seja suficiente para
que órgãos nacionais como o IBAMA, a FUNAI, a Defensoria Pública e o
Ministério Público Federal, além de, não menos importante, organizações
da sociedade civil, continuem levando adiante sua atuação perante o Poder
Judiciário Brasileiro na tentativa de denunciar os abusos praticados pelas
indústrias mineradoras, demonstrando para a sociedade os impactos
negativos que uma posição puramente desenvolvimentista e afastada da
proteção aos direitos humanos podem trazer.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 132
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA BRASIL. Desastre em Mariana é o maior acidente mundial com


barragens em 100 anos. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-
mariana-e-o-maior-acidente-mundial-com-barragens-em-100-anos>.
Acesso em: 31 jul. 2016.

______. Atingidos em Mariana ainda não sabem quando serão indenizados


pela Samarco. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-11/mariana-um-ano-
depois-da-tragedia-atingidos-nao-sabem-quando-serao-indenizados>.
Acesso em: 15 Nov. 2017

AUDITOR GENERAL OF BRITISH COLUMBIA. An Audit of Compliance and


enforcement of the mining sector. Canada: 2016. Disponível em:
<http://www.bcauditor.com/sites/default/files/publications/reports/OAG
BC%20Mining%20Report%20FINAL.pdf>. Acesso em: 14 de Nov. 2017.

BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Inter-American


Development Bank Sustainability Report 2015. Disponível em:
<https://publications.iadb.org/handle/11319/7532?locale-attribute=pt>.
Acesso em: 31 jul. 2016.

BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores?


Tradução Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

______. Danos Colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de


Janeiro: Zahar, 2013.

BAUMANN-PAULY, Dorothee . NOLAN, Justine. Busines and Human Rights:


from principles to practice. Nova Iorque: Routledge, 2016.

BRANDT MEIO AMBIENTE LTDA. Relatório de Impacto Ambiental (RIMA):


Projeto Volta Grande. Pará: 2012. Disponível em:
<http://www.sema.pa.gov.br/download/2BSML001-1-EA-RIM-
0002_RIMA_REVISADO.pdf>. Acesso em 15 Nov. 2017.

BRASIL. Medida Provisoria nº 789, de 25 de julho de 2017. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/Mpv/mpv789.htm>. Acesso em: 15 Nov.2017.

______. Medida Provisória nº 790, de 25 de julho de 2017. Dispnível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/Mpv/mpv790.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
133 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

______. Medida Provisória nº 791, de 25 de julho de 2017. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/Mpv/mpv791.html>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

CARDIA, Ana Cláudia Ruy. Empresas, direitos humanos e gênero: desafios e


perspectivas na proteção e no empoderamento da mulher pelas empresas
transnacionais. Porto Alegre: Buqui, 2015.

CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Afetações aos Direitos Humanos devido à


Mineração no Brasil. Disponível em:
<http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/informe_audie%CC%82n
cia-minerac%CC%A7a%CC%83o%20revisado.pdf>. Acesso em: 31 Jul.
2016.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso de la Comunidad


Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Série C nº 79 . Sentença de 31
de agosto de 2001.

______. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Série C nº125.
Sentença de 17 de junho de 2005.

______. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Série C nº 124. Sentença


de 15 de junho de 2005.

______. Caso comunidade Indígena Saehoyamaxa Vs. Paraguay. Série C nº


146. Sentença de 29 de Março de2006.

______.Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Série C nº 172. Sentença de


28 de Novembro de 2007.

______. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Série C nº 214.
Sentença de 24 de Agosto de 2010.

______. Caso de los Puebrlos Indígenas Kuna de Madugandí y Emberá de


Bayano y sus Miembros vs. Panamá. Série C nº284. Sentença de 14 de
Outubro de 2014.

DE FRANCESCO, Ana. CARNEIRO, Cristiane (Org.). Atlas dos impactos da


UHE Belo Monte sobre a pesca. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2015.
Disponível em:
<https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa
/arquivos/atlas-pesca-bm.pdf >. Acesso em: 14 Nov. 2015.

EQUATOR PRINCIPLES. The Equator Principles June 2013. Disponível em:


<http://www.equator-
principles.com/resources/equator_principles_III.pdf>. Acesso em: 25 jul.
2016.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 134
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

FOLHA DE SÃO PAULO. Autoridades e funcionários pedem a volta da


Samarco em audiência pública. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/05/1886595-autoridades-
e-funcionarios-pedem-a-volta-da-samarco-em-audiencia-publica.shtml>.
Acesso em: 15 Nov. 2017.

G1. Renca: Governo revoga decreto que liberava mineração em reserva na


Amazônia. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/decreto-
que-revoga-extincao-da-renca-e-publicado.ghtml>. Acesso em: 15 Nov.
2017.

HOMA. Centro de Direitos Humanos e Empresas (Org). Direitos Humanos e


Empresas: O Estado da Arte do Direito Brasileiro. Juiz de Fora: Editar Editora
Associada Ltda, 2016.

______. Tratado sobre direitos humanos e empresas: duas questões principais.


Disponível em: <http://homacdhe.com/wp-
content/uploads/2015/11/Artigo-Tratado-sobre-Direitos-Humanos-e-
Empresas-Duas-Questões-Principais.pdf>. Acesso em: 12 Set. 2017.

IBAMA. IBAMA nega recursos da Samarco. Disponível em:


<http://www.ibama.gov.br/noticias/422-2017/1164-ibama-nega-recursos-
da-samarco>. Acesso em 01 Set. 2017.

______. Laudo Técnico Preliminar: Impactos ambientais decorrentes do


desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.
Minas Gerais: 2015. Disponível em:
<http://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/la
udo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf>. Acesso em: 14 Nov. 2017.

______. Mineradora Samarco é multada em R$ 250 milhões por catástrofe


ambiental. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/publicadas/samarco-
e-multada-em-r250-milhoes-por-catastrofe-ambiental>. Acesso em 08 abr.
2016.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Dossiê Belo Monte: Não há condições para a


licença de operação. São Paulo: 2015. Disponível em:
<https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/dos
sie-belo-monte-site.pdf>. Acesso em: 14 Nov. 2017.

INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION. International Finance


Corporation’s Policy on Environmental and Social Sustainability. Washington:
2012. Disponível em:
<http://www.ifc.org/wps/wcm/connect/7540778049a792dcb87efaa8c6a8
312a/SP_English_2012.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 25 jul. 2016.

INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. 153 Period of


Sessions. Disponível em:

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
135 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

<http://www.oas.org/es/cidh/audiencias/Hearings.aspx?Lang=es&Session
=136>. Acesso em: 31 Jul. 2016.

JUSTIÇA GLOBAL. Organizações e movimentos da sociedade civil repudiam


acordo assinado entre mineradoras Samarco/Vale/BHP e os Poderes Públicos.
Disponível em: <http://global.org.br/programas/organizacoes-e-
movimentos-da-sociedade-civil-repudiam-acordo-assinado-entre-
mineradoras-samarcovalebhp-e-os-poderes-publicos>. Acesso em: 08 de
abr. 2016.

KEMP, Deanna. BOND, Carol J. FRANKS, Daniel M. COTE, Claire. Mining,


water and human rights: making the connection. Journal of Cleaner
Production. 18 (2010), pp. 1553-1562. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/profile/Carol_Bond2/publication/222202
471_Mining_water_and_human_rights_Making_the_connection/links/0f31
753b35a5ce70b1000000.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasieliro. 21ª ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2013.

MAGALHÃES Sônia Barbosa. CUNHA, Manuela Carneiro da (Coord.). A


expulsão de ribeirinhos em Belo Monte: relatório da SBPC. São Paulo: SBPC,
2017.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E CIDADANIA. CONSELHO DE DIREITOS


HUMANOS. Recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos –
CNDH. Relatório do Grupo de Trabalho sobre população atingida pela
implementação da UH Belo Monte e pelo projeto de instalação da Mineradora
Belo Sun. Disponível em:
<https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa
/arquivos/oficio_cndh_ndeg_74_-_a_semas-pa.pdf>. Acesso em: 01 Set.
2017.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. MPMG e MPF assinam


Termo de Compromisso Preliminar com a Samarco, garantindo montante
mínimo de R$ 1 bilhão para tutela ambiental emergencial. Disponível em:
<https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/mpmg-e-mpf-assinam-
termo-de-compromisso-preliminar-com-a-samarco-garantindo-montante-
minimo-de-r-1-bilhao-para-tutela-ambiental-
emergencial.htm#.Vw6fkfkrJD9>. Acesso em 14 Nov. 2017.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Denúncia. Disponível em:


<http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/denuncia-samarco>.
Acesso em: 14 Nov. 2017.

______. Moradores do Xingu mais impactados por Belo Monte vivem na


incerteza e na pobreza. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-
imprensa/noticias-pa/moradores-do-xingu-mais-impactados-por-belo-
monte-vivem-na-incerteza-e-na-pobreza>. Acesso em: 12 Set. 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 136
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

______. MPF denuncia 26 por tragédia em Mariana. Disponível em:


<http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-denuncia-
26-por-tragedia-em-mariana-mg>. Acesso em: 14 Nov. 2017.

______. Processos Caso Belo Monte. Disponível em:


<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-
imprensa/documentos/2016/tabela_de_acompanhamento_belo_monte_a
tualizada_mar_2016.pdf/>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

______. Recomendação 01/2017/GAB1. Disponível em:


<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-
imprensa/documentos/2017/recomendacao-semas-li-belo-sun>. Acesso
em 01 Set. 2017.

______.Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar. Vitória: 2015.


Disponível em: <http://www.pres.mpf.mp.br/anexosNoticia/ID-
002834__TERMO%20SAMARCO.pdf>. Acesso em 14 Nov. 2017.

NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo


sobre a soft law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

NOBRE, Antônio Donato. O futuro climático da Amazônia: relatório de


avaliação científica. São José dos Campos: ARA:CCST-INPE:INPA, 2014.

SENADO FEDERAL. Agenda Brasil. Disponível em:


<http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/08/12/agenda-
brasil.>. Acesso em 22 ago. 2017.

SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE DO ESTADO DO


PARÁ. Projeto Volta Grande recebe licença de instalação. Disponíel em:
<https://www.semas.pa.gov.br/2017/02/02/projeto-volta-grande-recebe-
licenca-de-instalacao/>. Acesso em: 14 Nov. 2017.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEXTA REGIÃO. Processo nº 0002505-


70.2013.4.01.3903. Subseção Judiciária de Altamira. Juiz Paulo Mitsuru
Shiokawa Neto. Julgado em 17.6.2014.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Global material flows and


resource productivity: Assessment Report for the UNEP International
Resource Panel. Paris, 2016. Disponível em:
<http://unep.org/documents/irp/1600169_LW_GlobalMaterialFlowsUNER
epo>rt_FINAL_160701.pdf>. Acesso em: 29 Jul. 2016.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME/OFFICE FOR THE CO-


ORDINATION OF HUMANITARIAN AFFAIRS. Spill of liquid and suspended
waste at the Aurul S.A. Retreatment Plant in Baia Mar. Genebra: 2000.
Disponível em:

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
137 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

<https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/43CD1D010F030
359C12568CD00635880-baiamare.pdf>. Acesso em: 14 de Nov. 2017.

UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Brazilian mine disaster: “This is not the
time for defensive posturing” – UN rights experts. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/en/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID
=16803&LangID=E>. Acesso em: 07 abr. 2016.

______. Statement at the end of visit to Brazil by the United Nations Working
Group on Business and Human Rights. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID
=16891&LangID=E>. Acesso em: 09 de abr. 2016.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Monitoramento da


influência da Pluma do Rio Doce após o rompimento da Barragem de Rejeitos
em Mariana/MG – Novembro de 2015: Processamento, Interpretação e
Consolidação de Dados. Vitória: 2017. Disponível em:
http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/Rio_Doce/relatorio_cons
olidado_ufes_rio_doce.pdf. Acesso em: 01 Set. 2017.

VALE. Samarco, Vale e BHP Billiton assinam acordo com a União e governos
de Minas Gerais e do Espírito Santo. Disponível em:
http://www.vale.com/samarco/PT/Paginas/samarco-vale-bhp-billiton-
assinam-acordo-uniao-governos-minas-gerais-espirito-
santo.aspx?gclid=CICw3aupjMwCFQFkhgodRsUEkQ. Acesso em 08 Abr.
2016.

______. Vale informa sobre a homologação parcial do Termo de Ajustamento


Preliminar celebrado em 18/01/2017 com o Ministério Público Federal.
Disponível em: <http://www.vale.com/brasil/PT/investors/information-
market/press-releases/Paginas/vale-informa-sobre-a-homologacao-
parcial-do-termo-de-ajustamento-preliminar.aspx>. Acesso em 01 Set.
2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 138
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

DEBER DE VIGIL ANCI A, DERECHOS HUM ANO S Y


EMPRES AS TR ANSN ACIO N ALES: UN REP ASO A
LOS DISTI NTOS MODELO S DE LUCH A CONTR A
L A IMPUNID AD

DUTY OF SURVEILLANCE , HUM AN RIGHTS AND


TR ANSN ATION AL CORPOR ATIONS: A REVI EW
OF THE DI FFERENT MOD ELS OF FIGHT AG AI NST
IMPUNI TY

Adoración Guamán1

RESUMEN
El texto parte de la afirmación la necesidad de elaborar normas vinculantes
a nivel internacional sobre empresas transnacionales y derechos humanos
que pongan fin a la impunidad de la que gozan las primeras cuando,
directamente o a lo largo de los distintos eslabones de su cadena de
suministro, provocan violaciones de estos derechos, así como asegurar la
reparación de las víctimas. El sector del textil, fundamentalmente en los
eslabones de las cadenas de suministro situadas en distintos países de Asia,
es uno de los que presenta un mayor índice de vulneraciones de los
derechos humanos en general y laborales en particular. Por este motivo, el
artículo utiliza el ejemplo de este sector para evidenciar tanto el impacto
de estas violaciones como la ineficacia de los mecanismos actualmente
vigentes para prevenir las mismas. Esta afirmación se cohonesta en el
artículo con el reconocimiento de la existencia de marcos normativos ya
vigentes, como la ley francesa, e iniciativas en curso, como la Iniciativa
Sánchez-Candeltey, que suponen un avance en el establecimiento de
normas vinculantes que sujeten la actuación de las empresas
transnacionales al respeto de los Derechos Humanos. Sin embargo, y esta

1 Universitat de València

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
139 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

es la tesis fundamental del artículo, estas iniciativas continúan siendo


parciales para el control de entidades como las ETN, que por su actividad
transnacional escapan con facilidad del control establecido en marcos
normativos estatales o regionales. En este sentido, se argumenta en el
artículo que el elemento imprescindible para alcanzar el fin de la impunidad
y avanzar hacia la erradicación de fenómenos como el de esclavitud
moderna es la aprobación de un Instrumento internacional jurídicamente
vinculante, como el que se está negociando en el marco de la Resolución
26/9.

PALABRAS CLAVE: Diligencia debida. Prevención. Deber de vigilancia.


Textil. Derechos humanos. Empresas transnacionales.

INTRODUCCIÓN

En septiembre del año 2012 se produjo un incendio en una fábrica


de textil en Karachi, Paquistán. Murieron 260 trabajadoras/es y 32
quedaron heridas. El local de la empresa, Ali Enterprises, tenía bloqueadas
las salidas de emergencia, las ventanas enrejadas y una única salida. Debido
a estas circunstancias, las personas que trabajaban allí se vieron atrapadas
en el fuego y murieron asfixiadas o quemadas2. Menos de un año después3,
el 24 de abril de 2013 se desplomó en Daca (Bangladesh) un edificio de ocho
plantas, llamado Rana Plaza, provocando 1.129 fallecidos, la mayoría,
obreras textiles de grandes marcas internacionales de moda. El edificio
estaba construido para albergar un centro comercial y no las cinco fábricas

2
Sobre este caso vid. la información disponible en
https://www.ecchr.eu/en/our_work/business-and-human-rights/working-
conditions-in-south-asia/pakistan-kik.html y en la web de la Campaña Clean Clothes.
3
Entre ambas catástrofes, el 24 de noviembre de 2014 se produjo el incendio en la
empresa Tazreen Fashions en Bangladesh, donde trabajaban 1150 personas. Las
víctimas mortales fueron 112 y las heridas 200. Por sus similitudes con los otros dos
casos comentados va a omitirse el análisis de este en concreto.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 140
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de ropa que radicaban en él, por lo que el uso inadecuado provocó el


deterioro rápido de la infraestructura. Los desperfectos y el peligro de
derrumbe antes de la catástrofe eran evidentes pero, a pesar de las
protestas de las y los trabajadores, los directivos de las fábricas se negaron
a interrumpir el trabajo, con la connivencia de los responsables políticos
municipales.
Ambos casos tienen una serie de características comunes,
compartidas por otros desastres acaecidos en los últimos años, que se
encuadran en el marco teórico sobre el que se sustenta este artículo y su
hipótesis de partida, que no es otra que la necesidad de elaborar normas
vinculantes a nivel internacional sobre empresas transnacionales y
derechos humanos que pongan fin a la impunidad de la que gozan las
primeras cuando, directamente o a lo largo de los distintos eslabones de su
cadena de suministro, provocan violaciones de estos derechos, así como
asegurar la reparación de las víctimas.
Las características fundamentales que comparten los dos
desastres son las siguientes:
1) En los dos casos, el principal cliente de la empresa local es una o
varias empresas radicadas en un país del Norte que desarrollan una
actividad transnacional, en cuyas cadenas de suministro se inserta la
empresa local. En el primer caso se trata de la empresa KiK, asentada en
Alemania4, para la cual Ali Enterprises producía el 75% de su material y con
la que mantenía una relación comercial desde el año 2007. En el segundo
caso, Rana Plaza, las empresas radicadas en el edificio producían para firmas
tan conocidas como Benetton, El Corte Ingles, Loblaw, Primark, y Walmart.
2) En ambos casos, las empresas matrices habían anunciado su
compromiso de vigilar que sus proveedores respetaran determinados
estándares relativos a la seguridad y salud de sus trabajadores. De facto,
como demuestra el caso KiK, se habían hecho distintas auditorías. En agosto

4
La empresa se define así misma como “One of the world's greatest fashion & home
discount retailer”. La información sobre sus productos se encuentra en:
<http://www.kik.de/>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
141 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de 2012 la empresa RINA Services S.p.A. emitió el certificado SA8000 para


la empresa pakistaní, tras la auditoría realizada por una de sus empresas
subcontratadas en Pakistán (Renaissance Inspection and Certification
Agency (RI&CA). Además, y mandatadas por KIK, se realizaron otras cuatro
auditorías entre 2007 y 2017.
En ninguno de los dos casos las auditorías reflejaron la realidad en
la que se trabajaba en las empresas donde se produjo la catástrofe. Como
detalla una experta independiente que realizó una serie de entrevistas a
trabajadores de Ali Enterprises5, en aquella empresa las empleadas
trabajaban en las siguientes condiciones: inexistencia de medidas de
seguridad, primeros auxilios y salidas de incendios; trabajo infantil; jornadas
de trabajo de entre 11 y 13 horas, con horario nocturno y en domingos y
pago a destajo; no afiliación a la seguridad social ni contrato de trabajo por
escrito; prohibición de sindicación, huelga y negociación colectiva, etc. Este
relato coincide con las condiciones de trabajo denunciadas reiteradamente
en numerosos documentos de la Campaña Clean Clothes.
Se trata de condiciones de trabajo que pueden enmarcarse en
algunas de las expresiones de la llamada “esclavitud moderna” tal y como
la ha definido la OIT:

Por trabajo forzoso puede entenderse el trabajo que


se realiza de manera involuntaria y bajo amenaza de
una pena cualquiera. Se refiere a situaciones en las
cuales personas están forzadas a trabajar mediante el
uso de violencia o intimidación, o por medios más
sutiles como una deuda manipulada, retención de
documentos de identidad o amenazas de denuncia a
las autoridades de inmigración.

5
Vid. el informe de Zehra Khan, General Secretary of the Homebased Women
Workers Federation presentada en el juicio a la empresa KiK, disponible en
<https://www.ecchr.eu/en/our_work/business-and-human-rights/working-
conditions-in-south-asia/pakistan-kik.html>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 142
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Según la estimación mundial sobre la esclavitud moderna se


estima que en cualquier momento dado de 2016, 24,9 millones de personas
han estado sometidas al trabajo forzoso. De ellas, 16 millones son
explotadas en el sector privado, por ejemplo, en el trabajo doméstico, la
industria de la construcción, la agricultura y el textil; 4,8 millones de
personas son víctimas de la explotación sexual forzosa; y 4 millones de
personas se encuentran en situación de trabajo forzoso impuesto por el
Estado.
Además el trabajo forzoso afecta en forma desproporcionada a las
mujeres y niñas, que representan el 99 por ciento de las víctimas en la
industria sexual comercial y el 58 por ciento en otros sectores.
Cabe señalar también que las empresas implicadas en la industria
del textil en Bangladesh firmaron el “Accord on Fire and Building Safety in
Bangladesh” en mayo de 2013. El texto, como se describe en su página web,
es un “acuerdo independiente legalmente vinculante entre marcas y
sindicatos destinado al objetivo de trabajar hacia una industria del textil en
Bangladesh segura y saludable”. Además, también en 2013 y de manera
paralela se formó la “Alianza” (Alliance for Bangladesh Worker Safety) un
acuerdo vinculante de 5 años entre empresas del textil de procedencia
norteamericana, a diferencia de las que firmaron el acuerdo anterior que
eran europeas, impulsada por dos Senadores con el objetivo de mejorar la
seguridad en las empresas del textil de Bangladesh.
Sin embargo, y más allá de la mejora de las condiciones de
seguridad en el trabajo, la industria del textil en Bangladesh continua hoy
en día manteniendo los rasgos señalados anteriormente en cuanto a los
reducidos niveles salariales y a la quiebra de los derechos de libertad
sindical. La Campaña Clean Clothes ha realizado diversos informes al
respecto en los que señala esta situación y exige una actuación a la Unión
Europea y a la OIT. Como veremos, existe la voluntad por parte del
Parlamento Europeo de impulsar una “Iniciativa emblemática” en el sector
del textil que todavía no ha sido aceptada por la Comisión Europea.
3) La tercera característica común a ambos casos ha sido, y es, las
dificultades que las víctimas han tenido para el acceso a la justicia y la

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
143 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

obtención de reparación. En el caso KiK, el 13 de marzo de 2015, cuatro de


las víctimas presentaron una demanda para la compensación por los daños
ante un tribunal de Dortmunt. El tribunal alemán aceptó la jurisdicción y
declaró la gratuidad del proceso para las víctimas. La demanda tanto la
compensación por los daños como la disculpa y el compromiso de la
empresa de asegurar la seguridad en sus proveedores. En septiembre de
2016, y tras una negociación mediada por la OIT la empresa accedió a pagar
un total de $5.15 millones pero rechazó admitir su responsabilidad. Las
víctimas se reafirmaron en la exigencia de justicia, no de caridad, y el
proceso sigue adelante, apoyado por múltiples ONG y entidades de
derechos humanos6. La base de su reivindicación se sustenta en el
incumplimiento de la empresa alemana de su deber de cuidado y de
vigilancia debida, considerando que la empresa alemana debe ser
considerada jurídicamente responsable por una omisión con consecuencias
desastrosas.
El 29 de agosto de 2017 un tribunal de Dacca condenó al primer
responsable por la tragedia del Rana Plaza, Sohel Rana, dueño del complejo,
a tres años de cárcel y una multa de 625 dólares. Hasta el momento, no se
ha conseguido determinar la responsabilidad de las corporaciones
transnacionales que tenían acuerdos comerciales con las empresas cuyos
locales estaban en el Rana Plaza y cuyas trabajadoras murieron en el
siniestro. No obstante, de manera paralela a la vía jurisdiccional, en octubre
de 2013 se estableció la Comisión de Coordinación del Rana Plaza, presidida
por la OIT y compuesta por representantes del gobierno, sindicatos,
empresas del textil implicadas y ONG7, el objetivo de esta Comisión era

6
Sobre este caso se remite al análisis publicado en:
<https://www.ecchr.eu/en/our_work/business-and-human-rights/working-
conditions-in-south-asia/pakistan-kik.html> y en
<http://grundundmenschenrechtsblog.de/supply-chain-liability-the-lawsuit-by-
karachi-claimants-against-retailer-kik-in-historic-perspective/>.
7
En concreto la comisión se compone de los siguientes actores: Ministerio de Trabajo
y Empleo; Bangladesh Garment Manufacturers’ Association (BGMEA); Bangladesh
Employers Federation (BEF); National Coordination Committee for Workers’
Education (NCCWE); IndustriALL Bangladesh Council; Bangladesh Institute of Labour
Studies (BILS); IndustriALL Global Union; y las siguientes marcas: El Corte Ingles,

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 144
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

desarrollar y vigilar el cumplimiento del Understanding for a Practical


Arrangement on Payments to the Victims of the Rana Plaza Accident and their
Families and Dependents for their Losses8.
En este acuerdo las partes firmantes ser comprometieron a
cooperar para determinar las pérdidas que debían ser cubiertas, asegurar
la debida asistencia a las víctimas y familiares para que pudieran presentar
adecuadamente las quejas para ser atendidas, ofrecer la asistencia técnica
necesaria durante todo el proceso, etc. En enero de 2014, la OIT creó el
Fondo fiduciario de donantes del Rana Plaza a fin de apoyar los esfuerzos
de la Comisión para financiar el sistema. En junio de 2015 la OIT anunció que
se habían recaudado los 30 millones de dólares estimados para pagar las
compensaciones a las más de 2.800 millones de víctimas que habían
presentado quejas. La lista de donantes y las cantidades, de aquellos que la
han hecho pública, está en la página web de la Comisión de Coordinación 9.
Cabe destacar por ejemplo que Benetton ha “donado” 1,100,000 $; Auchan
1,500,000 $; BRAC USA (que incluye entre otras marcas a Gap Foundation o
Walmart) 2,480,000 $; Inditex 1,633,430 $, etc.
En este caso, y bajo los focos de la opinión pública internacional
despertada por la magnitud del desastre, se ha conseguido una reparación
económica establecida y liquidada a través de la Comisión. Sin embargo, las
personas físicas y jurídicas que aumentaron su tasa de ganancia
presionando a las empresas locales para aumentar la producción y reducir
los gastos sociales y de prevención y que por tanto deberían ser
consideradas culpables tanto por esta presión como por la omisión del
deber de vigilancia, es decir, el conjunto de ETN señaladas (KiK, El Corte
Inglés, Benetton, Primark, etc) siguen impunes.
Los ejemplos relatados y sus características comunes permiten
determinar cuatro afirmaciones iniciales que enmarcan la hipótesis

Loblaw, Primark, así como la Clean Clothes Campaign, vid: https://ranaplaza-


arrangement.org/
8
<https://ranaplaza-arrangement.org/mou/full-
text/MOU_Practical_Arrangement_FINAL-RanaPlaza.pdf>.
9
<https://ranaplaza-arrangement.org/fund/donors>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
145 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

sugerida, es decir, la insuficiencia de las normas actuales para prevenir las


violaciones de derechos humanos por las actividades de las ETN y la
necesidad de normas que eviten la impunidad de las mismas y aseguren la
reparación de las víctimas. Estas tres afirmaciones de partida son:
- Las violaciones de DDHH por parte de las ETN y OEN no solo no
se han reducido en los últimos años sino que se han refinado y se han
convertido, en algunos sectores, en algo casi consustancial a la evolución
de la economía global y, como veremos, de los flujos de inversión extranjera
directa.
- Las vías de prevención de las violaciones de derechos humanos
existentes que dependen de la voluntariedad de las empresas privadas, por
ejemplo los sistemas de códigos de conducta y auditorías voluntarias, son
insuficientes.
- Existen enormes obstáculos para el acceso a la justicia de las
víctimas, que están superándose con grandes esfuerzos en casos muy
particulares. La reparación por tanto todavía depende de circunstancias
vinculadas al caso concreto.
Ninguna de estas tres afirmaciones de partida es novedosa, al
contrario, esta situación está siendo denunciada desde hace décadas. Es
cierto que el caso Rana Plaza fue considerado como un “wake-up call” y tras
la tragedia, como ocurrió en su día con el caso Bophal, empresas, gobiernos
y organizaciones internacionales, espoleados por las ONG, se apresuraron
a adoptar pactos y protocolos para evitar nuevos desastres y proveer
compensación a las víctimas. Sin embargo, como para el sector del textil
indican los informes de la Campaña Clean Clothes10 y como para el conjunto
de sectores nos relatan las diferentes organizaciones de afectadas y
víctimas, las violaciones de derechos humanos por ETN y la imposibilidad de

10 Sobre este caso se remite a la abundante información disponible en:


https://cleanclothes.org/ua/2013/rana-plaza y el resto de informes de la Campaña;
también la OIT ha multitud de informes, fundamentalmente en el marco de la
Campaña “Improving Working Conditions in the Ready-Made Garment Sector”,
financiada por Canadá, Holanda y Reino Unido y lanzada en Octubre de 2013.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 146
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

las víctimas de obtener reparación se siguen sucediendo. El ejemplo más


reciente lo vuelve a mostrar el caso Chevron/Texaco, tras la desestimación
de la demanda de exequator presentada por las víctimas ante un tribunal
de Brasil, afirmando la separación de la personalidad de las entidades
jurídicas, es decir, la no vinculación de Chevron Corporation con sus
subsidiarias11.
A lo largo de las siguientes páginas, y tras el necesario recorrido
por el marco teórico de la cuestión, abordaremos algunas de las iniciativas
ya existentes, en el plano estatal y regional, para centrarnos finalmente en
el estado de la cuestión en el ámbito de Naciones Unidas contrastando dos
puntos de vista, el que afirma la suficiencia del marco actual, es decir los
Principios Rectores12 y el que sostiene la necesidad de un Instrumento
internacional jurídicamente vinculante sobre empresas transnacionales y
derechos humanos, como el que se está elaborando por el Grupo de Trabajo
Intergubernamental de Composición Abierta, presidido por el Ecuador en
el marco de la Resolución 26/913.

11
Sobre esta última sentencia, vid. <http://texacotoxico.net/chevron-se-esconde-
nuevamente-tras-el-velo-societario-para-evadir-su-responsabilidad-en-violaciones-
de-derechos-humanos-dictamen-de-la-justicia-brasilera-comprueba-la-estructura-
de-impunidad-que-pr/>.
12
“Principios Rectores sobre las empresas y los derechos humanos: puesta en
práctica del marco de las Naciones Unidas para “proteger, respetar y remediar”
(Naciones Unidas, A/HRC/17/31, 27 de marzo de 2011). Para una visión crítica de
estos principios se remite, entre otras muchas fuentes, a Esteve, J.E., “Los Principios
Rectores sobre las empresas transnacionales y los derechos humanos en el marco de
las Naciones Unidas para «proteger, respetar y remediar»: ¿hacia la responsabilidad
de las corporaciones o la complacencia institucional?, en Anuario Español de Derecho
Internacional, vol. 27, 2011; así como a la bibliografía citada en Guamán, A., González,
G,. El fin de la Impunidad, Icaria, Barcelona, 2017.
13
Resolución A/HRC/RES/26/9 “Elaboración de un instrumento internacional
jurídicamente vinculante sobre las empresas transnacionales y otras empresas con
respecto a los derechos humanos”: adoptada con votación en el Consejo de Derechos
Humanos (CDH) de las Naciones Unidas el 26 de junio de 2014. Disponible en
<https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/082/55/PDF/G1408255.pdf?OpenElement>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
147 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

1. BREVE REFERENCI A AL M ARCO TEÓRICO DE


LA REL ACIÓ N ENTRE EM PRES AS
TR ANSN ACION ALES Y DE RECHOS HUM ANO S

El Conjunto de principios para la protección y la promoción de los


Derechos Humanos, para la lucha contra la impunidad (actualizado en
2012)14, ha definido impunidad como la “ausencia, de iure o de facto , de la
imputación de la responsabilidad penal de los autores de violaciones de los
derechos humanos, así como de su responsabilidad civil, administrativa o
disciplinaria, de modo que aquéllos escapan a toda investigación tendente
a permitir su imputación, su arresto, su juzgamiento y, en caso de
reconocerse su culpabilidad, a su condena a penas apropiadas, y a reparar
los perjuicios sufridos por sus víctimas”15.
A efectos de desarrollar las aristas de este fenómeno de
impunidad, es importante remarcar las circunstancias que se conjugan para
generar una armadura jurídica a medida de las empresas transnacionales.

