Você está na página 1de 65

Um Roqueiro

no Além

O mundo só é uma droga,


para quem se droga no mundo.

Psicografado por
Nelson Moraes
Pelo espírito
Zílio

"É certo que os vivos nascem dos mortos


e os mortos tornam a nascer"
Platão
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 2

Índice
Capítulo 1 Na sepultura.............................................................. 3
Capítulo 2 Fora da sepultura ...................................................... 7
Capítulo 3 No vale dos drogados I ........................................... 11
Capítulo 4 No vale dos drogados II .......................................... 14
Capítulo 5 No vale dos drogados III......................................... 18
Capítulo 6 No vale dos drogados IV......................................... 21
Capítulo 7 Na colônia escola.................................................... 25
Capítulo 8 Novas revelações I .................................................. 28
Capítulo 9 Novas revelações II................................................. 31
Capítulo 10 Novas revelações III ............................................. 35
Capítulo 11 O resgate de Mirna I ............................................. 44
Capítulo 12 O resgate de Mirna II ............................................ 50
Capítulo 13 A missão ............................................................... 57
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 3

Capítulo 1
Na sepultura
A minha morte foi como um pesadelo; senti um profundo tor-
por e perdi os sentidos. Depois de algum tempo, recobrei a cons-
ciência; parecia estar bem, até que percebi que algumas pessoas
estavam colocando-me dentro de um caixão. Tentei reagir mas
não consegui mexer-me; gritei dizendo estar vivo, mas ninguém
me ouviu. Quando fecharam o caixão, dei murros na tampa ten-
tando abri-la, mas meu esforço era em vão; perdi os sentidos.
Não sei quanto tempo fiquei desacordado; quando dei por
mim novamente, senti que me colocaram em um veiculo e viaja-
mos por algum tempo. Os solavancos do carro enjoaram-me; co-
mecei a passar mal; não tinha espaço para vomitar e nem para me
mexer; sentia-me sufocado. Quando o carro parou escutei grita-
rem o meu nome seguido de muito pranto. Pelo movimento, per-
cebi que ali deveria ser o local do velório. Tiraram o caixão do
carro e, quando menos eu esperava, abriram a tampa. Senti um
grande alívio! Tentei levantar-me, mas não consegui. Muita gente
debruçou sobre mim para chorar.
O que eu poderia fazer?
Já havia tentado de tudo para sair dali. A única explicação
que eu encontrava para aquele fato, é que eu estava realmente
morto e o meu espírito preso a meu corpo e já começava a cheirar
mal. Diante da minha impotência, tive que aceitar aquela situação.
Observei cada pessoa que passavam por mim. Olhavam-me pie-
dosamente e lamentavam pela minha morte. Quase todos que pas-
saram por aquele desfile de lágrimas e de hipocrisia diziam a
mesma coisa:
- Que pena. Tão jovem!
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 4

Outros cochichavam:
- Foram as drogas que o destruíram.
- Depois de algum tempo, fecharam o caixão e puseram-me
novamente em um carro. Fiquei tonto, comecei a passar mal; por
alguns momentos, eu ia morrer de verdade. Mas acabei apenas
desmaiando. Quando voltei a mim, não sei quanto tempo depois,
escutei algumas pessoas conversando. Pelo que elas falavam, de-
duzi que estavam levando-me para o cemitério; quase me desespe-
rei. Senti um medo terrível, principalmente quando percebi que
estavam SEPULTANDO-ME. Não cheguei a entrar em pânico,
mas rezei todas as orações que eu havia aprendido e isso, de certa
forma, acalmou.
Lembrei-me da minha vida desde quando era criança. Revi
todo meu passado, era como se eu estivesse assistindo à projeção.
A partir daí, naquela solidão profunda, comecei a julgar minhas
atitudes. Fui um combatente! Lutei contra um sistema que eu não
aceitava e que me causava revolta. Entretanto, acabei vítima de
mim mesmo e não do sistema que eu condenava.
Sem perceber, havia optado pela fuga, a mesma fuga que me
havia fascinado em outros momentos da minha vida. O sofrimento
por que eu estava passando era característico dos suicidas. Era
assim mesmo que eu me sentia, um suicida. Levado pela revolta,
percorri o caminho das drogas até encontrar a morte. Embora o
mundo me aborrecesse, eu deveria ter continuado no bom comba-
te.
Na verdade, fui um equivocado, apontei tudo que eu achava
que estava errado, mas não soube indicar o certo. Minhas inten-
ções eram boas, mas minhas atitudes eram contraditórias. Em vez
de atacar e ferir o sistema, eu deveria ter contribuído para trans-
formá-lo. Não corri atrás do ouro dos tolos, mas, na cama de meu
apartamento, fiquei com a boca aberta esperando a morte chegar.
Ela chegou antecipada! Veio convidada pela minha insensatez.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 5

Em vez de repousar em seus braços, ela agora fazia arder minha


consciência. No auge da minha angustia, eu questionava:
- Quanto tempo terei que ficar nesta situação? Ficarei aqui até
o dia do trem passar? Será que vou ou será que fico?
Eu consolava a mim mesmo:
- Não importa! Se vou, livro-me deste mundo equivocado. Se
fico, tento outra vez.
Diante das dúvidas que povoaram minha mente, eu afirmava:
- Tenho certeza de que a vida é eterna! Este é apenas um
momento como outro qualquer. Vai passar, como tudo passou.
Essas auto-afirmações confortavam-me. Constantemente, eu
buscava encontrar as vantagens que aquela situação me propor-
cionava. Então, eu dizia:
- Pelo menos aqui não ouço os noticiários infames! Não posso
beber nem me drogar.
Naquele momento, eu percebi que havia esquecido o vício!
Sentia-me de certa forma reconfortado, pelo menos aquela situa-
ção proporcionava-me um bem verdadeiro. O tempo foi passan-
do...
Vez ou outra, alguém vinha depositar flores sobre meu túmu-
lo; elas pareciam ajudar-me; eu sentia o perfume delas amenizan-
do o cheiro dos ossos que restaram no meu corpo. Lembrei-me de
que um dia eu e um amigo tentamos nos comunicar com as plan-
tas. Talvez, pela importância que demos a elas naquele dia, agora
vinham retribuir-me, socorrendo-me com delicioso perfume.
Eu escutava tudo o que se passava no cemitério. Ouvi muitos
gritos de desespero. Muitas vezes adormeci, mas os pesadelos
faziam-me acordar assustado. Sonhei várias vezes que estava jun-
to à família. Desesperado, tentava falar que estava vivo, mas nin-
guém me ouvia.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 6

Entre sonhos e pesadelos, continuei preso àquele ataúde que


se transformara em minha casa. Eu perguntava a mim mesmo:
- Seria esta a minha derradeira morada? Jamais sairia daqui?
Logo em seguida, respondia-me a mim mesmo cheio de con-
vicção:
- Não. Tenho certeza de que não! Eu não acredito nas penas
eternas. Logo estarei fora daqui.
Não sei se era intuição, mas eu tinha realmente a certeza de
que, em determinado momento, eu sairia dali. Tentei levantar-me
algumas vezes, mas ainda estava preso àquela situação.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 7

Capítulo 2
Fora da sepultura
Não sabia se havia passado alguns dias, alguns meses ou al-
guns anos. Perdi completamente a noção do tempo, até que ouvi
uma voz chamando-me:
- Olá, malandro! Foi bem de viagem?
Sabia que era comigo que falavam, mas não respondi. A voz
continuou chamando-me e rindo às gargalhadas. Lembrava-me a
voz de alguém conhecido, mas a escuridão era tanta que eu não
podia vê-lo.
- O que é malandro, vai ficar a vida toda dentro desse buraco?
Seu corpo já apodreceu! Vai esperar apodrecer o seu espírito?
Você está vivo, cara! A morte não existe! Olha para mim! Estou
numa "boa". Aqui tem tudo o que a gente gosta. Vamos. Sai desse
buraco.
Uma força estranha impeliu-me e eu sai dali. Demorou muito
para que eu pudesse recobrar a visão. Alguém me estendeu a mão
e segurou-me pelo braço...
Era um homem cuja fisionomia chegava a assustar-me; tentei
lembrar-me de onde eu o conhecia mas não consegui.
- Está assustado, "garotão"? Não tenha medo, eu domino esta
região! Você é meu convidado especial. Eu sou seu fã!
- Quem é você?
- Somos velhos amigos, não vai se lembrar, fazem apenas al-
guns séculos...
Suas gargalhadas assustavam-me. Ele continuou:
- Você deve ter pensado que o inferno não existe, mas o in-
ferno existe somente para os fracos; estamos no Paraíso. Eu go-
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 8

verno esta parte da cidade. Você vai adorar ficar aqui comigo e
com todos os que estão sob o meu comando. Venha! Vou ensinar
a você como se vive fora do corpo.
Constrangido e assustado, segui seus passos até sairmos do
cemitério. Na rua, entrei em pânico. Sai correndo sem saber para
onde; vaguei não sei quanto tempo; estava aflito; minhas roupas
estavam cheias de vermes, quanto mais eu sacudia mais caíam no
chão. Desesperado entrei em um motel. Precisava tomar um ba-
nho! Fui até a recepção, falei com a mulher que atendia na porta-
ria, mas ela não me ouviu; ia insistir novamente quando aproxi-
mou-se de mim uma outra mulher:
- Olá, querido! Não adianta falar com ela, não pode vê-lo, vo-
cê é um espírito desencarnado como eu. Em que posso ser útil?
- Preciso tomar um banho.
- Só um banho, amor?
- Sim. Tenho que me livrar destes vermes.
- Que vermes?
- Você não os vê? Olha aqui! Estão no meu corpo todo, já es-
tou ficando desesperado!
- Você não é o primeiro louco que vem aqui com essa histó-
ria. Isso é o que dá eu trabalhar perto do cemitério. Vamos até a
minha suíte que eu o faço esquecer os vermes. Vem meu bem,
vem!
- Eu quero apenas tomar um banho.
- Está bem! Eu o levo para tomar um banho. Venha.
Caminhamos em direção à tal suíte, passamos por algumas
em que, do lado de fora, alguns homens e mulheres se acotovela-
vam; pareciam estar enxergando através da janela fechada e da
parede; achei estranho. Antes de eu perguntar, a mulher começou
a falar:
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 9

