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CARTA DE MOTIVAÇÃO

UMA PROPOSTA DE ANÁLISE ESTATISTICA E ECONOMÉTRICA DA JUDICIALIZAÇÃO DOS


CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ESTADO DO PARANÁ, SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL

O número de execuções visando cobrar dívidas fiscais e as dificuldades do estado em


cobrar os seus créditos pela via judicial têm causado grande inquietude tanto em minha atuação
como advogado, portanto, profissional engajado na área tributária, quanto professor e
estudante do Sistema Tributário Nacional e seus mecanismos.

Essa inquietude foi, ainda, instigada pelos dados fornecidos anualmente pelo CNJ que,
em 2017, ano base 2016, demonstraram: (1) o grande volume das ações de execução; (2) a alta
taxa de congestionamento dessas demandas; e que, do total das execuções, (3) o maior
problema é a execução fiscal que representa cerca de 75% das demandas. (BRASIL; 2017)

Nesse sentido, importa notar que as execuções fiscais, cuja taxa de congestionamento
gira em torno de 91%, representam o incremento de 8 (oito pontos percentuais) na taxa de
congestionamento geral (de 73%) do poder judiciário em 2016. (BRASIL; 2017).

Veja-se que o grau de relevância dos processos de execução fiscal no cenário brasileiro
é evidenciado, segundo dados do Relatório Justiça em Números do CNJ, pela sua
representatividade em relação ao número total de demandas, pois correspondem à 32% dos
83,4 milhões dos processos em tramitação na Justiça brasileira em 2010 (BRASIL; 2011). Esse
cenário apenas se recrudesceu desde então, uma vez que, seis anos depois da primeira pesquisa
e mesmo depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, houve um aumento
significativo do número de execuções fiscais em relação ao total de processos em trâmite, pois
as execuções fiscais passaram a corresponder a 38,20% dos 79,7 milhões dos processos em
tramitação na Justiça brasileira em 2016.

As minhas preocupações em relação a essa espécie de demandas encontra, ainda,


correspondência na pesquisa jurídica recente, a qual tem formulado uma série de explicações
em relação a frustação dos procedimentos executivos na seara fiscal, por exemplo: (1) que a
fase administrativa acaba por significar que as dívidas que chegam ao Judiciário já são antigas,
e por consequência, mais difíceis de serem recuperadas (BRASIL, 2017); 2) que a ausência de
mecanismos de satisfação do credor representa um grande embaraço a satisfação do crédito.

Nesse contexto, em 2011, foi realizada pesquisa, resultado da parceria do CNJ, IPEA e
pesquisadores da UFRGS, com objetivo de aprofundar essas questões, especialmente, investigar
os efeito da duplicidade de instâncias na efetivação da justiça e das relações fisco-
contribuinte, bem como analisar o efeito dessa duplicidade para a economicidade e
eficiência do poder público na realização da segurança jurídica e da justiça; além de
construir uma metodologia para o cálculo do custo de quaisquer procedimentos judiciais a
partir do modelo de cálculo do custo dos procedimentos de execução fiscal da União.

As pesquisas foram contundentes ao demonstrar uma série de paradoxos entre as


evidências empíricas e as crenças e percepções dos usuários do sistema judiciário no âmbito
fiscal.

Isso porque, embora haja a percepção que a esfera federal seja, segundo os
entrevistados, o ramo mais bem preparado para julgar as questões relativas às execuções, as
evidências empíricas demonstram que a justiça federal, embora njão seja o mais exigido em
número de processos, é o braço do judiciário com maior congestionamento dessas demandas
(BRASIL, 2011).

Ademais, em detrimento a percepção dominante entre os envolvidos nas execuções


fiscais de que introdução de varas especializadas em matéria fiscal, mantida a atual organização
do poder judiciário, melhoraria a aplicação das leis tributárias, não houve nenhuma diferença
significativa entre o desempenho das varas exclusivas de execução fiscal e o das varas de
competência mista. Nem mesmo cenário, o número de servidores serventuários em relação a
quantidade de processos mostrou-se também uma evidência insignificante em relação à demora
dos processos (BRASIL, 2011).

