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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROGRESSÃO DAS ATIVIDADES DE LÍNGUA PORTUGUESA E O


TRATAMENTO DADO À HETEROGENEIDADE DAS
APRENDIZAGENS: UM ESTUDO DA PRÁTICA DOCENTE NO
CONTEXTO DOS CICLOS

SOLANGE ALVES DE OLIVEIRA

RECIFE
2010
SOLANGE ALVES DE OLIVEIRA

PROGRESSÃO DAS ATIVIDADES DE LÍNGUA PORTUGUESA E O


TRATAMENTO DADO À HETEROGENEIDADE DAS
APRENDIZAGENS: UM ESTUDO DA PRÁTICA DOCENTE NO
CONTEXTO DOS CICLOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal de
Pernambuco, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Doutora em Educação.

ORIENTADOR: PROF. DR. ARTUR GOMES DE MORAIS

RECIFE
2010
Catalogação na fonte
Bibliotecária Maria Janeide Pereira da Silva, CRB4-1262

O48p Oliveira, Solange Alves.


Progressão das atividades de língua portuguesa e o tratamento dado
a heterogeneidade das aprendizagens : um estudo da prática docente no
contexto dos ciclos / Solange Alves Oliveira. – Recife: O autor, 2010.
446p. : il. ; 30 cm.

Orientador: Profº. Drº. Artur Gomes de Morais


Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, CE. Pós-
Graduação em Educação, 2010.
Inclui bibliografia, apêndices.

1. Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Alfabetização –


Aprendizagem. 3. Língua portuguesa – Prática docente. 4. UFPE – Pós-
graduação. I. Morais, Artur Gomes (Orientador). II. Titulo.

372.61 CDD (22.ed.) UFPE (CE2010-88)


AGRADECIMENTOS

Ao Senhor Jesus, autor e consumador da minha fé, minha eterna gratidão por
tamanha benção concedida em minha vida, entre tantas outras.

Ao professor Artur Gomes de Morais, orientador deste trabalho, com o qual tive o
privilégio de, desde a graduação, dialogar e crescer a partir de suas valiosas
contribuições.

À Anne-Marie Chartier, orientadora do doutorado sanduíche no exterior, pelos


diálogos enriquecedores no Institut National de Recherche Pédagogique (INRP),
pela disponibilidade em me receber e compartilhar de suas idéias.

Aos meus pais (Antonia Luiza de Oliveira Alves e José Francisco Alves), por terem
me apoiado desde o início, apostando na realização desse sonho.

Aos meus irmãos (Silvania de Oliveira e Silvanio de Oliveira), pelos incentivos


constantes.

Ao meu querido Renato, pelo apoio e incentivo, sobretudo nas horas difíceis. Foi (e
tem sido) instrumento de Deus em minha vida.

Aos meus queridos avôs e avós (in memorian) por terem contribuído, decisivamente,
em meu processo educacional, acreditando, em meio às dificuldades, ser possível
realizar este objetivo, quando sua materialização ainda se mostrava distante.

A toda minha família, pela confiança depositada, pela insistência em prosseguir na


luta pela concretização de meus objetivos, por tudo, muito obrigada!

Aos meus queridos amigos Rita e Alex Silva, pelas imensuráveis contribuições e
apoio ao longo de minha trajetória, inclusive no doutorado. Muito obrigada!
Às professoras que contribuíram no desenvolvimento da pesquisa, por me
proporcionarem esse diálogo com o cotidiano de suas salas de aula. A todas, muito
obrigada!

À professora Eliana Albuquerque, pela disponibilidade em contribuir,


significativamente, na ocasião do exame de qualificação.

À professora Andréa Tereza Brito Ferreira, por mais uma oportunidade de


compartilhar de suas contribuições.

À professora Fátima Cruz, pelas relevantes discussões tecidas no exame de


qualificação.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão de
bolsas de estudo para a realização do doutorado sanduíche no exterior e do
doutorado no Brasil, respectivamente.

Aos professores do Centro de Educação que têm me acompanhado desde a


graduação em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco. Agradeço pela
formação sólida e enriquecedora, construída nessa responsável instituição de
ensino.

A todos os colegas da graduação e da pós-graduação, com os quais tive a


oportunidade de estabelecer riquíssimos diálogos ao longo desses anos.

A Dilian Cordeiro, Tânia Rios, Juliana Lima, Miriam Barbosa, Ywanoska Gama, por
todo o apoio prestado durante e após a defesa.

Aos funcionários da Secretaria do Programa de Pós-graduação em Educação da


UFPE, pelas orientações e apoio prestados ao longo dos cursos de mestrado e
doutorado.
Grata a todos que, de um modo ou de outro, contribuíram na/para a materialização
desse estudo!
O importante, na democratização do ensino, não é “fazer
como se” cada um houvesse aprendido, mas permitir a
cada um aprender. Quando não se consegue isso, a
solução não é esconder a cabeça na areia, mas reconhecer
um fracasso, que é, primeiramente, o da escola, para
melhor “retomar o trabalho”. Aí está a verdadeira clivagem:
frente a desigualdades de aquisições e de níveis escolares
devidamente constatados, uns baixam os braços e
invocam a fatalidade e os limites da natureza humana,
outros buscam novas estratégias (PERRENOUD, 1999).
(...) A idéia de ciclo eu gosto. Apesar de muitas críticas, mas
eu gosto da idéia de ciclo. Dar esse tempo maior para a
criança, eu acho que foi assim... um presente. Por quê?
Porque, antigamente, quando a criança estava no sistema
seriado, fazia a alfabetização, terminava aquele ano todinho
de alfa, né? Com seis anos. Não lesse, não escrevesse, ela
estava condenada a reprovar, não é? E às vezes quando
começava o ano seguinte, a primeira série, o menino dava
aquele... que a gente chama de estalo, que não é estalo
nenhum. Que a gente sabe que é muito do trabalho do
professor, muito da exposição da criança a momentos de
leitura, muito de um monte de fatores, né? Não é estalo, não é
nenhuma mágica. Mas é porque parece, não é? Uma mágica.
Mas quando a criança chegava lá na primeira série, pouco
tempo depois a criança lia tudo, começava a escrever tudo e
aí a gente ficava dizendo: ‘poxa, atrasou a criança o ano
inteiro’, né? Por conta... então eu gosto da idéia do ciclo,
realmente de dar essa oportunidade dela dominar a leitura e a
escrita, não é? Num prazo maior. Só que é... eu acredito que
tá havendo uma, uma grande confusão, né? Eu acho que tá
havendo uma confusão e a gente precisa se apropriar melhor
dessa idéia de ciclo, dessas competências e definir
competências para o final do primeiro ano, competências para
o final do segundo ano, competências para o final do terceiro
ano, porque tá havendo essa confusão, então assim: ou um
momento a gente deixa à vontade: ‘ah, vai passar mesmo, né?
Não tem o que fazer, né’? Ou, em outro momento, o professor
fica com aquela ‘cabeça seriada’. Trabalhando como se fosse
a série de antigamente, né? Então eu acho que tá havendo
essa confusão e por conta dessa confusão tá... tá formando
uma legião de alunos com dificuldades ainda de leitura e
escrita, chegando num nível pré-silábico no terceiro ano do 1º
ciclo. (...) A gente precisa definir melhor esse perfil de saída de
cada ano. Qual é o perfil de saída que eu quero do meu aluno
do primeiro ano do 1º ciclo? Qual é o perfil? O que é que eu tô
esperando do meu aluno do segundo ano? E esse perfil, como
a criança não pode ser retida, esse perfil ele tem que ser
traçado, o aluno que não alcançou ele tem, tem que haver no
momento do Conselho de Ciclo justamente essa troca de
experiência com o professor. (...) É preciso a gente teorizar
mais essa questão do ciclo. Qual é a idéia de ciclo? Qual foi a
proposta, qual foi a proposta inicial do ciclo? Por que ele veio?
É ampliação do tempo? É a ampliação do tempo, mas, é
ampliação do tempo para deixar o menino passar, passar,
passar e chegar sem bagagem nenhuma? Não. Então vamos
definir essas competências, esse perfil de saída de cada ano.
Não é para definir e... e rotular o aluno e dizer: ‘ah, ele não
conseguiu, então ele não vai’. Não. Ele vai ter que ir. Mas se
ele não conseguiu, o que foi que eu fiz, como foi que eu
contribuí pra ele não conseguir? Vamos pensar, vamos fazer
um perfil para o próximo ano.

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A).1

1
Ao nos remetermos aos nomes das professoras que participaram da pesquisa, optamos por recorrer
a pseudônimos, após negociação com as mesmas.
RESUMO

Este estudo buscou analisar a existência (ou não) de uma progressão das atividades
de língua portuguesa, no interior do 1º ciclo, tendo como referência a prática
docente. Ancorado no contexto dos ciclos de aprendizagem da rede municipal de
ensino de Recife, ensejamos apreender, ainda, as escolhas “didáticas” e
“pedagógicas” (CHARTIER, 2000) que vinham respaldando a prática pedagógica
naquele ciclo. No conjunto dessas escolhas, priorizamos a análise do tratamento
dado à heterogeneidade das aprendizagens e do erro do aprendiz, por entendermos
ser esses aspectos importantes numa escolarização organizada em ciclos. A fim de
alcançarmos nossos objetivos, consideramos aspectos das teorias da Transposição
Didática (CHEVALLARD, 1991; CHERVEL, 1988) e da Fabricação do Cotidiano
Escolar (CERTEAU, 1994; 1985; FERREIRA, 2005; 2003). Nesse âmbito,
recorremos a algumas pesquisas que articularam a prática pedagógica de língua
portuguesa no contexto dos ciclos, tomando por base conceitos daquelas teorias
(OLIVEIRA, 2010; 2006; 2004; CRUZ, 2008; FRIGOTTO, 2004). Compondo, ainda,
nosso quadro teórico, articulamos nossos dados com alguns aspectos da
perspectiva teórica da Apropriação dos Saberes da Ação (CHARTIER, 1998;
ALBUQUERQUE, 2002). Acompanhamos, no período de junho a dezembro de 2007,
através de observações de aula e realização de entrevistas, a prática de nove
professoras, de três instituições, dos três anos do 1º ciclo, que atuavam na rede
municipal de ensino de Recife. Esse universo nos permitiu apreender certas
variações e especificidades conforme a escola e o ano-ciclo considerado, variáveis
que perpassaram nossas análises. Examinamos, a partir da análise de conteúdo
temática categorial (BARDIN, 1977; FRANCO, 2005), as práticas pedagógicas,
observando a progressão das atividades a partir de alguns eixos de ensino de língua
e as escolhas “didáticas” e “pedagógicas”. Apreendemos uma ausência de
progressão no interior do ciclo, observada a maior freqüência de leitura de textos
realizada pelos aprendizes dos terceiros anos. Tal como no eixo anterior, não
observamos progressão na atividade de compreensão escrita de textos, dado o
distanciamento das turmas de segundo e terceiro anos em relação aos primeiros. O
contrário se confirmou nas atividades de produção de textos pelo aprendiz em que a
discrepância foi observada entre as turmas de primeiro e segundo anos, marcadas
pela baixa freqüência dessa prática, em relação aos terceiros anos. De um modo
geral, como esperávamos, predominaram as atividades do sistema de notação
alfabética (SNA) entre as turmas de primeiro ano. Em contrapartida, em alguns dos
aspectos analisados, houve proximidade entre aquelas turmas e as de terceiro ano,
indicando, claramente, ausência de progressão no ciclo. Ao nos reportarmos aos
aspectos considerados no eixo de “análise lingüística”, pontuamos a prevalência
dessas atividades entre as turmas de terceiro ano. Como resultado geral, merece
destaque a prevalência das atividades de leitura em relação à escassa freqüência de
produção de textos, mesmo entre as turmas de terceiro ano. Além disso, chamou-
nos a atenção o dado de que a primeira era realizada, essencialmente, pela
professora, enquanto que a segunda era desenvolvida, solitariamente, pelos
aprendizes. Podemos afirmar que não encontramos, no universo observado, uma
efetiva clareza quanto à progressão das atividades de língua nos três primeiros anos
de escolarização do ensino fundamental. Ao nos reportarmos aos dados do segundo
capítulo, sublinhamos que, em relação às formas de agrupamento adotadas,
verificamos a proposição de atividades coletivas e individuais, ao contrastarmos com
a freqüência de agrupamentos em duplas e pequenos grupos. Inferimos que esse
baixo investimento deveu-se à ausência de uma prática de planejamento
sistemático, evidenciada pelos nossos dados. No concernente às modalidades de
cooperação, localizamos maior prática de interação entre as professoras e seus
alunos, ao compararmos com os alcances das trocas entre eles. Já no que diz
respeito às atividades diversificadas, ressaltamos a tímida freqüência dessas,
ajustadas aos diferentes níveis dos alunos, assim como foi rara a atribuição de uma
mesma “tarefa” com ajustes às diferentes demandas de aprendizagem. Como dado
geral a respeito do tratamento do erro dos educandos, enfatizamos que estes
estiveram expostos a muitos momentos de correção no coletivo da sala de aula, ao
compararmos com as intervenções individuais. Ora aquele procedimento objetivava
a “otimização do tempo”, ora funcionava como claro mecanismo de exclusão dos
alunos “mais lentos”. Entendemos que as práticas, por nós observadas, de maneira
geral, vinham tentando articular as inovações presentes no âmbito do ensino de
língua aos pressupostos defendidos na escolarização por ciclo, entretanto, nossos
resultados indicaram o quanto ainda precisamos avançar rumo a um currículo que,
em articulação com os “fazeres” do professor, minimize as discrepâncias, por nós
vistas, em relação ao ensino e ao aprendizado dos diferentes objetos do saber em
língua portuguesa, considerando as várias etapas do ciclo. Concluímos que não
basta garantir um ensino que não retenha os alunos ao final de cada ano do ciclo. É
necessário priorizar o atendimento dos diferentes ritmos de aprendizagem,
assegurando o avanço do educando no interior do ciclo.

Palavras-chave: Ciclos de aprendizagem, Heterogeneidade na sala de aula,


Alfabetização, Ensino de Língua Portuguesa, Prática docente.
ABSTRACT

This work’s purpose was to determine whether there was progression in Portuguese
learning activities of the first cycle, considering the teaching practice. Within the
context of the learning cycles in Recife’s public educational system, we also intend to
comprehend the “didactic” and “pedagogic” choices (CHARTIER, 2000) that underlie
the pedagogic praxis in that cycle. Among this set of choices, we gave priority to the
analysis of how learning heterogeneity and the apprentice’s error have been dealt
with, since we consider these to be the most relevant features in cycle-based
schooling. In order to achieve our objectives, we took under consideration some
aspects of the Didactic Transposition (CHEVALLARD, 1991; CHERVEL, 1998) and
the Manufacturing of Everyday Life in School (CERTEAU, 1994; 1985; FERREIRA,
2005; 2003) theories. In this field, we resorted to some researches that had
previously combined Portuguese teaching praxis in the cycles context, based on
concepts from the referred theories (OLIVEIRA, 2010; 2006; 2004; CRUZ, 2008;
FRIGOTTO, 2004). Also in the process of building our theoretical framework, we
combined our data with some aspects of the Appropriation of Action Knowledge
perspective (CHARTIER, 1998; ALBUQUERQUE, 2002). From June through
December 2007, we accompanied, by observing classes and making interviews, the
practice of nine teachers that worked in the three grades of the first cycle of three
different public institutions of Recife. This universe allowed us to understand certain
variations and features according to the school and the year-cycle analyzed, and
these variables appear throughout our analyses. Based on the thematic content
analysis by category (BARDIN, 1977; FRANCO, 2005), we examined the pedagogic
practices, observing the progression in the activities of some of the language
teaching axes and also the “didactic” and “pedagogic” choices. We perceived the
absence of progression within the cycle and high frequency of reading by third-year
apprentices. As seen on the previously referred axis, we did not notice progression in
written comprehension of texts either, considering the distance between second-/
third-year students and the first-year ones. We confirmed the opposite in the
apprentices’ writing activities: there was a discrepancy between the first and the
second year, which presented low frequency of writing practices, compared to the
third year. In general, as we expected, activities related to the alphabet notation
system (ANS) prevailed among first-year classes. On the other hand, in some of the
analyzed aspects, first- and third-year classes were close, which clearly points out to
the absence of cycle progression. Regarding the above mentioned aspects in the
“linguistic analysis” axis, we underline the predominance of such activities in third-
year classes. As an overall result, we highlight the prevalence of reading activities
over writing ones, even among classes of the third year. Furthermore, the fact that
the former was performed essentially by the teacher while the latter was developed
solely by the apprentices came to our attention. We can assert that we did not find,
within the observed sphere, a clear progression in language learning activities in the
first three years of fundamental schooling. In regard to the data on the second
chapter, we underline that, concerning the adopted forms of grouping, we detected
the preference for collective and individual activities over the work in couples and
small groups. Supported by our data, we came to the conclusion that such option is
due to the absence of systematic planning. Concerning the forms of cooperation, we
identified that interaction happens mostly between teachers and students, in relation
to interactions between students. When it comes to diversification of activities, we
stress that this happen on very few occasions, adjusted to the different levels of the
students, and also that it was not common to see the same “task” being attributed
with adjustments to different learning needs. By and large, with regard to the error,
students were exposed to too many moments of public correction in the classroom
compared to individual interventions. Sometimes this procedure intended to “optimize
time”, sometimes it clearly worked as a mechanism to exclude “slower” students. As
we understand it, the observed practices, in general, tried to combine the innovations
in language teaching to cycle schooling assumptions; however, our results indicate
how much we still need to advance to reach a curriculum that, combined with the
teachers’ “duties”, can minimize the discrepancies we saw in regard to teaching and
learning of Portuguese language contents considering the different stages of the
cycle. We concluded that it is not enough to guarantee an education that does not
hold back students at the end of each cycle. It is necessary to give priority to the
addressing of different learning paces, in order to assure the advance of the
apprentice within the cycle.

Keywords: Learning cycles, Heterogeneity in the classroom, Literacy, Portuguese


teaching, Teaching practice.
RÉSUMÉ

Cette étude a cherché à analyser l’existence (ou non) d’une progression des activités
de la langue portugaise, au sein de l’éducation primaire, en prenant comme
référence l’enseignement. Ancré dans le cadre du cycle d'apprentissage des écoles
municipales de Recife, nous désirons apprendre les choix “didactiques” et
“pédagogiques” (CHARTIER, 2000) qui ont appuyé la pratique d'enseignement dans
ce cycle. Parmi ces choix, nous priorisons l’analyse du traitement étant donné
l’hétérogénéité de l’apprentissage et l’erreur de l’apprenant, car nous pensons que
ce sont des aspects importants dans une scolarisation organisée en cycle.Pour que
nous puissions atteindre nos objectifs, nous considérons des aspects des théories
de Transposition Didactique (CHEVALLARD, 1991; CHERVEL,1998) et de la
Fabrication du Quotidien Scolaire (CERTEAU, 1994; 1985; FERREIRA, 2005; 2003).
Dans ce contexte, nous faisons appel à quelques recherches qui ont articulé la
pratique pédagogique de la langue portugaise dans le cadre des cycles, en se
basant sur des concepts de ces théories (OLIVEIRA, 2010; 2006; 2004; CRUZ,
2008; FRIGOTTO, 2004). Composant ainsi notre cadre théorique, nous articulons
nos données avec certains aspects de la perspective théorique de l’Appropriation
des Savoirs de l’Action (CHARTIER, 1998; ALBUQUERQUE, 2002). Nous avons
accompagné, pendant la période de juin à décembre 2007, par l’ observation de
classe et des entretiens, le travail de neuf professeurs, de trois écoles municipales
de Recife, de trois années du premier cycle. Cet univers nous a permis d’apprendre
certaines variations et spécifités en fonction de l’école et de l’année-cycle
considerée, des variables qui ont imprégné nos analyses. Nous examinons à partir
de l’analyse de contenu thématique catégoriel (BARDIN, 1977; FRANCO, 2005),les
pratiques pédagogiques, en notant la progression des activités à partir de certains
axes de l’enseignement de la langue et des choix “didactiques” et “pédagogiques”.
Nous appréhendons une absence de progression dans le cycle et percevons la
fréquence plus élevée de lecture de texte réalisée par les apprentis de la troisième
année. Et comme dans l’axe antérieur, nous n’avons pas observé de progression
dans l’activité de compréhension écrite de textes, compte tenu de l'éloignement des
groupes de deuxième et troisième années par rapport à la première. Le contraire
s’est confirmé lors des activités de production de textes par l’apprenti ou la
divergence a été observée entre les classes de première et deuxiéme année,
marquées par la faible fréquence de cette pratique par rapport à la troisième année.
En général, comme prévu, les activités du système d'évaluation par ordre
alphabétique (SNA) prédominent entre les classes de première année. En revanche
dans certains aspects que nous avons analysé, il y a eu une proximité entre ces
classes et celles de la troisième année indiquant clairement l'absence de progression
dans le cycle. En nous rapportant aux aspects considerés dans l’axe de l’ “analyse
lingüistique” nous insistons sur la prévalence de ces activités dans les classes de
troisième année. Comme résultat général, il est intéressant de souligner l’importance
des activités de lecture par rapport à la faible fréquence de production de textes
même parmi les classes de troisième année. En outre a attiré notre attention la
donnée que la premiére était réalisée essentiellement par l’enseignant, alors que la
deuxième était développée de forme solitaire par les apprentis. Nous pouvons dire
que nous n’avons pas trouvé, dans l’univers observé, une claireté effective quant à la
progression des activités lingüistiques dans les trois premières années de scolarité
de l’enseignement primaire.Quand nous nous référons aux données dans le
deuxième chapitre, nous soulignons que, en ce qui concerne les moyens de
groupement adopté, nous trouvons la proposition d'activités individuelles et
collectives, contrastant avec la fréquence des regroupements par paires et petits
groupes.Nous en déduisons que ce faible investissement se doit à l’absence d’une
pratique de planification systématique, mise en évidence dans les données. En ce
qui concerne les modalités de coopération, nous avons localisé um haut niveau
d’intéraction entre les enseignants et leurs élèves, si nous les comparons avec le
niveau d’échanges entre eux. En ce qui concerne les activités diversifiées, nous
soulignons leurs faible fréquence, ajustées aux différents niveaux des élèves, il a été
rare aussi d’accorder lê même “devoir”avec des adaptations pour les différentes
exigences de l’apprentissage. Comme une donnée générale sur le traitement général
de l'erreur de l'apprenant, nous indiquons qu’ils ont été exposés à plusieurs moments
de correction collective en classe, par rapport aux interventions individuelles. Ou bien
ce processus sert à “optimiser le temps”, ou bien il sert comme um mécanisme clair
d’exclusion des eleves “plus lents”. Nous comprenons que les pratiques que nous
avons observées, en général, essayent d’articuler les inovations présentes dans
l’enseignement de la langue avec les hypothèses défendues par la scolarisation par
cycle, cependant, nos résultats montrent à quel point nous avons encore besoin de
progresser vers un programme d'études qui, en collaboration avec les “devoirs”de
l'enseignant, minimise les divergences, que nous avonc observer, par rapport à
l'enseignement et l'apprentissage des différents objets de la connaissance de la
langue portugaise, en considérant les différentes étapes du cycle. Nous concluons
que ce n'est pas suffisant de garantir une éducation qui ne conserve pas les
étudiants à la fin de chaque année du cycle. Il est nécessaire de donner la priorité
aux soins des différents rythmes d'apprentissage, en assurant l’avancé de
l'apprenant dans le cycle.

Mots-clés: Cycles d’apprentissage, Hétérogénéité dans la salle de classe,


Alphabétisation, Enseignement de la Langue Portugaise, Pratique de
l'Enseignement.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Dados relativos à formação acadêmica e atuação profissional das


docentes da escola A ..............................................................................................116
Quadro 2 - Dados relativos à formação acadêmica e atuação profissional das
docentes da escola B ............................................................................................. 120
Quadro 3 - Dados relativos à formação acadêmica e formação profissional das
docentes da escola C ............................................................................................. 123
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Freqüência absoluta das atividades de “rotina pedagógica”, no 1º ciclo,


nas nove turmas observadas...................................................................................139
Tabela 2 - Freqüência absoluta das atividades de leitura de textos e enunciados,
no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ...............................................................156
Tabela 3 - Freqüência absoluta das atividades de compreensão textual, no 1º ciclo,
nas nove turmas observadas ..................................................................................170
Tabela 4 - Freqüência absoluta das atividades de produção de textos, no 1º ciclo,
nas nove turmas observadas ..................................................................................182
Tabela 5 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
leitura, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ...................................................200
Tabela 6 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
escrita, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ..................................................211
Tabela 7 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
cópia, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ....................................................216
Tabela 8 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
contagem, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas .............................................220
Tabela 9 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
partição, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ................................................223
Tabela 10 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
nomeação, identificação e produção, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas 227
Tabela 11 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
comparação, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ........................................ 236
Tabela 12 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
exploração, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ...........................................242
Tabela 13 - Freqüência absoluta das atividades do sistema de notação alfabética:
exploração – análise lingüística, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas ........248
Tabela 14 - Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: leitura de
textos, no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas ............................................282
Tabela 15 - Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos:
compreensão textual, no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas ....................289
Tabela 16: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: produção
textual, no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas ............................................294
Tabela 17: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: sistema
de notação alfabética, no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas ...................297
Tabela 18: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: análise
lingüística, no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas ......................................300
Tabela 19 - Freqüência Absoluta, a cada dia letivo observado, de modalidades de
“cooperação” (professora-alunos, aluno-aluno), no 1º ciclo, nas nove turmas
acompanhadas ........................................................................................................302
Tabela 20 - Atividades diversificadas, na área de língua, no 1º ciclo, nas nove
turmas acompanhadas ............................................................................................342
Tabela 21 - Tratamento do erro do aluno, na área de língua, no 1º ciclo, nas nove
turmas acompanhadas ............................................................................................369
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

CBA - Ciclo Básico de Alfabetização


CNDP - Centre National de Documentation Pédagogique
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INRP - Institut National de Recherche Pédagogique
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MAIS - Movimento das Aprendizagens Interativas
MEC - Ministério da Educação e Cultura
MENJE - Ministério da Educação Nacional, da Juventude e dos Esportes
NSE - Nível Sócio-econômico
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PCR/SEC - Prefeitura da Cidade de Recife/Secretaria de Educação e Cultura
PMR - Prefeitura Municipal de Recife
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
RMER - Rede Municipal de Ensino de Recife
SMER - Secretaria Municipal de Ensino de Recife
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 22
2 MARCO TEÓRICO ............................................................................................... 30
2.1 Transposição Didática, Apropriação dos Saberes da Ação e Fabricação do
Cotidiano Escolar .................................................................................................. 30
2.1.1 O enfoque dado ao saber à luz da teoria da Transposição Didática ........ 30
2.1.2 Cotidiano escolar: pluralidade nos processos de apropriação dos saberes
e nas “fabricações” ................................................................................................ 35
2.1.3 Livros didáticos de alfabetização: um enfoque dado à transposição desse
material no âmbito da sala de aula ....................................................................... 41
2.2 Organização dos sistemas de ensino brasileiro e francês em tempos de
“ciclo”: o que apontam alguns documentos oficiais e a literatura na área? .... 43
2.2.1 A organização do ensino por série x ciclos no Brasil: características e
dilemas de um processo transitório .................................................................... 43
2.2.2 Proposições oficiais do ensino por ciclos no contexto francês:
semelhanças e diferenças com a realidade brasileira ........................................ 53
2.2.3 O tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens: rumo a uma
prática de cooperação na sala de aula? ............................................................... 63
2.3 Novas perspectivas teóricas no âmbito da alfabetização: implicações para
o ensino do Sistema de Notação Alfabética ........................................................ 69
2.3.1 “Representação” e “Notação”: como tais conceitos interagem na
compreensão do funcionamento de um sistema? .............................................. 69
2.3.2 Teoria da Psicogênese da Língua Escrita: o que muda para o ensino de
língua na alfabetização? ........................................................................................ 74
2.3.3 Desenvolvimento de habilidades fonológicas e a aquisição do sistema de
notação alfabética: pressupostos e possíveis articulações .............................. 85
2.3.4 Alfabetização e letramento: implicações para as práticas de leitura e
escrita ...................................................................................................................... 93
2.3.5 Alfabetizar letrando: eixos do ensino de língua que contribuiriam nesse
processo ............................................................................................................... 101
2.4 Organização do ensino por ciclos: o que muda nas práticas de leitura e
escrita na alfabetização? ..................................................................................... 104
3 METODOLOGIA ................................................................................................. 111
3.1 Objetivos ......................................................................................................... 111
3.1.1 Objetivo Geral .............................................................................................. 111
3.1.2 Objetivos Específicos ................................................................................. 111
3.2 Caracterização das escolas e perfis (formação acadêmica e atuação
profissional) das professoras pesquisadas....................................................... 112
3.2.1 Caracterização da escola A e perfis das mestras que integraram a
pesquisa ................................................................................................................ 113
3.2.2 Caracterização da escola B e perfis das mestras que integraram a
pesquisa ................................................................................................................ 118
3.2.3 Caracterização da escola C e perfis das mestras que integraram a
pesquisa ................................................................................................................ 121
3.2.4 Retomando algumas características das escolas e das professoras
acompanhadas ..................................................................................................... 125
3.3 Procedimentos e instrumentos metodológicos adotados na pesquisa .... 128
3.3.1 Entrevistas ................................................................................................... 128
3.3.2 Observações ................................................................................................ 130
3.4 Análise dos dados .......................................................................................... 133
4 RESULTADOS DE ANÁLISES I ......................................................................... 136
4.1 Práticas de ensino de língua: progressão das atividades ao longo do 1º
ciclo ....................................................................................................................... 136
4.1.1 O tratamento de dados relativos às atividades priorizadas nas práticas
pedagógicas ......................................................................................................... 136
4.1.2 Atividades de “Rotina Pedagógica” .......................................................... 137
4.1.3 Atividades de Leitura, Compreensão e Produção Textuais: diversidade e
progressão desses eixos no 1º ciclo .................................................................. 155
4.1.3.1 Atividades de Leitura de Textos e Enunciados, no 1º ciclo ........................ 155
4.1.3.2 Atividades de Compreensão Textual no 1º ciclo ........................................ 169
4.1.3.3 Atividades de Produção de Textos no 1º ciclo ........................................... 182
4.1.4 Atividades de Ensino do Sistema de Notação Alfabética (SNA) ............. 198
4.1.4.1 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: leitura ............................... 200
4.1.4.2 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: escrita ............................... 211
4.1.4.3 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: cópia ................................ 216
4.1.4.4 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: contagem ......................... 220
4.1.4.5 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: partição ............................ 222
4.1.4.6 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: nomeação, identificação e
produção ............................................................................................................... 227
4.1.4.7 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: comparação ..................... 235
4.1.4.8 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: exploração ........................ 241
4.1.4.9 Atividades de análise lingüística ................................................................ 248
4.1.5 Síntese das evidências relativas às práticas de ensino de língua:
progressão ao longo do 1º ciclo ......................................................................... 269
5 RESULTADOS DE ANÁLISES II ....................................................................... 281
5.1 Práticas de ensino de língua: escolhas “didáticas e pedagógicas” e o
tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens, ao longo do 1º
ciclo ...................................................................................................................... 281
5.1.1 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos ................... 281
5.1.1.1 Atividades de língua portuguesa e formas de agrupamento dos alunos: leitura
de texto ................................................................................................................. 282
5.1.1.2 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: compreensão
textual .................................................................................................................... 288
5.1.1.3 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: produção
textual .................................................................................................................... 293
5.1.1.4 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: sistema de
notação alfabética ................................................................................................. 296
5.1.1.5 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: análise
lingüística ............................................................................................................... 299
5.1.2 Modalidades de “cooperação” (professora-alunos, aluno-aluno) nas
atividades de língua, no 1º ciclo ......................................................................... 301
5.1.2.1 Predominância de um trabalho cooperativo da professora para com o grupo-
classe ..................................................................................................................... 303
5.1.2.2 Explicação prévia das atividades pela professora ...................................... 322
5.1.2.3 Espaço dado pelas mestras aos alunos com avanço e/ou em dificuldades no
aprendizado............................................................................................................ 328
5.1.2.4 Disputas dos educandos por participar da aula.......................................... 330
5.1.2.5 Ajuda dos alunos avançados aos educandos em dificuldades, com apoio da
professora .............................................................................................................. 332
5.1.2.6 Transgressão do aluno com bom nível de aprendizagem para cooperar com
colega em dificuldade ............................................................................................. 336
5.1.2.7 Síntese das evidências sobre a ocorrência ou não de cooperação nas
atividades realizadas em sala de aula ................................................................... 338
5.1.3 A proposição de atividades diversificadas no 1º ciclo, na área de
língua ..................................................................................................................... 341
5.1.4 Tratamento do erro no 1º ciclo: de que modo procediam as professoras
frente ao erro do aprendiz, nas atividades de língua? ...................................... 368
5.1.4.1 Correção individual do erro do educando ................................................... 370
5.1.4.2 Correção do erro no grupo/coletivo da sala de aula ................................... 376
5.1.4.3. “Táticas didáticas” objetivando evitar o erro pelo aprendiz........................ 389
5.1.4.4 Devolução da pergunta ao aluno, individualmente e/ou no coletivo ........... 392
5.1.4.5 Ignora o erro do aprendiz e não realiza intervenção .................................. 398
5.1.4.6 Elabora uma seqüência (andaime) para assegurar o acerto ...................... 399
5.1.5 Síntese das evidências relativas às escolhas “didáticas” e “pedagógicas”
e o tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens, ao longo do 1º
ciclo ....................................................................................................................... 404
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... .412
REFERÊNCIAS................................................................................................... ...421
APÊNDICES .......................................................................................................... 432
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA E OBSERVAÇÃO...........................432
APÊNDICE B – TABELAS COM TODOS O EIXOS OBSERVADOS.....................435
24

1 INTRODUÇÃO

As mudanças na organização de alguns sistemas de ensino, presentes,


sobretudo, a partir da década de 1980, têm suscitado, paulatinamente,
(re)encaminhamentos e alterações nas apropriações das formas de funcionamento
da escola e das práticas pedagógicas.

Em função das novas prescrições orientadoras do ensino, essa instituição


vem sendo inserida num contexto de sucessivos desafios, dentre eles, o de atender
às diferentes demandas de aprendizagem, garantindo, assim, a finalidade de
assegurar um ensino e uma aprendizagem eficazes para todos.

Na esteira dessas mudanças, chamamos a atenção para a organização do


ensino por ciclos. Tal proposta visa, oficialmente, a contribuir para o sucesso dos
alunos na escola; prima, com isso, pelo atendimento da heterogeneidade na sala de
aula.

Apesar de discussões sobre medidas que objetivavam minimizar o fracasso


das crianças na escola terem sido iniciadas com mais intensidade na década de
1950 (a exemplo da promoção automática), conforme aponta Mainardes (2001), foi a
partir da década de 1980 que diversos estados e municípios implantaram os Ciclos
Básicos de Alfabetização (CBA). Tal iniciativa se traduzia em alternativas
democratizantes, que visavam eliminar a reprovação no final da 1ª série, mudando,
desse modo, o enfoque dado à avaliação (1984 – São Paulo; 1985 – Minas Gerais;
1986 – Recife e 1988 – Paraná e Goiás), de acordo com Mainardes (2001, p. 45).

Na realidade, a proposta em questão ganhou maior respaldo a partir da Lei


de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 9394/96), articulando-se a
outras proposições. O artigo 23 dessa lei, por exemplo, inclui a possibilidade da
organização dos sistemas de ensino em ciclos.
25

Ancorada na presente lei, a Rede Municipal de Ensino de Recife (RMER)


implantou os Ciclos de Aprendizagem, a partir de 2001, dessa vez estendendo-os a
todo o ensino fundamental.2 Do mesmo modo, na tentativa de melhorar a qualidade
do ensino e o tempo do aluno na escola, optou pelo acesso à escola aos seis anos.
Essa opção encontrava respaldo no artigo 87 da LDBEN, parágrafo 3º, inciso I, o
qual explicita que cada município, e supletivamente o estado e a união, deverão:
“matricular todos os educandos a partir de sete anos de idade e, facultativamente, a
partir dos seis anos, no ensino fundamental”.

No nosso caso, interessamo-nos, sobretudo, em entender como, no interior


de algumas escolas da RMER, tendo como referência algumas práticas, a proposta
dos ciclos vem sendo vivenciada com seus dilemas e possibilidades. Conjugado a
esse objetivo, interessa-nos analisar a progressão das atividades de língua
propostas no interior do 1º ciclo, as escolhas “didáticas” e “pedagógicas” das
mestras, bem como o tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens. Para
isso, deter-nos-emos em algumas questões: Passados alguns anos de implantação
dessa proposta na RMER, que (re)encaminhamentos são possíveis vislumbrar na
prática de professoras que atuavam no 1º ciclo, em 2007, considerando a área de
língua? As concepções e práticas sinalizavam para uma apropriação e
“estabilização” do ensino no contexto dos ciclos ou, ainda, permaneciam práticas
“mescladas”, que tentavam articular pressupostos defendidos no ensino por série
junto às novas orientações do ensino por ciclos?3 Que formas de “organização
pedagógica” as professoras julgavam adequadas para o atendimento dos diferentes
ritmos? Quais alternativas elas adotavam quanto às escolhas “didáticas”? Existia
clareza dos saberes, na área de língua, a serem construídos pelo aluno no interior
de cada ano-ciclo do 1º ciclo? Ou seja, havia, nitidamente, uma proposta de

2
Conforme documento da PREFEITURA DA CIDADE DE RECIFE. Secretaria de Educação. Tempos
de Aprendizagem: identidade cidadã e organização da educação escolar em ciclos. Recife, 2003.
Encontramos os ciclos da Educação Infantil e os ciclos do Ensino Fundamental. Sendo estes últimos
compostos por quatro ciclos. O primeiro com três anos - que equivaliam à alfabetização, 1ª e 2ª séries
-, e os subseqüentes com dois anos.
3
Na ocasião da coleta de dados (2007), em uma das escolas pesquisadas, a atual diretora da escola
havia contribuído enquanto professora na pesquisa por nós desenvolvida no mestrado, em 2003. A
profissional chegou a declarar que, com a implantação da proposta dos ciclos, em 2001, houve uma
série de iniciativas por parte das instituições de ensino que ultrapassavam as prescrições
estabelecidas pela Rede Municipal de Ensino de Recife, porém, em 2007 enfatizou que observava
outra postura por parte dos mestres em geral, ou seja, parecia pairar uma “estabilização” nas formas
de ensino de modo a conjugarem práticas cujos pressupostos estavam ancorados no sistema
seriado, com alguns ajustes oriundos da discussão do sistema de ciclos.
26

progressão das atividades de língua no interior daquele ciclo? Como estava sendo
tratado, nas práticas observadas, o erro do aprendiz? Que “estratégias” e “táticas”
vinham sendo fabricadas com a vivência da proposta dos ciclos? 4

Em estudo anterior (OLIVEIRA, 2004), tomamos por base algumas das


questões acima explicitadas, a fim de apreender as concepções de algumas mestras
que atuavam no 1º ciclo da Rede Municipal de Ensino de Recife (RMER). A rede
atravessava um período de transição do sistema seriado para a organização por
ciclos de aprendizagem. Desse modo, a prática pedagógica, passava, oficialmente,
por algumas mudanças. No rol destas, notamos, a partir dos dados analisados na
pesquisa, oscilações nos julgamentos das professoras em relação àquela proposta,
o que revelava os conflitos vividos no processo de apropriação pelo qual aquelas
profissionais passavam.

Aspectos como a flexibilidade do tempo escolar e de aprendizagem, bem


como a explicitação da necessidade de diversificar atividades que atendessem às
diferentes demandas de aprendizagem dos educandos, foram mencionados pelas
professoras como pressupostos defendidos e legitimados pela proposta, com os
quais pareciam concordar. Por outro lado, aquela organização adotada pela
prefeitura suscitava algumas preocupações que valem a pena ser elencadas.

Uma delas era a não-delimitação das competências por ano-ciclo.


Afirmavam recorrer ao documento oficial da rede,5 porém, não havia no mesmo
clareza quanto a esse critério. Outro aspecto que as inquietava era a não-retenção.
Conviviam com o dilema de promover o educando, independentemente do perfil por
elas esperado e alcançado quanto à construção das competências específicas em
cada área do conhecimento. Embora enfatizassem a necessidade de um ensino que
se ajustasse ao ritmo de cada educando, não descartavam a possibilidade de, em
alguns casos, retê-lo (pelo menos no último ano de cada ciclo). É interessante
sublinhar que essa, na ocasião daquele estudo, não era a orientação dada pela
RMER.