- Você deve estar chegando agora; não sabe nada dessas coi-
sas. Esses espíritos são os sexólatras; estão participando do con-
luio amoroso do casal que está na suíte. Se gostarem do desempe-
nho do homem ou da mulher, irão com eles para casa.
Os gestos que eles faziam eram de verdadeiros alucinados; fi-
quei apavorado e sai correndo. A mulher ficou gritando:
- Onde você vai, meu bem? Vem cá!
Não olhei para trás; segui em frente, sem rumo e sem destino;
caminhei pelas calçadas; vaguei por muito tempo. Notei que al-
gumas pessoas que passavam por mim pareciam me ver, outras
não, então entendi que as que me viam eram espíritos como eu, as
outras eram pessoas encarnadas. Fiquei admirado de ver um nú-
mero tão grande de espíritos caminhando entre os encarnados.
Muitos pareciam saber para onde iam, outros vagavam como eu.
Estava meditando sobre a minha situação, quando ouvi uma músi-
ca que me era familiar; o som vinha de um automóvel estaciona-
do; aproximei-me...
Era um casal de jovens enamorados. Ela tinha pouco mais de
dezesseis anos, ele, uns dezenove ou mais; ouvi o diálogo:
- Eu adoro ouvir esse cara cantar!
Exclamou a jovem.
Ele era demais, pena que morreu, era um dos nossos! Vamos
homenageá-lo?
Vamos! – Respondeu a jovem.
O rapaz abriu um papelote de cocaína e os dois começaram a
"cheirar".
- Esta é pra você malucão!
Diante daquela cena, desequilibrei-me. Entrei em crise e co-
mecei a passar mal. Vomitei não sei por quanto tempo; continuei
caminhando; cambaleava de um lado pra outro. Eu queria morrer
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 10

de verdade! Tudo o que eu fiz na vida havia se tornado uma gran-


de loucura. Sentei-me na soleira de uma porta e comecei a chorar;
alguns espíritos que passavam por ali vieram ao meu encontro.
- Não chore companheiro, nós vamos ajudá-lo; venha conos-
co.
- Nós vamos levar você até um lugar muito bom que vai aten-
der às suas necessidades.
Estava desesperado; deixei-me levar. Fomos parar em um lu-
gar estranho.
- É aqui que deve ficar. Seja bonzinho e terá tudo o que você
precisa.
Largaram-me ali e foram embora rindo em gargalhadas. Senti
muito medo. No meio das sombras que predominavam naquele
lugar, comecei a ver homens e mulheres desnudos, caminhando
abraçados uns aos outros como se estivessem num gozo intermi-
nável. Alguns tinham apenas um buraco no lugar das narinas. As
veias dos braços de alguns estavam tão inflamadas que pareciam
expostas. Eu sentia muitas dores nos pés; lembrei-me que as últi-
mas vezes em que me droguei, eram neles que eu aplicava a dro-
ga. Olhei para eles e percebi que estavam realmente inchados e as
veias sobressaltadas.
Aquele lugar dava-me nojo, o cheiro era insuportável; vez ou
outra, ecoavam gritos e gargalhadas estridentes. Desejei, naquele
momento, voltar para a minha sepultura. Se existisse realmente o
inferno, com certeza era ali. Pensei em Deus e comecei a chorar...
Estava arrependido pelo que havia feito em minha vida; cai
de joelhos e não mais consegui levantar. Comecei a vomitar no-
vamente. Eu me arrastava pelo chão cheio de limo. Da umidade
do solo, surgiam larvas e centopéias que passeavam pelo meu
corpo. Senti dores horríveis e acabei desmaiando.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 11

Capítulo 3
No vale dos drogados I
Não sei quanto tempo fiquei desacordado. Quando voltei à
consciência, alguns espíritos que ali estavam se aproximaram de
mim e agarraram-me pelos braços; um deles, segurando uma agu-
lha hipodérmica. com a agulha torta e enferrujada, começou a
falar:
- Calma! Nós guardamos um pouquinho pra você.
Quando ele ia aplicar a droga em meu braço, tentei reagir,
mas estava impotente.
Gritei desesperado:
- Deus, meu Pai, perdoa-me, livra-me deste inferno, eu lhe
suplico. Socorra-me por favor...
Uma Luz surgiu no meio das sombras! Vi um jovem como
que saindo daquela luz intensa. Levantou o braço e, no mesmo
momento, os espíritos que tentavam ferir-me, largaram-me e se
afastaram. O susto devolveu-me a lucidez; olhei para o jovem
que, sorrindo para mim, afirmou:
- Não tema. Venha, eu vou levar você para um lugar onde po-
derá recuperar-se em segurança. Venha! Dê-me sua mão.
Apoiado por ele, levantei-me e começamos a caminhar. Eu
estava cansado; mal conseguia andar; estava com medo. Para on-
de eu iria desta vez? Subimos e descemos por entre as pedras e
rochedos até que chegamos a um lugar parecido com aquele, po-
rém, menos sombrio.
- Quem é você? - Perguntei.
- Sou um amigo. O vale onde estava é para aqueles que ainda
estão presos ao vício. Enquanto não demonstrarem vontade de se
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 12

libertarem, continuarão lã. Aqui você compartilhará da companhia


de espíritos que já estão em trabalho de recuperação. Ficará neste
lugar até que elimine os venenos que acumulou no seu corpo espi-
ritual.
- Que devo fazer para eliminar tais venenos?
- O tempo e a natureza se encarregarão disso.
- Foi naquele lugar e naquele momento que começou o meu
caminho de volta, árduo e penoso. Passei longo tempo me arras-
tando e vomitando entre aqueles infelizes como eu. Ali, arranquei
das entranhas o resultado da minha ignomínia e insensatez. Nos
momentos de crises mais profundas e dolorosas, eu lembrava da
minha estupidez. Meu peito parecia arrebentar de remorso. Sofri
muito. Não bastasse meu sofrimento, constantemente era tentado;
escutava de vez em quando a voz daquele homem que me tirou da
sepultura, ecoando na minha consciência:
- Você decepcionou-me. Pensei que era um forte, agora vejo
que é um fraco. Preferiu o inferno ao invés do Paraíso. Reaja ma-
landro, não se entregue, não sabe o que está perdendo. É só cha-
mar que eu vou buscar você.
Aquela voz soava como um desafio, cheguei a pensar que era
realmente um fraco. Mas o que ele poderia oferecer-me? Orgias,
drogas, liberdade? Que liberdade? Meu Deus, eu que acreditei que
a felicidade era ter liberdade para fazer tudo o que eu queria, ago-
ra estava ali, vítima dessa pseudo-liberdade. Não vou ceder! Meu
lugar é aqui, junto aos meus merecidos tormentos.
A partir daí, assumi de vez o meu calvário. O tempo foi pas-
sando...
Aos poucos fui reequilibrando-me até conseguir ficar defini-
tivamente em pé. Mais consciente, comecei a observar de perto os
espíritos que estava ali. A maioria, apesar das marcas dos efeitos
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 13

das drogas, tinha a aparência juvenil. Uma jovem, com ar de timi-


dez aproximou-se de mim e disse-me:
- Meu nome é Rosa. Sou sua fã. Eu adorava "curtir" os seus
shows.
- Obrigado! Faz muito tempo que está aqui? - perguntei.
- Não sei. Aqui a gente perde a noção do tempo. Parece que
faz um século que estou aqui.
- De que você morreu?
- De uma "Over-dose."
- Porque se drogava?
- Revolta!
- Contra o que se revoltava?
- Eu vivia revoltada com tudo e com todos. Meus pais deram-
me tudo o que eu precisava. Eles não tinham tempo para mim. Eu
vivia triste, até que conheci uns "amigos" roqueiros que me ajuda-
ram a ter um pouco de "alegria"; foi quando eu me tornei sua fã.
- Como você se envolveu com as drogas?
- Estava feliz! Eu curtia meus novos "amigos". Eram alegres,
eu me divertia muito, até que apareceram as drogas. Estávamos
acampados; insistiram tanto que eu acabei experimentando. A
partir daí, minha vida tornou-se um pesadelo.
Atraído pela nossa conversa aproximou-se de nós um grupo
de mais de uma dezena de jovens. Um deles, parecendo liderar o
grupo, tomou Rosa nos braços e disse-me:
- Meu nome é Ronaldo. Não se preocupe, logo ela estará
bem! Seja bem-vindo ao grupo de conscientes!
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 14

Capítulo 4
No vale dos drogados II
- Obrigado! O que é o grupo dos conscientes?
- Somos os que já caminham em pé e lúcidos, pois como você
vê, ainda há muitos que se arrastam, assim como você e nós nos
arrastávamos até pouco tempo.
- Vocês sabem como funciona este lugar? Existe um tempo
certo que devemos ficar aqui?
- Nós não sabemos - respondeu Ronaldo.
- Vocês já viram alguém sair daqui?
- Eu já vi! - afirmou Rosa que se recuperava do pranto.
Então eu perguntei-lhe:
- Como se faz para sair daqui? É possível? Ou temos que es-
perar alguém vir nos buscar?
- Eu conversei com um espírito que veio junto com um grupo
chamado Samaritanos. Ele informou-me que somos livres, pode-
mos sair, basta subirmos pela encosta do vale e logo estaremos
entre os encarnados, mas disse não é aconselhável, pois estaría-
mos comprometendo nossa recuperação. Disse, ainda, que o mais
importante para nós é ficarmos até que se atinja a completa desin-
toxicação causada pelas drogas. Além do mais, devemos nos rea-
bilitar das conseqüências da morte prematura. Nesse dia, eles le-
varam muitos espíritos que já estavam prontos para iniciarem uma
nova fase do tratamento.
- Então, pelo que vejo, só nos resta esperar pela nossa vez! –
afirmei conformado.
Rosa continuou falando:
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 15

- Segundo esse espírito que me orientou, não devemos esperar


de braços cruzados; podemos acelerar nossa recuperação ajudando
aqueles que estão em pior situação do que nós.
- E o que podemos fazer?
- Disse-me que devemos conversar com eles, falar-lhe de
forma a estimular a auto-confiança, renovando-lhe a esperança.
Ronaldo sentou-se e convidou a todos para sentarmos. Sen-
tamos...
Depois de um mútuo entendimento, definimos um plano de
trabalho: fomos divididos em cinco grupos de três. Rosa, Miriam
– a mais velha – e eu ficamos no mesmo grupo.
- Quando começamos? - Perguntei.
Ronaldo respondeu:
- Eu acho que devemos começar já.
Todos concordaram! Imediatamente, saímos a campo. Rosa,
Miriam e eu aproximamo-nos de um jovem que se retorcia envol-
to em uma substância gelatinosa que saía da sua boca e ouvidos,
envolvendo quase todo seu corpo. Na cabeça, tinha um ferimento
que denunciava as marcas de um acidente. Rosa sentou-se junto a
ele, sem qualquer asco; puxou sua cabeça para seu colo e come-
çou a orar e a passar a mão nos seus cabelos. Ele balbuciou:
- Socorro...Socorro...
Meio tímido, falei:
- Calma amigo, estamos aqui para lhe ajudar, pense em Deus,
confia que você vai sair dessa.
Ficamos ali até passar aquela crise que eu mesmo havia expe-
rimentado. Depois de algum tempo, perguntou:
- Quem são vocês?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 16

- Somos amigos; estamos juntos nesse barco e, com certeza,


não vamos naufragar - afirmou Rosa.
- Não consigo levantar-me; sinto-me pesado. Não posso mo-
ver-me.
- Qualquer dia desses você vai conseguir, tenha fé – afirmei.
- O que aconteceu comigo? Onde está o carro?
Rosa olhou para mim, olhou para Miriam e sussurrou para
nós:
- E agora? O que falamos?
Miriam levantou a mão espalmada como quem diz "deixa pa-
ra mim". Logo em seguida, falou:
- Como é seu nome?
- Tiago.
- Tiago. Você sofreu um acidente?
- Meu amigo bateu o carro, mas não foi aqui. Como eu vim
parar neste lugar?
- No acidente você morreu. Por isso está aqui.
- Você está louca. Estão. Estão brincando comigo, ou então
isto aqui é um pesadelo. Vocês não existem.
- Isto não é um sonho e nem um pesadelo. É a mais pura rea-
lidade. Você morreu! Quanto mais tempo levar para reconhecer,
mais tempo estará em sofrimento; fique calmo.
- Onde está o meu amigo? Para onde o levaram?
- O seu amigo deve ter sobrevivido ao acidente, por isso não
veio para cá.
- Eu quero ir para casa. Chame alguém da minha família, por
favor.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 17

