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Zé D’Obakossô e a “Noite dos Combones”: um ritual afro-brasileiro em


Aracaju/se.

Ivoneide Santos1

Apesar do 13 de maio de 1888, os ex-escravos não encontraram facilidade em afirmar


sua identidade no pós-abolição. Sendo assim, buscaram mecanismo como forma de resistência
nas religiões de matriz africana como apontou Dantas ao afirmar que - “o Candomblé, a
Umbanda e a Macumba são formas de “resistência cultural” (...) 2, diante da classe
predominante. Dentre as três formas de resistências citadas destaca-se o Candomblé
(originaria do termo kandombile que significa culto e oração)3, religião de matriz africana que
Zé D’Obakossô, líder religioso sergipano praticava. Este fundou seu primeiro terreiro no
Bairro Suíça, localizado na Rua Frei Paulo-Aracaju/se que permaneceu por pouco tempo neste
endereço (cerca de quatro a seis anos)4, em uma simples residência que tinha um salão no
quintal. Porém a demanda pelos serviços religiosos era significativa levando Zé D’Obakossô a
buscar um terreiro mais amplo. Logo, mudou-se para a Avenida Rio de Janeiro ou Estrada de
Ferro, 1549.Construiu o terreiro (Abaça Odé Bamirê Axé Ilé de Obakoussou), no ano de 1949
na cidade de Aracaju/Se. Este artigo é fruto de uma pesquisa inicial sobre José Augusto dos
Santos (Zé D’Obacoussou).
Ao tomar ciência da trajetória desse líder religioso especificamente no campo da
religião de matriz africana, despertou-me o interesse pelo estudo da referida temática. Assim
sendo, debrucei-me sobre a biografia de Zé D’Obacossou. No decorrer da pesquisa encontrei
a citação deste líder religioso em um documento – Revista Alvorada- (em anexo) na

1
Ivoneide1948@hotmail.com
Membro do Grupo de Pesquisa Miragens da Liberdade. (UFS); Pós-graduada em História
pela Faculdade São Luis de França; Licenciada em História pela (UFS) e Licenciada em
Pedagogia pela Faculdade Vale do Acaraú.
2
DANTAS, Beatriz Góis: Vovô nagô, papai branco: usos e abusos da África no Brasil, p.13-
14 Rio de Janeiro, Graal, 1998.
3
LODY, Raul, Candomblé: religião e resistência cultural, p.8, Ática São Paulo,1987.
4
VASCONCELOS, Anílson Cardoso e DELFINO, Flávia dos santos: A história de um
terreiro de candomblé: axé ilé obá abacá ode bamirê, p.62 Aracaju/se 2007
2

monografia de Janaina Couvo Teixeira Maia5 -, busquei o documento original mais sem
sucesso. Já no jornal (Diário de Aracaju -23 de maio de 1969.), localizado no Instituto
Histórico Geográfico de Sergipe, tive um respaldo onde pude fazer um cruzamento das
informações contidas em ambos. (Revista Alvorada e o Jornal Diário de Aracaju). Outra fonte
foi o depoimento de Josepha Maria dos Santos (D. Nair mãe-de-santo; 90 anos de idade),
memória viva do evento em Aracaju/se (25 de maio de 1969) “Noite dos Combones”.
Portanto, optei em fazer uma reflexão sobre a participação de Zé D’Obakossô no
evento supracitado com o intuito de dar visibilidade ao evento afro-brasileiro realizado no
período em que, as posturas preconceituosas eram latentes. Percebe-se que o espaço reservado
aos cultos de matriz africana ultrapassou as fronteiras da “simples” função de cultuar os
deuses. Norteando os indivíduos a conviver religiosamente e socialmente, pois:

“[...] a instituição do candomblé, centenária e fortalecida, polariza não


apenas a vida religiosa, mas também a vida social, a hierárquica, a ética, a
moral, a tradição verbal e não-verbal, o lúdico e tudo, enfim, que o espaço de
defesa conseguiu manter e preservar da cultura do homem africano no
Brasil.6