4
Os conceitos de “tática” e “estratégia” serão abordados posteriormente, com a análise da fabricação
do cotidiano escolar, a partir de Certeau (1994).
5
PREFEITURA DA CIDADE DE RECIFE. Secretaria de Educação. Proposta Pedagógica da Rede
Municipal de Recife: Construindo Competências. Recife: PCR, 2002.
27

Esses dados nos levaram a entender o porquê de algumas mestras


afirmarem explicitamente recorrer às “clássicas provas”,6 apesar de, nesse período,
o registro contínuo dos progressos dos alunos já ter entrado em cena como
alternativa oficial de acompanhamento avaliativo. Essa nos pareceu ser uma das
“táticas” utilizadas por algumas das professoras que participaram da pesquisa. Na
ocasião do estudo, o processo transitório do sistema seriado para o ciclado, nos
permitiu apreender essa e outras táticas operacionalizadas pelas professoras
(CERTEAU,1994; 1985). Uma delas, presente em uma das instituições pesquisadas,
tratava-se do que denominaram de “rodízio”. Nesse caso, embora os alunos
tivessem que “estrategicamente” passar para o ano-ciclo seguinte ao seu, as
docentes “taticamente” registravam o nome do educando no ano-ciclo posterior,
porém, o mesmo permanecia no ano em que seria retido. Conforme as docentes,
esse procedimento tinha uma limitação: se o aluno chegasse ao último ano do ciclo
II e a escola só oferecesse até o ciclo II, a aprovação teria que ocorrer sob qualquer
circunstância (OLIVEIRA, 2004, p. 192).

Passados seis anos de implantação da proposta dos ciclos de


aprendizagem na Rede Municipal de Ensino de Recife e quatro anos em que
coletamos os dados da pesquisa realizada no mestrado, nos dispusemos a dar
continuidade à análise das implicações dessa proposta nas práticas pedagógicas,
tendo como campo aquela rede de ensino e centrando-nos nas questões acima
elencadas. Entretanto, nosso foco não incidiu mais nas formas de avaliação
priorizadas, mas na análise da presença (ou ausência) de progressão das atividades
de língua no interior do 1º ciclo, nas escolhas “didáticas” e “pedagógicas” priorizadas
pelas mestras, assim como no tratamento dado à heterogeneidade das
aprendizagens, considerando alguns eixos de ensino de língua.

Em estudo recente, Cruz (2008, p. 15), corroborando com dados da


pesquisa anteriormente citada, destaca que a concepção da proposta curricular da
Rede Municipal de Ensino de Recife (RMER) até então vigente, conferia ao 1º ciclo
do ensino fundamental a tarefa de alfabetizar as crianças, daí a denominação “ciclo
de alfabetização”. Neste, o educando teria um tempo maior para se apropriar da

6
Enfatizamos que a prova, ao contrário de indicar um instrumento possível de acompanhamento
contínuo da construção do conhecimento pelo educando, se traduzia numa alternativa pontual que
primava pela mensuração, conforme dados das práticas analisadas. Por essa razão, acreditamos que
essa lógica se aproximava do que outrora era defendido no sistema seriado de ensino.
28

leitura e da escrita. Apesar dessa flexibilidade, algumas alternativas de mudança


quanto à organização e operacionalização dos ciclos, conforme Instrução nº. 01/05
(RECIFE, 2005), passaram a fazer parte do cenário, como a possibilidade de reter o
aluno no término do 1º ciclo, na ausência da construção das competências
esperadas.

Assinalamos a importância do “ciclo de alfabetização” no que concerne à


inserção dos aprendizes nas práticas de leitura e escrita, porém, cremos que é
urgente pensarmos em conjugar essa concepção com saberes específicos a serem
construídos em cada ano-ciclo, considerando as diferentes áreas do conhecimento.
Este não era um pressuposto defendido pela proposta curricular da rede municipal
de ensino de Recife, vigente em 2007 e até a conclusão desta tese.

A própria concepção de “escrita” defendida pelas professoras do 1º ciclo


que contribuíram com a pesquisa desenvolvida por Oliveira (2004) não revelava
clareza e consenso. Ou seja, como se tratava do “ciclo da alfabetização”, a “escrita”
poderia estar centrada tanto no âmbito da produção textual, como na apropriação do
sistema de notação alfabética (SNA). Em nossa compreensão, o problema não
estava em enfocar a escrita em diferentes perspectivas, mas no fato de algumas
docentes deixarem para ensinar o SNA no último ano do ciclo, momento em que
esse objeto do conhecimento já teria que estar consolidado pelo aprendiz. Um
aspecto que nos preocupou ainda mais, esteve baseado em declarações de
professoras que concebiam a escrita como conseqüência natural das práticas de
leitura. Essa defesa sinalizava para uma ausência de ensino sistemático da escrita
alfabética.

Semelhantemente ao que ocorreu com a proposta dos ciclos, as mudanças


presentes no ensino de língua ganharam relevância, sobretudo na década de 1980.
No caso da alfabetização, a partir das novas contribuições teóricas, concepções e
métodos de ensino passaram a ser questionados e revistos, desencadeando, com
isso, novas diretrizes para o ensino de língua, nessa etapa da escolarização.

De acordo com Ferreiro (1985), no que se refere à alfabetização, seria


preciso promover uma mudança conceitual, mudando o eixo do como se ensina para
o como se aprende. Esse processo passou a ser investigado pela autora, surgindo a
teoria da psicogênese da língua escrita, que mudou as concepções até então
presentes quanto ao ensino de língua (alfabetização) e, mais detidamente, sobre o
29

processo evolutivo que permeia a apropriação do sistema de notação alfabética pela


criança. Com isso, saberes produzidos na academia tentaram mudar a visão que o
professor tinha sobre aquele objeto do conhecimento e seu aprendizado.

Sobretudo a partir da década de 1990, iniciaram-se, também, discussões


sobre alfabetização e letramento (SOARES, 1998). De acordo com a autora, com a
transposição da palavra letramento para o nosso vocabulário, já entendemos que é
preciso não apenas ensinar a ler e a escrever, mas é necessário, também, e,
sobretudo, levar os indivíduos a fazerem uso da leitura e da escrita, envolver-se em
práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 1998, p. 58).

No que diz respeito aos capítulos que seguem nesse estudo, traremos à
tona, inicialmente, a discussão das teorias da Transposição Didática
(CHEVALLARD, 1991) e da Fabricação do Cotidiano Escolar (CERTEAU, 1994;
1985; FERREIRA, 2003). Recorreremos, também, à perspectiva teórica da
Apropriação dos Saberes da Ação (CHARTIER, 2000; 1998; ALBUQUERQUE,
2002), por acreditarmos que tais correntes trazem contribuições e orientações
teórico-práticas concernentes ao modo como se produzem os saberes em suas
diferentes instâncias, bem como à maneira como se constituem e se organizam as
práticas de ensino (no nosso caso, na RMER), tendo como referência esses
saberes.

Ao nos reportarmos à teoria da Transposição Didática, não faremos uma


análise da cadeia que integra as transformações por que passam o saber, mas
consideramos importante focar a discussão em contribuições dessa teoria que, na
nossa compreensão, perpassa a lógica de organização das práticas pedagógicas e
a operacionalização do ensino. Como estamos centrados numa área do
conhecimento: língua portuguesa, os objetos do saber priorizados no ensino
sinalizam para um nível de transposição didática, ou seja, para uma didatização do
ensino. Em nosso estudo foi possível, em alguns momentos, apreender os materiais
didáticos que influenciavam, significativamente, as práticas acompanhadas.

Ganhando centralidade na presente pesquisa, explicitaremos, também, o


debate sobre os ciclos, focando em algumas das prescrições oficiais, o modo de
organização dessa proposta no contexto do ensino de algumas cidades brasileiras,
incluindo a experiência da rede municipal de ensino de Recife (RMER).
Priorizaremos, ainda, o contraponto dessa proposta no contexto dos “ciclos
30

pedagógicos”, na França. Tal referência deve-se ao fato desse país ter optado,7
desde a década de 1990, pela organização do ensino em ciclos pedagógicos.
Portanto, consideramos pertinente explicitar alguns dos pressupostos que
caracterizaram tal proposição, de modo a apreendermos a mesma proposta em dois
contextos distintos.

A partir dessa contextualização, convém pôr em relevo, nessa


sistematização, algumas contribuições teóricas para o ensino de língua, enfocando,
especificamente, a alfabetização. Ou seja, a proposição dos ciclos, conforme modelo
da década de 1980, ocorreu de forma simultânea a uma discussão, sobretudo
teórica, a qual tem desencadeado mudanças/redefinições de concepções tanto no
âmbito geral do ensino de língua, como no campo da alfabetização. Dentre as
contribuições presentes no cenário acadêmico, destacaremos algumas da teoria da
Psicogênese da Língua Escrita (FERREIRO, 1985), por impulsionar rupturas
significativas com as concepções e métodos de alfabetização, de apropriação da
língua escrita até então predominantes. Ainda no campo da alfabetização,
elencaremos, dentro da corrente que privilegia os estudos da Consciência
Fonológica (FREITAS, 2004; MORAIS; LEITE, 2005; LEITE, 2006), pressupostos e
divergências com a teoria anteriormente mencionada. Traremos, ainda,
contribuições do campo do Letramento (SOARES, 2003a; 1998) como um eixo que
tem influenciado as práticas pedagógicas, em geral, e as de alfabetização, em
particular. Remetendo-nos a esse campo, discutiremos o papel que os eixos de
leitura, compreensão e produção textuais assumem nessa defesa da perspectiva de
alfabetizar letrando. Por fim, dirigimos esforços em articular alguns estudos que
focaram as práticas de língua no contexto dos ciclos, considerando ser essa uma
discussão inicial, haja vista a escassez de pesquisas no Brasil que priorize esse
debate específico. Com isso, cremos ter priorizado as principais correntes teóricas
que vêm influenciando, notoriamente, o campo do ensino de língua, no contexto da
alfabetização.

Entendemos que o cotidiano escolar é marcado por uma rede complexa de


práticas que são fabricadas por meio de “táticas” que atendem às necessidades de
um ambiente dado. Portanto, a realidade das práticas escolares cotidianas não se
constituiria numa transposição literal das prescrições oficiais, mas numa

7
Semelhantemente ao contexto de Recife, foi oficializado por meio de um decreto.
31

(re)construção das práticas já existentes. Desse modo, as prescrições (ISAMBERT-


JAMATI, 1970, p. 9) indicariam somente orientações.

Por assumirmos essa dinamicidade presente nos processos educacionais, é


que julgamos relevante dar continuidade ao estudo da temática desenvolvida no
mestrado, investigando, de forma sistemática e mais aprofundada, esse cotidiano
escolar e suas façanhas. Nosso intuito, reiteramos, é, passado o período de
implantação da proposta dos ciclos, apreendermos as mudanças presentes no
âmbito da prática docente no que se refere à progressão das atividades propostas
no interior do 1º ciclo, às escolhas “didáticas” e “pedagógicas”, bem como ao
tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens.

Anunciaremos, num segundo momento, nossos procedimentos


metodológicos. Na presente pesquisa, optamos por analisar as práticas didático-
pedagógicas em articulação com as concepções das professoras, tomando por base
os eixos de análise antes mencionados. Para isso, explicitaremos, no primeiro
capítulo das análises, a progressão das atividades de língua, a partir de diferentes
eixos de ensino. Nesse contexto, tomamos como referência de análise as variáveis:
ano-ciclo e escola. Do mesmo modo, no segundo capítulo, traremos para discussão
as escolhas “didáticas” e “pedagógicas” das mestras, analisando, entre outros
aspectos, as formas de agrupamento adotadas pelas profissionais estudadas, as
modalidades de cooperação entre professora-alunos, aluno-aluno; o tratamento
dado à heterogeneidade das aprendizagens, assim como o tratamento dado ao erro
do aprendiz.

Por fim, anunciaremos as principais evidências obtidas, proposições para


novas pesquisas na área, explicitando nossas considerações finais.
32

2 MARCO TEÓRICO

2.1 Transposição Didática, Apropriação dos Saberes da Ação e Fabricação do


Cotidiano Escolar

2.1.1 O enfoque dado ao saber à luz da teoria da Transposição Didática

De acordo com Albuquerque, Ferreira e Morais (2005) são notórios os


questionamentos desencadeados nas últimas décadas acerca do saber a ser
ensinado. Sobretudo no que se refere à relação professor-saber pautada nos moldes
tradicionais, assim como ao ensino não diretivo, “o qual privilegia a relação aluno-
saber, mas sem que os saberes ‘universais’, que chegam ao aluno, fossem
questionados” (ALBUQUERQUE; FERREIRA; MORAIS, 2005, p. 57).

Por outro lado, passa-se a considerar a especificidade do saber escolar,


como um saber dotado de configurações cognitivas próprias que, embora tenha
relações com o conhecimento científico, difere do mesmo.

É nesse campo que a teoria da Transposição Didática vem contribuir, já que


trata especificamente das transformações por que passam os saberes ensinados na
escola. No que se refere à teoria, Yves Chevallard destaca que

um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a


ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que
vão torná-lo apto a tomar lugar entre os ‘objetos de ensino’. O
‘trabalho’ que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de
ensino, é chamado de transposição didática. (1991, p. 45).

Desse modo, a transposição didática pode ser analisada a partir de três


tipos de saberes: o saber científico, o saber a ensinar e o saber efetivamente
ensinado. O primeiro está ligado à produção acadêmica, embora Pais (1999, p. 21)
destaque que nem toda produção acadêmica possa representar um saber científico.
O saber a ensinar é um saber ligado a uma forma didática que serve para
apresentar o saber ao aluno. Este saber se materializa nos livros didáticos,
programas, propostas curriculares e outros materiais de apoio. O saber efetivamente
33

ensinado é, em princípio, aquele registrado no diário de aula do professor (pode-se


chegar a informações bem distantes do saber científico). Também não há garantia
de que o resultado da aprendizagem corresponda exatamente ao saber ensinado.

Chevallard (1991) denomina a passagem do “savoir savant” ao “saber a


ensinar” de transposição didática externa. Já a transposição didática interna estaria
presente na passagem dos “saberes a ensinar” aos “saberes ensinados”.

O saber ensinado, conforme Chevallard (1991), deveria manter uma


aproximação do “saber sábio” e, por outro lado, manter-se distante do saber
banalizado pela sociedade, “o saber dos pais”, como assinala o autor. Com isso,
estaria resguardada a legitimidade de um projeto social de ensino e aprendizagem.
Na medida em que ocorre um distanciamento do saber sábio e uma aproximação
com o saber dos pais, nota-se uma incompatibilidade com os pressupostos
defendidos na teoria. A fim de assegurar a compatibilidade entre os saberes, torna-
se necessária, de acordo com o autor, a instauração de uma corrente oriunda do
saber sábio.

Ampliando a cadeia da transposição didática proposta por Chevallard


(1991), Perrenoud (1997, p. 25) destaca três fases no processo de transposição dos
saberes:

Dos saberes doutos ou sociais aos saberes a ensinar (ou, de uma


forma mais geral, da cultura extra-escolar ao curriculum formal)
Dos saberes a ensinar aos saberes ensinados (ou do curriculum
formal ao curriculum real)
Dos saberes ensinados aos saberes adquiridos (ou do curriculum
real à aprendizagem efetiva dos alunos).

Ainda sobre esse processo de transformação dos saberes, bem como das
especificidades destes no contexto escolar, Astolfi e Develay destacam que

[...] a escola nunca ensinou saberes (“em estado puro”, é o que se


desejaria dizer), mas sim conteúdos de ensino que resultam de
cruzamentos complexos entre uma lógica conceitual, um projeto de
formação e exigências didáticas. Deste ponto de vista, as
transformações sofridas na escola pelo saber sábio devem ser
interpretadas menos em termos de desvio ou de degradação,
sempre em gradação (ainda que isso exista [...] que em termos de
necessidade constitutiva, devendo ser analisada como tal). (1990, p.
51-52).
34

Segundo a teoria da transposição didática dos saberes, proposta por


Chevallard (1991), a seleção desses saberes ocorre num terreno marcado por uma
extensa rede de influências, envolvendo diversos segmentos do sistema
educacional. Essas influências contribuem na redefinição de aspectos conceituais e
também na reformulação de sua forma de apresentação (PAIS, 1999, p.19). Esse
conjunto de influências, presente na seleção de conteúdos, recebe o nome de
noosfera que, conforme Chevallard (1991), faria a intermediação entre os sistemas
educativos e a sociedade e seria composto por pedagogos, professores, técnicos
das secretarias de educação, entre outros. Essa esfera, segundo Chevallard, é
marcada por conflitos, negociações, amadurecimento de soluções. Esse processo
de reelaboração dos saberes permite a apreensão, por parte do educando, dos
mesmos. Por serem dotados de especificidades que atendam ao contexto escolar,
os saberes tratados nessa instituição são essencialmente distintos daqueles que
lhes servem de referência.

Baseada em Chevallard, Ferreira (2005, p. 58) destaca que “esse trabalho


desempenhado pela noosfera corresponde às diferentes instâncias de poder na
educação responsáveis pela produção dos ‘textos do saber’, que se propõem a
orientar os professores quanto ao saber que devem ensinar”. Esses passam por um
desequilíbrio proveniente, por um lado, da intensa produção científica que marcaria
a distância entre o saber científico e o saber a ensinar, por outro lado, da própria
sociedade que, em conseqüência dos processos de mudança por que passa, requer
dos sistemas de ensino uma mudança desse saber a ensinar, em função de um
novo perfil de aluno. De acordo com Chevallard, o trabalho da noosfera quanto à
elaboração de “novos textos do saber”, se constitui num ataque às dificuldades de
aprendizagem geradas no interior dos sistemas de ensino, problema que, em
tempos recentes, tem sido enfrentado, inclusive, com reorganizações da
escolarização formal em regimes de ciclos ou assemelhados.

Outro aspecto a ser destacado na teoria da transposição didática é que ela


reconhece existir uma orientação em relação aos conteúdos escolares presentes
nos manuais didáticos, parâmetros, programas; no entanto, alguns conteúdos são
agregados aos programas, ocorrendo, nesse processo, as denominadas criações
didáticas, as quais são “motivadas por supostas necessidades do ensino, servindo
como recurso para facilitar a aprendizagem”. Quando estas ganham terreno no
35

campo didático, de acordo com os pressupostos da teoria, corre-se o risco de se


perder a finalidade principal que consistiria em garantir as especificidades do saber.
Por meio desse processo, poderiam ocorrer “deformações”, a partir das quais o
conhecimento seria “desvirtuado”. É nesse âmbito que se destaca a relevância de se
manter um “permanente espírito de vigilância que deve prevalecer ao longo da
análise da transposição didática, já que esse conjunto de criações didáticas
evidencia a diferença existente entre o saber científico e o saber ensinado” (PAIS,
1999, p. 20).

Ao discutir o tempo didático e o tempo de aprendizagem nessa


transposição, destaca-se que o primeiro “é aquele marcado nos programas
escolares e nos livros didáticos em cumprimento a uma exigência legal. Ou seja,
enquadra o saber num determinado espaço de tempo” (PAIS, 1999, p. 31); já o
segundo, é aquele que está vinculado com rupturas e conflitos do conhecimento,
exigindo uma permanente reorganização de informações, e que caracteriza toda a
complexidade do ato de aprender. Não é seqüencial nem pode ser linear, na medida
em que é sempre necessário o aprendiz retomar as antigas concepções, para poder
transformá-las.

Tratando-se de uma instituição como a escola, este é, sem dúvida, um


grande desafio: ajustar o tempo escolar (que por mais flexível que seja, caracteriza-
se pelo cumprimento de normas e decisões quanto ao futuro escolar do educando)
ao tempo de aprendizagem, que se constitui como processo dinâmico, marcado por
contínuos conflitos cognitivos.8

De acordo com Morais (2002), o termo transposição didática tem sentido


semelhante aos de “didatização”, “pedagogização”, “escolarização”. Os mesmos têm
sido, conforme Soares (1999) criticados, já que estariam associados aos
conhecimentos sociais ensinados na escola “tradicional”. Entretanto, a autora afirma
que a escolarização de conhecimentos é um processo inevitável e necessário,
intrínseco à escola. Soares (1999) segue destacando que o problema não está em
escolarizar ou não os conhecimentos, mas em escolarizá-los de maneira adequada.

8
A escolarização organizada em ciclos marca uma nova maneira de conceber e vivenciar o tempo no
interior da escola. Admite-se que o aluno possui maior flexibilidade para construir as competências
esperadas nas diversas áreas. Entretanto, apesar de conviverem juntos: tempo escolar e tempo de
aprendizagem, ambos possuem suas especificidades e precisam ser analisados como tal.
36

Corroborando com Soares, Morais (2000) enfatiza que aqueles termos,


quando articulados ao objeto de conhecimento “linguagem”, tendem a ser
concebidos como processos de “destruição da língua na escola”. Porém, o autor
chama a atenção para o aspecto de que, na escola, a linguagem oral e escrita,
assim como outros objetos de conhecimento, necessitam ser transformados em
objetos de ensino, para poderem ser apreendidos e reconstruídos pelos alunos.

Constituindo-se numa outra perspectiva teórica, encontram-se os estudos


sobre a “história das disciplinas escolares”, a qual analisa a origem, a constituição e
a evolução dos saberes escolares.

Nessa perspectiva, Chervel (1988) destaca que, erroneamente, há uma


concepção geral de que os conteúdos de ensino são impostos tais e quais à escola
pela sociedade e pela cultura. Isto quer dizer que a instituição escolar seria
concebida como simples agente transmissor dos saberes elaborados fora dela. Com
isso, a mesma não teria a capacidade de renovar, ela mesma, suas práticas.

Contrariando essa visão, Chervel (1988) considera a escola como espaço


de produção de saber e não como mero lugar de reprodução de conhecimentos.
Discordando da concepção de que as disciplinas escolares seriam concebidas como
“disciplinas-vulgarização” e a pedagogia como “pedagogia-lubrificante”, Chervel
(1988) enfatiza que as disciplinas escolares são entendidas como criações originais
e espontâneas do sistema escolar, dotadas de uma relativa autonomia com relação
à realidade exterior a elas. Apreendemos, nesse caso, uma articulação com a
perspectiva da apropriação dos saberes, já que os sujeitos inseridos na instituição
escolar (re)significariam os objetos de saber, tratados na escola como objetos de
ensino.

A corrente teórica ora mencionada assume perspectiva inversa à da


transposição didática, uma vez que não analisa as transformações do “savoir
savant” em “saber ensinado”, mas, sim, investiga, em uma abordagem “ascendente”,
como os saberes escolares se constituem e, inclusive, examina seus efeitos sobre a
sociedade como um todo.

Passaremos a discutir aspectos relativos à perspectiva teórica da


apropriação dos saberes da ação e de como se constitui esse processo de
fabricação do cotidiano escolar à luz de alguns conceitos abordados por Michel de
37

Certeau (1994). Tal abordagem, nos permitirá apreender melhor a dinamicidade


existente entre as teorias e a ação educativa real, tomando como referência o
cotidiano escolar.

2.1.2 Cotidiano escolar: pluralidade nos processos de apropriação dos saberes


e nas “fabricações”

A fabricação das práticas cotidianas, conforme Certeau (1994), considera o


singular, o popular, a “sucata”; e isso constituiria pressuposto fundamental para
entendermos a dinâmica da apropriação. Numa instituição como a escola, esse
processo não ocorre de forma linear, mas há uma cultura que lhe é própria; portanto,
a escola “fabrica” formas próprias de utilização do espaço, a partir de suas “táticas”.
Em função dessa margem de “manobra,” as “estratégias” podem ser modificadas.9

De acordo com Ferreira (2003), o cotidiano se faz presente nas diversas


áreas do conhecimento. A Filosofia, a Sociologia, por exemplo, são áreas que
privilegiaram o cotidiano nas suas análises sociais. Entretanto, apesar dos estudos
filosóficos incluírem o cotidiano, a vida cotidiana sempre foi considerada como algo
inferior (LEFEBVRE, 1991, apud FERREIRA, 2003).

A grande contribuição de Certeau, segundo Ferreira (2003), é apreender


que a escola é um espaço onde se desenvolvem práticas que podem ser
identificadas por meio de “táticas” e “estratégias”.10

Conforme Certeau (1994), o cotidiano pode ser entendido como um


ambiente onde se formalizam as práticas sociais que, por sua vez, sofrem
influências exteriores. Apesar de concordar com Lefebvre quanto à influência das
instituições econômicas nas ações e pensamentos dos indivíduos, não acredita
nesse determinismo econômico, no que se refere ao processo de análises sociais.
Desse modo, Certeau nos chama a atenção para o pressuposto de que é preciso
considerar essas práticas cotidianas enquanto práticas que são “fabricadas” a partir

9
Ainda nesta seção, explicitaremos os conceitos de “táticas” e “estratégias” à luz de Certeau (1985).
10
No espaço escolar também são fabricadas estratégias. Destacamos isso, para que não fiquemos
com a idéia de que a estratégia parte sempre de instâncias maiores como as secretarias de
educação.
38

das diversas atividades que se exercem na vida cotidiana, dos diversos campos:
profissionais, sociais, políticos e culturais (FERREIRA, 2003, p. 6).

Na realidade, Certeau propõe tratar as práticas cotidianas como grupos de


estratégias, sem desconsiderar os aspectos estruturais da sociedade. No entanto,
essas estratégias são produzidas e recriadas pelos sujeitos, por meio das práticas
cotidianas que possuem uma lógica própria. Como elementos essenciais dessas
práticas cotidianas, as estratégias, conforme Certeau (1985, p. 15), se constituem
enquanto “cálculo ou a manipulação de relações de força que se tornam possíveis a
partir do momento em que um sujeito de vontade ou poder é isolável e tem um lugar
de poder ou saber (próprio)”. A tática “é a ação calculada ou a manipulação da
relação de força quando não se tem um lugar ‘próprio’, ou melhor, quando estamos
dentro do campo do outro”. De acordo com o referido autor (1985), quando não
estamos no nosso terreno, aproveitamos a conjuntura, as circunstâncias, para dar
um “golpe”.

Na verdade, as estratégias estão presentes nas legitimações oficiais e as


táticas na fabricação do cotidiano. Essas legitimações, prescrições, são priorizadas
nos saberes a ensinar (a exemplo das propostas curriculares), tal como nos revela
também a teoria da transposição didática. O que o professor elege desse saber a
ensinar como sendo relevante para o trabalho com seus alunos e o modo como o
realiza, passa, essencialmente, pelo nível de apropriação em que esse sujeito se
encontra.

Com esse processo de apropriação, diferentes utilizações e


operacionalizações ocorreriam nesse espaço educativo. Isso se evidencia, por
exemplo, quando temos duas escolas de uma mesma rede, mas em localidades
diferentes e se observa que os procedimentos, práticas realizadas, mantêm um
distanciamento evidente, uma da outra, em função de suas especificidades e,
portanto, do que é “fabricado” no interior dos centros educativos. Dentro de uma
mesma escola também apreendemos essas diferenças das apropriações, bem como
das fabricações, mediante o processo de negociação travado em cada uma
(OLIVEIRA, 2004). Daí que o cotidiano escolar é historicamente “fabricado” e sofre
influências de várias instâncias como a sociedade, a política, a vida, o saber
(FERREIRA, 2003). Esse cotidiano é um espaço em que se “trapaceia”, não no
39

sentido de enganar os outros, mas no sentido de manter resguardada a


sobrevivência dos sujeitos no espaço ocupado.

Ainda segundo Ferreira (2005, p. 74), mesmo que o cotidiano não faça parte
de uma racionalidade discursiva, não se pode também dizer que ele é irracional. Ele
não se inclui no que se chama de pensamento elaborado e legitimado, mas, sim, é
fruto da ação.

Desse modo, não haveria um discernimento, em se tratando da instituição


escolar, mas haveria uma camuflagem sobre o que se deve fazer e como fazer, ou
seja, não saberíamos, à primeira vista, por que se faz o que se tem que fazer. Como
o lugar dá poder, estrategicamente se pensa em formas de utilização desse espaço.
Entretanto, as “táticas desviacionistas” não obedecem à lei do lugar. É nesse âmbito
que a apropriação ganha espaço. O que ocorre, na realidade, é uma fabricação de
formas próprias de utilização do espaço, a partir das táticas. É por meio dessa
negociação coletiva que surgem novos usos dentro do espaço escolar.

Do mesmo modo, não há uma alternativa clara sobre o que pode ou não ser
“uma sala de alfabetização”. Mas, através das ações, apreendemos uma prática
pedagógica de um professor alfabetizador. No entanto, cada professor tem uma
prática singular que guarda certo distanciamento daquilo que seria “a posição da
escola”, “a posição da rede”. Dessa forma, o ambiente escolar é marcado por
diversas práticas que revelam esse contexto como sendo múltiplo e complexo
(FERREIRA, 2003, p. 10).

Há, portanto, uma necessidade em distinguir os discursos individuais dos


coletivos construídos pelos profissionais das escolas, dos discursos construídos
sobre ela, originados a partir de uma racionalidade elaborada por diversas instâncias
(academia/Ministérios e Secretarias, etc.) e que não se operacionalizam na
realidade escolar tal e qual como foram “estrategicamente” elaborados, mas de uma
maneira “taticamente” fabricada (CHARTIER, 2002).

A despeito do processo de apropriação, Albuquerque (2002) procurou


investigar como os professores estavam se apropriando das prescrições oficiais da
rede municipal de ensino de Recife para o ensino de língua, em particular para o
ensino de leitura e verificou que os docentes pareciam não estar se servindo dos
modelos teóricos que estavam presentes nos documentos oficiais orientadores da
40

prática pedagógica (especificamente a proposta curricular da rede, instituída em


1996). Foi a reação ativa desses sujeitos frente às orientações oficiais em relação ao
ensino de leitura que a autora buscou apreender (ALBUQUERQUE, 2002, p.16).

De acordo com a autora, embora a partir da década de 1980 viesse


ocorrendo um número elevado de pesquisas que tratavam da leitura, os resultados
apontados vinham denunciando a manutenção, por parte dos docentes, de práticas
tradicionais que não expressavam o avanço vivido no âmbito das inovações teóricas.

Ancorada nas teorias da Transposição Didática (VERRET, 1975;


CHEVALLARD, 1991), assim como na Construção/produção dos Saberes da Ação
(CHARTIER, 1998), Albuquerque (2002) sublinhou que, para além da descrição,
pretendia entender a lógica que vinha orientando as práticas pedagógicas na
aproximação (ou no distanciamento) do que estava posto como prescrições para o
ensino de língua, em específico para o ensino de leitura. Tal como sugere Chartier
(1998), a autora observou, entre outras coisas, que os professores vinham se
valendo não das orientações postas pela Secretaria Municipal de Ensino de Recife,
mas das trocas entre colegas, bem como de outros materiais didáticos.

Em outro estudo por nós desenvolvido (OLIVEIRA, 2004) buscamos


analisar, por meio das concepções de professoras que atuavam no 1º ciclo do
ensino fundamental, como estava ocorrendo o ensino e a avaliação do aprendizado
da escrita alfabética, tendo como referência a proposta dos ciclos de aprendizagem
da Prefeitura Municipal de Recife. A rede atravessava um processo de transição do
sistema seriado para o ciclado. Interessava-nos, portanto, apreender como os
sujeitos estavam reagindo às novas prescrições, em específico, analisando as
implicações das mesmas para o ensino de língua.

Como veremos em seções posteriores a esta, as fabricações elaboradas


pelas mestras pesquisadas, naquela ocasião, remetiam não só a táticas de
resistência ao novo regime ciclado ou de conservação da lógica de uma organização
seriada, mas eram provocadas por limitações das estratégias oficiais, reveladas, por
exemplo, na imprecisão das competências a serem trabalhadas na área de língua,
ao longo dos três primeiros anos do ensino fundamental.

Como examinaremos em seções que tratarão especificamente do ensino


nos regimes de ciclos, entendemos que a atitude das mestras, em lançar mão de
41

alternativas de “sobrevivência”, de modo a resguardarem sua atuação profissional,


por meio da fabricação de táticas ante às estratégias, revelava a complexidade
presente nas formas de apropriação de inovações educacionais, além de reiterar a
premissa de que o cotidiano é permanentemente fabricado pelos sujeitos que lá
atuam e não por quem elabora modelos externos a esse espaço o qual teria,
conforme Certeau (1985), um lugar definido, próprio nesse processo.

Numa pesquisa desenvolvida por Chartier (1998), encontramos elementos


para analisar o processo de apropriação na prática de uma professora que fez parte
de um estudo de caso. Inicialmente, em seu estudo, a autora tinha como referência
da prática pedagógica dois modelos: a experiência do professor entre os saberes
práticos e os saberes teóricos, ou seja, a prática como aplicação de uma teoria e a
prática como saberes construídos na ação.

Na prática da professora observada,11 constatou-se procedimentos


metodológicos distintos12. Do ponto de vista teórico, tais procedimentos seriam
incompatíveis, entretanto, do ponto de vista dos saberes da ação, existia, como
denomina a autora em questão, uma “coerência pragmática”.

Como uma alternativa de atendimento à heterogeneidade, verificou-se que a


professora costumava atender um grupo específico de escrita dirigida, enquanto os
outros realizavam tarefas de coordenação motora (atelier de grafismo). Esse
exemplo ilustra bem o que seria o processo de apropriação, marcado pelas
convicções, crenças e segurança naquilo que “dá certo”, que propicia bons
resultados. O professor, como foi destacado por Chartier (1998), estaria mais
voltado para “o como fazer”, o que se justificaria no momento em que as
informações obtidas são diretamente utilizáveis, ou seja, mantêm uma ligação direta
com a prática. Desse modo, a troca de experiências entre colegas seria mais
influente que as publicações dos didatas.

11
A professora atuava numa escola de imigrantes; os alunos tinham muitas dificuldades. Era
considerado um grupo-classe complicado. A pesquisa foi realizada em 1995/1996. Os aprendizes
estavam no que equivalia ao último ano da escola maternal, 5/6 anos.
12
Trabalhava com ateliês de grafismo, de escrita dirigida e de escrita livre. O primeiro estava ligado
às atividades de coordenação motora; no segundo, a professora perguntava o que o aluno queria
escrever e ensinava-o como cada letra era escrita, dando orientações de como escrever: da esquerda
para direita, de cima para baixo; já no terceiro, os alunos escreviam como quisessem.
42

Nesse sentido, as inovações ocorridas no âmbito da prática docente seriam


difundidas mais graças aos contatos entre colegas que em conseqüência de
prescrições institucionais (CHARTIER, 1998, p.70).

Segundo Chartier (2000), as mudanças nas práticas de ensino podem


ocorrer nas definições dos conteúdos a serem ensinados, quando constituiriam as
mudanças de natureza didática, ou dizem respeito a mudanças relacionadas à
organização do trabalho pedagógico (material pedagógico, avaliação, organização
dos alunos na classe, etc.) que se caracterizariam como mudanças pedagógicas.

Considerando uma proposta que tem suscitado mudanças nas formas de


conceber o ensino e a aprendizagem, interessamo-nos em analisar práticas de
ensino de língua portuguesa considerando a existência (ou não) de uma progressão
das atividades propostas, as mudanças “didáticas” e “pedagógicas”, assim como o
tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens no 1º ciclo. Estariam as
professoras desenvolvendo práticas ancoradas na proposta oficial da rede municipal
de Recife ou fabricando táticas que melhor atendam às demandas de seu cotidiano?
Haveria clareza quanto às atividades de língua sugeridas à cada etapa do ciclo?
Quais seriam as escolhas “didáticas” e “pedagógicas” que estariam norteando as
práticas nessa lógica do ensino por ciclos?

Cremos que, a partir dos elementos destacados nas teorias abordadas,


encontramos pontos que se entrecruzam no que se refere à temática apontada na
introdução desse trabalho, o que nos permitirá apreender melhor a dinâmica de
operacionalização do ensino no “ciclo da alfabetização”.13 A partir dessa
reorganização do ensino, novas formas de conceber o “saber” e o “fazer” ganham
espaço, requerendo dos atores escolares contínuos (re)ajustes dos saberes da
ação.

Nesse contexto, imprescindivelmente, os sujeitos passariam por um


processo de apropriação das “estratégias”, requerendo dos mesmos a fabricação de
“táticas” de sobrevivência em seu cotidiano.

Conforme observamos na seção que tratou da teoria da Transposição


Didática, alguns materiais seriam concebidos como textos do saber orientadores do

13
Nomenclatura corrente na proposta da Rede Municipal de Ensino de Recife para designar esse
tempo que o aprendiz teria para consolidar a leitura e a escrita.
43

trabalho docente. Na cadeia da transposição, tratam-se das produções voltadas ao


saber a ensinar. No conjunto desses impressos, chamamos a atenção para o livro
didático, material que persiste, ao longo do tempo, em ocupar espaço nas práticas
pedagógicas. Entretanto, novas configurações têm ocorrido mudando, também, seus
usos na sala de aula e as apropriações realizadas pelos docentes. Enfocaremos
brevemente esse assunto, a seguir.

2.1.3 Livros didáticos de alfabetização: um enfoque dado à transposição desse


material no âmbito da sala de aula

O processo que parece permear as concepções e usos do livro didático de


alfabetização adotado pelos professores é de natureza complexa. Conforme
apontam Morais e Albuquerque (2005), as respostas dadas acerca do uso desse
material, por parte daqueles profissionais, são marcadas por uma visível
heterogeneidade. As respostas alcançam tanto o não uso, quanto a utilização do
livro como apoio, pautando a prática em outros materiais, o não uso de um livro
específico, mas de vários, e assim por diante (ALBUQUERQUE; COUTINHO, 2006).

De acordo com os autores supracitados (2006), essas diferentes


concepções dos docentes estariam ancoradas, por um lado, num discurso contrário
ao uso desse material na sala de aula, por outro, “às mudanças ocorridas nos livros
didáticos a partir da implantação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
pelo MEC” (MORAIS; ALBUQUERQUE, 2005, p. 147).

Sobretudo na década de 1980 assistimos a um marcado debate contrário ao


uso do livro didático por ser vinculado a um ensino tradicional, já que o mesmo
configuraria, em muitos aspectos, a prática docente. De que modo? A proposição
das atividades, a ordem dos conteúdos a serem ensinados, as formas de correção
dos exercícios, entre outros (MORAIS; ALBUQUERQUE, 2005), estariam
engessando e limitando a prática do professor quanto a outros caminhos possíveis
de serem adotados.

Os autores seguem destacando que esse material recebeu fortes críticas,


também, quanto aos erros conceituais apresentados, além de se “constituírem em
um campo da ideologia e das lutas simbólicas, revelando um ponto de vista parcial e
44

comprometido sobre a sociedade” (MORAIS; ALBUQUERQUE, 2005, p. 148;


ALBUQUERQUE; COUTINHO, 2006). As cartilhas, em particular, foram
extremamente criticadas por estarem ancoradas em métodos tradicionais de
alfabetização.

Embora reconhecendo os avanços oriundos da implantação do Programa


Nacional do Livro Didático (PNLD) pelo MEC, em 1995, os professores
permaneceram, de um modo geral, indicando críticas quanto a esse material por não
alcançar suas expectativas. Esses apontam que os livros didáticos que têm chegado
às escolas são de um nível muito elevado e, portanto, difíceis de serem explorados
(MORAIS; ALBUQUERQUE, 2005, p. 149).

Os professores admitem o avanço dos novos livros didáticos quanto ao


repertório textual, à diversidade de gêneros textuais, entretanto, revelam que esse
material não tem atendido “às necessidades apresentadas por seus alunos”
(MORAIS; ALBUQUERQUE, 2005, p. 158; SANTOS, 2004). Daí a justificativa pelos
diversos usos empregados por esses profissionais. Parecem existir diferentes
apropriações e adaptações do livro didático na sala de aula, conforme
especificidades impostas por esse cotidiano (FERREIRA, 2003).

Morais e Albuquerque (2005) por um lado, reconhecem as inovações


presentes nos novos livros didáticos de alfabetização, mas, por outro, declaram que
ainda há lacunas quanto à proposição de atividades focadas na apropriação do
sistema de notação alfabética (SANTOS, 2004). Por essa razão, reiteram os
autores, é importante manter-se vigilantes quanto à articulação entre os diversos
eixos de ensino de língua, mas, priorizando o ensino sistemático da escrita
alfabética na alfabetização, etapa de consolidação desse conhecimento.

No intento de clarificar suas posições quanto ao uso desse material, os


autores acima referidos concluem destacando que os professores “não devem usar
o livro como o único material de apoio para a organização do trabalho pedagógico”.
Entretanto, continuam, “com as mudanças que vem sofrendo, é um bom material
sobre o qual podemos construir e criar as atividades de alfabetização” (MORAIS;
ALBUQUERQUE, 2005, p. 166).

Em continuidade a esse debate, explicitaremos pressupostos defendidos na


escolarização por ciclos em dois contextos distintos: Brasil e França, no intento de
45

articularmos melhor a discussão. Além disso, alguns desdobramentos desse modelo


de organização do ensino ganharão espaço nesse bloco teórico, a exemplo do
tratamento da heterogeneidade das aprendizagens e do erro do aprendiz.

