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O MÉTODO BRECHT

to, o drama da família burguesa e conflito de "gerações", uma


visão da condição humana do "epiciclo de Mercúrio" de Mon­
taigne ("nesta estrela") : em suma, uma variedade de níveis to­
nais distintos, qualquer um deles capaz de cristalizar-se naqui­
lo a que chamamos gênero (particularmente se pensarmos em
termos das "espécies" de poesia lírica ou canção). Além do
mais, o efeito propriamente caracterizável como "sublime"
deriva não deste movimento genérico, mas do específico a par­
tir do qual a estrutura e o foco da representação subitamente
aumenta para incluir o próprio mundo e o Ser. Isto não trans­
forma Brecht em um poeta "filosófico_" (embora ele admirasse
Lucrécio e tentasse fazer algo similar em sua tentativa abortada
de versificação épica do Manifesto Comunista [XV, 1 20- 1 3 6]),
mas sublinha a disponibilidade da nota metafísica em meio à
gama de suas vozes e modalidades tonais, assim como nova­
mente reconfirma o velho segredo e a maldita afinidade entre a
farsa e o trágico (sobre a qual ouviu-se o próprio Sócrates co­
meçar uma discussão nas primeiras horas da manhã no encer­
ramento do Banquete de Platão) .
Mas é precisamente a energia de Macheath que precisa­
mos agora interrogar, tal como ela está registrada na antístrofe
do finale, na precipitada confirmação mundana que vigorosa­
mente responde às sombrias previsões da estrofe, repletas de
religião e pecado. O que devemos perguntar é por que a música
- as palavras e o canto, a gestualidade deste final - deveriam as­
sumir tal satisfação jubilosa no desfecho, e como interpretar
este júbilo feroz com a irremediável corrupção do mundo.
A resposta consiste, acredito, na relação de Brecht com o pró­
prio capitalismo, ou melhor, na relação de um certo marxismo,
em geral : o desdém direitista pelo comércio e pela cultura de clas­
se média que o marxismo herdou das primeiras críticas anticapi­
talistas do período romântico, embora persista como uma ten­
dência no marxismo posterior, torna-se ambíguo, para não dizer
ambivalente, pela relação mais complexa do movimento da clas­
se trabalhadora com o desenvolvimento industrial que é seu pró­
prio pressuposto fundamental, e que ela precisa, portanto, jul­
gar tanto progressista quanto danoso e devastador.

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