Esse “leque” de função do candomblé possibilitou preservar a memória da cultura


afro-brasileira na cidade de Aracaju/Se. Segundo Janaina Couvo, quase um século do
surgimento desta cidade emerge os primeiros terreiros (1928) precisamente no bairro do Aribé
(atual Siqueira Campos). Um bairro ocupado por moradias singelas e pequenos sítios, ideal à
prática do candomblé devido sua distância do centro urbano7. Esse distanciamento era
necessário porque havia uma aversão a religião afro-brasileira, que foi marcada pela repressão
policial em Aracaju. O terreiro Abaça Odé Bamirê Axé Ilé de Obakoussou de Zé
D’Obakossô, também sofreu repressão policial ao ser invadido, destruído seus atabaques e
interrupção do culto. Como bem citou Zé D’Obacoussou:

“Naquela época não tinha liberdade de cantar, nem de dançar, nem de


representar nada. Porque houve um Governador no Estado que prendia,

5
MAIA, Janaina Couvo Teixeira, Umbanda em Aracaju: Na encruzilhada da História e da
Etnografia /São Cristóvão/se 1998.
6
LODY, candomblé: religião, p.10.
7
AGUIAR, Janaina Couvo Teixeira Maia de: “Brincadeiras de Santo”: Uma contribuição á
história dos antigos cultos afro-brasileiros em Aracaju/se (1920-1960); p.15-16 2008
3

mandou prender todo mundo com o seu alguidar na cabeça e a delegacia


encheu de gente nessa época” (José Augusto - sacerdote apud Maia, 1998).8

Tais acontecimentos não estagnaram com os líderes religiosos na capital sergipana e


sim, fortaleceu a resistência e permanência dos cultos afro-brasileiros dos pais-de-santo e
mães-de-santo. Se os anos 1940 foram marcados pela violência e preconceito religioso – na
década de 1960 tem uma flexibilidade no âmbito das práticas afro-brasileiras principalmente
por parte das autoridades políticas que outrora reprimiam os cultos de Matriz Africana -
passando a serem “apreciadores” desta prática religiosa. Segundo Janina Couvo, autoridades
políticas aproveitavam esses ambientes para garantir (...), “votos” nas “eleições estaduais e
municipais”. O período também foi marcado pela fundação da primeira Federação dos
Umbandistas na década de 1960, que esteve “(...), voltada a resguardar e garantir a
legitimidade das religiões afro-brasileiras frente à sociedade”.9A federação dos Umbandistas
serviu como “mediadora” dos direitos afro-brasileiros no Estado sergipano.
Assim entendido, mudanças ocorridas na área do candomblé permitiram que seus
praticantes, a exemplo dos pais-de-santo e mães-de-santo, expandissem a construção de
“novos” terreiros em outras localidades no Estado sergipano e em outros Estados brasileiros.
Também não foi diferente com Zé D’Obakossô que ultrapassou fronteiras estaduais e fundou
um terreiro no Estado do Rio de Janeiro no ano de 1961, como evidencia sua filha Acácia:

“Em 1961 devido problemas de saúde, pois, Zé D’ Obacoussou


tinha forte alergia e o clima local não lhe fazia bem, viajou para a cidade do
Rio de Janeiro e abriu um terreiro filial que durou trinta anos, na Rua
Helena, nº12 cidade Leal/Rio de Janeiro, assumindo seu lugar em Aracaju,
sua irmã, Maria da Gloria (Dofana), após esse período, retornou para
Aracaju em 1991, retomou a direção do terreiro e faleceu em 24/10/2006.
(Acácia - apud Souza Filho, 2010.)10

Durante o período em que Zé D’Obacoussou passou na cidade da Guanabara, Aracaju


seguia com seu desenvolvimento no campo religioso de matriz africana e suas conquistas na

8
MAIA, Janaina Couvo Teixeira, Umbanda em Aracaju: Na encruzilhada da História e da
Etnografia /São Cristóvão/se; p. 50 1998.
9
AGUIAR, Janaina Couvo Teixeira Maia de: “Brincadeiras de Santo”: Uma contribuição á
história dos antigos cultos afro-brasileiros em Aracaju/se (1920-1960); p.40 2008
10
SOUZA FILHO, Florival José de: Candomblé na cidade de Aracaju: território, espaço
urbano e poder público. Aracaju/se p.94 2010.
4

área do candomblé. A exemplo do movimento ocorrido no ano de 1969 nesta cidade, que
ficou conhecido como a “Noite dos Combones”11. Segundo a publicação do Jornal Diário de
Aracaju,12 o evento foi realizado no dia 25 de maio, contudo, a mídia sergipana antecipava em
primeira página o evento no dia 23 de maio do mesmo mês. A manchete informava que o
evento tão aguardando pelo povo de santo ocorreria no domingo no Ginásio Charles Moritz, e
que ali estaria um público de cerca de 5 mil umbandistas.