2.2 Organização dos sistemas de ensino brasileiro e francês em tempos de


“ciclo”: o que apontam alguns documentos oficiais e a literatura na área?

Objetivando desencadear uma discussão das principais características e


implicações das formas de organização dos sistemas escolares no Brasil para o
processo de ensino e de aprendizagem, explicitaremos, a seguir, alguns
pressupostos do ensino por seriação, bem como daquele baseado em ciclos. A fim
de contrastar a realidade brasileira com a de outro país que também optou pela
implantação da proposta dos ciclos, explicitaremos, também, aspectos que
marcaram, oficialmente, a implantação dos “ciclos pedagógicos” no contexto do
sistema de ensino francês.14

2.2.1 A organização do ensino por série x ciclos no Brasil: características e


dilemas de um processo transitório

A partir de experiências diferenciadas de organização do ensino no Brasil,


observamos, a partir do final do século XIX, indícios de uma nova forma de proceder
da escola. Conforme observa Faria Filho e Vidal (2000), houve, nesse período, a
criação de prédios direcionados ao funcionamento dessa instituição. Passou a ser
instalado, gradativamente, um ensino homogêneo, padronizado, que coincide com o
modelo de ensino por seriação (MAINARDES, 2007a). A partir dessa nova forma de
organização, mudanças nos encaminhamentos didáticos e na seqüenciação dos

14
Nos ciclos de aprendizagem, os anos são divididos em ciclos plurianuais (de dois anos, três anos
ou mais). Há ênfase ao atendimento da heterogeneidade, da progressão das aprendizagens e uma
maior flexibilidade quanto ao atendimento dos alunos (MAINARDES, 2009b, p.58-59). Nesse modelo,
o objetivo de aprendizagem torna-se aspecto central (cf. ALAVARSE, 2009, p. 42-43). Propondo-se
uma ruptura com o sistema seriado, os ciclos de formação estão ancorados nos ciclos do
desenvolvimento humano: infância (6 a 8 anos de idade), pré-adolescência (9 a 11 anos) e
adolescência (12 a 14 anos). A promoção deveria ocorrer de acordo com os grupos de idade
(MAINARDES, 2009b, p. 62; ALAVARSE, 2009, p. 43; KRUG, 2009, p. 54-55).
46

conteúdos, a concepção de tempos e ritmos passaram a ser notórias (FARIA FILHO;


VIDAL, 2000).

De acordo com Souza Júnior (2007), a organização curricular por série foi
implementada a partir da reforma de João Luiz Alves, estabelecida pelo decreto nº.
16782 – A em 1925 e consolidada em 1931, com a reforma de Francisco Campo
pelo decreto nº. 19890. Outra mudança destacada por Faria Filho e Vidal (2000) se
deu nos anos 1920, com os escolanovistas modificando os espaços escolares, os
ideais pedagógicos, dentre outros aspectos. Com isso, as décadas de 1950 e 1960
foram marcadas por significativas mudanças de concepção dos espaços escolares
e, claro, o lugar que essa instituição passou a ocupar no contexto social brasileiro.

Com base na repercussão desse modelo de escola oferecida às massas,


destacamos, no caso particular da história educacional brasileira, que
acompanhamos a permanência de elevados índices de reprovação e evasão
escolares. A partir desse quadro, reiteramos que a escola parece não ter sido, ao
longo do tempo, uma instância a serviço da inclusão escolar e social de todos os
que nela estão envolvidos. Acoplado a isso, o processo avaliativo desempenhado
naquela instituição indica o quanto se deu espaço para a legitimação do fracasso
escolar. Corroborando com esse princípio, Fernandes (2003) enfatiza que, apesar
de termos 95% da população em idade escolar no sistema público de ensino
fundamental, ainda temos, nesse contexto, uma escola que continua não cumprindo
com sua função social, inclusive no que tange à formação intelectual de seus alunos.

Pensando nessa escola, nos remetemos a alguns dados presentes na


organização do ensino por série, o qual ainda tem predominado em nossos sistemas
de ensino. Krug (2002, p. 52) traz o dado do site do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais de 1998 (INEP), de que 11,1% dos alunos eram excluídos
do sistema escolar, anualmente. Infelizmente, segundo a autora, esses educandos
não chegariam a concluir o ensino fundamental e tampouco aprenderiam a ler. Não
podemos deixar de destacar dados mais atuais do índice de retenção na 1ª série,
fornecidos pelo mesmo site, de que a reprovação chegava a 31,6% na 1ª série e
20,2% na 2ª série, em 2001.15 Segundo o censo escolar fornecido pelo INEP, de
cada 10 alunos do ensino fundamental, dois repetiram a série cursada entre 2001 e

15
Fonte: MEC/Inep.
47

2002. No período anterior a esses anos, a taxa de reprovação era de 21,7%. Ainda
no que se refere às taxas de reprovação e abandono fornecidas por esse Instituto,
nos anos 2004 e 2005, encontramos, em nível nacional, 21,3% e 20,5%,
respectivamente. Esse índice é revelador do quanto ainda se precisa avançar,
sobretudo nas regiões norte e nordeste do país.

Embora os dados explicitados denunciem a urgência em tomar medidas que


revertam o quadro de reprovação escolar, é oportuno explicitar que, em contexto
mais recente, cujas proposições e reorganizações do ensino vêm sendo notórias em
âmbito nacional, o cenário vem mudando. Desse modo, observamos, a partir de
dados fornecidos pelo INEP, através do IDEB,16 quanto à escala de aprovação nos
anos iniciais do ensino fundamental, nos períodos de 2005/2009, um aumento
significativo nas taxas de aprovação, conferindo 81,6% em 2005; 85,8% em 2007 e
88,5% em 2009.17

Retomando o debate que precedeu esse contexto mais recente de avanço


nos dados de promoção escolar, sublinhamos que os altos índices de reprovação
impulsionaram algumas medidas que objetivaram, pelo menos do ponto de vista
oficial, a superação gradativa do quadro de fracasso escolar. Uma dessas medidas
foi a promoção automática, a qual foi e ainda é amplamente criticada quanto à sua
eficácia no ensino e na aprendizagem, mas que merece profunda atenção por todos
os que estão envolvidos no processo educativo, já que, oficialmente, se apresenta
como uma proposta de superação do fracasso escolar, principalmente com a
eliminação da reprovação nas séries iniciais.

Mainardes (2001, p. 39) destaca como se deu o processo de implantação da


promoção automática no Brasil. Segundo o autor, foi na década de 1950 que se
iniciaram as primeiras discussões sobre sua viabilidade. Em seguida, no período de
1968 a 1984, ocorreram as primeiras experiências de implantação nos estados de
São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro. De 1984 a 1990 houve uma revisão e
mudanças dessa proposta, combinando-a com as primeiras experiências de
organização da escolaridade em ciclos (Ciclo Básico de Alfabetização em São
Paulo, 1984; Minas Gerais, 1985; Recife, 1986; Paraná e Goiás, 1988). A partir dos
anos 90, a idéia da escolaridade em ciclos foi incorporada aos ideários pedagógicos

16
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
17
Fonte: MEC/Inep.
48

e reafirmada na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN


9394/96), que instituiu a possibilidade do desdobramento do ensino fundamental em
ciclos e o regime de progressão continuada.

Reportando-nos à promoção automática, destacamos que essa proposta


desperta algumas preocupações por parte dos estudiosos do tema. Segundo Poli
(1998, citado por MAINARDES, 2001), há uma diferença nítida entre a promoção
automática e a progressão continuada, já que,

a progressão continuada prevê três quesitos: não-prejuízo da


avaliação do processo de ensino-aprendizagem; obrigatoriedade dos
estudos de recuperação para alunos de baixo rendimento e
possibilidade de retenção, por um ano, no final do ciclo. Se retirarmos
esses três itens da progressão continuada, teremos a promoção
automática (p. 36).

A partir de contribuições mais recentes, Mainardes (2007a) enfatiza que a


progressão continuada se enquadraria em uma perspectiva mais conservadora, pelo
fato de ter como base a existência de séries, por enfatizar a racionalização do fluxo
escolar, não apresentar um discurso comprometido com a transformação social e
escolar e promover mudanças superficiais no currículo, na avaliação e na escola,
contrariando, conforme o autor, os princípios que norteiam a proposta dos ciclos
(MAINARDES, 2009, p.66).

No rol dessas propostas, faz-se necessário citar, ainda, a progressão


parcial, cujo objetivo é promover o aluno para a série ou nível seguinte, e garantir,
nesse mesmo ano, os conteúdos ou competências não construídos previamente,
numa sala de aula à parte. Tal possibilidade encontra respaldo na LDBEN 9394/96,
no artigo 24, inciso III, que destaca que os sistemas de ensino que empregam a
progressão regular por série podem adotar tal medida, desde que não comprometa a
operacionalização e o cumprimento do currículo vigente.

Conforme observamos, a concepção de ciclos integra uma série de


desdobramentos que culminam em várias propostas as quais, embora sejam
dotadas de determinadas especificidades, comungam de uma concepção de
organização do ensino que assegure a continuidade das aprendizagens, a
49

flexibilização do currículo, a ampliação do tempo de aprendizagem, entre outros


aspectos.

No concernente à proposta dos ciclos, Lüdke (2001) nos alerta para o fato
de que ela traz à tona a necessidade de se levar em conta a evolução natural do
aluno no que se refere à aprendizagem, objetivando seu sucesso na escola e que a
divisão arbitrária em séries constitui-se num esforço para “racionalizar a organização
escolar”. A autora assinala, ainda, que

não se pode suprimir as séries e suspender a avaliação dos alunos,


como às vezes tem sido interpretada a promoção automática,
passando o aluno das mãos de um professor para as de outro, sem
verificar como ele se encontra em relação aos domínios esperados
para aquele período. (p. 30).

Isto quer dizer que a flexibilidade curricular não pode ser confundida com a
ausência de seqüências didáticas claras, conteúdos estabelecidos em cada área de
conhecimento e uma avaliação da aprendizagem pautada em critérios (LEAL, 2003).

Para isso, é necessário colocar a todos os agentes escolares o desafio de


desmistificar o pressuposto de que trabalhar com os ciclos de aprendizagem
implicaria ‘abandonar o aluno a seu ritmo’. Significaria, sim, promover um ensino
adaptado à diversidade dos educandos (LÜDKE, 2001). Essa adequação não
implica a perda de objetivos. É necessário e coerente articular o ensino às diferentes
demandas de aprendizagem, entretanto, assegurar as aprendizagens esperadas
para cada etapa da escolarização (OLIVEIRA, 2010).

Assumindo que não existem turmas homogêneas, Alavarse (2009) enfatiza


a urgência em, ao considerar a proposta dos ciclos, superar, entre outras, as
características da simultaneidade e uniformidade, presentes no sistema seriado de
ensino. Nesse processo, o autor não enseja defender a exclusividade do ensino
individualizado, mas a preocupação com cada aluno.

Ao nos remetermos aos Ciclos Básicos de Alfabetização (CBA),


assinalamos que seu objetivo era, de acordo com Barreto (1999, p. 37), o de
“diminuir a distância entre o desempenho dos alunos das diferentes camadas da
população, assegurando a todos o direito à escolaridade”. A atenção estava voltada
50

à flexibilidade curricular, não mais na díade retenção versus promoção escolar. Com
isso, passou-se a priorizar a revisão dos conteúdos, o atendimento à
heterogeneidade dos alunos, além dos critérios de avaliação.

Em nossa concepção, esse princípio da proposta dos ciclos corrobora com


o alcance de todos os alunos, porém, coloca ao menos um desafio aos sistemas de
ensino: ajustar o ensino às diferentes demandas de aprendizagem, assegurando as
aprendizagens esperadas para cada etapa da escolaridade.

Trazendo dados importantes acerca dos doze anos de implantação do CBA


na rede estadual Paulista que durou de 1983 a 1995, Duran (2002, p. 1) destaca que
a proposta “conseguiu ultrapassar uma barreira jamais transposta pela
administração pública paulista: a de permanecer no tempo, consolidando um ganho
de 13% nos índices de promoção em relação ao regime seriado”. A autora destaca
que a proposta objetivava,

enfrentar, a partir dos primeiros anos de escolaridade, a questão da


alfabetização e da democratização da escola, uma escola em que
aproximadamente 40% das crianças não ultrapassavam a barreira da
primeira série, e em que grande parte dos sobreviventes conservava
as dificuldades no uso da língua escrita ao longo das séries seguintes
(DURAN, 2002, p. 3).

Algumas medidas estruturadoras foram consideradas com a implantação da


proposta em São Paulo: além de eliminar a reprovação na 1ª série, o intuito foi
oferecer apoio suplementar de duas horas aos alunos; realizar reuniões com os
professores, encontros de aperfeiçoamento e atualização docentes e recompensar
os professores que fizessem a opção por trabalhar com o ciclo básico. Apesar disso,
alguns problemas dificultaram a implantação da proposta na íntegra: a inexistência
de espaço físico nas escolas, a ausência de um coordenador pedagógico para
orientar os trabalhos, a alta rotatividade do corpo docente, a necessidade de reduzir
o contingente de alunos por classe e a resistência em rever-se os critérios de
remanejamento de alunos, cujo índice era muito alto, em função da tentativa de
homogeneização das turmas (esse ponto era considerado correto no início da
proposta). Registre-se, ainda, a indefinição de parâmetros claros para a avaliação
dos alunos que concluíram o CBA em 1985 (DURAN, 2002, p. 5).
51

A “resistência” por parte dos agentes educativos, nos reportando ainda à


proposta de São Paulo, não poderia deixar de entrar em cena, já que se tratava de
uma proposta que teve um impacto considerável na base da organização do ensino
historicamente pautado em modelos como o seriado. Esse modelo de ensino
considerava as produções infantis como tentativas lógicas de se apropriar do
sistema de notação alfabética (SNA) e instituía a necessidade de valorizar a
heterogeneidade na sala de aula. Portanto, além das variáveis político-
administrativas, temos que encarar toda a teia que complexifica as relações
escolares, aí inseridos os sujeitos envolvidos: o professor e os alunos e a articulação
desses com os objetos do saber presentes no ato do processo de ensino e de
aprendizagem.

Merece destaque, ainda, a proposta do CBA na rede pública municipal de


Recife, implantada no período de 1986 a 1988 (PCR/SEC, 1986). Em nosso
contexto, a descontinuidade política foi fator preponderante para a sua ruptura. Esse
fenômeno integra os demais ressaltados por Mainardes (2009a) quanto à
manutenção ou mudanças do modelo de ensino vigente. Segundo ele, “as
concepções de Estado e de política educacional que orientam os mandatos, a
arquitetura político-partidária, a infraestrutura e os recursos financeiros disponíveis e
as políticas educacionais já implementadas na rede” comporiam alguns dos
aspectos responsáveis por alterações e/ou substituições dos modelos de
organização do ensino nas redes públicas.

Em consonância com os princípios da proposição de São Paulo, a proposta


de Recife visava a promover o sucesso escolar das crianças que fracassavam, uma
vez que o quadro de fracasso aqui também era alarmante, sobretudo na 1ª série.
Algumas mudanças, nesse período, foram notórias: um maior investimento na
formação dos professores, já que houve uma ampliação das horas de trabalho
semanal do professor com tempo destinado a essa finalidade, a adequação das
salas, a fim de melhorar o trabalho dos professores alfabetizadores; um intenso
trabalho de formação continuada, além de outros aspectos (COELHO, 2008;
NASCIMENTO, 1995).

É oportuno sublinhar que a proposta dos ciclos, no formato atual, foi


estendida a todo o ensino fundamental. Em conformidade com esse princípio, a
Prefeitura Municipal de Recife (re)implantou os ciclos de aprendizagem na gestão
52

iniciada em 2001. Pautados no artigo 32 da LDB, cujo pressuposto básico é a


formação cidadã, e assumindo como proposta a melhoraria da qualidade do ensino
e do tempo do aluno na escola (RECIFE, 2001), a Prefeitura de Recife, como já
mencionado, optou também pelo acesso à escola aos seis anos.

Conforme Fernandes (2009, p. 85) a proposta dos ciclos “pressupõe a


ruptura com a idéia de uma programação ou planejamento de atividades curriculares
anuais, sob a qual todos os estudantes deveriam ‘dar conta’ ao final de um único
ano letivo de forma mais ou menos homogênea”. Com isso, prossegue a autora,
ocorreria uma ampliação do tempo escolar, podendo ser pensado de formas
distintas. Entretanto, Mainardes (2007b, p. 117) aponta que “a mera expansão do
tempo não significa a solução do problema da aprendizagem dos alunos e elevação
da qualidade da escola”. Segue o autor enfatizando que a implantação dessa
proposta precisa ser conjugada com uma mudança, revisão nas “concepções de
conteúdos, metodologias e gestão da escola” (MAINARDES, 2007b, p. 117).

Sobre esse assunto, Alavarse (2009) chama a atenção para o fato de que,
em algumas redes públicas, a implantação dos ciclos foi marcada muito mais pelo
caráter de redução da reprovação, optando-se pela progressão continuada instituída
entre algumas séries, sob a nomenclatura dos ciclos, porém, mantendo a
possibilidade de retenção ao término de cada ciclo. Entretanto, houve algumas
iniciativas que produziram, conforme sugere Mainardes (2007b), mudanças no
currículo, no ensino, na avaliação, nos ajustes entre os tempos escolares
(ALAVARSE, 2009, p. 35).

Segundo documento produzido em 2001 (PCR, 2001), a rede municipal de


ensino de Recife fez a escolha pela substituição do ensino fundamental em séries
por sua estruturação em quatro ciclos, o primeiro com duração de três anos e os
subseqüentes com dois anos. Dessa forma, além de ampliar para nove anos de
duração o ensino fundamental, aquela rede, diante do desafio a que todos os
sistemas públicos de ensino estão submetidos, pretendia enfrentar o quadro
alarmante que estava instalado na educação escolar: a repetência. Com isso, a
concepção oficial de alfabetização mudou, visto que o tempo de aprendizagem do
aluno foi ampliado. O 1º ciclo, com duração de três anos, passou a ter a finalidade
de garantir, sobretudo, a alfabetização do aprendiz.
53

Estão oficialmente presentes, na proposta ora vigente, alguns princípios: o


de igualdade, o qual teria como objetivo o acesso por todos ao conhecimento
científico, cultural e socialmente construído pela humanidade; o princípio do
reconhecimento das diferenças, que defende a busca de diferentes alternativas que
atendam a essa construção do conhecimento, reconhecendo que o ser humano é
complexo; o princípio da inclusão, que por meio de estratégias de ensino objetivaria
promover a todos o acesso ao conhecimento com intervenções apropriadas; o
princípio da integralidade, o qual romperia com a fragmentação do conhecimento,
presente no sistema seriado, e admitiria que o processo de construção do
conhecimento é marcado por contínuos conflitos e o princípio da autonomia, cujo
objetivo seria capacitar o sujeito para a tomada de decisão, de acordo com seus
interesses e necessidades (PCR, 2001, p. 31-32).

Analisando alguns aspectos da experiência dos ciclos de formação na rede


municipal de Porto Alegre, Krug (2002) enfatiza que esta seria dotada de uma
estrutura específica. Segundo a autora, a rede contava com laboratórios de
aprendizagem, professores itinerantes, salas de integração e recursos, assessoria
pedagógica, entre outras medidas.

É interessante salientar que a dinâmica de passagem de um ano do ciclo


para o outro, naquela rede municipal, se dava da seguinte forma: se a criança
apresentasse algumas dificuldades, teria apoio que variava em três níveis: o de
atendimento simples, o de apoio didático e o especializado, conforme o grau de
dificuldade do aprendiz. O objetivo não era aprovar todos, mas viabilizar a
aprendizagem em massa. Não foi objetivo da autora analisar as implicações dessa
proposta na/para o ensino e a aprendizagem dos alunos. Portanto, situamos alguns
aspectos, somente, no plano oficial. Por essa razão, enfatizamos que a
apresentação do que ocorria oficialmente não assegura, a nosso ver, a real prática
de operacionalização da proposta, bem como o alcance real dos resultados obtidos.

Reportando-nos a outra experiência de ciclos de formação, lembramos da


Escola Plural na rede municipal de Belo Horizonte. A partir desse modelo,
Fernandes (2009, p. 90) assinala que a mesma impõe “mudanças em quatro eixos
54

articulados: organização dos tempos escolares, conteúdos, processos e avaliação e,


por fim, escola, experiência de produção coletiva”.18

De acordo com Dalben (2009), a concepção pedagógica defendida pela


Escola Plural reitera o aspecto positivo das diferenças entre os aprendizes. A partir
da heterogeneidade, segundo a autora, é possível pensar em novas formas de
conduzir os processos educativos.

Como já ressaltado, Mainardes (2007b) pontua que foi a partir da década de


1980 que houve uma contribuição mais significativa da literatura acerca da
organização dos sistemas de ensino por ciclos. A discussão dessa proposta, tendo
como base seus desdobramentos, foi sendo ampliada, repercutindo, diretamente,
nos estudos realizados no Brasil. Conforme o autor, na esteira das pesquisas
desenvolvidas, merece destaque quanto a sua abrangência, a coordenada por
Sousa e Barreto (2004). Esse estudo, acentua Mainardes, oferece uma análise
muito consistente dos ciclos e da progressão continuada no Brasil (MAINARDES,
2007b, p. 118). A presente pesquisa conclui que “o conceito de ciclos está em ‘vias
de construção’, sendo importante buscar entender os ciclos em razão de seus
determinantes histórico-sociais e educacionais e atentar para os renovados desafios
que eles colocam para uma escola que se quer democrática” (MAINARDES, 2007b,
p. 118).

Concordando com as autoras supracitadas, acrescentamos a relevância de


analisar a proposta dos ciclos em articulação com as formas de operacionalização
do ensino, a fim de apreender as implicações desse modelo nas práticas
pedagógicas. Por essa razão, nos propusemos a analisar o modo como as práticas
vinham se organizando, ante o objetivo de dar conta das diferentes demandas de
aprendizagem.

Com o objetivo de apreender especificidades da proposta dos ciclos em


outro contexto, continuaremos esse debate apontando algumas das características
do modelo implantado na França, articulando o mesmo com algumas experiências
brasileiras.

18
Para uma análise mais aprofundada dessa proposta, ver DALBEN, A. I. L. F. A prática pedagógica
e os ciclos de formação na escola plural. In: DALBEN, A. I. L. F. (org.) Singular ou plural? Eis a
questão! Belo Horizonte: GAME, FaE, UFMG, 2000; DALBEN, A. I. L. F. Os ciclos de formação como
alternativa para a inclusão escolar. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, v. 14, n.40, jan./abr.
2009.
55

2.2.2 Proposições oficiais do ensino por ciclos no contexto francês:


semelhanças e diferenças com a realidade brasileira

Priorizaremos, nessa seção, a discussão das especificidades que marcaram


a configuração da proposta dos ciclos na França, no âmbito oficial, assim como a
articulação com alguns dos aspectos desse modelo de organização do ensino no
contexto brasileiro.

Em se tratando do ensino por ciclos na França, explicitaremos algumas das


características dos ciclos da escola,19 foco de nosso interesse. Conforme documento
produzido pelo Ministério da Educação Nacional, da Juventude e dos Esportes
(MENJE, 1991), os ciclos da escola compreendem três etapas. O primeiro, o ciclo
das aprendizagens primeiras, estende-se a aprendizes de dois a seis anos de idade.
Esse ciclo consegue alcançar toda a escola maternal. De acordo com aquele
documento, trata-se de um período marcado por momentos riquíssimos, pela
variedade de descobertas e experiências. É oportuno, assim, a observação
específica por parte dos mestres quanto aos ritmos individuais, às dificuldades
encontradas e a necessidade de ajustar os encaminhamentos e intervenções
didáticas às necessidades de cada educando (MENJE, 1991, p.26). Chartier (1998)
acrescenta, ainda, que esse ciclo é marcado pela ênfase na linguagem oral e
iniciação à escrita.

O segundo ciclo é intitulado ciclo das aprendizagens fundamentais, o qual


se inicia na “grande seção” da escola maternal20 e se completa nos dois primeiros
anos da escola elementar. O objetivo é assegurar as aprendizagens fundamentais e
instrumentais. Essas aprendizagens fundamentais levam a privilegiar leitura,
produção escrita e cálculo, mas as competências dentro desses domínios são
igualmente adquiridas na ocasião de atividades relevantes de outros campos
disciplinares, definidos pelas instruções oficiais. Nesse processo de construção do
conhecimento, o educando será direcionado a uma mobilização das competências
instrumentais (MENJE, 1991, p. 27).
19
A organização da escolaridade na França compreende: a escola, o colégio, o liceu e, por fim, o
ensino superior. In METTOUDI, Chantal & YAÏCHE, Alain. Travailler par cycles en français.
Hachette Éducation, 2003.
20
A Educação Maternal na França compreende a “petite, moyenne e grande section” (pequena,
média e grande seção). A “grande section” corresponde ao ano que precede o ensino formal e
sistemático da escrita alfabética.
56

É importante sublinhar que, nesse segundo ciclo, o desafio posto aos


professores de maneira mais incisiva é a articulação entre as competências
construídas no ciclo das aprendizagens primeiras, ou seja, torna-se crucial priorizar
as competências coerentes com esse estágio e com o nível de desenvolvimento dos
alunos. Destaca-se, em todos os ciclos, essa preocupação com a articulação entre
as aprendizagens construídas no interior e entre eles.

Encerrando os ciclos da escola, verificamos o ciclo dos aprofundamentos, o


qual abrange os três últimos anos da escola elementar. Nesse ciclo, o enfoque é o
reforço e a consolidação das aprendizagens do ciclo precedente, bem como a
ampliação das noções abordadas, uma preocupação e rigor maior dentro do domínio
dos métodos de trabalho e de investigação (MENJE, 1991, p.27). O que interessa,
reitera Chartier (1998, p. 9), é a consolidação de outras aprendizagens ancoradas
nas práticas de leitura e escrita. Entretanto, os educandos prosseguem no
aprendizado da língua francesa (gramática, leitura e produção escrita).

Esses ciclos estão em conformidade com o decreto nº 90-788 de 6 de


setembro de 1990, que impõe, como vimos, novas modalidades de organização e
funcionamento das escolas maternais e elementares (MENJE, 1991, p.11). Essa
nova política caracterizava-se por alguns princípios, dentre eles, o de permitir a
todos um nível de formação reconhecido e de conduzir quatro alunos sob cinco ao
nível do ‘baccalauréat’.21 Nesse caso, um dos papéis da escola primária seria o de
oferecer as condições de uma escolaridade secundária exitosa para todos. A nova
política se propunha, como estipula a lei de orientação dentro de seu artigo primeiro,
a organizar o serviço público de educação em função dos alunos e promover, assim,
como dispõe o artigo 4º, um “ensino adaptado a sua diversidade”. Esta nova política
primava, ainda, por “uma continuidade educativa no curso de cada ciclo e ao longo
da escolaridade” (MENJE, 1991, p. 11-12).

Essa proposta levava em conta, desse modo, a heterogeneidade das


aprendizagens. Considerava a flexibilidade das aprendizagens e da organização do
trabalho do professor, já que a continuidade da construção e da aquisição dos
saberes pela criança seria uma das garantias do sucesso escolar. Nesse caso, a

21
Certificado oficial de conclusão dos estudos secundários. Trata-se de um exame a que alunos do
último ano do ensino secundário submetem-se. Sua obtenção dá acesso à universidade e certas
escolas superiores.
57

concepção de ciclo estava ancorada numa noção de ‘pedagogia funcional’,


estreitamente ligada à evolução das aprendizagens de cada criança e à avaliação de
suas aquisições.

Compreendemos, a partir dessa política de organização e gestão


educacional, que o ensino organizado por ciclos rompeu com a divisão e a
fragmentação dos percursos escolares. No interior de sua operacionalização,
priorizavam-se as trocas entre os pares de um mesmo ciclo, bem como a
importância atribuída à articulação entre as aprendizagens, de modo a assegurar
uma continuidade das mesmas. Esse último aspecto extrapolava o ano-ciclo a que
pertencia a criança, ou seja, “quando ela estivesse pronta”, seria preciso avançar
nas atividades características do ciclo seguinte, sem mudança de classe.

Uma preocupação evidente nesse modelo de ensino foi com os


complementos de aprendizagem. Nesse processo, era preciso assegurar
intervenções adotadas pelo professor, a fim de intervir sobre as aprendizagens ainda
não construídas, porém, esperadas para o ano-ciclo do educando (MENJE, 1991,
p. 13).

Aspectos relacionados aos modos de operacionalização do ensino na


proposta dos ciclos parecem não estar claros nas proposições brasileiras. Conforme
pontua Alavarse (2009), “a adoção dos ciclos não ensejou ainda um quadro
educacional que tenha produzido indicadores que sinalizem um salto qualitativo na
democratização do ensino fundamental” (ALAVARSE, 2007). Acrescentamos a isso,
a ausência de um currículo que aponte para a condução dos processos de ensino e
aprendizagem, considerando as diferentes etapas, bem como as áreas de
conhecimento.

Com o objetivo de exemplificarmos, enfatizamos, no caso da rede municipal


de ensino de Recife (RMER), tendo como referência o modelo vigente a partir de
2001, a não-clareza das competências a serem construídas em cada ano do ciclo, o
que parecia dificultar (e muito!) o trabalho do professor (OLIVEIRA, 2006; 2004).
Com isso, havia, em nossa compreensão, um comprometimento quanto às
intervenções didático-pedagógicas em cada área de conhecimento, com fins de
promover o avanço do aluno no interior e entre os ciclos.
58

Em se tratando dos complementos de aprendizagem, no contexto francês,


observamos, na ocasião do desenvolvimento da pesquisa, que a proposta dos ciclos
de aprendizagem da RMER contava com algumas alternativas que visavam prestar
apoio ao professor regente, no que dizia respeito à superação das dificuldades de
aprendizagem dos educandos: Projeto “Professor Alfabetizador” e o “MAIS”
(Movimento das Aprendizagens Interativas). Não entraremos nas especificidades de
cada um, mas é importante destacar que o projeto Professor Alfabetizador era
coordenado por um alfabetizador com comprovado êxito em anos anteriores, que se
ocupava de outras turmas no horário oposto ao de sua classe de origem.
Encontramos, portanto, nesse aspecto em particular, uma semelhança com a
proposta vivida no contexto francês: intervir no aprendizado das crianças com
dificuldades, em outro horário de aula. É uma pena que tal iniciativa tenha sido
abortada pela gestão da Prefeitura da Cidade de Recife/Secretaria Municipal de
Ensino de Recife (PCR/SMER) que assumiu a pasta a partir de janeiro de 2009.

Observamos uma estreita vinculação nos modos de compreender e intervir


sobre o erro do aprendiz, veiculados pelos documentos oficiais, nas duas realidades.
Conforme apontam os documentos, este era concebido como um elemento
importante no processo educativo, indicador das intervenções a serem realizadas. O
objetivo era o de assegurar o avanço do educando na construção das competências
esperadas para seu ano-ciclo (MENJE, 1991, p. 13; PCR, 2003, p. 153).

A precisão quanto ao que priorizar em cada ciclo, no contexto francês,


estava vinculada, entre outras coisas, ao controle da idade dos aprendizes. Esse
princípio se evidencia no decreto responsável pela organização e funcionamento das
escolas maternais e elementares francesas, o qual

precisa as condições de modificação da duração de um aluno no


ciclo, estipula que a escolaridade, no conjunto dos dois últimos ciclos
da escola primária, não pode ser prolongada por mais de um ano:
importa, em efeito, que todos os alunos entrem no colégio no mais
tardar aos doze anos, a fim de evitar uma dicotomia entre as classes
de idade, sobretudo no momento da adolescência, distância que
poria problemas muito difíceis a administrar (MENJE, 1991, p. 14).
59

No cenário da SMER, conforme proposta curricular em vigência no período


em que acompanhamos as práticas (PCR, 2001), não apreendemos uma
preocupação com o controle da idade vinculada às aprendizagens a serem
asseguradas em cada ciclo. Em se tratando do 1º ciclo, importava “alfabetizar” o
aprendiz, entretanto, ao nos reportarmos às turmas acompanhadas, tivemos a
oportunidade de verificar distorções quanto à idade e ano-ciclo, a exemplo de duas
turmas de terceiro ano.22 Apesar dessa realidade concreta, ouvimos declarações das
mestras que iam na contramão desse princípio, ou seja, alunos eram matriculados
no curso do ano letivo conforme sua idade e não ao nível de conhecimento esperado
para o ano-ciclo em que se matriculava.

É oportuno relevar que a organização em ciclos na França não foi


acompanhada de uma reforma de conteúdos de ensino. Os programas e instruções
para a escola elementar (1985) e maternal (1986) foram agregados a essa nova
organização funcional da escola primária em ciclos pedagógicos plurianuais
(MENJE, 1991, p. 23). Com isso, os professores continuavam se pautando nesses
documentos tanto na seleção dos conteúdos quanto na definição dos conhecimentos
necessários a serem construídos pelos aprendizes em cada ciclo. Objetivando
assegurar essa articulação, garantiu-se as especificidades de cada ciclo, bem como
as etapas do percurso e dos elementos do programa. Através da materialização
desse processo, foi possível contar com idéias e diretrizes que orientavam as
diversas e sucessivas atividades propostas às crianças, ao longo de todo o ciclo
(MENJE, 1991, p. 14).

Ao manter a proposta vigente, o ciclo, no contexto francês, segundo o


discurso ministerial teria tendido

a favorecer a articulação entre os elementos indispensáveis à boa


aplicação das aprendizagens e a ultrapassar os antagonismos
suscetíveis de aparecer entre o respeito da liberdade e da
responsabilidade pedagógicas dos professores e a necessária
continuidade dos métodos praticados, bem como o respeito dos
ritmos das crianças e o respeito às exigências de aprendizagem
definidas nos programas (MENJE, 1991, p. 14).

22
O 1º ciclo compreendia o primeiro, segundo e terceiro anos, equivalentes à alfabetização, 1ª e 2ª
séries no sistema seriado.
60

É apropriado sublinhar diferenças presentes em experiências dos ciclos em


algumas cidades brasileiras. Ao contrário da permanência do programa até então
vigente quanto aos conteúdos estabelecidos para cada ano-ciclo, no caso da
França, julgamos, no caso brasileiro, que as experiências pareciam sinalizar para
uma evidente opção política, negligenciando, notadamente, com a dimensão
pedagógica. Ocorreu, no cenário brasileiro, a formulação dos PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais) após a promulgação da LDBEN 9394/96, mas esse
documento não veio articulado a um modelo de organização do ensino por ciclos. No
contexto da Prefeitura Municipal de Recife (PMR), pós-decreto, fez-se um esboço de
proposta aligeirado e pouco preciso quanto às concepções teóricas defendidas,
assim como a articulação com os saberes priorizados em cada área de
conhecimento. Verificamos uma notada ausência de competências, saberes
específicos a cada ano-ciclo. Em nossa compreensão, havia um descompasso entre
o discurso do respeito à heterogeneidade, defendido no documento, e a proposição
de um ensino que priorizasse essa dimensão das diferentes demandas de
aprendizagem. Localizamos, em se tratando da proposta sugerida pela rede
municipal de ensino de Recife, competências ‘generalistas’ que pareciam ser pouco
eficazes na/para a organização do trabalho didático-pedagógico do professor. Na
área de língua, por exemplo, observamos competências como:

(...) ler textos convencionais ou não atribuindo-lhes sentido; usufruir e


compartilhar do prazer do ato de ler; produzir textos considerando as
características do sistema alfabético; produzir textos a partir de seus
desenhos (PCR, 2002, p. 13-14).

Nosso intuito, com essa sistematização, não foi elevar os aspectos


priorizados na proposta francesa, até porque esse não se constituiu no objetivo
dessa pesquisa, ou seja, realizar uma análise das concepções defendidas nos
documentos oficiais da proposição dos ciclos e as implicações nas práticas
pedagógicas. Do mesmo modo, não fizemos essa articulação no contexto de Recife,
dada a fragilidade da proposta vigente, na ocasião da pesquisa. Entretanto, foi
possível vislumbrar, a partir dos dois documentos, similaridades de cada contexto
em que os ciclos foram implantados.
61

Segundo documento sugerido no modelo francês, todas as organizações de


classes ou da escola seriam compatíveis com a aplicação dos ciclos pedagógicos,
visto que não se tratava de uma estrutura administrativa que substituiria a classe ou
a escola. Ocorre que, dentro dessa estrutura, formas distintas de organização
pedagógica poderiam ser introduzidas em função dos resultados de avaliação dos
alunos, assim como das condições locais. “Caberia aos mestres e às equipes do
ciclo e da escola conjugar todas as possibilidades de organização para colocar em
prática a pedagogia melhor adaptada ao êxito de cada aluno”.23 (MENJE, 1991, p.
15).

Ao nos reportarmos à realidade brasileira, através da literatura já existente,


observamos mais uma discussão política de reestruturação curricular, de inserção
de todos os aprendizes nos sistemas escolares, de consideração da
heterogeneidade, entre outros aspectos, no intento de romper com uma concepção
fragmentada e excludente presenciada em sistemas públicos de ensino, que mesmo
a sinalização de princípios que viabilizem a materialização de um currículo que
contemplasse essa nova perspectiva. Essa imprecisão, na nossa ótica, vinha
gerando mais discussões do que mesmo a sonhada potencialização dos ciclos
quanto a sua operacionalização.

De que modo o tempo passou a ser administrado a partir dessa nova forma
de organização da escola? A portaria de 1º de agosto de 1990 estabeleceu os
horários das escolas maternais e elementares. “O horário passou a ser organizado
por grupos de disciplinas, sem que se levasse de fato à supressão de algumas delas
ou a desproporções excessivas, já que as competências características dos ciclos e
os programas fixavam as exigências precisas” (MENJE, 1991, p. 17-18). Os
profissionais envolvidos na escola poderiam concordar quanto ao emprego do tempo
ao longo do ano escolar, dos períodos intermediários, respeitando o calendário e
ajustando o ensino às necessidades dos alunos.

17 Numa das possibilidades propostas, mantinha-se o mestre e um grupo-classe como referência


durante uma parte do tempo escolar, e, por outro lado, o aluno se beneficiava dos ensinos adaptados
a seu ritmo, em outro horário, com outro professor. Tal experiência ocorreu a partir de uma
observação realizada em uma escola parisiense (2008), numa turma de CP (“cours préparatoire”,
equivalente à alfabetização no sistema brasileiro). A mestra dava aula em sua turma de origem e, no
outro horário, auxiliava com um trabalho alternativo outra turma de CP. Essa dinâmica seria parecida
ao que se vinha praticando no Programa Professor Alfabetizador da PCR, conforme observamos em
2007.
62

Tal como explicitamos no modelo da França, observamos esse princípio


defendido nas propostas brasileiras. O que colocamos na pauta do debate, como
elemento que dificultaria o aproveitamento desse tempo, seria a indefinição, não-
clareza das competências no currículo. Com a ampliação do tempo escolar e de
aprendizagem no interior dos ciclos, pensa-se em como articulá-lo, de modo a
conjugá-lo com todas as expectativas de aprendizagem esperadas para cada ano.
Entendemos que parece haver um investimento desgastante da literatura brasileira
quanto ao dilema série x ciclo, perdendo-se de vista as relações com algo
extremamente importante na/para a prática docente: a articulação desses
pressupostos oficiais com o ensino dos objetos de saber na escola. O que priorizar,
no ensino de língua no 1º ano do 1º ciclo, por exemplo? De que modo é possível
assegurar a apropriação da leitura e da escrita nessa etapa da escolarização, dadas
as diferenças presentes na sala de aula? Julgamos que questões como estas
parecem negligenciadas pela literatura brasileira que prioriza a discussão dos ciclos,
embora precisem, urgentemente, serem enfrentadas.

Retomando a discussão das características dos ciclos pedagógicos no


contexto francês, orientava-se o professor a elaborar instrumentos de avaliação que
permitissem apreender as aquisições e lacunas de seus alunos (CHARTIER, 1998).
De acordo com o documento, essa iniciativa tinha que preceder o trabalho com os
conteúdos previstos. Conforme observamos, esse processo se mostrava possível
graças à interação estabelecida entre os pares da escola, assim como ao registro
das conquistas alcançadas pelo aprendiz. Através da descrição desse cenário de
operacionalização da proposta, compreendemos que o professor tinha um papel
crucial no interior das escolas no que se referia à concretização desse modelo de
ensino e de aprendizagem (MENJE, 1991).

Ao nos reportarmos à avaliação no contexto francês, destacamos que a


reprovação não era possível de ser realizada duas vezes durante o curso da escola
elementar (com raras exceções). Ao contrário dessa ser uma decisão individual,
como outrora ocorria, os professores passaram a se organizar coletivamente para
decidir acerca da retenção no fim do “cours préparatoire” ou no fim do “cours
élémentaire”. Essas mudanças quanto à opção (ou não) da retenção dos aprendizes
desencadearam alterações nas representações dos mestres acerca da reprovação.
Perguntas como: o que é que eu considero melhor para que o aluno realize os
63

progressos esperados na classe seguinte? Com qual professor consideraria melhor


que ele estudasse no próximo ano? Passaram a ocupar espaço na pauta de
debates.

