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Metas curriculares do 1º ciclo


são "atrocidade cometida contra
as crianças"
Sandra Salvado - RTP
11 Jun, 2015, 11:50 / atualizado em 12 Jun, 2015, 15:34 | País (http://www.rtp.pt/noticias/pais)

| Foto: Re ute rs

As metas curriculares do primeiro ciclo do ensino básico estão


a deixar pais, professores e alunos à beira do abismo. Há
crianças a ser medicadas para défice de atenção, “quando na
maior parte dos casos, a medicação é desadequada”. Uma mãe
resolveu fazer uma petição pública e enviá-la para Assembleia
da República. Entretanto, são cada vez mais as famílias que
procuram médicos especialistas, mas nem aqui há receitas para
resolver o problema. E a solução até parece simples: ter tempo
para brincar com as crianças, que se sentem “esmagadas pela
obrigatoriedade de atingir metas”. Do Ministério da Educação,
as respostas são praticamente nenhumas.

Crianças desmotivadas, relações afetivas escassas, frustração constante,


professores e pais que se viram do avesso para encontrar uma solução, por
causa dos novos programas e metas curriculares do 1º ciclo do ensino
básico.

“Está-se a hipotecar o futuro do país, estamos a criar crianças que não têm
tempo para brincar ou para atividades lúdicas, que estão a ser pressionadas
para aprender depressa e bem, crianças que se vão tornar frustradas,
crianças que ainda agora começaram e já se sentem desmotivadas, sem
gosto por ir à escola, e cada vez mais cedo apresentando sintomas de
ansiedade, depressão e distúrbios de comportamento”, disse Vânia
Azinheira, mãe de uma aluna do 2º ano de escolaridade, e autora da petição.

Crianças tratadas com drogas por alegado


"défice de atenção"

Vânia Azinheira diz que, ao longo do presente ano letivo, se viu confrontada
com o que considera ser “uma atrocidade cometida contra as crianças”. Por
isso decidiu lançar uma petição (http://peticaopublica.com/pview.aspx?
pi=PT76773) pública online, que já seguiu para a Assembleia da República.

“Eu oiço muitos pais, professores e crianças e vejo como está a ser difícil
mobilizar o interesse das crianças para aderir a um programa que me parece
muito complicado. A situação na escola das crianças pequenas está muito
complicada”, disse ao site da RTP o psicanalista João Seabra Diniz.


Entrevista com João Seabra Diniz - Psicanalista

O médico especialista alerta ainda para o facto das crianças não estarem
motivadas na escola. “Não estão atentas, são classificadas como crianças
instáveis, com défice de atenção e então passam-nas para um médico que lhes
dá drogas para estarem mais concentradas, o que me parece desadequado, na
maior parte dos casos”.

Metas desadequadas e com erros científicos


“Ler um texto com articulação e entoação razoavelmente corretas e uma
velocidade de leitura de, no mínimo, 55 palavras por minuto”, é a exigência de
uma das metas para um aluno de português do 1º ano.

Entrevista com Filomena Viegas - Associação dos Professores de Português

“As metas têm erros científicos, são desadequadas às competências a


desenvolver no 1º ciclo de escolaridade (…) Existe uma carga emocional, social,
cultural, política sobre os professores. Se os meninos tiverem bons resultados, os
professores têm boas avaliações e as escolas até têm crédito para terem mais
horas de apoio aos meninos, isto é um jogo que se faz”, disse ao site da RTP
Filomena Viegas, da Associação dos Professores de Português.

"É impossível cumprir estas metas, é uma coisa


intratável"
Já na matemática, por exemplo, um aluno do 2º ano deve saber “utilizar
corretamente os termos segmento de reta, extremos do segmento de reta e
pontos do segmento de reta”.

“É impossível cumprir estas metas. Os professores estão a ignorá-las porque é


uma coisa intratável”, disse ao site da RTP Lurdes Figueiral, da Associação de
Professores de Matemática (APM), sobre os programas e metas curriculares do
1º ciclo do ensino básico.

