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UM CENÁRIO, DUAS LEITURAS

aro leitor, considere este cenário para o Brasil em torno de L800:

Era um momento de gra~áe e~pansão econõmica, apesar da diminui -


ção na produção de ouro, constatada desde L770. A base da expansão não
eram as exportações coloniais, mas uma dinâmica que nascia do mercado
interno da colônia. E se mercado-Hlterno aquecido provocava elevações
gerais de produção e preços por todo o território. No momento em que
a onda de cre cimento começou, a economia metropolitana, dependente
de exportações da colônia, estava numa fase recessiva. Somente quando
cre cimento bra ileiro chegou à exportações, já na década de 1790,
é que a conomia portuguesa começou a se recuperar, na esteira do de -
envolvimento colonia l.
Além de intenso, o resciment do mercado interno no período pós-
ouro era geral, podia er clarament bservado apitania por cap itania.
orne ando p lo Ri rande do ul: ali aba e da produ ã era a pecuária,
com de taque para a mulas, que ompunham a pinha dor al do i te-
ma int rno de tran p rle, dominado p r tropa . Pelo mesmo a minho
terre trc que levava a produção de mulas e gado para o mercad interno,
p I int ri r da capitania em dir ã a n rt , vinham o prin ipai
pr dut li n umid : fum , a ú ar e aguard nte. Ma , na virada do
s ui X LX, tod um novo conjunt de alividad e de envolvia.
Em primeir lu ar, uma nova ri ultura. A venda de tri para o
Ri de Janeir e lavam re cendo d maneira expl iva: de 7 mil alqueire ,
em L780, para 2 L3 mil, em L800 . M h via tamb m uma nov indú tria
nd in t lada: a da pr duçã d h rqu , feit m gra nd e unidade
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concentradas na região de Pelotas. A produção altou de 26 mil arrobas, em interno. Sua face mais visível era a produção de açúcar, concentrada em
1791, para 213 mil, em 1808. Essa produção, diferentemente da tradicional torno de Campinas e Hu. A produção era embarcada em Santos, onde
exportação de gado, seguia de navio para os mercados consumidores (Rio as saídas do produto passaram de 114,5 mil arrobas, em 1797, para 194
de Janeiro e Salvador consumiam 86% do total embarcado). Também de mil, em 1818. Na via inversa de comércio, censos deixam claro o tipo de
navio vinha o principal produto trocado por essas cargas: e cravos. A força produto recebido em troca. A população escrava de Campinas cresceu
das vendas tinha impacto direto na demografia. O número de escravos 150% nas duas primeiras décadas do século XIX, chegando a constituir
saltou de 5,1 mil, em 1780, para 26 mil, já em 1814. 41% do total - a mesma proporção das áreas produtoras do Nordeste.
Santa Catarina repetia o mesmo processo. A economia do interior Parece também claro que a mesma produção conhecia um grande
girava em torno da rota de tropa que aiam do Rio Grande do Sul, com desenvolvimento no Vale do Paraíba, sendo embarcada no porto de
pontos de parada e engorda ao longo do território catarinense. Mas a Parati. Nas últimas três décadas do século XVIII, vários aglomerados
produção litorânea também conhecia a criação de novas atividade foram transformados em vilas: Lorena, unha, Guaratinguetá, São Luis
concen~radas _em. Florianópolis. Ali se instalaram armações para a caç~ do Paraitinga e São José dos ampos. Antes simples pousos de tropeiros
de baletas, CUJ~ oleo era exportado para o Rio de Janeiro. 0 principal a caminho do Rio de Janeiro e Minas Gerais, essas vilas começaram a
produto recebtdo em troca eram também os escravos, que pa saram a crescer em torno de alguma produção de açúcar - e importação de escra-
representar um quinto da população da ilha. vos. O contingente de cativos na população de Guaratinguetá salto~ de
O mesmo acontecia no Paraná, com uma curiosidade. A e~nomia 11,9%, em 1775, para 37,1 %, em 1801, numa evidência importante d~ ·que
ligada ao circuito tropeiro ali conti nuava flores en te. Ma passou a dividir a expansão açucareira começara ante do cre cimento das exportações.
espaço com uma cre ente produção de erva -mate _ que tinha pouco Dado o cruzamento com o mercado das tropas, também ali cresceu ex-
mercado de cons umo no Brasil. Quase toda ela era embarcada em navio pressivamente a produção de milho, feijão, toucinho e farinhas - levada
e vendida em Buenos Aire como co ntrabando. Por i o, não exi t 111 majoritariamente para o Rio de Janeiro.
estatí ~i a co nfiáveis obre o comporta mento da produção, mas, por Antes de falar da economia da cap ital da colôn ia, vale retomar o
analogta: também se pode inferir o produto forn e ido em Lro a de algo ircuito tradicional de abaste imento interno, em seus ramos que saíam
que eguta de naviO para o mercado con umidor: a população escrava de d e orocaba. De Lodo eles, ap nas um tinha forma diversa da caravana
uritiba e tava em re ci mento, chegando a 16'}0 do total. animal: as monções. Nesse caso, produto de abastecimento co mo fumo
A c onomia paulista também s guia o padrão. A mai r atividade ainda e farinhas, além de escravo , eram embarcados em anoas, na vila de
era a Feira de oro aba, ond anualmente e neg iavam algo em torno de 1 P rto Feliz, com destino a uiabá, em Mato Gro so, numa viagem que
md mula e ava lo vindo d ul om tr peiro , para omp r as caravanas levava sei me es. As monçõe atingiram o auge no período minerador
comer iais que per rriam toda a olônia. Aproveiland a 0 a iã , alt e - ma de apare era m mai len tamente que e te. A razão central era que
m nlava um giganL m r do de in umo (arrei s, brua a , selas, angalha a on mia de Mato Gros o continu u on umindo es ravos, enquanto
~L .) e de pr dutos bá i (banha, farinha ele.). ~ r uma movimentação reconfigurava ua produção. mbora a prop r ã de e ravos diminuí e
mlen a, garantida p r mais de uma entena de grande alacadi ta , que m relaçã total da populaçã , a c mpras se mantiveram , m o
:o~Lr lava:n . n~g i s de mula e os forne imentos. Ness pont , a r ta mprego d ativos para a pr dução de açú ar em pequeno eng nh
umca d Lran tto vmda d ui e dividia, e praiand se p r L do territ · 1 io. e obrelud a riação de gado. A n va atividade , e pecialmente a
Ma • a lado de a r ta Lradi i nal, outr s se t r também e d _ venda de g d , feita por ter ra, acabar m gerando uma n va arti ulaçã
env lv tam, igualm nt ligado de f. rma dir ta mérci marítim da eco nomt , de a vez m ir uit d tropa .
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E sa articulação aconteceu em Goiás. Durante o período da minera - era assim porque não entravam na conta as transações com o Estado do
ção, ali era o grande centro consumidor dos produtos trazidos de mula. Brasil. Não ganhavam registro as monumentais vendas de escravos, feitas
Com muita cata de aluvião, em pontos dispersos e distantes entre si, o especialmente por traficantes de Pernambuco. Elas eram maciças, a ponto
abastecimento dependia inteiramente de tropeiros nos primeiros tempos. de transformar o Maranhão na região brasileira com maior concentração
Em meados do século XV1II, ele passou a se,r dividido com os envios de de escravos da economia colonial: 133 mil, em 1819, correspondentes a
Salvador, quando vendedores de gado do Vale do São Francisco vararam 66% da população total.
o sertão para vender sua produção. Com a decadência da mineração, a Além da ligaçií.o marítima pela via do tráfico, havia também uma
pecuária passou a ocupar um lugar cada vez maior na economia. E o ligação terrestre entre a economia do Maranhão e do Estado do Brasil:
indicador maior de manutenção das trocas mercantis era a proporção de no interior havia uma produção pecuária cujo destino era, sobretudo, o
escravos, que se manteve alta me mo com a queda da mineração: 42% Ceará. As rotas de boiadas que partiam do Maranhão continuavam pelo
da população, já em 1819. interior do Piauí, onde também a produção pecuária era dominante, e
As economias do Mato Gros o (via Madeira-Mamo[é) e de Goiás (via desaguavam em Aracati e Carnocim. Essas duas vilas cearenses concentra-
Araguaia-Tocantins) também se articulavam com a produção amazônica. vam grande parte da produção de charque e couros, abatendo em torno de
Mas esta tinha uma característica especial naquele momento: a baixa 50 mil reses anuais para processamento. Parte dos couros era exportada,
proporção de e cravos na população. A rigor, quase toda a produção mas os consumidores de todo o charque estavam no_mercado interpo.
mercantil era obtida em aravanas fluviai em que os índios escravi- No quarto final do século XVIII, outro cir uito de produção ~stava
zados eram os trabalhadores - e o nativos ainda livres, os produtores se ndo montado ao lado dessa indú stria tradicional: o do algodão. O
com quem omerciavam. Afora os escravos índios que estes vendiam, produto es oava para o Recife e era trocado basicamente pelos escravos
o variado produto de sas trocas recebia o nome genérico de "droga do que permitiam o aumento da produção. Fo rtaleza cresceu depressa , e
ertão" e era inteiramente oncentrad no porto de Belém. Dali se faziam seu plantei de escravo logo superou o de Aracati. Em L817 havia 55 mil
embarques diretos para Lisboa, de modo que toda a produção regional e cravo no Ceará - 27,9% do total da população da capitania. om o
tinha baixa co nexão com ore tante do mercado interno colqnial. Ali, o progresso, e vi ando ao controle metropolitano da economia, a região
ritmo da eco nomia estava di.retamente ligado à exportaçõe . t i separada de Pernambuco em l 796.
Mas o me mo não se podia dizer da produção do Mar nhão - que No cenário geral de progr s o da eco nomia colonial, uma região
também fazta parte d Estado do rão -Pará, uma unidade administrativa servia de co ntra te: aquela reunindo os atuais territórios do Rio rande
d1retamente bediente a Lisb a e totalment desligada de ubordinação do Norte e da Paraiba. Em 1799, ela foi separada administrativamente
ao Vice-Rein do Brasil. P r ausa des a ituaçã admini trativa, criava-se de Pernambuco. objetivo entrai era de viar s fluxos d co mhcio
um curio o f, tto ontábil n quele momento de euforia. A pr dução de para a m trópole, permitindo que os ganhos n a tro as fica em com
alg dão e ar r z re ia e pl ivam nte. vai r da exp rta õe de algodã , omer iantes li b et s. s diligente e for o do g vernante enviado
prin ipal pr duto, p ara d 355 cont , em 1780, para 3, mil ontos, n para umprir o objetivo resultar m apenas em diminuição d fiuxo de
an de 1800. mo toda a pr dução lo ai de alg dão~ e ontabilizada m rcio, dada a com binação de elevação de pr ços dos in umo , queda
mo embar ada diret mente para Li b a, c as importa ç - e metr p na imp rtaçõe m nopolizad e ontrabando obrigat · rio para pagar
litana fo s m mínima , registro ofi ial era de um grande superávi t pel e cravo vindo do vizinh Recife.
na ba lança mercial entr a região e a metróp le. Ma , n realidad e, D qualquer m do, a soma da amputa - e d eará e da Paraíba
b a parte d s e uperáv it cr tran ferida para o mer ad interno. ls o acab u prejudi and a eco nomia de Pernambu pela perda de parte
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de seu mercado interno. Uma das explicações possíveis para a sa11ha sendo essencialmente pouco conspícua e deixando poucos reg~stro~ para a
arrecadadora metropolitana que motivou a mutilação era exatamente a posteridade, esse complexo agrícola vem ~endo ignora~o pelos lustonadores.
[... ] A sobrevivência e crescimento do Sistema escraYlsta em_ ~mas_ Gerats
elevada proporção desse mercado interno na economia local. De todas as mostra que a condição essencial para a eldstên~ia da :scrav~dao n~o fo1 a
regiões brasileiras, Pernambuco era a que apresentava o maior superávit plantation escravista, mas a existência de terra Liv~e . Nao havLa sup11ment~
comercial com Lisboa: exportava ba tante e fazi!l isso com complexas rela - voluntário de trabalho assalariado em Minas Gerrus porque a fr?ntetra agn-
ções entre o circuito interior do gado sertanejo, pro essamento industrial cola era imensa e estava sempre aberta; assim os camponeses hvres sempre
encontravam terra para sobreviver com independência. Nesse contexto,
des a produção, algum controle sobre a compra e venda de escravos por proprietários que não trabalhassem só po~eriam e~istir sobre a base do
traficantes recifenses, exportações de açúcar e algodão. Com tão variadQ_ trabalho obrigado. Havia muita gente em Mmas Gera1s, mas para desespero
abastecimento local, as importações eram menores. Não existem estudos dos que queriam empregar, sempre faltaram trabalhadores assalari~dos. Os
capazes de detalhar essa complexidade em dados, embora seja razoável camponeses livres até aceitavam trabalhos ocasionais, como o dehm~~r ~
terra, ou 0 engajamento como vaqueiros e tropeiros; mas era mut:o dtfi~LI
supor que a multiplicação de atividades indicava crescimento forte desse convencê-los a trabalhar para outros de modo permanente. Nao hav:a
mercado interno no momento da divisão. oferta de trab~lho voluntário porque a maior parte das terras amda nao
E, pelo interior, a produção pecuária pernambucana se ligava a um havia conhecido apropriação pri':'ada ou, como Marx colocou, o ~rocesso
outro circuito importante: o corredor do ão Francisco. Se, até Petrolina, a de acumulação primitiva não havia ainda se completado. [... ]A ma~or parte
do território não tinha proprietários privados; mesmo nas partes tttuladas,
margem esquerda do circuito fazia parte de Pernambuco, ~da a margem a propriedade era mais nominal que efetiva.'
direita era produção p cuária e agrícola baiana - e todo o comércio, de
Juazeiro em diante, era controlado por comerciante de alvador. Um Es a percepção, de uma transição de uma economia mineradora em
fluxo fundamental da economia colonial brasileira, formado no início decadência para uma economia agrária de proprietários independentes
do séc ulo XVflJ em direção a Mina erai . em expansão, permite entender como era a única região brasileira onde
O próprio caminho tinha uma economia relevante. Apenas na parte a produção interna rescia, ape ar da diminuição do número de escravos
baiana do circu ito havia cinco grandes regiões mineradoras (Jacobina, Rio 110 total da população - que caiu de 48% do total, em 1786, para 33,5%,