Parece coerente afirmar que, se a retenção tivesse sido abolida, os


professores talvez não estivessem refletindo sobre o quadro desse aluno “em
fracasso”. Pontuamos, ainda, que os textos vêm contribuindo para mudanças nas
práticas e nas representações vinculadas às práticas antigas.24

É interessante registrar que o modelo de ensino por ciclos na França era


operacionalizado em todo o território, alcançando todas as escolas, diferentemente
da realidade brasileira, em que apenas alguns sistemas de ensino tinham aderido
aos ciclos. Em nossa compreensão, esse fator parecia indicar maior uniformidade na
consolidação e operacionalização da proposta, no caso francês.

Através da circular de 15 de fevereiro de 1990 foi possível conquistar, por


um lado, a construção “dos princípios, conteúdos e modalidades de elaboração do
projeto de escola, ancorados nos objetivos nacionais, e, por outro, permitiu associar
o conjunto dos membros da comunidade educativa aos objetivos da nova política”
(MENJE, 1991, p. 18).

Considerando o modelo francês, o que caracterizava o conselho dos


mestres do ciclo, a avaliação e a “caderneta”? De acordo com o documento do
Ministério da Educação, esse conselho foi criado com o objetivo de discutir e buscar
soluções para as questões internas à nova política de organização educacional, a
exemplo da progressão dos alunos, no interior do ciclo. Portanto, ele não substituía
o conselho dos mestres, já existente (MENJE, 1991, p. 19).

Objetivando auxiliar os professores em seu exercício, os instrumentos de


avaliação seriam, gradativamente, propostos. A intenção era articular estes com o
material já existente produzido pelo INRP25 e pela rede do CNDP26 (avaliação
nacional, avaliações de iniciativa local ou regional). Do mesmo modo, “a caderneta”,
“o diário” asseguraria a continuidade dos registros no interior e entre os ciclos,
garantiria o prosseguimento do serviço público, em se tratando de mudança de

24
Comunicação pessoal com Anne-Marie Chartier em 01.09.2010.
25
Institut National de Recherche Pédagogique (INRP).
26
Centre National de Documentation Pédagogique (CNDP)
64

escola, além de ser um privilegiado instrumento de comunicação aos pais (MENJE,


1991, p. 20).

Remetendo-nos à proposta dos ciclos de aprendizagem da Rede Municipal


de Ensino de Recife (RMER), a intenção era garantir esse registro das
aprendizagens construídas, bem como dos saberes a serem elaborados pelos
educandos, de modo a propiciar, também, uma maior articulação entre os anos de
um mesmo ciclo, assim como entre eles. O problema que mais uma vez realçamos
se refere à diferenciação de um contexto e outro. No exemplo da França, a mudança
do sistema anterior a essa nova polítiva não alterou, como verificamos, o currículo
existente, porém, no nosso caso, houve uma alteração curricular que não conseguiu,
ainda, materializar os pressupostos defendidos teoricamente, tais como:
continuidade das aprendizagens, articulação entre os anos-ciclo, tratamento da
heterogeneidade, entre outros.

Explicitando um pouco das competências elaboradas no texto da lei que


orientava essa nova política na França, apreendemos três tipos: as competências
transversais – situadas no plano das atitudes das crianças, na elaboração dos
conceitos fundamentais de espaço e tempo, além das aquisições metodológicas; as
competências de ordem disciplinar, que estariam centradas nos saberes e nos
métodos específicos a cada um dos grandes domínios, ou seja, das grandes áreas
enfocadas e as competências dentro do domínio da língua, as quais possuíam
especificidades que serviam de referência às outras aprendizagens. Eixos como
oralidade, a leitura, a utilização da escrita ou de produção escrita seriam trabalhados
permanentemente.

Importava, assim, definir as competências esperadas ao longo do ciclo,


destacando o que os professores poderiam realizar, prioritariamente. Essa clareza
viabilizava a apreensão dos saberes construídos pelos alunos, assegurando,
portanto, a construção das demais aprendizagens esperadas.

Como vimos, diferentemente da realidade brasileira, a proposta dos ciclos


pedagógicos na França não desencadeou mudanças no programa curricular até
então vigente. A flexibilidade existente quanto ao tempo, à operacionalização das
atividades, aos conteúdos a serem ensinados, precisavam ser analisados a partir de
uma relativa autonomia de todos aqueles responsáveis pelo trabalho na escola, em
particular, o corpo docente. Atrelada ao discurso da promoção do aluno, encontrava-
65

se a preocupação em assegurar todas as competências esperadas, de modo a


evitar uma dicotomia idade/ano-ciclo.

Ressaltamos que os dados aqui apontados na organização do modelo de


ensino por ciclos na França estavam centrados no âmbito das prescrições impostas
pelos órgãos responsáveis. Portanto, assinalamos que, apesar de terem sua
relevância, se limitam às prescrições estabelecidas, não revelando, portanto, o modo
como os sujeitos envolvidos vinham se apropriando da proposta então vigente, os
limites e as possibilidades que a mesma vinha impondo às práticas pedagógicas.

Na contramão dessa perspectiva, tivemos a oportunidade de acompanhar,


no caso do modelo de ensino por ciclos proposto pela rede municipal de ensino de
Recife, algumas práticas, objetivando apreender, na realidade concreta, a presença
(ou ausência) de progressão das atividades de língua no 1º ciclo, a partir de alguns
eixos, o tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens, entre outros
aspectos.

2.2.3 O tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens: rumo a uma


prática de cooperação na sala de aula?

Como já dito em seções anteriores, um dos desafios postos pela


escolarização ciclada é a inserção dos aprendizes nas situações de ensino,
intentando-se assegurar a aprendizagem de todos (MAINARDES, 2009a; 2009b;
2007a; 2007b; 2001; LÜDKE, 2001).

Na defesa desse princípio, caberia tecer, a essa altura de nosso debate,


alguns aspectos que permitiriam maior alcance daquele objetivo, recorrendo à
discussão da interação professor-aluno na sala de aula (COLL; SOLÉ, 1996). De
acordo com esses autores, anterior à década de 1950 essa análise não se constituiu
numa prioridade a ser perseguida nem pelos pesquisadores da área, nem tampouco
pelos sujeitos protagonistas do processo educativo. As pesquisas buscavam medir,
apenas, a eficácia do professor como instrumento valioso na/para o processo de
formação. O aluno, nesse contexto, não passava de um “ser inexistente”.
66

Como explicitado, Coll e Solé (1996) destacam as limitações desse modelo


que, por um lado, primava pelas relações causais entre determinadas características
do professor e os resultados alcançados pelos alunos. Nesse contexto, havia,
necessariamente, uma marcada omissão do que acontecia entre eles na interação
educativa (p. 282). Por outro lado, prosseguem os autores, se apostaria numa
estabilização dos traços presentes na ação docente e, mais, esses independiam do
contexto em que o exercício profissional se desenvolvia.

Passando por um período de utilização de métodos de ensino considerados


eficazes para avaliar a eficácia do trabalho docente e, mais uma vez, superando-se,
dadas as claras limitações, passou-se a revalorizar “a vida nas classes como objeto
de pesquisa” (COLL; SOLÉ, 1996, p. 283). Nesse modelo, o que estava na pauta de
prioridade era a elaboração de instrumentos eficazes de observação, visto que a
maneira de ensinar parecia se relacionar, de maneira significativa, aos resultados
obtidos pelos alunos.

O que tendia a se aproximar de uma análise mais cuidadosa dos processos


de interação entre os sujeitos e os objetos de conhecimento na sala de aula, impôs,
mais uma vez, algumas limitações, a exemplo da não garantia de clareza quanto ao
que se definia como resultados significativos no aprendizado dos alunos. Coll e Solé
(1996) defendem

que a interação educacional evoca situações nas quais os


protagonistas atuam simultânea e reciprocamente, em um contexto
determinado, em torno de uma tarefa ou um conteúdo de
aprendizagem, como fim de alcançar objetivos mais ou menos
definidos ( p. 285).

Ancorada nessa concepção, os autores trazem à tona a defesa de conferir


atenção não só para o processo de interação quanto para os diversos fatores
contextuais que convergiriam com essa perspectiva. Passou-se, a partir de então, a
valorizar a atividade construtiva do aluno, o papel atribuído ao professor e, mais, a
consideração da estrutura comunicativa do discurso educacional (COLL; SOLÉ,
1996, p. 287). Com isso, atribuiu-se maior relevância aos ajustes que o professor
precisava lançar mão no ensino prestado, a fim de minimizar as dificuldades dos
67

alunos. Esse é, em nossa compreensão, um pressuposto claramente defendido


numa escolarização por ciclos (MAINARDES, 2001; ALAVARSE, 2009).

Entendemos que para operacionalizar um ensino ajustado às


potencialidades dos educandos e, mais, objetivando a ampliação de seus esquemas
(GOIGOUX, 2003) é urgente, como já declarado nesse estudo, uma mudança
curricular que defina, clarifique as competências a serem ensinadas. Nesse
contexto, lembramos das contribuições que a teoria da Transposição Didática
(CHEVALLARD, 1991) põe em relevo, no sentido de tratar, especificamente, das
transformações por que passam os saberes. Nossa preocupação está centrada na
etapa do saber a ensinar da cadeia da transposição didática, dado que os
documentos elaborados precisam, impreterivelmente, explicitar com clareza as
competências a serem apreendidas pelos aprendizes.

Ao recuperarmos a discussão da heterogeneidade em articulação com a


proposta dos ciclos, destacamos que Cunha (2007) aponta para a complexidade que
envolve esse debate. Conforme a autora, as mudanças desencadeadas pelos ciclos
não implicou numa compreensão de como a prática pedagógica, na realidade, seria
orientada a partir de então. Esse dado se confirmou em seu estudo, na medida em
que apreendeu concepções teóricas positivas, enfatizadas pelas professoras,
porém, a declarada dificuldade de operacionalização, na prática (CUNHA, 2007,
p.126).

Todavia, os ciclos têm imposto mudanças nas práticas pedagógicas de


modo que, embora haja professores que não considerem essa proposta como uma
opção viável ao ensino, eles vêm se mostrando incomodados com as dificuldades de
aprendizagem demonstradas pelos educandos, por exemplo. Diante disso, formas
de agrupamento, intervenções diferenciadas vêm sendo aderidas pelas mestras. As
“sondagens”, a avaliação, parecem ganhar centralidade na esteira dessas
mudanças. Um dos perigos impostos pelo tratamento dos diferentes ritmos de
aprendizagem na sala de aula, em nossa compreensão, é a perda de finalidade das
atividades propostas e dos objetivos a serem alcançados em nome do respeito ao
aluno, aspecto observado pela autora.

O estudo desenvolvido por Cunha (2007) nos ajuda a entender, a partir do


contexto de São Paulo, como vinha sendo pensada e operacionalizada a proposta
dos ciclos no interior de turmas do 1º e 2º ciclos, todavia, em se tratando do
68

atendimento à heterogeneidade, não pudemos alcançar, saindo de uma dimensão


macro da prática docente, formas de proceder das professoras que revelassem,
especificamente, como vinham ajustando o ensino das diferentes áreas do
conhecimento à heterogeneidade das aprendizagens e, mais, às formas de
cooperação na sala de aula.

Reiterando a complexidade marcada pelo atendimento à heterogeneidade


das aprendizagens, observamos, no estudo desenvolvido por Cruz (2008), o
reconhecimento de avanços no ensino e no aprendizado dos alunos, tomando por
base eixos do ensino de língua, todavia, a autora enfatizou que, embora houvesse
um amplo entendimento de que era preciso respeitar o ritmo dos alunos, entraves
nas formas de atendimentos individuais, de modo a favorecer aprendizagens
diferenciadas, foram visíveis.

No intento de vincular o trato dado à heterogeneidade às formas de


cooperação presentes na sala de aula, os estudos desenvolvidos por Cunha (2007),
Cruz (2008) com perspectivas e enfoques distintos, apontaram para iniciativas de
articulação entre as diferentes atividades propostas e as formas de agrupamento.
Entretanto, cremos que em muito precisamos avançar, visto que, os resultados
alcançados, ao considerarmos as formas de agrupamento, parecem não revelar a
mesma materialidade apreendida em relação às atividades individuais e coletivas.
Esse dado foi evidenciado no estudo de Cruz (2008) ao indicar, por parte de uma
das mestras pesquisadas, a ausência de um tratamento diferenciado aos alunos, por
julgar que todos, necessariamente, tinham que avançar homogeneamente.

A favor de um ensino que priorize o atendimento à heterogeneidade,


Perrenoud (1995) aposta nas atividades promotoras de interações que desafiem os
educandos a construir novos conhecimentos. Essa alternativa, segundo o autor, é
alcançada por meio de uma prática que considere os percursos individuais de cada
aprendiz, sem confundir esse caminho com a elaboração de programas especiais
vinculados às necessidades educativas de cada aluno, por um lado, ou a adesão de
um ensino em que todos, sempre e ao mesmo tempo, estejam expostos às mesmas
atividades e conteúdos.

Compreendemos que o trato dado à heterogeneidade, às formas de


cooperação na sala de aula estão estreitamente vinculados aos princípios
defendidos numa escolarização por ciclos e, no rol desses, ganha centralidade o
69

modo como vem sendo tratado o erro do aluno (PINTO, 2002). Que formas de
intervenção são possíveis de serem adotadas ensejando a superação dos erros
pelos aprendizes? Quais as diferentes implicações que os modelos de intervenção
acarretam às aprendizagens construídas? É nesse aspecto que nos deteremos a
partir de então.

Remetendo-nos, brevemente, à análise da natureza do erro, sublinhamos


que Astolfi (2006) explicita três modelos distintos nas formas de conceber e de tratar
esse aspecto. O modelo transmissivo atribui, notoriamente, ao aprendiz a origem do
erro, logo, o próprio sujeito seria responsável por seu fracasso na escola. Por outro
lado, o modelo behaviorista culpabiliza a planificação, não o aluno, pelo erro
cometido. A solução seria reelaborar todo o programa, a fim de prevenir o erro. Por
fim, o modelo construtivista que, ao contrário dos demais, entende que a condição
do erro é postulada de sentido e, portanto, de avanço. Para o autor, a origem do erro
decorre da apropriação do conteúdo ensinado e a intervenção tem por objetivo criar
alternativas didáticas que promovam a construção do conhecimento.

Ancorado em Sanner (1983), Astolfi (2006) enfatiza que o reconhecimento é


apenas um passo rumo a um verdadeiro conhecimento do erro do aprendiz.
Acrescentamos, ainda, que, além disso, é urgente pensar em formas de intervenção
que possibilitem a superação do erro.

Sobre esse assunto, Darsie (1996) aponta que a intervenção ante o erro do
aprendiz possibilita

o acompanhamento do seu próprio processo de construção do


conhecimento, encorajando-o a comprovar e/ou refutar suas
hipóteses; estabelecer relações entre o que já se sabe e o novo a
aprender; perceber e superar conflitos; reconhecer seus avanços,
ganhos, dificuldades, reorganizar seu saber e alcançar conceitos
superiores (p. 51).

Corroborando com a autora acima citada, Pinto (2002) enfatiza que o erro
dos alunos pode se constituir numa alavanca para o professor enfrentar as
diferenças entre eles na sala de aula e poder acompanhar, de forma efetiva, a
aprendizagem escolar (p. 48). A autora prossegue destacando que é preciso superar
essa concepção negativa rumo a uma perspectiva construtiva e produtiva. O erro
70

seria, na ótica de Pinto (2002), “um indicador privilegiado para dar uma ajuda
personalizada ao percurso escolar do aluno” (p.48).

A identificação e o “tratamento didático” do erro revelam um conhecimento


dos percursos dos aprendizes e podem servir, entre outras coisas, como indicadores
eficazes de intervenções que favoreçam a superação do mesmo. Para isso, ressalta
Pinto (2002), é necessário “considerar o erro não como uma falta de conhecimento,
um déficit ou uma incapacidade do aluno, mas como um produto histórico, uma
possibilidade do aluno real, como construtor de um conhecimento escolar” (PINTO,
2002, p. 50).

Objetivando seguir com contribuições dessa autora, em específico desse


estudo realizado, sublinhamos que o erro também pode ser gerado a partir do
modelo de ensino a que o aprendiz está exposto. Nesse contexto, assinala Pinto
(2002), “o papel das interações é fundamental para o aluno perceber onde errou”
(p.61). Ancorando-se em dados de sua pesquisa, a autora aponta que a professora
observou que, na interação com os colegas, muitos de seus alunos aprendiam
melhor, o que a fez mudar as formas de agrupamento, a fim de promover a
cooperação entre aqueles mais avançados com os que ainda apresentavam
dificuldades.

É importante assinalar que a iniciativa dos pequenos grupos, conforme a


autora, pode vir articulada com intervenções distintas das que são realizadas no
coletivo da sala de aula. Ao conhecer o pensamento do educando sobre o erro
cometido, por exemplo, o professor terá, inclusive, uma compreensão mais apurada
acerca dos tipos de erro. Pinto (2002) enfatiza os erros de “distração” e outros erros
de natureza conceitual (p.65). Ao conhecer o que os alunos pensam, expressam
sobre os erros cometidos, eles mesmos, em outros contextos, passam a focar mais
a atenção na resolução das atividades e, com isso, conforme Pinto (2002), reduziria
o número de erros.

A despeito de um desconhecimento da natureza do erro, adota-se, em


muitas práticas, a perspectiva da resolução imediata, da punição ante o erro, do
reforço de atividades mecânicas, por vezes, descontextualizadas, a fim de evitar o
erro pelo aprendiz. Tais alternativas, a nosso ver, em nada contribuem para o
avanço do educando na superação e construção de novos conhecimentos. Ao
contrário desse procedimento, o conhecimento do erro, segundo Pinto (2002), “é
71

decisivo para um bom diagnóstico, pois dá pistas para sua superação”. Entretanto,
ressalta a autora, “não deve haver uma relação mecânica entre o diagnóstico e a
remediação” (PINTO, 2002, p.68). A adoção dessa postura remete, essencialmente,
a um ensino diferenciado, defendido nos sistemas organizados por ciclos
(MAINARDES, 2009a; 2009b; 2007a; 2007b). De acordo com Pinto (2002),
compreender o erro como uma estratégia didática e um instrumento ao ensino
diferenciado, propicia ao professor a adoção de procedimentos didáticos eficazes e
muda a representação do aluno que erra, já que aquele profissional terá maior
clareza do confronto com a diversidade presente na sala de aula.

A partir de então, seguiremos o debate, enfocando outro grande bloco de


nossa sistematização teórica: as contribuições de algumas correntes teóricas no
âmbito da alfabetização.

2.3 Novas perspectivas teóricas no âmbito da alfabetização: implicações para


o ensino do Sistema de Notação Alfabética

Com o propósito de inserir uma breve discussão teórica dos conceitos de


“notação” e “representação”, explicitaremos, a seguir, algumas das características
desses conceitos que desencadearão, na nossa ótica, uma melhor compreensão em
apreender a escrita alfabética enquanto sistema e não como um código.

2.3.1 “Representação” e “Notação”: como tais conceitos interagem na


compreensão do funcionamento de um sistema?

Conforme Tolchinsky (2003) as crianças, desde cedo, possuem um


mecanismo interno que as ajuda nas interações com a escrita e os números, antes
mesmo de se apropriarem das convenções da escrita, assim como da utilização dos
números para representar quantidades. A autora enfatiza que esse entusiasmo e
capacidade de operar com as marcas e obter resultados distintos é uma habilidade
estritamente humana: a capacidade notacional, aspecto que voltaremos a considerar
ainda nessa seção.
72

No intento de entrarmos na compreensão das marcas externas, dos


símbolos ou sinais, enfatizamos, desde já, que as relações entre o figurativo e o não
figurativo, o pictórico e o escritural, caracterizam as linhas típicas da filosofia
conhecida como semiótica - doutrina dos sinais. Os sinais representados
externamente: a exemplo dos desenhos, gráficos, partituras, letras e números, têm
sido objeto de reflexão de diversos profissionais daquela área do conhecimento. Tal
reflexão sobre as propriedades das representações externas dá subsídios para
apreendermos o funcionamento dos sistemas notacionais, já que são potentes
ferramentas cognitivas e comunicativas. De acordo com a autora supracitada, as
perspectivas em que estas ações são executadas são multiplicadas quando a
mesma pessoa é tanto o produtor quanto o intérprete; acrescente-se, também, a
repetição da situação em espaço e tempo diferentes, individualmente e em grupos.
Com esse processo, presenciamos, continuamente, uma ampliação das operações
mediadas pela flexibilidade cognitiva.

O objeto analisado – palavra – é caracterizado por uma dupla face que,


conforme Saussure (1916-1978 apud TOLCHINSKY, 2003) é constituído por um
significante e um significado. O primeiro é o aspecto formal do signo e o significado
é o conteúdo associado a essa forma. No caso da linguagem falada, o significante é
o padrão de som e o significado é o conceito. Entretanto, a face dupla do signo
sempre requer uma terceira parte, um intérprete.

De acordo com Tolchinsky (2003), alguns objetos são criados para significar
algo, portanto, é necessário distinguir os objetos que são transformados em
representação por um intérprete dos que são criados propositalmente para serem
interpretados. O interesse da autora recai na segunda opção, já que as
representações externas que as crianças têm que adquirir foram propositalmente
criadas como tal.

Ao se remeter a representações internas, a autora nos chama a atenção


para o fato destas serem chamadas de função psicológica. Para Tolchinsky (2003),
poderiam ter sido chamadas de representações mentais ou cognitivas, mas o termo
“interno” é usado para contrastar com o “externo”. Incluídos neste termo, estão todos
os tipos de representações internas: da atividade neural à atividade de equações
matemáticas e à poesia. Em nenhum nível, entretanto, as representações são
cópias do real.
73

Por outro lado, as representações externas são criações deliberadamente


produzidas. Isso implica dizer que o criador antecipa o intérprete, não somente a sua
presença, mas, também, a capacidade do intérprete de construir/fazer algo das
representações externas. As características dessas últimas representações seriam
as seguintes: está sempre sujeita a múltiplas interpretações; são deliberadamente
criadas, o criador antecipa o intérprete; são duradouras, por isso, persistem no
tempo, tendo suas próprias características; nunca são idênticas a aspectos do
processo original, nem se constituem numa cópia; possibilitam a interação entre o
produtor e a coisa produzida, durante e após a produção.

No rol dessas conceitualizações, a autora nos conduz a uma distinção entre


as “representações externas” e o conceito de “notação”, realçando que a notação é
um tipo de representação externa crucial para definir aspectos da escrita e dos
numerais. Esta é caracterizada como um artefato que possibilita um estado,
processo ou atividade de ser codificada, registrada, transportada e reproduzida de
uma forma sistemática (TOLCHINSKY, 2003, p. 15). Segundo Harris (1992 apud
TOLCHINSKY, 2003, p. 15), a notação é um conjunto de elementos limitado, cada
elemento tem uma forma distinta, um nome e uma posição em cada conjunto. A
apropriação desses elementos envolve vários tipos de operações como a
nomeação, bem como a identificação dos mesmos, a função que cada um tem e
como funcionam. Isso explicaria, então, o porquê de uma criança ser capaz de
recitar o alfabeto, mas não operar, ainda, de forma autônoma, com a produção de
unidades maiores que as letras, refletindo acerca do papel que cada letra assume no
produto final: a palavra, por exemplo; nem tampouco compreender o vínculo que as
letras têm com a seqüência sonora.

O fato de que a notação tem um número limitado de elementos distintos e


claros facilita o aprendizado e depois estabelece a generalização da notação. Esses
elementos podem ser (re)significados, adquirindo diferentes funções, aumentando,
dessa forma, sua eficácia quanto a registrarem, transportarem e a reproduzirem
estados, processos e atividades. Portanto, para entender os sistemas notacionais,
torna-se necessário concebê-los como subclasses das representações externas.
Entramos em um terreno que divide concepções entre conceber a notação nessa
perspectiva (TOLCHINSKY, 2003) de outros autores que entendem que
representações externas e notações são expressões sinônimas. Corroborando com
74

a concepção da autora citada, Morais (2005) destaca que o conceito de


representação tem vários significados, dos quais o autor destaca dois: quando
sinônimo de registro interno, refere-se a concepções, conhecimentos; ao contrário,
ao se remeter ao registro externo, assume o sentido equivalente ao de notação:
registro simbólico materializado numa superfície exterior. Diante da ambigüidade do
termo “representação”, o autor opta pelo uso do termo “notação” (MORAIS, 2005,
p. 33).

Remetendo-nos, ainda, ao conceito de notação, Morais (2005) enfatiza que


duas crianças podem ter rendimentos diferenciados, porém, notações idênticas no
concernente ao nome da professora, por exemplo. Entretanto, as representações
podem ser distintas, ou seja, um deles pode ter registrado o nome de memória,
enquanto o outro refletiu acerca das letras expostas, da seqüência das mesmas,
além de outros aspectos de sua escrita.

Interessando-se pela análise das representações externas, Tolchinsky


(2003, p.13) aborda algumas das dimensões pelas quais os produtos
representacionais podem ser distinguidos. A primeira delas: dimensão motivada x
arbitrária se refere à relação entre as formas dos sinais ou símbolos e o conteúdo
que eles representam. A representação é vista como motivada se os aspectos
formais do sinal são justificados em termos dos aspectos de seu conteúdo ou dos
aspectos do referente; por outro lado, na dimensão arbitrária, os aspectos de seu
referente não explicam os formais, ou seja, a relação entre forma e conteúdo não é
expressa em termos de semelhança e causalidade, como é o caso das letras.

A segunda dimensão pessoal x convencional se refere à relação entre o


criador da representação e a representação criada. Sinais pessoais são
idiossincráticos e são criados para uso pessoal, para interpretação e identificação
própria, enquanto que os sinais convencionais são sustentados por uma
concordância social. Estas duas dimensões “motivada/arbitrária” e
“pessoal/convencional” podem aparecer em combinações diferentes em que um
mesmo sinal pode ser motivado e convencional ou motivado e pessoal, por exemplo
(TOLCHINSKY, 2003, p. 13-14).

A terceira dimensão: isolada x sistêmica se refere à relação entre os sinais,


se são ou não parte de um sistema de sinais. Sinais isolados, independentes da
força da concordância social que os apóiam, não constituem mecanismos
75

escriturais. Nesse caso, sinais escriturais formam um sistema, pictoriais, não. Uma
vez que um elemento é reconhecido como pertencente a um sistema, seu
significado é estabelecido pelo próprio sistema (2003, p. 14).

Para que as notações cumpram suas funções, pessoas (diferentes) devem


usá-las em tempos e locais diferentes, para que chamem atenção para o fato de que
marcas intencionais em notações sejam copiáveis (GOODMAN, 1976; HARRIS,
1995 apud TOLCHINSKY, 2003). Se marcas são copiáveis, não importa quem as
produza ou quando são produzidas, então também são substituíveis; nesse caso,
uma marca pode substituir outra marca equivalente. Todas as marcas que podem
ser intercambiáveis formam uma classe equivalente ou uma categoria. Essa última
estaria vinculada a uma conceituação, às marcas/inscrições, por sua vez, às
possibilidades de notar a partir do conceito.

Goodman (1976 apud TOLCHINSKY, 2003) descreve quatro propriedades


para que os caracteres se tornem copiáveis. Estes precisam: (1) ter divisas claras e
serem sintaticamente diferenciados para que cada inscrição possa ser eticamente
possível, dizer e expressar a classe a que elas pertencem; (2) ser sintaticamente
desmembradas, assim como ficar claro que cada marca pertence a uma (e tão
somente a uma) classe de caracteres. A deslocação é violada se algumas inscrições
pertencem a duas classes, tanto simultaneamente ou consecutivamente; (3) duas
classes de caracteres não podem ter uma classe de objetos referentes ou eventos
comuns; (4) todo evento ou objeto deve ser teoricamente possível de determinar sua
“classe de aquiescência” ou a classe de eventos ou objetos a que o evento em
particular ou objeto pertence.

A partir dessa breve análise teórica dos conceitos de “representação” e


“notação”, anunciamos nossa opção pelo segundo termo, o qual norteará a
discussão subseqüente acerca do sistema (e não código) de notação alfabética, das
implicações dessa concepção no processo de alfabetização, assim como da
corrente teórica que enfoca a contribuição da consciência fonológica naquele
processo. Buscaremos estabelecer, ao final, um ponto de intercessão entre os dois
campos teóricos ora mencionados. A seguir, destacaremos algumas das
contribuições da teoria da psicogênese da escrita para o processo de alfabetização.
76

2.3.2 Teoria da Psicogênese da Língua Escrita: o que muda para o ensino de


língua na alfabetização?

A partir do que a literatura nos aponta, entendemos que a década de 1980


foi um marco em algumas definições no campo da didática, desencadeando, dessa
forma, mudanças no âmbito do ensino de língua portuguesa. Dentre as contribuições
nessa área, especificamente no que concerne ao processo de alfabetização, merece
destaque o trabalho de Emília Ferreiro e de seus colaboradores, quanto aos
aspectos que fundamentam o processo de aquisição da língua escrita pela criança,
e, junto a esses, reiteramos, nesse trabalho, o papel da escola e do professor como
mediadores dessa (re)construção.

O processo de alfabetização, tal como concebido pela teoria da


psicogênese da língua escrita, rompe com a visão tradicionalmente instituída de se
levar em conta apenas a relação diádica entre o “método utilizado” e a “maturidade
da criança que aprende”, a qual desconsiderava, portanto, a natureza do objeto de
conhecimento envolvendo a aprendizagem. Discutia-se qual o método mais
eficiente: métodos analíticos x sintéticos; fonético x global, entre outros. Os
pressupostos destes variavam desde o ensino, inicialmente, dos elementos mais
“simples”, cujo objetivo estava centrado no ensino das letras, fonemas ou sílabas,
propiciando, dessa forma, a leitura de palavras, frases ou textos ou, o contrário, a
priorização inicial dos elementos mais “complexos”, através de um ensino que
partisse de unidades significativas da linguagem: palavras, frases ou pequenos
textos, para só depois propiciar a análise das partes menores que as constituem
(letras e sílabas) (GALVÃO; LEAL, 2005, p. 18-20).

Nenhuma dessas discussões considerava as concepções das crianças


acerca do sistema de escrita. A criança era vista como uma ‘tábua rasa’ que
precisava ser ‘preenchida’ com letras e palavras, conforme determinado método. De
acordo com Ferreiro (1985, p. 29-30), “os métodos (como seqüência de passos
ordenados para chegar a um fim) não oferecem mais do que sugestões, incitações,
quando não práticas ritualísticas ou um conjunto de proibições. O método não pode
criar conhecimento”. Contrapondo-se à visão hegemônica da eficiência do método, o
processo de alfabetização, concebido pela psicogênese da língua escrita, atribui
uma significativa importância à natureza do objeto de conhecimento e como esse
77

intervém no processo de aprendizagem. Ferreiro propõe-se a analisar, portanto, a


tríade existente, cujos elementos constitutivos se materializam em: o sistema de
notação alfabética com suas especificidades e as concepções que quem aprende e
quem ensina têm sobre esse objeto (FERREIRO, 1985, p. 9).

Dotado de especificidades cognitivas próprias, esse seria (sistema de


notação alfabética), conforme observamos na cadeia da transposição didática
sugerida por (CHEVALLARD, 1991), um objeto de conhecimento de língua a ser
ensinado na escola. É relevante ressaltar, todavia, que esse objeto, nesse estágio,
passaria, necessariamente, por um processo de “didatização” para se “ajustar” ao
ensino (SOARES, 1999; MORAIS, 2002).

Nesse mesmo trabalho, Ferreiro se refere a dois tratamentos diferenciados


quanto ao processo de aquisição da escrita. Este pode, por um lado, ser
considerado como uma “notação da linguagem oral” ou, por outro, como “um código
de transcrição gráfica das unidades sonoras”. A diferença fundamental entre essas
duas formas de conceber a escrita alfabética é que, no caso da “codificação”, tanto
os elementos como as relações do sistema alfabético já estariam, supostamente,
predeterminados para o aprendiz. Isto é, unidades como “letras” e “fonemas” já
estariam disponíveis na mente do aprendiz, que, desde o princípio, seria capaz de
compreendê-las como o fazem os indivíduos já alfabetizados. Já no caso de
considerar-se a escrita alfabética como um sistema notacional, nem os elementos
nem as relações entre eles estariam predeterminados para o sujeito que aprende
(FERREIRO, 1985, p. 10). A autora indica, desse modo, que a construção de um
sistema de representação27 é diferente da construção de sistemas alternativos,
construídos a partir do referente, ou seja, do sistema “original”. Encontramos, nessa
distinção, o lugar da expressão “codificar” para Ferreiro (1985, p. 8) que seria a
construção desses “sistemas alternativos”, que em nada interferem ou modificam o
sistema original.

De acordo com Morais (2005, p. 31), o código é caracterizado pelo “uso de


um conjunto de sinais que substituem os sinais de outro sistema notacional, no
nosso caso, o alfabético”. Para fazer uso de um código, destaca o autor, é
necessário que o sujeito já tenha compreendido como funciona o sistema notacional

27
Interessante destacar a permanência do uso do termo “representação” e não “notação”, nas
contribuições de Ferreiro, até 1989.
78

(sistema alfabético), cujos símbolos foram substituídos e memorize os novos


símbolos substitutos. Ao considerarmos esse processo sendo realizado por quem
está aprendendo a ler e a escrever pela primeira vez, alerta Morais, a tarefa primeira
implica num complexo trabalho cognitivo na busca por internalizar as propriedades
do sistema em foco, propriedades a que nos referimos na seção anterior.

Voltamos a lembrar que o processo de apropriação desse objeto de


conhecimento implica, conforme apreendemos das contribuições até aqui postas,
numa inevitável “didatização” do ensino (SOARES, 1999) o que requer daqueles que
se inserem na “noosfera”28 um profundo conhecimento quanto à seleção dos objetos
a serem ensinados.

Em estudo mais recente, Ferreiro (2003, p. 140), ressalta que “se a escrita
fosse uma simples codificação, as unidades de análise do oral deveriam se
encontrar na escrita, mas não é o caso”. A autora segue realçando que “não há uma
correspondência unívoca entre letras e fonemas (nas diferentes escritas alfabéticas,
há poligrafias para um mesmo fonema e polifonia para um mesmo grafema)”.

Ferreiro reitera que

a proposta para um aprendiz que é falante de uma língua com uma


representação alfabética da mesma, é um processo dialético em
múltiplos níveis, no qual, para começar, o objeto língua não está
dado. Desse modo, o objeto escrita, como objeto conceitual,
também não é dado pela mera existência das marcas, já que é
preciso compreender as regras da composição das marcas, entrar
nas entranhas do sistema, para poder operar com ele e a partir dele
(2003, p. 154).

Em se tratando desse assunto, Morais (2005, p. 42) explicita as


propriedades do sistema notacional com o qual a criança irá se defrontar, a fim de
desvendar as duas questões postas por Ferreiro (1985): o que a escrita nota e como
a escrita cria essas notações. O sujeito que aprende terá que compreender, entre
outras coisas, que:

28
Conforme aponta Chevallard (1991), a noosfera seria responsável pela intermediação entre os
sistemas educativos e a sociedade (pedagogos, professores, técnicos das secretarias de educação,
entre outros). Essa esfera, segundo o autor, é marcada por conflitos, negociações, amadurecimento
de soluções.
79

1) representa-se o significado através da representação do


significante; 2) as unidades do texto são as palavras que são
isoladas entre si através do espaçamento. As palavras podem ser
segmentadas em partes (sílabas) que são compostas de unidades
sonoras menores (fonemas); 3) na escrita alfabética são utilizados
símbolos (26, letras) que representam as unidades sonoras
(fonemas); 4) as letras (símbolos convencionais) apresentam
variações no traçado, no entanto, alguns traços são delimitadores e
diferenciadores entre as diversas letras, 5) as letras são
classificadas em vogais e consoantes; 6) as sílabas podem variar
quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV, CCV, CVV,
V, CCVCC, etc); 7) as regras de correspondência grafofônicas são
ortográficas e não fonéticas, dessa forma, pode-se representar um
mesmo fonema através de letras diferentes ou uma mesma letra
pode representar fonemas diferentes; 8) a direção predominante da
escrita é horizontal, com traçado da esquerda para a direita
(MORAIS, 2005, p.42).

A partir das contribuições de Ferreiro e Morais, verificamos que, em se


tratando da invenção da escrita, esta se constituiu num processo histórico de
construção de um sistema de notação, não num processo de codificação (escrita
concebida como uma transcrição gráfica da linguagem oral). Quando se pensava
que o processo de apreensão, hoje, desse sistema, fosse a mera apropriação de um
código, as práticas de ensino geralmente seguiam uma progressão: ensino das
vogais, depois as combinações com consoantes, formação de palavras, numa
escala progressiva. Mas, ao contrário disso, tanto no caso do sistema de notação
dos números quanto no do alfabeto, a teoria da Psicogênese demonstra que as
principais dificuldades encontradas pelas crianças são de ordem conceitual,
similares às da construção (original) do sistema: em ambos os casos, as crianças
reinventam esses sistemas (FERREIRO, 1985, p. 16).

Em outras palavras, Morais (2005, p. 37) destaca que o sujeito que aprende
a escrita alfabética reelabora em sua mente uma série de decisões que a
humanidade tomou ao criar esse tipo de notação. Mesmo quando exposto a práticas
pedagógicas que pouco o auxiliam nessa empreitada, o sujeito que aprende, num
processo por vezes solitário, através de atividades de cópia, memorização dos
traçados das palavras, sílabas ou letras que lhes são apresentadas, realiza um
trabalho cognitivo interno de resolução de um enigma: desvendar como a escrita
alfabética funciona e, finalmente, um dia, começa a entender que as letras se
combinam e passa a escrever de um modo bem próximo do convencional.
80

Com isso, apontamos que, do ponto de vista lógico, a apropriação do SNA


pela criança segue uma evolução coerente, ao contrário do que muitos pensavam.
Se no modo de pensar tradicional havia, nitidamente, uma preocupação com os
aspectos gráficos caracterizados “pela qualidade do traçado, a distribuição espacial
das formas, a orientação predominante (da esquerda para a direita, de cima para
baixo), a orientação dos caracteres individuais (inversões, rotações, etc)”
(FERREIRO, 1985, p. 10; FERREIRO, 1990, p. 21); por outro lado, os aspectos
construtivos (os quais têm a ver com o que se quis representar e os meios utilizados
para criar diferenciações entre as representações) eram ignorados.

Ferreiro e Teberosky (1985) observaram três grandes períodos que definem


esse processo e que comportam diversas subdivisões. São eles: distinção entre o
modo de notação (representação) icônico e o não-icônico; a construção de formas
de diferenciação (controle progressivo das variações sobre os eixos qualitativo e
quantitativo); e a fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e
culmina no período alfabético) (FERREIRO, 1990, p. 22). Se a primeira etapa não é
aprofundada, já a terceira, envolve as fases silábica, silábico-alfabética e alfabética.
Nos dois períodos iniciais, a criança não demonstra preocupação com os
significantes sonoros. No momento em que foca sua atenção nesse aspecto,
ingressa no terceiro grande período desse processo evolutivo de (re)construção do
sistema (FERREIRO, 1985, p. 12). Vejamos alguns dos aspectos ressaltados pela
autora nessa trajetória vivida pelo aprendiz.

A diferenciação inicial entre o “desenhar” e o “escrever” é de fundamental


importância. Quando a criança utiliza o desenho para representar algo, está no
domínio icônico; ao mudar as estratégias de notação, ou seja, ao “escrever”, esta
passa para o não-icônico. Portanto, simultâneo ao percurso de diferenciação entre
as marcas figurativas e não figurativas, ocorre o processo de tratamento das letras
como objetos substitutos e pela busca de condições de interpretação desses objetos
substitutos. Desde cedo, quando são apresentadas as letras convencionais às
crianças, ocorre um esforço, por parte destas, a fim de construírem formas de
diferenciação entre as escritas. Essas variações são inicialmente intrafigurais (no
interior de uma mesma palavra). Temos, então, no eixo quantitativo, a preocupação
das crianças com a quantidade mínima de letras; já no eixo qualitativo, a
preocupação está voltada para a variação interna, necessária para que uma série de
81

grafias possa ser interpretada. Ocorre, também, outra forma de diferenciação: a


interfigural (entre palavras), momento em que as crianças, no eixo quantitativo,
procuram variar a quantidade de letras de palavras diferentes; já no eixo qualitativo,
buscam variar o repertório e a posição das letras, sem alterar a quantidade
(FERREIRO, 1985, p. 20-24).