11
Combono ou combone: auxiliar de médiuns de incorporação é o servidor dos orixás.
Acesso 19/09/2016. Sait:https://povodearuanda.wordpress.com/2007/07/21/de - umbanda/
12
Jornal Diário de Aracaju (23 de maio de 1969, Ano IV, nº 946. Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe).
5

É importante pontuar que se supõe que só o Diário de Aracaju noticiou a ocorrência do


episódio afro-brasileiro em Aracaju, uma vez que não foi encontrada outra fonte (jornal) que
relatasse o acontecimento. Assim, a nota jornalística começava informando que:

“(...) trinta terreiros de umbanda estarão se apresentando domingo no


Ginásio Charles Moritz, durante a Noite dos Combones patrocinado pelo
Departamento do Turismo de Aracaju, cinco mil umbandistas estarão
mostrando todo o desenrolar do ritual dos terreiros na maior apresentação
folclórica já realizada em Aracaju”.13

Apesar do apoio do poder público, destinado a religião afro-brasileira existia ainda


uma “mácula” preconceituosa no tocante a prática do candomblé, pois a manchete acima se
refere ao movimento como uma apresentação folclórica e não como uma atividade religiosa,
demonstrando um tratamento diferenciado ás religiões contraria a oficial:

“Nos jornais, estas práticas religiosas (práticas espíritas) ocupam o espaço


dos cultos afro e convivem com as mesmas posturas preconceituosas. Os
jornais muito contribuíram para a difusão de uma visão deturpada destas
práticas, assim como um incentivo á repressão. Observa-se através das
matérias jornalísticas, que estes “espaços de culto” também são bastante
procurados pelos moradores da região. Eles visitam em busca de ajuda para
algum problema ou simplesmente vão por “curiosidade.14

O jornal também informou que haveria “desfile de santos umbandistas, caboclos,


nação nagô e outras atrações do ritual negro afro-brasileiro. Quinze tambores e quatro agogôs
formariam a estrutura musical da “Noite dos Combones”. Pela grandiosidade do evento e toda
a sua repercussão, percebe-se que o evento foi uma conquista das lutas do povo negro
travadas entre a dominação branca no período pós-abolição. Tornando-se, uma evolução
histórica do candomblé em Aracaju/SE.

A noite dos combones

13
Jornal Diário de Aracaju (23 de maio de 1969, Ano IV, nº 946. Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe).
14
AGUIAR, Janaina Couvo Teixeira Maia de: “Brincadeiras de Santo”: Uma contribuição á
história dos antigos cultos afro-brasileiros em Aracaju/se (1920-1960); p.35 2008
6

“Uma Beleza de Festa dos Candomblés Sergipanos no Charles Moritz”. Assim,


destacava a Revista Alvorada15, única a fazer a cobertura do evento. A revista também
informava que o evento foi marcado pelas presenças importantes de autoridades políticas da
época, destacadas por Florival:

“O evento contou com a presença do Prefeito da época, José Aloísio de


Campos, do Diretor do Departamento de Turismo, do Professor Alencar
Filho e do presidente dos Umbandistas ‘a festa iniciou com a apresentação
de Mãe Nanã com seus combones Alades a qual apresentou uma obrigação,
o Bori”.16