- Tiago, quando vocês sofreram o acidente, estavam droga-


dos?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 18

Capítulo 5
No vale dos drogados III
- Eu falei para o meu amigo que o racha não ia dar certo, nós
tínhamos acabado de nos drogar, ele não estava bem, mas uns
caras insistiram desafiando meu amigo, ele não agüentou e partiu
para cima. Depois eu não vi mais nada, até a hora que vocês che-
garam.
- Agora procure ficar calmo, outra hora nós voltamos a con-
versar. Se você acredita em Deus, reze, lhe fará bem.
Dali partimos na direção de outros enfermos. Não tínhamos a
noção de tempo, não havia dia ou noite, o lugar era sempre som-
brio. Observei que quase todos me conheciam, isto me fazia sentir
co-responsável pela situação em que estavam. Eu que acreditava
ser um filósofo e sonhava construir a cidade das estrelas, estava
agora em plena cidade das sombras. E o pior, de alguma forma eu
acabei ajudando a povoá-la, arrastando para cá muitos desses es-
píritos que se influenciaram com o mau exemplo do meu compor-
tamento equivocado.
Muitos dos espíritos que estavam naquele imenso vale de so-
frimento apresentavam problemas quase idênticos. A maior difi-
culdade de todos era aceitar e compreender a morte. Eram todos
suicidas involuntários, vítimas das drogas como eu.
Não demorou para que o nosso trabalho fosse notado pelos
espíritos Samaritanos. Logo depois que o iniciamos, recebíamos
constantemente orientação e recursos valiosos que facilitavam
nosso trabalho.
Todos os dias, Felipe, o mesmo que socorreu-me no outro va-
le, e alguns Samaritanos, vinham nos ministrar aulas. Com eles
aprendemos a lidar com as dificuldades que muitas vezes encon-
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 19

tramos ao atender os espíritos em sofrimento. Principalmente a-


queles que ainda se encontravam dominados por mentes doentias
que os subjugavam mesmo à distância, da mesma forma como
aquele espírito tentou controlar-me.
Sofri muito, entrei várias vezes em depressão. Várias vezes
Felipe teve que me conduzir até a Terra e apelar para os recursos
dos trabalhadores encarnados, a fim de que eu não sucumbisse.
Participei muitas vezes das reuniões de auxilio realizadas pelos
encarnados. Minhas feridas foram tratadas por eles. Segundo Fe-
lipe, o material colhido entre os trabalhadores encarnados era ex-
celente para contribuir com uma recuperação mais rápida do nos-
so corpo espiritual. Nessas oportunidades, apoiado por Felipe,
aproveitava para visitar meus entes queridos. Eram apenas alguns
segundos, quase sempre à noite, quando já estavam dormindo.
Mesmo assim, ajudou-me a amenizar a saudade que eu sentia.
Depois de recuperado, trabalhei por muito tempo naquele va-
le de lágrimas. Foi o que me ajudou a reconhecer as minhas fra-
quezas. Estava ansioso para recompor minha vida. Nem sequer
sabia quanto tempo se passara da minha morte; esperei o retorno
de Felipe para perguntar-lhe. Não demorou muito e ele veio ver-
me.
- Como está, meu amigo? Muito trabalho?
- Trabalho é o que não falta por aqui. Todos os dias chega
uma leva de espíritos em sofrimento. Todos trazem as mesmas
características. Por quê?
- Como você já percebeu, este vale abriga os espíritos que na
terra se entregaram ao vício das drogas. Na aparente promiscuida-
de em que vivem aqui, expondo uns aos outros os efeitos que as
drogas provocaram em seus espíritos, é estabelecido um processo
homeopático de cura, ou seja, semelhante contribuindo na cura do
semelhante.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 20

- Devo concordar que realmente funciona! Quando eu che-


guei aqui, não imaginava os efeitos que as drogas poderiam cau-
sar no corpo espiritual.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 21

Capítulo 6
No vale dos drogados IV
- Toda vez que nós ultrapassamos a barreira do bom senso e
agredimos a natureza em nós, ou fora de nós, ela nos responde à
altura da nossa agressão. Como a natureza física e a natureza eté-
rica estão estreitamente ligadas, acabamos transferindo para a
nossa natureza extra-física o resultado das nossas ações menos
felizes.
- Por que uns se recuperam mais rápido do que outros?
- O tratamento que se opera aqui não é um tratamento bioló-
gico, ele não se efetiva apenas na recuperação de células, é a re-
cuperação da mente que importa. Quanto mais tempo o espírito se
demora para se conscientizar do erro que praticou, mais demorada
será a sua recuperação.
- Por que depois da morte física não continuei atraído pelas
drogas? Pelo contrário, senti repugnância?
- Embora não se lembre, você tem valorosos amigos no mun-
do espiritual. Antes mesmo de você desencarnar, durante período
em que estava enfermo, eles o ajudaram muito; anulando certos
efeitos do seu perispírito, causados pelos abusos, os quais poderi-
am agravar ainda mais a sua situação.
- Eu não me drogava por prazer, eu buscava respostas à mi-
nha indignação. Nas "viagens" que eu realizava conseguia enxer-
gar o mundo que desejava. Mas agora compreendo, o mundo que
todos desejamos não está pronto esperando por nós; temos que
construí-lo onde estivermos.
- Zilio, para muitos, a equipe de vocês ajudou a construir um
mundo melhor aqui mesmo neste vale de sofrimento. O mundo
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 22

melhor começa a existir quando começamos a pensar nele e a lu-


tar por ele.
- Felipe, você sabe alguma coisa sobre o meu passado?
- Não posso lhe adiantar nada por enquanto. Breve eu virei
buscá-lo e vou levá-lo a um lugar onde reencontrará velhos ami-
gos; estes sim poderão ajudá-lo a retomar os caminhos da evolu-
ção, prestando-lhes as informações necessárias e úteis.
- Quanto tempo se passou desde a minha morte?
- Sete anos, mais ou menos. Um pouco menos de um ano fi-
cou preso ao corpo, mais de seis já faz que está aqui. Esse tempo
seria muito maior se você não tivesse acumulado alguns méritos
no passado.
- Eu julgava ter sido há uns três ou quatro anos.
- Conforme o plano mental em que estamos situados, a dinâ-
mica do tempo se altera. O que para uns parece um século, para
outros representa apenas alguns momentos.
- Várias vezes, estive inclinado a subir a encosta para visitar a
Terra. Se eu tivesse ido, qual o problema que me acarretaria?
- É imprevisível. Dependeria muito das suas reações diante do
que iria encontrar.
- O que me aconselha?
- Eu aconselho que deve esperar até que esteja reunido aos
seus amigos que o aguardam; com certeza saberão orientá-lo so-
bre o que deve ou não fazer.
- Quando pretende levar-me até eles?
- Não tarda. Continue trabalhando. Quanto menos esperar es-
tarei aqui para conduzi-lo até eles.
O diálogo com Felipe me fez bem. Aumentou minhas espe-
ranças. Continuei meu trabalho auxiliado por Rosa e Miriam, que
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 23

se revelaram criaturas maravilhosas. Sabiam dar amor e compre-


ensão para os companheiros de infortúnio. Em momento nenhum
perderam a calma. Com certeza, em breve estariam em um plano
melhor.
Tiago, o primeiro jovem que atendemos, já caminhava pelo
vale. Havia entrado para o mundo dos conscientes, como dizia
Ronaldo. Apesar de estarmos rodeados pelo sofrimento, o clima
fraterno que existia em torno do trabalho que desenvolvíamos
dava-nos um grande alento.
Os espíritos que ali estavam eram oriundos de todas as clas-
ses sociais, mas a grande maioria era constituída de jovens que
viviam no seio da classe média alta. Quase todos registravam uma
grande carência afetiva; eram órfãos de pais vivos. Tiveram tudo
e ao mesmo tempo não tiveram nada. Alguns deles estavam cur-
sando faculdades quando tiveram a vida física interrompida. Por
estranha ironia, na academia onde deveriam adquirir conhecimen-
tos para projetarem o futuro, conheceram as drogas e se projeta-
ram para a morte.
Em momento algum encontramos violência naqueles cora-
ções em sofrimento; a maioria era dócil à nossa orientação. Mui-
tos se recuperavam rapidamente. O que mais se ouvia naquele
vale eram os gritos de arrependimento e de saudade dos entes
queridos. Apenas alguns ameaçavam entrar pelos caminhos da
revolta, mas logo se acalmavam.
Aquele era um verdadeiro vale de redenção! Ali não entra-
vam traficantes ou marginais; era destinado a espíritos que já de-
monstravam uma tendência à recuperação. Assisti a partida de
muitos que já estavam há mais tempo; saíram dali com o corações
cheios de esperanças. A despedida era sempre um momento emo-
cionante. A emoção ainda era maior quando partiam alguns da-
queles aos quais dedicamos nossa atenção e contribuímos para
que alcançassem a recuperação necessária para enfrentar uma no-
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 24

va jornada. Fora a saudade da terra, sentia-me feliz, ali. Afinal,


estava sendo útil ao meu semelhante.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 25

Capítulo 7
Na colônia escola
- Não sei quanto tempo se passou. Felipe veio buscar-me.
Emocionado, despedi-me de todos. Miriam e Rosa abraçaram-me
numa sincera demonstração de carinho.
Partimos... Felipe segurou-me pela mão. Subimos pela encos-
ta do vale até uma planície onde um veículo nos esperava. Entra-
mos. Logo em seguida, o veículo começou a deslizar ou voar, não
sei ao certo, o que sei realmente é que chegamos a um lugar que
parecia uma cidade. Havia prédios, jardins, pessoas andando pelas
ruas e alamedas. Desembarcamos e começamos a caminhar. As
pessoas passavam por nós, cumprimentavam-nos como se nos
conhecessem. Curioso, perguntei:
- Estamos na Terra?
- Não da forma como você imagina. estamos em uma cidade
espiritual, em um lugar próximo da crosta terrestre. Na verdade,
ela toda é uma colônia escola.
- Não entendi! Uma colônia escola?
- Sim! O que aqui se aprende transcende ao que aprendemos
nas academias da Terra.
Entramos em um prédio de dois andares. Caminhamos pelo
corredor térreo e paramos frente ao número dezesseis.
- Este é o apartamento onde vai ficar. – afirmou Felipe.
Era um quarto com uma cama, uma estante cheia de livros e
uma sala pequena com um sofá e duas poltronas, iguais as que
todos conhecemos na Terra. Ia perguntar sobre o banheiro, mas
calei-me, afinal agora era um espírito, com certeza não precisava
mais atender às necessidades fisiológicas. Felipe, dando a enten-
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 26

der que leu os meus pensamentos, sorriu, balançou a cabeça e


partiu.
Fui para o quarto e abri a janela. Estava anoitecendo; con-
templei o céu. A beleza era tanta que tive a sensação de estar no
portal da eternidade. Tomado por forte emoção, senti-me voltando
no tempo, o lugar onde fui parar... Era ali mesmo! Estava rodeado
de amigos, era uma festa de despedida, eu ia partir, ia retornar à
Terra. Alguém que eu senti que amava muito aproximou-se de
mim e disse:
- Vá, tenha fé! Propague a sabedoria Divina! Não deixe a in-
disciplina vencê-lo, lute com todas as suas forças.
Meu Deus, foi daqui que eu parti para a Terra. Tentei lem-
brar-me de mais alguma coisa mas não consegui. Fechei a janela e
deitei-me para raciocinar melhor. Comecei a conjecturar:
- Talvez seja por isso que Felipe me trouxe para cá. Quem sa-
be é aqui que eu tenho que prestar contas dos compromissos as-
sumidos antes de reencarnar?
Depois de muitas conjecturações, resolvi distrair-me lendo
um livro. Levantei e peguei um deles na estante. Quando eu vi a
capa e o título, estremeci, tive a sensação de que já havia passado
por aquele momento. Não agüentei a curiosidade; deitei-me no-
vamente e, recostado na cabeceira da cama, comecei a lê-lo. Era
incrível! A cada página eu reconhecia aquela obra. O livro tratava
de uma técnica de se introduzir a Filosofia na Arte.
Agora tinha a certeza de que já estivera ali, naquele mesmo
quarto. Estava divagando quando a porta se abriu e entrou uma
mulher aparentando uns trinta anos, vestindo um longo vestido
azul claro. Quando eu a vi e olhei em seus olhos esverdeados e
brilhantes, senti uma emoção tão grande que comecei a chorar.
Ela correu para mim e apertou-me em seus braços. Por alguns
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 27

instantes tornamo-nos um só. Essa foi a impressão que eu tive


naquele momento. Desejei que ficássemos assim para sempre.
- Zílio, meu irmão! Fiz de tudo para que não enveredasse pe-
los caminhos da revolta, mas, pelo que eu vejo, ainda é um senti-
mento muito forte em você.
Quando ela chamou-me de Zílio, senti aflorar em minha men-
te vagas recordações. A emoção de tais lembranças embargava-
me a voz. Com muito esforço consegui falar o nome que surgiu na
minha mente:
- Helena! Helena! Era você o anjo bom que eu procurava nas
minhas alucinações.
- Zílio, graças a Deus você voltou à consciência!
- Sinto que fracassei novamente.
- Não se deixe abater, afinal, você conseguiu pelo menos se
desvincular de alguns espíritos que o alienaram durante séculos a
compromissos inferiores.
- Espero que você esteja certa; esta etapa da minha existência
foi muito tumultuada; não sei onde venci ou fracassei.
- Por mais tumultuadas que sejam nossas experiências na Ter-
ra, sempre trazemos algum aproveitamento; muitas vezes, apenas
uma atitude feliz que praticamos passa a nos render frutos eter-
namente. Ao longo das suas encarnações, você acumulou muitas
atitudes felizes e foram elas que lhe facultaram retornar a este
lugar tão importante para a sua evolução. Breve nos reuniremos
com nossos amigos. Agora devo ir. Descanse, amanhã nos vere-
mos novamente.
Realmente eu precisava descansar, sentia-me bem, mas havia
desprendido muita energia ao viver tantas emoções em tão pouco
tempo. Deitei-me e adormeci.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 28