das ontas, Aracuaí c Fanado, além da hapada Diamantina). Embora os em 1823. Mas, apesar da queda relativa, em nenhum momento o número
dados e pecíficos des a regiões sejam e as os, pare e claro que a cuJtu ra ab oluto de escravos decresceu, passando, de L74 mil para L89 mil; no
do algodão ali eslava e expandindo na virada do é ulo XIX, quando a me mo período, a popu lação livre passou em números absoluto • de 181
mineração perdia ~ rça . Havia negó io inclusive om tropeiros de ã mil para 375 mil habitantes . re cime nto e oncentrou e pe ialmenle
Paulo e um d mai ri paulista do tempo, Antoni da Silva Prado, na Zona da M ta, ligada ao abasle imento do Rio de Janeiro.
íez ali, naquele mom en t , ua fortuna inicial. om isso se entende claramente por que a principal rota de comér-
A rota terminava em Mina erai , onde a diminuição da produção cio interno brasileira daquele período era a ligação terrestre entre Rio
de ouro lev u à onstru o de uma e on mia inteiramente nova, ba eada de Janeiro e Minas er is via juiz de F ra. ali e mo trava um ~ rte
não apena n mercad interno, ma pe ialment na pequena pr du ão. padrão d e res imento. Uma rota ba i am nte mantida por tropas, ma
Uma e onomia d cara terí lica própria , per ebida ini ialment num p r onde lamb m cir ulavam caravana d e ravos e boiadas de.toda
importante e tudo pi nctro de Amilcar Martins Filh e Roberto Martin • e pé ie. A principai vendas para a apital r m de porcos, toucmho,
publi ado em 1983. nclu õ resumidas:

A fazenda, o sítt , a roça de ubsistên tJ u a propn ·clade de naçã


pe ud 1 Marttns Falho, Amalcar e Martans, Roberto. lavery In· a Non-Ex:port Economy· aneteen
lh entury Man eraLS Reva ated . In: 1/rspanac·Amerrcan llrslollcal Revrcw, v 63 Durharn
ria formaram o nú lc e oraçao da vtda e nômi a d Mmas era t . Ma , Duke Universlty Press, 1983, pp 559 66

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HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES

algodão e tecido . O aumento das vendas foi superior a 100% nas dua de escravos africanos. Esses escravos, naquele momento, não estavam
primeiras décadas do séc ulo XIX. sendo destinados apenas às zonas produtoras de bens exportáveis. Pelo
A capitania do Rio de Janeiro também conhecia um grande crescimento contrário, eram distribuídos entre as muita atividades internas- que no
da produção local, concentrada na região d e Campos dos Goytacazes, todo absorviam o maior volume de cativos. Esse é um indício cla'ro de
onde o aumento da produção de açúcar era explos ivo. O número total que o crescimento da produção interna podia acontecer sem nenhuma
de engenhos da região passou de 34, em 1767, para nada menos de 328, relação específica com o desempenho do setor exportador.
em 1799. Mas a capacidade de compra de escravos, embora fosse um indicador
orno se pode ver, o cenário da produção do mercado interno em importante da atividade mercantil crescente da época, não explicava tudo
1800 - sem considerar as exportações tradicionais - era de expansão sobre a produção. Em primeiro Lugar, porque a larga maioria da população
geral. Entre todas a regiões, só havi a sinais claros de queda na Paraíba brasileira era formada por homens livres. Segundo as estatísticas oficiais
- justamente a porção de território separada à força numa tentativa fra - brasileiras disponíveis, em 1819 a população total brasileira seria de 4,39
cassada de transferir receitas internas para negociantes metropolitanos. milhões de pessoas (se considerados os índios livres como habitantes),
Mas mesmo esse fracasso ajuda a entender que o poder de intervenção ou de 3,59 milhões, com sua exc;:Lusão. No primeiro caso, a composição
lisboeta era insuficiente até mesmo para mudar os rumos da pequena dessa população seria a seguinte: 56,6% de colonos livres; 18,2% de
economia paraibana. índios livres (portanto um total de 74,8% de pe soas livres); 25,2% de
A inclusão do setor exportador não explica o quadro interno. O prin - escravos. Ainda que d esprezados os índios como moradores do Brasil (o
cipal produto da pauta, o açúcar, não teve desempenho tão elevado como qu e é duvidoso, já que produz iam para o mercado interno, como se nota
o da produção interna no perí do. E tagnadas no início do crescimento claramente na economia da Amazônia) , as proporções seriam de 69 , l %
interno, a exportações conheceram fortes flutu ações ao longo dos dez de pessoa livres e 30,9% de escravos.
anos po teriores a 1795 - sem uma tendência clara de alta. E isso aconte- Ainda nessa pior hipótese, e_ouco mais de dois terços da população
ceu num momento em que a produção do Sudeste mantinha um padrão se riam de homens livres. Como as pesquisas atuai indicam que a média
firme de crescim ento. Dessa forma, é razoável imaginar que consumo de ~c~~~<?_~ proprietário,_~ virada do sécu lo XIX. era de cin oca -
interno ou vendas não contabiliza das [os em releva ntes naquele momento. ti;os, o número de pr prietários d es~ravo pode ser estimado em 220
No todo, portanto, o rescimento - especialm en te ao longo da década de mil - ou 9% do onlingente de homens I ivres. endo assim, 2,26 milhões
1780 - teve orno ba e um rescimento geral do mercado interno. d e homens livre , ou 91% do total deles, não eram proprietário de e -
Outro indício nessa direção é a pr pria diver ificaçã da pauta de ravos - mas repre entavam 62% da população total. Para pen ar nessa
exportaçõe que veio com a nda de crescimento. A começar do algodão, ma1 ria co mo f, rmada por produtores, deve m ser descontadas mulheres
tod a uma e Lrutu ra produtiva havia sid montada ante de 0 produto e crianças, alg qu e ainda não foi fei to compre i ã ; ainda as im, pare e
começa r a ga nhar rei vân 1a n pauta - em que eXJ tL em inve timento I r que a ma i ria da força pr dutiva era co nstituída por h m n livres
metropolitan pro e e r petiu m uma série de produto , d qu ' nã possuíam e ravos.
modo que a pau ta a ab u nhe endo grande diversifi a D ponto de vi ta cconômi o, a distinção qu e in tere a é aq uel.a em-
d século x rx, quando mai de uma er preg. da por Amil ar Martins e R bcrlo Martin : parte muit pequena da
nviada para Lisboa. p 1 ula ão livre r a alariada, d modo que tratava, tecni a mente, de
Ao me m tempo que ap nta para o men.: ad intern , enan m s pr dut re ind pendente , d n de seu meios de produçã e capaze
Lr um a rei, ç · ignifi ati va entre aumenl da produ ão c íornecimenl de pr duúr por onta própri a m io d vida e a umulação de riqueza.
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E dessa maioria que e destacavam os compradores de escravos- mas, Com todos esses dados em vista, a onclusão é que a capacidade
claramente, nwn pro esso que tmha muito de capilar. dispersa de compra de cativos - e não a concentração das compras em
s mais bem -s ucedidos nessa produção independente, assim que po- poucos grandes clientes - era mais que um dado : podia se r considerada
diam, tratavam de contar com o trabalho obrigado - ou seja, compravam um nexo importante para explicar o período de crescimento da economia
um e cravo. Esses pequenos compradores de escravos formavam a imensa interna num momento de queda da economia metropolitana.
maioria da categoria dos proprietários de cativos - daí por que a média Mas, para explicar um ciclo de crescim ento como esse, é preciso
de escravos por proprietário fosse tão baixa. Os estudos existentes deixam mais que dados de mercado consumidor. É preciso capita l que financie
claro qu não havia nenhuma distinção econômica relevante entre os o crescimento. E o capital veio necessariamente de fortunas internas. Sua
propr~osd~ pequenos pla~té-i s e os h~me;; 1~-;~-nã~ prop~i~tá.~ios: fonte pode ser encontrada especialmente nos pontos de onde partiam os
eles reâfiza~am a-s n:iesma atividades econô~~a~-. div.idi~ o -m~s~o escravos e para onde se dirigia parte con iderável da produção interna:
espaço social e a y!da ÇQJ1!\!Jlilár.i.a.__. Rio de Janeiro e Salvador. Os traficantes de es ravos dessas duas cidades
Nessas condições se pode entender q~e, apesar da relação entre eram o homens mais ricos da colônia. Ao contrário do mercado disperso,
crescimento econômico e compra de es ravos, os dados de pesquisa esse era um setor altamente concentrado. Ne sas duas cidades, foram
existentes para o momento indicam claramente que is o não se faz1a n m feito estudo sobre a estrutura das maiores fortunas do período - que
pc:!_o incremento das exp?rtações nem-"Pe~d~s wa nd~;-proprieda~ também não deixam nenhuma espécie de dúvidas. Sete das oito maiores
des. bserva -se um quadro de expansão e onômica ligada à compra de fortunas inventariada s na apital até a segunda dé ada do século XIX
cativo por wn número altamente disperso de pequeno proprietário , eram de traficantes - e representavam nada menos de dois terços da ri-
com forte pr dução no mercado interno. Eles empregavam os cativos na queza total deixada por todos os inventaüant s. A magnitude podia ser
atividade na qual estavam, em pequenos empreendimentos, não exata gigantesca. Apena o valor do inv otário de )oão om s Barroso, feito
mente diferenciados daqueles mant1dos pela maioria da população livre em 1809, equivalia a 24% das exportações de todo o Brasil naquele ano.
que não tinha cativos. Ao contrário dos compradores - que eram dispersos -, detentore
Assim , a] m de uma expansão geral da produção interna, havia uma de grandes capitais e forne edores de escravo formavam uma elite alta -
expansão ujo centro dinâmi o era um onting nte maJOritario de h mens mente concentrada, de pou as dezenas de traficantes. Todo o tráft o d
livres que não po suíam es ravos, ornado a um contingente menor de alvador era ontrolado, no segundo terço do século :XVIIl, por ape nas
pequen proprietário de es ravos. Esse grupo, entral para entend r o 37 omerciantes - dez do quais ficavam c mamai ria dos negó io .
fun 10nam nto da e on mia naquele m mento, estava di p r o de maneira me mo nário de conlr le p r uma p quena minoria e repetia no
relauvam nte uruform p 1 l do o terntóno. nde hav1a produção local Rio de )aneir .
omandada p r h m en livr havJa dtversidade e uma parti 1pação Ma as p u a pe soa eram capaze nã apena de on entrar
men r de s ravos no t tal da popula ii , além d a mplo domíni d riqueza om t mbém d ontr lar t do o flux de lro a de ca tivos p r
baixas média de alJVOS p r propri l rio. mer a do ria n me r ad inl rn , e ainda m
A exp rtaçã apenas, entuava a pr porção de c rav na populaçao bter a prin ipal mercad ria que vendiam, eram don o de fr ta navai
total. Apena numas p u a regi - , nde e rav ~ ram important a1 azes d ru zar Atlânti . om na vi iam cargas produzida n
na pr du ã de arllg exportáveis, a on enlraçã d ativ n t tal Brasil prati am nt tod n umido numa vasta ár a
da popul a ão hegava a n1v i pr 1mo da maioria ·om a ex e ã do da Afri a, qu · ia de d o la da Mina at Mo ambiqu ,
Maranhão, nde ~ r a v s eram d i lerç da p pulação. ·x etuada a Afr i a d ui. N ap na s pr dutos era m nviado , ma
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também os finan iamentos que mantinham a atividade dos apresadores a longo prazo, obrigatoriamente mais dinâmicos que o setor exportador
e vendedore de escravo . om isso, toda a economia de sa região de- para a metrópole. E toda essa dinâmica esteve concentrada, no período
pendia dos capitais dos trafi antes brasileiros - sempre credores da eLte anaL ado, na combinação entre a grande base de pequenos produtores livres
de comerciantes locais. com um topo concentrado de capitais em mão de traficantes - ficando
O domínio dos traficantes brasileiros sobre a economia da África era o setor exportador de fora do centro dessa dinâmica até o último Lustro
tão grande que chegava a produzir reclamações curiosas. Martinho de Melo do século XV~II, quando as exportações foram retomadas e aceleraram
e Castro, ministro de Estado em Lisboa, escrevia em 1770: "Não se pode, ainda mais o ciclo de crescimento.
sem grande tristeza, ver como os co loniais brasileiros tomaram o comércio Pois bem. Dado o cenário, há duas alternativas.
e a navegação com a costa da África, com a total exclusão de Portugal': aso esse cenário lhe tenha parecido familiar, caro leitor, a sugestão
Com tudo isso se pode veriftcar que os capitais internos da economia é que você passe diretamente para a segunda parte do livro, intitulada
colonial, acumulados e concentrados, tinham. volume e capac idade sufi - "Construção". Ela contém uma sugestão para explicar melhor o cenário:
cientes para não apenas financiar a produção agrícola interna e dispersa mostrar a figura do empreendedor como a peça central para entender a
como também dominar negócios em dois continentes. Por isso, podiam formação econômica do Brasil colonial ao longo dos três séculos anteriores.
comandar a produção interna da colônia dando a ela seu ritmo próprio, Essa .figura veio de duas fontes iniciais: de um lado, tupis e guaranjs
não dependente da frágil economia metropolitana. Assim se pode imaginar que se transformaram em produtores livres coloniais; de outro, metropo-
como o crescimento da economia colonial bra ileira, no final do século litanos imigrados que ganharam a mesma identidade- as duas categorias
XVIII, começou nwn momento de queda da economia metropolitana e deixando de se identificar com a situação de origem pela combinação
estagnação das exportações. variada de casamento e tentativa de enriquecer. Os filhos de ambos foram
Em 1800, talvez fo e mais apropriado dizer que o ritmo da econo- aumentando o onjunto inicial, ao qual e agregou um fluxo contínuo de
mia portuguesa é que dependia do desempenho colonial. Entre 1796 e novos elementos. Ao longo de três sé ulos, o Brasil recebeu imigrantes
J 807, portanto já no período de retomada da economia metropolitana, portugueses. Em praticamente nenhum momento da história colonial
as exportações brasileiras cor responderam a 83,7% do total de exporta - houve domínio da migração europeia no sentido inverso, isto é, de co-
çõe das colônias portuguesas, e a venda dessas exportações para outro loniais atraídos pelas possibilidades de riqueza da metrópole. Esse um
mercados gerou 56,6% de todas as receitas do Império com exportações. indício de que, além de um mercado dinâmico, havia no Brasil colonial
Na via inversa, o Brasil consumia 78,4% de todos os produtos enviados uma sociedade aberta, capaz de re eber e abrigar pessoas dispostas a en -
da metrópole para sua colônias, e 59,1% do total de produto impor- riquecer - e mobilidade social capaz de atrair i.ndio mais que europeus.
tados pelo Reino. De de o século XVIII, a miscigenação foi largamente ampliada pela
No Brasil, a dependência de mercados externos era proporcional pre ença de descendentes de africanos entre os homens livres, pre ença
mente muito mcn r. álculo re entes indi am qu o mer ad intern que e acelerou muito a partir da de coberta de ouro. Antes dela, apena o
repr entava, ness períod , algo m torno d 84% do t tal da economia Nord te conhecera tal real idade. s ensos dem gráft os estud ad hoje
(ap 'nas para mparação, em 200 o mercad int rno repr nlou 86,7% mostram que uma parte c nsiderável da população livre era con tituída
da onomia brasileira) . por pe as de as ndência a[ri ana, a mai ria dela de mis igenados.
Em um regim de mon p omercial, c mo o vigente ntre Brasil Do ponto de vi ta populacional, a mescla brasileira d raça f< rmava a
e P rtugal na era lonial, há um mod d isso a nt cer : tanto ma i ri da populaçã l.i vre - uma ara terística apen bra ileira, ainda
m r ado intern da olônia m a a umulação de apitais nela eram, que h uvesse escravidão africana em todas a Américas - , num utr
20 HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES UM CENARID, DUAS LEITURAS 21