1.1. L E X M E R C A T O R I A Y C A P T U R A C O R P O R AT I V A

En primer lugar, y como marco general, la impunidad de las ETN se


vincula con una arquitectura jurídica conocida como Lex Mercatoria16. La Lex

14
Economic and Social Council, Commission on Human Rights,
E/CN.4/2005/102/Add.1, Updated Set of principles for the protection and promotion
of human rights through action to combat impunity, p. 6.
15
Como ha señalado Özden, esta definición se refiere a las violaciones de derechos
civiles y políticos cometidos por agentes del Estado pero puede ampliarse tanto a las
violaciones cometidas por ETN como a la totalidad de Derechos Humanos,
incluyendo así, evidentemente, los derechos sociales, económicos, culturales y
ambientales. Özden, M., Impunidad de Empresas Transnacionales, CETIM, Ginebra,
2017.
16
El término Lex Mercatoria no es en absoluto pacífico, ni en cuanto a su definición ni
en cuanto a su contenido. Desde el ámbito iuslaboral, el texto más reciente es el de
Hernández Zubizarreta, J., Ramiro, P., Contra la Lex Mercatoria, Icaria, 2016. Desde el
punto de vista de la filosofía del derecho, López Ruiz, ha definido esta Lex Mercatoria
como “un conjunto normativo disperso, con carácter supranacional, que goza de un
alto grado de autonomía respecto a los ordenamientos jurídicos estatales, y que

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 148
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Mercatoria ha sido definida por autores como Hernández Zubizarreta como


un nuevo orden económico y jurídico global que reinterpreta y formaliza el
poder de las multinacionales mediante la utilización de: usos y costumbres
internacionales; normas de los estados nacionales; un conjunto de
convenios, tratados y normas de comercio e inversiones de carácter
multilateral, regional y bilateral, como son por ejemplo el CETA (Acuerdo
Integral sobre Economía y Comercio o Acuerdo Económico y Comercial
Global) o el non nato TTIP (Tratado Transatlántico de Comercio e

constituye un grupo de reglas adecuadas para la regulación de las relaciones


económico-privadas internacionales, especialmente, de los contratos
internacionales a los que se puede aplicar directamente en lugar de las disposiciones
de los ordenamientos nacionales. En ese sentido, por nueva Lex Mercatoria hoy se
entiende un derecho creado por las grandes empresas transnacionales, las law firms
y ciertas agencias privadas internacionales sin la mediación expresa del poder
legislativo de los Estados, y formado por reglas destinadas a disciplinar de modo
uniforme, más allá de la unidad política de los Estados, las relaciones comerciales y
financieras que se establecen dentro de la unidad económica que constituye el
mercado global”, vid. Hernández Zubizarreta, J., Ramiro, P., Contra la Lex Mercatoria,
Icaria, Barcelona, 2015; Hernández Zubizarreta, J., “Lex mercatoria”; OMAL 2012.
http://omal.info/IMG/article_PDF/Lex-mercatoria_a4803.pdf; López Ruiz, F., “El
papel de la societas mercatorum en la creación normativa: la Lex Mercatoria”, en CEFD,
n.20 (2010). Desde el derecho mercantil o del derecho internacional privado, pueden
destacarse los aportes de: Calvo Caravaca, A.L. y Carrascosa González, J. : “Los
contratos internacionales y el mito de la ‘nueva lex mercatoria’” Estudios sobre
Contratación Internacional. Colex, Madrid, 2006, pp 55-80. David, R.: Le Droit du
Comerce internacional. Reflexions d’un comparatiste sur le droit international privé.
Economica, Paris, 1987, pp 134-136. Deumier, P. : Le droit spontané. Economica,
Paris, 2002. Draetta, U. : Il diritto dei contratti internazionali, Padova, Cedam, Vol III,
1988. Feldstein de Cárdemas, S,. : Contratos internacionales. Abeledo-Perrot, Buenos
Aires, 1995. Goldman, B. :« Frontières du droit et lex mercatoria », Archives du
Philosophie du Droit, T 9, 1964, pp 171 y ss. « La lex mercatoria dans les contracts et
l’arbitrage internationaux :réalité et perspectives », Journal de Droit International,
Vol 106, 1979, pp 475-505. Fernández Rozas, J.C. : Ius mercatorum. Autoregulación y
unificación del derecho de los negocios transnacionales. Colegios Notariales de
España, Madrid, 2003. Ferrarese,MªR. : « La lex mercatoria tra storia e attualità :da
diritto dei mercanti a lex per tutti ? ». Sociologia del Diritto, Milan, 2005. Filali, O.: Les
principes généraux de la lex mercatoria. Contribution á l’étude d’un ordre juridique
anational. LGDJ, Paris, 1992. Galgano, F. : La globalización en el espejo del Derecho,
op cit. Gondra Romero, J.Mª. : « La moderna Lex Mercatoria y la unificación del
Derecho del comercio internacional ». RDM, nº 127, 1973, pp 7-38. Sánchez Lorenzo,
S. y Juenger, F.K.: “Conflictualismo y lex mercatoria en el Derecho internacional
privado”. REDI, 2000, vol LII, pp 15-47. Silva, J.A. (Coord) Estudios sobre lex
Mercatoria. UNAM, Mexico, 2006.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
149 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Inversiones)17; las resoluciones de los mecanismos de resolución de


controversias Inversor-Estado (ISDS); los Códigos de Conducta Empresarial
y un largo etcétera.
Debe recordarse que la gran mayoría de estos mecanismos se
vincula con la obsesión de muchos gobiernos por la atracción de la inversión
extranjera, que los ha lanzado a la generación desbocada de una extensa
red de acuerdos de comercio e inversión, lo cual provoca una doble
consecuencia: por un lado, la obsesión mencionada arrastra a las economías
en desarrollo a una dinámica de feroz competencia, rebajando sus normas
laborales (se trata de los fenómenos calificados como regulatory competion
y race to the bottom) y dando ventajas de todo tipo a los inversores
extranjeros.
En esta línea también debemos considerar parte de la Lex
Mercatoria las normas que regulan las llamadas Zonas Francas de

17
Estos acuerdos incluyen mecanismos llamados de “cooperación reguladora” que
implican una redefinición del sistema de producción de normas con la introducción
de los llamados stakeholders con carácter protagónico.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 150
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Inversión18 y el fenómeno de las “maquilas”19, eminentemente vinculadas a


la industria del textil. Por otro lado, los acuerdos de comercio e inversión
permiten, como veremos, la existencia de vías de escape amplísimas
respecto de las jurisdicciones nacionales (los mecanismos de solución de
controversias inversor-Estado) que únicamente pueden utilizar los
inversores extranjeros para proteger sus intereses.
Evidentemente, este conjunto de elementos y estrategias no
configura un fenómeno aislado sino que forma parte de lo que Rodotá

18
Según la OIT, una ZFI es un espacio dotado por lo general de incentivos especiales
para atraer a los inversores extranjeros. En el mismo se instala una planta de una
empresa donde los materiales importados se transforman en mayor o menor medida
antes de ser de nuevo exportados. En el modelo tradicional, se suele exportar la
totalidad de la producción de estas zonas. Los incentivos económicos que las ZFI
ofrecen a las empresas incluyen la exención de algunos o todos los aranceles e
impuestos y el acceso a las instalaciones y servicios de las manufacturas destinadas
a la exportación. Además, algunos países las eximen del cumplimiento de la
legislación aplicable en materia laboral. Es evidente que estas han proliferado
rápidamente en las últimas décadas. La mayor parte se concentran en Asia, donde
tan solo en China encontramos más de 300 ZFI. Los gobiernos, movidos por el deseo
de aumentar sus exportaciones y de aprovechar las cadenas mundiales de suministro,
han seguido respaldando la expansión de las ZFI. Se calcula que alrededor del 20 por
ciento de las exportaciones de los países en desarrollo procede de estas zonas. Hay
noticias de que en ellas las jornadas laborales son largas y se vulneran
sistemáticamente los principios de libertad sindical. En muchos países, el
cumplimiento de la legislación laboral en las ZFI ha sido deficiente. En algunos casos,
los salarios tienden a ser más elevados en las ZFI; no obstante, la comparación de las
condiciones de trabajo dentro y fuera de estas zonas arrojan resultados dispares. Vid.
OIT: Manual sindical sobre las zonas francas de exportación, Oficina de Actividades
para los Trabajadores (Ginebra, 2014).
19
Con un enfoque eminentemente centroamericano, es posible afirmar que “la
maquila es un sistema de producción, en general bajo la forma de subcontratación,
en el que se transforman insumos intermedios y materias primas importadas, por
medio de procesos que en muchos casos (aunque no necesariamente) tienen escaso
valor agregado, cuyos productos finales se comercializan en el exterior. Para realizar
estas operaciones, el estado exonera al productor de una serie de requisitos que
debe cumplir el resto de las empresas ubicadas en el país. Estas facilidades y
exoneraciones son fundamentalmente de carácter aduanero y de manejo de divisas,
aunque luego veremos que existen otros incentivos adicionales”. Sobre esta
cuestión, vid. OIT, ACT/EMP, la industria de la maquila en Centroamérica. Disponible
en
http://www.ilo.org/public/english/dialogue/actemp/downloads/publications/spanis
h/maquila/capi-1.pdf.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
151 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

definía como la crisis del moderno Estado nacional y del sistema tradicional
de fuentes y que otros muchos autores han calificado como crisis del
“imperio de la ley”; en otras palabras, el paso de una realidad caracterizada
por las leyes parlamentarias y las dinámicas normativas concentradas en el
Estado nación hacia un modelo caracterizado por las interacciones
multinivel y multistakeholder. Como señalaba el jurista italiano, junto con
los sujetos públicos tradicionales concurren en la actualidad una amplia
diversidad de actores privados con sistemas propios de producción de
reglas, o con capacidad para influir en las dinámicas de producción de
normas jurídicas, que cobran un protagonismo cada vez mayor. Nos
encontramos ante una modificación del sistema de regulación pública que
“se reestructura desde sí mismo y cede poder hacia el exterior”, una nueva
distribución del poder político y jurídico que se produce en los distintos
niveles de producción normativa20.

20
Es importante señalar que esta nueva distribución no tiene como ejes únicamente
los extremos poder privado/poder público sino también los planos estatal y
supranacional. En concreto, ya son numerosas las contribuciones doctrinales que
señalan como la Unión Europea, a través de, entre otros mecanismos, el semestre
europeo y las recomendaciones por país, está influyendo directamente en la
regulación estatal de materias que quedan fuera de sus competencias. Sobre esta
cuestión vid., en extenso: Hernández Zubizarreta, J., “El Estado Social de Derecho y
el capitalismo: crisis de la función reguladora de la norma jurídica”, en Hernández
Zubizarreta, J., et alt. (eds) Empresas transnacionales en América Latina: Análisis y
propuestas del movimiento social y sindical, UPV/EHU, Hegoa y OMAL, 2013; Guamán
Hernández, A., Noguera Fernández, A., Derechos sociales y austeridad, la UE contra
el constitucionalismo social, Bomarzo, Albacete, 2015. Respecto de la relación entre
las normas laborales y la globalización ecónomica, tema de moda en la década
pasada, se remite a los clásicos: Perulli, A., Diritto del Lavoro e globalizzazione, Cedam,
Padova, 1999 : Valdés Dal-Re, F., “Transformaciones del derecho del trabajo y orden
económico globalizado”, Revista andaluza de relaciones laborales, Nº 12, 2003, pp.
131 y ss.; Valdés Dal-Re, F., “Soft law, Derecho del trabajo y orden económico
globalizado”, RL, Nº 1, 2005, pp. 37 y ss.; Baylos Grau, A. “Globalización y Derecho del
Trabajo: Realidad y Proyecto”, Cuadernos de Relaciones Laborales Nº 15, 1999, pp.
19 y ss.; Olivas, E., "Desordenes sociales y ajustes constitucionales", en Lima Torrado,
J. Olivas, E., Ortíz Arce De La Fuente, A. (coord.), Globalización y Derecho. Una
aproximación desde Europa y América Latina, Dilex, Madrid, 2007; Faria, El derecho en
la economía globalizada, Trotta, Madrid, 2001; Alonso, L.E., Trabajo y Ciudadanía,
estudios sobre la crisis de la sociedad salarial, Trotta, Madrid, 1999; Alonso, L.E.,
Trabajo y posmodernidad, el empleo débil, Fundamentos, Madrid, 2000; Sanguineti

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 152
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

De hecho, siguiendo una vez más al autor italiano, debemos


recordar que en el espacio global actual lo que llama la atención, el
verdadero problema, no es la ausencia de reglas, sino la imposibilidad
efectiva de aplicar las que hemos considerado tradicionalmente como Hard
Law y la proliferación de lo que, a pesar de denominarse Soft Law, está
superando la eficacia coactiva del primero. Así, el poder normativo de lo
público se reduce frente a la regla de la fuente privada y de la aplicación
“voluntaria” de normas autónomas, derivadas directamente de los actores
económicos interesados. La llamada desregulación es más bien una re-
regulación donde el Derecho Internacional de los derechos humanos,
categoría en la que incluimos evidentemente los derechos laborales 21,
pierde peso frente a las normas derivadas del poder privado orientadas a la
regulación del comercio y las relaciones económicas. Como ha señalado
Esteve, la captura corporativa conlleva la politización de la justicia y, con
ello, el cuestionamiento de las bases de los Estados de Derecho.
Cabe señalar por último en la construcción de esta compleja y
amplia Lex Mercatoria ha jugado un papel fundamental el fenómeno de la
“Captura Corporativa”, es decir, las formas y vías por las que la élite
económica controla las decisiones de los Estados en su propio beneficio.

Raymond, W., García Laso, A., Globalización económica y relaciones laborales,


Ediciones de la Universidad de Salamanca, Salamanca, 2003
21
Se da así por superado el debate respeto de los Derechos Económicos, Sociales y
Culturales (DESC) en cuestiones relativas a su alcance y justiciabilidad como derechos
humanos y la responsabilidad de estado en su promoción, protección y defensa. La
evolución hacia la plena afirmación de la idea de la universalidad e indivisibilidad de
los derechos humanos es ya clara e incontrovertible, siendo comúnmente aceptado
que sin el goce efectivo de los derechos económicos, sociales y culturales, los
derechos civiles y políticos se reducen a meras categorías formales y que solo el
reconocimiento integral del conjunto de derechos humanos puede garantizar la
existencia real de todos y cada uno de ellos. Esta idea, y la falacia de la distinta
naturaleza, ha sido elaborada ya tanto desde el punto de vista doctrinal como en el
plano normativo, con el desarrollo del PIDESC y en especial con la Declaración y
Programa de Viena, aprobado por la Conferencia Mundial que se llevó a cabo en esa
ciudad en 1993, firmada por 171 Estados. Sobre la cuestión vid., Noguera Fernández,
A., Los derechos sociales en las nuevas constituciones latinoamericanas, Tirant Lo
Blanch, Valencia, 2010 y Pisarello, G., Los derechos sociales y sus garantías. Trotta.
Madrid, 2007

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
153 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Según ha señalado la RED-DESC, la captura corporativa puede definirse


como:

La influencia indebida que las corporaciones ejercen


sobre las instituciones públicas nacionales e
internacionales, manipulándolas para que actúen de
acuerdo con sus prioridades, a costa del interés
público y la integridad de los sistemas necesarios para
respetar, proteger y hacer realidad los derechos
humanos y proteger el medio ambiente. Dada su
naturaleza, esta captura corporativa actúa como una
significativa causa de los abusos de derechos humanos
por parte de las empresas22.

Así, el fenómeno iría en contra del propio mandato del artículo 21


(3) de la Declaración Universal de Derechos Humanos el cual establece que
“la voluntad del pueblo es la base de la autoridad del poder público”. Como
ha señalado Esteve, la captura corporativa conlleva la politización de la
justicia y, con ello, el cuestionamiento de las bases de los Estados de
Derecho.

1.2. L A E X T E N S I Ó N D E L A S C A D E N A S D E S U M I N I S T R O

La otra arista de la impunidad deriva del comportamiento


empresarial deliberadamente dirigido a difuminar su responsabilidad a
través de las estrategias de descentralización, diferenciación patrimonial,
constitución de sociedades dominantes y filiales y diversificación de las
mismas así como de las distintas partes de la producción en distintos países.
Como es evidente, a medida que aumenta el tamaño de las corporaciones
transnacionales y de sus cadenas de suministro, se acrecienta su impunidad
por cuanto se obstaculiza la determinación de los responsables de la

https://www.escrnet.org/sites/default/files/proyecto_de_captura_corporativa_sp
22

anish_0.pdf

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 154
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

violación de los derechos humanos por las actividades realizadas a lo largo


de las cadenas de suministro.
Veamos algunas cifras: según el Índice de Transnacionalización de
la Conferencia de las Naciones Unidas sobre Comercio y Desarrollo
(UNCTAD), las 100 primeras empresas multinacionales del mundo tienen,
en promedio, más de 500 filiales en más de 50 países. Su estructura de
propiedad posee 7 niveles jerárquicos (es decir, los eslabones de propiedad
con las filiales pueden cruzar hasta 6 fronteras), unas 20 sociedades de
cartera que presentan filiales en múltiples jurisdicciones, y casi 70
entidades en centros de inversión extraterritoriales23. La UNCTAD estimaba
también, en su informe sobre las inversiones en el mundo de 2013 24 que
alrededor del 80 por ciento del comercio mundial (medido en términos del
valor bruto de las exportaciones) estaba ya entonces relacionado con las
redes internacionales de producción, las cadenas de suministro, de las
empresas transnacionales.
Es este un buen momento para entrar brevemente en la cuestión
de las cadenas de suministro y su relación con la complejidad organizacional
de las empresas transnacionales, la Inversión Extranjera Directa y las
dificultades de determinar la responsabilidad jurídica a lo largo de estas
cadenas.
La OIT ha definido “cadena de suministro” como:

Toda organización transfronteriza de las actividades


necesarias para producir bienes o servicios y llevarlos
hasta los consumidores, sirviéndose de distintos
insumos en las diversas fases de desarrollo,
producción y entrega o prestación de dichos bienes y
servicios.

Esta definición incluye las operaciones de Inversión Extranjera


Directa (IED) efectuadas por las empresas multinacionales, tanto en filiales

23
UNCTAD, Informe sobre las inversiones en el mundo 2016. Nacionalidad de los
inversores: retos para la formulación de políticas. 2016.
24
UNCTAD, Informe sobre las Inversiones en el Mundo 2013: Las cadenas de valor
mundiales, la inversión y el comercio para el desarrollo. 2013.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
155 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

que les pertenecen en su totalidad como en empresas mixtas en las que la


multinacional tiene la responsabilidad directa de la relación de trabajo.
También incluye el modelo cada vez más predominante de abastecimiento
internacional, en cuyo marco las obligaciones de las empresas principales
se fijan en los acuerdos contractuales (o, a veces, tácitos) que suscriben con
los proveedores y con las empresas25.
La Conferencia de las Naciones Unidas sobre Comercio y
Desarrollo (UNCTAD) ha estimado en su Informe sobre las inversiones en el
mundo de 201326 que alrededor del 80 por ciento del comercio mundial
(medido en términos del valor bruto de las exportaciones) estaba ya
entonces relacionado con las redes internacionales de producción de las
empresas multinacionales.
Como señalaba el informe de la OIT sobre cadenas de suministro27,
es innegable que los problemas relativos a las violaciones de derechos
humanos y en particular a las indignas condiciones de trabajo ya existían en
muchos países antes de su incorporación a las cadenas mundiales de
suministro. Sin embargo, es igualmente evidente que la actividad de estas
cadenas ha contribuido a perpetuar o agravar dichos problemas y ha hecho
surgir nuevas dificultades para asegurar el respeto a los derechos humanos.
En primer lugar, como ya hemos mencionado se han acrecentado
los problemas a la hora de determinar los vínculos entre la matriz o empresa
principal de la cadena de suministro y las actividades de las empresas de su
cadena.
En segundo lugar, la extensión de estas cadenas no sólo tiene una
importancia cuantitativa sino también, evidentemente, geopolítica, dado
que existe una clara relación entre el grado de participación en estas
cadenas y la mayor presencia de Inversión Extranjera Directa en las

25
OIT (2016), El trabajo decente en las cadenas mundiales de suministro, Conferencia
Internacional del Trabajo, 105.ª reunión, 2016 Informe IV.
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---
relconf/documents/meetingdocument/wcms_468096.pdf
26
UNCTAD, Informe sobre las Inversiones en el Mundo 2013: Las cadenas de valor
mundiales, la inversión y el comercio para el desarrollo. 2013.
27
OIT (2016), El trabajo decente en las cadenas mundiales de suministro, op. cit.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 156
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

economías en desarrollo. Las mismas atraen un volumen cada vez mayor de


los flujos de inversión internacional y absorbían más de la mitad de la IED
mundial en 2012. De hecho, y principalmente a raíz del auge de China e India
y de su participación en las cadenas mundiales de suministro, se ha
duplicado la oferta de mano de obra a disposición de la economía mundial,
es decir, en el marco de estas cadenas28.

1.3. L O S O B S T Á C U L O S P A R A E L A C C E S O D E L A S
VÍCTIMAS A LA JUSTIC IA EFECTIVA Y LA REP ARACIÓN.

Los fenómenos anteriores se combinan para obstaculizar el


derecho a la tutela judicial efectiva a las víctimas, o situando a las ETN en
una posición de ventaja, provocando así la impunidad de estas últimas. En
concreto, como han remarcado diversas Observaciones Generales de
órganos de Derechos Humanos de Naciones Unidas, podemos destacar los
siguientes obstáculos: la falta de instrumentos jurídico/procesales para
juzgar adecuadamente este tipo de hechos y actores, dado que la actividad
transnacional y la movilidad de las ETN provocan, por ejemplo, una mayor
dificultad para acceder a la información y pruebas para sustanciar las
demandas, muchas de las cuales están en manos de la empresa demandada;
las dificultades de probar el vínculo entre los actores económicos
implicados en el Estado donde se comete la vulneración y el de origen; la

28
Ibidem. Es cierto que, como ha evidenciado el más reciente informe de la UNCTAD
(2017), a lo largo del año 2016 los flujos hacia las economías en desarrollo
experimentaron un descenso del 14% pero, aun así, la IED sigue siendo la fuente de
financiación externa más importante y constante para las economías en desarrollo,
por delante de las inversiones de cartera, las remesas y la asistencia oficial para el
desarrollo http://unctad.org/es/PublicationsLibrary/wir2017_overview_es.pdf. Por
otro lado, y en concreto en relación con el textil, la OIT ha afirmado que Asia se ha
convertido en la fábrica del textil mundial, concentrando el 59.5 por cien de las
exportaciones de textil y zapatos. Vid. Huynh, Phu
Employment, wages and working conditions in Asia's garment sector : finding new
drivers of competitiveness /
Phu Huynh ; ILO Regional Office for Asia and the Pacific. – Bangkok : ILO, 2015

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
157 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

falta de asistencia jurídica y de ayudas económicas para hacer las demandas


viables económicamente29; la falta de mecanismos adecuados de
cooperación jurídica internacional y los costes de la litigación
30
transnacional ; la utilización en algunas jurisdicciones del forum non
conveniens31, etc.
En concreto, merece la pena subrayar que la aplicación del forum
non conveniens es, junto con la descentralización y deslocalización a través
de las cadenas de suministro, uno de los principales obstáculos señalados
por la doctrina especializada que impiden el acceso de las víctimas a la
justicia, en este sentido es apropiado realizar unas cuantas precisiones
sobre ambas, en este apartado y en el siguiente. La doctrina del foro de no
conveniencia ha sido definida como el poder discrecional de un tribunal
para declinar la jurisdicción bajo el argumento de que el foro apropiado
para el procedimiento está en el extranjero y que el foro nacional es
inapropiado. En palabras del TJUE, citando jurisprudencia de la House of
Lords:

En virtud de la excepción de forum non conveniens, tal


como se aplica en Derecho inglés, un órgano
jurisdiccional nacional puede inhibirse en favor de un
órgano jurisdiccional situado en otro Estado, que es
asimismo competente, si considera que
objetivamente éste es un foro más adecuado para
conocer del litigio, es decir, que el litigio puede
resolverse ante éste de forma más adecuada, habida
cuenta de los intereses de las partes y de los objetivos
de la justicia32

29
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/24, General
Comment No. 24 (2017): on State Obligations under the International Covenant on
Economic, Social and Cultural Rights in the Context of Business Activities, para. 42.
30
Ibidem, para. 43.
31
Ibidem.
32
Sentencia de 1 de marzo de 2005 del TJUE, asunto 281/02) con cita de la sentencia
de 1986 de la House of Lords, Spiliada Maritime Corporation/Cansulex Ltd., 1987, AC
460.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 158
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Se trata de una doctrina adoptada fundamentalmente en


jurisdicciones del Common Law, que, según indican diversos autores, en
principio tiene la utilidad de corregir el foro o criterio de competencia
judicial internacional en un caso concreto cuando no existe vinculación
entre las partes o el litigio y el lugar donde se presenta la demanda o esta
es escasa33. Sin embargo, la utilización de esta doctrina por las ETN está
teniendo como consecuencia el retraso o incluso la evasión de la
responsabilidad jurídica por parte de estas empresas que evitan ser
juzgadas en el lugar de residencia de las matrices (y del capital) para afirmar
que el foro conveniente es el lugar donde se cometió la violación de los
derechos humanos, lugar en el cual la filial correspondiente o ya no existe
o no tiene capital.
Más allá de esta cuestión, y vinculada con ella, otro de los
principales límites para la reparación de las víctimas es la negativa a aceptar
el principio de extraterritorialidad. En este sentido, la afirmación de la
limitación territorial de las obligaciones estatales respecto de los mismos
está provocando importantes vacíos en su protección, que se agudiza con
la creciente movilidad transnacional del capital y de los actores económicos,
subrayando, por tanto, la importancia del fortalecimiento de las
obligaciones extraterritoriales a fin de encarar los desafíos de la
globalización34.
Además, como señalan Julio Prieto y Gabriela Espinoza hay otros
factores que se suman a la dificultad para obtener el acceso a la justicia

33
Hernández, A., “Accidentes aéreos y forum non conveniens. Algunas cuestiones en
torno al asunto Honeywell en España”, Cuadernos de Derecho Transnacional
(Octubre 2012), Vol. 4, Nº 2. Como señala esta autora, los requisitos para que se
pueda aplicar esta doctrina son los siguientes: el juez debe de ser competente; debe
existir un foro alternativo para el demandante; se debe verificar que el segundo
tribunal es competente para resolver el litigio; el foro alternativo ha de ser adecuado;
el tribunal que declina la competencia debe verificar que el demandado se somete al
segundo tribunal y que si éste decide no entrar a conocer el asunto, el que declinó
debe retomarlo. Las partes deben presentar las pruebas y argumentos que permitan
al tribunal que declina la competencia tomar esta decisión en base a los criterios
anteriores.
34
Declaración Viena+20 OSC, adoptada en Viena el 26 de junio de 2013.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
159 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

como es la disparidad de fuerzas entre las ETN, que invierten millones en la


defensa jurídica, y las víctimas o sus organizaciones.

2. L AS C ARENCI AS DEL M ARCO NORM ATI VO


INTERN ACION AL QUE RE G UL A L A REL ACIÓ N
ENTRE ETN Y DERECHOS HUM ANO S.

Desde la década de los setenta, la necesidad de controlar la


actuación de las ETN respecto de los derechos humanos y de la naturaleza
ha estado presente en los debates político-normativos tanto a nivel
nacional como internacional. Como señala Compa, en 1976 y tras la grosera
y evidente intervención de las ETN americanas en el golpe de Estado en
Chile35, las empresas con actividad transnacional comenzaron a dotarse de
códigos de conducta para lavar su imagen. Además, y como es bien sabido,
desde Naciones Unidas, la OCDE y la OIT, entre otras instancias, se lanzó el
debate y la producción de textos relativos a la relación entre las actividades
de las ETN y los Derechos Humanos. Sin embargo, ya se ha señalado en los
epígrafes anteriores que, a pesar del progreso alcanzado en el
reconocimiento y la institucionalización de los derechos y sistemas de
Derechos Humanos, lo cierto es que la primacía de los mismos no cuenta
todavía con los mecanismos de garantía que permitan la adecuada
protección de las víctimas.

35
Otros autores como Esteve nos recuerdan que tanto el golpe contra Salvador
Allende en Chile (1973) como el anterior contra Jacobo Arbenz en Guatemala (1954)
no se habrían llevado a cabo sin la intervención de empresas transnacionales como la
United Fruit Company y la International Telephone and Telegraph. Vid., Esteve, J.E.,
“Los Principios Rectores sobre las empresas transnacionales y los derechos humanos
en el marco de las Naciones Unidas para «proteger, respetar y remediar»: ¿hacia la
responsabilidad de las corporaciones o la complacencia institucional?”, Anuario
Español de derecho internacional, Nº27, 2011. Para un recorrido por un amplio
conjunto de violaciones de los derechos humanos cometidos por las empresas
transnacionales se remite a, Gómez, F., “Empresas transnacionales y derechos
humanos: desarrollos recientes”, en Lan Harremanak Especial/Ale Berezia 2006 (55-
94).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 160
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

El problema se está poniendo sobre la mesa de manera cada vez


más enfática tanto por los actores sociales como en el seno de las
instituciones internacionales. Así, el creciente impacto de las actividades
empresariales en el disfrute de los derechos humanos ha sido reconocido
en múltiples ocasiones por los mismos mecanismos de control de Naciones
Unidas. El Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales señaló en
2011 que:

las actividades empresariales pueden perjudicar al


disfrute de los derechos reconocidos en el Pacto. Los
ejemplos de problemas en este sentido son múltiples,
desde el trabajo infantil y las condiciones de trabajo
peligrosas hasta los efectos nocivos para el derecho a
la salud, el nivel de vida, incluido el de los pueblos
indígenas, y el medio ambiente natural, y los efectos
destructivos de la corrupción, pasando por las
restricciones de los derechos sindicales y la
discriminación que sufren las trabajadoras 36.