De acordo com Ferreiro (1990, p. 33), nesse período as crianças “tentam


fazer correspondência entre as variações quantitativas nas representações e as
variações quantitativas no objeto referido”. Nesse caso, habitualmente recorrem a
mais letras no momento de grafar nomes de objetos grandes e, ao contrário, fazem
uso de poucas letras no momento de registrar nomes de objetos pequenos. Esse
vínculo com o objeto referido foi notório no exemplo em que uma das crianças
participantes de pesquisa realizada pela autora, grafou o nome de seu pai com a
mesma quantidade de letras que seu nome (seis), entretanto, fez uso de letras mais
compridas e em posições diferenciadas (FERREIRO, 1990, p. 34). Além de outros,
esses exemplos parecem ser suficientes para indicar que não podemos analisar o
nível de conceitualização das escritas infantis de forma isolada, o inverso, sim, é
apropriado: examinar tais escritas por meio de um conjunto de palavras, assim como
de diversos contextos, a fim de tentar inferir acerca das alternativas de diferenciação
por elas utilizadas. Nesses dois primeiros períodos, o escrito não está pautado em
apreender, articular diferenças ou semelhanças entre os significantes sonoros.

Conforme anunciado por Ferreiro (1990, p. 28) “há uma rede de


possibilidades para atender o critério de legibilidade que marca a entrada nesse
segundo período”. A partir de uma experiência com crianças de fala francesa, tendo
como referência algumas palavras, houve quem afirmasse não poder ler a palavra
“non”, já que tinha duas letras iguais e uma “bolota” no meio. Se nesse exemplo não
se atendeu ao critério de legibilidade, tampouco o critério de interpretabilidade foi
contemplado. A autora constatou, com isso, que, para algumas crianças duas letras
são suficientes para que a palavra seja interpretável, outras, porém, exigem três. É
interessante que nesse período algumas crianças vinculam determinadas grafias a
desenhos, o que resulta na seguinte constatação indicada pela autora: “a distinção
adquirida no nível precedente entre o icônico e o não-icônico não se perde; ao
contrário, ela se integra às novas construções” (FERREIRO, 1990, p. 27). O mesmo
82

processo ocorre nas outras fases de apropriação da escrita, porém, um novo olhar e
forma de conceber a escrita se evidenciam.

Gradativamente, as crianças passam a prestar atenção nos segmentos


sonoros das palavras. Esse se constitui no terceiro grande período. “Depois a
criança começa por descobrir que as partes da escrita (suas letras) podem
corresponder a outras tantas partes da palavra escrita (suas sílabas)” (FERREIRO,
1985, p. 25). As letras passam a adquirir valores sonoros relativamente estáveis.
Ocorre, então, uma evolução do “sistema silábico”, já que, no que se refere ao eixo
quantitativo, se expressa uma correspondência entre a quantidade de letras com
que vai se escrever uma palavra e as sílabas percebidas em sua emissão oral. A
criança passa a utilizar uma letra por sílaba, sem omitir, sem querer repeti-las. Esse
processo permite obter uma regra para as variações na quantidade de letras e
centrar sua ação nas variações sonoras entre as palavras. Entretanto, é preciso
reconhecer que ocorrerão algumas contradições tanto em relação ao controle
silábico, quanto à quantidade mínima de letras que uma escrita deve possuir para
ser interpretável. No eixo qualitativo, as letras adquirem um valor sonoro mais ou
menos estável.

Como apontado anteriormente, é nessa fase que surgem as contradições,


uma vez que, ao mesmo tempo em que ocorre o controle silábico, este se choca
com a quantidade mínima de letras, para que a palavra seja interpretável. No caso
do monossílabo, Ferreiro (1985, p. 25) aponta, por exemplo, que este deveria ser
escrito com uma única letra, mas se se registra com uma letra só, a palavra não
poderia ser lida. Junto a esse processo, a criança se depara, também, com as
escritas adultas que terão mais letras do que a hipótese silábica permite apreender.

É oportuno destacar que nessa fase encontramos diversos níveis, além dos
citados, Ferreiro lista uma série de exemplos apreendidos através das pesquisas
realizadas. Em um deles, a criança repete sílabas ou junta letras principalmente no
final do texto escrito, “pula letras” com o objetivo de chegar ao final da palavra e, por
vezes, ao obter insucesso nesse período, retrocede e volta a realizar a leitura global
da palavra. Entretanto, nessa mesma fase, há crianças que iniciam o processo de
compreensão entre a totalidade e as partes que compõem as palavras. Nesses
casos, tentam regular a quantidade de letras e, até mesmo, antecipá-las
(FERREIRO, 1990, p. 56). Ainda nessa etapa, a autora ressalta que algumas
83

escritas contribuirão para o processo de desequilíbrio do sistema silábico, a exemplo


da escrita do nome.

Ocorre, nessa fase, também, o que Ferreiro (2009) denomina de escritas


silábicas justapostas em que a criança faz uso da escrita de sílaba sob diferentes
perspectivas. Na palavra “sopa”, por exemplo, uma criança de cinco anos grafou
“oa”, em seguida, ao se deparar com o critério de quantidade mínima de letras,
grafou “oasp”. Outra escrita possível nessa fase é o que a autora caracteriza de
alternâncias grafofônicas em que há “centrações cognitivas” diversas quanto à
unidade silábica (FERREIRO, 2009). Ora a criança estaria centrada no som vocálico
(mais perceptível), ora no som consonântico. Com a inserção desse último nas
grafias infantis, as crianças desorganizariam o sistema anterior e passariam a
enfrentar os desafios de uma nova organização (FERREIRO 2009, p. 12). A autora
segue destacando que crianças com cinco anos ignorariam dificuldades na escrita
de palavras com estruturas silábicas complexas.

A fase que sucede esse processo (silábico-alfabética) marca o processo de


transição vivido pela criança entre os esquemas prévios, em via de serem
abandonados, e os esquemas futuros a serem construídos. Quando ela descobre
que a própria sílaba não pode ser a unidade, mas está constituída por unidades
menores, está a um passo do socialmente estabelecido (FERREIRO, 1985, p. 27).
Essa etapa é caracterizada por produções variadas: a criança utiliza uma letra para
cada sílaba como no período precedente, entretanto, outras sílabas escreve com
mais de uma letra, indicando o abandono da hipótese silábica (FERREIRO, 2009,
p. 7). Mais uma vez é interessante analisarmos as dificuldades enfrentadas pelo
aprendiz. No eixo quantitativo, ocorre que, ao mesmo tempo em que não se pode
notar uma sílaba com uma letra, embora na língua portuguesa haja casos de sílabas
com uma letra, não se pode, também, criar uma regularidade, uma vez que há
sílabas que comportam mais de duas letras. Já no eixo qualitativo, os problemas
serão de natureza ortográfica, já que a unidade de som não garante a identidade de
letras, nem a identidade de letras a de sons.

Por fim, a criança inicia o processo de notação de todos os sons da fala, e,


embora passe a dominar os princípios do sistema de escrita alfabética e se aproprie
de suas convenções de forma gradativa, ainda não domina a norma ortográfica, eixo
que precisa ser priorizado no ensino, após a construção da base alfabética.
84

No que se refere aos níveis explicitados anteriormente, relativos às


hipóteses de escrita das crianças, Ferreiro (1982) também sinaliza que alguns
sujeitos seguem passo a passo cada uma das fases, enquanto outros não o fazem,
na busca por construir a base alfabética de escrita. Ressaltemos, contudo, que não
é possível saltar etapas. A autora sublinha, ainda, que existem vários subníveis no
interior de um mesmo nível.29

Conforme observamos, esse longo processo de construção da base


alfabética de escrita pela criança requer, daqueles que estão envolvidos no processo
educativo, conhecimento das especificidades dos objetos do saber e esforços na
elaboração dos textos do saber que clarifiquem e subsidiem, de forma eficiente, o
ensino e o aprendizado dos educandos (FERREIRA, 2005).

Com esses pressupostos teóricos sobre como ocorre a apropriação da


escrita pela criança, notamos que a psicogênese da língua escrita está pautada
numa teoria que explica como se constrói o conhecimento e o papel atuante do
sujeito que aprende nesse processo. Nesse cenário, Ferreiro e Teberosky (1985)
destacam: “a teoria de Piaget nos permite introduzir a escrita enquanto objeto de
conhecimento, e o sujeito de aprendizagem, enquanto sujeito cognoscente”
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 28).

Portanto, no percurso de construção da base alfabética de escrita, podemos


destacar que a criança possui esquemas que implicam num processo no qual se
leva em conta parte da informação dada e introduz-se, ao mesmo tempo, algo de
pessoal. Essa operacionalidade decorre da interação entre o sujeito cognoscente e o
objeto de conhecimento: no processo de assimilação, o sujeito transforma a
informação dada; às vezes a resistência do objeto obriga o sujeito a modificar-se
também para compreendê-lo.

Diferentes pesquisas (FERREIRO; TEBEROSKY, 1979) evidenciaram que


as crianças dos meios populares sentem maiores dificuldades para “reconstruir” o
sistema de notação alfabética, por não fazerem parte de um ambiente “letrado” que
promova uma reflexão sobre as palavras e os textos mais elaborada, antes do
ensino regular. Não queremos, com isso, supor que a ausência de motivação

29
Para uma análise aprofundada desses níveis, consultar FERREIRO, Emília et al. Análisis de las
perturbaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. México,
Dirección General de Educación Especial (SEP-OEA), 1982 (fascículo 2, p.7-90).
85

advinda do ambiente familiar limite a atuação da criança, a ponto de prejudicá-la


com relação à apropriação desse objeto de conhecimento. Entretanto, concordamos
com o pressuposto de que, à medida que a mesma estiver exposta a oportunidades
de escrita e puder se expressar, certamente progredirá mais cedo. Mesmo sabendo
que esse processo de escrita pelo sujeito precede a esfera escolar, reforçamos a
importância de a escola promover momentos em que os aprendizes possam
reconstruir e aperfeiçoar seus conhecimentos acerca desse objeto que se constitui
numa invenção cultural. Essa prática será melhor desenvolvida, cremos,
considerando, entre outros aspectos, a presença de um material que ajude o
professor a melhor organizar e conduzir seu ensino nas diferentes áreas de
conhecimento (FERREIRA, 2005).

Retomando o aspecto anteriormente sublinhado, gostaríamos de enfatizar,


em contraposição a Ferreiro (1985), a importância de distinguir, por um lado, o que
seria a volta aos métodos tradicionais de alfabetização, os quais, como destacamos,
ignoram os pressupostos defendidos pela teoria da psicogênese da escrita e, com
isso, o papel atuante do sujeito na (re)construção do sistema de escrita, e, por outro
lado, a defesa de metodologias específicas ancoradas, sempre que possível, em
seqüências didáticas marcadas por metas e finalidades claras no concernente às
aprendizagens a serem construídas pelo aprendiz, conforme área específica do
conhecimento. Nesse sentido, apontamos que as implicações pedagógicas de quem
defende essa concepção em nada se aproximam dos defensores dos antigos
métodos de alfabetização, como parece ficar subentendido em Ferreiro (1985,
p. 14).

Centrando-se na educação infantil, Aquino (2008) destaca o papel da escola


nessa empreitada da apropriação da escrita. Se, por um lado, essa instituição deve
promover situações reais de leitura e produção de diversos gêneros, por outro,
julgamos que é preciso promover, também, um trabalho sistemático de reflexão
fonológica, de modo a possibilitar que os educandos avancem no processo de
construção da base alfabética de escrita (p. 1). Essa exposição aos diferentes
gêneros textuais, à leitura, conforme Morais e Albuquerque (2004), permite à criança
ter um conhecimento acerca da linguagem que se escreve, mesmo sem estar
alfabetizada. Esse procedimento por vezes não é assegurado, por se reduzir o
processo de alfabetização à apropriação do sistema de escrita alfabética.
86

Consideramos que, a partir das contribuições teóricas da Psicogênese da


Escrita, as produções espontâneas das crianças passaram a ser vistas como
valiosísssimas, para analisar sua compreensão acerca do sistema de notação
alfabética (SNA). Mesmo antes do ingresso na escola, a criança começa a construir,
mas é preciso lembrar que saber algo a respeito de certo objeto não quer dizer,
necessariamente, saber algo socialmente aceito como conhecimento. Nesse
cenário, reiteramos a importância de a escola promover, a partir das práticas
pedagógicas, um ensino sistemático que propicie a apropriação das formas
convencionais de construção da base alfabética de escrita, atrelando-as, quando
possível, aos outros eixos do ensino de língua.

Destacamos tal importância, já que, assim como outros autores, Ferreiro


(1985, p. 31) enfatiza que nenhuma prática pedagógica é neutra. Desse modo, está
ancorada numa concepção de ensino e de aprendizagem. A autora segue afirmando
que as práticas, mais que os métodos, têm efeitos mais duráveis, a longo prazo, no
concernente ao domínio da língua escrita como em todos os outros campos de
conhecimento.

Sabemos que a prática de leitura não se constitui num processo de


decodificação, ou seja, a associação de respostas sonoras a estímulos gráficos,
uma transformação do escrito em som, porque a escrita alfabética não é código
(concebida como uma transcrição gráfica da linguagem oral), mas um sistema
notacional. Para se apropriar do mesmo, Morais e Albuquerque (2004) destacam
que as crianças ou adultos inseridos numa escrita alfabética precisam aprender as
convenções do sistema. Antes, porém, como já indicamos, precisarão entender
como o sistema funciona. Nesse sentido, Morais e Albuquerque (2004) enfatizam
ainda que, para compreender o que a escrita alfabética nota no papel, é preciso
exercer uma reflexão metalingüística, incluindo-se aí as habilidades de análise
fonológica. Considerando essa temática, revisaremos, na seção seguinte, algumas
contribuições específicas das pesquisas sobre “consciência fonológica” para o
ensino do sistema de escrita alfabética.

Antes, porém, chamamos a atenção para uma questão importante: devemos


deixar a criança aprender espontaneamente (sozinha!) esse objeto de conhecimento
ou também contar com a participação de um sujeito mais experiente (um colega já
alfabetizado) ou o professor? A esse respeito, os autores por último citados
87

comungam com o pressuposto de que devemos estimular, participar junto aos


aprendizes do desenvolvimento das habilidades de reflexão acerca das relações
entre as partes faladas e escritas no interior das palavras, aspecto que iremos
enfocar a seguir.

2.3.3 Desenvolvimento de habilidades fonológicas e a aquisição do sistema de


notação alfabética: pressupostos e possíveis articulações

Objetivando trazer algumas contribuições de outra linha de teorização –


consciência fonológica –, enfocaremos pressupostos defendidos quanto às relações
entre as habilidades de reflexão fonológica e as implicações para o processo de
alfabetização. Em seguida, tentaremos estabelecer algumas articulações com a
psicogênese da língua escrita. Destacamos, desde já, que consideramos que as
habilidades de reflexão fonológica se constituem na reflexão consciente sobre os
sons da fala.

De acordo com Freitas (2004), a consciência fonológica faz parte dos


conhecimentos metalingüísticos, os quais pertencem ao domínio da metacognição,
ou seja, do conhecimento de um sujeito sobre seus processos e produtos cognitivos
(SIGNORINI, 1998 apud FREITAS, 2004, p. 179).

Conforme José Morais (1989), consciência fonológica ou metafonologia é


uma habilidade metalingüística que se refere à representação das propriedades
fonológicas e das unidades constituintes da fala, incluindo a capacidade de refletir
sobre os sons da fala e sua organização na formação de palavras. Constitui-se na
consciência dos sons que compõem as palavras que ouvimos e falamos,
desempenhando, assim, um papel importante na aprendizagem da leitura e da
escrita em uma ortografia alfabética (CARDOSO-MARTINS, 1995, p. 103).

Nessa mesma direção, entretanto sob outra perspectiva, Goigoux (2003)


comunga da concepção de que os conhecimentos fonológicos interferem na
aprendizagem da leitura e da escrita. De acordo com Gombert (1999, apud
GOIGOUX, 2003, p.1) “as capacidades metafonológicas parecem facilitar essa
aprendizagem graças à extensão da carga cognitiva que ela autoriza durante o
estudo da escrita”.
88

Embora o autor aponte não ter sido uma prioridade dos programas
escolares franceses a prática de análise fonológica, já que se considerava ser essa
uma conseqüência natural do processo de alfabetização, destacamos que, em
documento mais recente elaborado pelo Ministério de Educação (MEN, 2002), é
possível apreender prescrições para o “treino da consciência fonológica” já na
educação infantil, enquanto no Brasil, o Ministério da Educação não defende, ainda,
nada parecido.

É preciso salientar, ainda, conforme contribuições recentes, que a


consciência fonológica não se constitui numa habilidade unitária, mas compõe “uma
constelação de habilidades heterogêneas cujos componentes têm diferentes
propriedades e desenvolvem-se em diferentes tempos” (GOUGH; LARSON; YOPP,
1996 apud FREITAS, 2004, p. 179). Isto quer dizer que estudiosos dessa área
comungam da idéia de que existem diferentes níveis que compõem as habilidades
fonológicas.

Freitas aborda, nesse trabalho, três níveis: o nível da sílaba, o das unidades
intra-silábicas e o nível dos fonemas. Do primeiro nível, as crianças demonstram se
apropriar com mais facilidade, nos fornecendo, portanto, um forte indicador da
presença dessa habilidade fonológica, desde cedo. Sobre essa apropriação
primeira, Gombert (1992 apud FREITAS, 2004) aponta que a sílaba é a unidade
natural da segmentação da fala, logo ela é mais acessível do que as unidades intra-
silábicas e os fonemas. No segundo nível, as palavras podem ser divididas em
unidades que são maiores que um fonema individual, mas menores que uma sílaba,
são as chamadas unidades intra-silábicas (Ataque e Rima).30 O terceiro,
compreende a capacidade de dividir palavras em fonemas, ou seja, nas menores
unidades de som que podem mudar o significado de uma palavra. A consciência
fonêmica emergiria quando a criança se dá conta de que as palavras são
constituídas de sons que podem ser objeto de diferentes operações: identificação,
segmentação, subtração, adição, transposição, etc. (MORAIS; ALBUQUERQUE,
2006), que envolvem, segundo esses autores, diferentes graus de dificuldade.

30
É interessante salientar que existe a Rima da palavra. Esta é definida como a igualdade entre os
sons desde a vogal ou ditongo tônico até o último fonema. Nesse caso, não existe apenas a rima da
sílaba, como também uma sílaba inteira, mais que uma sílaba, bem como mais de duas sílabas. Já
nas palavras oxítonas, a Rima é um elemento intra-silábico, reconhecido através da distinção Ataque
– Rima.
89

Ainda de acordo com Morais (no prelo), assim como constataram em outros
estudos, ao acompanhar crianças oriundas dos meios populares ao longo do ano, o
autor verificou, no caso do português, a importância de se investir na análise
contínua dos segmentos silábicos, na comparação de palavras quanto ao tamanho
e, conforme já anunciado, atestou que crianças brasileiras não têm facilidade em
segmentar palavras em fonemas (p.1). Estes, conforme Morais (no prelo) “são
abstrações que elaboramos sobre a linguagem oral, só podem ser identificados com
base nas relações distintivas que assumem quando comparamos palavras do léxico
de uma língua”. Do mesmo modo, destaca Goigoux (2003), essa capacidade de
manipular e refletir sobre as unidades fonêmicas da palavra se desenvolve mais
tardiamente após a descoberta de uma estrutura interna à sílaba. Essa última é a
unidade disponível mais cedo.

MacLean; Bryant e Bradley (1987) apontam que outros tipos de consciência


fonológica, além da consciência de fonemas, desempenhariam um papel importante
na aprendizagem da leitura e da escrita, em uma ortografia alfabética.
Especialmente a habilidade de detectar rimas tem sido destacada pelos autores. De
acordo com Bryant et al (1990), o papel da rima é igualmente importante, uma vez
que, como eles mostraram, a influência da mesma independe da relação que existe
entre a habilidade de segmentar fonemas e a aprendizagem da leitura e da escrita.
A influência da rima parece assumir um papel importante no início da apropriação da
leitura e da escrita, já que as habilidades de segmentação e síntese de fonemas são
praticamente inexistentes no início da alfabetização, dada a sua complexidade
(CARDOSO-MARTINS, 1995, p. 104).

Freitas (2004) enfatiza que é preciso entender que consciência fonêmica


não é a mesma coisa que consciência fonológica, já que muitos autores tomam as
duas expressões como sinônimas. Através da explicitação dos níveis anteriormente
elencados, vimos que as habilidades são várias. Diferentes pesquisas parecem
corroborar que essa competência de análise fonêmica das palavras implica um alto
grau de complexidade e que também (essa competência específica) não se constitui
numa condição sine qua non para a apropriação da escrita alfabética (MORAIS;
LIMA, 1989; MORAIS, 2004; FREITAS, 2004; LEITE, 2006).

Destacando as competências que as crianças têm que desenvolver no que


se refere à leitura e à escrita com o alfabeto, Morais e Lima (1989) realizaram um
90

estudo com o objetivo de apreender “como o desenvolvimento de certas habilidades


de análise fonológica interage com a psicogênese da língua escrita durante a
alfabetização”.

A pesquisa foi realizada numa escola da rede pública municipal de Recife,


com alunos da 1ª série que tinham inicialmente a idade média de seis anos e 10
meses. Foram realizadas três coletas no início, meio e final do ano letivo. Na
primeira coleta, a maioria dos alunos (52%) tinha uma hipótese pré-silábica de
escrita. Foi constatado que, embora ao final da primeira série só um pouco menos
da metade dos alunos tinha compreendido a natureza alfabética de nosso sistema
de escrita, 80% deles apresentaram avanços quanto ao nível de psicogênese entre
a 1ª e 3ª ocasiões de coleta (MORAIS; LIMA, 1989, p. 52).

Com relação à consciência fonológica, ficou constatado que segmentar


oralmente palavras em sílabas e contá-las era fácil para os sujeitos. Porém, quando
a unidade era o fonema, os sujeitos demonstravam muitas dificuldades. Numa
atividade de produção de palavras com maior extensão que outras, também não
houve dificuldades, mas os alunos pré-silábicos apresentaram pior desempenho em
refletir sobre a semelhança sonora das sílabas iniciais. Outro ponto constatado foi
que os sujeitos tiveram mais dificuldades em produzir palavras com sons iniciais
semelhantes do que identificá-los. De um modo geral, os autores verificaram que
houve “uma evolução expressa nos aumentos dos índices de acertos da primeira à
terceira coleta para todas as habilidades, menos as de separação oral e contagem
de sílabas” nas quais os alunos já tinham excelente desempenho no início do ano
(MORAIS; LIMA, 1989, p. 53).

No que se refere à interação das linhas teóricas no exame do desempenho


das crianças, os autores chegaram às seguintes conclusões: as crianças que já
apresentavam uma hipótese alfabética faziam as atividades de escrita sem isolar ou
contar fonemas (quando o faziam, recorriam ao nome da letra). Essas mesmas
crianças tinham um melhor desempenho no conjunto das atividades que as crianças
com uma hipótese silábico-alfabética e silábica; e estas também em relação às pré-
silábicas.

Conforme os autores, o fato de terem encontrado crianças com capacidade


em identificar fonemas semelhantes em palavras e, no entanto, estarem numa
hipótese silábica de escrita, indica que o desenvolvimento das habilidades de
91

reflexão fonológica é relevante para a aquisição de uma escrita alfabética, mas não
é condição suficiente (MORAIS; LIMA, 1989, p. 54).

Em pesquisa recente, Leite (2006) buscou apreender/analisar a relação


entre a compreensão da escrita alfabética, o desenvolvimento de habilidades de
reflexão fonológica e o reconhecimento dos nomes das letras, por meio de
atividades realizadas em duas turmas de alfabetização, em cinco ocasiões no ano
de 2004, com 12 crianças de duas escolas da cidade de Recife (pública e particular).
No que se refere à relação entre as habilidades metafonológicas e a evolução das
hipóteses de escrita, observou-se que as crianças em níveis mais avançados de
compreensão escrita apresentaram melhor performance na maioria das atividades
metafonológicas. A autora destaca, no entanto, que aquelas relacionadas ao nível
dos fonemas, de um modo geral, apresentaram-se como muito difíceis para todas as
crianças, mesmo para as que tinham chegado a uma hipótese alfabética.

Corroborando com os dados acima explicitados, Morais e Leite (2005), a


partir de resultados relacionados a tarefas que visavam avaliar o desenvolvimento
de diversas habilidades de reflexão fonológica de uma aluna que estava numa turma
de alfabetização (em 2004),31 revelaram, dentre outras coisas, o seguinte: a criança
teve bom desempenho na contagem e separação oral das sílabas das palavras. Do
mesmo modo, ocorreu quando foi solicitada, ante duas figuras, a identificar a palavra
maior. Tanto na atividade de identificar figuras cujos nomes começavam com o
mesmo ‘pedaço’, sílaba, (demonstrou dificuldades a ponto de não obter nenhum
acerto) quanto na produção de palavras que começassem com o mesmo pedaço de
outra, obteve apenas um acerto. O mesmo ocorreu com as tarefas de identificação e
produção de palavras que rimassem, bem como na identificação e produção de
palavras que começassem com o mesmo fonema. Passado um período de três
meses, a aluna já apresentou avanços no concernente às mesmas atividades. Sua
capacidade de refletir sobre a seqüência sonora das palavras evoluía em paralelo ao
avanço de sua concepção sobre a escrita alfabética. Ela se valia de conhecimentos
sobre a própria escrita para refletir sobre os segmentos orais das palavras. Parece
importante, conforme os autores em questão, assinalar que, mesmo já escrevendo
alfabeticamente, ela tinha dificuldade de isolar mentalmente os fonemas.

31
Na realidade, os dados destacados nesse texto são de uma das 12 crianças que fizeram parte da
pesquisa realizada por Leite (2006), sob orientação de Morais.
92

A partir de dados explicitados nessa seção, continuaremos a enfocar,


mesmo que brevemente, algumas relações entre as duas últimas correntes teóricas
abordadas.

Como pudemos apreender, as duas vertentes psicolingüísticas até aqui


examinadas - psicogênese da escrita e estudos sobre consciência fonológica -,
parecem trilhar caminhos distintos quanto à forma de explicar a aquisição da escrita.
Segundo Ferreiro e colaboradores, a escrita é um sistema notacional e, como tal,
impõe ao aprendiz um trabalho conceitual e não memorístico; por isso, não pode ser
concebida como uma mera conseqüência do desenvolvimento das habilidades
metafonológicas. Por outro lado, muitos estudiosos da consciência fonológica
defendem a premissa de que a aquisição da escrita é, sim, uma conseqüência da
competência com habilidades fonológicas.

Essa última concepção está ancorada no pressuposto de que a consciência


fonológica beneficia o processo de aquisição da escrita. Segundo essa perspectiva,
“é a metafonologia que garante a compreensão da relação grafema-fonema,
devendo estar desenvolvida antes do início da aquisição da escrita” (FREITAS,
2004, p. 188).

Por outro lado, existem estudos que não apóiam a idéia exposta
anteriormente. Segundo esses estudiosos, as crianças, antes de serem
alfabetizadas, não têm uma compreensão clara de como a fala é organizada em
unidades abstratas menores. Nesse caso, a consciência fonológica é vista como
conseqüência da escrita, surgindo somente a partir do ensino sistemático da escrita
(FREITAS, 2004, p.188). Entretanto, o argumento da concepção de que a
consciência fonológica se desenvolve a partir da aquisição da escrita, tende a estar
baseado somente na consciência fonêmica, não levando em consideração
habilidades metafonológicas no nível das sílabas e das unidades intra-silábicas.

Morais (2004) ressalta que um dos pontos controversos resulta do fato de


que os inúmeros estudos experimentais sobre o tema solicitam diferentes operações
aos aprendizes, as quais implicam diferentes procedimentos, variando seus graus de
complexidade. Essas variações, obviamente, influenciam nos resultados obtidos por
diferentes pesquisas. Outro ponto problemático e o fato de se afirmar que a
consciência fonológica se constitui em requisito para que ocorra a alfabetização e de
que precisaria já estar desenvolvida no início da alfabetização. Conforme o autor,
93

essa postura tem levado estudiosos e educadores a defender um novo tipo de


“prontidão” para a alfabetização. Por essa razão, alguns países têm investido num
treinamento da consciência fonológica das crianças desde os três anos, a fim de
evitar o fracasso em leitura e ortografia (MORAIS, 2004, p. 1-2).

Evidenciamos essa abordagem teórico-metodológica em estudo


desenvolvido por Capovilla e Capovilla (2000), cujo objetivo, a partir de diversas
tarefas empregadas (habilidades metafonológicas, leitura, escrita, conhecimento das
letras, memória de trabalho e acesso léxico à memória de longo prazo) foi
demonstrar que seria possível obter êxito em tais habilidades também com crianças
de nível sócio-econômico baixo (NSE).32 Os autores ressaltaram a importância do
treino de consciência fonológica para a aquisição da leitura e da escrita. No caso
dessa pesquisa, apreendemos, de imediato, uma lógica nitidamente causal entre o
treino da consciência fonológica e a aquisição da leitura e da escrita, reinando,
desse modo, uma concepção de escrita como código. Os autores apontaram a
vantagem em investir nessa metodologia com crianças de NSE, mostrando-se
contrários ao “método global”, já que este se ajustaria, apenas, a crianças
favorecidas socialmente, por estarem expostas a práticas de letramento. No caso
das crianças desfavorecidas, as quais não teriam reforço escolar ou apoio dos pais
como recursos extras, a saída seria o treino fonológico. Com isso, a concepção
assume um efeito claramente remediativo. A ênfase pareceu, a partir dos
pressupostos desse estudo, recair sobre o método fônico. Além desses aspectos,
acreditamos que Capovilla e Capovilla (2000) não consideraram, nessa pesquisa, as
implicações das práticas pedagógicas a que as crianças estavam expostas,
atribuindo aos treinos, assim como aos instrumentos utilizados, a responsabilidade
primeira para o sucesso naquelas habilidades testadas.

Desse modo, Morais (2004) enfatiza que os principais trabalhos sobre


consciência fonológica continuam adotando uma lógica empirista/associacionista
sobre o que é aprender uma escrita alfabética, que é concebida como um código de
associações entre grafemas e fonemas. Como apontado pelo autor, “se os fonemas
não são unidades estáveis e não estão previamente disponíveis na mente do

32
Os autores enfatizaram esse aspecto, já que haviam realizado a mesma pesquisa com crianças de
classe média.
94

aprendiz como unidades isoláveis, resta-nos, então, de acordo com Morais (no
prelo), superar as limitações dessa visão simplista”.

A partir dessa lógica empirista/associacionista, há uma tendência a não se


considerar as mudanças que as crianças vivenciam evolutivamente na aquisição do
sistema de notação alfabética e não se analisar o papel da notação escrita no
desenvolvimento das habilidades de reflexão fonológica (FERREIRO, 2003).

Por outro lado, Morais (2004) afirma que parece não haver um interesse de
investimento pelos estudiosos da psicogênese em apreender as contribuições da
análise fonológica no processo de aquisição do sistema de escrita. O que parece
ocorrer é uma secundarização, ou mesmo um não reconhecimento do papel que a
análise fonológica exerce no processo de apreensão da escrita. Esse pressuposto
se evidencia na medida em que identificamos, nas contribuições de Ferreiro, a
seguinte premissa: saber qual letra serve para tal som estaria, apenas, no âmbito
gráfico, não seria um conhecimento de tipo conceitual. Entretanto, ao explicitar o que
denomina de alternâncias grafofônicas (aspecto já abordado na segunda seção)
verificamos, nitidamente, a implicação da reflexão fonológica na escrita da criança.

Buscando um ponto de interseção, Morais (2004) enfatiza que no processo


de evolução da escrita a criança entra, em certo momento, na “fonetização”
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1979) no qual, certamente, precisa dispor de
habilidades metalingüísticas para analisar segmentos internos das palavras, a fim de
elaborar hipóteses silábicas e alfabéticas de escrita. Da mesma forma, aponta que
não devemos considerar que o desenvolvimento de habilidades de reflexão
fonológica garantiria – por si só e sem influência da notação escrita – a
compreensão do sistema de notação alfabética (SNA) e o aprendizado das
correspondências fonográficas (MORAIS, 2004, p. 3).

Em defesa, mais uma vez, do papel e da evolução da notação escrita e,


num momento posterior, da análise das unidades orais, Ferreiro (2003), Blanche-
Benveniste (2003) apontam que, ao materializar as unidades orais, a notação escrita
permite ao ser humano refletir sobre as seqüências orais, isolando e identificando
unidades de que não tinha consciência previamente. O que ocorre, de acordo com
Morais (2004), é que os partidários da “consciência fonológica” acabam promovendo
a retomada de antigos métodos de alfabetização (como o fônico), cuja eficácia hoje
é plenamente questionável e negligenciam o papel social da escola em inserir,
95

desde cedo, o aprendiz no mundo das práticas letradas, a fim de que domine os
conhecimentos e habilidades necessários à leitura e produção dos gêneros escritos.

Como anunciado, Morais (2004) defende que o desenvolvimento das


habilidades metafonológicas é uma condição necessária para a construção da base
alfabética de escrita, o que não implica que essas habilidades teriam que estar
presentes no início da alfabetização, ou serem cobradas através da aplicação de
“testes de prontidão”. Por isso, conclui o autor, embora essas habilidades sejam
necessárias, não se constituem numa condição suficiente para a apropriação
daquele objeto de conhecimento.

Essas diferentes perspectivas quanto ao processo de apropriação da escrita


vivido pelo aprendiz, bem como as influências que essas correntes teóricas exercem
nessa construção, sugerem, em nossa compreensão, maior “vigilância”
(CHEVALLARD, 1991) e coerência por parte daqueles que elaboram os textos do
saber, haja vista a complexidade do debate que prima não só pela seleção dos
objetos a serem ensinados, quanto aos caminhos trilhados na/para a apropriação
dos mesmos. Conforme apontam Astolfi e Develay (1990), a escola ensina, na
realidade, conteúdos de ensino que, conforme os autores, resultariam desses
complexos cruzamentos (p.20).

Os estudos sobre letramento têm constituído um campo amplamente


discutido no cenário educacional, a partir, sobretudo, da década de 1990, com
importantes repercussões nos debates sobre alfabetização, razão por que
destacaremos, a seguir, algumas das contribuições que as teorizações sobre aquele
tema têm suscitado às práticas de ensino da leitura e da escrita.

2.3.4 Alfabetização e letramento: implicações para as práticas de leitura e


escrita

A partir das décadas de 1980 e 1990, as discussões e concepções de


alfabetização se ampliaram, desencadeando uma reflexão sobre os usos e práticas
da leitura e da escrita. Segundo Soares (2003b, p. 7) migrou-se “do saber ler e
escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita”. Com isso,
gradativamente, o conceito de alfabetização vem sendo articulado ao de letramento.
96

A partir da inserção desse campo de conhecimento, no rol das discussões


teóricas que tratam das práticas do ensino da leitura e da escrita, entendemos que
houve uma complexificação nas formas de pensar o saber a ensinar, incluindo-se,
nesse cenário, o processo de “didatização” (MORAIS, 2002) previstos pelos
diferentes materiais.

Diante desse cenário, é cada vez mais evidente, nas discussões e


produções teóricas brasileiras, desenvolvidas a partir daquelas décadas, a
relevância do “letramento” para o processo de alfabetização, de se alfabetizar numa
perspectiva de letramento. É sobretudo na segunda metade da década de 1980 que
surge o “letramento” no discurso dos especialistas das áreas da educação e das
ciências lingüísticas.

Diversos autores concordam que o conceito de alfabetização foi ampliado,


trazendo às práticas de ensino novos desafios, sendo necessário, com isso, garantir
a apropriação do sistema de notação alfabética, mas, também, ensinar diferentes
formas de utilização da linguagem. Logo, dominar a escrita alfabética não se
constitui numa condição que encerra as diferentes demandas de leitura e escrita
impostas pela complexificação das práticas sociais e, portanto, escolares. É nesse
contexto que o debate sobre o letramento ganha centralidade (SOARES, 2003a,
2003b; 1998; KLEIMAN, 2002; MORAIS; ALBUQUERQUE, 2006).

Jacobson (2004, p. 85) destaca, em relação à alfabetização que, “além de


um entendimento da relação grafema-fonema e de uma consciência das convenções
espaciais da escrita, os alunos começam a desenvolver um entendimento das
formas com que a escrita é utilizada em diferentes lugares do mundo”. De acordo
com o autor, essa mudança de concepção vem sugerindo novas formas de se
relacionar com a escrita, dada a crescente complexificação das práticas. Esse
processo vem impondo diferentes usos da escrita, os quais não alcançam somente o
conhecimento e a operação com as letras. Em vez de neutra e abstrata, a instrução
da leitura e da escrita é, em si mesma, “um conjunto de práticas letradas” que nem
todas as comunidades compartilham ou têm parte igual em sua construção (REDER,
1994, p. 49 apud JACOBSON, 2004, p. 85-86).

De acordo com Kleiman (2002) o termo “letramento” estaria relacionado


com um conjunto de práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico
e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos,
97

extrapolando o mundo da escrita como era concebido pelas instituições escolares.


No bojo dessas mudanças, as práticas de escrita no âmbito da escola se
apropriaram, elas mesmas, de uma concepção de letramento, tendendo esta a
preocupar-se apenas com o “letramento escolar” e não com o letramento enquanto
prática social.

A autora aponta dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico. O


primeiro seria o que determina as mais conservadoras práticas escolares de
letramento que, na maioria das vezes, pressupõem a aquisição da escrita como um
processo neutro, independente do contexto e do meio social; por outro lado, no
segundo modelo, não haveria uma concepção única de letramento, mas práticas de
letramentos, que são condicionadas social e culturalmente. Neste último modelo, o
letramento tem significado político e ideológico, não neutro.

Segundo Soares (1998), a palavra “letramento” foi usada pela primeira vez
em português por Kato (1986), dois anos depois por Tfouni (1988), autora que fez
uma distinção entre escrita, alfabetização e letramento. De acordo com Tfouni (2006,
p.9), “enquanto os sistemas de escrita são um produto cultural, a alfabetização e o
letramento são processos de aquisição de um sistema escrito”. Desse modo, a
alfabetização implicaria num processo de aprendizagem da leitura e da escrita por
meio da instrução formal, centrando-se no universo individual; enquanto o
letramento estaria ancorado em fenômenos sócio-históricos de aquisição da escrita.
Entre outros aspectos, buscaria investigar “sociedades quando adotam um sistema
de escritura de maneira restrita ou generalizada; além de procurar saber quais
práticas psicossociais substituem as práticas ‘letradas’ em sociedades ágrafas”
(TFOUNI, 2006, p. 10). Por essa razão, o letramento desliga-se do âmbito individual
do sujeito e centra-se na dimensão social.

Também segundo Soares (1998), se por um lado o termo letramento ainda


é desconhecido ou mal entendido por muitos, a alfabetização já não causa
estranheza: alfabetização é geralmente vista como a ação de alfabetizar, de tornar
‘alfabetizado’. A palavra letramento é uma tradução para o português da palavra
inglesa “literacy”, que significa a condição de ser letrado, transcendendo, portanto, a
concepção de alfabetização (ler e escrever), já que ser letrado pressupõe que se
tenha o domínio da leitura e da escrita com o uso no cotidiano da mesma, para as
necessidades ‘sociais’.
98

Para entendermos um pouco esse processo de articulação, retomaremos a


diferenciação entre alfabetização e letramento proposta por Soares. A primeira
“refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura,
escrita e as chamadas práticas de linguagem” e objetiva, portanto, “tornar o
indivíduo capaz de ler e escrever”. O segundo, por sua vez, focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição da escrita. “O letramento seria o estado ou condição de
quem se envolve em numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita”
(SOARES, 2003b, p. 40). A adoção do conceito de letramento permite investigar não
somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse
sentido, desliga-se de verificar o individual e centra-se no social (SOARES, 1998,
p. 9-10). Nesse caso, o indivíduo que vive em estado de letramento estaria se
apropriando de novas formas de viver em sociedade. Esta condição, conforme a
autora, acarreta mudanças não só lingüísticas, mas sociais, econômicas, culturais.

Logo, alfabetização e letramento seriam dois processos diferentes: por um


lado, a alfabetização seria um processo contínuo, mas linear, com os limites claros e
definidos objetivamente; por outro, o letramento seria também contínuo, porém, não-
linear e com muitas dimensões que englobariam práticas e funções diversas.
Dependendo do contexto e das situações, haveria várias habilidades,
conhecimentos e atitudes de leitura e escrita demandadas, “não podendo ser fixado
o ponto que separa os letrados dos iletrados” (SOARES, 2003b, p. 95).

De acordo com a autora, é preciso esclarecer que “não-alfabetizado” e


“iletrado” não são sinônimos. Do seu ponto de vista, o “iletramento” não existe,
enquanto ausência total, nas sociedades industrializadas modernas (SOARES,
1998, p. 24). Nesse caso, existiriam vários níveis de letramento, com isso, mesmo
na ausência da alfabetização, uma criança pode ser, em certa medida, letrada
(REGO, 1988).