indí io de existên 1a de uma ociedade aberta , mesmo em fa e de um aqueles que sustentam a onstrução do cenário apre entado acima. orno
regime laramente escravista. e pode ver, essas distorções levam a apresentações em que ambos o
A segunda alternativa, caro leitor, é a de que es e cenário tenha lhe fatores são imensamente subavaliados.
pare ido altamente estranho, qua e uma obra de fantasia. e for isso, é A ideia central dessa parte é entender como se chegou a uma gigan -
ba tante pos ível que a e tranheza e teja ligada à explicação hoje larga- tesca diferença de medidas, toda ela concentrada no mercado interno. No
mente dominante da história do Bra il. Trat~ um_~odelo que tem modelo do latifúndio agrário-exportador esse mercado é considerado,
como pressuposto aquilo que é justamente o contrário de uma economia além de pequeno no porte, totalmente secundário na dinâmica da eco -
- - • ~ ·-w- -- ,..- • • ·----·
colonial de bom desempenho. Aplicando esse modelo, produzem-se ava- nomia. Por causa disso, o modelo também apresenta como irrelevante a
liações como: o latifúndio agrário -exportador impediu o desenvolvimento concentração interna de capitais e riqueza - as mesmas que os números
do mercado interno; o sentido da colonização era exportar uns pou os mostram. Também considera irrelevante o papel econômico da maioria
produtos e transferir riqueza para o exteric;>r, deixando apenas pobreza da população formada por homens livres. Assim, no cenário apresentado
e devastação; a escravidão era base do sistema, e a exploração direta de acima, aparece um retrato que é exatamente o contrário das previsões do
produtores, o segredo da economia; a colonização escravista produziu um modelo, retrato es e feito sobre uma base sustentada em pesquisas recentes.
povo analfabeto e uma elite insensível. Tudo isso constituiria uma base laro, uma distância tão grande não pode ser explicada sem algumas
de problemas que desemboca na pobreza nacional e na desigualdade de surpresas. A exploração colonial é como a Terra no sistema geocêntrico:
renda brasileira de hoje. um ponto e tável ao redor do qual girava todo o universo explicativo de
model não explica apenas a economia interna. ~ do o conjunto toda a história do Brasil.
ocial é anal i ado com vi ta ao mau re ultado que o m delo des re- As evidências de que a economia colonial brasileira girava em torno
ve: a sociedade que a exploração co! nial gerava eria, além de pobre, de seu mercado interno podem provocar sensações paradoxais, embora o
violenta. Tendo na base a exploração do trabalho e crav , no topo estaria objetivo do trabalho passe muito longe do de ejo de agitar. Pelo contrário,
o poder coo entrado do latifundiário dominador, capaz de explorar, via o objetivo é assentar uma explicação tão firme como possível para dados
dependência pe soai, homen livres. Ass1m se montaria um SIStema que vêm se tornando cada vez mais evidentes.
político de dominação polltJca oligárqui o, om o ontrole das eleições ntre os paradoxos, não falta um, o ideológico. Uma grande parte do
pelos :.enhores. Com tudo isso, o conjunto social não progrediria. e tu liosos que empregam o modelo do latifúndio agrário -exportador
Por causa de a conexões. o c nário apre entado a ima pode soar entende que o su esso desse modelo é re ultado da apli ação do mar
como not[CJa estranha, resu ltado r bricado, otimismo exagerado, fan - xi mo como metodologia. Trata -se de orguU10 justificado pela própria
tasia intcle tua.!. Nada mais natural que essa reaçã , na medida em que força que o modelo adquiriu - e orgulho que certamente erá afetado
o m dei d latifúndio agráno -exr rtador tem uma longa tradtção pela nece idade de sua revisão.
in tele tua! p r trás de i. te trab lho fique dar - não faz uma revisão do marxismo. Pel
end aso de e tranhament , <..aro leitor, a ugcstão é meçar a contrário, na bu a pela compatibilização entre dados de pesquisa e sis-
leitura pela primeira parte, tntitulad "Análise". A ideta centra l nela não t ma expli ativ , também emprega, n qu próprio, muitos element
é fazer ríticas por r z - es de g sto, mas apre enla.• motivo internos de metodol gia marxista.
ao m d ·lo pelos qu L ele provo a avaliaÇ m qu tanto o mer ado Tal alerta é aqui essen ial. m pont que p de ser p !'mico n te
intern orno a papel econõmt d populaçã lrvre pobre apare em livro é a dem nstração d que a régua que medem rcad i.nt rn - com
de m d larament d1stor id m relaçã a dad s de pesquisa , c mo de vio para meno é a me ma tanto para a ver ão marxi ta mo para
22 HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES UM CENÁRIO, DUAS LEITURAS 23

a versão on ervadora do modelo do latifúndio. im, existe uma versão como produtores individuais e homens livres. Buscando enriquecer na
conservadora do modelo, que o texto mostra em detalhes. E mostra América, correndo riscos, formaram esse espaço de crescimento econô -
também, de forma objetiva, que es a versão migrou desse pensamento mico interno, produzindo um mercado dinâmico numa realidade pública
conservado r brasileiro para as expl icações apresentadas (e largamente muito limitadora. A definição, portanto, toca a maioria populacional do
aceitas) como sendo fruto exclusivo do marxismo. hom ens livres, ligando -a à produção pela posição ele produtores indivi-
A junção, em um único conjunto, de duas correntes que marcaram duais. Não exclui a escravidão, não nega a escravidão - até porqu e alguns
campos ideológicos opostos ao longo d sécu lo passado certam ente pode empreendedores se torn avam proprietários de escravos, e os raros muito
provocar ainda mais desconforto - mas, sem ela, também não é possível bem-sucedidos fossem os traficantes que ficavam no topo da hierarquia
chegar ao entendimento de orno o mercado interno era o seto r m ais sociaL Também não nega a importância da exportação na economia co-
dinâmico da economia coloniaL loniaL Mas propõe que se observem como mais relevantes, como sujeitos
- 0 - -· M - ·--- oo 0 Mo·-··- ---·

Este é o objetivo ma10r. Daí o porquê de o livro começar com um econômicos fun~~eE-tais! .9~~-embr~s -~es~.l!l~i-~r~a po_pulaci?~~ _lj~e,
apelo ao leitor que eventualmente venha a terdes onforto no momento caso s~ queira entender a formação do mercado interno e o pro çes~Q_4e
de ver a fusão entre pontos de vista que lhe parecem inteiramente díspares ~cumula~ão de capit_al ~o m os dad?s aprese_ntados no ce~á~iq .
num único todo. Um novo entendimen to do mercado interno, para além Para isso, é preciso um novo modo de pensar o que era o mercado
das aparências ideológicas, só é possível com a introdução de um novo colonial, diferente do modo de co nceber do modelo tradicionaL Não se
ponto de vi ta de análise. Esse ponto de vista está intetizado na figura chega a um juizo sobre um mercado interno florescente quando se parte
do empreendedor. do pressuposto de que ele não existe, u de que é subordinado ao me-
A figura do emp~:!!d_:~or nã_?._~s~~ne~te livro ~om .~!!la !1_9Va !~§Jl()Sta tropolitano. E não se cr ia um novo pressuposto sem uma definição nova
~~velho prob~~ma, ~as antes é uma tentativa _de responder a um n<2_vo e muito clara daquilo que seja roer a do ou troca mercantil na economia
problema: como fot po sível que o mer ado interno cre ces e m ai~ que o coloniaL
mercado metropolitano, me~m o numa realid ade de eco nomia coJo~ i al, É simplesmente nesse sentido, da busca do entendime nto para um
m nopólio comercial, ubor~inação política, pre sõe cu lturai - enf1m , cenár io que pode ser muito diver o do imaginado anteriormente, que
de um conjunto de açõe de governo expli itamente destinados a fazer a crítica ao modelo é feita. Mesmo dura , ela não tem nenhum bj etivo
da colônia a part xplorada do R ino. ideológico - apesar de atravessar territórios minad s co m essa m atéria.
Somente lá, aonde toda a pre ão explorad ra não chegava, era p s- E t alerta é importante para todo os leitores que es lhe rem começa r
sível construir um mercad f1 res ente. Apenas à margem do sistema da primeira parte. Sua leitura pode exigir a revi ão de hábitos arraigados
de sub rd inação as tro as internas se multiplicavam. Fugir do govcrn de aná li e, mexer c m e truturas mentai que pare iam tão c tidianas
m r antilista ( que não tem nada a ver om a di cu · e bre papel com pão de cada dia. Mas não t m o objetivo de cuspir no prato analí -
d g verno ntrc liberai , s ia I-dem rat se ociali ta que marcaram tico que, por muito n , aliment u in lu ive e t autor. Apena prepara
ul o passad ) ra imp n o para pr gtedir. E aquele que faliam on itualm en te a n e idade de entender que a figura do empre nd dor,
1 o eram a mi tura entr pequeno produtor livre e mobilidade so ial, talvez seja
pli ação nã bu ca um t p estreito, ma e s n ial para expli ar um cenário omo o mo trad acima.
uma ba mpreend I 1 tá li gada nã a um re ui
tad , mas a um aminh . A definição não, brange o bem u edid
mas t do · qu 'le que tentavam . E tcntav m por um caminh pr pitO,
176 HISTÓRIA DO BRASIL CO M EMPREENDEDORES