A noite dos combones evidenciou uma conquista dos afro-brasileiros buscando sua
afirmação indenitária em uma sociedade pautada na “cultura do preconceito”. Assim, para
pontuar a identidade afro-brasileira, o evento levou doze terreiros que se apresentaram no
Ginásio Charles Moritz; tendo a balourixá Nanã – terreiro São Jorge, situado na Rua Equador,
70 bairro América –, abrindo a festividade. Seus combones apresentaram uma obrigação que
é o Bori. E com o intuito de impressionar a plateia soltou um pombo branco sobre as cabeças
dos 4 mil espectadores. Este dado quantitativo diverge da notícia do Jornal Diário de Aracaju,
que noticiou cerca de cinco mil pessoas presente no Ginásio Charles Moritz.
A sexta apresentação considerada magnífica foi a de José Augusto dos Santos (Zé D’
Obacoussou), com honras de um Banirê. Retornando do Rio de Janeiro para se fazer presente
no evento de significativa importância histórica para a cidade de Aracaju, demostrou ao
público e as autoridades presente no evento sua importância religiosa e que a noitada do dia
25 de maio seria indispensável sua participação, acentuando uma “singela vaidade” de um
renomado pai-de-santo. Na época era diretor Espiritual do centro São Jorge – situado na
Avenida Rio de Janeiro, 1032. Segundo a Revista Alvorada, ele apresentou três santos com
suas vestes coloridas incorporados em suas Iaôs17 de confiança. Os santos eram: Iemanjá,
Omulú e Ogum. Todos bem aplaudidos.

15
Revista Alvorada (Ano: II, nº 23, maio de 1969.)
16
SOUZA FILHO, Florival José de: Candomblé na cidade de Aracaju: território, espaço
urbano e poder público. Aracaju/se p.61 2010.
17
Iaô-Médium feminino no primeiro grau de desenvolvimento do terreiro
https://povodearuanda.wordpress.com/2007/07/21/de-umbanda/
7

O ano de 1969 era duplamente importante para Obacoussou, já que participava de um


evento religioso que entraria para a história, bem como completara duas décadas do seu
adeká18, portando, estava apto ao cargo de pai-de-santo. Segundo Santos:
“(...) fiz santo no dia primeiro de fevereiro de mil novecentos e quarenta e
nove na Rua do Acre, com minha mãe Bailó. Recebi o adeká com minha
mãe Nanã e Bailó no mês de julho no bairro Suíça, em Aracaju, pois, já tinha
casa de santo, o primeiro barco que recolhi foi de cinco iaôs e assim
prossegui com minha vida de Babalorixá”. (Santos. 200:18 Apud
Vasconcellos e Delfino).19

Outro terreiro que se destacou no evento segundo a revista, foi o terreiro Ogum
Marinho – Bairro Santos Dumont –, de Josepha Maria dos Santos (D. Nair), que em
depoimento relatou que:

Eu conhecia Zé D’Obacoussô, me lembro da sua presença na Noite


dos Combones, mas sem muitos detalhes; ele apresentou seus santos.
Os Combones são os empregados dos orixás: Eles tocam os atabaques,
aprende as músicas para cantar nas festividades e são muitos
importantes e respeitados perante a comunidade do candomblé. Nessa
época havia discriminação com a religião afro, mas aquela noite foi
muito importante os terreiros levaram seus filhos-de-santo com suas
principais e deslumbrantes vestimentas para o evento no Ginásio
Charles Mortiz” meu terreiro levou o caboclo jurumeiro. (Josepha
Maria dos Santos - D. Nair).20

O babalourixá Claudionor dos Santos (esposo de Dona Nair) participou do evento e


iniciou a apresentação com a seguinte frase: “eu venho de longe sem conhecer ninguém, nós
vem colher uma rosa que nesta roseira tem”. Em continuidade os filhos de fé se apresentaram
trajados com suas vestes deslumbrantes “típico de cor azul e branco”, se inserindo na
categoria dos mais aplaudidos pelo povo e autoridades presentes. As diversidades das
apresentações serviram como um “retorno” a cultura africana. Assim, o centro de São Cosme
e Damião – situado no Conjunto Castelo Branco –, de Maria José Nascimento (Maria José das
18
Adeká-semelhante a um certificado que o filho de fé recebe após uma jornada de preparação
religiosa no candomblé, em seguida passa por um ritual e recebe o adeká. Com a finalidade de
tornar-se pai-de-santo. (Segundo depoimento de Josepha Maria dos Santos - (D. Nair)
concedido a Santos, Ivoneide, Aracaju/se 09/09/2016.
19
VASCONCELOS, Anílson Cardoso e DELFINO, Flávia dos santos: A história de um
terreiro de candomblé: axé ilé obá abacá ode bamirê, p.26 Aracaju/se 2007
20
Depoimento de Josepha Maria dos Santos (D. Nair) concedido a Santos, Ivoneide,
Aracaju/se 09/09/2016.
8