Reconociendo esta situación, es una afirmación ya común entre los


documentos generados por los organismos de control de los instrumentos
internacionales de derechos humanos que la obligación de proteger
requiere que los Estados adopten medidas para velar por que las empresas
o los particulares no priven a las personas del acceso a los derechos
humanos37. En particular, se ha remarcado en múltiples ocasiones que los

36
Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, E/C.12/2011/1, Declaración
sobre las obligaciones de los Estados partes en relación con el sector empresarial y
los derechos económicos, sociales y culturales, para. 1; en un sentido similar, v. gr.
Asamblea General, A/65/223, Report of the Special Rapporteur on the situation of
human rights defenders: “Non-State actors are thus included and therefore have a
responsibility to promote and respect the rights enshrined in the Declaration and,
consequently, the rights of human rights defenders”, para. 9; Committee on
Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/AZE/CO/3, Concluding observations, on
the third periodic report of Azerbaidjan (2013), para. 15; Comisión de derechos
humanos, E/CN.4/2004/94/Add.1, Informe presentado por la Sra. Hina Jilani,
Representante Especial del Secretario General sobre la situación de los defensores
de los derechos humanos
37
Entre otros documentos que contienen esta afirmación, vid., respecto del derecho
a la alimentación adecuada: Committee on Economic, Social and Cultural Rights,

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
161 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Estados deben proteger los derechos humanos de todas las personas bajo
su jurisdicción, en el contexto de las actividades empresariales llevadas a
cabo por empresas de titularidad pública o privada 38 y que existen
responsabilidades específicas respecto de las empresas de titularidad
pública39 o de aquellas que reciban importantes apoyos y servicios de
organismos estatales40.
Pero más allá de esta responsabilidad estatal de control de las
actividades empresariales, ya son numerosos los documentos que parten
del reconocimiento del deber de las empresas de respetar los derechos
humanos y de hacer frente a las consecuencias negativas de su vulneración
o afectación41. Así, el Comité de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales42 ha remarcado que las empresas tienen responsabilidades
respecto a la realización de los derechos humanos, entre otros, de los
siguientes derechos: salud43, alimentación44, agua45, seguridad social 46,

E/C.12/1999/5, General Comment No. 12 (1999): The right to adequate food, para.
15.
38
Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, E/C.12/2011/1, Declaración
sobre las obligaciones de los Estados partes en relación con el sector empresarial y
los derechos económicos, sociales y culturales, para. 3.
39
Vid. sobre esta cuestión: Asamblea General, A/RES/56/83, Resolución 56/83 sobre
la responsabilidad del Estado por hechos internacionalmente ilícitos.
40
Consejo de derechos humanos, A/C/17/31, Principios Rectores sobre las empresas
y los derechos humanos: puesta en práctica del marco de las Naciones Unidas para
"proteger, respetar y remediar".
41
Consejo de derechos humanos, A/C/17/31, Principios Rectores sobre las empresas
y los derechos humanos: puesta en práctica del marco de las Naciones Unidas para
"proteger, respetar y remediar", paras. 12 y 13.
42
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/24, General
Comment No. 24 (2017): on State Obligations under the International Covenant on
Economic, Social and Cultural Rights in the Context of Business Activities, para. 2.
43
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/2000/4, General
Comment No. 14 (2000): The right to the highest attainable standard of health, paras
35 y 42:
44
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/1999/5, General
Comment No. 12 (1999): The right to adequate food, paras. 19-20.
45
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/2002/11, General
Comment No. 15 (2002): The right to water, paras 23 y 24.
46
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/19, General
Comment No. 19 (2008): The right to social security, paras. 45, 71.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 162
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

derecho al trabajo47, el derecho a unas condiciones de trabajo dignas,


adecuadas, justas y favorables48.
Más aun, el establecimiento de obligaciones directas a las
empresas en normas internacionales no es algo inédito. El Código
Internacional de Comercialización de Sucedáneos de la Leche Materna
(OMS/UNICEF, 1981)49 es un claro ejemplo de esto, pero también grandes
convenios como el Convenio sobre los Derechos del niño, cuyas
obligaciones, según ha interpretado su comité:

se extienden en la práctica más allá de los servicios e


instituciones del Estado y controlados por el Estado y
se aplican a los actores privados y a las empresas. Por
lo tanto, todas las empresas deben cumplir sus
responsabilidades en relación con los derechos del
niño y los Estados deben velar por que lo hagan.
Además, las empresas no deben mermar la capacidad
de los Estados para cumplir sus obligaciones hacia los
niños de conformidad con la Convención y sus
protocolos facultativos50.

47
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/18, General
Comment No. 18 (2006): The right to work, para. 52.
48
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/23, General
Comment No. 23 (2016):
The right to just and favorable conditions of work, paras. 74-75.
49
Vid. entre otras disposiciones las siguientes: “5.2 Los fabricantes y los
distribuidores no deben facilitar, directa o indirectamente, a las mujeres
embarazadas, a las madres o a los miembros de sus familias, muestras de los
productos comprendidos en las disposiciones del presente Código.
7.3 Los fabricantes o los distribuidores no deben ofrecer, con el fin de promover los
productos comprendidos en las disposiciones del presente Código, incentivos
financieros o materiales a los agentes de la salud o a los miembros de sus familias ni
dichos incentivos deben ser aceptados por los agentes de salud o los miembros de
sus familias”
50
Comité de los Derechos del Niño, CRC/C/GC/16, Observación general Nº 16 (2013)
sobre las obligaciones del Estado en relación con el impacto del sector empresarial
en los derechos del niño, para. 8. Vid en un sentido similar: V. Gr., entre otros, los
siguientes documentos: Asamblea General, A/65/223, Report of the Special
Rapporteur on the situation of human rights defenders: “Non-State actors are thus
included and therefore have a responsibility to promote and respect the rights
enshrined in the Declaration and, consequently, the rights of human rights
defenders”

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
163 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Tampoco es algo descabellado la pretensión de establecer


responsabilidades de carácter extraterritorial, pues el Comité de Derechos
Económicos, Sociales y Culturales ha remarcado que los Estados deben
tomar medidas para impedir que empresas vinculadas a su territorio o en
su jurisdicción vulneren los derechos humanos en el extranjero,
evidentemente sin atentar a la soberanía ni menoscabar las obligaciones de
los Estados de acogida51. En esta línea, el mismo Comité ya ha establecido
obligaciones extraterritoriales específicas para los Estados respecto de
actividades empresariales en diversos Comentarios Generales sobre, entre
otros, los derechos al agua52, a la seguridad social53, a condiciones justas y
favorables de trabajo54, etc.
A pesar de todo el conjunto de doctrina y evidencias, así como de
las diferentes propuestas en materias concretas, es bien sabido que el
marco internacional general de la relación entre ETN y Derechos Humanos
viene marcado por los Principios Rectores de 2011, también conocidos
como Principios Ruggie. No va a hacerse un recorrido en este momento por
las carencias que suponen unos principios que, como señalan autores como
Deva, Esteve o Zubizarreta, son en realidad “pura tautología” 55 o “una

51
Vid. mutatis mutandis sobre los derechos sociales: Comité de Derechos
Económicos, Sociales y Culturales, E/C.12/2011/1, Declaración sobre las obligaciones
de los Estados partes en relación con el sector empresarial y los derechos
económicos, sociales y culturales, para. 5.
52
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/2002/11, General
Comment No. 15 (2002): The right to water, paras 31 y 33.
53
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/19, General
Comment No. 19 (2008): The right to social security, para 54.
54
Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/23, General
Comment No. 23 (2016):
The right to just and favorable conditions of work, para. 70.
55
Remarca Esteve el primer párrafo del texto que contiene los principios y que
merece la pena recordar “En ningún caso debe interpretarse que estos Principios
Rectores establezcan nuevas obligaciones de derecho internacional ni que restrinjan
o reduzcan las obligaciones legales que un Estado haya asumido, o a las que esté
sujeto de conformidad con las normas de derecho internacional en materia de
derechos humanos”. Vid. Esteve, J.E., “Los Principios Rectores sobre las empresas
transnacionales y los derechos humanos en el marco de las Naciones Unidas para

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 164
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

versión sofisticada del Global Compact” o “la Responsabilidad Social


Corporativa anclada en la arquitectura jurídica de Naciones Unidas”. Más
aun, es perfectamente posible afirmar que estos Principios suponen un
status quo marcado por la voluntariedad en el ámbito del cumplimiento
respecto de las obligaciones de Derechos Humanos que está perpetuando
los problemas y generando indefensión a las víctimas, sin enfrentar
obstáculos como la permanente utilización torticera por parte de las ETN
de las doctrinas del forum non conveniens o del principio de la personalidad
jurídica separada (el velo corporativo) para eludir las responsabilidades por
las violaciones de derechos humanos. En otras palabras, la “Paz Ruggie” es
solo paz para las ETN.
Así, haciendo un parlalismo con una frase de Servais respecto de
las normas de la OIT es necesario coincidir en que:

Proclamar una interdicción del trabajo infantil sin


adjuntar una amenaza de sanción en caso de
inejecución corresponde a la expresión de una
esperanza, de un mensaje político por seguro
importante pero sin alcance jurídico. No se debe
subestimar su repercusión, pero sí destacarse su
carácter circunstancial. El empleo de medios jurídicos
asienta un designio a más largo plazo que entraña la
voluntad de dar duración a tal política mediante su
consagración en diversos textos y de recurrir, cuando
sea necesario, a la sanción propia del Derecho.

Ante a esta realidad, la necesidad de transitar del paradigma de la


voluntariedad a la conclusión de instrumentos vinculantes es una exigencia
que ha sido sostenida de manera fundamental por centenares de
organizaciones aglutinadas bajo el paraguas de la “Campaña Global para
Reivindicar la Soberanía de los Pueblos, Desmantelar el Poder de las
Transnacionales y poner Fin a la Impunidad” o bajo la más amplia “Alianza
por el Tratado”. La plasmación jurídica de esta demanda está cristalizando

«proteger, respetar y remediar»: ¿hacia la responsabilidad de las corporaciones o la


complacencia institucional?”, Anuario Español de derecho internacional, Nº27, 2011

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
165 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

en el ámbito nacional, regional e internacional, con alcance diverso, como


veremos en las siguientes páginas.

3. L A PRO PUESTA FR ANCES A: UN A LEY DE


VIGIL ANCI A DEBIDA CO RTAPIS AD A POR L A
COUR CONSTITUTIONNEL LE

El 12 de abril de 2012, en un acto de campaña, François Hollande,


entonces candidato a la presidencia de la República, prometió que si
resultaba elegido impulsaría una ley donde se plasmarían los principios de
responsabilidad de las empresas matrices respecto de las actividades de sus
filiales que provocaran daños ambientales y sanitarios.
Antes del depósito de las primeras proposiciones de ley, en 2013,
una pluralidad de actores sociales e institucionales (sindicatos, patronales,
académicos, miembros de diferentes ministerios, ONG etc..) habían
celebrado ya numerosas reuniones, seminarios y conferencias sobre el
posible contenido de esta ley, un proceso de participación y debate
colectivo que acompañó el trabajo preparatorio de los parlamentarios 56.
Entre noviembre de 2013 y abril de 2014 se presentaron cuatro
proposiciones de ley similares, relativas al mismo tema, con el objetivo de
modificar el Código de comercio para incluir una obligación de prevenir los
daños contra los derechos fundamentales que pudieran cometer las
empresas en el curso de sus actividades, estableciendo también una serie
de sanciones.
Nadie ignoraba la dificultad jurídica de este objetivo que venía
además espoleada por los intereses político-económicos del sector
empresarial y sus aliados. Mientras las ONG abogaban por una ley , el
MEDEF57 y los lobbies insistían en los problemas “técnicos” que iban a
presentarse y que se centraban fundamentalmente en tres aspectos:

56
Para un análisis del recorrido de la ley se remite a la documentación recopilada y
elaborada por la asociación Sherpa: <https://www.asso-sherpa.org/accueil>.
57
El MEDEF es la principal patronal francesa.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 166
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

imposibilidad de realizar la reforma en el ámbito francés (necesidad de una


actuación internacional, no estatal); erosión de la competitividad de las
empresas francesas y problemas de carácter jurídico respecto de
cuestiones como el derecho a la libertad de empresa o al principio de
legalidad de los delitos y las penas. Todas estas aristas se resaltaron
insistentemente a lo largo del debate legislativo y en el posterior juicio de
constitucionalidad.
El 21 de febrero de 2017, tras años de intensa negociación, de
múltiples renuncias respecto del texto original y rodeada de una amplia
movilización de la sociedad civil, se aprobó la Loi relative au devoir de
vigilance des sociétés mères et des entreprises donneuses d’ordre.
Posteriormente, la ley fue recurrida ante el Conseil Constitutionnel que
estimó tanto el interés general de su contenido como la constitucionalidad
de las obligaciones que establecía para las empresas, pero que, como
detallaremos en las páginas siguientes, consideró inconstitucionales
algunas disposiciones de la norma relativas a las multas que podían
aplicarse a las empresas en caso de incumplimiento de las obligaciones que
establece la ley.
El objetivo general de la norma es, en palabras de Dominique
Potier, uno de los dos diputados socialistas que propuso una de las cuatro
proposiciones, que finalmente fue la tramitada, acabar con la desconexión
completa entre el poder económico y la responsabilidad jurídica58. Para
ello, la norma opta por modificar el art. Art. L. 225-102-4 del Código de
Comercio e incluir un instrumento de prevención, el “plan de vigilancia”,
que deberá ser establecido por las empresas que se encuentran bajo de su
ámbito de aplicación.
En concreto, el plan de vigilancia debe ser adoptado por:

Cualquier empresa que dé empleo el cierre dos años


consecutivos, al menos cinco mil trabajadores, en ella

58
Assemblée Nationale, N° 2628, Rapport fait au nom de la Commission des Lois
constitutionnelles, de la législation et de l’administration générale de la République
sur la Proposition de Loi (n° 2578), relative au devoir de vigilance des sociétés mères
et des entreprises donneuses d’ordre.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
167 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

y sus subsidiarias directas o indirectas con domicilio


social en el territorio francés, o por lo menos a diez mil
trabajadores entre la empresa principal y sus filiales
directas o indirectas, con domicilio social en el
territorio francés o en el extranjero.

La ley detalla el contenido del plan que debe incluir las medidas de
vigilancia razonables orientadas a identificar los riesgos y prevenir
violaciones graves de los derechos humanos y las libertades
fundamentales, la salud y la seguridad de las personas y el ambiente que
sean resultado de las actividades de la empresa y las empresas que
controla, directamente o indirectamente, así como las actividades de los
subcontratistas o proveedores con quien existía una relación comercial
establecida cuando se realizaron las actividades concernidas, en los casos
en que estas las actividades se vinculan a la relación comercial entre las
empresas mencionadas. Es particularmente interesante que la ley no optó
por la siempre complicada cuestión de definir el concepto de “control
empresarial” sino que derivó la cuestión a la propia normativa mercantil,
incluyendo la coletilla “en el sentido de la sección II del artículo L. 233-16”.
Respecto de la elaboración del plan, la norma señala que este debe
ser desarrollado en colaboración con las partes interesadas en la empresa.
Debe destacarse de nuevo el carácter amplio del término “partes
interesadas”, donde entran evidentemente en su caso a través de iniciativas
de múltiples partes dentro las cadenas o nivel territorial. Aun así, la norma
establece una serie de medidas que deben ser incluidas en el plan de
vigilancia:

1. Un mapa de riesgos para su identificación, análisis y priorización;


2. Un procedimiento de evaluación periódica de la situación de las
filiales, subcontratistas o proveedores con los cuales se mantiene
una relación de comercio, según el mapeo de riesgos;
3. Las acciones de reducción del riesgo o la prevención lesiones graves;

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 168
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

4. Un mecanismo de alerta y recogida de informes relativos a la


existencia y actualización del riesgo, establecido en consulta con los
sindicatos representativos en la empresa;
5. Un dispositivo de seguimiento de las medidas puestas en práctica y
una evaluación de su eficacia.

Además, es obligatoria la publicación del plan de vigilancia y del


resultado de su aplicación efectiva.
Tras la descripción del plan, la norma incluyó una serie de
mecanismos para asegurar su complimiento. En el apartado segundo, se
establece que:

“Cuando una de las empresas obligadas a respetar las


obligaciones según el apartado I no cumple en el plazo
de tres meses siguientes al requerimiento, el órgano
competente podrá, a petición de cualquier persona
que demuestre un interés en la actuación, obligarle,
en su caso bajo multa coercitiva, a respetarlos. El
presidente del tribunal, actuando de urgencia, puede
ser solicitado para el mismo propósito”.

En el texto originalmente aprobado, se incluía la posibilidad de que


el juez pudiera condenar a la empresa a pagar una multa civil, con una
cantidad que no podía superar los 10 millones de euros. El juez debía el
importe de la multa en proporción a la gravedad de la infracción y en
consideración a las circunstancias de los mismos y la personalidad de su
autor. El texto original también incluía la previsión de que en el caso de
incumplimiento de las obligaciones definidas, el infractor debía a reparar el
daño que el cumplimiento de estas obligaciones podría haber evitado. En
este caso, el importe de la multa prevista se podría aumentar hasta tres
veces, dependiendo de la gravedad y las circunstancias de la violación y el
perjuicio. Estos incisos fueron declarados no conformes a la Constitución
francesa por la decisión del Conseil Constitutionnel n° 2017-750 DC de 23 de
marzo de 2017.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
169 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Es interesante atender al contenido de esta resolución respecto de


la constitucionalidad de este inciso de la norma. Los demandantes adujeron
cuatro motivos de inconstitucionalidad basados en la quiebra de los
siguientes principios: el principio de claridad de la ley; el valor
constitucional de accesibilidad e inteligibilidad de la ley; la
proporcionalidad de las penas; el principio de responsabilidad. El Conseil
Constitutionnel por su parte afirmó que la ley tenía un interés general claro
y validó la obligación de establecer el plan de vigilancia y las medidas de
control relativas a la posibilidad de que el juez estableciese una medida
cautelar y la responsabilidad por no cumplir la obligación establecida en la
norma.
Sin embargo, la sentencia consideró que diversos términos de la
norma eran imprecisos (medidas de vigilancia razonable o acciones
adecuadas a la atenuación de los riesgos), otros eran muy vagos (derechos
humanos y libertades fundamentales) y otros muy amplios (el ámbito
subjetivo). Todo esto impedía estimar constitucionalmente adecuada la
inclusión de la multa.
Debe señalarse que, según argumentó el Conseil Constitutionnel, la
ley prevé un triple mecanismo para asegurar el respeto de las obligaciones
que impone. Cualquier empresa sometida a la norma puede ser objeto de
un requerimiento para que ponga en práctica el contenido de la ley, si no lo
hace, la persona interesada que elevó el requerimiento puede acudir ante
un juez que a su vez puede establecer una medida cautelar o poner una
multa a la empresa. Además, como hemos visto, el texto original preveía
que el no cumplimiento de las obligaciones de vigilancia podía provocar la
responsabilidad de la sociedad y en este caso la multa se multiplicaría por
tres. Al considerar poco claras las obligaciones establecidas, el Conseil
indicó que no era aceptable el establecimiento de dichas sanciones.
A pesar del carácter, sin duda moderado de la norma y de la
paulatina reducción de su contenido, tanto en la tramitación como en el
posterior juicio de constitucionalidad, la ley sigue sufriendo la fuerte
oposición por parte de la patronal, que se ha centrado en las posibles
consecuencias de la misma respecto de la competitividad de las empresas

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 170
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

francesas. En contra de este parecer, las organizaciones sociales y diversos


académicos de renombre, como el Profesor Antoine Lyon-Caen, han
defendido el texto íntegro y la constitucionalidad del mismo. Tras la
sentencia del Conseil constitutionnel y la reciente entrada en vigor del texto
solo podemos esperar a la puesta en práctica del mismo para evaluar el
resultado.

4. L A PREVENCIÓN COMO E LEMENTO


NECES ARIO: DEBER DE VIGIL ANCI A Y TEXIL:
EL EJEMPLO DEL INFOR ME SÁNCHEZ
C ANDELTEY SOBRE LA I NICI ATI V A
EMBLEM ÁTIC A DE L A UN IÓN EN EL SECTO R
DE L A CONFECCIÓ N

El llamado Informe “Sánchez Candeltey” fue aprobado el 27 de


abril de 2017, por una contundente mayoría de 505 votos a favor, sumando
así a un amplio conjunto de grupos parlamentarios. Liderado por la
eurodiputada Lola Sánchez y su equipo, el Informe es, sin duda, el
documento más relevante de los señalados hasta ahora y el que, gracias a
un procedimiento de redacción participativo y a una hábil negociación, ha
obtenido un amplio consenso a pesar del carácter avanzado de su
contenido59.
El Informe se constituye como una reivindicación de la necesidad
de actuar de manera urgente y contundente respecto de las condiciones de
trabajo en la industria de la confección a efectos de atajar la situación de
vulneración de los derechos humanos de las trabajadoras de las largas
cadenas de suministro de las grandes marcas del textil. En este sentido, el
texto realiza una clara interpelación a la Comisión para que responda a la

59
El texto del informe está disponible en:
<http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-
//EP//TEXT+REPORT+A8-2017-0080+0+DOC+XML+V0//ES>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
171 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

promesa de presentar una “iniciativa emblemática a escala de la Unión


Europea para fomentar la gestión responsable”.
La Comisión realizó aquella promesa ante la necesidad de
responder a la alarma social generada por la tragedia del Rana Plaza, y, sin
embargo, cuatro años después la inacción de la Comisión hizo que el
Parlamento tuviera que actuar. Así, en palabras de Lola Sánchez:

no podemos cerrar los ojos si nuestras ropas se


producen a costa de gran sufrimiento. Solo normas
obligatorias pueden garantizar que los productos
vendidos en Europa respetan la dignidad y los
derechos de millones de trabajadores. La UE dispone
de las herramientas para actuar, pedimos a la
Comisión que lo haga.

Como análisis general, podemos afirmar que el Informe da un paso


más allá de los contenidos del “Corrao”, con una apuesta más firme por los
instrumentos vinculantes que generen obligaciones para las empresas y
que permitan acabar con la impunidad con la que operan y la violación de
los derechos humanos en la industria del textil, con amplio tratamiento,
como es lógico, de las cuestiones laborales. En este sentido es destacable
que el Informe incluya la Resolución 26/9 entre las primeras referencias
normativas, tras los Principios Rectores y tras unos extensos
considerandos, y que se dirija directamente a la Comisión Europea para
exigirle la adopción de normas vinculantes orientadas a asegurar el respeto
de los derechos humanos en las cadenas de suministro del textil.
Ya mencionábamos en el apartado tercero de este libro que la
experiencia demuestra cómo el trabajo en esas cadenas se caracteriza por
la elevada presión sobre los salarios y las condiciones laborales, por la
violación frecuente de los derechos y por la inseguridad de las relaciones
de trabajo. Se han documentado abusos de derechos humanos en estas
cadenas durante más de dos decenios y se han denunciado condiciones de
trabajo deficientes, infracciones del salario mínimo, imposición forzada de
horas extraordinarias, trabajo infantil, acoso sexual, discriminaciones,
exposición a sustancias tóxicas y represalias contra trabajadores que

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 172
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

intentaban sindicarse. Sabemos que existen condiciones análogas a la


esclavitud en diferentes sectores de la economía mundial vinculados a
estas cadenas y en particular a las llamadas Zonas Francas Industriales. En
concreto, es importante subrayar que las mujeres ocupan una parte
creciente de la mano de obra en estas cadenas y son víctimas de
discriminaciones, acoso sexual y otras formas de violencia. En una situación
de igual doble precarización se encuentran los trabajadores migrantes. Es
cierto que, en un extremo de la cadena, los beneficios aumentan pero en el
otro extremo se sitúan la vulnerabilidad y la impotencia, tanto de las PyME
como de las y los trabajadores afectados. Y es igualmente cierto que con
estas cadenas se consigue externalizar la responsabilidad y se construye
una trama jurídica para asegurar la impunidad de las matrices.
En este sentido, el Informe pide a la Comisión que avance en el
Pacto alcanzando tras el desastre de Rana Plaza, a tres bandas con el Estado
de Bangladesh y la OIT, en materia de sostenibilidad y seguridad en el
trabajo, y que fiscalice su efectivo cumplimiento. Es más, dada la
potencialidad del Pacto, se insta a la Comisión a que celebre acuerdos
parecidos con otros Estados en los que las cadenas de suministro de las
empresas europeas de confección tienen presencia, como Sri Lanka, la India
o Pakistán. Al mismo tiempo, se pide a la Comisión que presente una
iniciativa legislativa similar al Reglamento de minerales en cuanto a la
diligencia debida, pero aplicable esta vez a las cadenas de suministro de las
empresas de confección, siguiendo como eje rector las nuevas directrices
de la OCDE en la materia. Además, tal propuesta legislativa ha de
extenderse a todo el amplio campo de los derechos humanos, incluida la
necesidad de garantizar la seguridad en el trabajo, un sueldo digno o la
libertad sindical.
En toda la propuesta legislativa que insta el Informe se recalca
continuamente, además, la necesidad de incorporar la perspectiva de
género como un criterio esencial y rector, dada la mayor conculcación de
DDHH que padecen las mujeres en las cadenas del sector textil y su especial
vulnerabilidad.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
173 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Se pide asimismo a la Comisión que se cree una base de datos


comunitaria donde se contenga toda la información relativa al
cumplimiento de los derechos humanos por las empresas europeas del
textil y el seguimiento, o no, que hayan realizado de los criterios de
diligencia debida. Medida esta que, además de ser disuasoria para las
transnacionales, permite a los consumidores finales tener información
detallada de los productos que compren, pudiendo ello facilitar la
concienciación e impulsar las iniciativas de consumo (y comercio) justo. A
tal fin, pide el Informe que se incorpore en la iniciativa legislativa de la
Comisión la posibilidad de crear un etiquetado europeo que certifique el
cumplimiento de la normativa de diligencia debida y que acredite la
procedencia como “moda justa” de los productos textiles y de confección.
A sabiendas de que buena parte de las causas de la vulneración
constante de los derechos humanos en las cadenas de suministro vienen
amparadas por las deficiencias, en ocasiones notorias, de los Estados de
Derecho nacionales (de origen), el Informe solicita que la Comisión apoye la
consolidación de éstos y la lucha en ellos contra la corrupción, al tiempo que
cumplan fielmente con las obligaciones en materia laboral y social
derivadas de los Convenios OIT para la garantía de unos salarios justos
tanto para los trabajadores como para sus familias. Mediante la asistencia
financiera y técnica de la Comisión y de la Unión en los programas de
desarrollo, se solicita también que tales objetivos sean fines de dichos
programas, para poder con ello condicionar, o al menos alentar, a los países
de origen para que hagan cumplir los derechos humanos y laborales de los
trabajadores, reforzando las labores de inspección y sanción sobre las
empresas subsidiarias.
Nuevamente, además, se solicita a la Comisión que en todos
aquellos acuerdos internacionales de comercio e inversión que negocie, ya
sean bilaterales o multilaterales, incorpore la condicionalidad de su
ratificación respecto a la aprobación ulterior, por parte de los países
productores, de las normas de la OIT y del cumplimiento efectivo de los
derechos humanos, aumentando la seguridad jurídica y la fiscalización de
las cláusulas sociales de tales tratados. Algo que, recalcamos, es de suma

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 174
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

importancia, y más habida cuenta de la relevancia que están cobrando los


acuerdos de libre comercio entre la UE y terceros Estados tras la asunción,
por parte de aquélla, de personalidad jurídica internacional y de
competencias en la materia (Tratado de Lisboa). El Informe, para reforzar la
vinculatoriedad y eficacia de las cláusulas sociales y de derechos humanos
en tales acuerdos, insta a que se establezcan mecanismos de control y
vigilancia de su cumplimiento, tanto ex ante como ex post, y que, en caso
de reiteración en la conculcación, la UE pueda incluso denunciar el acuerdo
o suspenderlo de conformidad con las previsiones del Derecho
Internacional.

5. L A PREVENCIÓN EN EL DOCUMENTO DE
ELEMENTOS P AR A LA CO NSTRCCIÓN DEL
INSTRUMENTO VINCUL AN TE SOBRE
EMPRES AS TR AN SN ACION ALES Y OTR AS
EMPRES AS DE NEGOCIOS Y LOS DERECHO S
HUM ANO S.

Como es bien sabido, en el año 2014, la apuesta firme en Naciones


Unidas de Estados como Ecuador, Sudáfrica y sus aliados para conseguir la
adopción de un instrumento internacional jurídicamente vinculante sobre
empresas transnacionales y derechos humanos, consiguió la aprobación de
la Resolución 26/960 y la creación del Grupo de Trabajo Intergubernamental
de Composición Abierta, presidido por Ecuador hasta la fecha.
La Resolución 26/9 obtuvo 20 votos a favor, 13 abstenciones, y 14
en contra. Es importante señalar que la Resolución contó con grandes

60
Resolución A/HRC/RES/26/9 “Elaboración de un instrumento internacional
jurídicamente vinculante sobre las empresas transnacionales y otras empresas con
respecto a los derechos humanos”: adoptada con votación en el Consejo de Derechos
Humanos (CDH) de las Naciones Unidas el 26 de junio de 2014. Disponible en
<https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/082/55/PDF/G1408255.pdf?OpenElement>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
175 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

aliados en sus inicios, así, votaron a favor tanto China como Rusia, India o
Venezuela; mientras, todos los países de la UE presentes, como Alemania,
Francia, Italia, Irlanda y la República Checa, junto con EE.UU., entre otros se
posicionaron en contra, Chile, México y Perú se abstuvieron en la votación
inicial.
Aquella votación fue una etapa fundamental en un camino que
cientos de organizaciones sociales y miles de activistas llevaban años
transitando y que, por fin, entraba con fuerza en el ámbito del debate entre
los Estados, de la mano de Ecuador y con la Treaty Alliance y la Campaña
Global totalmente implicadas en el proceso. Tras la celebración del Tercer
Grupo de trabajo, en octubre de 2017 es posible afirmar que la participación
activa de los cientos de entidades en el proceso de elaboración del Tratado
está siendo imprescindible para que el camino de la Resolución 26/9
continúe.
El texto finalmente adoptado es un documento conciso, que parte
del reconocimiento de la labor realizada anteriormente, con mención
expresa de las Normas de 2003, y que señala con claridad que la
responsabilidad principal de promover y proteger los derechos humanos
implica también el reconocimiento de la responsabilidad misma de las
empresas transnacionales.
En este marco, la Resolución establece cuatro directrices, una
respecto del contenido y tres respecto del procedimiento. Empezando por
esta última cuestión, cabe señalar que la Resolución enmarcó las
obligaciones de los tres primeros grupos de trabajo. Los dos primeros, que
tuvieron lugar entre el 6 y el 10 de julio de 201561, y entre el 24 y el 28 de

61
El informe entero de esta primera sesión puede encontrase en: https://documents-
dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/018/25/PDF/G1601825.pdf?OpenElement. Un
resumen realizado por el Centro del Sur puede encontrarse en
https://es.southcentre.int/question/comienzan-discusiones-historicas-en-torno-a-
la-elaboracion-de-un-instrumento-juridicamente-vinculante-sobre-las-empresas-y-
los-derechos-humanos/ y en el South Bulletin de 23 Nov. 2015, Issues 87-88
https://www.southcentre.int/wp-content/uploads/2015/11/SB87-88_EN.pdf

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 176
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

octubre de 201662, debían consagrarse a deliberaciones constructivas sobre


el contenido, el alcance, la naturaleza y la forma del futuro instrumento
internacional; en el tercero, que se celebró entre los días 23 a 27 de octubre
de 201763, la Presidencia del Grupo de Trabajo presentó un documento de
“elementos para el proyecto de instrumento internacional jurídicamente
vinculante sobre empresas transnacionales y otras empresas con respecto
a los Derechos Humanos” preparado bajo el mandato de la Resolución 26/9
y sobre la base de las dos primeras sesiones y el inicio de las negociaciones
sustantivas64. Más allá de las directrices respecto del contenido de los tres
primeros grupos, la Resolución no se pronuncia sobre cómo organizar el
resto de las sesiones necesarias hasta alcanzar el objetivo de la resolución,
el Instrumento Vinculante. Teniendo claro este objetivo, la omisión de una
referencia estricta respecto de qué contenido debían tener la cuarta y
sucesivas reuniones de trabajo parece coherente con el respeto a la
dinámica de del grupo y con la necesaria prudencia para no predeterminar
a muchos años vista un proceso tan complejo como dinámico.
La Resolución establece también las características del Grupo que
crea. Se trata de un grupo de trabajo intergubernamental de composición
abierta sobre las empresas transnacionales y otras empresas con respecto
a los derechos humanos, cuyo mandato será elaborar un instrumento
jurídicamente vinculante para regular las actividades de las empresas
transnacionales y otras empresas en el Derecho Internacional de los
Derechos Humanos. Esto significa que los trabajos se abren a todos los
Estados miembros de Naciones Unidas, a los que tienen la categoría de
observador, a las ONG con estatus consultivo ECOSOC y a otros actores
como organizaciones internacionales o institutos de derechos humanos.
Todos pueden participar aportando insumos orales o escritos. Por otro