Na opinião de Tfouni (2006, p. 30) “a necessidade de falar em letramento


surgiu da tomada de consciência que se deu, principalmente entre os lingüistas, de
que havia alguma coisa além de alfabetização que era mais ampla, e até
determinante desta”. Seria o letramento que, conforme a autora, como já fora
destacado, é um processo cuja natureza é essencialmente sócio-histórica.

Com o processo da transposição da palavra letramento para o nosso


imaginário e vocabulário pedagógicos, já compreendemos que nosso problema não
99

é apenas ensinar a ler e a escrever, mas é, também, e, sobretudo, levar os


indivíduos a fazerem uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de
leitura e de escrita (SOARES, 1998, p. 58). Esse novo cenário impõe, em nossa
compreensão, uma visível complexificação nas formas de conceber os textos do
saber materializados nas propostas curriculares, livros didáticos, entre outros.

Conforme essa autora, o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se,


fundamentalmente, com as suas condições sociais, culturais e econômicas. Há,
então, duas condições para o letramento: escolarização real e efetiva da população
e disponibilidade de material de leitura. A autora segue destacando que

o letramento não é um atributo unicamente ou essencialmente


pessoal, mas é, sobretudo, uma prática social: letramento é o que as
pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um
contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com
as necessidades, valores e práticas sociais (SOARES, 1998, p. 72).

Corroborando com Tfouni (2006), Wagner (1986, p. 259 apud SOARES,


1998, p. 81) enfatiza que “[...] devemos falar de letramentos e não de letramento,
tanto no sentido de diversas linguagens e escritas, quanto no sentido de múltiplos
níveis de habilidades, conhecimentos e crenças no campo de cada língua e/ou
escrita”.

Para Soares, social e culturalmente,

a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou


iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural – não
se trata propriamente de mudar de nível ou de classe social, cultura,
mas de mudar seu lugar social, seu modo de viver em sociedade,
sua inserção na cultura [...] (1998, p. 37).

Enfatiza-se, portanto, que “alfabetizado” não é necessariamente um


indivíduo letrado. Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o
indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que
sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a
leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de
escrita (SOARES, 1998, p. 40). O ideal, segundo essa autora, seria alfabetizar
100

letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da


leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo,
alfabetizado e letrado (SOARES, 1998, p. 47). Essa opção por alfabetizar numa
perspectiva para o letramento implica, necessariamente, em conceber mudanças no
saber escolar que, segundo a teoria da transposição didática (CHEVALLARD, 1991),
é dotado de configurações cognitivas próprias.

Sobre esse assunto, cremos ser pertinente realçar a perspectiva defendida


por Chervel (1988) quanto a reconhecer a escola como um espaço singular de
produção de saberes próprios e não um lugar de reprodução de conhecimentos.
Nesse contexto, as práticas passariam por mudanças oriundas dessas “inovações”
presentes nos textos do saber, todavia, não numa direção de reprodução, mas de
reconstrução desses novos saberes.

Soares (1998) pontua que é necessário desenvolver em salas de


alfabetização o duplo objetivo: ensinar o aluno a apropriar-se das características
específicas do sistema de escrita, ao mesmo tempo em que estivesse sendo letrado.
Nessa perspectiva, Morais e Albuquerque (2006, p. 134) enfatizam que pesquisas
como as de Moreira (1998; REGO, 1988; TEBEROSKY, 1989; WELLS, 1982)
evidenciaram que, de acordo com as oportunidades de vivenciarem práticas de
leitura e produção de textos, os educandos poderiam ter maior ou menor
conhecimento sobre “a linguagem que usamos ao escrever” os diferentes gêneros
textuais e sobre os diferentes usos sociais que damos a eles. Em lugar de restringir-
se a formar pessoas que “dominassem o código” (mais corretamente o Sistema de
Notação Alfabética - SNA), a escola deveria inserir o aluno, o mais precocemente
possível, em situações reais de usos da língua escrita, letrando-os e alfabetizando-
os, simultaneamente.

Para que isso ocorra, conforme já anunciado nesse texto, seria importante
desenvolver dois caminhos com o aluno: um primeiro caminho consiste em ajudá-lo,
por meio da reflexão “sobre as características de diferentes textos que circulam ao
seu redor, sobre seus estilos, usos e finalidades”; um segundo caminho, implicaria
ajudar o aprendiz a apropriar-se do sistema de notação alfabética, interagindo com a
língua, em uma perspectiva reflexiva, analisando e refletindo sobre os pedaços
sonoros e escritos das palavras.
101

Embora a escola seja concebida como uma instituição oficialmente


responsável por promover o letramento, pesquisas têm apontado para o fato de as
práticas de letramento na escola serem bem diferenciadas daquelas que ocorrem
em contextos exteriores a ela (ALBUQUERQUE, 2005, p. 17). Nessa perspectiva, os
alunos saem da escola com o domínio das habilidades inadequadamente
denominadas de “codificação” e “decodificação”, mas são incapazes de ler e
escrever funcionalmente textos variados em diferentes situações. Como indicado por
Soares (1998), muitos adultos de países desenvolvidos, tendo alcançado um
letramento escolar, são capazes de expressar comportamentos escolares de
letramento (ler e produzir textos escolares), mas são incapazes de lidar com os usos
cotidianos da leitura e da escrita em contextos não-escolares (SOARES, 1998,
p. 18).

Assumindo a concepção de alfabetizar numa perspectiva para o letramento,


defendemos, no 1º ciclo, a discussão de articular o ensino e o aprendizado do
sistema de notação alfabética (SNA) aos eixos de leitura, compreensão e produção
textuais. Conforme apontam Maciel e Lúcio (2008), essa é, primeiramente, uma
opção política. Ao priorizar, nas aulas de língua, a interpretação e a produção
textual, por exemplo, questões como “quem escreve e em que situação escreve? O
que se escreve e a quem o texto se dirige”? São suscitadas no ato dessa prática. É
possível apreender, conforme as autoras, as relações sociais imbricadas nas
atividades de escrita.

Se a opção por trabalhar assumindo a perspectiva de alfabetizar letrando


tem sido corrente entre as práticas escolares, a compreensão desse processo, no
interior das práticas pedagógicas, tem revelado embates, limitações que precisam
ser problematizadas. De acordo com aquelas autoras, parece ser consensual, entre
as declarações dos professores, o contato dos educandos com uma variedade de
gêneros textuais, porém, ao operacionalizarem o ensino na alfabetização, acabam
recorrendo a pseudotextos.

Além do que fora mencionado, as contribuições nessa área não têm sido
suficientes para pensar e organizar o ensino sem sobrepor os conceitos de
alfabetização e letramento. Ora as práticas privilegiam o aprendizado do sistema de
notação alfabética, acreditando ser esse um requisito para o contato com textos, ora
priorizam o acesso aos textos, e, com isso, comprometem amplamente o processo
102

de apropriação da escrita alfabética. Não estamos defendendo, também, a


articulação exclusiva de atividades que privilegiem a alfabetização e o letramento
dos aprendizes. Assumimos a relevância de propor atividades que enfoquem
unicamente a escrita alfabética, em algumas situações, bem como o letramento, em
outras.

Defender essa concepção implica em conhecer as especificidades de cada


etapa escolar. Ao defendermos a consolidação da escrita alfabética já no primeiro
ano, considerando o ensino por ciclos, não estamos declarando que esse objeto não
possa ser explorado no segundo ano, entretanto, julgamos que a meta pode (e
deve) ser esperada no primeiro ano, tal como demonstram algumas pesquisas
(CRUZ, 2008, por exemplo). Com isso, as chances de um aluno chegar ao terceiro
ano do 1º ciclo sem construir esse conhecimento serão amplamente reduzidas,
senão eliminadas. Esse encaminhamento, sugerimos, pode ser articulado com os
demais eixos de ensino de língua (leitura, compreensão e produção textuais),
respeitando as possibilidades e especificidades das aprendizagens dos educandos.

O aspecto anteriormente mencionado, parece se ajustar à concepção


defendida por Silva (2008), ao destacar que o que vai diferenciar o planejamento (e,
sublinhamos, a execução do mesmo) “é a progressão de sua complexidade durante
o ano letivo e ao longo de cada ano de escolaridade” (SILVA, 2008, p.44). A partir
disso, é possível realçar a defesa de um planejamento que esteja coerente com as
possibilidades de aprendizagem dos alunos (SILVA, 2008, p. 45). Essa progressão e
prioridade quanto a alguns objetos de conhecimento não implicam, conforme
sublinhamos, na ausência de enfoques quanto aos outros eixos de ensino de língua.
A autora em questão nos ajuda a pensar nessa questão. Destaca que, numa etapa
inicial de escolarização, é crucial pensar na seleção dos textos a serem lidos, no
enfoque dado à compreensão textual, nas situações de produção textuais, entre
outras (SILVA, 2008, p. 45-46). A seguir, traremos alguns elementos para
pensarmos o ensino da leitura, compreensão e produção textuais, considerando sua
relevância no processo de alfabetização e letramento.
103

2.3.5 Alfabetizar letrando: eixos do ensino de língua que contribuiriam nesse


processo

Conforme vislumbramos na seção anterior, a entrada em cena do conceito


de letramento tem imposto às práticas alfabetizadoras novos desafios que implicam
numa inevitável articulação entre os diversos eixos de ensino de língua. Torna-se,
com isso, singular, pensarmos em algumas contribuições que a leitura, a
compreensão e a produção de textos trariam para a operacionalização do ensino
nessa perspectiva.

Em se tratando da compreensão textual, Brandão (2006) pontua que,


embora esse eixo seja, por vezes, negligenciado nas práticas pedagógicas, é
oportuno enfatizar que sem a compreensão, a leitura “perde todo o sentido” (p. 59).
A autora defende a concepção de que é preciso conceber esse eixo como objeto de
ensino e de aprendizagem, visto que, não se compreende um texto naturalmente,
através da leitura.

Assumindo que a leitura é constitutiva da construção de sentidos, ou seja,


não implica simplesmente em agrupar letras, palavras e frases, Brandão defende a
exploração de textos reais que tenham uma finalidade no planejamento do
professor, desde a educação infantil, etapa em que boa parte dos alunos ainda não
lê convencionalmente. Fica evidente, portanto, a opção por uma articulação dos
eixos de leitura e compreensão textuais, respeitando, obviamente, suas
especificidades.

A seleção dos gêneros e as finalidades de leitura tornam-se, nesse


processo, elementos importantes na diversificação das estratégias de compreensão.
Conforme Brandão (2006, p. 69), ao propor a leitura da seção de classificados, o
professor oportunizará aos alunos recorrer à estratégia de seleção, já a discussão e
dramatização de um conto em pequenos grupos, possibilitará o uso de estratégias
inferenciais. A diversificação dos gêneros propicia, desse modo, a exploração de
distintas estratégias de compreensão textual.

Ensejando possibilitar diferentes estratégias de leitura ao professor, Solé


(1998) sugere vários encaminhamentos que podem ser realizados “antes”, “durante”
e “depois” da leitura de textos. Em se tratando do “antes”, o professor pode motivar
104

seus alunos na leitura, através de questões prévias que os desafiem a antecipar o


sentido do texto, além de explorar os conhecimentos prévios de que os mesmos
dispõem. Em relação ao “durante”, fica clara a opção por formular questões que
estimulem a antecipação do conteúdo do texto a ser lido, a recapitulação do que fora
lido, assim como apreender as dúvidas acerca do texto, a fim de assegurar a
compreensão. Por fim, o momento “depois” da leitura é acompanhado de várias
possibilidades: retomar e discutir os objetivos para a leitura, coletivamente fazer um
resumo do texto, além de formulação de perguntas literais (as que estão
explicitamente expostas no texto), inferenciais (cuja compreensão requererá a
apreensão de dados implícitos do texto) e avaliativas (em que o leitor opina sobre
eventos, idéias do texto, entre outros).

Concordando com outros autores, Brandão e Leal (2005) destacam que


muitos conhecimentos e habilidades que envolvem as atividades de leitura e
produção textuais podem ser enfocados antes mesmo dos aprendizes terem
construído a base alfabética de escrita. Essa concepção foi reiterada em pesquisa
realizada com algumas professoras alfabetizadoras que expressaram a importância
de, desde a alfabetização, propiciar momentos de leitura e escrita de textos
(BRANDÃO; LEAL, 2005). Declararam priorizar contos infantis, mas, além destes,
usavam outros gêneros textuais. Além disso, nos momentos de produção de textos,
variavam as formas de agrupamento dos alunos, conduzindo, elas mesmas,
algumas situações de produção.

Na compreensão de alguns autores que corroboram com essa concepção


(MORAIS, 2005; LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006), os gêneros textuais se
prestam a várias finalidades, tornando-se primordial a seleção consciente desse
material por parte do professor. As possibilidades de exploração dos gêneros são
inúmeras, inclusive, a de contribuir com o ensino da escrita alfabética.

Ao se remeterem a uma situação de produção textual em uma turma de


terceiro ano do 1º ciclo da rede municipal de ensino de Recife, Brandão e Leal
(2005) explicitaram alguns aspectos que foram priorizados e que asseguraram ricos
momentos de aprendizado. Tratou-se da elaboração do gênero “carta de
reclamação”, que os aprendizes construíram individualmente. Após esse momento,
optaram por homogeneizar o texto, fazendo-o coletivamente. A partir de então,
105

outras decisões tiveram que ser tomadas, como a seleção das informações, a
revisão textual, o registro, entre outras.

Atitudes e encaminhamentos como os citados na situação acima


promoveriam uma “atitude positiva frente à atividade escrita, assim como a
valorização das capacidades textuais já adquiridas pelos alunos” (LEAL; BRANDÃO,
2006, p. 50). Além dessa característica, é preciso estar engajado na atividade de
produção, expor os alunos a várias situações em que possam escrever. Ao longo da
escrita, os alunos precisam tomar decisões que estão situadas numa dimensão mais
ampla, tais como: pensar sobre os objetivos a serem alcançados com a produção,
organizar um plano geral e monitorar as ações do texto, a fim de não perder de vista
as finalidades e destinatários, selecionar o conteúdo do texto, objetivando seguir
seqüência que esteja em consonância com os objetivos pensados, entre outros
(LEAL; BRANDÃO, 2006, p. 51-52).

Albuquerque e Leal (2006) trazem à lembrança algumas das experiências


com a escrita que se passavam no contexto da escola, ao invés de textos reais,
quando produziam-se redações. Por vezes, essa prática deixou traumas, já que a
produção dessas redações resultava em avaliações que classificavam os textos
como bons ou ruins, certos ou errados. As autoras sinalizam que, nesse caso, a
produção era desvinculada de um contexto extra-escolar, não tinha finalidades
sociais, ou seja, a escola produziu modelos de gêneros que só existiam no seu
interior, não no meio social. Atualmente a discussão sobre os gêneros textuais é
intensa e a lógica é contrária à exposta anteriormente: privilegia-se, no interior das
escolas, gêneros de circulação social, finalidades, interlocutores (ALBUQUERQUE;
LEAL, 2006, p. 100).

Essas autoras assinalam que, em reação ao ensino tradicional, as


propostas curriculares, no âmbito dos estados e em alguns municípios, superaram a
concepção de que a leitura e a escrita estariam limitadas às atividades de
codificação e decodificação, passaram a assumir, portanto, status de práticas sociais
que são. Nesse cenário, passou-se a priorizar o trabalho com leitura e escrita a partir
dos diversos gêneros textuais, considerando, entre outros aspectos, seus
portadores, funções sociais, contextos de produção (ALBUQUERQUE; LEAL, 2006,
p.101).
106

Assumindo a perspectiva reflexiva dos processos de ensino e


aprendizagem, bem como sublinhando a inevitável escolarização no âmbito da
escola, as mesmas autoras apontam que as situações envolvendo uso e práticas de
linguagem passaram a ser permeadas pela interação. Nesse cenário, a inserção dos
gêneros nas práticas educativas contaria pelo menos com dois aspectos: a natureza
das situações de interação, assim como as possibilidades dos aprendizes
(ALBUQUERQUE; LEAL, 2006, p.103).

Constituindo-se num espaço de formação, as autoras enfatizam que a


escola teria o papel de, não só ensinar os conteúdos das diversas áreas, mas
possibilitar a inserção dos alunos nas práticas sociais e na contínua construção de
saberes.

Em continuidade, traremos para a discussão algumas das implicações que a


organização do ensino por ciclos tem suscitado às práticas de leitura e escrita na
escola. Antecipamos que esse debate é inicial, haja vista a limitada produção nessa
área, no Brasil.

2.4 Organização do ensino por ciclos: o que muda nas práticas de leitura e
escrita na alfabetização?

Destacamos, já na introdução desse estudo, algumas mudanças que vêm


sendo impostas à instituição escolar, no esteio da implantação das propostas
baseadas em ciclos. Diante desse cenário, é inegável afirmar que têm sido notórias
as redefinições em suas formas de organização administrativa e pedagógica.

Concebemos que, paralelamente à intensificação do debate acerca da


organização escolar por ciclos, sobretudo com o advento da LDBEN 9394/96,
mudanças teórico-metodológicas referentes ao ensino e à aprendizagem da leitura e
da escrita também ocuparam espaço privilegiado nas propostas e discussões.
Interessa-nos apreender, portanto, algumas das implicações dessa política no
âmbito das práticas de ensino de língua na alfabetização. Para tanto, respaldaremos
essa breve discussão em algumas pesquisas que priorizaram esse debate,
instaurado no cenário das práticas educacionais.
107

Conforme já assinalamos, Oliveira (2004) buscou analisar o modo como


professoras do 1º ciclo vinham operacionalizando o ensino nessa nova proposta que
foi implantada, no âmbito da rede municipal de ensino de Recife, em agosto de
2001.33 Naquele contexto, a ausência de competências específicas para cada ano
do ciclo vinha gerando um desconforto e busca por alternativas para o ensino de
língua portuguesa no âmbito das escolas pesquisadas.34 Um aspecto que vale a
pena rememorar, entre os dados analisados, foi a tática35 presente em uma das três
instituições pesquisadas, cujas profissionais elaboraram o que ficou conhecida como
“ficha”, organizando, para cada ano do primeiro ciclo, as competências de cada área
do conhecimento e, no caso de língua portuguesa, contemplando os vários eixos de
ensino. Compreendemos que esse processo de negociação interna entre o coletivo
da escola revela a multiplicidade de apropriações, fabricações dos sujeitos que,
conforme aponta Certeau (1985), produzem e recriam as estratégias impostas ao
cotidiano em que atuam.

De acordo com depoimento de uma das professoras, aquele material por


elas produzido, naquela instituição, culminou com uma maior estabilização do ensino
e clareza quanto ao que priorizar em cada área e ano-ciclo. Todavia, essa não foi a
realidade das demais instituições. Diante do desafio que estava posto, observamos
nítidas oscilações quanto ao que priorizar no ensino de língua portuguesa, nos três
anos do 1º ciclo. Essas imprecisões, cremos, estavam intimamente relacionadas à
proposta curricular adotada pela rede municipal de ensino de Recife, a qual não
estabelecia, naquele contexto, as competências por ano-ciclo. Infelizmente, o
mesmo documento continuava sendo usado em 2010.

Na mesma pesquisa agora enfocada (OLIVEIRA, 2004), a exploração da


escrita, entre as práticas, foi marcada por uma evidente oscilação e revelou pouca
precisão entre os depoimentos das mestras: ora estava assentada numa concepção
de produção de textos, ora vinculava-se à escrita alfabética, sem que, com isso,
elencassem suas características e articulações, a partir dos anos-ciclo em que
atuavam.

33
Em 1986-1988, a Rede Municipal de Ensino de Recife viveu a experiência dos Ciclos Básicos de
Alfabetização (CBA). A partir de 2001 estendeu a proposta a todo o ensino fundamental.
34
Acompanhamos três instituições, sendo três professoras de cada uma delas, dos três anos do 1º
ciclo. Os dados foram coletados em 2003.
35
O conceito de tática nesse estudo está ancorado em Certeau (1985).
108

Compreendendo o ensino desenvolvido em língua portuguesa, houve, no


universo das três escolas, das nove professoras, quem defendesse que a escrita
viria como uma conseqüência das práticas de leitura, atribuindo, dessa forma, um
suposto espontaneísmo no aprendizado do objeto “escrita”. Entre as práticas
acompanhadas, verificamos que havia expectativas distintas quanto ao que construir
em língua portuguesa, em cada ano-ciclo. Uma das professoras do terceiro ano foi
enfática ao declarar que sua turma já estava bem “avançada” e que, portanto, suas
sugestões de atividades ultrapassavam aquelas que priorizavam a escrita alfabética.
Entravam no cenário a produção textual, o enfoque dado à “gramática”, “análise
lingüística”, entre outros. Entretanto, de um modo geral, essas expectativas
pareciam revelar mais das construções singulares das mestras do que mesmo de
uma proposta que esclarecesse o que ensinar em cada etapa, dado que o
documento oficial da rede pouco vinha ajudando aquelas profissionais a
organizarem seu ensino.

Sobre esse assunto, destacamos que, de acordo com a teoria da fabricação


do cotidiano escolar, cada professor tem uma prática singular que guarda certo
distanciamento daquilo que seria a posição da escola, da rede de ensino
(FERREIRA, 2005; OLIVEIRA, 2004).

A partir desse quadro geral, revelador de como as professoras vinham


praticando o ensino de língua no 1º ciclo, é que entramos no debate mais específico
dos ciclos. Segundo elas, o impacto vivido com o processo de implantação dos
ciclos na secretaria municipal de ensino de Recife, foi notório. Uma das mestras
chegou a enfatizar que o “tumulto foi visível” naquela ocasião, já que as professoras
não sabiam como proceder dali por diante, nas práticas de ensino e de avaliação.
Esse cenário gerou várias concepções em torno dos ciclos: houve quem
concordasse com o tratamento da heterogeneidade das aprendizagens, no entanto,
não deixava de sugerir a retenção, em alguns casos. Por outro lado, a concepção de
que era preciso retomar o sistema seriado também foi anunciada. Essas distintas
compreensões do ciclo culminaram com a recorrência de várias “táticas de
sobrevivência”.36

36
OLIVEIRA, Solange Alves de. O ensino e avaliação do aprendizado do sistema de notação
alfabética numa escolarização organizada em ciclos. Dissertação (Mestrado em Educação).
Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.
109

A autora concluiu enfatizando que não dava para conceber a proposta dos
ciclos sem uma reformulação curricular que contemplasse os objetos do saber
envolvidos nas diversas áreas do conhecimento, bem como a delimitação das
competências para cada etapa escolar. Sem essa clareza, destacou, parecia
impossível assegurar o avanço rumo à materialização de um princípio ancorado
nessa proposta: um ensino que favorecesse a aprendizagem de todos os
aprendizes.

Essa preocupação com a operacionalização de um ensino que priorizasse a


heterogeneidade, assegurando as aprendizagens esperadas para cada ano do 1º
ciclo também foi desenvolvida por Cruz (2008), através de um estudo de caso, na
secretaria municipal de ensino de Recife.

Para isso, a autora acompanhou a prática de três professoras dos três anos
do 1º ciclo de uma escola que apresentava bons índices nos resultados relativos à
avaliação do aprendizado da leitura e da escrita de seus aprendizes. O objetivo foi
apreender, no interior do ciclo, o ensino e o aprendizado das crianças quanto aos
eixos de escrita alfabética, leitura, produção de textos.37 A análise das práticas
revelou que as professoras priorizaram esses eixos ao longo do ciclo, ajustando-os
às expectativas de cada ano-ciclo em que atuavam.

Pesquisas dessa natureza nos ajudam a entender, de maneira mais


aproximada, a materialização de uma proposta que prima pelo atendimento à
heterogeneidade, numa determinada área de conhecimento, nesse caso, língua
portuguesa. Além disso, indica o quanto é possível pensarmos na progressão das
aprendizagens a cada etapa escolar, se dispomos de referenciais teórico-
metodológicos que nos permitam pensar o ensino e as aprendizagens a serem
construídas.

Centrando-se em resultados parciais de um estudo relativo à análise da


presença (ou ausência) de progressão das atividades de leitura e produção textuais
no interior 1º ciclo, Oliveira (2010) acompanhou, em 2007, a prática de nove
professoras, de três instituições da rede municipal de ensino de Recife. Na ocasião
das análises preliminares, a autora constatou que, no primeiro ano, as professoras
37
CRUZ, Magna do Carmo Silva. Alfabetizar letrando: alguns desafios do 1º ciclo no ensino
fundamental. Recife, 2008. Dissertação (Mestrado em Educação). Centro de Educação, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2008.
110

focavam seu ensino de língua na leitura e na escrita de palavras, o que indicava um


evidente investimento na construção da base alfabética de escrita. O segundo ano
apareceu como uma etapa “transitória” no ciclo, ao considerarmos os eixos de leitura
e produção de textos. Se por um lado se aproximava das turmas de primeiro ano
quanto à ausência de produção textual, por outro, se aproximava dos terceiros anos,
no que se referia à leitura de textos com a condução da professora.

O estudo permitiu apreender, ainda, que a escassa produção de textos


esteve presente, inclusive, entre as turmas de terceiro ano, etapa em que os
aprendizes poderiam estar escrevendo textos com relativa autonomia. Chamou-nos
a atenção, também, que nessa última atividade, quando ocorria, o aprendiz era
chamado a operar solitariamente, enquanto que a leitura de textos era realizada,
predominantemente, pelas professoras.

Os dados preliminares apontaram que a progressão das atividades de


língua no interior do 1º ciclo, no âmbito da prática docente, foi marcada por diversos
fatores que merecem ser destacados: aspectos ligados às concepções das
professoras quanto ao que priorizar no ensino, o preparo para enfocar objetos do
saber para os quais demonstravam determinadas limitações, além da análise que
elas faziam das limitações e possibilidades de aprendizagem de seus alunos.

Objetivando apreender algumas das mudanças ocorridas nas práticas


pedagógicas de professoras do 1º ciclo da rede municipal de ensino de Niterói,
Frigotto (2005), acompanhou, ao longo de um ano letivo (2004), a prática de três
mestras de cada ano do 1º ciclo de uma escola daquela rede.

Algumas apropriações entre as profissionais da educação estavam sendo


levadas a cabo, por ocasião dos ciclos, tal como ocorreu no cenário da rede
municipal de ensino de Recife. A autora, durante a observação das práticas, pôde
acompanhar uma mudança de reagrupamento dos alunos das turmas de segundo e
terceiro anos por meio do critério “alfabetizado versus não-alfabetizado”.38 Embora
essa tática39 tenha sido bem aceita pela direção da escola, os professores
consideravam ser esse um retrocesso, já que se retomava os clássicos

38
Não sabemos a concepção aderida pela equipe de gestão da escola quanto a ser ou não
alfabetizado.
39
Lembramos que o conceito de tática adotado nesse estudo está ancorado em Certeau (1994;
1985).
111

agrupamentos de “fortes” e “fracos”, presentes no sistema seriado. Os professores


ressaltaram, ainda, a ineficácia da promoção automática, visto que não estava
garantindo a consolidação da escrita alfabética.

Reportando-se, ainda, a esse reagrupamento, a autora enfatiza alguns dos


problemas resultantes de tais reagrupamentos. Como os alunos que já estavam
alfabetizados no terceiro ano passaram a trabalhar com a professora do segundo, na
ótica deles, tinham retrocedido, visto que, como não entendiam a lógica de
operacionalização dos ciclos, atribuíam o “ser aluno de tal professora” o sentido de
progressão.

Dados da pesquisa (FRIGOTTO, 2005) apontaram que professores


concordavam quanto à consolidação da escrita já no primeiro ano, resultado que não
estava ocorrendo. Essa declaração parece indicar o urgente avanço quanto a uma
reformulação curricular que precise os saberes a serem construídos em cada etapa
do ciclo.

Algo que vale a pena recuperar na pesquisa desenvolvida por Frigotto


(2005) foi a ausência de práticas que recorressem ao uso da escrita em diferentes
contextos, diferentemente dos estudos anteriormente realçados (OLIVEIRA, 2010;
2004; CRUZ, 2008). Conforme a autora, as professoras, naquele contexto, estavam
recorrendo a atividades desprovidas dos usos sociais da linguagem. Frigotto chama
a atenção para esse dado, visto que, na ocasião em que a pesquisa foi
desenvolvida, já havia uma visível defesa do ensino da leitura e da escrita enquanto
práticas sociais (SOARES, 2003a; 2003b; 1998).

Embora reconheça essas limitações, a autora conclui que os ciclos vêm


impondo uma nova lógica nas formas de organização e gestão dos saberes na
escola o que, inevitavelmente, tem gerado maior tempo dado ao aprendiz para uma
consolidação mais consistente da leitura e da escrita. Reiteramos, entretanto, que
essa ampliação no tempo não assegura aprendizagem. É urgente, portanto,
conjugar esse aspecto com uma mudança no currículo, a fim de garantir uma
clareza na articulação entre o uso do tempo e o que ensinar em cada etapa do ciclo
(FRIGOTTO, 2005).
112

Entendemos que a temática dos ciclos vem sendo amplamente pesquisada


no Brasil, todavia, as pesquisas parecem estar situadas num campo mais amplo da
organização do trabalho pedagógico. Estamos nos referindo a estudos como os
desenvolvidos por Cunha (2007) focado nas mudanças de organização e no
tratamento da heterogeneidade na sala de aula; Villar (2009) centrado na análise
das práticas avaliativas desenvolvidas no contexto dos ciclos de aprendizagem ou a
pesquisa de Nascimento (2005), que focou a construção do saber escolar nos ciclos
iniciais, na ótica das professoras. Nosso objetivo é realçar o exame dessa política,
no âmbito das práticas pedagógicas, porém, conjugando-o com a lógica de seleção,
progressão e operacionalização dos saberes, ao longo dos ciclos.

Ao tomar como exemplo o estudo desenvolvido por Cunha (2007), tal como
explicitamos na seção que explorou o tratamento dado à heterogeneidade das
aprendizagens, reiteramos o já dito anteriormente quanto à ausência de uma
articulação entre as concepções mais gerais a respeito, por exemplo, das formas de
agrupamento adotadas, do respeito ao desempenho alcançado pelo aluno nas
atividades e das formas de intervenção no curso das atividades propostas. Com o
objetivo de endossar essa prática, observamos, através de depoimento de uma das
professoras sujeito de sua pesquisa, a perda da finalidade da atividade proposta em
nome do “respeito ao educando”.

Ante a ausência desses critérios anteriormente elencados, temos nos


perguntado de que “apropriações” e “fabricações” as professoras vêm lançando
mão, no interior das escolas e de suas salas de aula, para atender às diferentes
demandas de aprendizagem na área de língua, no 1º ciclo? De que modo estariam
“didatizando” o ensino de língua? As apropriações dos objetos do saber estariam
sendo orientadas por uma progressão em suas formas de abordagem no 1º ciclo?

A seguir, anunciaremos a metodologia da pesquisa, explicitando os objetivos


perseguidos, os instrumentos metodológicos adotados e a perspectiva teórico-
metodológica que norteou o tratamento de nossos dados.
113

3 METODOLOGIA

Neste capítulo, explicitaremos a trajetória metodológica que adotamos, as


escolhas, os ajustes realizados ao longo dos eventos que surgiram no campo
empírico, a fim de obtermos um quadro que atendesse ao objetivo da pesquisa.
Inicialmente, é oportuno anunciar os objetivos adotados, em seguida, caracterizar as
escolas pesquisadas, bem como os perfis profissional e acadêmico das professoras
que contribuíram com o estudo. Posteriormente, enfocaremos e justificaremos os
instrumentos priorizados no estudo.

3.1 Objetivos

3.1.1 Objetivo Geral

Analisar práticas de ensino de língua portuguesa, considerando a progressão das


atividades, as escolhas “didáticas” e “pedagógicas” e o tratamento dado à
heterogeneidade das aprendizagens no interior de turmas do 1º ciclo da Rede
Municipal de Ensino de Recife (RMER).

3.1.2 Específicos

Verificar a presença (ou ausência) de uma progressão das atividades de língua no 1º


ciclo, considerando os eixos de Leitura, Compreensão e Produção Textuais, Sistema
de Notação Alfabética e Análise Lingüística;

Apreender as formas de agrupamento adotadas nas práticas e o tratamento dado ao


erro do aprendiz na articulação com as atividades de língua;
114

Analisar o modo como as professoras estavam lidando com a heterogeneidade das


aprendizagens, bem como os procedimentos adotados quanto às alternativas de
cooperação no interior da sala de aula.

3.2 Caracterização das escolas e perfis (formação acadêmica e atuação


profissional) das professoras pesquisadas

A princípio, intentamos desenvolver um estudo com as mesmas professoras


que compuseram a amostra da pesquisa realizada no mestrado. O objetivo era
apreender algumas das “(re)apropriações” e “(re)fabricações” de que as professoras
vinham lançando mão, desde a implantação da proposta dos ciclos (2001), para dar
conta das diferentes demandas de aprendizagem, de modo a assegurar os
conhecimentos de língua esperados para cada etapa do 1º ciclo.

Ao retornarmos às instituições, em 2007, vislumbramos um quadro


totalmente distinto do esperado: professoras transferidas de escola, um caso de
transferência para outro estado, casos de aposentadoria. Das nove profissionais,
localizamos, com disponibilidade, apenas duas, sendo uma do primeiro ano e outra
do terceiro, de instituições distintas.

Diante desse novo cenário, redirecionamos o foco da pesquisa centrando


nosso interesse em práticas de professoras “débutants” e “experts” no ciclo.
Pretendíamos, com isso, acompanhar 12 professoras (seis iniciantes na carreira
docente e seis com mais de cinco anos de atuação no magistério). Dessas seis,
teríamos duas professoras de cada ano do 1º ciclo com e sem longa experiência.

Com isso, trabalharíamos com 12 professoras, sendo seis de cada uma das
duas instituições pesquisadas, garantindo a compreensão de como esse movimento
de apropriação, fabricação das práticas de língua, na lógica dos ciclos, vinha
ocorrendo no interior de uma mesma escola, mas não foi possível, na ocasião da
coleta de dados, o alcance dessa homogeneidade nas variáveis.

Em razão desses (re)encaminhamentos, mantivemos as escolas do


mestrado como referência para a realização da pesquisa, entretanto, optamos por
outros caminhos. Conseguimos as professoras dos três anos do 1º ciclo em duas
115

delas. Na terceira instituição, optamos por acompanhar a prática da professora do


terceiro ano que contribuiu com a pesquisa do mestrado, entretanto, por não
assegurarmos uma análise das articulações entre os três anos do ciclo numa
mesma escola, recorremos a uma outra escola. Obtivemos informações de
pesquisadores da universidade de uma instituição com boas referências quanto ao
ensino desenvolvido e aos resultados alcançados. Completamos nosso rol de
escolas e professoras, o que nos permitiu, cremos, tomando por base uma pesquisa
de natureza qualitativa, apreender as possíveis variações no interior de três
instituições. Durante a análise, buscamos articular as variáveis ano-ciclo e escola,
no intento de apreender as singularidades dos sujeitos, bem como as decisões
tomadas coletivamente quanto à progressão das atividades de língua, às escolhas
“didáticas” e “pedagógicas” das mestras e o tratamento dado à heterogeneidade das
aprendizagens. A seguir, explicitaremos características específicas de cada uma
delas.40

3.2.1 Caracterização da escola A e perfis das mestras que integraram a


pesquisa41

A instituição estava situada na RPA242 e foi inaugurada em 1980.


Inicialmente funcionou como anexo, tornando-se, em seguida, independente. Na
ocasião da pesquisa, funcionava em três turnos e atendeu, no ano de 2007, 582
alunos distribuídos entre 22 turmas da Educação Infantil, Ensino Fundamental
(ciclos I e II) e Educação de Jovens e Adultos: nove nos horários da manhã e tarde,
quatro no turno da noite. Com relação às turmas do 1º ciclo, havia quatro classes do
primeiro ano com uma média de 26 alunos por turma; duas do segundo ano com 36
alunos em cada sala e quatro turmas de terceiro ano, com média de 30 alunos por

40
Acompanhamos nove professoras de três instituições da rede municipal de ensino de Recife.
Foram três de cada instituição, dos três anos do ciclo I. Recorremos a codinomes substitutos
começados pelas letras: A, B e C, seguidos das letras: E, I e U. Chegamos aos seguintes nomes:
Escola A, 1º ano – Aécia; 2º ano – Aída; 3º ano – Áurea; Escola B, 1º ano – Bernadete; 2º ano –
Bianca; 3º ano – Buana; Escola C, 1º ano – Célia; 2º ano – Cinara; 3º ano – Custódia.
41
A mestra que atuava no 1º ano, ciclo I, contribuiu com a pesquisa realizada no curso de mestrado:
OLIVEIRA, Solange Alves de. O ensino e a avaliação do aprendizado do sistema de notação
alfabética numa escolarização organizada em ciclos. Recife, 2004. Dissertação (Mestrado em
Educação). Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, 2004.
42
Região Político Administrativa.
116

sala. No que se refere ao 2º ciclo, a instituição contava com três turmas de primeiro
ano (uma pela manhã e duas à tarde), com média de 30 alunos por classe e duas
turmas do segundo ano (uma pela manhã e uma à tarde), também com média de 30
alunos em cada uma. Na escola havia, ainda, Educação Infantil (grupo V,43 duas
turmas, manhã e tarde), uma turma de Educação Especial que funcionava no horário
da tarde com 10 alunos, três turmas de Educação de Jovens e Adultos (Módulo I, 20
alunos - primeiro ano; Módulo II, 32 alunos - segundo e terceiro anos - e Módulo III,
30 alunos - quarto e quinto anos).

Ao perguntarmos acerca dos estagiários, a funcionária que prestou as


informações afirmou que havia três estagiários de turma (auxiliavam os professores
na sala de aula) no horário da manhã. No contexto da pesquisa, esses vinham
assumindo a sala de aula, dado que o quadro de professores estava incompleto.
Quanto aos estagiários de secretaria, havia um no turno da manhã e um à noite,
além de dois no turno da tarde. Em se tratando dos estagiários de informática, a
escola dispunha de um em cada turno.

Na ocasião da pesquisa, funcionava na escola o “Projeto MAIS”44 com sete


estagiários (quatro pela manhã e três à tarde). Estes atendiam às turmas de terceiro
ano do ciclo I e segundo ano do ciclo II. Havia, também, uma “professora
alfabetizadora” no turno da tarde.45 A instituição participava de projetos relativos à
dimensão financeira como o PDE (Programa de Desenvolvimento Escolar) e PDDE
(Programa de Dinheiro Direto na Escola). Tomamos conhecimento da existência do
Conselho Escolar representado pelos diferentes segmentos: pais, professores,
alunos, funcionários. Além disso, funcionava, na escola, o projeto “Criança Segura”,

43
Crianças com cinco anos de idade.
44
MAIS – Movimento das Aprendizagens Interativas. Projeto que selecionava estudantes de
Pedagogia para atuar como estagiários em escolas da Rede Municipal de Ensino de Recife.
Originalmente, eles deveriam receber orientação semanal para poder planejar atividades e analisar
suas ações, mas isto não acontecia. Era comum os estagiários assumirem a condução das turmas
quando os professores faltavam ou precisavam se ausentar da sala de aula.
45
Tanto o projeto “Mais” quanto o “Professor Alfabetizador” se constituíam enquanto alternativas
encontradas pela Prefeitura para trabalhar com os alunos que apresentavam dificuldades de
aprendizagem, sobretudo nas áreas de língua portuguesa e matemática. No caso do primeiro, este
atendimento era realizado por estagiários que costumavam atuar em duas ou três escolas durante a
semana. No segundo, um professor titular assumia o trabalho no turno oposto ao seu, no mesmo
formato do primeiro. Se no caso dos estagiários do MAIS não havia qualquer orientação para que
fizessem atividades qualificadas com os alunos, os resultados do ensino prestado pelo “professor
alfabetizador” pareciam indicar uma boa avaliação pelos diferentes profissionais e atores envolvidos
na escola.
117

através do qual os professores enfocavam assuntos como higiene, leis de trânsito,


dentre outros.

De acordo com as informações obtidas, a escola dispunha, naquele ano, de:


diretora, vice-diretora, assistente de direção, duas coordenadoras pedagógicas,
agente administrativo, quatro estagiários de secretaria, seis professores no horário
da manhã, nove professores à tarde e dois à noite, três estagiárias de turma, três de
informática, sete estagiárias do projeto “MAIS”, um professor alfabetizador, um
vigilante, dois porteiros, cinco auxiliares de cozinha.

Em se tratando da estrutura física, havia biblioteca, nove salas de aula,


secretaria, cozinha, três banheiros (dois para os alunos e um para os funcionários),
um “pátio”,46 laboratório de informática, depósito (material de limpeza), almoxarifado.