Areias), fez uma apresentação lembrando os habitantes da Costa da África – “os pretos
velhos” – e a travessia do Atlântico para o Brasil. O documento (A Revista Alvorada) informa
que “foi ela e os filhos de fé vviamente aplaudidos por todos que assistiam os seus modos de
pé de dança da Nação místiças entre os africanos e os grêgos que foram deportados,
diretamente da África, nos porões dos navios negreiros, para ser vendidos ao Brasil”. O
Centro Santo Antônio dirigido pelo babalorixá Milton Franco Souza (situado na Rua
Cotinguiba, bairro Suíça), também narrou um acontecimento historiográfico, representando a
população nativa brasileira. Este foi trajado com “suas tangas e capacete de penas de emas”,
(digna de um nativo), demonstrando ao público a manifestação do caboco Rei Juremeiro.
Aqui é importante chamar Lody, que ressalta que o caboclo (indivíduo classificado como
mestiço), representa o herói com o ideal de proteger suas terras seja ela, a de origem, África
ou a qual reside (Brasil).21 Assim:

“Essa interpretação de africanos no Brasil sobre o grande ancestral brasileiro


expande-se num culto visualmente calcado numa estética tropical: vida na
selva, vida na tribo, roupa de pena, caça e frutos, arco e flecha, tudo
emoldurado pelo som do trio de atabaques e de ingorossis (cantigas dos
terreiros angolas), uma ética africana permeando rituais.22

Os terreiros São Jerônimo, (situado na Rua Amazonas, 167), de propriedade da


babalourixá Rosa Lima de Andrade com Jarí José Barbosa; o Terreiro Santa Bárbara (situado
no Bugiu) de Alcides José dos Santos. Ambos mostraram suas atividades voltadas à Nação
Nagô. Nação que Obakossou partilhava e supostamente seu pai biológico, pois: “meu pai era
pessoa de santo, mas não tinha casa aberta (...) eu sou descendente de nagô 23 (...)” (José
Augusto dos Santos- Zé D’ Obakossô- apud Maia, 1998).24
Outra Nação africana anunciada na Noite dos Combones foi a Nação Kêto,
representada pelo terreiro Reis dos Astros da babalourixá Francisca Silva Bonfim, situado na
Avenida Osvaldo Aranha, 918 nesta capital. Sua recepção diante do público presente no

21
LODY, candomblé: religião,1987 p.14
22
Id., 1987 p.14
23
“A cidade de Laranjeiras/se é considerada como o foco inicial e o reduto mais forte da
tradição nagô é como a cidade que proliferam com vigor os cultos afro-brasileiros”. (Oliveira
Apud Dantas, 1998, p.31)
24
MAIA, Janaina Couvo. Umbanda em Aracaju: Na encruzilhada da História e da Etnografia
/São Cristóvão/se; 1998 p.43.
9

Ginásio Charles Mortiz foi digna de extensos aplausos ao fazer “referência a Exu,
despachando ele para deixar uma boa impressão a todos que estava presente na maravilhosa
demonstração do dia 25 de maio em homenagem a “Noite dos Combonés” Alabê”.25O Estado
de Alagoas também se fez presente, representado pelo babalourixá Dionísio José dos Santos
do terreiro Rei Baiano, situado na Rua São Luiz, no bairro Ponto Novo em Aracaju/se. A
fonte em estudo (Revista Alvorada) expõe que a atividade desenvolvida por Dionísio José dos
Santos era de origem da Nação jeje (práticas religiosas de matriz africana cultuada no
candomblé na cidade alagoana), homenageando o bairro Jacintinho ou Ponta Grossa na capital
de Alagoas. Porém a Revista Alvorada não detalhava que tipo de atividade foi desenvolvido
naquela noite. As apresentações dos terreiros não só deram visibilidade a religião afro-
brasileira como também expôs a população que o candomblé é uma religião que cultua
diversos deuses de diferentes nações africanas e desmistificando que o candomblé é
homogêneo em todo lugar. Exemplo é a prática religiosa de matriz africana (candomblé); de
origem Nagô que foi mais cultuada nos terreiros de Aracaju, onde, Segundo Aguiar (2008),