Capítulo 8
Novas revelações I
No dia seguinte quando acordei, fui surpreendido pela luz do
sol penetrando pelas frestas da janela. Senti uma alegria imensa,
pois há muito eu não via os raios solares. Felipe estava sentado
aos pés da minha cama.
- Como está, meu amigo Zílio?
- Transbordando de felicidade! É como se eu tivesse renasci-
do esta manhã.
- Pelo que eu vejo, não teve dificuldades para retornar algu-
mas lembranças dos momentos vividos aqui entre nós.
- Não me recordei de tudo, mas o que é importante para mim,
está bem nítido em minha mente. Sei agora que você é um dos
amigos valorosos que eu tenho aqui. Deve ter saído daqui muito
bem preparado; por que fracassei?
- Enquanto estamos aqui no mundo espiritual, geralmente es-
tamos entre autênticos amigos; nossas qualidades pouco são testa-
das, porém, quando reencarnamos, nós nos submetemos a uma
convivência irrestrita, onde nossos valores são testados a cada
instante a as nossas fraquezas são estimuladas até o último grau
da nossa resistência. Nem sempre conseguimos resistir a todas e
isso demonstra o quanto ainda temos que caminhar rumo à perfei-
ção.
- Estou sentindo uma sensação de eternidade; é como se re-
almente eu tivesse nascido há milhares de anos atrás.
- É Zílio, somos alguns dos muitos que ainda não consegui-
ram voltar ao planeta de onde fomos exilados. Graças a Deus, não
recordamos totalmente dos detalhes; o nosso sofrimento seria ain-
da maior. Vez ou outra, temos uma vaga intuição e isso já é o bas-
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 29

tante para nos sentirmos deslocados neste mundo. Devemos pros-


seguir lutando! Agora, este é o nosso mundo! Temos que ajudar a
transformá-lo.
- Você, Felipe, deve estar séculos à minha frente, não sei se
mereço gozar da sua presença.
- Zílio, meu irmão, muitas vezes estivermos juntos, vivendo
experiências difíceis no corpo físico. Nosso grande erro foi come-
tido na velha Lemúria, quando nos associamos a um grupo de
exilados como nós, que praticava rituais macabros. Com o poder
que desenvolveu, esse grupo provocava a materialização de espí-
ritos inferiores, que vinham sugar o fluido vital das vítimas hu-
manas sacrificadas em nossos rituais. Em troca, esses espíritos
menos desenvolvidos obedeciam cegamente à nossa vontade. Es-
ses rituais eram regados a drogas produzidas por verdadeiros al-
quimistas das trevas. O mal que causamos a milhares de criaturas
nos custou séculos de sofrimentos e reparação.
- Então, é por isso que, quando usava as drogas, eu me sentia
como se estivesse realizando algo místico, era como se estivesse
me preparando para sondar o infinito.
- É, Zílio, essas fraquezas nos acompanharam durante muitas
vidas. Alguns companheiros ainda se comprazem com elas, um
deles você encontrou quando conseguiu sair da sepultura. Graças
a Deus, a sua reação diante dele foi positiva; com isso, libertou-se
da sua influência nociva que o levou a sucumbir no mundo das
drogas. Agora você está livre para construir o futuro que deseja.
- Foi por isso que eu tive a sensação de conhecê-lo?
- Não tenha dúvidas. Ele tinha a esperança de continuar lhe
subjugando aqui no mundo espiritual.
- Realmente, ele tentou. Ouvi muitas vezes sua voz convidan-
do-me a participar do "Paraíso" em que ele vive.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 30

- Um dia vamos poder ajudá-lo. Afinal, é nosso irmão, não


podemos julgá-lo, pois cometemos os mesmo equívocos.
- Helena faz parte do nosso grupo?
- Helena foi uma das primeiras que se redimiu dos crimes que
cometemos na Lemúria; depois disso, tornou-se uma benfeitora de
todos nós.
- Qual tem sido minha participação nesta Colônia?
- Aqui todos somos alunos e professores. Estudamos e desen-
volvemos meios de contribuirmos com a transformação da huma-
nidade, inserindo, na Arte, mensagens de fé e renovação. Entre-
tanto, temos experimentado inúmeros fracassos. Muitos desceram
à Terra com essa missão, mas, quando alcançaram a fama esque-
ceram os compromissos assumidos. Temos alguns deles que ainda
estão encarnados, desfrutando de valiosos recursos de comunica-
ção, mas infelizmente, por mais que tentemos influenciá-los, aca-
bam servindo ao consumismo predominante na Terra.
- Eu servi ao consumismo, mas acabei induzindo muitos a
consumirem um produto cujo efeito é a morte. Reconheço que sou
um dos que fracassaram.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 31

Capítulo 9
Novas revelações II
- Apesar desse fator negativo, você foi um dos poucos que
conseguiram marcar alguns pontos positivos com relação a nossa
proposta de trabalho.
- Vocês estão à frente dessa tarefa tão importante, não poderi-
am interferir quando aqueles que partiram daqui com essa missão
estivessem ameaçados com o fracasso?
- Interferir não. Influenciar sim! Entretanto, todos são livres
para aceitar ou não a nossa influência.
- Agora, mais do que nunca, entendo a sabedoria e a bondade
Divina! Deus nos criou livres e será no exercício dessa liberdade
que um dia alcançaremos a perfeição.
- Exatamente. À medida que o ser avança no bom uso dessa
liberdade, automaticamente aufere a si mesmo recursos ainda
mais amplos, alargando seus horizontes em direção à verdadeira
felicidade.
- Nesse caso, a lei da relatividade faz sentido.
- Realmente! Tudo é relativo ao nosso grau de evolução.
- Sabe Felipe, apesar de me sentir muito bem, estou preocu-
pado com estes hematomas que aparecem no meu corpo.
- Esses pontos escuros que realmente parecem hematomas,
são marcas apontando focos de energia em desequilíbrio. São
conseqüências do seu desencarne precoce. Representam as partes
do seu corpo físico onde o desligamento prematuro do perispírito
foram traumáticos.
- Quanto tempo ficarão essas energias em desequilíbrio?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 32

- Alguns desses focos o acompanharão na próxima encarna-


ção e vão se refletir no seu corpo físico como pontos de debilida-
de.
- Devo entender que poderei renascer com algum tipo de en-
fermidade?
- Provavelmente! Quando, por meio de uma atitude impensa-
da, ferimos ou destruímos os recursos que a Providência Divina
nos empresta, incidimos na lei de causa e efeito que fatalmente
nos exigirá uma reparação.
Felipe ficou pensativo por alguns instantes e, depois, arrema-
tou:
- Tenho que ir; não fique preocupado em demasia; mesmo
quando ferimos as leis eternas, podemos contar com a misericór-
dia Divina que, constantemente, auxilia e socorre aos incautos do
caminho como nós!
Depois que Felipe partiu, fiquei preocupado; olhei as man-
chas do meu corpo e quase entrei em depressão. Tive que lutar
muito contra os pensamentos que povoaram a minha mente na-
quele momento. Levantei-me e abri a janela. Do lado de fora, ha-
via uma grande movimentação de espíritos. Caminhavam por en-
tre as árvores floridas que ornamentavam a praça em frente a um
belo edifício, cuja arquitetura lembrava o estilo europeu. Alguns
espíritos acenavam-me como desejando-me as boas vindas. A
visão daquele maravilhoso lugar contribuiu para que eu recupe-
rasse meu estado de ânimo. Começava a sentir-me feliz novamen-
te! Fiquei mais feliz ainda quando Helena chegou para visitar-me.
- Zílio, você está bem?
- Sim! Melhor agora com a sua presença.
- Apesar de estar se sentindo bem, você precisa repousar al-
gum tempo e depois começar a praticar um exercício que o ajuda-
rá a esquecer as necessidades do corpo físico. Eu trouxe este caldo
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 33

de essência etérica para ajudar-lhe a superar a sensação de fome e


sede que provavelmente deve estar sentindo.
- Realmente, já começava a sentir-me faminto.
- A sensação das necessidades físicas permanecem no campo
mental durante um longo período. Você poderá abreviar esse pe-
ríodo exercitando sua mente no esquecimento de tais necessida-
des.
- Por que, durante o tempo em que estive preso na sepultura
e, posteriormente, no vale dos drogados, não senti essa sensação?
- Quando estamos absorvidos por uma situação angustiante,
até mesmo quando encarnados, esquecemos de atender nossas
necessidades primárias; por isso mesmo, não sentiu fome nem
sede. Agora que voltou à normalidade dos pensamentos, sua men-
te retoma as preocupações e sensações que tinha como encarnado.
Começa agora uma nova etapa de lutas que terá que enfrentar.
Enquanto ouvia Helena, tomei o caldo que ela trouxe. O sabor
era agradável, não parecia com nada do que já havia experimenta-
do, mas causou-me uma sensação de bem estar alimentado. Então,
perguntei:
- Este é o alimento dos espíritos?
- Sim. Mas não dessa forma. Os espíritos evoluídos absorvem
naturalmente do Fluído Cósmico Universal a energia que os man-
têm. Esse caldo que acaba de tomar é uma condensação desse
fluido, levado a um estado de matéria que se identifica com a do
perispírito. Absorvido pelas paredes do órgão digestivo, esparge-
se por toda organização celular. Com o aproveitamento total dos
elementos, não há o que expelir, anulando, assim, as necessidades
fisiológicas.
- Quando eu saí daqui para reencarnar, eu tinha o conheci-
mento de todas essas coisas? Se tinha, não seria mais fácil ajudar-
me a recobrar a lembrança de tais acontecimentos ao invés de
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 34

desgastar-se respondendo às minhas perguntas que, para você,


devem soar como perguntas infantis?
- Assomar completamente suas lembranças do período que
esteve aqui traria outras à balia, as quais ainda precisam permane-
cer no esquecimento. Não deve se angustiar por isso; aos poucos
você reassumirá os conhecimentos necessários.
- Que força me impede de recordar?
- Este plano em que estamos é imediato à terra, transcende
apenas as regiões umbralinas; portanto, as suas vibrações mentais
estão restritas a recordações imediatamente anteriores. Somente
quando avançamos nos planos evolutivos é que a nossa potência
mental se amplia e nos permite dilatar nossas recordações.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 35