Essas pesquisas apontaram ainda pontos críticos de mudança, quais sejam: 1) em face
da desconfiança dos contribuintes em relação à imparcialidade da administração, a necessidade
de melhoras na instância administrativa a fim de garantir a análise das questões por órgão
colegiado e por pessoas preparadas antes de serem judicializadas; e 2) a necessidade de superar,
no âmbito judicial, o modelo fordista atualmente dominante o qual, ao impedir uma visão ampla
do processo e que objetive resultados, torna os procedimentos mecanizados e ineficientes
(BRASIL; 2011).

Outras pesquisas investigaram ainda as principais questões judicializadas, concluindo


que as execuções fiscais representam tanto um mecanismo eficiente de cobrança de
contribuições pelos órgãos de classes, quanto um instrumento, embora não tão eficiente,
importante de cobrança de tributos da União, uma vez que, na Justiça Federal, 52,4% das
execuções fiscais dizem respeito a cobrança de Impostos ou Contribuições da União cuja grande
maioria dos devedores são pessoas jurídicas, percentual de 60,5% (SOUZA & SILVA; 2013).
Ademais, a partir da análise dos autos findos com baixa definitiva na Justiça Federal
em 2009, nada obstante a baixa taxa de sucesso geral das demandas em trâmite no judiciário,
33,8% das execuções baixadas são extintas por alguma forma de pagamento – expropriação,
conversão em renda ou parcela única, ou cumprimento de um programa de parcelamento.
(SOUZA & SILVA; 2013), o que pode apontar a importação das execuções para arrecadação da
União.

OBJETO DA PESQUISA – A CAIXA PRETA AINDA NÃO ABERTA

As pesquisas empíricas do judiciário deram importantes passos na identificação dos


fatores internos a incrementar a demora das demandas de execução e a influenciar na
ineficiência de seus resultados.

Contudo, nada obstante esses avanços, várias perguntas sequer foram levantadas. Isso
porque, embora se saiba que o congestionamento das demandas seja resultado, dentre tantos
fatores, da baixa qualidade dos créditos executado pela União, inexistem pesquisas
significativas que considerem essas ações no nível Estadual ou que questionem os motivos
que levam ao ajuizamento de tantas demandas.

Isto é, não se sabe ao certo como os atores políticos envolvidos nessas demandas
judiciais têm interagido no âmbito do judiciário estadual, nem quais fatores, no contexto
político geral e judicial local, têm estimulado a existência de tantos processos judiciais.

Nesse sentido, importa notar que a grande massa das execuções fiscais hoje encontra-
se tramitando na esfera Estadual! Segundo dados do CNJ, em 2016, somente o Estado de São
Paulo, TJ/SP, comportava mais de onze milhões (cerca de 11.494.305) de execuções fiscais,
número que ultrapassa as execuções fiscais somadas em toda a justiça federal naquele ano.

Assim, considerando esse vácuo das pesquisas anteriores, o presente trabalho tem
como objetivo geral estudar essa gama de processos esquecidos a fim de, a partir da
identificação de quem são os atores envolvidos (exequente e executados); da origem dos
débitos; dos mecanismos de funcionamento da cobrança pela via judicial e extrajudicial
estadual; dar um passo adiante no sentido de entender o papel exercido pelo judiciário no
Sistema Tributário Nacional.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS

A primeira parte do trabalho tem como objetivo específico identificar os mecanismos


de cobrança extrajudicial dos créditos tributários nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, detalhando os seus gargalos. Ademais, depois de descritos esses mecanismos e
seus possíveis gargalos, buscar-se-á, a partir do levantamento das demandas judicializadas,
detalhar as características gerais do processo de execução fiscal estadual nos estados do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul: 1) tempo do processo; 2) partes litigantes (exequente e
executados); 3) principais créditos objeto de execução fiscal estadual; e, especialmente, 4)
identificar as falhas nos mecanismos de cobrança judicial. Para tanto, será realizada pesquisa
exploratória a fim de definir a amostragem necessária a representar a população de processos
estudados.