(...) o nagô corresponde ás práticas religiosas nas quais são cultuadas


ancestrais divinizados yoroubanos. Seus adeptos buscam legitimação de suas
crenças na relação com a África, tendo em seus rituais e densidades os
elementos mais representativos desta relação. “(...) Em Aracaju, o culto
Nagô, de forte influência das regiões da Cotinguiba e Japaratuba, também
despreza as práticas do “Feitoria”. Pessoas que passaram pelo “feitoro” não
são bem vistas pelos demais praticantes do Nagô. O exemplo deste fato
ocorreu com a mãe-de-santo Maria de Pelage, representante muito respeitada
do culto Nagô na cidade. Iniciada no “Candomblé de Feitorio”pelo pai-de-
santo José Obakossô, perdeu todos os seus filhos- de- santo que
questionavam como era possível “uma mãe-de-santo se tornar filha de um
filho de santo.26

Além do culto Nagô – onde se percebe muitas divindades africanas –, existia/existe a


presença do Toré que “(...) está relacionado ao culto, aos caboclos e juremados. Tem pouca
presença de divindades africanas”27. Assim, para encerrar o evento no dia 25 de maio, contou-
se com a presença da babalourixá Judite Elói de Paiva (terreiro Santo Antônio de Boré), que

25
Alabê: no culto dos jejês,é o encarregado do instrumental do candomblé.
Sait:https://www.dicio.com.br/alabe/ Acesso em 20/09/2016.
26
AGUIAR, Janaina Couvo Teixeira Maia de: “Brincadeiras de Santo”: Uma contribuição á
história dos antigos cultos afro-brasileiros em Aracaju/se (1920-1960); p.16 2008
27
Id., 2008, p. 17.
10

também veio do Estado da Guanabara para “presentear” a população aracajuana com sua
apresentação de encerramento do evento demonstrando como era “feito a Umbanda no seu
Estado”. A apresentação foi considerada uma das mais favoritas daquela noite. A babalourixá
começou recitando a seguinte frase: “quero ver chover quero relampejar, mesmo assim o céu
é sempre azul filhos de umbanda afine o ponto que Oxóssi é o dono de Aracaju”.
O exemplar da Revista em análise não detalhou como foi o desenvolvimento da
apresentação da mãe-de-santo Judite. Segundo as fontes aqui elencadas (Jornal Diário de
Aracaju e Revista Alvorada), utilizadas no andamento desta pesquisa, (reafirmando) desta
Couvo evento que ficou conhecido como a “Noite dos Combonés” de “Seita Religiosa”.
Evento Folclórico e não como um ato religioso de matriz africana denotando assim, um
distanciamento da “categoria” religiosa diante da religião oficial e evangélica. Esses atributos
não desmotivaram a comunidade afro-brasileira de Aracaju no tocante continuidade da
resistência religiosa, e sim, fomentou a luta em busca da evolução religiosa de matriz africana
nesta capital. Já a cobertura da noite dos combones, a Revista Alvorada contou com a direção
de José Wallace Silva e sua “comitiva da diretoria da Federação do templo Espiritualista e
Confraternizações de Umbanda São Lazaro do Estado de sergipano”
A historiografia mostra que o candomblé, ou seja, as religiões afro-brasileiras
contribuíram/contribui para a preservação dos ancestrais do povo brasileiro, buscando
identificar-se e ser identificada em busca por seu espaço na sociedade. Pois:

“As religiões afro-brasileiras começam a se expandir e fazer-se conhecer, ou


seja, já codificada no caso no caso da Umbanda” e mais visível no caso do
Candomblé, “a partir da década de 30, justamente no momento em que o
país vê surgir diante de si o início de um novo processo político que ria se
estender durante vários anos28”(Brown, 1985 Apud Mandarino).