Capítulo 10
Novas revelações III
- Perdoa-me, fiz esta pergunta quase que no ímpeto de uma
revolta. Pensei ter encontrado uma contradição nas leis; afinal,
não seria livre se uma força pudesse se opor à minha vontade.
Mas agora, entendo definitivamente a lei da relatividade. Até a
nossa liberdade de ação é relativa ao grau de evolução que alcan-
çamos.
- É isso mesmo. Agora devo ir. Amanhã virei buscá-lo para
que conheça parte da nossa colônia.
Helena partiu. Deitei-me e mergulhei em profundas medita-
ções...
Devo ter adormecido. Acordei novamente com os raios sola-
res invadindo meu quarto. Helena não demorou a chegar.
- Bom dia! Está pronto?
- Sim! Pronto e ansioso!
- Então, vamos.
Saímos... Na rua era grande o movimento. Os espíritos que
passavam por nós cumprimentavam-nos, olhando-me com olhares
de curiosidade, pareciam conhecer-me.
- Por que me olham assim?
- Muitos deles o conhecem na Terra; afinal, você foi famoso.
- Pensei tratar-se de velhos amigos daqui da Colônia.
- A população desta colônia é constantemente renovada; to-
dos os dias saem daqui centenas de espíritos para novas encarna-
ções, da mesma forma que muitos chegam ao fim de cada experi-
ência terrena.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 36

Seguimos conversando até chegarmos a um edifício com ca-


racterísticas de uma escola, muito parecida com as que conhece-
mos na Terra. Entramos...
Helena levou-me até uma sala onde quase uma centena de es-
píritos sentados pareciam aguardar o início da aula. Helena aco-
modou-se em uma das cadeira vagas e dirigiu-se para perto do
quadro negro. Para minha surpresa, era ela que todos aguardavam.
- “Queridos irmãos! Todos os que aqui estão foram resgata-
dos dos diversos vales de sofrimento e trazidos a esta Colônia por
amigos que, de alguma forma, monitoram de perto vossas experi-
ências evolutivas.
“Eles estão autorizados pelos planos superiores a vos prestar
auxílio dentro dos conceitos de justiça e em obediência às leis do
merecimento. Entretanto, muitas vezes, esses dedicados compa-
nheiros encontram barreiras intransponíveis que os impedem de
prestar auxílio mais eficaz aos seus tutelados. As mais graves são
a ignorância e a preguiça. Quando aqui falamos da ignorância,
não nos referimos à ignorância dos inocentes, mas sim à ignorân-
cia conveniente que se acomoda no leito acetinado da preguiça
mental, numa fuga insana da verdade, tentando burlar a própria
consciência. Durante esta última experiência que viveram no pla-
no terreno, a grande maioria de vocês e de outros que ainda lá se
encontram incidiu nesse erro, embora estivessem preparados para
usar os títulos acadêmicos que receberam nas faculdades da Terra
para espargir luz nas consciências... Pouco ou nada fizeram!
“Onde estão os Filósofos, os Artistas, os escritores que saíram
daqui compromissados com a verdade? Venderam e estão ven-
dendo sonhos e ilusões, povoando as mentes dos incautos com
quimeras. Onde estão os Esportistas que figurariam nas manchetes
da imprensa com exemplos dignificantes? Que fizeram dos recur-
sos de comunicação que Deus colocou em vossas mãos?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 37

“Alguns transformaram-se em exímios comerciantes. As apti-


dões desenvolvidas aqui, sucumbiram frente às vocações antigas.
Outros tiveram a encarnação interrompida pela misericórdia Divi-
na, a fim de não se comprometerem ainda mais com as leis de
causa e efeito e arrastarem consigo milhares de almas para a der-
rocada moral.
“Não importa agora lamentarmos.
“A partir de hoje, começa uma nova fase das vossas existên-
cias. Com certeza, amadurecidos pelas experiências menos feli-
zes, irão recomeçar mais fortalecidos. Espíritos experientes ocu-
parão todos os dias esta tribuna para vos orientar e ajudar-vos a
superarem as dificuldades deste momento, preparando-vos para as
dificuldades que enfrentarão no futuro. Sejam bem-vindos a esta
colônia que representa um dos departamentos da Misericórdia
Divina.”
Helena passou a palavra ao espírito que estava ao seu lado,
despediu-se de todos e saímos...
Eu estava pasmo diante do quadro que ela expôs a todos nós
ali presentes. Enquanto caminhávamos, comecei a meditar. A si-
tuação era realmente grave, o índice de fracassos era muito gran-
de. Reconheci, entre aqueles espíritos, alguns artistas, esportistas
e comunicadores que gozaram de relativa fama nos meios de co-
municação. Captando meu pensamento, Helena me esclareceu:
- Zílio, não existe fracasso absoluto! Tudo é aprendizado; as
experiências fracassadas acabam se transformando em valiosos
subsídios para vitórias no futuro. Toda tentativa de ajudar é váli-
da. É assim que nós exercitamos e desenvolvemos nossas potenci-
alidades Divinas.
- Você afirmou que algumas encarnações foram interrompi-
das pela Misericórdia Divina. Então, às vezes, é permitido aos
espíritos superiores intervirem em vida?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 38

- Sim! Quando o comportamento de um espírito ou de um


grupo de espíritos encarnados irá produzir alguma influência na
mente coletiva, se essa influência era criar provações desnecessá-
rias e indevidas a essa coletividade, esses espíritos terão a encar-
nação imediatamente interrompida.
Helena parou diante de uma edificação que tinha as caracte-
rísticas de um ambulatório.
- Venha, Zílio! Aqui você vai reencontrar um velho amigo.
Entramos...O cheiro daquele lugar era de um aroma delicioso.
Fomos recebidos por um senhor de uns cinqüenta anos. Quando
me viu, sorriu e abriu os braços em minha direção:
- Zílio, meu irmão, fico feliz de ver que você está bem!
- Obrigado.
- Meu nome é Diógenes. Sentem-se.
Eu e Helena, sentamos.
Ela virou-se para mim e disse:
- Mostre a eles as marcas que você tem no corpo.
Encabulado, levantei a camisa. As marcas eram quase todas
na região do ventre. Diógenes as examinou e pediu que eu deitas-
se em uma mesa igual as que se usam nos consultórios médicos.
- Algumas delas eu posso eliminar, mas as que estão na regi-
ão hepática, ficarão. Só em uma próxima encarnação é que poderá
eliminá-las.
- Elas são as marcas da minha estupidez.
- Tranqüilize-se, elas aqui vão lhe atrapalhar em nada, deixa
para se preocupar com elas quando estiver novamente encarnado.
Enquanto conversava comigo, massageava meu ventre e tó-
rax. Quando terminou, vi que restava apenas a mancha escura na
região do fígado e pâncreas.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 39

- Pronto! Com certeza a partir de agora vai sentir-se melhor.


- Zílio, Diógenes é um velho amigo nosso, faz parte do nosso
grupo; no passado estávamos encarnados juntos. Resgatamos al-
guns dos nossos crimes nas fogueiras e nos calabouços da inquisi-
ção. Foram momentos importantes para o nosso grupo. Muitos de
nós saímos daquela encarnação quase que completamente redimi-
dos.
- Com certeza, eu não sou um deles.
- Quase todos nós, espíritos em evolução, carregamos uma
determinada fraqueza que se sobressai às outras; é o nosso calca-
nhar de Aquiles. Conseguimos caminhar longos períodos no traje-
to das nossas experiências evolutivas, administrando muito bem
as nossas encarnações; entretanto, quando em uma delas temos
por objetivo vencer tal fraqueza, enfrentamos grandes dificulda-
des. Zílio, o seu calcanhar de Aquiles tem sido a revolta. Após
cada encarnação que você realizou, o seu retorno à nossa esfera
foi marcado por uma grande revolta. Nesta, apesar de tudo o que
você passou, o seu retorno, de certo modo, foi pacífico. Deve se
alegrar por isso, talvez seja o início do fim de um processo que se
vem arrastando há muito séculos.
- Espero que esteja certa. Sinto em meus ombros o peso des-
ses séculos. O que mais desejo agora é poder descansar um bom
tempo aqui entre vocês.
- Realmente, terá que repousar o tempo necessário para efeti-
var a recuperação das energias gastas nos excessos praticados no
plano físico. Você está aqui na condição de enfermo em convales-
cença. Deverá tomar o caldo diariamente, até estar completamente
recuperado.
- Zílio, Helena está certa. Você está aqui sob nossa interces-
são e responsabilidade. Embora sinta que está muito bem, nesse
período de recuperação, talvez venha a experimentar momentos
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 40

de crises profundas. Elas ainda não se manifestaram porque está


vivendo um momento onde tudo a sua volta é novidade. Entretan-
to, quando esse clima se esgotar, ninguém poderá prever para on-
de se direcionará as suas preocupações. Provavelmente sentirá um
impulso muito grande para retornar à Terra e rever o lar, os ami-
gos, abraçar os entes queridos, porém devemos adverti-lo de que,
se obedecer a esse impulso e projetar-se para o ambiente terrestre,
voltará automaticamente ao ponto de partida da excelente recupe-
ração que alcançou até aqui.
- Como devo proceder para evitar que esses impulsos acabem
por impelir-me em direção a Terra?
- Cultive a oração. Ela contribuirá para dar-lhe as forças ne-
cessárias para resistir. Caso precise de ajuda recorra a mim, ou a
Felipe, ou então a Helena.
- O ideal seria se eu pudesse praticar alguma atividade a fim
de que eu pudesse distrair-me.
- Durante mais alguns dias, o importante é repousar. Mante-
nha-se no apartamento e aproveite para ler algumas obras que lá
estão. Quando estiver pronto para exercer alguma atividade, nós o
convocaremos. Agora retornemos aos seus aposentos.
Após a recomendação, despedimo-nos de Diógenes e retor-
namos. Helena, ao deixar-me no apartamento, lembrou-me várias
vezes da necessidade de repouso.
Mais uma vez experimentava a solidão. Era difícil aceitar a-
quela disciplina que me impunha condições e normas; não batia
com o meu modo de ser. Sempre gostei de ser livre, agora minha
liberdade assustava-me. Queria realmente voltar a Terra, rever as
pessoas que eu amo, abraçar meus amigos. Eu estava trocando
este prazer por uma vida que nem mesmo conhecia direito. Na-
quele momento, entrei em luta com a minha consciência.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 41

- Será que vou agüentar uma vida regrada? ceder a essas im-
posições não significa realmente fraqueza? Não seria melhor fazer
o que eu sempre queria como sempre fiz e agüentar as conseqüên-
cias?
Naquele momento eu já estava tremendo, meu sistema nervo-
so havia se desequilibrado totalmente. Ouvi uma voz conhecida:
- É isso malandro, reage, não se deixe dominar. Basta pedir,
eu dou um jeito para sair daí agora mesmo, aqui você vai ser feliz
de verdade, poderá fazer o que quiser e na hora que bem entender.
Seus amigos estão saudosos. Venha. Venha...
Senti um estranho prazer dominando-me. Estava quase acei-
tando o convite quando Felipe entrou no quarto:
- Zílio, Zílio! Acalme-se, olhe para mim, sou eu, Felipe.
Ainda ofegante, estendi minhas mãos ao Felipe e comecei a
chorar:
- Felipe, por favor, ajuda-me. Não vou resistir.
- Vai sim. Tenha fé em Deus e em si mesmo, estes são mo-
mentos importantes para você se fortalecer.
- Como se chama aquele homem que foi buscar-me na sepul-
tura e vez ou outra surge na minha mente?
- Aquele é o nosso irmão Augusto, o único do nosso grupo
que ainda não acordou.
- Por que ele goza de tanta liberdade?
- Sua liberdade está com os dias contados, a cada passo ele se
projeta para um abismo de sofrimentos onde os meses parecerão
anos e os anos parecerão séculos e os séculos, uma eternidade.
- Nada pode ser feito para ajudá-lo?
- Tudo já foi feito em seu favor. Helena, por duas vezes, mer-
gulhou em encarnações dolorosas tentando salvá-lo, mas ele se
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 42