Concluída essa etapa da pesquisa e agrupados os dados das demandas, a segunda


parte do trabalho propõe uma reflexão sobre a escolha dos atores e a arquitetura institucional
tendo em vista que o não pagamento dos créditos tributários pode decorrer tanto da decisão
consciente do executado; quanto do efeito de mecanismos institucionais que cercam o processo
de formação da decisão. Nesse contexto, buscar-se-á, a partir do estabelecimento de relações
estatísticas significantes nas demandas judiciais e dos pressupostos da teoria da escolha
aplicada no contexto de judicialização, entender os padrões de interação dos diferentes atores
envolvidos nas execuções fiscais e os mecanismos institucionais que os influenciam e/ou
determinam.

METODOLOGIA

Em cada parte da pesquisa será empregada metodologia que melhor se enquadre ao


objeto investigado e aos resultados pretendidos.

Assim, na primeira parte do trabalho será empregada metodologia própria da


abordagem empírica, especialmente, após realizada a descrição dos mecanismos institucionais
e da pesquisa exploratória, a definição dos critérios estatísticos - quais sejam, (1) as amostras
estatísticas significativas da população, e (2) a criação de categorias que respondam aos
objetivos pretendidos - a partir dos quais será realizado levantamento das decisões judiciais.

Na segunda parte do trabalho, após analisar os resultados da pesquisa empírica


realizada na primeira etapa e avançar no sentido de entender o papel dos atores envolvidos,
terá como metodologia a pesquisa bibliográfica sobre a teoria da escolha a fim de entender os
padrões de atuação e as preferências dos atores envolvidos. Ademais, caso a pesquisa
bibliográfica não seja suficiente, poderá ser aplicado, ainda, ‘survey’ de opinião a fim de
identificar as preferências e a percepções dos atores envolvidos.

PERTINÊNCIA DA PESQUISA COM NÚCLEO DIRPOL: Direito & Política: instituições políticas e
judiciais

O trabalho pretendido enquadra-se perfeitamente na linha de pesquisa do núcleo


DIRPOL (Direito & Política), seja porque parte dos mesmos pressupostos das demais pesquisas
realizadas no cerne do grupo, qual seja, que os atores políticos, mais do que atuarem segundo
valores, são maximizadores de resultados (agem tendo em vista payoffs); seja porque perpassa
o objetivo geral que agrupa os estudos desenvolvidos no âmbito do DIRPOL.

Isso porque, nada obstante a diversidade das pesquisas realizadas no âmbito do


DIRPOL, pode-se dizer que existe um objetivo geral que reúne todos esses diversos estudos:
entender o processo decisório na democracia brasileira por meio de uma metodologia
específica, o estudo das instituições. Exemplo disso são os trabalhos recentes publicados por
KANAYAMA, ROBL E TOMIO (2017) que demonstram, por meio da análise empírica das decisões,
os diferentes papeis exercidos pelas Supremas Cortes no Brasil, Espanha, Itália, México e
Portugal, evidenciando os impactos das decisões de controle de constitucionalidade na dinâmica
entre os governos centrais, regionais e locais.

Portanto, a pretensão de se estudar as demandas executivas fiscais, sob o ponto de


vista interno ao Judiciário e externo da escolha dos atores em face das coerções institucionais,
enquadrasse nesse objeto geral, pois pretende determinar (1) o papel exercício pelo judiciário e
(2) sua relação com executivo nesse campo político tão importante, o Sistema Tributário
Nacional.

BIBLIOGRAFIA CITADA

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. (2017). Justiça em Números 2017: ano-base 2016. -
Brasília: CNJ.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. (2011). A execução fiscal no brasil e o impacto no
judiciário. – Brasilia: CNJ.
KANAYAMA, R. L.; ROBL FILHO, I. N. ; TOMIO, F. R. L.. Controle de constitucionalidade abstrato
e concentrado no Brasil, Espanha, Itália, México e Portugal. CUESTIONES CONSTITUCIONALES:
REVISTA MEXICANA DE DERECHO CONSTITUCIONAL, v. 1, p. 301-325, 2017.
SOUZA, Ailton; SILVA, José Irivaldo A. O.. (2013) Quem usa execução fiscal no brasil? uma análise
do perfil dos atores dos processos de execução fiscal na justiça federal. In: Gestão e jurisdição:
o caso da execução fiscal da União. Org. Alexandre dos Santos Cunha, Paulo Eduardo Alves da
Silva. – Brasília: Ipea, 2013.

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