62
El informe entero de esta segunda sesión puede encontrase en:
https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/000/99/PDF/G1700099.pdf?OpenElement.
63
Los documentos de trabajo relativos a este Tercer Grupo pueden encontrarse en
<http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/WGTransCorp/Session3/L
egallyBindingInstrumentTNCs_OBEs_SP.pdf>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
177 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

lado, en la Resolución no se marca una fecha para el cierre de los trabajos,


que durarán hasta que se adopte el instrumento o se decida abandonar la
negociación. Por último, como decíamos en el apartado anterior el texto
deja claro el objetivo que se persigue, que no es otro que la regulación de
las actividades de las empresas transnacionales y otras empresas con la
finalidad de evitar las vulneraciones de derechos humanos y la impunidad
de estas entidades.
El Documento de Elementos presentado por la Presidencia consta
de nueve partes. En primer lugar el Documento contiene un Marco General,
donde se incluyen los posibles contenidos del Preámbulo, los Principios, los
Propósitos y los Objetivos del futuro Instrumento Vinculante. A
continuación el Documento centra la atención en el ámbito de aplicación
(derechos, actos y actores); el tercer apartado son las obligaciones
generales, distinguiendo entre las de los Estados, las de las ETN y otras
empresas de negocios (según se establece en la Resolución 26/9) y aquellas
de las Organizaciones Internacionales; el cuarto apartado se centra en las
Medidas Preventivas; el quinto se centra en la Responsabilidad Legal,
incluyendo la administrativa, civil y penal; el sexto apartado se refiere al
acceso a la justicia, recursos efectivos y garantías de no repetición; el
séptimo se refiere a la jurisdicción, tema clave porque en el se integra,
aunque no se refiera expresamente, la cuestión de la extraterritorialidad;
el octavo la cooperación internacional, es decir, a los mecanismos de
cooperación transfronteriza en investigación, jurisdicción y ejecución de
sentencias; en el noveno se ubican las distintas opciones para desarrollar
los necesarios mecanismos de promoción, implementación y monitoreo y el
décimo incluye las Disposiciones finales.
Es importante señalar que en la misma sesión se presentaron
diversos insumos por parte de las organizaciones sociales y otras entidades.
Uno de los insumos más relevantes es la propuesta de Instrumento
elaborada por la Campaña Global65, un texto “de máximos” elaborado

65
El texto de esta propuesta de la Campaña se elaboró mediante un procedimiento
participativo donde intervinieron las organizaciones y asociaciones que forman parte

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 178
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

mediante un procedimiento participativo donde intervinieron las


organizaciones y asociaciones que forman parte de la misma así como
diversos juristas y académicas/os expertos en la cuestión.
Si comparamos el contenido del Documento de Elementos con el
de la Campaña Global, observamos que el primero de ellos tiene un
contenido menos extenso y una redacción deliberadamente amplia o
incluso ambigua en algunos apartados. Como se señala en la valoración
comparativa de HOMA coordinado por Manoela Roland66, el texto de la
Presidencia es menos ambicioso e incisivo que el de la campaña, tiene un
carácter menos incisivo y más “prudente” en algunas cuestiones, evita
incluir determinadas palabras, como por ejemplo “extraterritorialidad”,
aunque utiliza expresiones similares.
La calculada ambigüedad de determinadas partes del texto de la
Presidencia es innegable, más si se compara con un texto de máximos como
es el presentado por la Campaña Global. Así, como veremos a lo largo de los
próximos epígrafes hay numerosos elementos que introduce la propuesta
de la sociedad civil que faltan en el Documento de Elementos. La
explicación de esta parquedad, como también señala Roland, es clara. En
primer lugar, el texto era un documento para el debate presentado por una
Presidencia que, necesariamente, debía dar cabida a opciones distintas a
efectos de permitir la discusión y evitar un bloqueo total en el Tercer Grupo
de trabajo, siguiendo además el espíritu “diplomático” habitual en UN (que
por cierto en esta ocasión se vio considerablemente mermado en particular

de la misma así como diversos juristas y académicas/os expertos en la cuestión. El


documento resultante, denominado “Contribución escrita del Centro Europa-Tercer
Mundo (CETIM) y del Institute for Policies Studies/Transnational Institute a la 3ª
sesión del grupo de trabajo intergubernamental sobre empresas transnacionales y
otras empresas comerciales con respecto a los derechos humanos (23- 27 de Octubre
de 2017), puede encontrase en el enlace:
http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/WGTransCorp/Session3/C
ETIM-TNI_SP.pdf.
66
HOMA publicó antes de la tercera sesión un interesante estudio comparativo del
Documento de Elementos de la Presidencia y de la propuesta de Instrumento de la
Campaña, que puede encontrarse aquí: <http://homacdhe.com/wp-
content/uploads/2017/10/COMPARATIVE-ANALYSIS.pdf>.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
179 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

por la actuación de la UE). Era necesario por tanto un texto que navegara
adecuadamente entre las líneas rojas fundamentales (v. gr. establecer
obligaciones directas a las empresas o supeditar el contenido de los TBI al
respeto de los Derechos Humanos) y la preservación del campo de
negociación para no perder aliados en el camino. Por añadidura, estaba
también claro que la participación de la sociedad civil y sus aportaciones
iban a ser la baza fundamental, como así fue, para poner en la discusión las
propuestas que o bien no estaban en el Documento de Elementos o bien no
se habían incluido de manera suficientemente explicita.
Más allá de la valoración de este documento, debe también
recordarse que el mismo fue una propuesta de la Presidencia, no de la
República del Ecuador. De hecho, la Delegación de este país (encabezada
por Carola Íñiguez, Subsecretaria de Asuntos Multilaterales) mantuvo una
postura en las sesiones del Grupo de Trabajo mucho más dura, apostando
sin ambages por la inclusión expresa de la extraterritorialidad e incluso por
una Corte específica para tratar las violaciones de derechos humanos
cometidas por las ETN.
En el concreto ámbito de la prevención, el documento sigue en su
parte cuarta la línea marcada por la mencionada ley francesa. En concreto,
el texto señala como la prevención es una vía fundamental por la que se ha
logrado una mayor participación del sector empresarial en la identificación
y prevención de violaciones o abusos a los derechos humanos. De manera
acertada, el documento de elementos señala que el plus del instrumento es
recoger las experiencias existentes y dotarlas de obligatoriedad jurídica.
En este sentido, el documento busca obligar a los Estados Partes a
adoptar medidas normativas y de otra índole para exigir a las ETs y OEs que
diseñen, adopten y apliquen políticas y procesos eficaces de debida
diligencia, incluidos códigos de conducta, e identifiquen y aborden los
impactos en materia de derechos humanos resultantes de sus actividades.
El ámbito de aplicación de estas medidas son todas las ETs y OEs
en su territorio o jurisdicción, incluidas las filiales y todas las demás
empresas relacionadas a lo largo de toda la cadena de suministro. Además,
y como herramienta fundamental, similar a la experiencia francesa, todas

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 180
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

las ETs y OEs implicadas deberán adoptar un "plan de vigilancia"


“consistente en procedimientos de debida diligencia para prevenir las
violaciones o los abusos a los derechos humanos, que incluirán, entre otras
cosas, la evaluación del riesgo de violaciones o abusos a los derechos
humanos para facilitar su identificación y análisis; un procedimiento de
evaluación periódica de las empresas filiales en toda la cadena de
suministro en relación con el respeto a los derechos humanos; acciones
dirigidas a la reducción del riesgo; un sistema de alerta temprana; un
conjunto de acciones específicas para corregir inmediatamente tales
violaciones o abusos; y un mecanismo de seguimiento de su
implementación, sin perjuicio de otros procedimientos legales,
responsabilidades y recursos reconocidos en el instrumento”.
El documento de elementos también incluye entre las medidas de
prevención, las consultas con los actores relevantes y la obligación de
adoptar medidas que proporcionen a las empresas implicadas información
relevante sobre las obligaciones contenidas en el instrumento. Para
terminar el documento obliga a los Estados a adoptar medidas para
asegurar que las ETs y las OEs de su jurisdicción informen periódicamente
sobre las medidas que han adoptado para prevenir las violaciones y abusos
a los derechos humanos.
Las disposiciones sobre prevención que incluye el documento de
elementos no suscitaron, en términos generales, un debate enconado en el
tercer Grupo de Trabajo celebrado en octubre de 2017. Otras partes del
documento, fundamentalmente las relativas al ámbito subjetivo, las
responsabilidades directas establecidas a las empresas o las
responsabilidades extraterritoriales así como la posibilidad de incluir una
Corte Internacional específica fueron en cambio temas especialmente
controvertidos.
Debe tenerse en cuenta que, en el ámbito de la protección,
respeto, reparación y promoción de los Derechos Humanos, el
establecimiento de medidas para prevenir las violaciones es un elemento
sustancial de la máxima importancia dado que ningún sistema de
responsabilidad y reparación va a devolver a las víctimas a la situación

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
181 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

previa al sufrimiento provocado por la violación del derecho. En este


sentido, deben remarcarse la oportunidad de la norma francesa y de la
iniciativa del Parlamento Europeo en tanto que son un paso más allá de la
voluntariedad que ha marcado hasta el momento las disposiciones sobre
vigilancia debida contenidas en los códigos empresariales y acuerdos
alcanzados entre los distintos actores implicados. Subrayando la necesidad
de estas iniciativas, debe afirmarse a la vez que toda actuación que no tenga
carácter global va a suponer el mantener espacios abiertos a la impunidad
de las ETN, dado que su propia naturaleza está marcada por su capacidad
de movimiento que les permite la realización de un permanente dumping
social y de Derechos Humanos, eligiendo los foros para instalarse en
función de las obligaciones más o menos laxas que se les impongan. Por
ello, reafirmamos así la tesis inicial de que, en el momento actual, la única
vía para una imposición efectiva de medidas preventivas que sujeten
realmente la acción de las ETN es la aprobación de un Instrumento
internacional jurídicamente vinculante que además integre las vías
efectivas para obligar a Estados y ETN al cumplimiento de las obligaciones
directas que se impongan en el mismo.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 182
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REFERENCIAS

AMERICAN FEDERATION OF LABOR-CONGRESS OF INDUSTRIAL


ORGANIZATIONS (AFL-CIO). Responsibility Outsourced: Social Audits,
Workplace Certification and Twenty Years of Failure to Protect Worker Rights.
2013. Disponible en <https://www.ituc-csi.org/responsibility-outsourced-
social>.

APARICIO TOVAR, J.; VALDÉS DE LA VEGA, B. (Dir.) La Responsabilidad


Social de las Empresas en España: concepto, actores e instrumentos. Albacete:
Bomarzo, 2011.

AUGENSTEIN, Daniel; UNIV. DE EDIMBURGO .Study of the Legal Framework


on Human Rights and the Environment Applicable to European Enterprises
Operating Outside the European Union. 2009. Disponible en
<http://ec.europa.eu/growth/tools-
databases/newsroom/cf/itemdetail.cfm?item_id=3334>

BARRET, E. The doctrine of Forum non Conveniens. 35 Cal. L. Rev. 380, 1947.

BERRÓN, G. Economic Power, Democracy and Human Rights. A New


International Debate on Human Rights and Corporations. Sur Journal. No.20,
2014.

CLEAN CLOTHES CAMPAIGN. European Union and the Bangladesh garment


industry: The case for a trade investigation. 2017.

CLEAN CLOTHES CAMPAIGN. Four years after Rana Plaza: Steps in the right
direction but a lot remains to be done. 2017. Disponible en
<https://cleanclothes.org/news/2017/04/21/four-years-after-rana-plaza>

CLEAN CLOTHES CAMPAIGN. Who pays for our clothing from Lidl and KiK?, A
study into the impact of buying practices of the discounters Lidl and KiK in
Bangladesh and the precarisation of working conditions in German retailing.
2008. Disponible en <https://cleanclothes.org/resources/national-cccs/lidl-
kik-eng.pdf/view>

CUZACQ, N. Commentaire des propositions de loi relatives au devoir de


vigilance des sociétés mères et des entreprises donneuses d'ordre. Revue de
droit du travail, Nº. 4, 2014, págs. 265-266.

DEVA, S. Regulating Corporate Human Rights Violations. Humanizing


Business. New York: Routledge, 2012.

ESTEVE, J.E. La estrecha interdependencia entre la criminalidad de las


empresas transnacionales y las violaciones al derecho internacional de los

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
183 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

derechos humanos y del medio ambiente: lecciones del caso Bhopal. Revista
electrónica de estudios internacionales (REEI), Nº. 32, 2016

ESTEVE, J.E. Los Principios Rectores sobre las empresas transnacionales y los
derechos humanos en el marco de las Naciones Unidas para «proteger,
respetar y remediar»: ¿hacia la responsabilidad de las corporaciones o la
complacencia institucional? Anuario Español de derecho internacional,
Nº27, 2011.

GARCÍA, M. A. Acuerdos Globales Multilaterales, una nueva expresión del


derecho transnacional del trabajo. RDS, Nº70, 2015. El texto del acuerdo
puede encontrarse en: <http://bangladeshaccord.org/wp-
content/uploads/the_accord.pdf>.

GUAMÁN, A. La cooperación reguladora.

GUAMÁN, A. TTIP: el asalto de las multinacionales contra la democracia. Akal,


2015

GUAMÁN, A.; CONESA, J. El CETA al descubierto: las consecuencias del


Tratado entre la UE y Canadá sobre los derechos sociales. Albacete: Bomarzo,
2016.

GUAMÁN, A.; JIMENEZ, P. Los acuerdos comerciales como estrategia de


dominación del capital. Las amenazas del CETA y del TTIP, editorial Pol·len,
2016.

HERNÁNDEZ, A. Accidentes aéreos y forum non conveniens. Algunas


cuestiones en torno al asunto Honeywell en España. Cuadernos de Derecho
Transnacional, Vol. 4, Nº 2, Ouctubre 2012.

NICOL, D. The constitutional protection of capitalism. Oxford: Hart


Publishing, 2010.

OIT. Global Stimates for Modern Slavery, forced labour and forced marriage.
2017. Disponible en
<http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcomm/docu
ments/publication/wcms_575479.pdf>.

PRIETO, J.; ESPINOZA, G. A binding treaty on corporate responsibility: a


global solution to address the problem of corporate impunity. Lessons learned
from Aguinda vs Chevron. HOMA Publica: International Journal on Human
Rigths and Business, Nº2, 2017.

PRINCE, P. Bhopal, Bougainville and OkTedi: Why Australia's Forum Non


Conveniens Approach Is Better. 47 1CLQ, 1998.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 184
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REINECKE, J.; DONAGHEY, J. After Rana Plaza: Building coalitional power


for labour rights between unions and (consumption-based) social
movement organisations. Organization, 22, Nº. 5, 2015.

RODOTÀ, S. Códigos de conducta: entre hard y soft law, Real Pérez, A.,
(Coordinadora), Códigos de conducta y actividad económica, M. Pons,
Madrid, 2010

SERVAIS, J.M. Algunas reflexiones más sobre una cuestión espinosa: la


responsabilidad social de las empresas. Derecho PUCP, N. 64, 2010.

TERWINDT, C.; SAAGE-MAASS, M. Liability of Social Auditors in the Textile


Industry. European Center for Consitutional and Social Rights. 2016.

ZHENJIE, H. Forum Non Conveniens: An Unjustified Doctrine. Netherlands


International Law Review, Nº 48, 2001.

ZUBIZARRETA, Juan Hernández. Las empresas transnacionales frente a los


derechos humanos. Historia de una asimetría normativa. Vitoria: Ed Egoa,
2009.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
185 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

A ILUS ÃO DO LEV ANTAM ENTO DO VÉU


SOCIETÁRIO E A RESPO NS ABILI D ADE D AS
EMPRES AS PO R VI OL AÇÕ ES DE DIREITOS
HUM ANO S

THE ILLUSION OF LIFTI NG THE CORPOR ATE


VEIL AND THE RESPONS IBI LI TY OF COMPANIES
FOR HUM AN RIGHTS VIO L ATIONS

Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri1

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a utilização da técnica da
desconsideração da personalidade jurídica, conhecida como levantamento
do véu societário, nas situações envolvendo a responsabilização de
empresas pela violação de direitos humanos. Para tanto, partindo-se da
relação entre neoextrativismo e subdesenvolvimento, busca-se
demonstrar que a desigual distribuição do risco ambiental e empresarial
para as comunidades locais se agrava com o modelo da limitação da
responsabilidade adotado para a empresa plurissocietária. Procura-se
ressaltar as limitações da técnica da desconsideração em um contexto em
que a fuga da responsabilidade por parte das empresas transnacionais se
vale de novos arranjos e instrumentos jurídicos.

PALAVRAS-CHAVE: Levantamento do véu societário. Desconsideração.


Direitos Humanos e Empresas

1
Professor Adjunto do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do corpo docente permanente do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da mesma Instituição. Doutor e Mestre em
Direito Civil pela UERJ. E-mail: sergio.negri@ufjf.edu.br

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 186
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

ABSTRACT
The present study aims to analyze the use of corporate entity disregard
technic, known as piercing the corporate veil or lifting the corporate veil, in
situations involving the liability of companies for the violation of human
rights. Thus, starting from the relation between neo-extractivism and
underdevelopment, it is sought to demonstrate that the unequal
distribution of environmental and business risk to local communities is
aggravated by the model of the limitation of responsibility adopted for
multi-company society. The paper seeks to emphasize the limitations of the
disregard technic in a context in which the escape of responsibility by the
transnational corporations uses new arrangements and legal instruments.

KEYWORDS: Lifting the corporate veil. Corporate entity disregard. Business


and Human Rights

E se a Companhia de Mineração de Céu Azul não vier ao meu resgate?


Se a refinaria de açúcar não vier me salvar?
Quem vai me salvar?

Midnight Oil

INTRODUÇ ÃO

O apego à abstração é uma das características da gramática


jurídica. Além de intencionalmente descontextualizar o discurso jurídico, a
fé nas categorias, como pessoa jurídica e autonomia societária, é
responsável pelo ocultamento de conflitos sociais no tranquilo paraíso dos
conceitos. O desprezo pelo concreto esconde, em nome de uma falsa
neutralidade, obstáculos reais que inviabilizam as reivindicações por justiça

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
187 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

e a determinação de quem são os verdadeiros responsáveis pelas violações


de direitos humanos.
Além da dificuldade no reconhecimento da qualidade de atingido
e de vítima dos danos causados, destaca-se, também, a luta, nem sempre
assinalada, pelo difícil enquadramento jurídico das sociedades empresárias
responsáveis pelas violações. Em contexto neoextrativista, a ilusória
fragmentação jurídica da unidade econômica das sociedades transnacionais
representa uma estratégia utilizada, por vezes, para promover a fuga da
responsabilidade e a transferência desigual do risco empresarial para as
comunidades locais em países subdesenvolvidos, como aconteceu no caso
Bowoto. v. Chevron Corporation.
Em maio de 1998, 100 manifestantes ocuparam a plataforma de
Parabe na Nigéria em protesto contra a Chevron. Quando estavam
deixando o local, foram surpreendidos por soldados e representantes da
companhia que atiraram contra o grupo, com ajuda de helicópteros
alugados pela própria empresa. As forças de segurança mataram dois
manifestantes e torturaram um dos líderes do movimento. No ano
seguinte, o governo da Nigéria lançou um ataque às aldeias de Opia e
Ikenyan, incendiando casas e matando várias pessoas. Na ocasião, a
Chevron Nigéria havia auxiliado diretamente as forças militares com o
empréstimo de helicópteros, embarcações e caminhões, pilotados pelos
próprios funcionários da empresa (EUA, District Court, N.D. Califórnia.
Bowoto v. Chevron Corp., 2007).
Em 1999, um grupo de nigerianos propôs uma ação contra a
Chevron Corporation no tribunal distrital da Califórnia. Em um dos vários
julgamentos envolvendo o caso, o juiz Illston, tendo em vista o volume e o
conteúdo das comunicações entre as empresas no próprio dia dos
protestos, considerou a Chevron responsável pelos danos causados pela
sociedade da Nigéria, argumentando, para tanto, que a suposta
independência jurídica das sociedades não passava de uma ficção, já que os
indícios demonstravam que a Chevron exerceu mais do que o grau usual de
direção e controle que uma sociedade exerce sobre suas subsidiárias (EUA,
District Court, N.D. California. Bowoto v. Chevron Corp., 2007).

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 188
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

No caso Bowoto v. Chevron Corporation pode-se afirmar que a


técnica da desconsideração da personalidade jurídica foi utilizada? Em que
consiste esta técnica descrita, desde a sua origem, por meio de metáforas
como o levantamento do véu societário? A desconsideração da
personalidade mostra-se útil mesmo quando não se constata a confusão de
esferas jurídicas entre as sociedades? Qual o papel da desconsideração em
um cenário econômico marcado pela suposta fragmentação do poder
empresarial nos mais variados arranjos plurissocietários? O presente
trabalho, a partir de um estudo exploratório, propõe-se a responder a essas
questões para contribuir com o debate sobre a utilização da técnica do
levantamento do véu societário em um futuro Tratado Internacional de
Empresas e Direitos Humanos.
Como marco teórico, vale-se da relação estabelecida por Eduardo
Gudynas (2009, 2012) entre neoextrativismo e subdesenvolvimento. Como
observam Milanez e Santos (2013), uma das características desse
paradigma neoextrativista é a promoção da distribuição desigual dos
recursos e dos riscos ambientais para as populações locais. De acordo com
a hipótese adotada no trabalho, afirma-se que a limitação da
responsabilidade das sociedades empresárias tem exercido um papel
decisivo, embora pouco destacado, neste processo de transferência de
riscos e danos para as vítimas das violações de direitos humanos.

1. A TÉCNIC A DA DESCONS IDER AÇ ÃO E A


METÁFO R A DO LEV ANT AM ENTO DO VÉU
SOCIETÁRIO.

Em 1929, o juiz Benjamin Cardozo afirmou que a doutrina do veil


piercing encontrava-se “enveloped in the mists of metaphor”.
(VANDEKERCKHOVE, 2007, p. 136). Como essas metáforas dificultam a
análise dos pressupostos que determinam a utilização da desconsideração,
há a necessidade de revelar não o “véu da pessoa jurídica”, mas as

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
189 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

estruturas que se encontram presentes nas decisões que se valem dessas


figuras de linguagem.
A utilização de metáforas para expressar a técnica da
desconsideração não representa uma particularidade presente apenas nos
Estados Unidos. Como destaca Courir (1997), na Alemanha, a possibilidade
de se afastar a personalidade jurídica para responsabilizar os sócios é
também descrita com um termo figurado: Durchgriff, que remete à ação de
atravessar alguma coisa.
O tema da desconsideração (Durchgriff) na Alemanha, como
observa Zorzi (2002), articula-se em três níveis diferentes. A princípio, há o
debate acerca do que a doutrina daquele país chama de
Durchgriffsprobleme. Nesse ponto, o importante é determinar em que
situações seria possível recorrer à técnica da desconsideração. Desse modo,
quando a análise se volta para os problemas da desconsideração, busca-se
investigar quais são os pressupostos que permitem ao juiz afastar a
personalidade jurídica da GmbH, correspondente, no Brasil, à sociedade
limitada. Atualmente, são destacados três tipos de casos: a confusão de
atividades e patrimônios, as relações de domínio nos grupos societários e
as situações de subcapitalização. (RIBEIRO,2009, p.160)
Uma vez conhecidos os pressupostos, cumpre investigar o
método. Em que consiste exatamente desconsiderar a personalidade
jurídica? Tradicionalmente, observa-se o afastamento momentâneo da
autonomia patrimonial da sociedade para imputar aos sócios uma
responsabilidade que, a princípio, seria da própria pessoa jurídica. Com
efeito, nessa situação constata-se a utilização da desconsideração para a
determinação da responsabilidade, isto é, uma Durchgriffshaftung
(RIBEIRO,2009, p.160).
A separação entre os problemas (Durchgriffsprobleme) e o método
(Durcgriffshaftung) permite um terceiro nível de análise: a investigação da
existência de técnicas alternativas à desconsideração para fins de
responsabilidade (Durcgriffshaftung). A utilização desse modelo faz com
que a técnica tenha o seu campo de incidência reduzido, na medida em que
nem todas as situações descritas, inicialmente, como hipóteses de

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 190
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

desconsideração serão solucionadas pela via da disregard. Ao retratar essa


tendência, Zorzi (2002) recorre à imagem de uma pirâmide invertida,
formada por uma base ampla, na qual se encontram todas as situações
descritas como hipóteses de desconsideração; e por um vértice, constituído
pela técnica da disregard, que não representa mais a principal via para a
solução de todos aqueles problemas.
Nos casos envolvendo a responsabilidade de empresas
transnacionais pela violação de direitos humanos praticados pelas suas
subsidiárias mostra-se importante separar a técnica da desconsideração de
outras medidas também adotadas, como, por exemplo, a responsabilidade
direta e a técnica do due diligence. Ainda que existam variações, a
desconsideração se apresenta, por vezes, como um mecanismo indireto de
responsabilização, acionado nas situações de abuso, fraude ou desvio de
função na utilização da técnica da personificação em concreto.
A diferença entre a desconsideração e outra forma de
responsabilização não representa um debate apenas teórico. O estudo dos
casos envolvendo a responsabilidade de empresas trasnacionais por
violação de direitos humanos demonstra a importância de se reconhecer as
limitações na utilização da técnica da disregard. No Caso Bowoto v. Chevron,
o tribunal norte-americano considerou que a sociedade Chevron Nigeria
Limited deveria ser considerada um agente da Chevron Texaco Petroleum
Overseas, que foi considerada, assim, responsável pelas graves violações de
direitos humanos praticadas pela sociedade localizada na Nigéria.
Já no conhecido desastre ocorrido em Bhopal na Índia em 1984,
envolvendo a liberação de 40 toneladas de hidrocianato pela empresa de
pesticidas Union Carbide India Limited, a aplicação da desconsideração foi
rejeitada em várias ocasiões com o argumento de que a sociedade não
poderia ser considerada um alter ego da empresa Union Carbide
Corporation, que controlava cerca de 750 filiais em todo o mundo. Não
havia, segundo as decisões, a demonstração de que a sociedade mãe
controlasse efetivamente o patrimônio das outras sociedades e as suas
atividades cotidianas, limitando-se apenas a intervir nas decisões de maior
relevância. Como destaca Antunes (2013), na época quase 4 mil pessoas

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
191 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

tiveram morte imediata e cerca de 8 mil nas duas semanas seguintes, sendo
que ainda hoje as pessoas da localidade continuam a desenvolver uma
variedade de doenças.
Em um sistema pautado na responsabilização direita da sociedade
mãe pelos atos praticados pelas sociedades subsidiárias não haveria, em
tese, a necessidade de se mostrar que a separação entre as duas sociedades
representa uma ficção ou outras hipóteses de abuso. A utilização da técnica
da desconsideração esconde, por vezes, um modelo que, no lugar de
reforçar a responsabilização, lhe reserva o papel de um remédio que,
excepcionalmente, servirá para calibrar a regra da limitação da
responsabilidade. A compreensão desse modelo pressupõe a separação da
técnica da chamada teoria da desconsideração.

2. A TEO RI A DA DESCONSI DER AÇ ÃO: O


LEV AN TAM ENTO COMO EX CEÇ ÃO

Quando a técnica da desconsideração passou a ser utilizada no


sistema da civil law, os juristas notaram a necessidade de apresentar uma
teoria que fosse capaz de domesticar todas as situações que envolviam a
desconsideração. Nesse processo, destaca-se a contribuição de Serick
(1958), que em 1953, formulou, a partir da experiência dos tribunais
alemães e norte-americanos, o que se denomina de teoria da
desconsideração, que passou a ser aplicada em vários ordenamentos
jurídicos, inclusive no Brasil.
A grande preocupação de Serick (1958) era evitar uma excessiva
generalização do instituto. A possibilidade de se afastar a alteridade
subjetiva, considerada a principal característica da pessoa jurídica, não
poderia ser feita apenas por questões de equidade, como acontecia até
então, com base em fórmula vagas e imprecisas. Além de ressaltar o caráter
excepcional da desconsideração, Serick (1958) destacou que ela poderia ser
invocada quando a estrutura formal da pessoa jurídica tivesse sido utilizada
de forma abusiva. O abuso ocorreria quando, por meio da pessoa jurídica,

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 192
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

se tentasse burlar o cumprimento da lei, de obrigações contratuais ou


prejudicar fraudulentamente terceiros.
Com a tradução da obra para o italiano e o espanhol, não demorou
para que a chamada teoria da desconsideração se tornasse o principal
referencial para a sistematização da técnica, de criação jurisprudencial,
voltada para combater os abusos e fraudes perpetrados por meio da pessoa
jurídica. A principal crítica ao trabalho pioneiro de Serick (1958) se deve ao
seu unitarismo, já que o autor tinha elaborado uma teoria geral da
desconsideração que se estruturava em torno de um conceito unitário de
pessoa jurídica, sem levar em conta, para o desenvolvimento de sua
concepção, a especificidade dos tipos que se estruturavam em torno
daquele rótulo.
A presença constante da disregard no discurso jurídico não
significa, contudo, que os problemas relacionados à sua utilização tenham
sido solucionados. Da confusão patrimonial, passando pela
subcapitalização, até chegar aos problemas que envolvem os grupos
societários, constata-se a presença de diferentes casos, que apresentam
como traço em comum apenas o fato de se relacionarem com uma
sociedade personificada. Se, a princípio, a teoria de Serick (1958) conferia à
desconsideração um caráter excepcional, atrelando-a ao caso de abuso,
atualmente, o instituto pode ser invocado no Brasil quando a pessoa
jurídica representa simples obstáculo para a reparação dos danos causados
ao consumidor.
A ampliação dos pressupostos da desconsideração, apoiada em
requisitos cada vez mais flexíveis não foi, contudo, capaz de apagar o
modelo tradicional que confere à desconsideração um caráter excepcional.
A afirmação, em vários julgados no Brasil, de que a desconsideração
representaria uma exceção à regra da limitação da responsabilidade ilustra
a presença do pensamento de Serick (1958), como se vê em decisão do STJ:

Convém assinalar, para logo, que a ‘Disregard’ é


medida de caráter excepcional [...] no caso ora em
análise, é incontroverso que o capital social foi
integralizado e que as atividades da sociedade foram

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
193 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

encerradas, em função da morte do sócio-gerente, em


05 de agosto de 2000. Contudo, não houve a regular
‘baixa’ do registro na junta comercial. Tal
circunstância, porém, não implica, por si só, em fraude
ou abuso de direito e, tampouco, desvio de finalidade
ou confusão patrimonial que justificasse a
desconsideração da personalidade jurídica da
empresa (BRASIL, STJ, 2010).