humana. Como bra ileiros serão tratados por nós o chinê e o luso, o
egípcio e o hait iano, o adorador do sol e de Mao mé:' 139 VENDENDO MERCADORIAS
Receber o estranho na família, como faziam os tupi-guaranis e con -
tinuaram os coloniais, seria, para José Bonifácio, o gesto es encial para
sustentar o empreendimento da construção de uma ação. Nela, a união
dada pelo casamento com o de fora e a mistura de povos superaria as
diferenças sociais mais profunda , a força negativa (em relação à liberdade
e empreendimento) da escr avidão:

É tempo de irmos a abando gradualmente com os últimos vestíg1os da escra-


vidão entre nós, para formarmos uma nação verdadeiramente homogênea,
sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e fe hzes. :1:
da maior necessidade ir aca bando co m tanta heterogeneidade fís1ca e civil.
Cuidemos pois, desde já, em amalgamar tantos metais diversos para que
A ideia de wna socie_d ade multicultural, aberta para em-p reend edores
e capaz de ad.inm1strar um processo oc1al CUJa umdade vem da
saia um todo homogêneo e compacto, que não esfarele ao toque de qualquer mistura substantiva do elementos diversos já existe na cu ltura brasileira.
convenção políLica.' 40 Mas é vista muito mais como wna espécie de vaga utopia do que com o
um proces o a ser levado a sério para explicar economia ou sociedade.
A ideia de que a h omogen eid ad e bra ileira vem da globalidade de ão antes as razões ontrárias que dominam como press upo to de análise
elem entos co mp on entes - e o proces o de sua co n trução se assenta da formação do Brasil - e elas ão ólidas.
no gesto tupi de cre er in tern am ente a itando em asa o de fora - é Em primeiro lugar, es as razões m os tram que não se tratava de ter-
a forma tanto d a so iedade como ela ba e po sível de ente ndimento do ritório livre, espaço tota lm ente aberto p ara empreendedores. Antes, a
mer ado intern o. N essa for ma ampla se as enla a n oção ele empree nd i- terra tinha o estatuto de colônia , com tod o o peso desta determinação.
mento como d ado fundamental na formação da so ied ade. ocied ade Havia na base a xclusivid ade de com ércio com a Metrópole, delibera-
aberta, laro, poi mar ada , no que tem de mais ger al, pelo aco lhim ento damente m ontada para propi iar ganhos econ ômicos para Portuga l nas
à jornada de mudança que caracteriza Lodo empreendedo r, seja na versão trocas entre as partes. E sa obra de subordinação não era fortuita, m as
o iden tal ou tupi . empreendimento no sentido do domínio e da exploração. Desigualdade
de tratamento era o nome do jogo.
A verd a feira base de todo o siste ma se ria o trabalho esc ravo (e,
na pr óp ri a definição, nun ca é demai repetir, a es ravidão já seria a
antítese da ideia d mpree nder ). N lu gar de um a s ci dade aberta,
portanto, que então pare e en ial para enLend r Brasil é p n ar
num si Lcm fund ado n a violência, e n ã na liberdad d empreend er;
d mpre sã dos pr du tores livre , n lu gar de portunidades para
res er; da realidade da cgregação ia! violenta d o es ra vo , não
d ideal igualitário da mi tura étni a.
2 9 .alde u·a, J rge ( rg. e 1111. ) José Bomfácw de Andrada e ::,dva ~•o Patdo· Ed 3<1, 2 02, p
36. (F rmad res do 13ra li ) Um imple exempl • juda a entend r a natureza da difer nça es n ia!
240 Ibtdem pp 20 I 2 de explicação btida m um ou outr pr cedim ent .
178 HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES VENDENDO MERCADORIAS
179

Guilherme Pompeu de Almeida nasceu em ã Paulo na primeira comandada por escravos bem pagos - e om direito a ter, eles me mos,
década do século XVIP~ 1 • Era fi lho de Pedro Taques, secretário de um seus próprios e cravos.
Governador era! que se mudou para a então distante vila. O cargo do Essa multiplicação de atividades, inacessível a um artesão individual
pai não bastou para o filho do secretário começar a vida do alto. asou -se fez a diferença. Gu ilherme Pompeu de Almeida con truiu uma fortun~
com Maria de Lima, em 1639; a noiva não recebeu dote - o que a colo ava sólida.. Deu, então, um novo passo: empregou o capital acumulado para 0
num ponto muito baixo da escala ocial da época. Era órfã de mãe, tinha financiamento de negócio de terceiros. Começaram então a aparecer na
onze irmãos - e o apelido de seu pai, João Pedroso Xavier, já dizia tudo documentação referente a ele seguidas confissões de divida , com valores
sobre se u modo de vida: "Terror dos Índio s'~ bem maiores que aquelas ligadas ao fornecimento de ferro para incursões
Ao modo paulista da época- que era o modo dos tupi -guaranis - o de resgate no sertão. Quase todos os créd itos eram dados para parentes
no ivo foi viver no território da noiva: Santana de Parnaíba, então uma - essa era a maior garantia de crédito possível na época. Na década de
recém-fundada boca de sertão. A vila era famosa pelas in cu r õe de r e gate 1660, Guilherme Pompeu de Almeida começou um outro negócio: dividir
que gente co mo o sogro violento organizava, mas o movimento para o terras. Juntamente com a fundição, veio um título de algo que poderia
interior nunca atraiu o novo morador. Ele fincou pé o lado da vila, onJe lembrar um latifúndio - mas que o empreendedor empregou doando ou
começou na vida arrendando a forja de um ferreiro recém-fale ido; os vendendo muito barato alguns quinhões para parentes e clientes. Com
filhos e genros deste, todos igualmente ferreir s, onsideraram o lugar isso, conseguiu ir montando uma rede de negócios de maior porte, for-
di tante demais da civilização para abrigar arte ão de bom nome. necendo também crédito para os novos vizinhos.
s negócios de ferro de uUherme Pomp u de Almeida re ceram Mas não se de cuidou do se rtão, onde às vezes aconteciam grandes
devagar. Em um tempo em que os ofí lOS passavam de mestre para aprendiz, negó ios. O maior deles aconteceu em 1676, quando forneceu dinheiro
o fund1dor de Sa nta na el e Parnaiba aprendeu o ofício por conta própri a. para eu cunhado, Joã Pedro o Xavier, filho do Terror dos 1ndios. om
on:.eguiu tornar· e fornecedor de ferro para sertamstas da família - pois uma incursão bem armada e planej ada, João Pedro 0 levou duzentos
facas, cunha e anzóis eram o produtos bá i os das trocas m nativos. homens para o oração do continente, na região da atual Corumbá. Dali
Não ganhava muito no inici . Levou uma década para nseguir co mprar voltou co m os cinco mil moradores da cidade espanhola de Vila Ri a do
as oficinas qu arrendava e a mma de ferro que ficava bem a eu lado. E pírito anto. Faziam parte do grupo desde índ ios gua rani até arte ãos
A partir da d cada de 1650, passou a m trar, nos b lsos, certas altamente specializaclos, que onstruíram vário altares pela capitania,
vantagens de ua formação em am biente de mi tura: não linha a menta entre eles os de igrejas j suítica . omente uma grande capa 1dade ima-
!idade do arl ã medieval. Pen ava em ua ofi .ina omo um oegó i , ginativa permitiria entender t do esse m vim nto orno uma gu rra de
e apli cava seus ga nhos para tr inar es ravos no lrab lho de fundi çào aptura. Não houve um único co mbate em todo o tempo, 0 que indica
algo qu e qu alquer artesão ntão con idcrava um sa rilégi N,1s dua laram nte uma mu lan ça prepar da e acordada . A divisão dos ganho
dé das seguinte , montou uma bem azeita la manufatura. Il avia turm a da vtagem r f, rça ainda mai s a ideia. Ao fim da missão, o cunhado via
espec ializada na pr dução d rvã e em minera ã . Ma o entr jante ntinuava igualmente pobre- e o empreendcd r, em ai r da vila,
d neg ci eram in o ofi mas d metalurgia e s rralhena, ada uma e tornou um do h mens mais ricos de ão Paulo, cheio de prata para
gaslar om mais n g ci
24 l hvro O ba11que•ro do sertão (S:1o P.JU to Mamelu co, 2006) l• az, d modo completo, e se ponto da vida em diante, uilherm P mpeu de Almeida
nao apenas os uados b1ograficos de udhcrme Pomp •u de Almeida, co mo um " descnç;,o de reuniu -apitai sufic.i nte para t r pa1ticipação m n g cio públi os de
1alhada das fontes pnmá11as e sec undá ••as e de IOdos o~ perso nagens e Situações sob• e S"o
Paulo aqu1 menc1onadas se m nows espec1ficas ma1 r m nta (at nlao, o m xim a que hegara hav1a si do a ap 1t- 0 da
VENDENDO MERCADORIAS 181
HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES
180