mostrou refratário aos recursos que a Providência Divina delibe-


rou em seu favor.
- Sei que ainda estou numa corda bamba. Mas se eu conseguir
me firmar nessa proposta de renovar meus conceitos, eu poderia
um dia ser livre para ir aonde eu bem entender, sem comprometer-
me com as leis que agora me impõem restrições?
- Agora, são as circunstâncias que lhe impõem restrições.
Amanhã, quando pelo conhecimento você dilatar a própria cons-
ciência será ela que apontará as restrições necessárias para que
não venha a ferir as leis e, conseqüentemente, comprometer-se
com elas. Eu trouxe o caldo para você tomar. Procure descansar;
amanhã eu retorno.
Felipe retirou-se. Eu tomei o caldo e deitei-me. Comecei a
meditar sobre todos os percalços por que havia passado desde a
minha morte. Realmente, eu ainda estava frágil. As lembranças
surgiam como uma descarga elétrica em todo o meu corpo. Rela-
xei, tentando concentrar-me no presente, afinal estava amparado
por verdadeiros amigos. Lembrei-me da recomendação de Helena,
peguei um livro na estante e comecei a lê-lo. Não era o mesmo
que havia lido anteriormente. No seu conteúdo, encontrei respos-
tas a quase todas as minhas indagações. Tratava-se de um orienta-
dor prático da vida nos diversos planos; quanto mais eu lia, mais
aumentava meu entusiasmo para continuar lutando. Os planos
superiores de vida que ali eram descritos, mesmo que eu quisesse
descrevê-los, seria tarefa impossível.
Entendia agora o quanto vale a pena o homem redimir-se,
mesmo à custa de muitos sofrimentos que, na verdade, nada signi-
ficam perante a felicidade que se pode alcançar. Eu sempre ima-
ginei que havia algo mais na vida, passei noites devorando livros,
procurando a lógica do Universo, mas minha visão e o meu en-
tendimento, embotados pela matéria, não me deixavam aceitar a
possibilidade de que a nossa realização maior estivesse fora dela.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 43

Sempre acreditei na vida eterna, mas a literatura Espírita, para


mim, era muito simplista. Agora vejo que é nela que o homem
encontrará as coordenadas que poderão direcionar sua vida rumo à
felicidade.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 44

Capítulo 11
O resgate de Mirna I
Passaram-se alguns meses da chegada à Colônia; sentia-me
fortalecido. Experimentei momento difíceis, mas, com o apoio de
Helena e Felipe, consegui superá-los. Percorri as ruas e edifícios,
conheci espíritos maravilhosos que periodicamente visitavam a
Colônia, trazendo alento das esferas superiores. Cada vez mais se
fortalecia em mim o desejo de ascender para um plano melhor;
estava obstinado; essa era agora a minha meta. Certa manhã, He-
lena veio convocar-me ao trabalho. Vibrei de alegria!
- Calma Zílio, o trabalho que nos aguarda é bastante delicado;
eu não vou participar diretamente. Denius irá acompanhá-lo. Pre-
cisamos resgatar alguém muito importante para nós e que está sob
o domínio de espíritos infelizes.
- Quem é Denius?
- Denius é um colaborador da nossa Colônia que presta seus
serviços em um posto avançado próximo às zonas inferiores; ele
tem acesso livre no Vale dos prazeres.
- Quem é esse espírito importante para nós?
- É Mirna. Faz parte do nosso grupo, devemos isso a ela.
- Acredita que eu possa realmente ajudar?
- Você é o mais indicado. A afeição que sente por você pode-
rá ser útil para trazê-la de volta. Lá você colherá valiosos recursos
para o próximo trabalho que deverá realizar.
- Eu a reconhecerei quando estiver diante dela? Ela participou
desta última encarnação?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 45

- Não, Zílio. Não a reconhecerá, mas ao se aproximar, com


certeza você a envolverá num clima de simpatia, com isso terá
facilidade em influenciá-la beneficamente.
- Quando realizaremos este trabalho?
- Agora mesmo vamos ao encontro de Denius. Mas antes fa-
çamos uma oração para pedirmos a proteção dos planos superio-
res.
Oramos por alguns instantes. Logo depois, helena pegou-me
pelo braço e fomos transportados. Parecia um daqueles sonhos
que eu tinha quando criança; eu estava voando e não era um so-
nho lindo! Em poucos instantes, chegamos ao local do encontro.
O lugar era rodeado de rochas enormes; dali se avistava uma
grande cidade construída no centro de um vale. O som que se ou-
via era característico do carnaval; as baterias e as cantorias ecoa-
vam as montanhas que circundavam aquele imenso vale.
- Onde estamos? Que lugar é este? - perguntei admirado.
- Este é o Vale dos Prazeres. Mirna está lá; terão que encon-
trá-la e trazê-la para nossa Colônia para que possamos ajudá-la.
Ultimamente, ela tem demonstrado uma forte tendência para sair
do vale. Suas preces têm chegado até nós como um pedido de
socorro. Grave bem tudo que irá ver lá embaixo, pois será muito
útil no futuro.
Fiquei contemplando aquele vale; a batucada já não me inspi-
rava a alegria que eu sentia quando estava na Terra; pelo contrá-
rio, abateu-me uma profunda tristeza que só foi quebrada quando
Denius chegou. Helena não perdeu tempo.
- Denius, este é Zílio! Você irá acompanhá-lo até o vale. Use
dos recursos que você possui para conduzi-lo até o lugar onde está
Mirna.
- Sim, senhora, com a graça de Deus nós vamos trazer a me-
nina sã e salva.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 46

Helena despediu-se. Denius aproximou-se de mim e, com


uma certa reverência, começou a falar:
- Senhor Zílio, nós vamos ter que caminhar até lá em baixo. A
picada daqui até lá é muito ruim; se precisar, pode se apoiar em
meu ombro.
- Não se preocupe, vou conseguir.
Admirei-me ao ver aquele espírito enorme, com o peito nu,
revelando uma musculatura abundante bem delineada. Usava ape-
nas uma calça de seda e sandálias de couro. Sentia-me seguro ao
seu lado.
Continuamos descendo até chegarmos a uma praça onde fica-
vam os portões da cidade. Eram portões enormes, aparentemente
de madeira. Estavam fechados. Ali embaixo o ar era mais pesado.
O som continuava no mesmo ritmo; para mim, já não soava como
música, mas como terrível barulho. Denius aproximou-se de um
dos portões e bateu. Uma portinhola no meio do portão se abriu.
Uma voz perguntou:
- Quem ousa perturbar o Reino de Mohara?
Denius respondeu rapidamente:
- Viva Mohara! O senhor dos prazeres.
Senti muito medo, mas consegui equilibrar-me. O enorme
portão foi se abrindo lentamente; logo surgiu um espírito vestido
em trajes que lembrou-me os piratas.
- Denius meu amigo, porque demorou tanto para retornar? A
alegria o espera.
- Eu trouxe um amigo para visitar o Reino de Mohara, pode-
mos entrar?
Denius pegou-me pelo braço e entramos rapidamente. Avan-
çamos em direção ao centro, onde se concentrava o movimento
maior; as ruas estavam ao abandono; via-se sujeira por todos os
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 47

lados; não havia vegetação; os espíritos passavam por nós dan-


çando com frenesi.
Chegamos ao centro. Verdadeiras escolas de samba desfila-
vam pelas ruas. O sexo era praticado em pé, ao som dos tambo-
rins. As fantasias eram verdadeiras réplicas das que eu conheci na
Terra; o enredo exaltava as delícias da carne. Quase fui envolvido
pelo clima de sensualidade que pairava no ar. Cheguei a ficar ex-
citado. Lembrei-me dos sofrimentos que havia passado e consegui
controlar-me. Denius, percebendo, puxou-me pelo braço e adver-
tiu-me:
- Senhor Zílio, procure lembrar-se dos nossos amigos que es-
tão neste momento orando por nós.
- Você tem razão. Fique tranqüilo, não vou deixar envolver-
me. Para onde vamos agora? Onde encontraremos Mirna?
- Mirna está na sede do comando; ela é concubina do Mohara.
- Quem é Mohara?
- Mohara é um gênio! Com a sua inteligência, conseguiu
construir um verdadeiro império das trevas. Vive de barganhas
com os encarnados; aqueles que ele favorece, quando desencar-
nam e chegam aqui, tornam-se seus súditos e escravos.
- Como faremos para entrar na sede do comando e chegar até
Mirna?
- Fui informado que Mohara subirá até a crosta. Deverá partir
esta noite. Eu tenho amigos lá dentro; não será difícil, venha. He-
lena pediu-me para mostrar-lhe algumas coisas; aproveitemos
antes que anoiteça.
Denius entrou por uma viela e eu o segui; caminhamos até
um lugar estranho e sombrio. Entramos por um portão que estava
entreaberto. Denius afirmou:
- Aqui é o cemitério da cidade.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 48

- Eles chamam este lugar de cemitério porque aqui eles aban-


donam os espíritos que já não causam prazer a ninguém. São a-
queles que, movidos pelo remorso, buscam a anulação de si mes-
mos em uma atitude auto-punitiva.
À medida que avançávamos terreno a dentro, comecei a ver
espíritos vagando de uma lado para o outro; a fisionomia deles
lembravam a de animais. Denius fez um sinal para acompanhá-lo
em direção a uma rocha com uma grande fenda que parecia uma
caverna; ali, um deles estava como que agonizante. Seu aspecto
era terrível, seus ombros caídos, o rosto afunilado como um e-
norme bico, sua cor acinzentada escura lembrava uma ave de ra-
pina. Diante do meu espanto, Denius explicou-me:
- O remorso excessivo que o nosso irmão experimenta faz
com que se sinta com uma ave de rapina; o seu perispírito, obede-
cendo à força do seu pensamento, assume a forma que reflete o
seu estado de espírito.
- Quais crimes que praticou para chegar a essa situação?
- Nosso irmão era médico legista; violentou quase todos os
cadáveres de mulheres que passaram por suas mãos.
Eu quase não acreditava no que estava vendo, mas, por outro
lado, ficou claro ao meu entendimento que Deus não precisa jul-
gar ninguém, todos temos em nossa consciência um tribunal onde
somos nosso próprio juiz e carrasco. Naquele caso, nosso irmão
estava sendo impiedoso consigo mesmo.
- Denius, quanto tempo um espírito fica nessas condições?
- Ficará nessas condições até que um dia consiga perdoar a si
mesmo e comece a buscar a renovação dos sentimentos. Venha,
vou mostrar-lhe mais um caso de zoantropia.
Aproximamo-nos de um espírito que, com os braços grudados
no corpo escamoso e o rosto transfigurado, assemelhava-se a uma
serpente. Era uma figura impressionante. Diante daquele quadro,
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 49

cheguei a questionar se eu realmente não estava vivendo um so-


nho ou um terrível pesadelo.
- Realmente, Zílio, se enveredarmos pelos caminhos tenebro-
sos do mal, nossa vida se transforma em um terrível pesadelo.
- Quais são os crimes desse pobre infeliz que se afigura como
réptil?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 50

Capítulo 12
O resgate de Mirna II
- Esse irmão foi um político que traiu a fé pública. Usou o
poder que o estado lhe conferiu para atender à própria ganância.
Os recursos que administrava, destinavam-se a suprir os hospitais
públicos no atendimento à saúde. Mergulhado agora em remorso
profundo, sua mente é povoada pelos gritos desesperados das ví-
timas das suas atitudes criminosas.
Agora compreendia as afirmações de Jesus contidas no evan-
gelho: “Aqueles que têm sede de justiça serão saciados.” Nin-
guém fica impune à própria consciência. Cedo ou tarde, ela agirá
sobre os erros praticados. Era grande o número de espíritos que
vagavam naquele lugar, vítimas da zoantropia. Fiquei feliz quan-
do Denius chamou-me para nos retirarmos dali.
- Vamos senhor Zílio, já começa a anoitecer; temos que ir ao
encontro de Mirna.
Saímos por um outro lado; alcançamos uma grande avenida.
O colorido extravagante predominava nas fachadas das casas;
mulheres se exibiam nas calçadas com os corpos expostos. As
edificações que compunham aquela estranha cidade tinham for-
mas burlescas; em nada se assemelhavam às edificações tradicio-
nais, como as da Terra, ou mesmo da Colônia onde eu estava a-
brigado. Curioso, perguntei ao Denius:
- De que forma são construídos esses prédios?
- Todas as edificações aqui são o reflexo das mentes que pre-
dominam neste lugar; é a materialização do pensamento e da von-
tade predominante. É o paraíso com que sonhavam.
- Como que o espírito, após a desencarnação, vem parar aqui?
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 51