Entrevista com Lurdes Figueiral -Associação de Professores de Matemática

“Só espero que seja rapidamente invertido porque isto vai ser o desastre no
ensino da Matemática. Dou-lhe um exemplo, no caso do 2º ano, das operações
com frações e da introdução da noção de fração através de uma medida de um
segmento de reta, que é uma coisa completamente absurda, em vez de ser dada
como parte de um todo", disse Lurdes Figueiral.

As metas curriculares de Português e Matemática entraram em vigor em


2012/2013 e são uma das principais alterações introduzidas pelo atual ministro
da Educação, Nuno Crato.

Professores já tinham dado parecer negativo


O problema destas metas curriculares já foi motivo de alerta pelas associações
de professores de matemática e português. A Associação de Professores de
Matemática, em 2013, chegou a fazer também uma petição, “embora sem
nenhum resultado para reverter esta implementação”.

“Quando há quatro anos puseram o tema à discussão pública, os professores já


estavam de férias, mas mesmo assim os professores deste agrupamento
voltaram e aprovaram um documento que contrariava tudo isto. Foi feito imenso
trabalho e não foi tido rigorosamente nada em conta.”, disse ao site da RTP José
Gomes, do Agrupamento de Escolas Baixa/Chiado.

Professor há 35 anos, José Gomes disse que há um ambiente de medo por


causa dos exames e das inspeções, mas adianta que na sua escola não seguem
à risca o que está escrito nas metas.

Entrevista com José Gomes - Professor 1º ciclo Agrupamento Escolas Baixa/Chiado

“Há um desânimo generalizado. Nunca vi nada assim. Nós continuamos a manter


alguma autonomia e alguma liberdade, não temos propriamente a polícia em cima
de nós, a passar-nos coimas, se não pusermos os miúdos a ler X palavras por
minuto”, concluiu.
[Estes são] "receios que agora, em 2015, se tornam claramente realidade, mas
acredito que ainda se pode fazer algo para mudar, para que as crianças de hoje
não se tornem adultos frustrados, por tão precocemente terem sido sujeitos a
uma Educação desadequada”, refere ainda Vânia Azinheira.

A mesma mãe conclui a petição, solicitando que as metas curriculares para o 1º


ciclo sejam reavaliadas em conjunto com os programas curriculares; e sejam
devidamente alteradas em concordância com o desenvolvimento mental e
cognitivo com a faixa etária em causa.

A resposta do gabinete de Nuno Crato


O gabinete de imprensa do ministro Nuno Crato disse apenas ao site da RTP
que “a integração das metas curriculares no currículo escolar constitui uma
preocupação de diversos países que procuram melhorar a aprendizagem dos
seus alunos”.

E acrescenta que “em Portugal, as metas curriculares do 1º ciclo foram


construídas por especialistas com base em conhecimento consagrado, que a
investigação sobre a aprendizagem em geral e a aprendizagem em domínios
particulares - por exemplo, leitura e escrita, e matemática - tem apurado. Trata-se
de conhecimento reconhecido pela comunidade científica internacional”, posições
contrariadas pelas associações de professores de matemática e português e
pelos professores ouvidos pelo site da RTP.

Teorias contraditórias
Em resposta escrita, enviada via e-mail, o gabinete de imprensa refere ainda que
“as referidas metas foram, naturalmente, estabelecidas em função do que se
sabe sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças em idade escolar. Por
exemplo, as metas curriculares de Português foram redigidas em função de
conhecimentos apurados no campo da psicologia cognitiva da leitura”, uma
resposta também contrariada pelo psicanalista João Seabra Diniz.

O mesmo gabinete conclui, referindo que “as referidas metas estiveram em


consulta pública durante um período de tempo razoável, de modo que todas as
entidades e pessoas individuais que entendessem pronunciar-se sobre elas
tiveram oportunidade de o fazer. Os contributos recolhidos pelo MEC nessa
consulta foram devidamente trabalhados pelas equipas encarregadas das metas
e integradas na versão final do documento, que foi homologado”.

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