A ideia de que a desconsideração é uma exceção que, quando


aplicada, confirma a regra da limitação da responsabilidade não está
presente apenas nos países influenciados pela tradição romano-germânica.
Na jurisprudência dos Estados Unidos, a disregard (desconsideração)
somente é aplicada em casos excepcionais, quando, por exemplo, resta
demonstrado que a sociedade controlada não passa de um alter ego da
controladora. Na verdade, a regra geral do veil piercing americano resulta
da velha máxima do juiz Sanborn no caso United States v. Milwaukee
Refrigerator Transit Co.:

A sociedade será considerada uma pessoa jurídica


como regra geral, e até que suficiente razão contrária
apareça; mas quando a noção de pessoa jurídica é
usada em detrimento da ordem jurídica, para justificar
o injusto, proteger a fraude, ou amparar o crime, o
direito irá considerar a companhia como uma
associação de pessoas (SANBORN apud CLAUSEN,
1987, p. 23.) 2

Enquanto a primeira parte da formulação se destaca pela sua


clareza, ao determinar a não aplicação de uma regra geral do ordenamento,
o que acabou contribuindo para sua ampla difusão; não se pode deixar de

2 Texto original: “A corporation will be looked upon as a legal entity as a general rule,
and until sufficient reason to the contrary appears; but, when the notion of legal
entity is used to defeat public convenience, justify wrong, protect fraud, or defend
crime, the law will regard the corporation as an association of persons”.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 194
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

notar, na sequência, a vagueza e indeterminação da segunda parte,


revelando um problema que sempre acompanhou a desconsideração: a
dificuldade em se precisar os requisitos para a sua aplicação.
Neste ponto reside um dos paradoxos da desconsideração: a
técnica reforça e, por vezes, naturaliza o mito da separação patrimonial e
jurídica. Ainda que a decisão impute responsabilidade aos sócios, o recurso
à disregard reforça que a unidade jurídica da sociedade personificada deve
ser preservada como regra. Esse tipo de abordagem impede, por vezes, uma
crítica estrutural ao próprio processo da limitação da responsabilidade dos
sócios. Crítica que nas situações de violações de direitos humanos por
empresas mostra-se fundamental, uma vez que as vítimas, nesses casos,
suportam, involuntariamente, a transferência do risco presente no
exercício da atividade empresarial.
A limitação da responsabilidade, ao contrário do que o nome possa
sugerir, não tem como destinatária à pessoa jurídica, mas os sócios que se
arriscaram ao investir no exercício de determinada atividade econômica.
Quando se fala da limitação da responsabilidade da sociedade, o que se
busca, na verdade, ao contrário do sentido estrito do termo, é garantir a
restrição dos riscos no exercício de determinada atividade. Ao mesmo
tempo, o destaque ao aspecto funcional, em detrimento do estrutural,
revela que não há propriamente uma limitação, seja da dívida ou da
responsabilidade. Na verdade, o que se verifica é a transferência do risco
para os credores que se relacionam com a sociedade, ainda que
involuntariamente, como ocorre com as vítimas de um ato ilícito
extracontratual.
A crítica ao tratamento da limitação da responsabilidade não
representa algo novo. Essa crítica está inclusive presente em julgados no
Brasil que se valem da chamada teoria menor da desconsideração no direito
do consumidor e no direito ambiental. Acontece que o rótulo da
desconsideração, que acompanha esses julgados, impede um debate mais
amplo sobre os próprios fundamentos da limitação da responsabilidade nas
sociedades. Essa omissão permite a transposição da limitação da
responsabilidade para situações que são qualitativamente diferentes,

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
195 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

como acontece, por exemplo, quando grupos societários se valem do


argumento da autonomia societária e jurídica para se afastar da
responsabilização pelo dano causado por outras sociedades.

3. A FR AGMENTAÇ ÃO DO PODER EMPRES ARI AL


E OS ARR ANJO S PLURI S SOCI ETÁR IOS: O
C ASO DO SISTEM A MIN AS-RIO

A técnica da desconsideração da personalidade jurídica foi


pensada para um modelo de sociedade personificada isolada. No século
XIX, a sociedade limitada foi apresentada como um novo modelo societário,
que seria capaz de estimular a entrada de pequenos comerciantes no
mercado ao reduzir o risco no exercício da atividade empresarial. Essa nova
forma resultava da combinação de três figuras: personalidade jurídica,
autonomia patrimonial e limitação da responsabilidade dos sócios.
O sucesso da “sociedade limitada”, cujo modelo se estrutura na
combinação perfeita daqueles elementos, criou, contudo, a ilusão de que a
autonomia patrimonial e a limitação da responsabilidade dependessem
sempre da intermediação da pessoa jurídica. Do ponto de vista histórico,
não resta dúvida de que os três termos citados tiveram um
desenvolvimento autônomo. A lógica desse arranjo se pautava na
identificação da unidade econômica com a unidade jurídica. A
personificação da união de pessoas para o exercício da atividade econômica
e partilha do resultado na forma do lucro permitia, por sua vez, uma visão
unitária do patrimônio e da própria responsabilidade.
A desconsideração da personalidade jurídica surge como uma
forma de se ajustar, em concreto, o desvio de função desse modelo, que,
como logo se percebeu, poderia ser utilizado para a realização de condutas
abusivas e fraudulentas. O levantamento do véu societário é, na sua
origem, dependente do arquétipo da sociedade personificada isolada,
dotada, assim, de autonomia jurídica e econômica.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 196
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

A concentração empresarial, já no início do século XX, já


demonstrava os problemas desse modelo. As empresas Standard Oil
Company e US Steel Corporation se apresentavam como grandes empresas
monolíticas, que foram formadas a partir da fusão e incorporação de outras
sociedades. A formação de grandes conglomerados fez com que o Estado
procurasse impor limites a esse processo de concentração do poder
econômico (MUNHOZ, 2002). Como resposta, observa-se uma nova fase no
processo de concentração que, no lugar de se pautar apenas no
crescimento interno, vai se caracterizar pela integração das empresas por
meio dos grupos de sociedades. Nesta nova forma de organização da
atividade empresarial, a unidade econômica passa a conviver com a
diversidade jurídica fazendo com que a empresa societária seja substituída
pela empresa plurissocietária (ANTUNES, 2012).
A desconsideração pensada para o modelo de sociedade isolada é,
por vezes, transposta para os casos envolvendo a violação de direitos
humanos por grupos societários, que representam a principal forma de
organização da empresa contemporânea. A utilização da desconsideração
nestes casos tem como base a falsa premissa de que a condição de sócio
exercida por um indivíduo seria idêntica àquela em que uma sociedade
participa do capital de outra sociedade. O reconhecimento da diversidade
de situações que envolvem o grupo societário, como o exercício do poder
de controle, seria importante para se analisar isoladamente as próprias
razões que justificam, ou não, a limitação da responsabilidade na empresa
plurissocietária.
Ao contrário da sociedade isolada, na participação intersocietária
ganha destaque o conceito de direção unitária, responsável pela
manutenção da unidade econômica em meio a diversidade jurídica. A
direção unitária se materializa no interesse voltado para a orientação da
atividade empresarial como um todo. Esse interesse, por sua vez, se
desdobra em vários aspectos como a determinação de estratégias comuns
ao grupo, o estabelecimento de uma política geral em áreas como finanças,
produtos, marketing e pessoal, a supervisão sobre a execução de tarefas no
grupo e o estabelecimento de mecanismo de controle interno e de

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
197 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

gerenciamento do risco. Em razão da dificuldade no enquadramento das


situações que caracterizam a direção unitária, ganha destaque a análise da
política financeira do grupo relacionada à distribuição dos lucros,
constituição de reservas e formas de financiamento.
A direção unitária se mostra presente tanto nos grupos de
subordinação, caracterizados pela menor independência econômica das
sociedades, quanto nos grupos de coordenação, marcados por uma gestão
mais compartilhada. Embora exista certa confusão entre os termos, a
direção unitária não se confunde com o controle. Essa separação, ainda que
incerta, se mostra importante, já que nem todas as formas de direção
unitária se valem de instrumentos de controle. Acontece que o legislador
ao tentar disciplinar os grupos se afasta, por vezes, dos efeitos práticos dos
diversos arranjos para se concentrar apenas nas formas de sua constituição.
A distinção entre grupos de direito e grupos de fato é um exemplo desta
opção. A Lei 6404/76 define o grupo de direito como aquele constituído a
partir do contrato, da convenção de grupo. Essa opção revelou-se infeliz já
que esse formato se mostra distante da prática empresarial. Já os grupos
de fato seriam aqueles caracterizados pelo efetivo exercício do poder de
controle de uma sociedade sobre a outra, sem a necessidade de um
contrato formalizando tal relação (PRADO,2005).
A técnica da desconsideração não é capaz de revelar a
complexidade que marca os grupos societários. O problema se agrava ainda
mais quando se nota que, atualmente, as empresas se valem de
instrumentos mais sutis nos processos de fragmentação da atividade
empresarial em uma nova fase da Lex Mercatoria (ZUBIZARRETA, RAMIRO,
2015).
A diversificação promovida pelas formas de direção não
representa apenas um meio para se garantir a melhor utilização de bens, a
pulverização do controle permite a alocação de recursos disponíveis a
diversas iniciativas sem deixar rastros, promovendo uma
compartimentalização das atividades em unidades distintas. Esse processo
de separação dos riscos, que já foi tratado como a fuga da responsabilidade,
se tornou uma estratégia para empresas que exercem atividades

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 198
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

tradicionalmente associadas a graves violações de direitos humanos, como


a mineração.
Como destaca Coelho (2015), a mineração tem relação direta com
o subdesenvolvimento, sendo que, por vezes, até mesmo o aprofunda ao
reproduzir estruturas de concentração de renda e exploração de
trabalhadores em “circuitos econômicos exclusivos e, por isso, excludentes
das populações locais, principalmente de grupos de baixa renda” (COELHO,
2015, p.57.).
O Sistema Minas-Rio pode ajudar na compreensão desse processo
de fragmentação do poder empresarial e transferência do risco
empresarial. Acompanhando a circulação de modelos produtivos, o projeto
Minas-Rio foi inspirado na construção de uma matriz comum que reunisse
os processos de produção, distribuição e consumo.
O projeto se pautava na integração de uma mina a um porto por
meio de um mineroduto de 525 quilômetros, que passa por 32 municípios
diferentes, nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, interligando a
cidade de Conceição do Mato Dentro (MG) até o Complexo Logístico e
Industrial do Porto do Açu, no norte fluminense (RJ) (BARCELOS, 2014).
Em 2008, a mineradora Anglo American adquiriu todos os direitos
do projeto Minas-Rio até então controlado pelo Grupo EBX do empresário
Eike Batista. A restruturação da MMX, pertencente ao grupo EBX, não
promoveu, contudo, a completa separação dos projetos. Mesmo sendo uma
sociedade distinta, com autonomia jurídica, a Anglo, por meio de alianças
estratégicas, participa, ainda que indiretamente, de aspectos importantes
do projeto do complexo portuário.
A cisão parcial da MMX e a transferência dos direitos do Sistema
Minas-Rio para a Anglo geram a falsa ideia de autonomia dos projetos, mas
não são suficientes para esconder os traços da conexão inicial. Isso ocorre
porque toda a restruturação societária foi realizada conjuntamente com a
formalização de novas alianças e conexões. A primeira, e geralmente a mais
importante, diz respeito à indevida divisão do licenciamento ambiental,
comprometendo, assim, a análise da totalidade dos impactos causados. A
segmentação se transforma, por vezes, em estratégia para dificultar a

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
199 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

responsabilização das sociedades envolvidas no empreendimento (NEGRI,


VERDE, FERREIRA, 2015).
A existência de sociedades distintas, dotadas de personalidade
jurídica, bem como a ausência de uma relação direta de controle entre a
Anglo e a Prumo, que atualmente administra o porto, contribui para
mascarar o forte elo existente entre os empreendimentos e as novas
alianças, contratualmente formadas, entre as sociedades empresárias
(NEGRI, VERDE, FERREIRA, 2015).
A utilização da desconsideração em um caso como o Sistema
Minas-Rio seria insuficiente para a devida responsabilização das sociedades
empresárias. Como a Anglo não participa do capital da Prumo, o
levantamento do véu societário dificilmente alcançaria a sociedade
responsável pela mina em Conceição. Da mesma forma, a responsabilização
da Anglo por eventuais danos causados na atividade de mineração poderia
não ser estendida à sociedade responsável pelo complexo portuário.
Da mesma forma, imagine se a Anglo, responsável pela mina, e a
Prumo, que administra o Porto, apenas compartilhassem parte dos seus
administradores. A técnica da desconsideração se mostra incapaz de
enfrentar uma situação que é cada vez mais comum: administradores de
diversas sociedades atuando de forma coordenada por meio do
compartilhamento de um controle gerencial. O chamado interlocking
ocorre, por exemplo, quando existe uma relação entre duas ou mais
empresas por meio da inclusão do mesmo profissional nos conselhos de
administração das sociedades. O compartilhamento das informações,
nestes casos, pode caracterizar um controle gerencial entre as sociedades
distintas, caracterizando, assim, o chamado grupo pessoal (FRAZÃO,2015).
Embora não constatada no caso do Sistema Minas-Rio, a
desconsideração tem sido utilizada nos casos de subcapitalizacão material,
quando ocorre a constituição de sociedades com recursos insuficientes
para o exercício da atividade (MIOLA, 2007). Os riscos associados à
exploração da atividade de mineração nem sempre são devidamente
mensurados pelas empresas responsáveis pelo empreendimento. A
alocação de recursos entre sociedades pertencentes a um mesmo grupo

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 200
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

sempre representou um tema de difícil regulação. Para permitir a


distribuição de recursos entre as sociedades, são utilizados diversos
negócios jurídicos, como contratos de mútuo ou comodato, prestação de
serviços, transferência de tecnologia. Frequentemente, os valores são
ajustados com base apenas na lógica da organização interna do próprio
grupo, comprometendo, assim, o patrimônio das próprias controladas
(MUNHOZ, 2002).
Por fim, uma das questões mais importantes diz respeito à
utilização da desconsideração para a responsabilização da própria Anglo na
Inglaterra pelos danos causados no sistema Minas-Rio. E aqui reside um dos
principais problemas da desconsideração. Ao contrário da ideia do due
diligence, a técnica da desconsideração estimula a sociedade-mãe a se
afastar dos negócios realizados pelas suas filiais ou a não deixar qualquer
rastro de existência desta interferência para não ser responsabilizada.
Como foi destacado no caso Bowoto v. Chevron Corporation, para a decisão
que determinou o levantamento do véu societário foi determinante a prova
apresentada pelos autores da intensa comunicação das sociedades nas
datas em que foram praticadas as violações. A interferência permitiu ao juiz
reconhecer a falta de independência da Chevron Nigéria em suas decisões,
o que, por sua vez, foi decisivo para a responsabilização da Chevron nos
Estados Unidos.
A fragmentação do poder empresarial inaugura, assim, uma nova
fase da fuga da responsabilidade por empresas transnacionais, com novas
formas de controle e participação, que restam intocadas quando o modelo
de responsabilização se concentra apenas na velha desconsideração da
personalidade jurídica. Formas contratuais de controle, participação de
fundos de investimento nas sociedades empresárias e até mesmo a
ausência de controladores definidos exigem novos remédios que se
mostrem efetivamente capazes de responsabilizar a unidade econômica
que se esvai na ilusória diversidade de sujeitos jurídicos.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
201 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

CONCLUS ÃO

A responsabilização dos arranjos plurissocietários e transnacionais


ainda se pauta nos instrumentos destinados às sociedades isoladas, como
acontece com a desconsideração, que se mostra incapaz, na maioria dos
casos, em lidar com a atual dinâmica empresarial.
O modelo regulatório tradicional ainda apoiado no dogma da
autonomia societária não consegue disciplinar de forma satisfatória a
responsabilidade da empresa transnacional. O problema se agrava quando
se percebe uma tensão entre o sujeito jurídico, retratado na legislação, e a
unidade de um ente econômico que se estrutura sob a forma de complexos
arranjos de sociedades individuais sediadas em diferentes países.
É importante reconhecer o paradoxo que envolve a
desconsideração: a sua utilização contribui com a naturalização do mito da
separação societária. Da mesma forma, é preciso também confrontar a
disregard com técnicas alternativas, como, por exemplo, o dever de
diligência que, se acompanhado de deveres precisos e claros, pode obrigar
as empresas transnacionais a controlar e acompanhar as atividades
realizadas pelas suas filiais.
O reconhecimento das limitações da técnica da desconsideração
mostra-se crucial para o sucesso de qualquer estratégia regulatória. Não se
trata de descartar a desconsideração, mas apenas de reconhecer as suas
próprias limitações. Em um contexto em que a forma jurídica contribui com
a fuga da responsabilidade, é preciso contornar as abstrações presentes na
linguagem jurídica e atacar diretamente a injusta estrutura que legitima a
desigual transferência do risco empresarial para as vítimas das violações de
direitos humanos por parte das empresas.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 202
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, José Augusto Engrácia. A responsabilidade da Empresa


Multinacional. In: KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante (coord.). Direito
Empresarial: os novos enunciados da Justiça Federal. São Paulo: Quartier
Latin, 2013.

_______. Estrutura e responsabilidade da empresa: o moderno paradoxo


regulatório. In: Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 2. jun-dez 2005.

_______. The governance of corporate groups. In: ARAUJO, Danilo Borges dos
Santos Gomes de; WARDE JR., Walfrido Jorge (org.). Os grupos de
sociedades: organização e exercício da empresa. São Paulo: Saraiva, 2012.

BARCELOS, Eduardo (Coord.). O Projeto Minas Rio e seus impactos


socioambientais: Olhares desde a perspectiva dos atingidos. [s. L.]: Encontro
de Intercâmbio das Comunidades em Resistência Ao Projeto Minas-Rio, 2014.

BECKER, Luzia Costa; PEREIRA, Denise de Castro. O Projeto Minas-Rio e o


desafio do desenvolvimento territorial integrado e sustentado: a grande
mina em Conceição do Mato Dentro. Recursos Minerais & Sustentabilidade
Territorial, Rio de Janeiro, v. 1, p.229-258, 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n 846331/RS-


(2006/0096483-0) 23/03/2010. Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. In
Diário de Justiça de 06/04/2010.

CLAUSEN, Nis. Use of the American Doctrine of Piercing the Corporate Veil:
An Argument in Danish Business Law, 5 Int'l Tax & Bus. Law.44 1987.
Disponível em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/bjil/vol5/iss1/2>.
Acesso em: 21 set. 2016.

COELHO, Tádzio Peters. Projeto Grande Carajás: Trinta anos de


desenvolvimento frustrado. Marabá: Editora iGuana, 2015.

COURIR, Edoardo. Limiti alla responsabilità imprenditoriale e rischi dei terzi.


Milão: Giuffrè,1997

EUA. District Court, N.D. California. Bowoto v. Chevron Corp. Supp. 2d 1010
N.D. Cal. 2007. Disponível em
<http://www.courtlistener.com/opinion/2416225/bowoto-v-chevron-
corp/>. Acesso em: 21 set. 2016.

FRAZÃO, Ana. Grupos Societário no Direito do Trabalho: critérios de


configuração de consequências. Revista semestral de direito empresarial, n
16, jan-jun, Rio de Janeiro: Processo, 2015.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
203 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

GUDYNAS, Eduardo. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo:


contextos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual. Trabalho-
Alternativas a uma economia extractivista, CAAPP & CLAES, Quito, 2009.
Disponível em:
<http://www.ambiental.net/publicaciones/GudynasNuevoExtractivismo10
Tesis09x2.pdf>. Acesso em: 21 set. 2016.

GUDYNAS, Eduardo. Estado compensador y nuevos extractivismo. Las


ambivalências del progresismo sudamericano. Revista Nueva Sociedad n.
237, enero-febrero de 2012. Disponível em:
<http://www.nuso.org/upload/articulos/3824_1.pdf>. Acesso em: 21 set.
2016.

MILANEZ, Bruno. O novo marco legal da mineração: contexto, mitos e riscos.


In: MALERBA. Juliana (Org.). O Novo marco legal da mineração no Brasil:
Para que? Para quem? v.1, Rio de Janeiro: Federação de Órgãos para a
Assistência Social e Educacional, 2012.

MILANEZ, Bruno; SANTOS, R. S. P.. Neoextrativismo no Brasil? Uma análise


da proposta do novo marco legal da mineração. Revista Pós Ciências Sociais,
v. 10, p. 119-148, 2013.

MIOLA, Massimo. Capitale Sociale e Tecnichedi tutela dei creditori. In: ROSSI,
Guido. La società per azionioggi. Tradizione, attualità e prospetttive. Milão:
Giuffrè.2007.

MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa contemporânea e direito societário. São


Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 2002.

NEGRI, S. M. C. A., VERDE, R. G. V., FERREIRA, L. F., Arranjos empresariais


plurissocietários e a violação de direitos humanos: análise do instrumental
jurídico utilizado em casos envolvendo o Porto do Açu. 2015. In: II Seminário
Internacional de Direitos Humanos e Empresas, Juiz de Fora, 2015.

PRADO, Viviane Muller. Grupos societários: análise do modelo da Lei


6.404/1976.In: Revista Direito GV, São Paulo, v. 1. n. 2, p. 005-028. Jun - dez
2005.

RIBEIRO, Maria de Fátima. A tutela dos credores sociais da sociedade por


quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”. Coimbra: Almedina,
2009.

SERICK, Rolf. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles: el abuso de


derecho por medio de la persona jurídica. Tradução de José Puig Brutau.
Barcelona: Ediciones Ariel, 1958.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 204
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

TEUBNER, Gunther. “Unitas Multiplex”: a organização do grupo de empresas


como exemplo. In: Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 077-109. jun-
dez 2005.

VANDEKERCKHOVE, Karen. Piercing the Corporate Veil (European Company


Law Series). New York: Wolter Kluwer, 2007.

ZUBIZARRETA, Juan Hernández; RAMIRO, Pedro. Contra la lex mercatória


Propuestas y alternativas para desmantelar el poder de empresas
transnacionales. Barcelona: Icaria. 2015.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
205 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

PR ÁTIC AS DE EL FORUM SHOPPING EN TRE L A


OMC Y LOS TLC. EL V ALO R DEL PRINC IPIO DE
L A COS A JUZG AD A EN L A SOLUCIÓN DE
CONTROVERSI AS

PR ACTI CES OF THE FOR UM SHOPPI NG


BETWEEN THE WTO AND THE FTA. THE V ALUE
OF THE PRINCIPLE OF RES JUDI C ATA I N THE
SETTLEM ENT OF DISPUT ES

Julián Tole Martínez 1

RESUMEN
No hay duda que en el contexto de la globalización económica existe una
gran disposición a conflictos o superposiciones de instrumentos
internacionales, de sus obligaciones o derechos e inclusive de sus
jurisdicciones. El análisis de estos fenómenos se hace más complejo si se
tiene en cuenta la actual proliferación de instrumentos internacionales de
naturaleza comercial (acuerdos preferenciales, zonas de libre comercio,
uniones aduaneras, etc.), cada uno, con un mecanismo de solución de
controversias que puede llegar a generar conflictos o superposiciones con
el régimen jurídico de la OMC. Con un aspecto a tener en cuenta, no existe
una relación de jerarquía de una fuente de producción jurídica sobre otra
(como en si ocurre en el Derecho interno), a menos que esté contemplada
de forma expresa en un instrumento o que se pueda deducir de forma
implícita de su contenido normativo por medio de una actividad
interpretativa. Del amplio abanico de instrumentos que regulan el comercio

1
Doctor y máster en Derecho internacional económico de la Universidad de
Barcelona (España), investigador y catedrático de Derecho internacional de la
Universidad Externado de Colombia.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 206
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

internacional, esta disertación centrará su atención en el análisis de las


normas de conflicto incorporadas en los diferentes tratados de libre
comercio (en adelante TLC) celebrados entre países latinoamericanos y los
Estados Unidos, concretamente, el TLC de América del Norte de 1994, el
TLC con Chile de 2004, el TLC con la República Dominicana y Centroamérica
de 2006, el TLC con Perú de 2009, el TLC con Colombia de 2012 y el TLC con
Panamá de 2012, además, los Acuerdos de Asociación Económica de países
latinoamericanos y la Unión Europea, entre ellos, el TLC con México en
2000, el TLC con Chile de 2005 y el TLC con los países andinos de 2013,
finalmente, se incluirá en el examen las normas de conflicto del régimen
jurídico de la OMC, y así se llegará a concluir la utilidad que puede tener el
principio de la cosa juzgada o res judicata respecto a los efectos del fórum
shopping.

PALABRAS CLAVE: Solución de controversias. TLC. OMC. Forum Shopping.

ABSTRACT
In the context of economic globalization there is a great propensity to
conflicts or overlaps between the international agreements, of its
obligations or rights and even their jurisdictions. The analysis of these
phenomena becomes more complex when taking into account the current
proliferation of international instruments of commercial nature
(preferential agreements, free trade areas, customs unions, etc.), each with
a mechanism for dispute settlement, and these international instruments
can generate conflicts or overlaps with the legal framework of the WTO.
With an aspect to consider, there is no hierarchical relationship of a source
of legal production on another (as if it is under domestic law), unless
expressly provided for in an instrument or can be deduced from implicitly
its normative content through an interpretive activity. From the wide range
of instruments governing international trade, this discussion will focus on
the analysis of the conflict rules incorporated in the various Free Trade
Agreements (FTA) concluded between Latin American countries and the

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
207 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

United States, specifically the NAFTA, the FTA with Chile, the CAFTA-DR,
the FTA with Peru, the FTA with Colombia and the FTA with Panama, also
the Economic Partnership Agreement (EPA) of Latin American countries
and the European Union, including the EPA with Mexico, the EPA with Chile
and the EPA with the Andean countries, in addition will be reviewed the
conflict rules of the WTO law. In the end, will conclude on the usefulness of
the principle of res judicata to resolve the effects of forum shopping.

KEYWORDS: Dispute settlement. FTA. WTO. Forum Shopping.

INTRODUCCIÓN

En el contexto de las actuales relaciones del comercio


internacional existe una mayor propensión a conflictos entre normas del
sistema multilateral del comercio, o lo que en este escrito se denomina el
“Derecho de la OMC”2, y otras normas internacionales (en materia de medio
ambiente3, de derechos humanos, de normas laborales, de normas
comunitarias, de normas regionales, etc.). El aumento de estos
instrumentos internacionales, de los cuales se tiene noticia todos los días,
hace necesaria una clarificación de sus complejas relaciones en el marco del
Derecho internacional, pues como tratados independientes tienen un
mismo rango jurídico, esto es, son normas donde no existe una relación de

2
El término “derecho de la OMC” puede definirse a grandes rasgos como el cuerpo
normativo contenido en los “acuerdos abarcados” y demás instrumentos de la OMC.
3
En efecto, existe un importante número de autores que analizan los conflictos de
normas de la OMC con Acuerdos de Medio Ambiente, entre ellos: MARCEAU,
Gabrielle. “Conflicts of Norms and Conflicts of Jurisdictions: The Relationship
between the WTO Agreement and MEAs and Other Treaties”, Journal of World Trade
Vol. 35, No. 6, 2001; BRACK, Duncan y GRAY, Kevin. Multilateral Environmental
Agreements and the WTO, Report of the Royal Institute of International Affairs, 2003;
BUSSE, Mathias. “Trade, Environmental Regulations and the World Trade
Organization: New Empirical Evidence”, Journal of World Trade Vol. 38, No 2, 2004,
pp. 285-306; WIERS, Jochem. Trade and Environment in the EC and the WTO, A Legal
Analysis, Europe Law Publishing, Groningen, 2003, entre otros.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 208
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

jerarquía intrínseca o superioridad de una fuente de producción jurídica


sobre otra4 a menos que este contemplada de forma expresa en su
instrumento, o que se pueda deducir de forma implícita de su contenido
normativo por medio de la actividad interpretativa.
Bajo este panorama, una de las discusiones más significativas que
se da en el marco del Derecho de la OMC son los efectos de las relaciones,
los solapamientos o las superposiciones normativas con los Acuerdos
Comerciales Regionales (en adelante ACR) que regulan procesos de
integración, que según Davey y Sapir generan situaciones calificadas de
“doble incumplimiento”, pues, vulneran tanto obligaciones de un ACR como
obligaciones de la OMC. Esto explica que los mecanismos de solución de
diferencias multilaterales y regionales tengan jurisdicción sobre la misma
medida5, y que se pueden activar de manera simultánea o sucedánea6.

4
En palabras de COMBACAU, la normativa internacional es relativa debido a que su
ámbito de aplicación varía de acuerdo a los compromisos de cada Estado. Cfr.
COMBACAU, Jean et SUR, Serge. Droit international public, Coll. Domat droit public,
8ème éd., Paris, Montchrestien, 2008, p. 26. Además, las normas internacionales de
ninguna manera se diferencian entre sí por su valor jurídico, sus efectos dependen
en última instancia de la voluntad o la aceptación de cada Estado. Para DUPUY, se trata
de un triple fenómeno de no-diferenciación o, más exactamente, de equivalencia: (a)
equivalencia de las normas jurídicas entre sí, (b) equivalencia de las normas para la
expedición de estas, y (c) equivalencia de las fuentes del derecho internacional entre
sí. Cfr. DUPUY, Pierre-Marie, Droit international public, 9é éd., Éd. Dalloz, 2008, pp. 15-
16.
5
DAVEY, William y SAPIR, André. “The Soft Drinks Case: The WTO and Regional
Agreements”, World Trade Review, Vol. 8, Nº 1, 2009, p. 23. El problema de la
superposición se refleja en la famosa disputa “MOX PLANT” que enfrenta a Irlanda y
Reino Unido por autorización del reprocesamiento de combustible nuclear en una
planta ubicada en el Mar de Irlanda, cuestión que fue impugnada en tres
jurisdicciones diferentes que operaban bajo tres regímenes internacionales
independientes.
6
Tal escenario, modifica el tradicional análisis individual de los instrumentos
internacionales, sus instituciones u órganos, llamando la atención sobre todo la
proliferación de mecanismos de solución de diferencias. Cfr. PAUWELYN, Joost.
“Bridging Fragmentation and Unity: International Law as a Universe of Inter-
connected islands”, Michigan Journal of International Law Vol. 25, summer 2004, p.
904. Asimismo, cfr., GRUPO DE ESTUDIO DE LA COMISIÓN DE DERECHO
INTERNACIONAL. “Fragmentación del Derecho internacional: dificultades derivadas
de la diversificación y expansión del Derecho internacional”, Naciones Unidas,

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
209 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Para encontrar algunas respuestas a los cuestionamientos de estas


relaciones, solapamientos o superposiciones es necesario analizar los
propios acuerdos de la OMC y de los ACR, e inclusive el Derecho
internacional general. Así lo entiende Pauwelyn, al señalar que:

[...] few if any will question today that WTO


agreements set out legally binding rules part of public
international law (PIL). The WTO is not some economic
bargain between governmental trade elites without
normative value. It is a legally binding treaty squarely
within the wider corpus of international law. As
compared to the original GATT, the WTO has, indeed,
been ‘legalized’ and, like the proverbial lost son, been
re-introduced into the broader family of PIL. During
this process the system had a lot to learn from PIL [...].
(PAUWELYN, 2014, p.1)

Lo anterior también se reconoce por el Órgano de Apelación de la


OMC, al expresar en el asunto Estados Unidos-Gasolina que el Derecho de la
OMC no se debe interpretar en forma “clínicamente aislada” de Derecho
internacional7. Se debe subrayar, además, que la influencia y la referencia
al Derecho internacional incluye los principios generales del derecho y las
normas relativas a la resolución de conflictos.
Con el propósito de delimitar el objeto de análisis de las
discusiones que se presentan en las relaciones entre el régimen jurídico de
la OMC y de los ACR, en este documento se centra en estudio de las normas
de “conflicto de jurisdicciones o competencia”8 incorporadas, primero, en

Documento A/CN.4/L.682, 2006, Asamblea General, 58 período de sesiones, 13 de


abril de 2006.
7
Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Estados Unidos – Pautas para la
gasolina reformulada y convencional (WT/DS2/AB/R), adoptado el 29 de abril de 1996,
p. 17.
8
Para ZAPATERO, los conflictos entre jurisdicciones internacionales pueden ocurrir
entre las decisiones (actos) o la jurisprudencia (actos reiterados) de diversos
procedimientos; además, existen tres tipos de conflictos posible: (a) entre el
contenido sustantivo de un determinado acto adoptado por un mecanismo de
solución de diferencias con un acto de otro mecanismo; (b) entre el contenido
sustantivo de un acto específico de un mecanismo de solución de diferencias con la

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 210
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

el Derecho de la OMC, y segundo, en los Tratados de Libre Comercio de:


América del Norte (TLCAN) de 1994, Chile y los Estados Unidos (en adelante
TLC Chile-EEUU) de 2004, la República Dominicana, Centroamérica y los
Estados Unidos (en adelante CAFTA-RD) de 2006, Perú y los Estados Unidos
(en adelante TLC Perú-EEUU) de 2009, Colombia y los Estados Unidos (en
adelante TLC Colombia-EEUU) de 2012 y Panamá y los Estados Unidos (en
adelante TLC Panamá-EEUU) de 2012; además, los Acuerdo de Asociación
Económica de: la Unión Europea y México (en adelante TLC México-UE) de
2000 y la Unión Europea y Chile (en adelante TLC Chile-UE) de 2005.
Agotado el mencionado estudio, se presentaran algunas reflexiones en
torno al valor que tiene el principio general del derecho de la cosa juzgada
o res judicata; y sí este principio permite dar respuesta a los vacíos y a las
limitaciones de las “normas de conflicto de jurisdicciones”.
Para entender mejor estas cuestiones, a continuación, se examinan
las normas de conflicto de jurisdicción del Derecho de la OMC y de los TLC
estadounidense y los TLC europeos, que pueden presentarse de dos
maneras: a.- cláusula de selección del foro, o b.- cláusula de exclusión del foro.