A expansão das religiões afro-brasileiras despertou nas autoridades políticas da época,


uma intolerância religiosa que esteve mais explicita até a década de 1940. As perseguições
entre os candomblezeiros e as autoridades sergipanas tiveram o apoio do governador da época
Augusto Maynard que: “não admitia qualquer atitude que pudesse vir a desestabilizar seu

28
MANDARINO, Ana Cristina de Souza (Não) deu na primeira página: macumba, loucura e
criminalidade – São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira; P.103
2007.
11

governo. ”(informação verbal)” (Aguiar 2003 Apud Mandarino)29. Apesar das repressões ao
candomblé os líderes religiosos buscaram “renovar” as atividades desenvolvidas nos terreiros.
Assim, surge o candomblé de feitoria que se desenvolveu na capital sergipana (e Estado) onde
a mãe-de-santo Nanã começa a prática deste culto. Que segundo Aguiar (2003),

Nanã então começou a iniciar todo mundo, raspa todo mundo e com essa
folia de raspar esse povo todo, começa a desestruturar o Nagô e o Toré.
Muita gente que era do Nagô passa a assumir a cassa de Nanã, e ela passam
a ser uma raiz em Aracaju. Neste período, estava em implantação e
desenvolvimento o regime do Estado Novo - auge da repressão – então o
Candomblé em Sergipe vai crescer e se desenvolver junto a repressão e com
o próprio modelo político que estava passando Sergipe e o Brasil. (Aguiar
2003 Apud Mandarino).30

O período de repressão paulatinamente chega ao fim e os meios de comunicações


(exemplo da Revista Alvorada), colaboraram com a divulgação das atividades (como também
publicação de artigos sobre o candomblé) da religião afro-brasileira. Logo, Aguiar relata
sobre a importância desta revista (criada pelo senador Leandro Maciel), possibilitando “as
casas de culto a se distanciar da imagem da marginalização e desconfiança que a sociedade
aracajuana tinha sobre eles”31(Aguiar; Apud. Mandarino 2007). Portanto:

(...) é na Revista Alvorada que os ogãs começam a escrever artigos,


popularizar e ao mesmo tempo folclorizar os terreiros, utilizando-os como
verdadeiros currais eleitorais. Para isso, ele, Leandro vai pedir ao próprio
governador Lourival Baptista que oficialize o estatuto da Federação
mandando-o publicar no Diário Oficial 32( Mandarino,2007 p.148).

Evidenciamos que a noite dos combones, contou com o desempenho de José Wallace
Silva, que além de fazer a matéria sobre a noite do dia 25 de maio também apresentou uma
atividade representando o terreiro de Nanã. Portanto:

[...]um ogã da casa de Marizete, Wallace, que era também o diretor de


imprensa da Federação escreve sobre a Noite dos Combonés, na qual o
governador Lourival Baptista através da Secretaria Municipal de Turismo e

29
Id., 2007, p.110.

31
Id. 2007, p. 148
32
Id. 2007.
12

do Governo de Estado cria a tal noite como uma forma de promover os


terreiros escolhendo entre os melhores ogãs a se apresentar. Ele se
aproveitou que nesse momento havia uma enorme disputa entre os terreiros
filiados e os que não eram filiados para se descobrir quais cantavam e
tocavam melhor no Estado. Wallace vai estar lá para escrever sobre a
apresentação do terreiro de Nanã, o qual faz uma demonstração de como era
um bori no Candomblé... No final este diz que: “por último veio
representado o que há de mais novo e sucesso na Baia de Guanabara, o culto
de Umbanda, que pela primeira vez será apresentado no Estado de Sergipe
pela sacerdotisa Judite Eloi”33 (Aguiar Apud. Mandarino 2007).

A apresentação da sacerdotisa Judite “fugiu do controle”, pois, (Aguiar- Apud.