qualquer
uatr · d"inflação
'd ou riqueza artificial. O resultados sa-o .unpress10nantes·
.
vila). Financiou parte da montagem da Colônia de Sacrame nto, encheu qd o m IVl uos passam a possuir menos de 200 m•·t r é"1s em posses Dos.
o boi o tanto com a venda de mercadorias para aba tecer a tropa como ez resdtantes, tod~s, com exceção do mais pobre, estão significat•v~ente
engaJa os no comerc10. w
pela arrecadação de impostos que pagariam as despesas dela. Assim,
morreu muito rico, em 1691. - O r,nesmo traço essencial pode ser encontrado nos testamentos que
Resumindo: o capitão Guilherme Pompeu de Almeida jamais lidou vao ate o quarto
. final do século XVII · Um do s mrus
. ncos
. contemporâ -
com comércio metropolitano nem com exportações; não acumulou terras, neos d e Gwlherme
, Pomp d Al ·d
eu e mel a tOlo comerciante Antônio de
c ·
antes, as dividiu; não tinha a agricultura como principal negócio; nunca Aze~~do Sa. Ele morreu em 1680, deixando uma fortuna de 4,1 conto
ocupou cargos eletivos, nem mesmo em sua pequena vi la. Acumulou de re as. Apenas para se ter uma comparação, este valor era trinta vezes
seu primeiro capital introduzindo uma novidade técnica para os padrões maJOr que os 128 mil réis possuídos por Antônio Raposo Tavares em
do tempo: dando escala ao traba lho numa manufatura de escravos. E 16~2 ~ e, n aquel~ ~omento, ele tinha liderado o maior apresamento
multiplico u-o fome endo o produto a um mercado em que as trocas, de mdlOs da htstona de São Paulo. Mas, perto de Azevedo Sá, Raposo
feitas com índio , não tinham expres ão monetária direta - mas de onde Tav~~es era pobre; somente em dinheiro, o comerciante tinha 1,9 conto

ele arrancava dinheiro e o transformava em capital. om isso, chegou de rets, ou qumze vezes o total do valor dos bens do dono de índios. Por
ao ponto onde tinha o suficiente para funcionar como uma espécie de outro lado, Azevedo á não tinha mais terras que um pequeno sitio e
banqueiro de inve timentos. Daí em diante, a gestão do capital a umulado era senhor de um ~otal
de apena dezoito e cravos (com cinco african~s
se tornou eu maior ativo econômico. no grupo, uma randade então res rvada apenas aos milio nários d . il )
tod til. d av a '
Mais ainda, existem indícios bastante claros de que o caminho seguido 0 u lZa os em erviços domésticos.

pelo capitão Guilherme Pompeu de Almeida não era exceção - antes, se utro contemporâneo ri o foi onçalo Lopes. Mameluco e c d
com filha d e 10
· d.ta, eu nome mal aparece nas genealogias, por faasa o
lta de
onstituía na regra da acumulação de fortunas em eu tempo. John French,
ao analisar o te lamentos paulistas do per iodo 1596-1625, comparou a nobreza. Mas sobra oas confis õe de divida, especialmente de seus genros
nqueza deixada co m a posse de índ1os e de terras, conforme o modelo que c ntrolavam a política e a produção agrí ola local. O tamanho tota;
latifundi ta, mas não deixou de fazer o mesmo com o dad s de atividade de sua fortuna e tá no te tan1ento de sua viúva que del.X
· ou 6 6 t
169 d . ' · , on os em
3, os quat , a. metade em dinheiro ou rédito · Tinha apena s d ezenove
come rcial. onclusão:
e ravo
d l ·'um s•uo -- e uma indústria de couros em ubatão · No campo d as
Um exame dos testamentos desse período md1ca que ão Paulo experiment u
o fenômeno clássico da rescenle penetração de uma econ mta de mercado h d.a( e aras ex eçoe ' havia uma figura pe uliar·· Leonor·· de 'St"qu ea.ra, que
ver
no campo, processo e te aceler do pel re cimento da oferta de mão de obra d er ou wua fortuna em prata de eu marido ' Lu i Pedro o de Barr s, morto
devido ao b ndeirism . Um exa me dos cat rze ma101 e testamento desse d urante· a volta de uma incur ão a Peru. Vióva e alfabet r·zad a, JUntou
. uma
períod documenta processo e favote e a generalização de que a acumu
. a maaore ~ rtu na da Cidade' empregando o d.mh. euo . em nego, 10 . ;~ i
laça na economia pré-capitalista o orre primanamente no setor mer anui.
ma paruc1pação ativ em attvidadc omercia•s C 1 en ontrada em d ze lia a ~onto de pagar s zinha bras de ampliaçã da igreJ·a do J·es . 't
AI t d . UI a .
testam nt s. A rela ao entre auvtdade m rcanuJ e nqueza fi a inda ma1s · 1 a P e na eguir adjante ' reforçand
' ·tn d1' l· : mesmo ant
pr nun 1ada LQmand e em onsidera a as mudanças econômt as o 01 ridas da de oberta d ouro, n final do éculo XVll, acumul çã de gran-
entre 1595 e 1625, esp cialmente o re c1mento d omé•c•o nos ólt1m s
an s d periodo. Doze do matOres t stamenlo ão posteri res a 1 06, e
todo de comere• nte ativo [... ] P, 1a uma análise m. is exata do papel do
mér 10, deve·se ex luir s escrav tnUl se he1an as. Isso perm1te e tabe 242 h ench, I hn D fuquez.a , pod ' c ma d - b- -
Paulo, 1596 1625 In · Rev•sta do A 'M e o ra numa economm de subSIS lên ta. Sào
. rqliiVO uniClpal, ano 45, n 195, Jan dez.. J 982, p. 94
Jece1 uma h•erarqu1a r alista entre catorze ma1 res legados, elimmand
HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES VENDENDO MERCADORIAS 183
182