No ano de 2007, houve eleição para a direção e a escola seguiu orientações


da Secretaria de Educação de Recife para a realização da mesma. A vigência do
mandato era de dois anos. Havia, ainda, Conselho de Ciclo que contava com quatro
reuniões anuais, propostas pela rede. Tais reuniões visavam a discutir, entre
professores e coordenadora pedagógica, as questões de aprendizagem, de ensino,
de avaliação da aprendizagem, no contexto dos ciclos de aprendizagem. As
reuniões com os pais ocorriam duas vezes ao longo do ano. No caso de alguma
necessidade específica, a escola tinha autonomia para agendar reuniões extras.

Havia na instituição duas coordenadoras com um ano de atuação no cargo.


Ambas com graduação em Pedagogia e Pós-graduação em Educação (lato sensu).
Quanto aos 17 docentes, 15 possuíam graduação, predominando Pedagogia e dois
tinham o Normal Médio (antigo curso de Magistério). Aproximadamente 10 tinham
pós-graduação lato sensu, conforme afirmou a vice-diretora da escola. A diretora
tinha formação em Pedagogia, a vice-diretora em História e pós-graduação em
Educação Especial. Segue quadro com dados relativos aos perfis acadêmico e
profissional das professoras da escola A acompanhadas nesse estudo.

46
Na realidade, tinham várias finalidades para esse espaço: local de recreação, distribuição do
“lanche” por turmas, organização de filas para acesso às salas do 1º andar, etc.
118

Quadro 1 - Dados relativos à formação acadêmica e atuação profissional das docentes da


Escola A

Perfis acadêmico e profissional das professoras acompanhadas


Escola A
1º ano – Aécia 2º ano - Aída 3º ano – Áurea
Normal Médio
(rede particular de
Ensino Médio Normal Médio Normal Médio ensino)
Pedagogia/
Graduação - FUNESO Pedagogia/UFPE
Ano de conclusão - - 1999
Psicopedagogia/
Pós-graduação - - FUNESO
Ano de conclusão - - 2005

Anos de atuação no
Magistério 25 28 6

Anos de atuação na rede


municipal de Recife 25 28 4

Anos de atuação como


coordenadora em Recife - - -
3º/1º 3º/1º 3º/1º
Ano-ciclo que lecionou em 1º/1º 1º/1º 1º/1º 1º/1º - 2º/2º - 2º/2º (2005, 2006 e
2004/2005/2006/2007 1º/1º e 2º/1º - 2º/1º 2007)
Atuava em outra rede? Não Não Sim
Qual? - - Olinda
Coordenadora
Função - - Pedagógica
Turno - - Tarde

Exercia outra atividade


profissional? Não Não Não

Anos de atuação com


classes de alfabetização 4 anos 28 anos 4 anos

1º/1º = 1º ano do 1º ciclo; 2º/1º = 2º ano do 1º ciclo; 3º/1º = 3º ano do 1º ciclo; 2º/2º = 2º ano do 2º
ciclo; FUNESO: Fundação de Ensino Superior de Olinda; UFPE = Universidade Federal de
Pernambuco.

Entrevistamos e acompanhamos a prática de três professoras do 1º ciclo


(1º, 2º e 3º anos) que atuavam no horário da manhã. Todas elas cursaram o Normal
Médio (antigo Magistério). Apenas a do terceiro ano o fez na rede particular de
ensino. Das três, duas cursaram a graduação em Pedagogia (a do segundo ano –
Fundação de Ensino Superior de Olinda (FUNESO) e a do terceiro ano na
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE). Apenas a professora do terceiro ano
lembrou o ano de conclusão da graduação (1999). Essa profissional cursou, ainda,
119

uma pós-graduação lato sensu (Psicopedagogia) na FUNESO, concluindo-a em


2005.

No que se refere aos anos de experiência no magistério até 2007, ano em


que ocorreu a coleta de dados, as professoras dos primeiro e segundo anos
possuíam, respectivamente, 25 e 28 anos de atuação, enquanto que a do terceiro
ano, tinha seis. O tempo de experiência na Rede Municipal de Recife era o mesmo,
com exceção do terceiro ano, em que a profissional atuava há quatro anos.
Nenhuma das três docentes tinha assumido o cargo de coordenação pedagógica
naquela rede de ensino, apenas a do terceiro ano na Rede Municipal de Ensino de
Olinda.

Verificamos, incluindo 2007, o ano-ciclo em que elas atuaram nos três


últimos anos: 2004, 2005, 2006. No caso dos primeiro e terceiro anos, houve uma
estabilidade, ou seja, as professoras mantinham-se, em 2007, no ano-ciclo em que
lecionaram nos anos anteriores. No caso do segundo ano, encontramos a seguinte
trajetória: 1º/1º, 2º/2º, 2º/2º e 2º/1º, respectivamente.47

Como atestado anteriormente, apenas a professora do terceiro ano atuava


em outra rede na função de coordenadora pedagógica, no horário da tarde. A do
primeiro ano tinha um contrato na rede (acumulava), no horário da tarde, momento
em que trabalhava com projetos direcionados a outros segmentos do ensino
fundamental (3º e 4º ciclos). Do mesmo modo, a do segundo ano, possuía outro
contrato na rede.

Já no que diz respeito aos anos de atuação com classes de alfabetização, a


professora do primeiro ano acumulava quatro, já que nos anos anteriores trabalhou
com o grupo V48 (considerava o 1º ano como sendo específico para alfabetizar). A
do segundo ano afirmou possuir 28 anos de atuação com classes de alfabetização.
Acreditava que a alfabetização se dava no primeiro e segundo ciclos.
Posteriormente, afirmou ser essa a posição da rede municipal. Embora não tenha
alterado seus anos de atuação na alfabetização (28), chegou a declarar que esse
processo ocorria no 1º ciclo. Já a professora do terceiro ano, apontou que o 1º ciclo
era para dar conta da alfabetização das crianças. Seguindo essa lógica, afirmou ter

47
Estamos considerando o ano-ciclo, bem como o ciclo de atuação. Por exemplo: 1º ano do 1º ciclo
1º/1º; 2º ano do 2º ciclo 2º/2º.
48
Educação Infantil: crianças com cinco anos de idade.
120

quatro anos de experiência nessa área: um ano na Prefeitura Municipal de Olinda


(naquele contexto, o ensino era organizado em séries) e três anos no terceiro ano do
1º ciclo na Prefeitura Municipal de Recife.

3.2.2 Caracterização da escola B e perfis das mestras que integraram a


pesquisa

A escola estava situada na RPA 2 e foi fundada no dia 10 de dezembro de


1998. Funcionava, na época da pesquisa, em três turnos, o primeiro com 238 alunos
matriculados, sendo três turmas do primeiro ano, ciclo I, três do segundo ano e um
do terceiro ano. Do mesmo modo, no segundo turno, havia 238 alunos matriculados,
sendo quatro turmas do terceiro ano do ciclo I e três turmas do primeiro ano do ciclo
II. Na ocasião, a escola não trabalhava com o segundo ano do 2º ciclo. Havia, ao
lado da mesma, uma instituição que atendia essa demanda, bem como as turmas
dos demais ciclos do ensino fundamental. No turno da noite, havia 146 alunos
matriculados, distribuídos em turmas de Educação de Jovens e Adultos: Módulo II
(uma turma), Módulo III (uma turma) e duas turmas moduladas (II e III). Tratava-se
de turmas que tinham mais de um ano-ciclo, além de existir, com mais evidência,
vários níveis de aprendizagem numa mesma classe. Havia, portanto, um total de 18
turmas na escola e 622 alunos atendidos.

No momento da pesquisa, havia alguns projetos funcionando: Brasil


Alfabetizado (22 alunos), o PROJOVEM (estação da juventude), o projeto MAIS, o
de Formação de Leitores e a Escola Dominical.49 A escola tinha, ainda, parcerias
com o grupo ASA (Agentes de Saúde Ambiental) com os Trapeiros de Emaús e com
o posto de saúde local. Todos esses grupos utilizavam o espaço da escola para
realizar as reuniões e, como retribuição, apresentavam palestras educativas na área
de saúde, incluindo trabalho específico de escovação (dentistas do posto de saúde).
A escola recebia, também, verbas advindas do PDE, PDDE (Programa de

49
Sem maiores detalhamentos, sabemos que esse último trabalho tinha vínculo com a igreja
evangélica Assembléia de Deus.
121

Desenvolvimento da Escola; Programa de Dinheiro Direto na Escola,


50
respectivamente) e “suprimento individual”.

Em relação à estrutura física, a instituição dispunha de: sete salas de aula,


nove banheiros masculinos e 10 femininos, sala de direção, sala de professores,
uma biblioteca, um laboratório de informática (10 computadores), área coberta,
jardins internos, secretaria, despensa, almoxarifado, cozinha, quadra de esportes
descoberta.

No que se refere aos recursos humanos, contava com uma dirigente, vice-
dirigente, duas coordenadoras pedagógicas, assistente de direção, secretária, 16
professores, uma professora readaptada em biblioteca, duas professoras itinerantes
de Educação Especial, duas auxiliares de secretaria, três estagiários atuando na
secretaria, quatro estagiários no laboratório de informática e três estagiários para
apoio na Educação Especial (presentes nas salas regulares), três merendeiras, seis
auxiliares de serviços gerais e quatro auxiliares de portaria.51 A seguir,
apresentaremos quadro com os perfis acadêmico e profissional das professoras.

50
Não tivemos acesso à forma como ocorria esse “suprimento individual”.
51
Tanto no caso específico da escola A, como na escola B, havia professores que atuavam nos
horários da manhã e da tarde.
122

Quadro 2: Dados relativos à formação acadêmica e atuação profissional das docentes da


Escola B

Perfis acadêmico e profissional das professoras acompanhadas


Escola B
1º ano – Bernadete 2º ano - Bianca 3º ano - Buana
Normal Médio/rede Normal Médio/rede Normal
Ensino Médio pública e particular pública Médio/rede pública
Letras Pedagogia/
Graduação Psicologia/UFPE vernáculo/FAFIRE FUNESO

Ano de conclusão 1986 2006 2002


Psicopedagogia/ Literatura Luso-
Pós-graduação FAFIRE brasileira/FAFIRE -

Ano de conclusão 2005 2008

Anos de atuação no Magistério 22 7 15

Anos de atuação na rede


municipal de Recife 21 4 6

Anos de atuação como


coordenadora em Recife 2 - -

Ano-ciclo em que lecionou em 1º/1º 3º/1º 2º/1º 1º/2º 2º/2º 2º/1º


2004/2005/2006/2007 G5 1º/1º 2º/1º /1º/1º 2º/1º 3º/1º*

Atua em outra rede? Não Sim Sim

Qual? - Estadual Estadual


professora professora curso
Função - (português) Normal Médio

Turno - Noite Noite

Exerce outra atividade


profissional? Não Não Não

Anos de atuação com classes


de alfabetização 11 3 10 anos**

* Professora acompanhou a turma do segundo para o terceiro ano do ciclo I;


** Professora considerava que a alfabetização se estendia até o Ciclo II.
1º/1º = 1º ano do 1º ciclo; 2º/1º = 2º ano do 1º ciclo; 3º/1º = 3º ano do 1º ciclo; 1º/2º = 1º ano do 2º
ciclo; 2º/2º = 2º ano do 2º ciclo; FUNESO = Fundação de Ensino Superior de Olinda; FAFIRE =
Faculdade de Filosofia de Recife; UFPE = Universidade Federal de Pernambuco.

Entrevistamos três professoras do 1º ciclo (1º, 2º e 3º anos)52. Todas elas


cursaram o ensino normal médio na rede pública de ensino. Quanto à graduação, a
mestra do primeiro ano cursou psicologia na UFPE, a do segundo ano Letras na

52
Dessas, duas atuavam no horário da manhã (1º e 2º anos) e a do 3º ano, à tarde.
123

FAFIRE (Faculdade de Filosofia de Recife) e a do terceiro ano pedagogia na


FUNESO (Fundação de ensino superior de Olinda), concluindo-os em 1986, 2006 e
2002, respectivamente. Duas das mestras fizeram pós-graduação lato sensu: a do
primeiro ano Psicopedagogia (FAFIRE) e a do segundo ano, Literatura luso-
brasileira (FAFIRE), concluindo-os em 2005 e 2008, respectivamente.

No que se refere ao tempo de atuação no magistério, a professora do


primeiro ano possuía 22, a do segundo ano sete e a do terceiro ano, 15 anos.
Quanto ao tempo de atuação especificamente na rede municipal de Recife,
encontramos: primeiro ano (21), segundo ano (4) e terceiro ano (6). Dessas,
somente a do primeiro ano atuava como coordenadora pedagógica na rede há dois
anos, no turno da tarde.

No que diz respeito ao ano-ciclo em que atuaram nos últimos quatro anos
(2004, 2005, 2006 e 2007), observamos uma variação. A mestra do primeiro ano
tinha assumido as turmas do Grupo V, 1º/1º, 2º/1º, 1º/1º; a do segundo ano tinha
lecionado no 1º/1º, 3º/1º, 2º/1º, 2º/1º e a do terceiro ano em turmas do 1º/2º, 2º/2º,
2º/1º, 3º/1º. Com exceção da docente do primeiro ano, as outras atuavam na rede
estadual de ensino: a do segundo ano ensinava língua portuguesa (ensino
fundamental II e ensino médio) e a do terceiro ano ministrava disciplinas
pedagógicas do curso normal médio, ambas no turno da noite. Nenhuma delas
exercia outra atividade profissional.

Já no que se refere à atuação em classes de alfabetização, a professora do


primeiro ano possuía 11 anos de experiência, a do segundo, três e a do terceiro, 11
anos. Esta última considerava que a alfabetização abrangia além do 1º, o 2º ciclo.
Seguiremos caracterizando a escola C e os perfis das professoras acompanhadas.

3.2.3 Caracterização da escola C e perfis das mestras que integraram a


pesquisa

A escola ficava situada na RPA 6 e foi fundada no dia 26 de março de 1988.


A instituição surgiu a partir das reivindicações dos moradores do bairro,
representados pelo Conselho de Moradores. Houve ampliação da instituição entre
124

os anos de 2003 e 2004, contando com o apoio da comunidade organizada e suas


lideranças.

Quanto à estrutura física, esta possuía 12 salas de aula (duas no térreo


‘prédio principal’53 e seis no primeiro andar). Além destas, havia quatro que tinham
sido construídas há quatro anos, tendo como referência o ano em que foi realizada a
coleta de dados da presente pesquisa (2007). Dispunha, ainda, de biblioteca ou sala
de leitura, sala de professores (com ar condicionado), laboratório de informática,
secretaria, diretoria, sala de coordenação, área de recreação (descoberta), quadra
de esporte (coberta),54 cozinha com refeitório, 12 banheiros (10 para alunos e dois
para funcionários), laboratório de informática, espaço para guardar o material
didático e um outro para o material de limpeza, além de uma sala aonde funcionava
o Centro de Cultura Chico Science.55

Foram realizadas, no ano de 2007, 736 matrículas sendo: 37 no Grupo V,


53, 57 e 159 nos primeiros, segundos e terceiros anos do ciclo I, respectivamente,
140 e 201 nos primeiros e segundos anos, ciclo II, 56 nos módulos II e 33 no módulo
III (Educação de Jovens e Adultos). No caso do módulo I, funcionava, na ocasião da
pesquisa, o programa “Brasil Alfabetizado”. Havia, ainda, dois professores
alfabetizadores (um no horário da manhã, outro, à tarde). Estes atendiam aos
terceiro ano do ciclo I e segundo ano do ciclo II. A escola funcionava em três turnos
com 12 turmas pela manhã e à tarde e três à noite.

No concernente aos recursos humanos, a escola possuía três estagiários de


secretaria, uma estagiária de sala de aula (atuava no 1º ciclo), as estagiárias do
projeto MAIS (variavam entre quatro e seis, dada a situação dos rodízios entre as
escolas), um docente do Programa “Professor Alfabetizador”, dois estagiários de
informática (manhã e tarde), estagiárias da Educação Especial (havia três vagas,
mas, naquele ano, atuaram cinco, considerando o rodízio que existia), diretora, vice-
diretora, assistente de direção, duas coordenadoras (manhã e tarde), 21 professores
(atuando na Educação Infantil, Ensino Fundamental regular e na modalidade EJA -

53
Na ocasião da pesquisa, a escola já contava com um prédio novo, espaço de novas salas de aula e
da biblioteca.
54
Local aonde costumavam realizar os eventos, festividades da escola, além das atividades
esportivas.
55
Tratava-se de uma sala reservada para dança. Os alunos tinham esse espaço disponível para
realizar os ensaios musicais.
125

Educação de Jovens e Adultos); cinco destes atuavam em dois horários. A escola


contava, ainda, com nove funcionários que atuavam na cozinha e seis vigilantes.

Havia, também, o Conselho Escolar, o qual funcionava com todos os


segmentos: pedagógico, financeiro e administrativo e as reuniões aconteciam
bimestralmente. A escola organizava, conforme orientação da prefeitura, quatro
conselhos de ciclo, ao longo do ano. Em seguida, realizava o “plantão
pedagógico”.56 Assim como em todas as escolas, houve eleição para dirigente. No
caso dessa instituição, só houve uma chapa. Todos os segmentos podiam votar,
assim como alunos a partir de 11 anos. Fomos informados, ainda, que havia duas
reuniões ao longo do ano, envolvendo a direção e os pais dos alunos.

Quadro 3. Dados relativos à formação acadêmica e atuação profissional das docentes da


Escola C

Perfis acadêmico e profissional das professoras acompanhadas


Escola C
1º ano – Célia 2º ano – Cinara 3º ano***Custódia
Normal Normal
Normal Médio -científico/ Médio/rede Médio/rede
Ensino Médio rede particular pública particular
pedagogia/UVA 4º
Graduação Pedagogia/UFPE Letras/UNICAP período
Ano de conclusão 2002 1990 2009 (previsão)
Psicologia da Psicopedagogia/
Pós-graduação Educação/FAFIRE FAFIRE -
Ano de conclusão 2006 2004 -

Anos de atuação no Magistério 14 19 12


Anos de atuação na rede
municipal de Recife 7 17 3
Anos de atuação como
coordenadora em Recife - - -
Ano-ciclo que lecionou em 2º/1º 2º/1º 2º/1º 1º/1º 3º/1º 3º/1º
2004/2005/2006/2007 1º/1º 1º/1º 1º/1º 1º/1º* 2º/1º** 3º/1º
Atua em outra rede? Não Não Não
Qual? - - -
Função - - -
Turno - - -
Exerce outra atividade
profissional? Não Não Não
Anos de atuação com classes
de alfabetização 10 Aprox. 12 anos 12 anos

*Professora atuava nos horários da manhã e da tarde com o mesmo ano-ciclo.

56
Nesse momento, as professoras apresentavam aos pais os resultados dos filhos nas atividades
realizadas, quer dizer, o rendimento, as expectativas para o ano-ciclo, entre outros aspectos.
126

** No horário da tarde a professora atuou: 3º/1º; 1º/2º; 2º/2º; 3º/1º.


*** professora que atuava no projeto "Professor Alfabetizador", no horário da tarde.
1º/1º = 1º ano do 1º ciclo; 2º/1º = 2º ano do 1º ciclo; 3º/1º = 3º ano do 1º ciclo; UFPE = Universidade
Federal de Pernambuco; UNICAP = Universidade Católica de Pernambuco; UVA = Universidade do
Vale do Acaraú; FAFIRE = Faculdade de Filosofia de Recife.

Entrevistamos três professoras do 1º ciclo (1º, 2º, 3º anos). Todas elas


cursaram o normal médio, apenas a do segundo ano o fez na rede pública de
ensino. Além desse, a mestra do primeiro ano cursou o antigo “científico” (atual
ensino médio). Das três professoras, a do primeiro ano tinha concluído o curso de
Pedagogia na UFPE – Universidade Federal de Pernambuco, em 2002; a do
segundo Letras na UNICAP - Universidade Católica de Pernambuco, em 1990 e a
do terceiro ano estava cursando o 4º período de pedagogia na UVA - Universidade
do Vale do Acaraú; 2009 era a previsão para concluir o curso.

No que se refere ao tempo de atuação no magistério, as mestras tinham 12


(1º),57 19 (2º) e 14 (3º) anos, respectivamente. Destes, sete (1º), 17 (2º) e três (3º)
tinham sido especificamente na Rede Municipal de Recife. Houve, ainda, uma
estabilidade quanto à atuação no ciclo, nos últimos quatro anos (2004, 2005, 2006 e
2007). Com exceção da mestra do terceiro ano, já que trabalhou com um primeiro
ano do 1º ciclo em 2004, as professoras se mantiveram no ano-ciclo em que
atuavam em 2007. Este parecia ser um acordo interno entre os professores da
escola. Esta última chegou a afirmar que gostaria de ter mudado o ano-ciclo, porém,
como tinham optado por um sorteio entre as turmas, permaneceu com o terceiro ano
do 1º ciclo.

As mestras não atuavam em outra rede de ensino, nem exerciam outra


atividade profissional. As dos primeiro e segundo anos possuíam outro contrato:
atuavam com o 1º/1º e 3º/1º,58 respectivamente. Na ocasião da pesquisa, a mestra
do terceiro ano trabalhava no projeto ‘Professor alfabetizador’ no horário da tarde.59

Houve uma estabilidade quanto aos anos de atuação com classes de


alfabetização: 10 anos (1º), 12 anos (2º e 3º anos).60

57
1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano.
58
1º/1º = 1º ano do 1º ciclo; 3º/1º = 3º ano do 1º ciclo.
59
Tratava-se de um projeto dirigido às crianças com dificuldades de aprendizagem das turmas de
terceiro ano do 1º ciclo e segundo ano do 2º ciclo.
60
Estamos considerando classes de alfabetização os anos do 1º ciclo.
127

3.2.4 Retomando algumas características das escolas e das professoras


acompanhadas

Observamos, ao nos remetermos às três escolas, aspectos comuns entre


elas, relativos, sobretudo, a projetos de intervenção pedagógica, agenda de reuniões
do conselho de ciclo, reuniões com os pais, traçados pela secretaria de educação;
assim como aqueles que as distanciavam, dadas as suas especificidades.

Na escola A, o fato de acompanharmos três professoras que atuavam no


horário da manhã não revelou, em nossa compreensão, uma maior articulação entre
elas quanto ao ensino realizado em cada ano do ciclo. Nossa pontual incursão
nesse cotidiano (oito observações de aula em cada turma) indicou o
desenvolvimento de práticas individuais, sem interações que possibilitassem uma
reflexão coletiva quanto às metas e atividades a serem priorizadas.

Diante dessa possível desarticulação, a que as mestras recorriam para


organizar suas práticas? Algo que nos pareceu estar na ordem da pauta era o tempo
de atuação no magistério. As professoras do primeiro e segundo anos possuíam
mais de vinte anos de experiência na rede municipal de ensino de Recife. Pareciam
ter consolidado uma prática que atravessava várias mudanças nas propostas
pedagógicas. Ambas expuseram suas concepções quanto ao ciclo, evidenciando
fortes críticas ao modelo de avaliação adotado. A professora do terceiro ano, por sua
vez, tentava, mas não conseguia estabelecer trocas com as colegas, de modo que
procurava se pautar em sua experiência na rede municipal de ensino de Olinda,
inclusive como coordenadora pedagógica, já que era seu quarto ano na rede de
Recife. Tudo parecia transcorrer individualmente, sem maiores articulações entre os
pares.

Por várias vezes, a mestra do terceiro ano explicitou seu desejo de


desenvolver um bom trabalho, porém, o perfil de sua turma (alunos com histórico de
reprovação por três anos consecutivos, dificuldades na construção da base
alfabética de escrita, entre outros), impedia que conseguisse bons resultados sem
uma articulação com o coletivo da escola.
128

A escola B, do mesmo modo que a anterior, contava com um calendário fixo


de reuniões de conselho de ciclo, reuniões com os pais e dispunham dos projetos
“MAIS” e “Professor Alfabetizador”, naquele contexto.

Diferentemente da homogeneidade encontrada no horário de exercício das


professoras da escola anterior, as da escola B se distinguiam de modo que o
primeiro e segundo anos funcionavam no horário da manhã e o terceiro ano à tarde.
Essa parecia ser uma configuração acordada entre os profissionais da instituição,
visto que a escola só ofertava vagas até o primeiro ano do 2º ciclo. Na ocasião do
estudo, uma escola, também da prefeitura municipal de Recife, funcionava nas
proximidades, atendendo aos alunos nos demais anos do ensino fundamental.

No universo das práticas, observamos singularidades que valem a pena ser


destacadas. A professora do terceiro ano vinha acompanhando sua turma desde o
segundo ano e, em nossa compreensão, já havia consolidado uma prática de língua
portuguesa com seus alunos. Declarou, durante a entrevista realizada, ter alcançado
bons resultados a partir do que havia acordado com seus educandos. No segundo
ano, priorizou a apropriação da escrita alfabética e até de produções escritas, sem
que, com isso, houvesse intervenções quanto à pontuação, por exemplo. Segundo
ela, havia uma evidente articulação entre as atividades, uma organização semanal
para as aulas de língua portuguesa (segundas e terças-feiras) e uma compreensão
das metas a serem alcançadas. Seu objetivo era encaminhá-los para o primeiro ano
do 2º ciclo com uma autonomia na leitura, compreensão e produção textuais. Quanto
a esse último eixo de ensino, afirmou ser prioridade, naquele ano, enfocar a
pontuação, a ortografia, sobretudo no interior do texto.

Do mesmo modo que essa professora, a do primeiro ano da mesma


instituição revelou ter consolidado uma prática de alfabetização, cujo intuito,
pareceu-nos, recaiu na oralidade e inserção gradativa na construção da escrita
alfabética. Pelo que pudemos observar no quadro, essa professora já atuava na
rede há 21 anos e um outro dado é o de que vinha trabalhando com anos do 1º ciclo
há três anos, conforme retrospectiva dos anos-ciclo de atuação nos quatro anos
precedentes, a contar por 2007. Nesse ano, exercia o cargo de coordenadora
pedagógica no segundo horário.

Diferentemente das duas últimas profissionais, a professora do segundo ano


declarou ter dificuldades em conduzir o ensino no “Ciclo da alfabetização”. Com
129

formação em Letras, possuía uma vasta experiência com o segundo segmento do


ensino fundamental, assim como com o ensino médio, mas não anunciou o mesmo
com relação ao segundo ano do 1º ciclo. Como veremos, atribuiu as lacunas vividas
em sua turma à ausência do livro didático de língua portuguesa, à ausência de maior
articulação entre as professoras, ao número de alunos por turma, entre outros. Tal
como a professora do terceiro ano da escola A, essa docente estava há quatro anos
na rede. Embora a mestra do terceiro ano estivesse há seis anos atuando na
prefeitura de Recife, não indicou dificuldades. Paralelo ao trabalho desenvolvido em
sua turma de terceiro ano, atuava como professora do normal médio na rede
estadual de ensino de Pernambuco.

No rol das instituições, a escola C apresentou evidentes mudanças quanto à


forma de organização e condução de suas atividades. O horário do recreio dos
educandos era marcado, entre outras coisas, por debates, reflexões sobre várias
questões da prática pedagógica. As professoras registravam suas dificuldades, seus
avanços, solicitavam de seus pares sugestões de intervenção didática, enfim, havia
um ambiente reservado a esse encontro diário entre elas. A relação com as
estagiárias do projeto MAIS e com a professora alfabetizadora parecia fluir sem
dificuldades.

Em se tratando das professoras acompanhadas, informamos que a do


primeiro ano atuava nos dois horários, conseguia ter um vínculo com as demais
colegas nos turnos da manhã e da tarde. Acompanhamos sua turma no horário da
tarde, enquanto as demais, pela manhã. Visivelmente, observamos a interação entre
as mestras do primeiro e segundo anos. Participavam de projetos didáticos juntas,
pareciam se articular quanto ao que priorizar em cada ano, de modo a dar
continuidade ao trabalho desenvolvido. Por outro lado, vários fatores pareciam
corroborar com uma reduzida articulação entre essas e a professora do terceiro ano.
Essa última atuava na rede há três anos, enquanto que a do primeiro há sete e a do
segundo há 17 anos; o prédio onde conduzia suas aulas era separado das demais, a
turma assumida pela professora do terceiro ano tinha um perfil diferenciado. Tal
como o terceiro da escola A, seus alunos, na grande maioria, precisavam ser
alfabetizados, o que demandou dessa professora grande esforço. No horário da
tarde, atuava como “professora alfabetizadora”, acompanhando alunos com
dificuldades nas áreas de matemática e língua portuguesa.
130

Reconhecidas essas limitações, a escola C, entre as três instituições,


indicou maior articulação entre as profissionais, de um modo geral, e das
professoras que acompanhamos na pesquisa, em particular. Tanto em relação aos
grandes eventos da escola, como no que se refere às questões de ensino e de
aprendizagem, em específico, demonstraram compartilhar dúvidas, sugestões, o que
apontava para um “ensaio” de progressão do ensino desenvolvido, assim como das
aprendizagens esperadas.

Seguiremos apontando os instrumentos metodológicos adotados nessa


pesquisa.

3.3 Procedimentos e instrumentos metodológicos adotados na pesquisa

3.3.1 Entrevistas

Realizamos entrevistas semi-dirigidas, individuais, com nove professoras


que atuavam no 1º ciclo das três escolas. Denominamos as instituições de A, B e C
(entrevistamos três mestras de cada instituição que atuavam nos três anos do ciclo
I). Tal como afirma Szymanski (2002), a entrevista semi-estruturada é um
procedimento de pesquisa que

não possui roteiro fechado, pode ser visto como aberto, já que se
baseia na fala do entrevistado. Entretanto, os objetivos precisam
estar claros, assim como a informação que se pretende obter, a fim
de se buscar uma compreensão do material que está sendo colhido
e direcioná-la melhor (p.18-19).

Do mesmo modo, Lüdke e André (1986), destacam que aquela modalidade


de entrevista se desenrola a partir de um roteiro (básico) de operacionalização não-
rígida, que possibilita, com isso, que o entrevistador faça, quando necessário,
adaptações ao longo da mesma. Optamos por esse procedimento metodológico,
nessa modalidade, já que a mesma proporciona uma maior interação entre os
131

sujeitos. Nesse caso, o entrevistador, poderia se articular de uma maneira desejável


à obtenção de dados que numa modalidade fechada não conseguiria.

Objetivando apreender as concepções acerca da prática de ensino de


língua portuguesa, a partir da análise de uma progressão (ou não) das atividades
propostas, das escolhas “didáticas” e “pedagógicas”, além do trato com a
heterogeneidade das aprendizagens no contexto do 1º ciclo, priorizamos questões
como: considerando os diferentes ritmos de aprendizagem, como as professoras se
organizavam para as aulas de língua? Quais seriam os conhecimentos que os
alunos tinham que construir em cada ano do 1º ciclo, em língua portuguesa? Que
atividades de língua costumavam trabalhar na sala de aula? De que modo as
articulavam? A que as professoras atribuíam as diferenças existentes no processo
de aprendizagem? Dentre outras.61

Do mesmo modo que as observações, realizamos as entrevistas de acordo


com a disponibilidade das mestras, no caso dessas últimas, no término do ano letivo
(2007). Consideramos uma alternativa relevante, já que poderíamos, além de
levantar concepções, verificar e discutir o que priorizaram no ensino de língua no
primeiro e segundo semestres, as opções “pedagógicas” adotadas, ou seja, como
procediam, as formas de organização na sala de aula, assim como as escolhas
didáticas: conteúdos trabalhados, a relevância dos mesmos, os materiais didáticos a
que recorriam (livro didático, suportes, cartilhas, etc.), entre outros aspectos.

As entrevistas foram realizadas em salas de aula, no período em que as


mestras estavam concluindo os registros avaliativos, o planejamento nos diários de
classe. Acreditamos que esse contexto interferiu, diretamente, no modo como se
expressaram acerca desses aspectos da prática pedagógica. O momento vivido foi
propício a explicitações mais claras do modo como estavam articulando seu ensino
à lógica da escolarização por ciclos.

Antes de iniciar cada entrevista, dialogamos um pouco acerca do objetivo do


estudo, das temáticas gerais a serem enfocadas. Algumas mestras, antes dessa
conversa, já perguntavam ou, até mesmo, solicitavam pausa durante a conversa, a
fim de pensarem na questão e na resposta a ser dada. O pressuposto ora destacado
está articulado com o que enfatiza Szymanski (2002, p. 20), quando afirma que o

61
Conferir anexo I: roteiro de entrevista.
132

adequado seria realizar uma apresentação mútua e que se buscasse esclarecer os


objetivos da pesquisa, abrindo espaço para perguntas e dúvidas, estabelecendo
uma relação cordial.62 O tempo das entrevistas individuais variou entre uma hora e
duas horas e trinta minutos.

3.3.2 Observações de aula

Buscar entender a lógica de funcionamento das práticas cotidianas


escolares, como os atores as (re)constroem em função das necessidades que vão
surgindo, certamente se constitui num procedimento didático e investigativo viável
para os que buscam mergulhar num campo multifacetado, dotado de configurações
próprias como a sala de aula.

Tendo como referência uma nova organização do ensino que vinha


influenciando as práticas, nosso desafio foi buscar compreender algumas das
singularidades existentes no cotidiano das escolas pesquisadas, tais como: que
caminhos foram trilhados por esses atores na tentativa de atender às demandas de
seu cotidiano? Quais as formas de agrupamento adotadas na sala de aula? Que
apropriações, fabricações ocorreram, na ocasião da pesquisa, considerando a
proposição e a operacionalização das atividades de língua?

Cremos que essas questões poderiam ser melhor exploradas a partir do


acompanhamento das professoras em suas salas de aula, lócus privilegiado de
ensino e pesquisa que nos permitiria apreender as certezas, os conflitos, as
fabricações que só quem mergulha nesse universo pode melhor entender a lógica
que o rege.

62
No nosso caso, já tínhamos um vínculo com as mestras, visto que iniciamos as observações de
aula em junho e realizamos as entrevistas ao final do ano letivo.
133

Acompanhamos a prática de nove professoras que atuavam no 1º ciclo, na


ocasião da coleta de dados, em 2007, das três escolas. As observações de aula,
(oito no total, em cada turma), foram realizadas de acordo com a disponibilidade e
organização semanal das professoras.63

Naquele ano, além do recesso ocorrido em julho (15 dias), houve uma greve
realizada pelos professores no mês de junho, o que desencadeou ajustes,
mudanças que se adequassem ao campo de pesquisa.64 A entrada nas salas de
aula teve início em junho e finalizou em dezembro daquele mesmo ano. Anterior ao
acesso às salas, as mestras nos apresentaram aos grupos-classe. Quanto a esse
aspecto, Vianna (2007, p. 41) destaca que “é importante que o observador se
apresente aos elementos do grupo e declare os objetivos de seu trabalho, sem
maiores disfarces, evitando que seja considerado um ‘estranho no ninho’”.

Desse modo, foi possível criarmos um vínculo com os grupos-classe e


professoras, apesar da inevitável reação, sobretudo no início. Daí que a modalidade
de observação adotada nesse estudo foi a naturalística, ou seja, apesar de termos
um roteiro com aspectos relevantes a serem observados durante a permanência nas
salas de aula, optamos por realizar as observações num ambiente natural (sala de
aula) e não intervir nos encaminhamentos, escolhas e metas das professoras. Nesse
caso, observamos e registramos os eventos que efetivamente ocorriam na sala de
aula (VIANNA, 2007, p. 48).

O autor assinala a importância do observador registrar todos os eventos


possíveis (no nosso caso, ocorridos na sala de aula) num diário de campo. Segue
apontando que “sem as interações, nada se consegue saber efetivamente sobre os

63
Na escola B, por exemplo, a professora do terceiro ano delimitou as observações para as segundas
e terças-feiras, momento em que enfocava língua portuguesa. Mas, de um modo geral, não havia,
pelo menos explicitamente, uma organização fixa das aulas de língua portuguesa. Esse fator, por
vezes, gerou dificuldades de articulação entre as observações das nove professoras, visto que
comumente havia “choques” de dias. De início, a professora do segundo ano, escola B, afirmou
trabalhar com língua portuguesa nas segundas-feiras, posteriormente, passou a combinar outros dias
da semana. Além disso, houve imprevistos nessa turma, visto que chegou a marcar a observação,
mas não trabalhou com língua portuguesa. Esses imprevistos ocorreram em outras turmas.
64
No início das observações na escola A, a professora do segundo ano apresentou certa
“resistência”, porém, em seguida, aceitou contribuir com a pesquisa. Entretanto, na quarta
observação, negou-se a continuar. Afirmou que ia se aposentar e que as observações estavam
atrapalhando suas aulas. De acordo com a coordenadora do turno da tarde, costumava ter esse tipo
de ação ante outras situações. Tal aspecto gerou dificuldades, já que a única professora titular da
escola, atuante no segundo ano, ia entrar de licença, se submeter a uma cirurgia, mas, mesmo
assim, contribuiu com a pesquisa. Além desse, houve outros casos de licença, a exemplo da
professora do primeiro ano, escola C.
134

observados. As notas de campo, desse modo, devem preservar a sequência em que


essas interações ocorrem (...)” (VIANNA., 2007, p. 31).

A partir do que fora descrito anteriormente, fica clara a nossa opção por
fazer a análise dos dados obtidos através das entrevistas e observações de aula, a
fim de garantir maior expressividade nos resultados. Optamos por analisar os dados
de maneira articulada, recorrendo a extratos das entrevistas, sempre que
necessário.

Através dos procedimentos e instrumentos metodológicos eleitos na


presente pesquisa, intentamos cercar nosso objeto, a fim de, por diferentes meios,
buscar entender, de maneira mais consistente, as concepções e práticas
pedagógicas de professoras que atuavam no 1º ciclo no ano de 2007 na Prefeitura
Municipal de Recife. Através dessa descrição e justificativa, entendemos que o
presente estudo é de tipo etnográfico (ANDRÉ, 2005). A seguir, destacaremos os
princípios que o caracterizam como tal.

De acordo com a autora, os etnógrafos se interessam pela descrição da


cultura de um grupo social considerando, desse modo, várias dimensões (práticas,
hábitos, crenças, valores, linguagem, significados), por outro lado, a preocupação
dos pesquisadores na área educacional é com os fenômenos educativos. Por esse
motivo, André destaca que vários requisitos presentes na pesquisa etnográfica não
são, nem precisam ser cumpridos pelos estudiosos do fenômeno educativo. Um dos
requisitos sugeridos por Wocoltt (1988 citado por ANDRÉ, 2005, p. 28) seria a longa
permanência do pesquisador no campo. Por este motivo, a autora afirma que o que
ocorre em educação é uma adaptação da etnografia, o que resulta na idéia de
fazermos estudos de tipo etnográfico e não etnografia no sentido mais estrito.

Faz-se necessário, então, apontar algumas das características que definem


um estudo de tipo etnográfico. Numa primeira instância, este recorre a técnicas que
são utilizadas na etnografia: a observação participante,65 a entrevista intensiva e a
análise de documentos. Esta considera, ainda, o pesquisador como instrumento
principal na coleta e na análise dos dados, destaca a relevância do processo, mais
que os resultados finais, a preocupação com o significado (como os sujeitos

65
Diferentemente de outras definições dadas à observação participante, André (2005) enfatiza que
esta modalidade de observação se caracteriza por um grau de interação com a situação estudada por
parte do pesquisador, afetando-a e sendo por ela afetado (p.28).
135

acompanhados se vêem diante da situação de pesquisa, por exemplo), implica na


realização de um trabalho de campo (não há, nesse processo, intenção de modificar
o ambiente, a observação das situações, pessoas, práticas são desenvolvidas e
apreendidas no seu ambiente natural, o que caracteriza essa pesquisa, também,
como naturalística ou naturalista) (ANDRÉ, 2005, p. 29). O período de contato com o
campo pode variar: indo de algumas semanas até vários meses ou anos.

Surgindo recentemente no campo educacional, o estudo de caso


etnográfico sugere a aplicação da abordagem etnográfica ao estudo de um caso
(ANDRÉ, 2005, p. 30-31). Para que seja caracterizado como um estudo de caso
etnográfico é preciso, inicialmente, preencher aos requisitos da etnografia e que se
constitua enquanto um sistema bem delimitado (no nosso caso, uma proposta
específica: ciclos de aprendizagem, um grupo delimitado: alguns professores que
atuavam no 1º ciclo no ano de 2007). Ao mesmo tempo em que se constitui numa
unidade, não impede o pesquisador de fazer relações com o todo sistêmico.

Explicitaremos, a seguir, nossa opção teórico-metodológica para o


tratamento dos dados.

3.4 Análise dos dados

Recorreremos, para o tratamento de nossos dados, à análise de conteúdo


temática (BARDIN, 1977), a qual consiste numa metodologia de dados qualitativos.