- Muitos, mesmo enquanto encarnados, já estão ligados a este


lugar. Observa que, ao anoitecer, o número de espíritos envolvi-
dos nessa orgia interminável aumenta consideravelmente. São os
encarnados que começam a chegar. A grande maioria é de espíri-
tos irresponsáveis viciados de toda a sorte. Mal o corpo adormece,
projetam-se para cá. Nas madrugadas, esse número ainda é maior.
- Percebo que muitos dos espíritos que participam desse des-
file insano aparentam estarem embriagados. Estão realmente?
- Sim. Completamente embriagados!
- De que forma se embriagam?
- Os viciados sobem até a crosta e peregrinam pelos bares,
sugando os alcoólatras encarnados. O que embriaga não é o álcool
líquido que desce para o estômago, são os vapores alcoólicos que
sobem para o cérebro. Em um verdadeiro ato de vampirismo, o
desencarnado suga esses vapores antes de atingirem o cérebro do
encarnado. Com isso, a tendência do alcoólatra encarnado é beber
cada vez mais.
- E com os viciados em drogas, acontece o mesmo processo?
- Com as drogas injetáveis o processo é outro e mais trauma-
tizante. As substâncias alucinógenas não produzem vapores; elas
chegam ao cérebro do viciado através do sangue. Para alcançar
seus objetivos, os viciados desencarnados sugam uma grande por-
ção da parte etérica do plasma sanguíneo, através dos orifícios
abertos pelas picadas das agulhas hipodérmicas.
- Quais as conseqüências desse vampirismo para os encarna-
dos em questão?
- Um enfraquecimento progressivo até a debilidade mental e
física.
- Todos os viciados são vampirizados?
- Quase todos, com raras exceções.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 52

- Você afirmou que Mohara vive de barganhas com os encar-


nados; que tipo de barganhas?
- Mohara e suas falanges dominam os meios de comunicação
na crosta. A grande maioria daqueles que estão em evidência deve
o sucesso à influência de Mohara. Por isso, a verdadeira arte não
encontra espaço nesse meio e nem alcança o sucesso merecido. O
burlesco acaba predominando no meio artístico.
- A coletividade desta cidade retrata fielmente o nível de de-
gradação a que chegou a arte na Terra.
- Realmente. Daqui parte a inspiração para a maioria das cria-
ções artísticas que são apresentadas na crosta. As músicas que
você ouve aqui, agora, breve serão executadas lá.
- Esses espíritos não reencarnam? Não há uma lei que os for-
ce a buscarem um reequilíbrio?
- Esta cidade sempre foi dominada por sexólatras e viciados
de toda a sorte. Já foi evacuada uma vez nos anos trinta e quaren-
ta. Os espíritos que aqui habitavam naquela época, atendendo a
determinação superior, foram submetidos a reencarnações com-
pulsórias. Renasceram em vários pontos do planeta; muitos se
redimiram, outros deram expansão aos vícios e promoveram na
Terra uma grande revolução cultural em torno da arte, do sexo e
das drogas, submetendo a humanidade a grandes provações mo-
rais.
Enquanto Denius falava, ouvi uma gritaria que me chamou a
atenção.
- Zílio, essa gritaria significa que Mohara está subindo para a
crosta. Vamos aproveitar para resgatar Mirna.
Partimos em direção ao prédio onde Mirna estava. Denius re-
petidamente. Foi em vão; ninguém atendeu.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 53

- É estranho, vamos tentar na porta dos fundos. - afirmou De-


nius.
Quando chegamos na parte de trás do prédio, a porta estava
entreaberta; nós nos aproximamos e ouvimos alguém chorando.
Denius entrou; eu não sabia se deveria entrar. Fiquei aguardando
até que ele apareceu na porta e fez sinal para eu entrar. Entrei.
Denius me conduziu até uma sala recoberta por tapetes verme-
lhos. Na parte onde o piso era mais alto, estava uma mulher sen-
tada numa cadeira que parecia um trono; seus pés estavam apoia-
dos sobre a cabeça de uma jovem que estava caída e chorava mui-
to; percebi que era Mirna.
- Minha rainha, este é Zílio de quem lhe falei a pouco.
- Então você é o renegado que quer a minha escrava?
Denius, percebendo que eu ficara surpreso e desconcertado
diante da pergunta, adiantou-se e tomou novamente a palavra.
- Minha rainha, senhora dos prazeres! Meu amigo nutre pela
jovem profunda afeição e a deseja para satisfazer seus desejos
mais íntimos. Sei que a jovem tem sido um tropeço nas suas rela-
ções com Mohara, talvez, esta seja a oportunidade que estava es-
perando para livrar-se dela.
A mulher tirou os pés que estavam apoiados sobre Mirna, pe-
gou-a pelos cabelos e, levantando sua cabeça, perguntou-lhe:
- Você quer ir com eles?
Mirna olhou para Denius, olhou para mim, suspirou, abaixou
o olhar demonstrando cansaço, firmou novamente o olhar em mim
por alguns instantes e afirmou:
- Quero!
- Então vá maldita. Sumam daqui antes que eu me arrependa.
Denius pegou Mirna pelo braço e nós saímos rapidamente. Na
rua, longe dali, paramos para que Mirna pudesse descansar. O
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 54

barulho continuava insuportável. Os tambores e as cantorias in-


cessantes ecoavam por todo o vale. Aproximei-me de Mirna.
- Como você está? Está melhor agora?
Mirna olhou para mim, fixou seu olhar em meus olhos duran-
te algum tempo e perguntou-me:
- Nós nos conhecemos?
- Talvez. Mas no momento não posso afirmar que sim.
- Para onde estão me levando?
- Estamos levando você ao encontro de verdadeiros amigos
que desejam seu bem.
Ela apontou para Denius e disse-me:
- Ele disse que você me queria para realizar seus mais íntimos
desejos.
- Realmente, naquele momento e agora, o meu mais íntimo
desejo é ver você livre e feliz.
- Ainda bem! Pensei que jamais ia sair deste inferno.
Mirna olhou para mim e sorriu. Olhei bem para o seu rosto
semi-coberto pelos longos e belos cabelos pretos. Seus olhos,
também negros, revelavam agora um grande contentamento inte-
rior. Senti vontade de tomá-la em meus braços e beijar-lhe cari-
nhosamente. Desejei passar minha mão por entre seus cabelos,
quis falar-lhe alguma coisa, mas Denius interrompeu-me convi-
dando-nos a partir. Partimos. Quando chegamos próximo aos por-
tões da cidade, Denius parou e advertiu-nos:
- Esperemos aqui até que os espíritos que sobem à crosta, em
busca dos parceiros encarnados, comecem a sair. Geralmente sa-
em em grupos; devemos nos juntar a um desses grupos para sair-
mos sem problemas.
Enquanto esperávamos, perguntei a Denius:
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 55

- Você disse que os espíritos vão buscar parceiros encarna-


dos?
- É isso mesmo, Zílio. As relações entre encarnados e desen-
carnados vão além do que você possa imaginar.
- Que tipo de relação?
- Muitos dos encarnados ocupam um lugar na sociedade onde
o jogo de aparências predomina; nesse jogo, apresentam uma
conduta inquestionável, entretanto, guardam, no íntimo, paixões e
vícios inconfessáveis. Com medo de serem descobertos, represam
esses sentimentos. Porém, à noite, quando adormecem e se acham
livres do corpo físico, buscam suas afinidades e se entregam a
essas paixões.
- Se o encarnado durante a vigília reprime essas paixões e as
pratica somente quando se liberta do corpo físico, qual o grau de
culpabilidade? Essa não é uma atitude involuntária?
- Zílio, quem comanda o corpo é o espírito, portanto, a culpa-
bilidade é do espírito; ele não pratica tais paixões durante a vigília
porque isso lhe traria prejuízos e conseqüências imediatas, ferindo
seus interesses, então, ele deixa para praticá-las quando acredita
que não será descoberto.
- Como lidar com essa situação?
- Não basta ao espírito represar suas fraquezas; é necessário
substituí-las por virtudes, porque, cedo ou tarde, essas fraquezas
virão à tona.
- Eu reconheci alguns espíritos pelas ruas e avenidas; pensei
tratar-se apenas de semelhança. É possível que alguns deles sejam
os próprios encarnados que eu conheci na Terra?
- Provavelmente. A quantidade de encarnados, aqui nas ma-
drugadas, é muito grande. Vejo que você está atento na observa-
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 56

ção dos fatos; isso será muito importante para a realização de um


trabalho que te aguarda em um futuro próximo.
Quando ia perguntar qual seria esse trabalho, surgiu um grupo
de espíritos dirigindo-se aos portões. Denius fez um sinal e nós
aderimos ao grupo. Saímos sem sermos notados pelo guardião.
Mais adiante, começamos a subir a encosta do vale. Mirna se a-
poiou em Denius até chegarmos ao local onde Helena e Felipe nos
aguardavam. Após agradecermos a Denius, Helena e Felipe en-
volveram a mim e a Mirna e todos nos transportamos para a Co-
lônia.
Helena entregou Mirna aos cuidados de Diógenes; eu e Felipe
fomos para o meu apartamento. Ao chegarmos, Felipe sentou-se
na poltrona e eu deitei-me na cama. Senti, pelo seu olhar, que es-
tava curioso para saber das experiências pelas quais eu havia pas-
sado. Mas eu estava mais ansioso. Antes que perguntasse qualquer
coisa, eu desabafei:
- Felipe, meu amigo, graças a Deus, hoje eu me senti útil.
- Fiquei feliz ao ver que você foi bem sucedido nessa tarefa
tão difícil.
- É como se eu voltasse de um sonho bizarro. Jamais imaginei
que pudesse existir um lugar como aquele. Foi uma experiência
incrível. Se eu não tivesse passado pelo sofrimento que eu passei
no vale dos drogados, talvez tivesse sucumbido às tentações da-
quele lugar.
- É, Zílio, o sofrimento é a forja que tempera nossas forças.
Por falar nisso, o caldo está sobre a mesa; não se esqueça de to-
má-lo, você ainda precisa dele.
Felipe saiu; eu tomei o caldo e deitei-me.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 57