des fortunas na econo mia de São Paulo não pare ia seguir o caminho da próprio mercado interno em que se produzia. Sendo assim, os elemen tos
grande propriedade territorial nem da agricultura ou da ~osse d muitos explicativos dessa acumulação precisam er encontrado na estrutura
escravo índi os. Antes, pcs oas que acum ulavam din.hetro unham uma própria do circuito de trocas.
ba e no comércio _ e, mais especificame nte, na aplicação de dinheiro ada disso é percebido quando e aplica o modelo do lati fúndio
como capital em negócios de te rceiros. Quando se examina o per fil agrár io-exportador. A mesma realid ade histórica paulista, no mesmo
desses co nstrutores de fortuna, percebe- e que eles não eram usurários século XVII e aplicada ao mesmo personagem histórico Guil herme Pom -
nem ente uradores, ma antes sócios de risco nas diversas atividades peu de Almeida, pode levar a explicações completamente diferentes de
econômicas que dirigiam ou financiavam. sua fortuna quando aquele modelo é aplicado. Para John Monteiro, um
Tais atividades econômicas, por sua vez, eram qua e todas voltadas dos aplicadores do modelo, o dado fundamental para explicar a realidade
para 0 interior da co lônia. Mais ainda, o estudo dos tes tame~to dos ho- econômica paulista do período seria "a conexão vital entre a abundância
mens ricos mo tra um padrão de independên cia com relaçao ao crédito 2 3
de mão de obra indígena e a agricultura comercial" ~ - e não as fortunas
vindo de fora da ca pitania - pelo contrário, no geral era m os paulistas com rciais. Essa con exão gerava a diferenciação social mais importante:
mai ricos que financiavam as trocas comerciais externas ao mercado "a organização ela pr dução agrícol deu origem a uma clara divisão entre
local, con ent radas no n egó ios co m Rio de Janeiro e Salvador. Até classes de exploradores e explorados", pois "o a esso desigual às forças
mesmo 0 abaste imento de capital o dinheiro das fortunas eram o de produção - sobretudo o trabalho indígena - determi nou profundas
pesos de prata prod uzido no Peru, trazidos de viagem ao ertão ~ era diferenças nos níveis de riqueza entre a própria população não cativa" 244 •
inteiramente financiado pelo própri s paulist . gros o dos negoc10s Sendo assim, no top ficava o latifúndio: "grande parte da riqueza, po-
era feito com moradores l1vres de t da espé ie, desde proprietários de der e prestígio da principais famílias de São Paulo estava assentada nos
grandes porções de terra e mllll s c cravo índios (que dependiam_do bairro rurais que surgiram om a expansão da produção colonial"245 .
financiamento de comer iantes para produw·) até d1stantes po setro Tendo a grande propriedade latifund iária como fo o, i ndústria e
ou moradores do ertão. Essa pe oa recebiam crédito, produziam, c co mércio ficam inteiramente d lado na análise da geração da riqueza.
d volviam mer adorias ao financiador. m outras palavras, as pessoas Daí a seguinte descrição da mesma trajetória mo trada acima: " capitã
livres e tavam ligada p r relações mercantis a um forne edo r de capital uilherme Pompeu de Almeida, que comandava centena de e ravos
(não importand 0 tamanho das propn dade rurms que eventualmente índio e africanos na enorme fazenda de Voturuna, domwava o mercado
tive sem) que comandava o pro es de a umulação. de produção artesana l da vila de Parnaíba com s u inúmeros o fi iais" 2' 6 .
Esse ligeir e boço da ã Paulo col nial do éculo XVI l, feito a partir A figura hi tóri a do capitão uilhermc Pompeu de Almeida, bem
da a eitação da ide ia de qu e ali hav1a cspaç para empr nder e cnrique er, oro eu negócio , sua fortuna e suas terra , exatamen te a mesma
me mo numa realidade e ravista, apont para as tr as no mercad e na dua expli a õ s. lugar nele vweu, a pe oas com quem e re -
não a pos e de grande p r õcs de t rr - como fonte de riqueza. E u, os dado d se u ntrat , sua mulher e f1lho - tudo i o é
tro a. eram d m r ad ml rn , neg i s entre h m n livre de t d diferen a e tá em om apo ntar para o ce ntro d pr esso de
tipo (co! nos u indi ), e nã ap na entre grande pr pnetário .·
exe mpl vale obrctud pelo f to de mo trar uma real1dad
nde 0 r ultado Gnal e 1a a a umula~y-ào d apitai omer 1al, mas em 243 Monte<ro, fohn Negros da Terra Sao Paulo Companh •a d<~ s Letr , 1991, p. J 13.
qua lquer p 1e d li ga ã om a exp rtaça para a metr p le. E e 244 l bLdem, p 190
245 l b•Jem, p. 190
apitai urgia da própria trutura das tro as lo ais c a umula.va n 246 lb•dem , p 172
HISTÓRIA 00 BRASIL COM EMPREENDEDORES VENDENDO MERCADORIAS 185
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acumulação de ua riqueza. Pensando o capilão como empreendedor, o O ferro encontrou demanda entre os índios não para acum ular riqu eza,
centro é a con ideração de uma riqueza mercantil, de uma fortuna que mas para acumula r lazer, como notou Jo é Arthur Gianotti:
se constrói - mesmo montada sobre o trabalho escravo - na existência Os grupos familiares se movimentam num território, ferem a terra excluin-
de um mercado, nas trocas entre homen livres, proprietários de escravos do o outro e passam a ter, assim, recursos diferenciados. Isto não resulta,
ou não. Pensando como dono de "uma enorme fazenda", toda a dimensão necessariamente, numa diferenciação de propriedade. Um grupo a que, tem-
porariamente, couber um terreno mais fértil pode, simplesmente, trabalhar
mercantil de seus negó ios de ferro se reduz a "artesanato de vila': e se
menos, awnentar seu lazer, de modo a que todos continuem produzindo a
supõe que a riqueza monetária deriva da posse de terra, do controle sobre mesma quantidade de alimentos. Quando se introduz uma nova té nica,
homens livres pobres, transformado em dependente , e, sobretudo, da como acontece, por exemplo, com a substituição do tradicional machado
exploração de e cravos m gra ndes propriedades. de pedra por outro de ferro, importado, pode ocorrer aumento do lazer.m
Como se pode ver, ideias diferentes produzem explicações diferentes
A relação entre este fato e o processo geral ele acumulação de capital
para uma mesma realidade histórica, conforme os modos de análise que poderia ser marcada com uma famosa frase de Marx:
empreguem. Na primeira descrição, o apelo à figura do empreendedor
é fundamental para uma compreensão da biografia em que acumulação Não há dúvida que a grandes revoluçõe produz1das no comércio pelos
descobrimentos, nos séculos XVI e XVII, imprimiram um gnnde impulso
de riqueza a ontece em trocas: o objetivo de enriquecer é o obje tivo ao capital comercial e foram um fator fundamenta l na obra da passagem do
central não apenas do rico, mas daqueles que tratam com ele; a relações regune feudal para a produção capitalista.2' 3
mercantis entre homens livres constituem um mercado interno, que se
torna o ponto fulcral da economia, mesmo numa reaJidade dominada Mas uma ligação rápida como e safaria perder de vista o essencial. Para
pelo trabalho escravo. No segundo caso, o latifúndio explica o centro e conhecer o que há de propriamente brasileiro nesse processo - para se
da riqueza; a mobilidade so ial é cons iderada muito secundária; e a ex- mostrar o determinado que o caracteriza na unidade do processo geral, no
ploração do trabalho de escravo é considerada o meio fundamental de linguajar metodotógi o marxista- é necessário percorrer o caminho inver-
construçã das grandes fortunas. so. Mo lrar a diferença que de taca a realidade local do movimento gera l.
O que muda radicalmente entre uma apresentação da história e outra É essa diferença que começa a ser percebida no modo peculiar como
são as forma de analisar o dados da realidade, não a descrições de os tupi-guarani se organizaram para obter o ferro, que e tornou necessi-
evento ou figura hi tóricas. Por isso, quando se trata de trazer a figura dade - u seja, como se tornavam lientes do fornecedores . Para se rem
do empreendedor para o centro da cena, um uidado d ve er tomado. con umidores dos artefato de ferro, os nativos se viram obrigados a
Não se trata apenas de m trar uma figura históri a empíri a e s u produzir algo vi ando a troca, e a im fornecer e obter mercadorias. A
contexto, mas de expli ar nexos relevanl s om essa figura. A figura do produção regular de excedentes para a troca p r ferro se impôs, mas com
empreended r permite m trar mercad e riqueza. M. s por quê? um dad espe ífi o da cultura tupi: o casamento. A ideia ele empregar
e, em vez da propriedade, merca lo ~ r pont ~ 1, a me r ad - a e á de uma mulher do grup como empenh de uma aliança com
ria essen tal para ent nd r a ~ rtuna d pitao uilh une Pompeu de um e trangeiro re ém chegado era ante ri r à chegada do europeus. Ao
Almeida é ferr . E o finai bá i o des a mercacl ria, evoluir pa ra uma forma de rganização d tro a mer anl is, moldou
aqueles que nstitufram u a umulaçã , foram os índio . uma realidade únic doBra il.
modo m este nlraram omo g •nt na on tituição d mcr ado
será examinad adiant , d p is de ent nd1do eu pap I om agen t d 2<17 tanollt, José Arthur Trabalho e reflexao São Paulo Btasthense, 1983, p. 161.
pro e d a umulaça de apital int rno a iedad lonial. 248 Marx, Karl O cap1tal p ctl , v 3, p 32 1
186 HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES
VENDENDO MERCADORIAS 187

Ba ta comparar a de crições coevas para e comprovar a afirmação. com várias índias e prometendo artefatos de ferro a seus parentes em
s casamento de aliança jamais prosperaram com as outras centena tro a de madeira co rtada e tran portada. Estes se tornavam produtores
de etnias ex.i tentes em toda a vertente o idental dos Andes ocupada por de excedentes para a troca, recebendo ferro do intermediário. Assim,
campos ou fi re tas. começou uma economia de trocas mercantis onde, até então, havia tupis-
Mas, principalmente, os casamentos de aliança tiveram a mesma guaranis com sua produção comunitária.
forma com todos o povo europeus que mantiveram contatos nas áreas Além de estender- e rapidamente no espaço, o casamento mostrou-se
tupi-guarani. Tal estratégia matrimonial, é preciso que e repita, não teve uma forma essen ial ao longo do tempo. Numa sociedade que passou a
qualquer contribuição própria de europeus. As descrições de viajantes depender de produtos metalúrgicos, em moeda nem aparato cultural para
subitamente convertidos à poligamia são Idênticas, seja com os espanhói lidar com a produção para a troca mercantil, o intermediário transformou-se,
em Assunção ou ananeia, co m os francese no Rio de Janeiro ou no com o casamento arranjado, em instrumento de mediação permanente.
Maranhão, com alemães, ingle es ou holandeses isolados, ou co m o Permitia adaptar, dentro de certos limites, a produção econômica do
portugue es por todo o atual Brasil. grupo para a troca, sem desfazer o modo de produção tradicional. Assim
Na via inversa, existem quase ó de crições de combates sem tréguas e construiu a estrutura so ial capaz de permitir a introdução da troca
com todas as utras etnias da porção ul da América - ejam os guaicurus de mercadonas nos domínios dos tupi-guarani.
de As unção, os charrua dos pampas, os muitos povos gé de todo o Brasil, Mas a universalidade dessa fórmula no espaço tupi-guarani não se
ape nas para ficar em uns pouco caso mais notónos. transformou em espec ificidade brasileira por causa apenas de seus pro-
De de muito ed , a aliança de casamento foi muito mais que um positores nativos. Eles fizeram alianças matrimoniais com vários euro-
acordo fortuito. Fun i nou como modo de organizar a transição da peus, mas só uma delas vingou. Ao longo do tempo, os tupis aliados aos
produção comunitána para produção de excedente regulares para a portugueses derrotaram o tupis aliados aos franceses e parte d alianças
troca, desde o momento do primeiro ontato com o ferro. E funcion u entre guaranis e espanhóis.
com dezenas de europeus em dezena de grupos diferentes ao me mo As trocas eco nômicas com nativos eram capilares. Essa apilaridade,
tempo. Já no início da dé ada de 1510, eram conhe idos - como líderes após a exclusão das demai s alianças do tupi-guarani, L rnou -se a forma
de negócios e de co munidades nativa - div rso indivíduos uropeus específica brasileira pela qual os nativos acabaram se inserindo orno
que aceitaram efetivamente a aliança. ente como o espanhol onhecido produtores de excedentes para a troca na economia mercantil colonial,
como Ba harel de ananeia, )oã Ramalho, Antonio Rodrigue (na baía de um lado, e consum id re de mercadorias produzidas nela, do outro.
de Sant ) e o aramuru (na baía de Todos anlos) . Uma nova totalidad e mercantil se formava. Ela manteve, como cara te-
As alianças p r estes constituídas permitiram a transformação de rística s en ial, a aliança matrimonial na base do arranjo que ligava as
contatos :(; rluitos tr as para bter repar s de naus u mal lotagem p s oas juntamente om a mercad rias, mp nd também um início
- em tr as regulares, mesmo nte de esta bel ida qualqu r vila n ter de o iedade, que já não ra mais exp ressã apena da cultura geral do
rit rio. eraram um pro sso pr dutivo m i mplexo, sintelizad n grupo tupi -guarani ou d europeu , mas ante um aliança e p ifi a
emb rque de pau brasil. ada tor d um a carga pre i ava r orlada que e impunha num espa imens .
na mata e transp rtada nas co ta dos naliv s at o ponl de troca. e ele e incrustava um novo tip . intermedi ri
fossem esperar, navios ficariam parado p r m se . n g i só se adaptas e a modo d vida naliv , já ra outra coisa especialment d
t 1 n u viável om a nlr ga d p ça de ferro s cuidado d um de es ponto de vista econ mi . Ao contràri los naturais da L rra, que lusca
intermcdiari s, qu e encarregava de reunir nativo . Fazia i so C< ando- e vamo val r deu dos in trumento d ferro, os 01 ganizado r J ' 11 a
VENDENDO MERCADORIAS 189
188 HISTORIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES

mercadorias são tro adas ou comparadas por seus possuidores como valores,
tinham outros valores envolvidos. Al1enavam objetos na troca tendo em ou seja, em suas relações com uma terceira classe de mercadoria, que é sem
vista não a utilidade deles, mas a acumu lação de riqueza. pre a mesma. Essa terceira mercadona, onvertida em equivalente de todas
Mesmo lidando com simples trocas diretas de objetos, pensavam nelas as demais, assume diretamente, embora com certas limitações, a função de
equivalente geral ou social. 251
de modo inteiramente diverso do antigos. Viam em cada m en:adoria
que recebiam não ua utilidade, mas a possibilidade de transformação em Esse ato de comparar valores por meio de uma terceira mercadoria
algo diferente, assim definido por Marx: "o valor da mercadoria reveste-se implica o surgimento de uma nova entidade, indissociável do mercado :
numa forma própria de manifestação, diferente de sua forma natural, e
A forma dinheiro não é mais que o reflexo, aderido a uma mercadoria, das
ganha o duplo aspecto que impede sua contemplação isolada: só pode- relações que medeiam entre todas as outras. Aquilo que o processo da troca
. "2'9 N
mos percebê-lo como valor relacionado a uma outra merca do n a . o dá à mercadoria eleita como dinheiro não é seu valor, mas sua forma especí-
momento da troca, um novo processo aparecia na ação do intermediário: fica de valor. [...]A forma dinheiro desse objeto escolhido como equivalente
é algo exterior a ele mesmo, e simples manife tação de relações humanas
Ele aspira realizar sua mercadoria como valor, numa outra mercadoria de ocultas por detrás dele. esse sentido, toda mercadoria se torna também um
valor idêntico que o apeteça, sendo-lhe indiferente que a sua própna Lenha signo, pode ser considerada como valor, não é mais que envoltura matenal
ou não valor de uso para seu novo possuidor. Neste aspecto a troca é, para do traba lho humano empregado nela.252
ele, um processo social geral. 250
Essa definição de dinheiro como forma , e não como matéria, é fun -
A diferença, portanto, não está na materialidade dos produtos trocados, damentaJ para entender uma particularidade essencial da sociedade
mas na própria con epção que ada um tem da lro a: ato simbóli o ou colonial. Boa parte das mercadorias que se a umulava nela vinha das
parte de um processo social de acumulaçã de riqueza. E sa diferenciação troca diretas. Era uma base ampla . Mas falta um pedaço: transformar
se tornou cre cenle à medida que os intermediários se multiplicavam , essa mercadorias que representavam dinheiro unaginário em algo mais
dei..xando de ser individuas isolados no meio das tribos para formarem substantivo como sig no de riqueza. Os recebedores de mercadorias
eles mesmos suas "malocas" nas vilas. dos nativos tinham, portanto, a ne essidade de converter tais m er -
Assim se expli ca claramente que a conqui la do mercado de ferro adoria em dinheiro, caso quisessem enriquecer. Mas aqui a palavra
pelo capitão uilherme Pompeu de Almeida estive e diretamente reta "d inheiro" já tem um segundo significado, muito diferente daquele de
cionada com a va ta rede de intermediários formada pelos parente de forma imaginária.
sua mulher. Eles estavam tanlo nas v il as ao redor orno nas alde1as, pois Era preciso ob ter moeda ou dinhe1ro materializado num objeto aceito
todos tinham tanto parente ocidentais mo indígena . por todos na i dade colonial orno representação do valor. Tal diferença
Mas i so nao explica tud . Esses parentes que queriam enrique erre era ruc1al no a o. Me mo tendo recebido mercadorias, o recebedor do
cebiam ferro e tr avam por mercadorias que imaginavam valer mrus. Mas pr dutos nã linha a tão de ejada mercadoria que equivalia a todas as
ainda faltava algo para a formação de um me r ad . · nele que s genera liza outras. Todo el logo de obriram que havia um grande descompasso
- i to é, e t rna o ial a n va forma de tratamento da m r ad ria : enlre asp l ~ 1mal e o mal rial da riq ueza.
Não ex 1ste um men.:ado sem que os pos uid re d m 1 aderias troquem A trocas c m o nativos propiciaram um. b e onde havia relativa
ou comparem seus art1 com outro d d1versa quahdade, sendo que tais abundância d mercadorias. Emb ra re ebida pelos vend dare de ferro

25 l lb•dem, p. 52.
249 Marx, K,111 O cap•tal p C ti , v I, p 27 252 lbtdem, pp. 53 4
250 lb1dem , p. 49, gnfos do ,lUlOl
190 HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES

na uposição de que teriam um determinado valor, ou ja, segundo a JUNTANDO CAPITAL


~ rma de dinheiro como equivalente geral - isto é, de produtos de valor
calculável como trabalho humano realizado ou potencial, e, aJém disso,
alienáve is -, não podiam ser facilmente transformadas em moeda. Em
outras palavras, a função do dinheiro como equivalente geral tornou -se,
graças à extensão das trocas diretas, muito mais comum que aquela de
meio de circulação no Brasil dos primeiros séculos de colonização.
A distância entre o estoque relativamente vasto de mercadorias e a es- con strução da sociedade propriamente colonial, a nova socieda-
cas íssima circulação de moedas era notória. orno notou Dorival Teixeira
Vieira: "A moeda, existindo em pequena quantidade, só se a umulava nas
A de que se instalava no espaço para onde iam as mulheres índias e
seus maridos vindos de fora, além dos filhos da aliança, foi fortemente
153
cidades mais importantes, e ali mesmo somente nas mãos d s ricos" • marcada pela e cassez de moeda. Mas progrediu depressa, porque se
Mercadorias abundantes e moeda rara se combinaram para formar soube criar mercado nessa ituação. O:nod?~-d~faz:_rjsso fo~ ~OJE.~t:tar
um segundo traço essencial e específico do mercado interno do Bra il - produção nativa co m produção mercantil - algo que só pode ser en -
que só pode er percebido co m a passagem da figura do empreendedor tendido com·a ava liação conj unta de ambas num único todo. Tratando
para o centro do entendimento do processo de acumulação de capital da América do écu lo XVI, Toseph Miller conseguiu estabelecer uma
naquele espaço. relação entre facilidades para se obter mercadorias de nativos, ausência
de moeda e cria ão de riqueza, destacando uma figura essencial para
realizar essa combinação.
As partes não produtoras de ouro e prata unham grande escassez de capital
financeiro . A chave de seu desenvolvimento foi a montagem de sistemas de
produção não apenas de baixo custo, mas especificamente capazes de operar
sem fazer uso do ouro e da prata . Assim se abriu espaço para que buscadores
de oportunidade superficialmente finan iados pud ssem afluir para essas
partes e aproveitar os custos de entrada baixos, cada um adicionando um
elemen to ao que finalmente se tornou um co mplexo .'~·

" uro e prata", mo empregado na fra e a ima, acrescentam um


sentido para "dinheiro" que vai além de "equivalente g ral" ou "me i de
circulação": o sentido de "reserva de valor emprega a produtJvam nte",
ou "capital". Assim , ent nde-se qu o text apre enta mo m1ssão bá i a
dos tais " buscad r de p rtunidade superfi ialmente financiaao "- s
emprecndedore quase m capital, ma em bus a e riqueza- aquela
de en ontrar novo ca minhos econôm i os que se t rnas e1 "elemento

254 M1ller, ). . A dJmensao htStónca da Afnca açúcar, es ravo e plantações. In : i\ dm1e11


. 53 V1e 1ra , Doriva l1'e •xeu J In Hollanda, ergto Bu.uque de (org.) ll•sló11a g~ral da CIVIliza são atl4nl•ca da Afri a ao Paulo: CEA USP/SD M anraha/C AP · , 1997, pp. 26 7
r.ao bras!lma . Sao Paulo. Dtfel, 1985, v 2, p. 350.

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