1. L A CL ÁUSUL A DE SELECCIÓN DEL FORO O EL


FORUM SHOPPING ENTRE L A JU RI SDICCIÓN
DE L A OMC Y L A JURIS DICCIÓN DE LOS TLC

Como bien lo advierte Kwak y Marceau, los conflictos de


jurisdicciones entre mecanismos de solución de diferencias que permiten
elegir entre diversos procedimientos pueden llevar a dificultades
relacionadas con el forum shopping, en especial, cuando las partes
contendientes tienen la posibilidad de optar entre dos órganos judiciales o
entre dos jurisdicciones diferentes por los mismos hechos, bien sea

jurisprudencia de otro; y (c) entre los contenidos sustantivos de jurisprudencia de


diferentes mecanismos de solución de diferencias. Cfr. ZAPATERO, Pablo, Derecho
del Comercio Global, Madrid, Civitas, 2003, p. 381.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
211 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

accionándolos en paralelo o en secuencia. Circunstancias que generan


problemas en dos niveles: que dos foros reclamen o se atribuyan la
“jurisdicción final” sobre el asunto, y que estos foros puedan llegar a
soluciones diferentes o incluso resultados opuestos.
La posibilidad de elegir foros o forum shopping9, en términos del
profesor Shany, es una manifestación legítima de la autonomía de una
parte, que contribuye a una mayor utilización de los sistemas judiciales, y
además es un efecto del llamado fenómeno de la fragmentación del
Derecho internacional que con frecuencia tiene diferentes puntos de
encuentro o interacción, entre ellos el ámbito de la solución de
controversias concurrentes, dando paso a la presencia de múltiples
procedimientos simultáneos o secuenciales10. Existen otras lecturas del
fenómeno, como la posición del profesor Zapatero, que entiende:

[...] la concurrencia de acuerdos internacionales, así


como la coordinación de sus respectivos
procedimientos de solución de diferencias como un
asunto complejo y, por ello, se hace difícil llegar a
articular un compromiso jurídico definitivo sobre las
“pasarelas” entre los sistemas jurídicos y
jurisprudenciales. (ZAPATERO, 2003, p. 231)

9
En el presente estudio se asume el concepto amplio de forum shopping, es decir, de
acuerdo a la definición que encontramos en Black's Law Dictionary, “when a party
attempts to have his action tried in a particular court or jurisdiction where he feels
he will receive the most favourable judgment or verdict”. Cfr. BLACK, Henry y
GARNER, Bryan, Black's Law Dictionary, 9th edn, West Publishing, 2009.
10
SHANY, Yuval. The Competing Jurisdictions of International Courts and Tribunals,
International Courts and Tribunals Series, Oxford University Press, 2004, p. 230 y ss.
De hecho, para algún sector de la literatura especializada del Derecho internacional
el auge y superposición de tribunales internacionales es un “luxury problem”, ante
todo bienvenido, ya que múltiples tribunales es mucho mejor que una ausencia total
de los mismos. Cfr. HIGGINS, Rosalyn. “A Babel of Judicial Voices? Ruminations from
the Bench”, International and Comparative Law Quarterly, Vol. 55, 2006; SREENIVASA
RAO, Pemmaraju. “Multiple International Judicial Forums: A Reflection of the
Growing Strength of International Law or its Fragmentation?”, Michigan Journal of
International Law, Vol. 25, 2004; KARAGIANNIS, Syméon. La Multiplication des
Juridictions Internationales : Un Système Anarchique ? Société Française pour le Droit
International ed., 2003.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 212
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Aún más crítica es la posición de Guillaume (ex presidente de la


Corte Internacional de Justicia), quien expresa su preocupación acerca de
la posibilidad de que el forum shopping pueda dar lugar a un “mercado”
impulsado por el deseo de competir entre los foros para ser el más
“popular”, que a su vez puede afectar negativamente a la calidad de las
decisiones judiciales.
Independientemente de la posición doctrinal que se asuma, para
hablar del forum shopping es necesario que se cumplan ciertas condiciones,
como son:
 Que las partes en conflicto se encuentren vinculadas por más de
un régimen jurídico internacional o ratione personae;
 Que las normas de estos regímenes regulen la misma cuestión de
fondo en controversia o, en otras palabras, que exista una
identidad ratione materiae, y finalmente,
 Que estas normas existan o interactúen al mismo tiempo, es decir,
una superposición ratione tempori.11
De las anteriores condiciones, la requiere más reflexión para
determinar si existe forum shopping entre el mecanismo de la OMC y los
procedimientos de los TLC estadounidense y europeos es la ratione
materiae12, en tanto que es posible encontrar cualquiera de las siguientes
situaciones:

11
Para profundizar en las condiciones que tiene el forum shopping, cfr. PAUWELYN,
Joost y SALLES, Luiz Eduardo. “Forum Shopping before International Tribunals: (Real)
Concerns, (Im) Possible Solutions”, Cornell International Law Journal, Vol. 42, 2009;
PIÉROLA, Fernando y HORLICK, Gary. “Dispute Settlement in the WTO and in ‘North-
South’ Agreements of the Americas: Considerations for the Choice of Forum”,
Journal of World Trade, Vol. 41, No. 5, 2007; SHANY, Yuval, The Competing
Jurisdictions of International Courts and Tribunals, cit., nota 15; PAUWELYN, Joost.
“Going Global or Regional or Both? Dispute settlement in the Southern African
Development Community (SADC) and Overlaps with other Jurisdictions”, Minnesota
Journal of Global Trade, Vol. 13, No. 2, 2004, pp. 231-304.
12
La primera (ratione personae) y tercera (ratione tempori) condición se explican por
sí mismas. Todos los Estados partes en un TLC estadounidense o europeo están
vinculados por los Acuerdos de la OMC e interactúan al mismo tiempo. El segundo
requisito (ratione materia) requiere más atención, pues depende de qué se entiende
por la “misma controversia”, ya sea controversia de iure o controversia de facto. Cfr.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
213 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

 Normas de los TLC que sean independientes de las normas de la


OMC, o, en otras palabras, las obligaciones, prohibiciones o
derechos de los TLC no se reconocen o no están reguladas por las
normas multilaterales.
 Normas de los TLC que van más allá de las normas incorporadas en
la OMC, o las llamadas disposiciones OMC-plus.
 Normas de los TLC que son una confirmación de las normas de la
OMC, donde se encuentran las normas de remisión.
 Normas de los TLC que están implícitamente extraídas de las
normas de la OMC, es decir, aquellas normas en los TLC que, sin
hacer un renvío a normas multilaterales, las reproducen
literalmente.
En este complejo catálogo normativo que se relacionan de
diferentes maneras entre sí, se pueden presentar potenciales conflictos
entre tratados y/o superposición de jurisdicciones13. Así, por ejemplo,
respecto a controversias en el primer y el segundo tipo de normas no hay
ningún problema, ya que tan sólo pueden ser juzgadas mediante los
procedimientos señalados en los TLC estadounidense y los TLC europeos.
Por el contrario, para las diferencias concernientes a las dos últimas normas
(que confirman o que reproducen normas de la OMC) existe la posibilidad
de elegir entre la jurisdicción de la OMC o la jurisdicción de los TLC antes
señalados.
Dicho esto, un punto de partida lógico para determinar el alcance
y las posibilidades del forum shopping es considerar los términos en que
cada TLC estadounidense y europeo bajo estudio regula estas normas de

PIÉROLA, Fernando y HORLICK, Gary, “Dispute Settlement in the WTO and in ‘North-
South’ Agreements of the Americas: Considerations for the Choice of Forum...., supra.
13
En la discusión de cuestiones de jurisdicción, la doctrina especializada utiliza a
menudo el término conflicto de manera intercambiable con superposición. Cfr.
PAUWELYN, Joost. “Going Global or Regional or Both, cit., nota 18, p. 231; KWAK,
Kyung y MARCEAU, Gabrielle. “Overlaps and Conflicts of Jurisdiction between the WTO
and RTAs, cit., nota 13, pp. 465-524; HENCKELS, Caroline. “Overcoming Jurisdictional
Isolationism at the WTO-FTA Nexus: A Potential Approach for the WTO”, The
European Journal of International Law, Vol. 19, No. 3, 2008.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 214
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

conflicto de jurisdicciones14. Sin duda, existe una regla general en estos


acuerdos: la incorporación de cláusulas de selección del foro; así se observa
en los artículos 2005.1 del TLCAN, 22.3(1) del TLC Chile-EEU, 20.3(1) del
CAFTA-RD, 21.3(1) del TLC Perú-EEUU y 21.3(1) del TLC Colombia-EEUU, en
los cuales se reproduce de manera análoga que:

[...] cualquier controversia que surja en relación con


estos tratados y cualquier otro acuerdo de libre
comercio al que las partes contendientes pertenezcan
o el Acuerdo sobre la OMC, la Parte reclamante podrá
elegir el foro para resolver la controversia.

Como se puede advertir los TLC estadounidenses establecen una


cláusula de carácter uniforme, redactada para no excluir ulteriores
mecanismos de solución de diferencias que, al mismo tiempo, permite que
las diferencias puedan resolverse mediante tres foros: a) el sistema de
solución de diferencias de la OMC, b) el propio mecanismo del acuerdo, y,
c) en otros procedimientos de cualquier acuerdo en el que las partes en
conflicto sean signatarias15.
Hay que precisar que la cláusula de selección del foro en el TLCAN
tiene algunas ambigüedades respecto a los demás TLC estadounidenses, ya
que en el párrafo 2 del artículo 2005 se regula que las diferencias se
resolverán “normalmente” en el marco del TLCAN cuando: a) La parte
demandada prefiere resolverla bajo el Capítulo XX y b) los fundamentos
invocables, tanto en el procedimiento de la OMC como del TLCAN, sean

14
Según el profesor MUS, mediante las normas de conflicto se determina la posición
jurídica de alguna o todos los preceptos del tratado negociado en relación con
algunas o todas las normas de otros tratados en vigor o futuros. Cfr. MUS, Jan B.
“Conflicts between Treaties in International Law”, Netherlands International Law
Review Vol 45, No 2, 1998, pp. 227-232.
15
Es necesario aclarar que el TLCAN en su artículo 2005.1 solamente regula dos foros,
es decir, los mecanismos del propio TLCAN y el sistema de solución de diferencias de
la OMC. Cfr. LEÓN STEFFENS, Avelino. “La elección del foro en el Tratado de Libre
Comercio de América del Norte y los resultados de la Ronda Uruguay del GATT”, en
LÓPEZ AYLLÓN, Sergio, El futuro del Libre Comercio en el Continente Americano,
análisis y perspectivas, Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), Instituto
de Investigaciones Jurídicas, México, 1997, pp. 305 y ss.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
215 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

“sustancialmente equivalentes” (Artículo 2005.2 del TLCAN). A pesar de la


ambigüedad en la redacción de la norma (concretamente en los enunciados
“normalmente” y “sustancialmente equivalentes”) la cláusula de selección
del foro, en la práctica, se aplica en aquellos todos los casos en que el TLCAN
no incorpora una cláusula especial de exclusión del foro, que impida acudir al
sistema de solución de diferencias de la OMC16. Estas cláusulas rigen para
los siguientes ámbitos:
 Sector agropecuario y medidas sanitarias y fitosanitarias (Sección
B del Capítulo VII,);
 Medidas relativas a normalización, concretamente, en las
diferencias sobre estándares relativos a la protección de la vida o
la salud humana, animal o vegetal, o del medio ambiente y,
además, cuestiones de hecho relacionadas con el medio ambiente,
la salud, la seguridad o la conservación, incluyendo las cuestiones
científicas directamente relacionadas (Capítulo IX); y
 Tratados en materia ambiental y de conservación (Artículo 104).
Estas cláusulas de foro exclusivo en el TLCAN no tienen, en
principio, ninguna ventaja para México, toda vez que limita sus
posibilidades de acudir al mecanismo de la OMC en los temas más
sensibles para el comercio.
La cláusula uniforme en los TLC estadounidenses determina que la
elección del foro únicamente corresponde a la “parte reclamante”, dado
que es en su escrito presentado ante a la Comisión (cuando las partes no
han logrado resolver el asunto por medio de las consultas) y,
posteriormente, en su escrito que incorpora el mandato o los términos de
referencia17 donde se define el alcance o la naturaleza de la controversia, al

16
El artículo 2005.3 del TLCAN regula cláusulas especiales de exclusión del foro que
dan “primacía” al mecanismo de la OMC en caso de que la parte demandada “[...]
solicite por escrito que el asunto se examine en los términos de este Tratado, la parte
reclamante podrá solo recurrir en lo sucesivo y respecto de ese asunto, a los
procedimientos de solución de controversias de este Tratado”.
17
El mandato o los términos de referencia tiene diferentes efectos jurídicos: (a)
moviliza el aparato institucional del procedimiento de solución de controversias
(dado que ni el panel o grupo arbitral ni la Comisión pueden iniciar este

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 216
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

identificar: quién origina la controversia (parte demandada), qué provoca el


incumplimiento de las obligaciones o la medida incompatible o qué anula
beneficios (objeto de la controversia) y dónde se dirime la solución de la
controversia (selección del foro)18. Lógicamente esta legitimación de la
“parte reclamante”, sólo procede para las controversias en los TLC
bilaterales, dado que la regla varía cuando se trata acuerdos plurilaterales
(como el TLCAN o CAFTA-RD)19.
Adicionalmente, estas cláusulas de selección del foro de los TLC
estadounidenses tienen una estructura de doble vía: “derecho-deber”. Por
un lado, otorga a la parte reclamante la posibilidad de elegir el foro que más
le convenga para solucionar su controversia y, por otro, le exige que una
vez se haya decidido por un foro no podrá acudir a otro u otros foros para
resolver la misma controversia. Es importante aclarar que, para efectos de
aplicar estas cláusulas, las consultas en los procedimientos de solución de
controversias de los TLC en estudio no son consideradas como una
actuación contenciosa, por tanto, la posibilidad de elegir el foro no finaliza

procedimiento); (b) delimita el alcance o naturaleza de la controversia, es decir,


define el objeto (la medida u otro asunto que origina la reclamación e indica las
disposiciones del Tratado que considere aplicables) y sujetos procesales (determina
quienes son la parte reclamante y la parte demandada), y (c) radica la competencia o
la vía procesal, por la cual se resuelve la controversia. Cfr. TOLE MARTÍNEZ, Julián.
Solución de controversias en los TLC. Aportes del Derecho de la OMC, Universidad
Externado de Colombia, Bogotá, 2014.
18
Según el profesor WITKER en el Derecho procesal general y en los mecanismos de
solución de controversias el factor objetivo constituye uno de los criterios
orientadores más importantes para atribuir la competencia. Cfr. WITKER, Jorge.
“Panorama general de solución de controversias en el comercio internacional
contemporáneo”, en WITKER, J. (Coord.): Resolución de controversias comerciales en
América del Norte, Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de
Investigaciones Jurídicas, México, 1997, p. 36.
19
En efecto, cuando una controversia se presenta en un TLC plurilateral los países
demandantes deben realizar consultas con el fin de convenir un foro único. Si las
partes no llegan a un acuerdo el procedimiento a seguir será según los términos del
TLC. Cfr. artículo 2005.2 TLCAN.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
217 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

hasta que la “parte reclamante” recurra a la Comisión 20 o solicite el


establecimiento del panel21.
Al igual que en los TLC estadounidenses, los TLC europeos
incorporan la cláusula de selección del foro; por ejemplo, el párrafo 4 del
artículo 189 del TLC Chile-UE señala que:

[...] a) Si una Parte pretende reparar el incumplimiento


de una obligación en virtud del Acuerdo de la OMC,
deberá recurrir a las normas y procedimientos
correspondientes del Acuerdo de la OMC, las cuales
serán aplicables no obstante lo dispuesto en el
presente Acuerdo.
b) Si una Parte pretende reparar el incumplimiento de
una obligación en virtud de esta Parte del Acuerdo,
deberá recurrir a las normas y procedimientos del
presente Título”.

En esta cláusula del TLC Chile-UE22 las partes en la controversia


pueden elegir, de acuerdo con la fuente de la obligación que genera la
disputa, tanto el procedimiento de la OMC como el mecanismo de este TLC;
asimismo, su elección se encuentra limitada por un deber: iniciado el
procedimiento en uno de los foros, no se podrá recurrir al otro.

20
Artículo 2005.6 del TLCAN. Para profundizar en el tema, cfr. OJADA DE KONING,
Rodrigo. “Solución de controversias conforme al artículo 2005 del TLCAN tras la
Ronda Uruguay”, Memoria del XIX Seminario Internacional de Derecho Internacional
Privado y Comparado, Universidad de Guanajuato, 1998, p. 277.
21
Artículo 22.3 (2) del TLC Chile-EEUU, artículo 20.3 (2) del CAFTA-RD, artículo 21.3
(2) del TLC Perú-EEUU y artículo 21.3 (2) del TLC Colombia-EEUU.
22
Respecto a la posición chilena sobre la cláusula de selección del foro, el informe
emitido por la Cámara de Diputados de Chile se señala lo siguiente: “[m]uchas de
estas áreas son similares a las de la OMC. Son ‘OMC compatibles’ y en algunas áreas
son simplemente ‘reproducción de la OMC’, en tanto son necesarias para el
cumplimiento de lo acordado bilateralmente, que va más allá de la OMC”. Cfr.
CÁMARA DE DIPUTADOS DE CHILE. “Informe de la Comisión de Relaciones
Exteriores, Asuntos Interparlamentarios e Integración Latinoamericana de la Cámara
de Diputados de Chile, sobre el proyecto de acuerdo aprobatorio del Acuerdo por el
que se Establece una Asociación entre la República de Chile, por una parte, y la
Comunidad Europea y sus Estados Miembros por la otra”, Boletín 3147-10.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 218
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Por otro lado, también es posible encontrar una cláusula de


exclusión del foro en el párrafo 4 del artículo 189 del TLC Chile-UE, al señalar
que:

[…]a menos que las Partes acuerden otra cosa, si una


Parte pretende reparar el incumplimiento de una
obligación en virtud de esta Parte del Acuerdo que sea
en esencia equivalente a una obligación en virtud de la
OMC, deberá recurrir a las normas y procedimientos
correspondientes del Acuerdo de la OMC, que serán
aplicables no obstante lo dispuesto en el presente
Acuerdo23.

Como se puede advertir, el TLC Chile-UE limita la libertad de


selección del foro de la parte reclamante y dota al mecanismo multilateral
de cierta “primacía” frente al mecanismo bilateral, siempre que se trate de
una controversia donde concurran dos elementos:
 La voluntad de las partes contendientes (quienes tienen un
margen de acción para acordar resolver el asunto conforme al TLC
Chile-UE, sin recurrir al sistema de solución de diferencias de la
OMC), y
 la naturaleza de las obligaciones en conflicto, “en esencia
equivalente”, que hasta el momento la jurisprudencia de la OMC
no ha logrado aclarar la ambigüedad de este tipo de enunciados24.
En cuanto al TLC México-UE determina en el párrafo 4 del artículo
47 de la Decisión No. 2 de 2000 y en el párrafo 2 del artículo 43 de la
Decisión No. 2 de 2001 del TLC México-UE, que:

[…] El recurso a las disposiciones del procedimiento


de solución de controversias establecido en este título

23
Artículo 189.4 (c) del TLC Chile-UE.
24
Desde la perspectiva de DELPIANO “[s]i bien no existe aún un criterio definido para
entender cabalmente la expresión ‘en esencia’, seguramente habrá de entenderse
como aquella medida que provocaría el mismo perjuicio, tanto en la normativa OMC
como en la normativa del TLC. Cfr. DELPIANO LIRA, Cristián, “La cláusula de exclusión
de foros del Acuerdo de Asociación entre Chile y la Unión Europea en el mecanismo de
solución de controversias de la OMC, cit., nota 32, p. 268.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
219 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

será sin perjuicio de cualquier acción posible en el


marco de la OMC, incluyendo la solicitud de un
procedimiento de solución de controversias.

Nuevamente esta cláusula de selección del foro del TLC México-UE


reproduce el deber de las partes en la controversia de una vez se haya
escogido un foro o procedimiento no se podrá acudir a otro u otros. Desde
la perspectiva chilena25 y mexicana26 está “opción única y definitiva”
parecería obvia y simple (tal como se establece en la mayoría de TLC
estadounidense), no obstante, fue preciso un importante esfuerzo en las
negociaciones con la Unión Europea ya que, en otros acuerdos previos, los
países europeos tradicionalmente mantienen abiertas todas las vías o foros
de solución de controversias de una manera alternativa y simultáneamente.
Ahora, una de las cláusulas de selección del foro más clara se
encuentra en el párrafo 2 del artículo 310 del TLC Andino-UE, que a la letra
reza:

[…] Las controversias relativas a una misma medida


que surjan en virtud de este Acuerdo y en virtud del
Acuerdo sobre la OMC, podrán ser resueltas de
conformidad con este Título o con el ESD a discreción

25
El informe emitido por la Comisión de Relaciones Exteriores, Asuntos
Interparlamentarios e Integración Latinoamericana de la Cámara de Diputados de
Chile, a propósito de la regla de exclusión de foros subraya que: “[p]or primera vez
en la Unión Europea aceptaron cierta lógica de opción única y definitiva. Pero en los
temas que son propiamente OMC, se irá directamente a la OMC. En los temas que
sean sustancialmente equivalentes a la OMC, se decidirá caso a caso si se lleva a lo
bilateral o a la OMC. Los temas que sea solamente bilaterales van al acuerdo
bilateral”. Cfr. CÁMARA DE DIPUTADOS DE CHILE, “Informe de la Comisión de
Relaciones Exteriores, supra, p. 43.
26
En este sentido, el profesor CRUZ MIRAMONTES apunta que “(…) tuvimos la
oportunidad de manifestar inmediatamente nuestro rechazo a la pretensión de los
europeos de manejar un mismo asunto al mismo tiempo en dos foros: en el de la OMC
y en el que se estableciese en el TLCEU. Difícilmente entendimos en ese momento
cómo es que solicitaban algo que constituía una aberración jurídica. (…) Nuestra
opinión prevaleció; sin embargo, (…) no significó necesariamente que hayamos
obtenido un éxito”. Cfr. CRUZ MIRAMONTES, Rodolfo. Las Relaciones Comerciales
Multilaterales de México y el Tratado de Libre Comercio con la Unión Europea, Instituto
de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, México
DF, 2003, p. 196.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 220
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de la Parte reclamante. No obstante, cuando una


Parte haya solicitado el establecimiento de un grupo
especial de conformidad con el artículo 6 del ESD o un
grupo arbitral de conformidad con el artículo 303,
dicha Parte no podrá iniciar otro procedimiento sobre
la misma cuestión en el otro foro, excepto cuando el
órgano competente en el foro escogido no adopte
una decisión sobre el fondo de la cuestión por razones
de procedimiento o jurisdicción”.

Esta cláusula contiene la obligación del Grupo Arbitral de decidir


sobre el “fondo” de la controversia, para ello es necesario que la decisión
cumpla con determinadas características como ser razonable, congruente y
fundada en derecho, especialmente en los preceptos del TLC.
Adicionalmente, el artículo 310.3 del TLC Andino-UE establece que:

“Las Partes entienden que dos o más controversias


versan sobre una misma cuestión, cuando involucren a
las mismas partes en la controversia, se refieran a la
misma medida y versen sobre la misma violación
sustancial”.

Una novedad importante de este precepto es que admite un


concepto amplio de diferencias, o controversia de facto, que se delimita en
función de la “medida comercial” u “otras cuestiones” que son objeto de la
diferencia, sin restringir esta noción al “fundamento jurídico” o norma
concreta del instrumento señalada en el mandado o en los términos de
referencia (una controversia de iure).
En definitiva, la efectividad de los mecanismos de solución de
diferencias, así como sus deficiencias o lagunas de las normas de conflicto
de jurisdicciones, tienen un papel esencial a la hora de elegir el foro. Es por
esto, que resulta necesario hacer un breve comentario sobre el grado de
eficacia o las dificultades en la aplicación de esta norma de conflicto
regulada en los TLC estadounidenses y europeos, pues a primera vista
parecería que la estructura de la cláusula de selección de foro sería
razonablemente eficaz para resolver los conflictos jurisdiccionales entre la

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
221 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

OMC y los TLC estadounidenses y europeos dado que sus objetivos son
prevenir procedimientos paralelos (parallel proceedings) y procedimientos
sucesivos (relitigation). No obstante, en la práctica se presentan diferentes
problemas en su aplicación; así, por ejemplo, una cuestión clave, que limita
la eficacia de la cláusula de selección del foro o del fórum shopping, se
encuentra en que sólo se aplica a los procedimientos en relación con la
“misma controversia” o la identidad ratione materiae.
El alcance de esta limitación dependerá de cómo los Grupos
Especiales y el Órgano de Apelación de la OMC o de cómo los paneles de
los TLC estadounidenses o europeos interpreten el término “controversia”.
Para resolver estas cuestiones, generalmente se parte de la distinción entre
un concepto restrictivo o controversia de iure, que se define por el
fundamento jurídico señalado en el mandado o los términos de referencia,
y uno más amplio o controversia de facto, que se delimita en función de la
medida comercial u otras cuestiones que son objeto de la diferencia. De
modo que si alguno de los órganos resolutorios, ya sea de la OMC o de los
TLC, interpreta el término controversia en un sentido restrictivo, la cláusula
de selección del foro será ineficaz, puesto que los alegatos jurídicos de
violación o incumplimiento de las obligaciones convencionales específicas
no serán las mismas.
Desafortunadamente, la jurisprudencia de la OMC arroja muy poca
luz respecto al predominio de los dos conceptos: de facto o de iure. Un
ejemplo del este aserto se encuentra en el asunto Brasil - Programa de
financiación de la exportación para Aeronaves, que para determinar si se
habían celebrado consultas en relación con la “misma controversia” en dos
asuntos, el órgano resolutorio de la OMC examinó si se trataba de la misma
práctica27. Bajo tal interpretación se puede inferir que para determinar en

27
Textualmente el Grupo Especial señaló que “(…) consideramos que las consultas y
la solicitud de establecimiento se relacionan fundamentalmente con la misma
‘diferencia’, porque se refieren esencialmente a la misma práctica, es decir, el pago
de subvenciones a la exportación en el marco del PROEX”. Cfr. Informe del Grupo
Especial, en el asunto Brasil - Programa de financiación de las exportaciones para
aeronaves (WT/DS46/R), adoptado el 14 de abril de 1999, párrafo 7.11

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 222
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

qué casos dos diferencias son las “mismas” es importante mirar más allá de
si el asunto legal o los fundamentos jurídicos (controversia de facto) son
idénticos, es decir, se aplica un concepto amplio de la controversia de iure.
Empero, en otras decisiones los órganos resolutorios de la OMC
han cambiado su posición aplicando un enfoque legalista o restrictivo,
como se puede observar en el asunto India - Medidas que afectan al sector
del automóvil, donde el Grupo Especial incorporó a su interpretación la
noción de cosa juzgada para determinar si la controversia en cuestión era la
“misma” en comparación con un pronunciamiento anterior,
específicamente, el asunto India - Restricciones cuantitativas. Estas
referencias mínimas fundadas en la cosa juzgada, definen el alcance del
enunciado la “misma controversia” a partir de la identidad de las medidas
concretas en litigio y los mismos fundamentos jurídicos, adoptando la
noción de controversia de iure.
Otro problema de la eficacia de la cláusula de selección del foro en
los TLC estadounidenses o europeos se encuentra en que difícilmente
podrá ser aplicada o respetada por los órganos resolutorios de la OMC28, ya
que el artículo 3.7 del ESD de la OMC establece como objetivo del
mecanismo de solución de diferencias “conseguir la supresión de las
medidas de que se trate si se constata que estas son incompatibles con las
disposiciones de cualquiera de los acuerdos abarcados”. Este enunciado
tiene implicaciones concretas para esta cláusula29, pues el Derecho de la

28
En este sentido, TRACHTMAN manifiesta que la voluntad de los negociadores del ESD
no fue establecer una jurisdicción que pudiera aplicar cualquier norma como derecho
sustantivo, sino sólo el Derecho de la OMC. Adicionalmente, el autor considera que
el tenor del ESD “[...] leaves no room for defenses based on another law”, y que “(…)
references to respect for the covered agreement, and consistency with the covered
agreements and their objectives in Articles 3.4, 3.5, 3.7, 3.8, 19.1, 22.2 and 22.9 of the
DSU would be absurd if other international law were applicable”. Cfr. TRACHTMAN,
Joel. “Jurisdiction in WTO dispute settlement”, en YERXA, R. y WILSON, B. (Eds.): Key
Issues in WTO Dispute Settlement: The First Ten Years, Cambridge University Press,
2005, pp. 138-139.
29
Existen otras normas del Derecho de la OMC que dificultan la aplicación de la
norma de conflicto de los TLC, como por ejemplo el artículo 7 del ESD que establece
el denominado “mandato de los grupos especiales”, el cual exige: “Examinar, a la luz
de las disposiciones pertinentes (del acuerdo abarcado [de los acuerdos abarcados]

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
223 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

OMC incorpora de manera directa y clara una obligación para los Grupos
Especiales y el Órgano de Apelación: analizar si la medida de que se trata es
compatible o no con los “acuerdos abarcados”, excluyendo de este examen
las medidas que sean incompatibles con disposiciones que no se
encuentren en dichos acuerdos.
Sobre esta base jurídica se podría argumentar que la aplicación de
la cláusula de selección del foro incorporada en los TLC excedería las
funciones de los Grupos Especiales y el Órgano de Apelación de la OMC. De
ahí que, como mínimo resulte cuestionable plantear la posibilidad de que
uno de estos órganos resolutivos multilateral decline su jurisdicción
teniendo como fundamento jurídico de su decisión una norma del TLC30.
Esta posición restrictiva del ESD es compartida por un amplio sector de la
literatura especializada y por la propia jurisprudencia de la OMC, pues
consideran que las controversias en materia comercial presentadas ante el
régimen jurídico de la OMC serán resueltas exclusivamente por el
mecanismo multilateral (artículo 23 del ESD), con el objeto de preservar sus
derechos y obligaciones, y de otorgar a este régimen la seguridad y
previsibilidad necesarias31.

que hayan invocado las partes en la diferencia), el asunto sometido al OSD por
(nombre de la parte) en el documento […] y formular conclusiones que ayuden al
OSD a hacer las recomendaciones o dictar las resoluciones previstas en dicho
acuerdo (dichos acuerdos)”. Otros ejemplos, son los artículos 7.2, 11 y 17.6 del ESD.
30
No se puede desconocer que las normas del ESD dificultan la incorporación y
aplicación de otras normas de Derecho internacional, en particular de los TLC
estadounidenses y europeos, puesto que “la operatividad práctica de las fuentes del
Derecho internacional dentro del mecanismo de solución de diferencias de la OMC
se ve influida o afectada por el modelo de norma aplicable que se le ha asignado”.
Cfr. ZAPATERO, Pablo, Derecho del Comercio Global, cit., nota 12, p. 76.
31
En tal contexto, vale la pena recordar, que esta es una interpretación desde un
enfoque restrictivo de la norma aplicable en la OMC, la cual entiende que el ESD
discurre en todo su cuerpo normativo sobre la idea de que cualquier asunto sometido
al conocimiento de un Grupo Especial o del Órgano de Apelación deben ser resueltas
aplicando las disposiciones de los acuerdos abarcados, en principio, sin incluir en ellas
disposiciones más amplias de Derecho internacional. Cfr. TRACHTMAN, Joel. “The
Domain of WTO Dispute Resolution”, Harvard International Law Journal, Vol. 40,
spring, 1999, pp. 342 a 349; KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field
of International Law”, Netherland Yearbook of International Law, Vol. XXV, 1994;

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 224
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Para profundizar en estas cuestiones, en el siguiente apartado se


examina la cláusula de exclusión del foro regulada por el Derecho de la OMC,
la cual limita e incluso puede anular la eficacia de la cláusula de selección del
foro de los TLC estadounidenses y europeos.