Capítulo 13
A missão
Acordei pela manhã, abri a janela e respirei fundo. O ar pare-
cia alimentar meu corpo; será que estava conseguindo subtrair
energia do éter? Estava questionando essa possibilidade, quando
Felipe entrou. Sorrindo, cumprimentou-me:
- Bom dia!
- Bom dia! Em um lugar como este, onde estou rodeado de
amigos como você, todos os dias são bons. Como está Mirna?
- Depois que chegou eu não tornei a vê-la. Sob os cuidados de
Diógenes, deve estar muito bem.
- Com certeza! Felipe, diga-me uma coisa, quem é Mirna?
- Zílio, os espíritos comprometidos com os acontecimentos da
velha Lemúria são muitos; a maioria está dispersa, cada qual bus-
cando os caminhos da própria evolução. Você, Mirna, Helena,
Diógenes, eu e outros ainda encarnados, quase sempre nos manti-
vemos juntos. Somos um grupo de apoio mútuo.
- Por isso você foi socorrer-me no Vale dos drogados?
- Sim. Na verdade eu não atuo naquela área; minhas princi-
pais atribuições estão vinculadas aos colaboradores encarnados.
- Há quanto tempo Mirna estava presa a Mohara?
- Há várias encarnações ela vem sucumbindo às tentações da
luxúria. Tornou-se um espírito bom, mas facilmente é dominada
por mentes doentias; sua fraqueza a manteve escrava de Mohara
por muitos anos. Talvez agora, amadurecida pelo sofrimento im-
posto pela própria fraqueza, tenha adquirido a força necessária
para enfrentar novas experiências com maior segurança. Helena
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 58

deverá transferi-la para a Estância do Amor, onde se relacionará


com espíritos que contribuirão para o seu progresso.
- Quando a vi, senti um amor fraterno por ela, algo muito for-
te. Qual a minha ligação com ela?
- As marcas de uma encarnação, cuja convivência foi intensa
entre dois espíritos, permanecem e, com a reaproximação dos
dois, mesmo em um futuro distante, essas marcas assomam do
subconsciente como um sentimento nato de amor ou de adversi-
dade.
- Esse sentimento que eu experimentei ao vê-la, significa que
já estivemos juntos algum dia?
- Sim, várias vezes estiveram juntos.
- Então o amor e o ódio à primeira vista não existem?
- Quase sempre são reencontros cujas afinidades, ou adversi-
dades, foram construídas anteriormente.
- Sabe, fiquei impressionado com o Vale dos Prazeres. Exis-
tem outras cidades iguais aquela?
- Existem muitas, iguais ou parecidas, em quase todos os pon-
tos da Terra. Essas cidades são construídas nos vales que existem
na subcrosta; são consideradas zonas inferiores do planeta. Estão
localizadas próximas às coletividades onde estão vinculados os
espíritos que as edificaram. Cada qual tem as características dos
costumes e da cultura dessas coletividades.
- Eu comentei com Denius que eu havia visto lá espíritos que
eu conheci na Terra e que, provavelmente, devem estar ainda en-
carnados. Quando desencarnarem, irão fatalmente para aquele
lugar?
- Se não efetivarem uma renovação dos seus sentimentos e
abdicarem das paixões que os projetam a esse plano inferior, com
certeza, estarão lá, após desencarnarem.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 59

- Quando estávamos lá, em determinado momento, senti-me


envolvido naquele clima de luxúria; quase cedi aos impulsos que
experimentei naquele instante. Porque?
- Você, quando encarnado, foi influenciado durante algum
tempo pelo agentes de Mohara. Augusto era um deles, mas, com o
apoio de Helena e mais tarde com o benefício da enfermidade,
acabou se libertando dos laços que o prendiam àquela organização
infeliz.
- Agora eu entendo porque a mulher de Mohara chamou-me
de renegado.
- Para eles, realmente você é um renegado.
Estávamos ainda conversando, quando chegou Helena.
- Então, o que achou da sua experiência no Vale dos Praze-
res?
- Foi para mim algo inusitado! Por pouco não sucumbi!
- Eu tinha certeza de que iria conseguir; agora posso contar
com você para realizar um outro trabalho na crosta.
- Quando deverei realizá-lo?
- Vou levar Mirna para a Estância de Amor; você irá nos a-
companhar. Lá o apresentarei a um companheiro que vai ajudá-lo
a realizar este trabalho.
- Quando partiremos?
- Agora mesmo. Mirna nos espera.
Despedi-me de Felipe e saímos. Caminhamos até o ambulató-
rio onde Mirna nos aguardava. Ela estava linda; seus cabelos bri-
lhavam refletindo os raios do sol que invadiam a sala através da
janela. Diógenes fez-lhe algumas advertências, logo depois, Hele-
na segurou em nossas mãos e envolvendo-nos com sua luz, parti-
mos...
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 60

Em poucos instantes, estávamos na Estância de Amor. O lu-


gar possuía uma beleza peculiar; todas as edificações eram rodea-
das de maravilhosos jardins. Quase todos os espíritos que passa-
vam por nós tinham a aparência jovem. Mirna estava encantada
com o que via. Emocionada perguntou a Helena:
- Estamos no Paraíso?
- Aqui é um lugar aprazível, o bem vibra no éter. Para nós,
espíritos em redenção, é realmente um paraíso, embora o signifi-
cado da palavra paraíso seja relativo ao grau de compreensão de
cada um. Para muitos, ainda, o paraíso está no Vale dos Prazeres.
Enquanto conversávamos, chegamos frente a um prédio, o
qual, segundo Helena nos informou, era o prédio da coordenado-
ria da Estância. Entramos...
Fomos recebidos por um espíritos chamado Venâncio que,
sorrindo, cumprimentou-nos, demonstrando conhecer Helena.
- Minha querida Helena! Que ventos benéficos a trouxeram
até nós?
- Esta é a Mirna; trago-a para ficar sob os cuidados desta Es-
tância onde, com certeza, encontrará os recursos de que precisa
neste momento importante de sua vida. Este é Zílio; em breve
deverá efetuar um trabalho e precisa do apoio de alguém com ex-
periência para poder desempenhá-lo.
- Qual o trabalho que terá que realizar?
- Zílio terá que se preparar para escrever para os encarnados;
deverá relatar as suas experiências aqui no mundo espiritual.
- Temos, nessa Estância, o Eduardo, que poderá ajudá-lo bas-
tante. Pode deixá-los aqui que nós o acomodaremos e providenci-
aremos tudo o que eles precisam.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 61

Quando Helena falou que eu iria escrever, não consegui es-


conder minha emoção. Sorrindo, ela aproximou-se de mim e fa-
lou:
- Zílio sei o quanto está feliz, mas devo adverti-lo da impor-
tância dessa missão. Escrever aos encarnados sobre as experiên-
cias que viveu após desencarnar tem por principal objetivo adver-
tir os jovens e os pais encarnados. Não deverá citar nomes de pa-
rentes ou de amigos; limite-se apenas a descrever com detalhes as
conseqüências causadas pelo uso de drogas e pelo suicídio invo-
luntário.
Helena agradeceu a Venâncio e despediu-se. Eu, aflito, per-
guntei:
- Depois de realizado o meu trabalho retornarei para junto de
você e de Felipe?
- Sem dúvida, ainda temos muito o que fazer juntos.
Senti-me aliviado. A idéia de separar-me deles causara-me
uma certa tristeza. Não demorou muito, entrou, na sala em que
estávamos, um espírito de aparência jovem. Venâncio levantou-se
e apresentou-nos:
- Este é Eduardo; faz parte de uma das equipes que atuam en-
tre nós.
Cumprimentou-nos e Venâncio continuou:
- Mirna está aqui para receber os benefícios da nossa Estân-
cia. Deverá encaminhá-la para os cuidados de Afrânio. Zílio pre-
cisa realizar um trabalho de comunicação com os encarnados;
você deverá orientá-lo.
Eduardo agradeceu a Venâncio pela incumbência; passou
seus braços sobre nossos ombros e saímos. Na rua, começamos a
conversar...
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 62

- Você me lembra um cantor famoso da época em que eu ain-


da era encarnado.
- Sou o próprio. O Rei da insensatez! Na Colônia onde estou
domiciliado todos me conhecem como Zílio; é o nome que eu
tinha antes de reencarnar.
Mirna parou, olhou bem para mim e falou demonstrando sur-
presa:
- Então é você? Eu sabia que o conhecia! Quando o vi no Va-
le dos Prazeres, tentei lembrar-me mas não consegui.
- Na Terra, sentia-me feliz ao ser reconhecido; aqui experi-
mento certo constrangimento e vergonha.
Eduardo nos conduziu até um prédio não muito longe da Co-
ordenadoria. Entramos. As dependências internas lembravam-me
as de um hotel; uma sala grande, com poltronas, onde mais de
uma dezena de espíritos, sentados, conversavam descontraida-
mente. Um deles levantou-se e aproximou-se de nós.
Eduardo adiantou-se e apresentou-nos.
- Afrânio, este é Zílio e esta é Mirna.
Afrânio sorriu para nós e Eduardo continuou:
- Venâncio recomendou que deixasse Mirna sob seus cuida-
dos. E eu terei que me ausentar das tarefas por algum tempo; devo
acompanhar Zílio em um trabalho junto aos encarnados.
Despedimo-nos de Mirna, de Afrânio e saímos. Na rua, per-
guntei ao Eduardo:
- Por que Mirna foi transferida para cá?
- Afrânio desenvolve um trabalho de ajuda aos espíritos fra-
cos e dependentes, facilmente influenciáveis. São aqueles que, em
determinado momento da própria existência, acabam anulando a
própria vontade, acomodando-se a uma dependência doentia. Pro-
vavelmente, Mirna se enquadra em tal situação.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 63

- Realmente, quando a encontramos estava subjugada por


mentes doentias.
- A vontade é a alavanca do progresso em qualquer plano da
nossa existência. Sem ela, nos tornamos joguetes das circunstân-
cias.
- Quando desceremos à crosta?
- Hoje à noite faremos os primeiros ensaios. O trabalho de
comunicação com os encarnados requer muita paciência e dedica-
ção. Vamos realizar, primeiro, um trabalho de aproximação.
Quando o médium, para quem você deverá passar as informações,
registrar a nossa presença é que se iniciará um processo de comu-
nicação que poderá se arrastar por muito tempo.
Naquela mesma noite, eu e o Eduardo descemos para a crosta.
Quando chegamos ao grupo de encarnados onde eu deveria fazer
contato com o médium, fiquei surpreso. Eu conhecia aquelas pes-
soas; foi ali que Felipe socorreu-me com o auxílio dos encarna-
dos. Ele estava presente; quando nos viu aproximou-se.
- Que bom! Vejo que já está iniciando o seu trabalho.
Eu estava apreensivo e nervoso. Então, perguntei ao Felipe:
- Será que vou conseguir executar esse trabalho a contento?
- Vai sim! O médium registrou a sua presença aqui, por oca-
sião do seu tratamento. Com certeza, isso facilitará o seu trabalho;
além do mais Eduardo estará ao seu lado e saberá orientá-lo.
Fiquei mais tranqüilo. Esperamos terminar a reunião e acom-
panhamos o médium até sua casa. Ali Eduardo orientou-me:
- Zílio, a partir de agora você deverá acompanhar o nosso ir-
mão no seu dia-a-dia. Quando ele registrar a sua presença, procure
transmitir-lhe através do pensamento, o desejo de escrever. Com
certeza, ele vai captar sua vontade; então será a hora de você co-
meçar a transmitir seus depoimentos.
Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 64

A partir daquela noite, iniciei o meu trabalho. Não foi uma ta-
refa fácil, mas consegui chegar ao final, graças à valorosa ajuda
de Eduardo. Espero que, ao relatar minhas experiências após a
morte física, ela venham ajudar a muitos que, como eu, optaram
pelos caminhos equivocados das drogas e do suicídio.
Agora, sinto-me feliz! Estou vivendo novamente! Nas ilusões
da vida... encontrei a morte! Na realidade da morte... descobri a
vida!

Zílio.

--- Fim ---


Nelson Moraes - Um Roqueiro no Além - Pelo Espírito Zílio 65

Amigo(a) Leitor(a),

Se você leu e gostou desta obra, colabore com a divulga-


ção dos ensinamentos trazidos pelos benfeitores do plano
espiritual. Adquira um bom livro espírita e ofereça-o de pre-
sente a alguém de sua estima.
O livro espírita, além de divulgar os ensinamentos filo-
sóficos, morais e científicos dos espíritos mais evoluídos,
também auxilia no custeio de inúmeras obras de assistência
social, escolas para crianças e jovens carentes, etc.
As obras espíritas nunca sustentam, financeiramente, os
seus escritores; estes são abnegados trabalhadores na seara de
Jesus, em busca constante da paz no Reino de Deus.
Irmão W.

“Porque nós somos cooperadores de Deus.”


Paulo. (1ª Epístola aos Coríntios, 3, versículo 9.)

Você também pode gostar