Mandarino 2007) a entidade que baixou foi a “Pomba Gira dela” (a que ela ia apresentar era
um caboclo da Umbanda) diante da plateia presente. Desde então esta ficou “conhecida como
a “mulher do cão”, odiada por muitos e procurada por outros” (Aguiar- Apud. Mandarino
2007 p. 151). Tal acontecimento serviu para evidenciar o culto de Exu e Pombas Giras nas
rodas das discussões que outrora era “subjacente” no Estado sergipano. Portanto é a partir da
“aceitação” da religião afro-brasileira em Aracaju e divulgação nos meios de comunicação
que os candomblezeiros participam das festividades na capital sergipana com o incentivo da
Secretaria Municipal de Turismo. Vê-se que a trajetória da religião de matriz africana em
especial o Candomblé (em Aracaju), foi gradativamente pautada em conquistas significativas
contribuindo com a preservação da religião afro-brasileira na capital sergipana transmitida de
geração a geração como bem define Lody (1987):

[...] “conhecimentos que, transmitidos por elos familiares, vêm passando de


geração a geração, numa verdadeira guarda de segredos. Creio que o segredo
foi a melhor arma do candomblé para conseguir manter tantos traços
africanos, como palavras, músicas e, principalmente, rituais religiosos,
formas revitalizantes da continuidade e manutenção do axé, como fala o
povo do candomblé”.34

O conhecimento transmitido pelos líderes religiosos e seus filhos-de-santo no Ginásio


Charles Moritz, contribuíram com a divulgação do candomblé na capital sergipana formando
naquele recinto um verdadeiro “celeiro” cultural, social e religioso. Apesar da
competitividade que havia dos terreiros na década de 60; estes compartilhavam do mesmo
ideal que era a busca pela legitimação afro-brasileira. Pois:

33
Id. 2007, p. 150.
34
LODY, candomblé: religião, 1987 p.12
13

“Havia vinculo diretamente com outros terreiros, convite para festa, e muitas
vezes para ajudar. Havia também o interesse de reproduzir o que os outros
tinham de novidade. Assim, como um sentimento de competição e inveja,
seja nos trajes, quantidade de comida, presença de autoridades famosa”
(Maria Luiza Santos –irmã de Zé D’Obacossou- Apud. Vasconcelos,
Anílson e Delfino, Flávia ).35

Conclui-se que a noite do dia 25 de maio; que ficou conhecida como a “Noite dos
Combones” serviu para romper com as fronteiras religiosas na capital sergipana no período
em que as autoridades da época “consentiam” a prática dos cultos afro-brasileiros de matriz
africana precisamente o Candomblé na cidade de Aracaju/se. Os líderes religiosos: Zé D’
Obacosssou, Nanã, Marizete dentre outros que se apresentaram no evento supracitado
hasteando sua “bandeira” religiosa que serviria como um veículo de difusão de ideias
pautadas na preservação e divulgação do Candomblé aracajuano.

Referências e fontes:

AGUIAR, Janaina Couvo Teixeira Maia de. “Brincadeiras de Santo”: Uma contribuição à
história dos antigos cultos afro-brasileiros em Aracaju/se (1920-1960). São Cristóvão: UFS,
2008.
Alabê: no culto dos jejês, é o encarregado do instrumental do candomblé. Disponível em:
<Sait:https://www.dicio.com.br/alabe/>. Acesso em: 20. Set. 2016.

DANTAS, Beatriz Góis: Vovô nagô, papai branco: usos e abusos da África no Brasil. Rio
de Janeiro: Graal, 1998.

Iaô- Médium feminino no primeiro grau de desenvolvimento do terreiro. Disponível em:


https://povodearuanda.wordpress.com/2007/07/21/de-umbanda/. Acesso em: 20. Set. 2016.

Jornal Diário de Aracaju. Nº 946. Ano, 1969.

35
VASCONCELOS, Anílson Cardoso e DELFINO, Flávia dos santos: A história de um
terreiro de candomblé: axé ilé obá abacá ode bamirê, p. 65 Aracaju/se 2007
14

LODY, Raul, Candomblé: religião e resistência cultural. São Paulo: Ática, 1987.

MAIA, Janaina Couvo Teixeira. Umbanda em Aracaju: Na encruzilhada da História e da


Etnografia. São Cristóvão: UFS, 1998.

Revista Alvorada ( Ano: II, nº 23, Maio de 1969.)

SOUZA FILHO, Florival José de. Candomblé na cidade de Aracaju: território, espaço
urbano e poder público. Aracaju: UFS, 2010.

VASCONCELOS, Anílson Cardoso e DELFINO, Flávia dos santos. A história de um


terreiro de candomblé: axé ilé obá abacá ode bamirê. Aracaju: UNIT, 2007.

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