2. L A CL ÁUSUL A DE EXCLUSIÓ N DEL FORO EN


LA JURI SDI CCIÓ N OMC COMO UN A
PROHI BICIÓN DEL FORU M SHOPPI NG

Aunque la mayoría de los acuerdos comerciales prevén diferentes


normas de conflicto entre jurisdicciones que tratan de impedir la posible
superposición o sucesión de estos foros32, parece ineludible que el propio
sistema de solución de diferencias de la OMC, y cada uno de los TLC
estadounidenses y europeos contemplen un mecanismo que se convierte,
parafraseando a Zapatero, en el “[...] vértice jurisdiccional de su particular
pirámide jurídica”. No es de extrañar, por tanto, que la OMC regule un
procedimiento de solución de diferencias de naturaleza cuasi-automática y
obligatoria. Esta naturaleza se puede comprobar en el párrafo 1 del artículo

MARCEAU, Gabrielle, “Conflicts of Norms and Conflicts of Jurisdictions, cit., nota 2;


entre otros.
32
Hoy por hoy las relaciones entre los procedimientos de solución de controversias
en el orden jurídico internacional no acostumbran crear estructuras de coordinación
efectiva, ya sea de forma horizontal o verticalmente. En este sentido, JENNINGS
comenta que “[t]here is no kind of structured relationship between most of them.
There is not even the semblance of any kind of hierarchy or system. They have
appeared as need or desire or ambitions promoted yet another one. In this particular
respect, contemporary international law is just a disordered medley”. Cfr. JENNINGS,
Robert. “The Judiciary, International and National, and the Development of
International Law”, International and Comparative Law Quarterly Vol. 45, No. 1, 1996.
Para profundizar en estos temas, cfr. ZAPATERO, Pablo. “Modern International Law
and the Advent of Special Legal Systems”, Arizona Journal of International &
Comparative Law, Vol. 23, No. 1, 2005, p. 73; ABI-SAAB, Georges. “The Proliferation
of Adjudicatory Bodies: Dangers and Possible Answers, Implications of the
Proliferation of International Adjudicatory Bodies for Dispute Resolution”, ASIL
Bulletin: Educational Resources on International Law, Vol. 9, 1995, p. 21.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
225 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

23 del ESD, que contiene la cláusula de exclusión del foro33 a favor del
mecanismo multilateral cuando se trate de cualquier asunto de
interpretación o aplicación de su régimen jurídico34, salvo en los casos de
arbitraje autorizado por el ESD y bajo el control del Órgano de Solución de
Deferencias35. Simplemente, con el hecho de que un Miembro alegue que
una medida ha generado un “[...] incumplimiento de obligaciones u otro tipo
de anulación o menoscabo de las ventajas resultantes de los acuerdos
abarcados, o un impedimento al logro de cualquiera de los objetivos de los
acuerdos abarcados”36, tiene derecho a iniciar el procedimiento,

33
La cláusula de exclusión del foro adquiere especial relevancia en el actual contexto
del Derecho internacional privado y del Derecho internacional, cada vez más
fragmentado, con un mayor número de acuerdos y de procedimientos para resolver
diferencias. Para entender mejor esta cuestión, cfr. VON MEHREN, Taylor. “Theory
and Practice of Adjudicatory Authority in Private International Law: A Comparative
Study of the Doctrine, Policies and Practices in Common- and Civil-Law Systems”,
Recueil des Cours / Collected Cours of the Hague Academic of International Law, Vol.
295, 2002; FAWCETT, James (Ed.). Declining Jurisdiction in Private International Law,
Oxford Monographs in Private International Law, 1995.
34
El artículo 23 del ESD materializa la intención de las partes de fortalecer el régimen
multilateral del comercio, estableciendo la obligación a los Estados miembros de
recurrir al mecanismo de solución de diferencias, lo cual ha sido interpretado por la
jurisprudencia como una “cláusula exclusiva para la resolución de diferencias”. Cfr.
Informe del Grupo Especial, en el asunto Estados Unidos – Artículo 301 a 310 de la Ley
de Comercio Exterior de 1974 (WT/DS152/R), adoptado el 22 de diciembre de 1999,
párrafo 7.43. Regularmente destacado por la literatura especializada como uno de
los cambios significativos introducidos por la Ronda Uruguay. Cfr. KESSIE, Edwini.
“Enhancing Security and Predictability for Private Business Operators under the
Dispute Settlement System of the WTO”, en Journal of World Trade, Vol. 34 N° 6,
2000, p. 1.
35
En este caso, OLIVEIRA señala que: “(…) the arbitral report, since it is issued within
the WTO rules, could be enforced by the DSB. It remains to be seen what would be
the treatment given to it in practice and if an arbitral report would have the same
legal status as panel reports. (…) In addition, both TRIPS (Art. 64) and the SPS
Agreement (Art. 11) expressly foresee the possibility of referring disputes to other
international organizations or other means of peaceful settlement of disputes for
claims based on their provisions”. Cfr. OLIVEIRA, Barbara. “The Relation between
WTO Law and Public International Law: The applicable law in Dispute Settlement at
the WTO”, University College London LLM Programme, 2005, p. 9, disponible en: SSRN:
http://ssrn.com/abstract=903052
36
Artículo 23.1 del ESD de la OMC. Como se puede observar, el régimen multilateral
del comercio establece un sistema de solución de diferencias de autoreferencia que,
según LIÑÁN NOGUERAS, “(…) continúa siendo un modelo con tendencia autónoma,

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 226
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

excluyendo así la competencia de cualquier otro foro o mecanismo para


examinar las reclamaciones por violación del régimen de la OMC37.
Otro ejemplo de la naturaleza cuasi-automática y obligatoria se
encuentra en el párrafo 1 del artículo 2 del ESD, que reconoce al sistema de
solución de diferencias de la OMC como un “elemento esencial para aportar
seguridad y previsibilidad al sistema multilateral de comercio”, y agrega
que “[l]as recomendaciones y resoluciones del OSD no pueden entrañar el
aumento o la reducción de los derechos y obligaciones establecidos en los
acuerdos abarcados”. Así, una consecuencia que podría extraerse de la
norma transcrita es que cualquier decisión que declinara la jurisdicción del
OSD en favor de la jurisdicción de un TLC podría acarrear la reducción de los
derechos y obligaciones, dado que estos son determinados en los
“acuerdos abarcados” y no en otras normas otras normas del Derecho
internacional38.

manteniéndose implícitamente la no aplicación de un eventual recurso a los medios


de solución de controversias externas a la OMC”, de ahí que para este autor el
mecanismo multilateral representa “(…) uno de los más notorios exponentes de las
tendencias ‘funcionalizadoras’ de los sistemas de solución de controversias, esto es,
de la tendencia a estructurar sistemas propios para un ámbito más o menos concreto
de relaciones internacionales”. Cfr. LIÑÁN NOGUERAS, Diego Javier. “El Derecho
Económico Internacional (II): El comercio Internacional”, en DÍEZ DE VELASCO
VALLEJO, Manuel, Instituciones de Derecho Internacional, 16ta Edición, Tecnos,
Madrid, 2007, p. 634
37
En efecto, un Miembro de la OMC tiene derecho a iniciar el procedimiento cuasi-
automática, no tienen la obligación de demostrar un interés económico específico o
jurídico, ni presentar ninguna prueba de la repercusión en el comercio de la medida
impugnada con el fin de iniciar el mecanismo de solución de diferencias (artículo 3.8
del ESD). A este respecto, la profesora STEGER argumenta que el artículo 23 debe
interpretarse en el sentido de que el ESD tiene “(…) not only compulsory jurisdiction
over matters arising under the covered agreements, [but that] it also [has] exclusive
jurisdiction over such matters”. En consecuencia, una vez que se realice la solicitud
de un grupo especial o del Órgano de Apelación, este órgano resolutorio se establece
automáticamente y su fallo es jurídicamente vinculantes para las partes. Cfr. STEGER,
Debra. “The Jurisdiction of the World Trade Organization”, American Society of
International Law Proceeding, Vol. 98, 2004, pp. 142-143.
38
Este argumento se encuentra en el Informe del Órgano de Apelación, en el asunto
México-Medidas fiscales sobre los refrescos y otras medias (WT/DS308/AB/R),
adoptado el 6 de marzo de 2006, párrafo 53. Adicionalmente se debe tener en cuenta
el artículo 2.4 del ESD, el cual señala que las recomendaciones o resoluciones del OSD
“tendrán por objeto lograr una solución satisfactoria de la cuestión, de conformidad

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
227 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Ser el vértice jurisdiccional de su particular pirámide jurídica genera


un nuevo matiz de complejidad, que se relaciona con las cuestiones de
superposición o conflicto de jurisdicción y, en últimas, con el tema de la
jerarquía de las normas de Derecho Internacional. De ahí que la cláusula de
exclusión del foro de la OMC es, para el profesor Trachtman, una asignación
horizontal de la competencia39 que constituye una expresión de la
importancia que los Miembros de la OMC dan su régimen jurídico.
De la cláusula de exclusión del foro se pueden extraer dos
cuestionamientos importantes que se presentan en las relaciones entre los
procedimientos de solución de diferencias de la OMC y d los TLC en estudio:
primero, ¿será suficiente con invocar la norma de conflicto entre
jurisdicciones que determine el foro en los TLC estadounidenses o europeos
para que un Grupo Especial o el Órgano de Apelación declinen su
competencia o suspendan un procedimiento ante el foro de la OMC?, y
segundo, ¿cómo puede el artículo 23 del ESD de la OMC y su proceso casi-
automático ser compatible con la preferencia o, en algunas circunstancias,
la exclusividad dada al mecanismo de solución de controversias de uno de
estos TLC, cuando se trate de obligaciones que son similares en estos dos
regímenes?
Estos interrogantes no tienen una respuesta única, tan solo es
posible aducir, desde un punto de vista estrictamente normativo, que el

con los derechos y las obligaciones dimanantes del presente Entendimiento y de los
acuerdos abarcados”, de ahí que dichas las resoluciones no deben anular ni
menoscabar las ventajas resultantes de los acuerdos abarcados para ninguno de los
miembros.
39
En términos de TRACHTMAN una asignación horizontal de la competencia también
tendría diferentes complicaciones jurídicas que ponen en entre dicho la validez de la
prioridad o la exclusividad de una jurisdicción sobre otra, ya que los TLC
estadounidenses y europeos a la luz del Derecho internacional, como cualquier
tratado, disfrutan del mismo status jurídico y son regímenes independientes a la
OMC. De manera que en caso de presentarse una controversia entre Estados, que
sean al mismo tiempo parte de la OMC y de un TLC, podrían activar cualquiera de sus
mecanismos en forma paralela o sucedánea y, por tanto, dos foros y sus órganos
resolutivos tendrían competencia para reclamar la jurisdicción final sobre el asunto,
con la posibilidad de que lleguen a diferentes, o incluso, decisiones contradictorias.
Cfr. TRACHTMAN, Joel, “Institutional linkages: Transcending ‘Trade and…’”, the
American Journal of International Law, Vol.96, No.1, 2002, p. 79.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 228
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

artículo 23 del ESD contiene una cláusula específica que excluye otras
jurisdicciones para solucionar cualquier controversia sobre violaciones o
incumplimiento del Derecho de la OMC40. En tal sentido, el profesor
Fernández Pons señala que “[...] no es fácil que una jurisdicción creada con
el específico cometido de preservar los derechos y las obligaciones
dimanantes de los acuerdos de la OMC llegue a aplicar [...] otras normas
internacionales sobre las previsiones de los acuerdos abarcados” 41.
Asimismo, otro sector de la literatura especializada, particularmente
Marceau, opina que:

[…] Article 23 of the DSU reflects the clear intention


of WTO Members to ensure that WTO adjudicating
bodies can always exercise exclusive jurisdiction on
any WTO-related claim. The WTO forum is always a
‘convenient forum’ for any WTO grievance; in fact, it
seems to be the exclusive forum for WTO matters42.

Tan es así que esta autora subraya que “[t]he WTO will thus often
“attract” jurisdiction over disputes with (potential) trade effects even if
such disputes could also be handled in fora other than that of the WTO” 43.
Igualmente, Pauwelyn entiende que:

40
Gran parte de la literatura especializada y la jurisprudencia de la OMC entiende que
el artículo 23 del ESD busca que las controversias en materia comercial sean resueltas
exclusivamente por la OMC, con el objeto de otorgar al régimen multilateral de
comercio la seguridad y previsibilidad necesarias. En esta línea, KUYPER ha comentado
que “(…) el carácter cerrado del sistema ha sido reforzado por las nuevas
disposiciones del artículo 23 del ESD. Este artículo enfatiza fuertemente que los
Miembros de la OMC deben buscar reparación a las violaciones de obligaciones bajo
la OMC y sus anexos solo a través del sistema de solución de controversias del DSU y
deben suspender concesiones u otras obligaciones solo en concordancia con las
normas del DSU”. Cfr. KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field of
International Law, cit., nota 43, p. 251.
41
FERNÁNDEZ PONS, Xavier, La OMC y el Derecho Internacional. Un estudio sobre el
sistema de solución de diferencias de la OMC y las normas secundarias del Derecho
internacional general, Marcial Pons, Barcelona, 2006, pp. 156 y ss.
42
KWAK, Kyung y MARCEAU, Gabrielle, “Overlaps and Conflicts of Jurisdiction
between the WTO and RTAs, cit., nota 13, p. 8.
43
Ibídem, p. 3.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
229 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

[…]much like a vacuum cleaner sucks up its


surrounding environment; the new, compulsory and
fully automatic WTO dispute settlement system can
suck up just about any dispute that is even
tangentially related to trade. Any WTO Member has
the full and automatic right to sue any other WTO
Member about any alleged trade restriction.

Tanto Marceau como Pauwelyn tienen la razón cuando señalan


que la amplitud de la competencia del ESD de la OMC significa que es
posible “attract” o “suck up” la jurisdicción sobre muchas controversias
comerciales. Pero, esto no implica que la competencia del procedimiento
de la solución de diferencias de la OMC sea tan amplia como esta
terminología podría sugerir, ya que el artículo 23 del ESD no puede prohibir
a los órganos resolutorios establecidos por los TLC, o cualquier otro
tratado, conocer una controversia de su competencia o suspender un
procedimiento sobre las reclamaciones derivadas de sus propias
disposiciones que se ejecutan en paralelo o se solapan con las normas de la
OMC44. El procedimiento de solución de diferencias de la OMC no está
diseñado para ser el único foro. Se trata, por el contrario, de jurisdicciones
horizontales que no están subordinadas entre sí, es por esto que la
jurisprudencia o las decisiones de los órganos resolutorios de la OMC y del
TLC pueden no sólo colisionar, sino también competir entre sí. No obstante,
esta observación jurídica, en la práctica parece poco probable que un Grupo
Especial o el Órgano de Apelación de la OMC pueda negarse a ejercer su
jurisdicción sobre una controversia basándose en la aplicación de una
cláusula de selección del foro, incluso cuando la disputa pudiera ser
interpretada como “engañosa”.

44
GRAEWERT, Tim. “Conflicting Laws and Jurisdictions in the Dispute Settlement
Process of Regional Trade Agreements and the WTO”, Contemporary Asia Arbitration
Journal, No. 1, 2008, p. 293-294. Asimismo, SHANY observa que: [...] Article 23 of the
DSU does not explicitly preclude referring disputes about the “interpretation” of
WTO-covered agreements to an external court or tribunal. Cfr. SHANY, Yuval. “The
Competing Jurisdictions of International Courts and Tribunals, cit., nota 15, p. 184.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 230
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Retomando el análisis de las posiciones de Marceau y Pauwelyn, se


haya conclusiones diametralmente opuestas de acuerdo con el enfoque
que cada uno asume. Por un lado, Pauwelyn sostiene enfáticamente que las
cláusulas de selección o exclusión del foro de los TLC podrían ser aplicadas
por los órganos resolutorios de la OMC, alegando que:

[…]in the end, applying such clauses is nothing


extraordinary. All that one would then be doing is
giving effect to the explicit agreement between the
disputing parties themselves [...] On the contrary, to
not give effect to such FTA forum exclusion clauses
would go against the sovereign will of the disputing
parties, waste resources through duplication of
proceedings and create unpredictable trading
relations, potentially even conflicting rulings from
different international fora.

Por otro, Marceau, completamente en desacuerdo con Pauwelyn,


enfatiza que:

If [forum selection clauses] exist in an RTA and


reference to the WTO dispute settlement is
addressed nothing seems to stop the WTO panel to
proceed over a claim of WTO violation even if this
would be contrary to the wording [of the] one RTA
treaty.

Si bien el régimen jurídico de la OMC no prescinde, de entrada, la


aplicación de las cláusulas de selección del foro o exclusión del foro de otros
tratados, sus previsiones y teleología sí limitan la aplicación de estas
normas ajenas al Derecho de la OMC o non-WTO Law. Más exactamente, las
normas del ESD de la OMC hacen que otras disposiciones internacionales
solo sean relevantes para la solución de controversia en la medida que no
vulneren los “acuerdos abarcados”. Sin embargo, esto no impide que los
Grupos Especiales o el Órgano de Apelación en el ejercicio de sus facultades
discrecionales puedan resolver hipotéticos conflictos entre las previsiones

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
231 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

de la OMC y los TLC bajo estudio, aplicando las cláusulas de selección del
foro o exclusión del foro que son vinculantes para las partes en controversia.
Este punto de vista se enfrenta a diferentes obstáculos, en
especial a la lógica jurídica de la solución de controversias del comercio
internacional, en la cual: ¿la resolución de un particular conflicto entre
tratados dependerá de qué órgano es el que conoce del conflicto?, ¿de los
límites que impone la norma aplicable para resolver el conflicto?, y ¿de
cómo es interpretada y empleada la norma aplicable? Cualquier respuesta
a estos cuestionamientos de los conflictos entre las jurisdicciones de la
OMC y de los TLC estadounidenses y europeos, desde una visión realista, se
dará caso por caso. Es más, según el profesor Zapatero, estas preguntas

[...] no se resuelven, pues, con una respuesta unívoca


sino con una respuesta relativa ‘en’ y ‘desde’ una
perspectiva: la perspectiva de cada mecanismo de
solución de diferencias o, si se prefiere, del régimen
internacional en el que éste está inserto.

3. L A APLI C ACIÓ N DEL PRI NCI PIO DE L A COS A


JUZG AD A O “RES JUDI C ATA” EN LOS
CONFLI CTOS ENTRE L A JURISDI CCIÓ N DE L A
OMC Y LA JURI SDICCIÓ N DE LO S TLC
ESTADO UNIDENSES Y EU ROPEOS

Ahora, frente a la pregunta ¿cuál es el valor jurídico del principio de


la cosa juzgada o res judicata en los conflictos entre jurisdicciones de la OMC
y los TLC? Aquí nuevamente se encuentran, parafraseando al profesor
Zapatero, “respuestas relativas”. Desde la perspectiva del Derecho de la
OMC, técnicamente es poco probable que se aplique el principio de la cosa
juzgada en un conflicto jurisdiccional con los TLC bajo estudio. De hecho, los
órganos resolutorios de la OMC solamente han utilizado este principio
cuando la decisión anterior es de un Grupo Especial o del Órgano de
Apelación de la OMC, teniendo en cuenta además que se trate de las

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 232
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

mismas partes o ratione personae, las mismas medidas concretas en litigio y


los mismos fundamentos jurídicos o ratione materiae. Tal como ocurrió en
el asunto India - Medidas que afectan al sector del automóvil, donde el Grupo
Especial incorporó a su interpretación la noción de cosa juzgada para
determinar si la controversia en cuestión era la misma en comparación con
el pronunciamiento anterior del asunto India - Restricciones cuantitativas a
la importación de productos agrícolas, textiles e industriales. Concretamente,
el Grupo Especial señaló que:

[...] para que el principio de res judicata sea de algún


modo aplicable en la solución de diferencias en la
OMC debe haber, como mínimo, una identidad
fundamental entre el asunto anteriormente resuelto
y el presentado al siguiente grupo especial. Esto exige
que haya identidad tanto entre las medidas como
entre las alegaciones relativas a ellas. También es
imprescindible, a los efectos del principio de
res judicata o cosa juzgada la identidad de las partes.

Según Davey y Sapir, incluso en ese caso donde se podría esperar


que el Grupo Especial basara su decisión en el principio de la cosa juzgada o
utilizara la noción del precedente para resolver el mismo, no lo hizo45. La
jurisprudencia de la OMC se ha limitado a señalar que un determinado
informe y su interpretación “generan expectativas legítimas para los
Miembros” 46. Por consiguiente, la jurisprudencia de la OMC y gran parte de

45
Para ilustrar su aserto, DAVEY y SAPIR citan el Informe del Órgano de Apelación, en
el asunto Comunidades Europeas - Derechos antidumping sobre la importación de ropa
de cama de algodón originario de la India, párrafo 5 del artículo 21
(WT/DS141/AB/RW), adoptado 8 de abril de 2003, párrafos 78-100. Cfr. DAVEY,
William y SAPIR, André. “The Soft Drinks Case: The WTO and Regional Agreements, cit.,
nota 7, p. 14. El tema del precedente en la jurisprudencia de la OMC se puede
profundizar, cfr. JACKSON, John H., Sovereignty, the WTO, and changing
fundamentals of International Law, Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.
176 y ss.; JACKSON, John H. The Jurisprudence of GATT & the WTO, Cambridge,
Cambridge University Press, 2002, pp. 125-129.
46
Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Japón - Impuestos sobre las bebidas
alcohólicas (WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R), adoptado el 4 de octubre
de 1996, otro informe trascendental para este tema es el asunto Estados Unidos –

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
233 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

la literatura especializada consideran que las controversias en materia


comercial presentadas ante el régimen jurídico de la OMC serán resueltas
exclusivamente por el mecanismo multilateral (artículo 23 del ESD), con el
objeto de preservar sus derechos y obligaciones, y de otorgar a este
régimen de la seguridad jurídica y previsibilidad necesaria. Bajo esta lógica,
a la decisión de un órgano ajeno al régimen multilateral del comercio que
tenga por objeto interpretar las obligaciones contenidas en los “acuerdos
abarcados” de la OMC no se le dará, en principio, ninguna “cortesía judicial”
o reconocimiento como a un asunto que ha hecho tránsito a cosa juzgada.
En esta misma línea, el profesor Pauwelyn al analizar el asunto
México - Medidas fiscales sobre los refrescos y otras bebidas y el asunto
Estados Unidos - Madera blanda, reconoce que “[a]lthough clearly dealing
with the same broader dispute on lumber or sweeteners, the different
rulings out of NAFTA and/or the WTO are not, strictly speaking, in a relation
of res judicata”. Claro está, el mismo autor subraya que “[...] the absence of
res judicata should not lead one tribunal to completely ignore the work of
the other”47. Parecería que sin importar que se presenten en ambas
jurisdicciones (OMC/TLC): las mismas las partes y la cuestión en litigio esté
relacionada, jurídicamente hablando, el “derecho aplicable” no es el mismo;
los alegatos de defensa específicos que presentan las partes en la
diferencia solo derivan de uno de los tratados, o los plazos, los derechos
procesales, todo ello conlleva a soluciones que pueden o no ser diversas en
las dos jurisdicciones. De ahí que resulta poco probable que, en la práctica
de la jurisdicción de la OMC, se logre aplicar el principio de la cosa juzgada,
así las disposiciones controvertidas sean reproducidas literalmente en los
dos foros.
Sin embargo, esta respuesta no está del todo acabada, ya que los
conflictos entre la jurisdicción de la OMC y la jurisdicción de los TLC son más
que un simple ejercicio teórico o un hecho aislado, como se demuestra en
algunas diferencias, como el asunto México - Medidas fiscales sobre los

Medidas antidumping definitivas sobre el acero inoxidable procedente de México,


(WT/DS344/AB/R), adoptado el 30 de abril de 2008.
47
Ibídem, p. 5.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 234
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

refrescos y otras bebidas, el asunto Estados Unidos - Madera blanda, el asunto


Argentina - Derechos antidumping definitivos sobre los pollos procedentes del
Brasil, en el asunto Brasil – Medidas que afectan la importación de
neumáticos recauchutados, entre otras. La complejidad de las relaciones
entre el régimen jurídico de la OMC y los TLC en estudio exige mayores
esfuerzos hermenéuticos frente a sus conflictos de jurisdicciones, por esto,
no se entiende la visión “miope” de los órganos resolutorios de la OMC,
quienes son renuentes a aplicar la cosa juzgada, que exige no solo la
coincidencia en las partes en los dos foros, también el mismo objeto o
petitum, y la mimas causa de la acción o causa petendi. Esta última condición
interpretada en sentido estricto, solo se cumple cuando los fundamentos
jurídicos de la decisión previa del procedimiento regulado en por un TLC
correspondan a normas de remisión al régimen jurídico de la OMC, o sean
normas reproducidas literalmente de la OMC. Desde esta perspectiva es
acertada la interpretación de Pauwelyn y Salles, cuando apuntan que:

[…]the reluctance of WTO panels and the Appellate


Body to apply the principle of res judicata is difficult to
understand. If the Appellate Body decides to apply
judicial principles on burden of proof, good faith, and
due process - on which nothing is explicitly said in the
DSU- there is no reason for it to reject the principle of
res judicata. The WTO reluctance to apply the
principle of res judicata is all the more surprising
because res judicata is only rarely triggered in
international litigation48.

Por otra parte, sin desconocer la importancia de la interpretación


de los órganos resolutorios de la OMC sobre la norma de conflicto, no se
debe perder de vista la existencia de una presunción de legalidad respecto

48
Para PAUWELYN y SALLES, esta situación podría cambiar “(…) if tribunals were willing
to soften the three criteria for res judicata to apply. To do so they could borrow from
common law notions such as “issue estoppel” or civil law notions such as “related
actions”. Cfr. PAUWELYN, Joost y SALLES, Luiz Eduardo. “Forum Shopping before
International Tribunals, cit., nota, 17, pp. 102-104.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
235 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

a las decisiones de los paneles de los TLC, que se derivan directamente de


los instrumentos internacionales que los han creado49.
Otro escenario para el principio de la cosa juzgada se presenta en
la jurisdicción de los TLC, específicamente en las decisiones del panel en el
marco del Acuerdo de Libre Comercio entre Canadá y Estados Unidos –
ALCCEU- de 1989 y del TLCAN de 1994, en donde existen diferentes
asuntos que aluden a las disposiciones del GATT de 1947 y de la OMC,
incluso se apoyan o utilizan la interpretación hecha por los Grupos
Especiales y el Órgano de Apelación de estas normas que, además de
considerarse como un criterio auxiliar de interpretación, en algunos casos
han llegado a actuar como un argumento de autoridad. De hecho, parece
razonable afirmar que en ocasiones estas decisiones de los órganos
resolutorios de la OMC han operado como un auténtico “precedente” 50
para la jurisdicción de los TLC. Así, por ejemplo, en el asunto Estados Unidos
- Regulación de la Langosta51, el panel examinó la controversia en la
interpretación del artículo XI y del artículo III del GATT de 1947 (que se
incorporan mediante normas de remisión, en el artículo 407 y el artículo 501
del ALCCEU). En este caso, el panel señala explícitamente que algunas

49
Aunque la decisión de los órganos resolutorios no tenga el mismo estatus que una
disposición del tratado en virtud del Derecho internacional, la validez y fuerza
vinculante de dicha decisión se deriva del Tratado constitutivo que define la
competencia de cada uno de ellos. Por tanto, un Estado sujeto al mismo tiene la
obligación convencional de darle cumplimiento. Cfr. International Court of Justice
Reports of judgments, in the Certain Expenses of the United Nation, advisory opinions
and orders, Advisory opinion of 20 July 1962, p. 168.
50
A pesar de que el stare decisis o precedente no se reconoce de manera explícita en
los TLC estadounidenses, la tradición jurídica de Common Law impulsa a sus paneles
a tener en cuenta las decisiones de los Grupos Especiales del antiguo GATT y de los
órganos resolutorios de la OMC.
51
En estricto sentido, en este asunto la controversia se presenta entre dos
posiciones, “Canada argued that the 1989 amendment is a border measure imposing
a prohibition on imports of Canadian sub-sized lobsters and is therefore in violation
of GATT Article XI. The United States argued that the 1989 amendment is rather an
internal measure applied to the marketing and sale of sub-sized lobsters and is
therefore subject to GATT Article III. Cfr. Informe final del Panel del TLCAN, en el
asunto Estados Unidos - Regulación de la Langosta (USA 89-1807-01), adoptado el 25
de mayo 1990, párrafo 8.1.1.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 236
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

decisiones de los Grupos Especiales del GATT constituyen precedente52, y al


mismo tiempo modera su interpretación al señalar que:

[…]some members of the Panel consider that the


wording of GATT Articles III and XI provides the basic
elements necessary to classify a measure.
Nevertheless, they were of the opinion that, in
addition to the GATT language, the interpretation
given to these GATT Articles by the drafters of the
Agreement and by Panel Reports provides helpful
comments on the scope of Articles XI and III53.

52
En efecto, el panel examinó como precedentes el Informe del Grupo Especial del
GATT, asunto Canadá - Aplicación de la Ley sobre el examen de la inversión extranjera
(IBDD 30S/151-182), adoptado el 7 de febrero de 1984; Informe del Grupo Especial del
GATT (L/4687), en el asunto Comunidades Europeas - Programa de precios mínimos de
importación, licencias y depósitos de garantía de determinadas frutas y hortalizas (BISD
25S/68/107), adoptado el 18 de octubre de 1978 e Informe del Grupo Especial del
GATT (L/6309), en el asunto Japón - Comercio de semiconductores (BISD 35S/116-163),
adoptado el 4 de mayo de 1988, y determinaron que “there is no GATT Panel
precedent in which a complete prohibition on the sale, use or transportation of imported
products, as is the 1989 amendment in regard to Canadian sub-sized lobsters, was held
to fall within Article III”. Cfr. Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados
Unidos - Regulación de la Langosta…, supra, párrafo 8.3.3. Ahora bien, en decisiones
posteriores del panel del ALCCEU matiza su posición respecto a la jurisprudencia del
GATT como “precedente”, al determinar que esta no le es vinculante, sino que
constituye “panel opinion pursuant to GATT”, es decir, como meras “opiniones”. Cfr.
Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados Unidos - Magnesio puro y
aleación (USA-92-1904-03), adoptado el 16 de agosto de 1993, p. 9.
53
Ibídem, párrafo 8.3.1 (cursiva fuera del texto). Otro caso donde podemos evidenciar
la interacción a través de las normas de remisión en la jurisprudencia del ALCCEU es
el asunto Canadá-Requerimientos para el desembarco del salmón y del arenque de la
costa del pacífico, en el cual se analiza el conflicto de aplicación del artículo XX (g) y
artículo XI del GATT incorporados mediante las normas de remisión, en el artículo 407
y el artículo 1201 del ALCCEU. Es más, un miembro del panel llega a señalar que “(…)
did not believe that existing GATT rules or previous GATT decisions provide a clear
basis for reaching a judgment in the present case as to whether the landing
requirement constitutes a restriction within the meaning of Article XI:1, and was not
prepared to make a decision on this issue. This member was of the view that the
consistency of landing requirements with GATT rules raises conceptual issues that
may deserve further consideration by the GATT Contracting Parties”. Cfr. Informe
final del Panel del TLCAN, en el asunto Canadá - Requerimientos para el desembarco
del salmón y del arenque de la costa del pacífico (CDA-89-1807-01), adoptado el 18 de
octubre de 1989, párrafo 6.14

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
237 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Bajo este panorama, aunque no exista ningún informe de los


paneles de los TLC que aplique el principio de la cosa juzgada, es probable
que en el futuro se aplique este principio para evitar decisiones sucedáneas
de que puedan ser diferentes o contradictorios con los informes de la
jurisdicción de la OMC que resuelvan una “misma controversia”.

OBSERV ACIONES FIN ALES

Existe una ineludible realidad en la regulación del comercio


internacional: una constante fragmentación, que se configuran a partir de
una pluralidad de regímenes jurídicos y sus mecanismos de solución de
diferencias, los cuales normalmente interactúan de manera horizontal en el
marco del Derecho internacional, a menos que el propio régimen
reconozcan expresamente la subordinación o la mayor jerarquía jurídica de
otro régimen. Justamente por ello, las relaciones entre el Derecho de la
OMC y los TLC pueden generar, según Zapatero, “perspectivas jurídicas
divergentes respecto a una misma cuestión”54, que ni si quiera pueden ser
resueltas del todo por las normas generales sobre conflictos entre
tratados55. Estas cuestiones tampoco han sido resueltas, hasta el momento,
por el Derecho de la OMC o su sistema de solución de diferencias, no existe
una clara posición de sus órganos resolutorios sobre diferentes problemas:

54
En otras palabras, para el profesor ZAPATERO en la pluralidad de regímenes
internacionales no se observan las normas generales sobre solución de conflictos de
tratados (artículo 30 de la Convención de Viena), debido a que “[e]l funcionamiento
de estas relaciones tienen origen en las particulares políticas jurisdiccionales,
legislativas (p. ej. diseño de la norma aplicable), hábitos y actitudes (colectivas e
individuales) de los operadores legales que actúan en su seno y puede o no
corresponder con las soluciones que prescribe la aplicación de las normas generales
sobre conflictos de tratados”. Cfr. ZAPATERO, Pablo, Derecho del Comercio Global,
cit., nota 12, pp. 410-411.
55
En este sentido, SINCLAIR señala que las normas generales sobre conflictos entre
tratados del artículo 30 de la Convención de Viena no son “enteramente
satisfactorias”, ya que estas contienen un modelo simplificado que no responde de
forma correcta a las actuales necesidades del orden jurídico internacional. Cfr.
SINCLAIR, Ian McTaggart. The Vienna Convention on the Law of Treaties, Manchester
University Press, 2da. Ed, 1984, p. 98.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 238
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

el Derecho aplicable, los conflictos de jurisdicciones o la propia noción de


controversia. Por tanto, se trata de “soluciones jurídicas no definidas” 56 o
“soluciones a medias”, que no tienen una respuesta única en la práctica.
Justamente, es posible encontrar respuestas diferentes dependiendo del
régimen desde el que se realiza el análisis.
De no resolverse esta fragmentación o, mejor, de continuar la
ausencia de coherencia, los mecanismos de solución de controversias de los
TLC en estudio y de la OMC inevitablemente llegan y seguirán llegando a
aproximaciones diferentes sobre idénticas cuestiones sustanciales y
procedimentales. Como de hecho ya ha ocurrido en algunas decisiones de
los órganos resolutorios multilaterales y del TLCAN que se han solapado o
han sido contradictorias; un ejemplo de ello, son los mencionados asuntos
sobre los azúcares entre Estados vs México y la madera entre Estados Unidos
vs Canada. También se observa estos conflictos de jurisdicción con otros
procesos de integración, como el MERCOSUR, donde en el asunto Argentina
- Derechos antidumping definitivos sobre los pollos procedentes del Brasil y en
el asunto Brasil – Medidas que afectan la importación de neumáticos
recauchutados, la jurisdicción de la OMC llego a decisiones contrapuestas
respecto a la decisión de la jurisdicción del MERCOSUR, lo cual tiene el
potencial no sólo para crear problemas de ausencia de una jurisprudencia
coherente, sino también una amenaza para la estabilidad y previsibilidad
del sistema de comercio internacional. Desafortunadamente es probable
que estas cuestiones continúen sin resolverse, como los TLC continúan
creciendo cualitativa y cuantitativamente57, mientras que la Ronda de Doha

56
En opinión del profesor HUDEC, en ocasiones, en el Derecho internacional
económico se encuentra normas con apariencia de soluciones jurídicas en las que, en
realidad, no se ha llegado a ninguna solución. Cfr. HUDEC, Robert. “International
Economic Law: The Political Theatre Dimension”, University of Pennsylvania Journal
of International economic Law, Vol. 17, No. 1, spring 1996, p. 9.
57
Así se observa en la poca, pero discutida, jurisprudencia de los paneles de estos
acuerdos, específicamente en el TLCAN, que según MORGAN, “[…] It should be noted
that there has been 32 cases among NAFTA parties in the WTO, compared to only 3
sate-state cases among these countries in the NAFTA forum. However, not
surprisingly, under NAFTA Chapter 19 (Binational panels for Antidumping and
Countervailing duties) there have been 58 disputes”. Cfr. MORGAN, David. “Dispute

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
239 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

permanece en una larga soñolencia. Es aquí donde tiene importancia el


principio de la cosa juzgada o res judicata, que puede ser una opción para
aportar claridad y seguridad respecto a este tipo de solapamientos entre
jurisdicciones.

Settlement under PTAs: Political or Legal?”, Legal Studies Research Paper No. 341,
University of Melbourne Law School, 2007, p. 253. Asimismo, cfr. DAVEY, William,
“Dispute Settlement in the WTO and RTAs: A Comment”, en BARTELS. L. y ORTINO,
F. (Eds.): Regional Trade Agreements and the WTO Legal System, Oxford University
Press, New York, 2006, pp. 350-351.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 240
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

REFERENCIAS

ABI-SAAB, Georges. The Proliferation of Adjudicatory Bodies: Dangers and


Possible Answers, Implications of the Proliferation of International
Adjudicatory Bodies for Dispute Resolution, ASIL Bulletin: Educational
Resources on International Law, Vol. 9, 1995, p. 21.

GARCÍA, Ignacio Bercero. Dispute Settlement in European Union Free Trade


Agreements: Lessons Learned?, en Bartels, L. and Ortino, F. (eds): Regional
Trade Agreements and the WTO Legal System, Oxford University Press,
New York, 2006., pp. 399-401.

BLACK, Henry; GARNER, Bryan. Black's Law Dictionary, 9th edition, West
Publishing, 2009.

BLANC ALTEMIR, Antonio. “El Acuerdo de Asociación entre la Unión


Europea y Chile: Algo más que un Tratado de Libre Comercio”, Anuario de
Derecho Internacional de la Universidad de Navarra, Vol. XX, 2004, pp. 35-
110.

BRACK, Duncan; Gray, Kevin. Multilateral Environmental Agreements and the


WTO, Report of the Royal Institute of International Affairs, 2003.

BUSSE, Mathias. Trade, Environmental Regulations and the World Trade


Organization: New Empirical Evidence. In: Journal of World Trade Vol. 38, No
2, 2004, pp. 285-306.

CÁMARA DE DIPUTADOS DE CHILE. Informe de la Comisión de Relaciones


Exteriores. P. 43.

CARRILLO SALCEDO, Juan Antonio, “Reflections on the Existence of a


Hierarchy of Norms in International Law”, European Journal of International
Law Vol. 8, No. 4, 1997.

CHARNEY, Jonathan. “Is the International Law Threatened by Multiple


International Tribunals?”, Recueil des Cours. Collected Courses of the Hague
Academy of International Law, Tome 271, 1998, p. 129.

COMBACAU, Jean et SUR, Serge. Droit international public, Coll. Domat


droit public, 8ème éd., Paris, Montchrestien, 2008, p. 26.

COMPA, Lance; DIAMOND, Stephen (eds.) Human Rights, Labour Rights, and
International Trade, University of Pennsylvania Press, Philadelphia, 1996.

CRUZ MIRAMONTES, Rodolfo. Las Relaciones Comerciales Multilaterales de


México y el Tratado de Libre Comercio con la Unión Europea, Instituto de

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
241 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México,


México DF, 2003, p. 196.

DAVEY, William; SAPIR, André. The Soft Drinks Case: The WTO and Regional
Agreements, World Trade Review, Vol. 8, Nº 1, 2009, p. 23.

DAVEY, William, Dispute Settlement in the WTO and RTAs: A Comment, en


Bartels. L. y Ortino, F. (Eds.): Regional Trade Agreements and the WTO Legal
System, Oxford University Press, New York, 2006, pp. 350-351.

DELPIANO LIRA, Cristián. La cláusula de exclusión de foros del Acuerdo de


Asociación entre Chile y la Unión Europea en el mecanismo de solución de
controversias de la OMC, Revista Chilena de Derecho, Vol. 33, No. 2, 2006, pp.
259 – 284.

DUPUY, Pierre-Marie, Droit international public, 9é éd., Éd. Dalloz, 2008, pp.
15-16.

FAWCETT, James (Ed.). Declining Jurisdiction in Private International Law,


Oxford Monographs in Private International Law, 1995.

FERNÁNDEZ PONS, Xavier, La OMC y el Derecho Internacional. Un estudio


sobre el sistema de solución de diferencias de la OMC y las normas secundarias
del Derecho internacional general, Marcial Pons, Barcelona, 2006, pp. 156 y
ss.

GANTZ, David. “Dispute Settlement under the NAFTA and the WTO: Choice
of Forum Opportunities and Risks for the NAFTA Parties”, American
University International Law Review Vol. 14, No. 4, 1999, p. 1101 y ss.

GRAEWERT, Tim. Conflicting Laws and Jurisdictions in the Dispute Settlement


Process of Regional Trade Agreements and the WTO, Contemporary Asia
Arbitration Journal, No. 1, 2008, p. 293-294.

Grupo de Estudio de la Comisión de Derecho Internacional. “Fragmentación


del Derecho internacional: dificultades derivadas de la diversificación y
expansión del Derecho internacional”, Naciones Unidas, Documento
A/CN.4/L.682, 2006, Asamblea General, 58 período de sesiones, 13 de abril
de 2006.

GUILLAUME, Gilbert. Advantages and Risks of Proliferation: A Blueprint for


Action, Journal of International Criminal Justice, Vol. 2, 2004, pp. 300-303.

HENCKELS, Caroline. Overcoming Jurisdictional Isolationism at the WTO-FTA


Nexus: A Potential Approach for the WTO, The European Journal of
International Law, Vol. 19, No. 3, 2008.

HIGGINS, Rosalyn. A Babel of Judicial Voices? Ruminations from the Bench,


International and Comparative Law Quarterly, Vol. 55, 2006.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 242
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

HUDEC, Robert. International Economic Law: The Political Theatre


Dimension, University of Pennsylvania Journal of International economic Law,
Vol. 17, No. 1, spring 1996, p. 9.

Informe del Grupo Especial del GATT (L/4687), en el asunto Comunidades


Europeas - Programa de precios mínimos de importación, licencias y depósitos
de garantía de determinadas frutas y hortalizas (BISD 25S/68/107), adoptado
el 18 de octubre de 1978.

Informe del Grupo Especial del GATT (L/6309), en el asunto Japón -


Comercio de semiconductores (BISD 35S/116-163), adoptado el 4 de mayo
de 1988.

Informe del Grupo Especial del GATT, asunto Canadá - Aplicación de la Ley
sobre el examen de la inversión extranjera (IBDD 30S/151-182), adoptado el
7 de febrero de 1984.

Informe del Grupo Especial, en el asunto Brasil - Programa de financiación


de las exportaciones para aeronaves (WT/DS46/R), adoptado el 14 de abril
de 1999, párrafo 7.11.

Informe del Grupo Especial, en el asunto Comunidades Europeas - Medidas


que afectan el comercio de embarcaciones comerciales (WT/DS301/R),
adoptado el 3 de septiembre de 2003.

Informe del Grupo Especial, en el asunto Estados Unidos - Artículo 301 a 310
de la Ley de Comercio de 1974 (WT/DS152/R), adoptado el 22 de diciembre
de 1999.

Informe del Grupo Especial, en el asunto Estados Unidos – Artículo 301 a 310
de la Ley de Comercio Exterior de 1974 (WT/DS152/R), adoptado el 22 de
diciembre de 1999, párrafo 7.43.

Informe del Grupo Especial, en el asunto India - Medidas que afectan al


sector del automóvil (WT/DS146/R), adoptado el 21 de diciembre de 2001,
párrafo 7.66.

Informe del Grupo Especial, en el asunto India - Restricciones cuantitativas a


la importación de productos agrícolas, textiles e industriales (WT/DS90/R),
adoptado el 6 de abril de 1999.

Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Comunidades Europeas -


Derechos antidumping sobre la importación de ropa de cama de algodón
originario de la India, párrafo 5 del artículo 21 (WT/DS141/AB/RW),
adoptado 8 de abril de 2003, párrafos 78-100.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
243 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Informe del Órgano de Apelación, en el asunto el asunto Estados Unidos –


Medidas antidumping definitivas sobre el acero inoxidable procedente de
México, (WT/DS344/AB/R), adoptado el 30 de abril de 2008.

Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Japón - Impuestos sobre las


bebidas alcohólicas (WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R),
adoptado el 4 de octubre de 1996.

Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Canadá - Requerimientos


para el desembarco del salmón y del arenque de la costa del pacífico (CDA-89-
1807-01), adoptado el 18 de octubre de 1989, párrafo 6.14

Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados Unidos - Regulación
de la Langosta (USA 89-1807-01), adoptado el 25 de mayo 1990, párrafo
8.1.1.

Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados Unidos - Magnesio
puro y aleación (USA-92-1904-03), adoptado el 16 de agosto de 1993, p. 9.
International Court of Justice Reports of judgments, in the Certain Expenses
of the United Nation, advisory opinions and orders, Advisory opinion of 20
July 1962, p. 168.

JACKSON, John H. The Jurisprudence of GATT & the WTO, Cambridge,


Cambridge University Press, 2002, pp. 125-129.

JACKSON, John H. The World Trading System, Law and Policy of International
Economic Relations, 2da Ed., MIT Press, Cambridge, MA y London, 1997, p.
25 y ss.

JACKSON, John H., Sovereignty, the WTO, and changing fundamentals of


International Law, Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp. 176 y
ss.

JENNINGS, Robert. “The Judiciary, International and National, and the


Development of International Law”, International and Comparative Law
Quarterly Vol. 45, No. 1, 1996.

KARAGIANNIS, Syméon. La Multiplication des Juridictions Internationales :


Un Système Anarchique? Société Française pour le Droit International ed.,
2003.

KESSIE, Edwini. “Enhancing Security and Predictability for Private Business


Operators under the Dispute Settlement System of the WTO”, en Journal
of World Trade, Vol. 34 N° 6, 2000, p. 1.

KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field of International


Law”, Netherland Yearbook of International Law, Vol. XXV, 1994.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 244
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field of International Law,
cit., nota 43, p. 251.

KWAK, Kyung ; MARCEAU, Gabrielle. Overlaps and Conflicts of Jurisdiction


between the WTO and RTAs, en Bartels, L. y ORTINO, F. (Eds.): Regional Trade
Agreements and the WTO Legal System, Oxford University Press, New York,
2006, pp. 465-524.

LEÓN STEFFENS, Avelino. La elección del foro en el Tratado de Libre


Comercio de América del Norte y los resultados de la Ronda Uruguay del GATT,
en LÓPEZ AYLLÓN, Sergio, El futuro del Libre Comercio en el Continente
Americano, análisis y perspectivas, Universidad Nacional Autónoma de
México (UNAM), Instituto de Investigaciones Jurídicas, México, 1997, pp.
305 y ss.

LIÑÁN NOGUERAS, Diego Javier. El Derecho Económico Internacional (II): El


comercio Internacional, en DÍEZ DE VELASCO VALLEJO, Manuel,
Instituciones de Derecho Internacional, 16ta Edición, Tecnos, Madrid, 2007,
p. 634.

MARCEAU, Gabrielle. “Conflicts of Norms and Conflicts of Jurisdictions: The


Relationship between the WTO Agreement and MEAs and Other Treaties”,
Journal of World Trade Vol. 35, No. 6, 2001.

MARIÑO MENDEZ. Fernando. Derecho internacional público, Trotta Ed., 4ra


ed., Madrid, 2005.

McRAE, Donald. The WTO in International Law: Tradition Continued or New


Frontier? In: Journal of International Economic Law Vol. 3, No. 1, 2000, pp.
27-41.

MOORMAN, Yasmin. Integration of ILO Core Rights Labour Standards into the
WTO, Columbia Journal of Transnational Law Vol. 39, No. 2, 2001, pp. 555–
583.

MORGAN, David. Dispute Settlement under PTAs: Political or Legal?, Legal


Studies Research Paper No. 341, University of Melbourne Law School, 2007,
p. 253.

MUS, Jan B. Conflicts between Treaties in International Law, Netherlands


International Law Review Vol 45, No 2, 1998, pp. 227-232.

OJADA DE KONING, Rodrigo. Solución de controversias conforme al artículo


2005 del TLCAN tras la Ronda Uruguay. Memoria del XIX Seminario
Internacional de Derecho Internacional Privado y Comparado, Universidad
de Guanajuato, 1998, p. 277.

OLIVEIRA, Barbara. The Relation between WTO Law and Public International
Law: The applicable law in Dispute Settlement at the WTO, University College

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
245 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

London LLM Programme, 2005, p. 9, disponible en: SSRN:


<http://ssrn.com/abstract=903052>

Pautas para la gasolina reformulada y convencional (WT/DS2/AB/R),


adoptado el 29 de abril de 1996, p. 17.

PAUWELYN, Joost; SALLES, Luiz Eduardo. Forum Shopping before


International Tribunals: (Real) Concerns, (Im) Possible Solutions, Cornell
International Law Journal, Vol. 42, 2009.

PAUWELYN, Joost; SALLES, Luiz Eduardo. “Forum Shopping before


International Tribunals, cit., nota, 17, pp. 102-104.

PAUWELYN, Joost, ‘Opening-up’ the WTO: What Does it Mean for China? en
Duke Law Faculty Scholarship, Paper 1591, 2006, p. 7, disponible en:
<http://scholarship.law.duke.edu/faculty_scholarship/1591>

PAUWELYN, Joost. Adding Sweeteners to Softwood Lumber: the WTO–


NAFTA ‘Spaghetti Bowl’ is Cooking. In: Journal of International Economic
Law, Vol. 9, No. 1, 2006, p. 4.

PAUWELYN, Joost. Bridging Fragmentation and Unity: International Law as a


Universe of Inter-connected islands. In: Michigan Journal of International Law
Vol. 25, summer 2004, p. 904.

PAUWELYN, Joost. Choice of jurisdiction: WTO and regional dispute


settlement mechanisms: Challenges, options and opportunities. International
Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD): dialogue on the
“Mexico Soft Drinks dispute: Implications for regionalism and for trade and
sustainable development”, 2006, p. 6, disponible en:
<http://www.ictsd.org/dlogue/2006-05-
30/dialogue_materials/Joost_Pauwelyn_speaker_notes.pdf>

PAUWELYN, Joost. Going Global or Regional or Both, cit., nota 18, p. 231.

PAUWELYN, Joost. How Binding is WTO Rules? A Transatlantic Analysis of


International Law, Duke Law Faculty Scholarship, Paper 1315 presented at
the University of Tübingen, Conference on Changing Patterns of Authority
in the Global Political Economy, 14-16 October 2004, p. 1, available at:
<http://scholarship.law.duke.edu/faculty_scholarship/1315>

PAUWELYN, Joost. The Role of International Law in the WTO – How Far can
we go? In: American Journal of International Law, Vol. 95, No 3, 2001.

PETERSMANN, Ernst-Ulrich. Dispute Settlement in International Economic


Law-Lessons for Strengthening International Dispute Settlement in Non-
Economic Areas. In: Journal of International Economic Law Vol. 2, No. 2,
1999, pp. 189-248.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 246
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

PTERSMANN, Ernst-Ulrich. The WTO Constitution and Human Rights, Journal


of International Economic Law, Vol. 3, 2000, pp. 19-25.

PIÉROLA, Fernando; HORLICK, Gary. Dispute Settlement in the WTO and in


‘North-South’ Agreements of the Americas: Considerations for the Choice of
Forum. Journal of World Trade, Vol. 41, No. 5, 2007.

RACHTMAN, Joel. Jurisdiction in WTO dispute settlement. En Yerxa, R. y


Wilson, B. (Eds.): Key Issues in WTO Dispute Settlement: The First Ten Years,
Cambridge University Press, 2005, pp. 138-139.

SHANY, Yuval, The Competing Jurisdictions of International Courts and


Tribunals.

PAUWELYN, Joost. Going Global or Regional or Both? Dispute settlement in


the Southern African Development Community (SADC) and Overlaps with
other Jurisdictions. Minnesota Journal of Global Trade, Vol. 13, No. 2, 2004,
pp. 231-304.

SHANY, Yuval. The Competing Jurisdictions of International Courts and


Tribunals, International Courts and Tribunals Series, Oxford University
Press, 2004.

SINCLAIR, Ian McTaggart. The Vienna Convention on the Law of Treaties,


Manchester University Press, 2da. Ed, 1984, p. 98.

SREENIVASA RAO, Pemmaraju. Multiple International Judicial Forums: A


Reflection of the Growing Strength of International Law or its Fragmentation?
In: Michigan Journal of International Law, Vol. 25, 2004.

STEGERr, Debra. The Jurisdiction of the World Trade Organization. American


Society of International Law Proceeding, Vol. 98, 2004, pp. 142-143.

TISTOUNET, Eric. The Problem of Overlapping among Different Treaty Bodies.


en Alston, P. and Crawford, J. (eds.): The Future of UN Human Rights Treaty
Monitoring.

TOLE MARTÍNEZ, Julián. Solución de controversias en los TLC. Aportes del


Derecho de la OMC, Universidad Externado de Colombia, Bogotá, 2014.

TRACHTMAN, Joel. Institutional linkages: Transcending ‘Trade and…’. In: The


American Journal of International Law, Vol.96, No.1, 2002, p. 79.

TRACHTMAN, Joel. The Domain of WTO Dispute Resolution. Harvard


International Law Journal, Vol. 40, spring, 1999, pp. 342 a 349.

TREBILCOCK, Michael and OWSE, Robert. Regulation of International Trade.


Routledge Edition, 3rd, 2005.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
247 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

VON MEHREN, Taylor. Theory and Practice of Adjudicatory Authority in


Private International Law: A Comparative Study of the Doctrine, Policies and
Practices in Common- and Civil-Law Systems. Recueil des Cours / Collected
Cours of the Hague Academic of International Law, Vol. 295, 2002.

WIERS, Jochem. Trade and Environment in the EC and the WTO, A Legal
Analysis, Europe Law Publishing, Groningen, 2003.

WITKER, Jorge. Panorama general de solución de controversias en el


comercio internacional contemporáneo. En WITKER, J. (Coord.): Resolución
de controversias comerciales en América del Norte, Universidad Nacional
Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Jurídicas, México, 1997,
p. 36.

YA QIN, Julia. Managing conflicts between rulings of WTO and RTA Tribunals:
reflections on the Brazil-Tyres case. Legal Studies Research Paper Series No.
09-24, Wayne State University Law School, October-2009, p. 37

ZAPATERO, Pablo, Derecho del Comercio Global, Madrid, Civitas, 2003, p.


381.

ZAPATERO, Pablo. Modern International Law and the Advent of Special Legal
Systems. In: Arizona Journal of International & Comparative Law, Vol. 23,
No. 1, 2005, p. 73.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 248
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

POLÍ TIC A EDI TO RIAL | EDI TO RI AL POLICY

A chamada de artigos para a publicação no periódico Homa Publica –


Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas encontra-se
permanentemente aberta; trabalhos podem ser enviados para análise e
possível publicação a qualquer tempo.
Ressalvadas hipóteses excepcionais de publicação a convite, serão aceitos
trabalhos de autores e autoras de todas as áreas do conhecimento, sem
limite de coautoria por trabalho, exigindo-se titulação de mestre ou doutor
para envio de trabalhos individuais.
Serão aceitos trabalhos de graduandos(as), graduados(as) e mestrandos(as)
desde que em coautoria com mestres e/ou doutores(as). A avaliação se fará
através do critério do duplo cego por pares (double-blind peer review),
podendo ser solicitadas adaptações e correções nos trabalhos para
publicação.
A Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas publica somente
trabalhos inéditos e originais, e que não estejam em avaliação em nenhum
outro periódico simultaneamente. Os autores e autoras devem declarar
essas condições no processo de submissão. Caso seja identificada a
publicação ou submissão simultânea em outro periódico o artigo será
desconsiderado. A submissão simultânea de um artigo científico a mais de
um periódico constitui grave falta de ética do autor ou autora.
O acesso ao conteúdo integral da Revista Internacional de Direitos
Humanos e Empresas é livre a todos os usuários. Todo o material existente
nas publicações da revista pode ser livremente copiado, compartilhado e
reproduzido, desde que seja respeitada a integridade do conteúdo (sem
modificações) e que o uso se destine a fins não comerciais, especificadas a
fonte e a autoria.
A identificação de eventual hipótese de plágio acarretará a imediata
desqualificação do trabalho para publicação, sem prejuízo de outras
medidas juridicamente cabíveis.
Dessa forma, exige-se dos avaliadores o conhecimento e habilidade de
leitura e compreensão de textos em inglês ou espanhol. Serão enviados

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
249 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

trabalhos para avaliação sempre que estes forem recebidos em nosso


sistema, cuidando para que esse número não ultrapasse o limite de 2 por
semestre (Caso seja necessária a avaliação de trabalhos acima do limite
estabelecido, o conselho editorial entrará em contato para verificar a
disponibilidade excepcional para avaliação).
Os critérios de avaliação serão definidos posteriormente e serão enviados
juntamente com os trabalhos quando enviados para avaliação.
Abaixo, alguns exemplos de temas relacionados direta e indiretamente (rol
não-taxativo) com o tema Direitos Humanos e Empresas:
 Agenda Nacional e Internacional em Direitos Humanos e Empresas
(Processo de Elaboração de Instrumento Internacional vinculante sobre
Direitos Humanos e Empresas; Acompanhamento da aplicação e
implementação dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos
Humanos; Elaboração de Planos Nacionais; Acompanhamento das
atividades do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e
Direitos Humanos; Tratado dos Povos; Articulação de movimentos
sociais e organizações não-governamentais para enfrentamento do
tema; Direitos Humanos e Empresas e Sistemas Internacionais de
Proteção dos Direitos Humanos);
 Financiamento Público e Grandes Empreendimentos (Políticas de
financiamento do BNDES; Bancos de desenvolvimento, Parcerias
Público-Privadas, responsabilidade de entidades financiadoras por
violações de Direitos Humanos);
 Casos concretos de violações de Direitos Humanos por empresas no
Brasil e no mundo;
 Empresas e Violações de Direitos Humanos em suas diversas dimensões,
incluindo relações de Gênero, Raça e Sexualidade;
 Movimentos Sociais e violações de Direitos Humanos;
 Teoria Crítica dos Direitos Humanos;
 Mecanismos judiciais e extrajudiciais de responsabilização de empresas
por violações de Direitos Humanos.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 250
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

NORM AS DE PUBLI C AÇ ÃO | PUBLI C ATION GUIDEL INES

Os artigos, resenhas e estudos de caso submetidos para publicação


em Homa Publica – Revista Internacional de Direitos Humanos e
Empresas poderão ser enviados em português, espanhol ou inglês, e serão
publicados no idioma do envio, podendo, excepcionalmente, ser
traduzidos.
Os trabalhos submetidos possuem os seguintes limites mínimos e máximos
para sua análise pelo Corpo Editorial e eventual publicação:
 Artigo Científico: Cada texto deve ter entre 25.000 – 60.000 caracteres
(incluindo espaços) – Incluindo-se notas de rodapé e referências
bibliográficas;
 Estudo de Caso: Cada texto deve ter entre 15.000 – 25.000 caracteres
(incluindo espaços) – incluindo-se notas de rodapé e referências
bibliográficas;
 Resenha Crítica: Cada texto deve ter entre 7.000 – 15.000 caracteres
(incluindo espaços) – incluindo-se notas de rodapé e referências
bibliográficas;
Os trabalhos devem obedecer às seguintes diretrizes:
1. Formatação da página: papel A4; margens superior e inferior: 2,5 cm;
margens esquerda e direita: 3,0 cm.
2. Formatação do parágrafo: alinhamento: justificado; espaçamento
entre linhas: 1,5 cm; espaçamento antes e depois do parágrafo: 1,5 cm;
Formatação das notas de rodapé: espaçamento entre linhas: 1 cm.
Formatação de eventual citação no corpo do texto: espaçamento
entre linhas: 1 cm, com afastamento à esquerda de 3 cm, somente.
3. Formatação do título do trabalho: Arial, tamanho 12, negrito, em
maiúsculo e centralizado.
4. Formatação do corpo do texto e das notas de rodapé: Arial,tamanho
12 e tamanho 10, respectivamente; destaques devem ser feitos
somente em itálico.

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
251 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

5. Formatação dos subtítulos: Arial, tamanho 12, negrito, alinhado à


esquerda; cada item deve ser numerado com algarismos arábicos,
excetuando-se introdução e conclusão.
6. As páginas devem ser numeradas no cabeçalho, à direita.
7. A primeira página do trabalho deve conter:
 título do artigo no idioma original e em Inglês, sempre que este
não for o idioma original.
 nome completo dos autores alinhado à direito abaixo do título,
separado por espaçamento duplo.
 primeira nota de rodapé contendo: principais titulações do autor;
Instituição de Ensino Superior a que o autor seja vinculado;
unidade da respetiva instituição; departamento; endereço de
correio eletrônico e link de currículo público.
 resumo de até 120 palavras no idioma original e em Inglês
(abstract);
 três a cinco palavras-chave, no idioma original do artigo e em
Inglês, separados por ponto e finalizados por ponto.
8. Direitos autorais: ao submeter um artigo, o autor está de acordo
com que seus direitos autorais sejam transferidos ao Homa Publica
– Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas, se e
quando o artigo for aceito para publicação.
9. As notas de rodapé devem ter caráter exclusivamente explicativo, não
devendo ser utilizadas para citações; excetuando-se os casos de
citação de endereço eletrônicos, que devem ser indicados nas notas
de rodapé, junto com a página da citação (se houver) e a data de
acesso ao material.
10. As citações bibliográficas devem ser realizadas pelo sistema
AUTOR/DATA, contendo, no corpo do texto, sobrenome do autor em
maiúsculo/data da publicação/número de página (ex: MARX, 1982, p.
353);
11. Citações jurisprudenciais devem, ao menos, conter: tribunal, órgão
julgador, natureza e número do processo, relator e data do

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 252
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

julgamento, nesta ordem. Exemplificativamente: STJ, Xª T., REsp


xxx.xxx, Rel. Min. Jxxxx Sxxxxx, j. em xx.xx.xxxx; TJRS, Xª C.C., Ap. Cív.
xxxxxxx.x, Rel. Des. Cxxxx Dxxxxx, j. em xx.xx.xxxx (ou,
alternativamente, publ. em xx.xx.xxxx).
12. Os arquivos devem ser enviados em dois formatos: em formato .DOC
ou .DOCX. (editável), contendo a identificação do autor; e em .PDF,
sem a identificação do autor.
13. Ressalvadas hipóteses excepcionais de publicação a convite, os
artigos submetidos para avaliação devem ser inéditos, tanto em
meio impresso quanto digital e tanto em português quanto em
outros idiomas, sob pena de não publicação.
14. A cessão para publicação será gratuita. Não se exigem taxas de
processamento de artigo (APCs) ou de submissão.
15. A seleção dos trabalhos para publicação é de competência do Corpo
Editorial da revista e de pareceristas por ele escolhidos, em sistema
de dupla revisão cega por pares (double-blind peer
review). Sugestões de cunho científico poderão ser feitas pelos
pareceristas, e, se acolhidas pelo autor, ensejarão nova análise.
16. Os trabalhos em língua estrangeira deverão obedecer às mesmas
diretrizes exigidas pelo presente edital.
17. Referências Bibliográficas: As referências completas deverão ser
apresentadas, em ordem alfabética e no final do texto, de acordo com
o seguinte modelo: SOBRENOME, Nome. Título do Livro. Cidade de
Publicação: Editora, ano de publicação. (ex:GOMES, L. G. F. F. Novela
e sociedade no Brasil. Niterói: EdUFF, 1998.)

Vol. 02 | Nº 01 | 2018
253 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Você também pode gostar