A análise de conteúdo foi desenvolvida por temas (análise temática


categorial) e envolveu as etapas sugeridas por Bardin (Ibid): pré-análise, análise do
material (codificação e categorização da informação) e tratamento dos resultados,
inferência e interpretação. Na pré-análise, a pesquisadora, através dos primeiros
contatos com os materiais, buscou organizar, sistematizar os “preâmbulos”
(FRANCO, 2005), a fim de subsidiar os alicerces às etapas subseqüentes, através
da definição das unidades de análise. Já a etapa da categorização foi marcada por
uma classificação dos elementos, baseada em analogias e significados
predominantes no material analisado. Na verdade, aponta Franco (2005, p. 57), “a
criação de categorias é o ponto crucial da análise de conteúdo”. Esta etapa, via de
regra, requer grande esforço e sensibilidade do pesquisador, já que não existe um
136

caminho pré-definido para orientá-lo, portanto, em geral, este “segue seu próprio
caminho, baseado em conhecimentos e guiado por sua competência, sensibilidade e
intuição” (FRANCO, 2005, p. 58).

A autora enfatiza, ainda, que a análise se inicia com base no conteúdo


manifesto e explícito. Aponta, também,

a possibilidade de se realizar uma sólida análise acerca do conteúdo


‘oculto’ das mensagens e de suas entrelinhas, o que direciona o
pesquisador para além do que pode ser identificado, quantificado e
classificado para o que pode ser decifrado mediante códigos
especiais e simbólicos” (FRANCO, 2005, p. 24).

Segue explicitando que,

assim como a etnografia necessita da etnologia para interpretar


suas descrições minuciosas, o analista tira partido do tratamento
das mensagens que manipula, para inferir (de maneira lógica),
conhecimentos que extrapolem o conteúdo manifesto nas
mensagens e que podem estar associados a outros elementos
(como o emissor, suas condições de produção, seu meio
abrangente, etc.) (FRANCO, 2005, p. 25).

Ainda segundo a autora, a descrição – parte integrante do processo de


análise – se constitui no resultado do primeiro contato com o material, seria esta a
primeira etapa; já a interpretação, constituiria a última fase, período em que se
atribui significação às características do material analisado. Num processo
intermediário, apreendemos a inferência “que vai permitir a passagem explícita e
controlada da descrição à interpretação” (FRANCO, 2005, p. 25-26). Esta seria,
conforme a autora, ‘la raison d’être’ (a razão de ser) da análise de conteúdo, visto
que confere à análise relevância teórica e implica, necessariamente, num processo
de comparação entre os dados, característica que a coloca num estágio superior à
descrição.

Os dados serão analisados considerando-se, ao menos, os aspectos


apresentados a seguir, os quais deverão constituir os eixos de nossa análise:

ƒ Atividades de Rotina Pedagógica;


137

ƒ Atividades de Leitura, Compreensão e Produção Textuais: diversidade e


progressão desses eixos no 1º ciclo;

ƒ Diferenças existentes entre as mestras que atuavam nos três anos do ciclo I
quanto às escolhas “didáticas” e “pedagógicas” empreendidas na sala de
aula, considerando a área de língua portuguesa;

ƒ Tratamento da heterogeneidade das aprendizagens e atribuição de atividades


ajustadas aos níveis dos aprendizes;
ƒ Formas de cooperação professora-alunos e aluno-aluno na sala de aula;
ƒ Tratamento dado pela docente aos erros dos alunos.
138

4 RESULTADOS DE ANÁLISES I

4.1 Práticas de ensino de língua: progressão das atividades ao longo do 1º


ciclo

4.1.1 O tratamento de dados relativos às atividades priorizadas nas práticas


pedagógicas

Como já dito, no período de junho a dezembro de 200766 acompanhamos a


prática de nove professoras, dos três anos do 1º ciclo, de três instituições da Rede
Municipal de Ensino de Recife. A amostra nos permitiu apreender certas variações
quanto às práticas realizadas, considerando, por exemplo, as mudanças presentes a
partir da escolarização por ciclos e sua articulação com as atividades de língua
priorizadas em cada ano do ciclo analisado. Haveria uma progressão, nas atividades
sugeridas pelas mestras, no interior do 1º ciclo?

A fim de responder tal questão, o exame das práticas pedagógicas, ora


tratadas, está ancorada, a princípio, nas análises dos eixos de Rotina, Ensino de
Leitura, Compreensão e Produção Textuais, Ensino do Sistema de Notação
Alfabética (SNA) e Análise Lingüística. Cada eixo analisado tem desdobramentos
em subcategorias.

Objetivando analisar os dados das observações com as concepções das


professoras acerca de aspectos como a articulação entre os vários eixos de ensino
de língua (leitura, compreensão e produção textuais, sistema de notação alfabética e
análise lingüística), os saberes que consideravam necessários de serem apropriados
pelos aprendizes em cada ano do ciclo I, na área de língua, entre outras questões,
recorremos, também, nesse estudo, a alguns depoimentos presentes nas entrevistas
realizadas com as docentes, no final daquele ano letivo. A realização das
entrevistas, naquele período do ano, nos permitiu, também, apreender algumas das
opções didáticas e pedagógicas das professoras, no primeiro semestre.

66
No capítulo da metodologia, explicitamos os acordos estabelecidos com as mestras, esclarecendo,
assim, os intervalos entre as observações, em cada turma acompanhada.
139

Assinalamos, desde já, que essas opções teórico-metodológicas estão respaldadas


em Chartier (2000), ao afirmar que as mudanças nas práticas de ensino podem
ocorrer nas definições dos conteúdos a serem ensinados, que constituiriam as
mudanças de natureza didática, ou dizem respeito a mudanças relacionadas à
organização do trabalho pedagógico (material pedagógico, avaliação, organização
dos alunos na classe, etc.) que se caracterizariam como mudanças pedagógicas.

A seguir, explicitaremos os dados concernentes às atividades de rotina


pedagógica.

4.1.2 Atividades de “Rotina Pedagógica”

Em se tratando do lugar que ocupa a rotina na organização e condução do


trabalho pedagógico, chamamos a atenção para o seu grau de sistematicidade, já
que não se trata da ação pela ação, mas inclui a possibilidade da ação-reflexão
(FREIRE, 1998). No primeiro caso, a atividade pedagógica parece recair numa
dimensão “intuitiva”, assistemática, sem se ter compreensão acerca do porquê e o
para quê das ações desempenhadas.67 Por outro lado, no segundo caso, existe uma
concepção alicerçada na tomada de decisão das ações, nos (re)encaminhamentos,
ajustes às necessidades didático-pedagógicas do grupo-classe, o que,
necessariamente, demanda um “planejar-se para”.

Nesse âmbito, se defendemos que o processo avaliativo integra o ensino,


anunciamos, então, a relevância da rotina que, além de se direcionar à organização
do trabalho pedagógico, permite avaliar, coletivamente, os pontos alcançados e os
que ainda precisam de maior investimento. Esse ato permite variar as ações
pedagógicas e, sempre que possível, manter as que resultam em ganhos nesse
processo (FREIRE, 1998).

Corroborando com os princípios anteriormente explicitados, Leal (2009)


enfatiza, dentre outros aspectos, a intencionalidade do ato de planejar, sua função
de automonitoração, de selecionar o que ensinamos e aprendemos, de considerar

67
Esta dimensão não pode ser confundida com as “atividades esporádicas” explicitadas por Leal
(2009), em que, visivelmente, há um planejamento que não requer, como outras formas de
organização do trabalho pedagógico, um vínculo com as atividades precedentes e subseqüentes.
140

os conhecimentos prévios dos alunos, de organizar o tempo e o espaço. Assumir a


dinamicidade do planejamento é admitir, também, que não há, exatamente,
repetição no trabalho do professor, portanto, uma mesma temática, num contexto
diferente, requer, imprescindivelmente, “novo planejamento”. A favor de um
planejamento que propicie a adoção da rotina no trabalho pedagógico, Leal aponta
que nossos objetivos mudam, professores e alunos também, o que culmina com a
transformação das práticas pedagógicas. A autora prossegue anunciando que
“quanto mais experientes somos e quanto mais refletimos sobre nossa própria
prática, mais facilidade temos para lidar com as situações inusitadas, mais somos
capazes de improvisar, quando é preciso” (LEAL, 2009, p. 2). A rotina aqui tratada,
conforme a autora em questão, não está respaldada numa concepção de monotonia,
de execução das mesmas coisas, mas na “idéia de planejamento de procedimentos
a serem executados durante um período letivo, por meio de uma organização
seqüencial, vivenciada por atores sociais que têm objetivos partilhados: a
aprendizagem” (LEAL, 2009, p. 4).

Nessa concepção, Leal assinala que o planejamento da rotina pedagógica


acopla tanto a natureza dos objetos de ensino quanto os conhecimentos e
habilidades que os educandos precisam aprender, conforme proposições
curriculares das diferentes áreas de conhecimento e as capacidades dos alunos,
suas vivências, experiências, desejos (LEAL, 2009, p. 6). Sobre esse assunto,
julgamos que os conceitos abordados por Chartier (2000) nos ajudam a caracterizar
melhor essas atividades de rotina no campo da dimensão pedagógica que, embora
esteja estritamente vinculada aos outros eixos de ensino, ou seja, à dimensão
didática, é dotada de certas especificidades que merecem ser postas em relevo.
Nesse caso, consideramos a dimensão mais ampla das escolhas e
encaminhamentos do trabalho docente, a qual estamos denominando de “rotina
pedagógica” e, por outro lado, analisamos, nos blocos específicos do ensino de
língua, a “rotina didática”, ou seja, aquelas atividades sistemáticas vinculadas ao
terreno dos objetos de ensino.

Introduzindo nossas análises, a tabela 1, a seguir, ilustra o que foi priorizado


nas atividades de “Rotina pedagógica”, entre as práticas observadas. Como se vê lá,
as subcategorias encontradas foram: oração, escuta de música ou canto, chamada
na caderneta (diário de classe), calendário (checagem de data, mês e ano),
141

contagem de alunos, escrita do cabeçalho, lanche, recreio, roda de conversa,


brincadeira/jogo/desenho/pintura, registro de tarefa para casa, correção de tarefa de
casa, tarefa de classe, correção de tarefa de classe.

Tabela 1: Freqüência Absoluta das Atividades de Rotina Pedagógica, no 1º ciclo, nas nove
turmas observadas68

Atividades de “Rotina Pedagógica”


AB
Escola A Escola B Escola C

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG

1- Oração 7 8 7 22 5 1 1 7 8 8 8 24 53

2- Escuta de música ou canto 8 1 8 17 7 0 1 8 8 8 8 24 49

3- Chamada na caderneta 8 8 4 20 3 0 7 10 1 1 4 6 36

4- Calendário (checagem de data, mês, ano) 0 1 1 2 3 0 1 4 6 8 5 19 25

5- Contagem de alunos 0 2 1 3 1 0 0 1 2 1 4 7 11

6- Escrita do cabeçalho 8 8 8 24 0 5 5 10 4 7 6 17 51

7- Lanche 8 8 8 24 8 8 8 24 8 8 8 24 72

8- Recreio 8 8 8 24 8 8 8 24 8 6 7 21 69

9- Roda de conversa 0 0 1 1 4 0 0 4 3 2 1 6 11

10- Brincadeira, jogo, desenho, pintura 9 8 7 24 7 8 5 20 5 4 8 17 61

11- Registro de tarefa para casa 6 3 5 14 1 3 1 5 1 2 5 8 27

12- Correção de tarefa de casa 2 0 1 3 0 0 3 3 3 0 1 4 10

13- Tarefa de classe 12 10 8 30 8 8 10 26 7 9 7 23 79

14- Correção de tarefa de classe 11 14 15 40 13 7 15 35 9 14 14 37 112


24 18 23
Total 87 79 828 68 48 65 73 78 867 666

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C.

No universo das atividades de rotina, verificamos 53 ocasiões dedicadas a


uma oração no início ou no término da aula. Na escola C, esse momento era
vivenciado na quadra de esportes, sempre precedendo as aulas. Sistematicamente,
os alunos se reuniam nesse ambiente, formavam filas conforme ano-ciclo e turma,
cantavam músicas religiosas, rezavam a oração do Pai Nosso, juntamente com as

68
Salientamos que as tabelas referentes, em específico, aos dados entre os anos-ciclo se encontram
no apêndice B.
142

professoras e funcionárias dos diversos segmentos da escola. As orientações


quanto às atividades ao longo do horário, assim como os avisos, também ocupavam
seu espaço. É interessante ressaltar que, não só nessa instituição, como nas demais
em que esse procedimento ocorria no interior ou em espaços externos à sala de
aula, as canções e rezas estavam vinculadas sempre a uma religião, a católica.
Acreditamos que essa opção estaria articulada ao que predominou no contexto
histórico brasileiro desde o período de colonização e ao modo como a instituição
escolar legitimou essa prática. Nessa atividade específica (oração), houve um índice
inferior na escola B em relação às demais instituições (22/7/24).69 Ao analisarmos os
anos-ciclo, não identificamos variações marcantes (20/17/16). Somente no interior
dos segundos (8/1/8) e terceiros anos (7/1/8) houve evidentes diferenças.70

Compreendemos que pela marca tradicional71 que tem ocupado na


instituição escolar, a escrita do cabeçalho da escola se constituiu num item
priorizado nas práticas observadas. Foram (51) momentos reservados para essa
tarefa. A mesma ocorria tanto nas atividades registradas no quadro, quanto nas
mimeografadas/xerocadas. No conjunto das instituições observadas, registramos
variações, quanto a essas atividades, que merecem ser destacadas (24/10/17).
Entre os anos, as diferenças estiveram presentes nas turmas de primeiro ano em
relação às demais (12/20/19). Mais uma vez, cabe enfatizar as diferenças no interior
das turmas de primeiro ano (8/0/4). Nesse último dado, salientamos que a mestra da
escola A (8) já deixava o cabeçalho da escola escrito, pronto para o dia seguinte.
Geralmente, ninguém apagava, já que na sala havia dois quadros justapostos: o
quadro de giz e o quadro branco. Essa atividade ficava sempre registrada no
primeiro, enquanto que as sentenças/questões das atividades, no segundo. Devido a
esse formato dos quadros, a mestra costumava “ameaçar” os alunos de “fechá-lo”
para quem não agilizasse o registro do cabeçalho presente no quadro de giz. Isso
ocorria graças à mobilidade do quadro branco. Com isso, ela garantia a escrita do
cabeçalho pela maioria dos alunos. Apreendemos, então, que, além da
sistematicidade com que essa atividade ocorria na prática dessa professora (1º ano,

69
Enfatizamos que a análise seguirá uma ordem fixa quanto às instituições: A, B e C e aos anos-
ciclo: 1ºs, 2ºs e 3ºs, independentemente da freqüência encontrada, a fim de facilitar a discussão dos
dados.
70
Estamos julgando como variação significativa freqüências absolutas iguais ou superiores a (5),
considerando o número de observações por turma (8).
71
Tradicional, nesse caso, assume o significado de histórico, “práticas que permaneceram,
constituindo-se numa ‘tradição’” (grifo nosso).
143

escola A), ficou claro que a mesma funcionava, também, como um forte mecanismo
de controle do comportamento dos educandos, materializando-se numa visível
estratégia (CERTEAU, 1994; 1985). Ainda nos remetendo à escrita do cabeçalho da
escola, inferimos que a baixa freqüência dessa tarefa nas demais turmas de primeiro
ano estava atrelada à ausência de registros sistemáticos no quadro. Em geral,
houve, naquelas turmas, mais atividades na modalidade oral. Como pudemos
observar nos dados encontrados, à medida que o aluno avançava no ciclo, essa
atividade de escrita do cabeçalho da escola tornou-se mais presente.

Pertencente ao universo lúdico, as atividades de escuta de música ou canto


ocuparam seu espaço nas práticas pedagógicas (49). Estas tanto assumiam o
mesmo papel percebido quanto ao desenho, jogo, brincadeira, pintura; isto é, o de
acalmar os alunos no início e, sobretudo, após o recreio, momento em que
retornavam eufóricos, ou, assumiam, igualmente, sua dimensão pedagógica dotada
de uma intencionalidade didática: explorar a leitura de músicas, a análise de
palavras quanto à letra inicial, sílabas inicial e final, quantidade de sílabas, rima,
entre outros aspectos do sistema de notação alfabética. Nesse último caso, as
professoras Célia (1º ano, escola C) e Áurea (3º ano, escola A), por exemplo,
reservaram alguns momentos em que priorizaram esse tipo de encaminhamento e
exploração dessas atividades. Ressaltamos que, especificamente o jogo, quando
utilizado com essa finalidade, foi analisado no bloco de atividades, cujo enfoque era
o sistema de notação alfabética (doravante, SNA). No exemplo de Célia, com o
bingo de letras, ficou claro que o interesse recaiu sobre a escrita e análise de
palavras, como veremos a seguir, ainda nesse bloco.

No que se refere a esse item (música), notamos algumas diferenças entre


as escolas (17/8/24). Em se tratando da escola C, essa atividade, quando não
ocorria na sala, era garantida no momento em que precedia à aula, na quadra da
escola, conforme apontamos no início dessa seção, na atividade de oração.
Observamos, ainda, com relação a esse trabalho, variações entre os anos-ciclo
(23/9/17). No caso das turmas dos primeiros anos, entendemos que tal prioridade
estava vinculada à articulação entre a faixa etária do alunado e à natureza dessa
atividade, além, claro, do aspecto do controle da turma por parte da professora.
Tendo como pressuposto essa última hipótese, atribuímos, no caso dos segundos
anos, o maior investimento da professora da escola C, ao perfil de sua turma;
144

tornando-se necessário, portanto, maior dedicação por parte da mestra, a fim de


garantir o controle (1/0/8). A partir dessa análise, cremos que, nas turmas de terceiro
ano, tal investimento ocorreu nas salas que tinham mais problemas de desempenho
entre os alunos, nas atividades propostas, assim como da ordem da disciplina
(8/1/8). Na turma do terceiro ano da escola B, os alunos já demonstravam uma
visível autonomia nas atividades propostas: leitura silenciosa e em voz alta,
individual e coletiva; produção textual e análise lingüística (pontuação, ortografia,
entre outros aspectos). Compreendemos que, por esse motivo, tais atividades foram
permanentes nessa sala, durante as observações. Conforme Leal (2009), “as
atividades permanentes são intervenções pedagógicas organizadas de forma que há
certa repetição de procedimentos num intervalo de tempo”. A autora continua sua
reflexão enfatizando que essas atividades ajudam o professor a controlar, insistir em
objetivos necessários a alcançar, bem como ter ciência dos objetivos já alcançados
ao longo de um determinado período (LEAL, 2009, p.6).

Quanto ao controle da freqüência (chamada na caderneta), esse item foi


contemplado 36 vezes nas aulas observadas. Considerando a freqüência entre as
instituições, verificamos que houve maior investimento na escola A (20/10/6). Nesse
caso específico, não notamos diferenças significativas no interior dos anos-ciclo
(12/9/15), tomados globalmente. Somente no interior das turmas de primeiro (8/3/1)
e segundo anos (8/0/1) é que registramos variações. Entendemos que, além da
adoção freqüente dessa prática no interior das escolas estar vinculada à tradição
escolar de controle, no caso do ensino por ciclos, em que a promoção geralmente é
automática, o controle da freqüência pode ter se tornado um instrumento valioso
para o professor no que concerne à promoção (ou não) do aluno. Se há, por
exemplo, coincidência do baixo desempenho do educando, atrelado à baixa
frequência na aula, esta última pode determinar, legalmente, “o destino” escolar do
aprendiz, desencadeando, portanto, a retenção, conforme sinaliza Oliveira (2006;
2004).

No rol das atividades de rotina pedagógica, registramos, ainda, 25


momentos dedicados à exploração do calendário (checagem de data, mês e ano).
Apesar de esse item estar presente no cabeçalho da escola, nem sempre era
trabalhado oralmente, entretanto, algumas mestras optaram por reservar momentos
para essa reflexão com as crianças. Nesse aspecto particular, a escola C se
145

destacou por ter uma prática já consolidada e uma articulação entre as mestras
quanto a algumas atividades de rotina, a exemplo do calendário (2/4/19). As
variações entre os anos-ciclo não foram marcantes, somente no interior das turmas.
Verificamos diferenças mais significativas quanto aos segundos anos (1/0/8).

Convém enfatizar essa dimensão coletiva, institucional nas práticas da


escola C, em algumas atividades, visto que notamos, no caso das três escolas
pesquisadas, normalmente, práticas singulares, individuais.72 Já nessa instituição,
determinadas escolhas como materiais dispostos na sala de aula: o alfabeto com
letras maiúsculas de imprensa com os nomes dos alunos, objetivando explorar a
ordem alfabética, a ênfase em letras maiúsculas de imprensa no primeiro ano e
cursiva no segundo ano, foram algumas dessas escolhas coletivas. Havia
diferenças, entretanto, com a turma do terceiro ano da mesma escola.
Compreendemos que, além das especificidades dos anos, já que apostamos numa
maior proximidade quanto às turmas de primeiro e segundo anos, por estarem,
geralmente, muito envolvidas com a apropriação do SNA, as mestras dessas turmas,
no caso dessa escola, já estavam há mais tempo na instituição, ao contrário da
professora do terceiro ano. Além disso, o distanciamento das salas pode ter
influenciado na ausência de interações mais freqüentes, visto que esta última
trabalhava num outro prédio, no mesmo espaço. Se defendemos um ensino
ancorado numa proposta “homogênea” quanto aos saberes específicos a serem
alcançados em cada área de conhecimento, porém, com claros critérios de
atendimento à heterogeneidade, sem perder de vista as especificidades desses
saberes, entendemos que essas trocas e articulações entre as mestras, quanto ao
que priorizar em cada ano-ciclo, assim como a abordagem, a maneira de
encaminhar tais atividades, servem para ilustrar as iniciativas presentes nas práticas
pedagógicas que ajudariam a alcançar esse critério por nós defendido.

Ainda nos remetendo às interações presentes entre as mestras do primeiro


e segundo anos, na mesma escola C, recordamos Chartier (1998), que nos chama a
atenção para o interesse do profissional professor por informações que tenham

72 Reconhecemos nossas limitações, dado o número de aulas observadas (oito por turma, sendo
nove salas), entretanto, não podíamos deixar de assinalar a ausência de trocas constantes, encontros
sistemáticos na escola ou entre as mestras do 1º ciclo, de anos-ciclo semelhantes, enfim,
sobressaíam, a nosso ver, os encaminhamentos individuais. Diante desse quadro, consideramos
importante apontar algumas singularidades entre as mestras da escola C, visto que presenciamos
algumas interações, trocas, quanto às escolhas didáticas e pedagógicas.
146

vínculo direto com a prática. Nesse sentido, ele optaria pelas sugestões que se
articulam diretamente ao seu fazer, se compararmos com as prescrições oficiais,
como explicitamos no exemplo anterior. Na realidade, essa opção estaria articulada,
segundo Chartier, ao segundo modelo descrito por ela, caracterizado,
essencialmente, não pelos saberes teóricos difundidos, sobretudo, pelos “didatas”,
pesquisadores da academia, mas, pelos saberes da ação. A autora destaca que a
troca de “receitas” originadas dos “encontros e acasos” são mais freqüentes já que,
além de permitirem uma discussão espontânea entre colegas, possibilitam ajustes
pessoais, encaminhamentos específicos, que atendem ao cotidiano em que se atua.
Por esse motivo, são mais adotadas do que as publicações teóricas. Vejamos agora
o que ocorreu em relação ao aspecto da contagem de alunos.

Com uma freqüência inferior à exploração do calendário, apreendemos 11


momentos reservados à contagem de alunos. Esta atividade ora estava relacionada
à área de matemática, através da contagem de meninos e meninas e resolução por
meio do algoritmo da adição, ora, também, ao controle da freqüência, para o
momento do lanche. Nesse último exemplo, uma funcionária da escola costumava
passar nas salas computando, por turma, o número de alunos presentes. Sobretudo
na escola C, essa prática esteve mais presente (3/1/7). No que se refere a esse
item, não verificamos diferenças significativas entre os anos-ciclo.

Constituindo-se num momento de “descontração”, a roda de conversa


também ocorreu em apenas 11 momentos. Novamente, essa prática foi observada,
principalmente, na escola C (1/4/6). Julgamos que, pela natureza da atividade,
identificamos maior tempo dedicado entre os primeiros anos (7/2/2). A professora do
primeiro ano, escola B, reservou quatro momentos para essa atividade. Explorava
dos alunos o que tinham realizado no final de semana: passeios, atividades
diversas. Expressava, desse modo, entusiasmo com as experiências prazerosas e,
às vezes, aproveitava algum aspecto relatado para refletir coletivamente com os
educandos. Por exemplo, discutiu se era correta (ou não) a atitude, por eles tomada,
de “arquitetar qualquer tipo de malvadeza com os animais”. Do mesmo modo, a
mestra do primeiro ano, escola C, procedia realizando essa roda de conversa no que
denominava de “rodinha”.73 Essas atividades estimulavam (e muito) a oralidade dos

73
Constituía-se num “semicírculo” formado próximo ao quadro. Nesse momento, os educandos
relatavam as experiências vivenciadas no final de semana.
147

educandos. Situamos essa atividade no que Leal (2009) identifica como atividades
permanentes ligadas a objetivos atitudinais, as quais buscam desenvolver o senso
crítico, o respeito aos colegas, a responsabilidade dos aprendizes frente às diversas
situações experenciadas no cotidiano intra e extra-escolar. Em nossas observações,
contudo, esta não se configurou como atividade permanente.

Lembramos que realizamos oito observações de aula em cada ano-ciclo,


das três instituições. Nesse universo, verificamos que o espaço do lanche e do
recreio foi priorizado, ocorrendo, apenas, uma pequena variação na escola C quanto
ao recreio que, ao invés de 24 vezes, ocorreu em 21. Essas lacunas estiveram
presentes no segundo (seis e não oito momentos) e no terceiro ano (sete ao invés
de oito ocasiões). No caso do segundo ano, em uma das aulas, não houve recreio
por conta da programação do Dia das Crianças, de modo que os alunos realizaram
as atividades, lancharam e foram conduzidos, às 10h10min, à quadra de esportes e
eventos para as apresentações, inclusive dessa turma. De acordo com a mestra,
nesse dia, os aprendizes alteraram o comportamento devido à ausência do recreio.
Na outra aula, os professores, no segundo horário, tiveram uma reunião com os
pais, com o intuito de conversarem acerca das atividades avaliativas, da promoção
para o ano subseqüente. Quanto à turma do terceiro ano, da mesma escola, a
ausência de recreio em uma das aulas foi decorrente da falta de água em toda a
escola, o que ocasionou a liberação às 10h00min.

As atividades lúdicas também foram priorizadas entre as práticas


observadas. Na esteira destas, além da música, consideramos a brincadeira, o jogo,
o desenho e a pintura. No exemplo do jogo, na maioria das vezes, era garantido
após a realização das atividades que envolviam a escrita, entretanto, houve quem
priorizasse o “jogo” com uma nítida proposta didático-pedagógica, a exemplo da
professora do primeiro ano, escola C, com o “bingo de letras”.74 Assumindo uma
outra perspectiva, a mestra do primeiro ano, escola A, priorizou, durante as aulas
acompanhadas, o desenho e a pintura. Assim como a música, essa foi uma
alternativa encontrada por ela para controlar e impedir que os educandos se
dispersassem. Costumava investir nessas atividades após a realização das tarefas
de classe, no segundo horário da aula, ou como um complemento subseqüente à

74
Nessa atividade, os alunos teriam que, a partir do registro de uma palavra no quadro pela mestra,
focar a atenção nas letras sorteadas, a fim de seguir a seqüência das mesmas e, por fim, formar a
palavra.
148

leitura de texto realizada por ela, por exemplo. Já no caso da professora do terceiro
ano, escola B, o desenho, quando priorizado, costumava vir acompanhado da
produção de texto. Em uma das aulas (1ª observação), os alunos, numa situação de
elaboração de uma propaganda, foram orientados a desenhar e investir na pintura
do produto escolhido. Nesse contexto, o desenho assumia um papel relevante,
dadas as características do gênero textual enfocado. Já na turma da professora do
segundo ano, escola C, verificamos que o desenho apareceu tanto em situação de
produção de texto coletivo, no exemplo da escrita de um convite, como após leitura
de texto realizada por ela (1ª e 2ª observações). Nesse último caso, os alunos foram
solicitados a “desenhar a história lida”, e mais, acrescentar desenhos novos de
acordo com as inúmeras possibilidades de continuidade da “história”.75

Ainda nos remetendo a essa turma, identificamos outro comando em


relação à atividade: o educando poderia mudar o curso da história lida pela
professora através de desenhos, ou seja, “inventar outra história”. Houve, também,
na sétima observação, uma situação de escrita espontânea em que os alunos teriam
que desenhar e escrever o nome do objeto desenhado.76 Em se tratando de
“inventar outra história”, percebemos, de início, que o leque de possibilidades dado
pela professora, a nosso ver, implicou numa perda de especificidade da atividade, já
que nos perguntamos: que função a leitura realizada por ela teria, então, se o
aprendiz poderia partir de outra história? Consideramos crucial levantar esses
questionamentos, na medida em que os comandos dados pela professora pareciam
ter surgido no ato da atividade, ou seja, sem um planejamento prévio.

Computamos 61 momentos dedicados às atividades anteriormente


mencionadas (brincadeira, jogo, desenho e pintura). Como podemos observar na
tabela 1, não houve diferenças marcantes entre as escolas no que se refere a esse
item (24/20/17). Diferentemente do que imaginávamos, ou seja, localizar mais
atividades dessa natureza entre os primeiros anos, identificamos, ao contrário, um
equilíbrio na freqüência encontrada entre os anos-ciclo (21/20/20). Algumas
professoras, a exemplo dos primeiro e segundo anos da escola A admitiam que esse
tipo de tarefa ajudava a “acalmar” os aprendizes, mantendo, assim, a disciplina e o
75
Tratava-se do livro de ARLÉGO, Edvaldo. Amigos para sempre. Recife: edições edificantes, 2001,
disponibilizado pela biblioteca da escola.
76
A partir desses exemplos, entendemos que o desenho dava suporte, também, a atividades que
enfocavam o sistema de notação alfabética, a produção de texto. Porém, como vimos, houve outros
contextos em que essas tarefas apareciam e que mereciam ser realçados nessa seção de rotina.
149

controle da turma. Considerando esses casos, a nosso ver, essas atividades


perdiam sua dimensão pedagógica dotada de intencionalidade didática e articulada
às demais etapas da aula.

Observamos uma ênfase maior dada às atividades de correção da tarefa de


classe (112) se compararmos, por exemplo, à proposição das mesmas (79).
Inferimos que esse índice se deu graças às variações de intervenção das
professoras, que ora realizavam a correção coletiva, ora recorriam à observação dos
cadernos seguida, geralmente, de correção individual. No exemplo acima
mencionado, apreendemos, claramente, um encaminhamento didático que nos
remete às mudanças pedagógicas (CHARTIER, 2000), já que as mestras adotavam
formas diferenciadas de intervir no momento da correção da atividade proposta.
Podiam ocorrer, ainda, os dois encaminhamentos didáticos (correções individual e
coletiva da tarefa), seguidos de explicações dos itens abordados.

As atividades eram registradas no quadro e/ou mimeografadas/xerocadas.


Em uma das turmas (3º ano, escola B), a mestra recorria, sistematicamente, ao
último procedimento, acreditando se tratar de um material mais eficaz para a
aprendizagem dos alunos, já que estava ancorado em referenciais selecionados por
ela: cartilhas, livros didáticos de outras áreas, paradidáticos, entre outros. Com
exceção de seções como a de ortografia, elogiada pela professora, as demais, como
por exemplo, o repertório textual, não era considerado bom, o que fazia com que a
mesma recorresse a outros materiais, inclusive, ao livro didático de geografia, para a
realização de ditado de textos.77 Entendemos que exemplos como este ilustram as
diferenças encontradas no universo dos dados entre o uso do livro didático adotado
e outros materiais impressos entre as escolas pesquisadas (10/56).78

Ainda no que se refere à prática da professora do terceiro ano, escola B, a


elaboração prévia do material mimeografado para as aulas de língua portuguesa
parecia estar intimamente vinculada a um planejamento que precedia às aulas. A
mestra demonstrava ter clareza tanto em relação às atividades a serem realizadas,
quanto à utilização do tempo dispensado a cada uma. O uso limitado do livro

77
O livro de língua adotado era “Porta Aberta”, de CARPANEDA, Isabella Pessoa de Melo e
BRAGANÇA, Angiolina Domanico, FTD, 2005.
78
Embora esse dado não apareça na tabela, foi priorizado tanto no roteiro de entrevista, como nas
observações de aula. Nesse caso, os números aparecem na ordem: uso do livro didático e de outros
materiais impressos.
150

didático de língua portuguesa, nessa turma, portanto, não se constituía num fator
impeditivo para um planejamento sistemático. Esse procedimento, adotado pela
professora, indicava a precisão do que o aluno necessitava aprender, assim como a
forma como ele se apropriava dos diferentes saberes priorizados no ensino de
língua. Nesse caso específico, não notamos disparidades entre o tempo escolar,
marcado nos programas escolares e nos livros didáticos em cumprimento a uma
exigência legal e o tempo de aprendizagem, vinculado a rupturas e conflitos do
conhecimento, exigindo uma permanente reorganização de informações, e que
caracteriza toda a complexidade de aprender. Não é seqüencial nem pode ser linear,
na medida em que é sempre necessário o aprendiz retomar as antigas concepções
para poder transformá-las (PAIS, 1999, p. 31). A prática da professora Buana nos
ajuda a reiterar a idéia de que a flexibilidade curricular não pode ser confundida com
a ausência de seqüências didáticas claras, conteúdos estabelecidos em cada área
de conhecimento. Desse modo, Lüdke (2001) assinala que é preciso desmistificar o
pressuposto de que trabalhar com os ciclos de aprendizagem implicaria em
abandonar o aluno ao seu ritmo, mas, ao contrário, significa promover um ensino
adaptado à diversidade dos aprendizes, considerando cada caso em particular. Esse
tema será retomado no próximo capítulo.

Remetendo-nos aos dois itens ora tratados (proposição e correção da tarefa


de classe), foram notórias as diferenças entre as escolas, confirmando a hipótese já
realçada (correção coletiva acrescida da correção individual). Se considerarmos,
portanto, as atividades de registro e correção da tarefa de classe, apreendemos,
para essas categorias, a seguinte freqüência: 30/40, na escola A, 26/35, na escola B
e 23/37, na escola C. Ao compararmos esses dados, partindo das mesmas
categorias, porém, nos remetendo aos anos-ciclo, verificamos um índice maior de
variações quanto a essas atividades nas turmas de terceiro ano (1ºs 27/33; 2ºs
27/35 e 3ºs 25/44).79 Esse dado é revelador do quanto, no interior do primeiro ciclo,
a cobrança na/para a realização das tarefas, por parte dos aprendizes, foi
progressiva, acentuando-se entre os terceiros anos. Se analisarmos os dados no
interior das turmas, verificaremos que o índice anterior se confirma entre aquelas

79
Nesse caso, estamos considerando as atividades de “registro e correção de tarefa de classe”,
assim como os primeiros, segundos e terceiros anos. Como já fora destacado, ao longo das análises,
seguiremos essa ordem: escolas A, B e C; 1ºs, 2ºs e 3ºs anos, independentemente da freqüência de
ocorrência.
151

turmas (8/15; 10/15; 7/14); ao compararmos com as de primeiro (12/11; 8/13; 7/9) e
segundos anos (10/14; 8/7; 9/14) universo em que as diferenças entre proposição e
correção de tarefa de classe não foram significativas.

Na direção de uma lógica inversa à anterior, a proposição da tarefa de casa


(27) não se deu de forma equilibrada com a retomada e correção da mesma (10). No
que se refere à primeira atividade, a escola A se destacou dedicando-se mais a essa
prática (14/5/8). Entre os anos, no entanto, não houve diferenças significativas
(8/8/11). Por outro lado, no interior das turmas, a variação ficou a cargo, somente,
dos primeiros anos (6/1/1). Já com relação à correção da tarefa de casa,
antecipamos que houve ausência total dessa prática entre as turmas de segundo
ano. No quadro geral, não vimos diferenças.

Alguns aspectos priorizados nas práticas, no que se refere às atividades de


rotina pedagógica, não tiveram, no universo analisado, significância, entretanto,
consideramos relevante registrar sua aparição. As atividades de escrita e leitura do
roteiro de aula com os alunos, por exemplo, estiveram presentes, apenas, na prática
da professora do primeiro ano da escola C. Registramos cinco momentos de escrita
do roteiro no quadro e apenas dois em que realizou a leitura junto aos aprendizes.
Essa atividade demonstrava estar articulada à organização do trabalho pedagógico
da mestra, no que Chartier (2000) chama de aspectos de natureza pedagógica. Os
itens destacavam as etapas da aula, inclusive, a avaliação quanto ao cumprimento
(ou não) do que fora proposto. É curioso que a prática da leitura do roteiro não
ocorreu sempre de maneira articulada à proposição do mesmo, já que, na nossa
compreensão, a leitura sistemática possibilitaria maior visibilidade do que fora
cumprido. Os itens do roteiro normalmente se repetiam, com exceção de alguns
ajustes ou mudanças. Em uma das aulas, encontramos as seguintes etapas:
(agenda, calendário coletivo, ajudantes do dia, recolhimento das tarefas de casa e
dos livros (material emprestado pela biblioteca da escola), leitura de texto,
apresentação de um cartaz, roda de conversa, merenda, atividade de classe no
papel mimeografado, recreio, conclusão da tarefa de classe, bingo).80

Quanto às instruções sobre o espaçamento da escrita no caderno, a


exemplo da organização/distribuição dos enunciados na pauta, verificamos cinco

80
As atividades, nessa turma, eram registradas com letras maiúsculas de imprensa. Nas três turmas
de primeiro ano pesquisadas, apenas a professora da escola A, enfocava a letra cursiva.
152

ocasiões em que as professoras priorizaram esse encaminhamento no momento das


atividades propostas (0/2/3). Desses poucos casos, dois ocorreram no primeiro ano,
escola B e três em cada ano-ciclo da escola C. Sobre esse assunto, flagramos uma
aluna do terceiro ano, escola A, registrando a tarefa de classe sem realizar esse tipo
de reflexão no processo de transposição da escrita do quadro de giz para a pauta no
caderno. Entretanto, como vimos, esse não se constituiu num item presente nas
práticas pedagógicas acompanhadas.

Embora não esteja vinculada propriamente a uma dimensão mais ampla da


rotina, mas de ensino, considerando as especificidades de cada área de
conhecimento, registramos 14 momentos em que as professoras se remeteram ao
item: perguntas articuladas com outras áreas de conhecimento. Nesses casos,
sempre articulavam algo tratado em língua portuguesa com outra área, como vimos
no terceiro ano, escola B, em que a mestra costumava realizar ditado de textos,
enfocando temáticas ligadas às ciências naturais, sociais.81 Observamos que, além
de focar seu ensino nos aspectos específicos de análise lingüística,82 debatia com
os alunos vários temas em articulação com outros livros didáticos utilizados, a
exemplo do tema ética. Considerando essa atividade, presente na rotina pedagógica
de algumas professoras, identificamos variações entre as escolas A e B em relação
à escola C (4/6/14); o mesmo quadro não se evidenciou quanto aos anos-ciclo.

Na esteira dessas atividades de rotina pedagógica que não ganharam


expressividade, entre as práticas observadas, mencionamos, com maior frequência
(25), a preocupação com a retomada de outras aulas. Em uma das oito observações
realizadas no terceiro ano da escola A, a mestra retomou a aula anterior com o
intuito de dar continuidade à discussão do folclore, enfocando, na ocasião,
provérbios. Esse encaminhamento, na nossa compreensão, sinalizava para uma
seqüência didática pautada em um planejamento prévio da aula. Tal como observa
Leal (2009, p. 3), a explícita organização das aulas permite melhor uso do tempo
disponível, assim como a clareza do que pretendemos alcançar. Nessa mesma
direção, Leal e Melo (2006) enfatizam que, se houver uma boa rotina de trabalho, é

81
Esse tipo de intervenção ocorria graças à utilização, predominante, no caso dessa atividade, dos
livros de geografia e ciências.
82
Os aspectos abordados por essa professora, quanto ao eixo de ensino de língua “análise
lingüística”, serão tratados em seção posterior desse capítulo.
153

possível recorrer, em anos subseqüentes, às alternativas e encaminhamentos


didáticos empregados.

Reservamos o debate acerca do uso e não uso do livro didático, assim


como a opção por outros materiais impressos para esse bloco final da seção que
trata das atividades de rotina pedagógica. Este foi um dos itens enfocados nas
entrevistas individuais realizadas com as professoras no final do ano letivo de 2007.
Antecipamos, de início, que as professoras, de um modo geral, não se mostraram
satisfeitas, por vários motivos, com o livro didático adotado: a não participação na
escolha, a não identificação com a proposta desse material, o nível avançado das
atividades propostas para o perfil da turma trabalhada, dentre outras razões
revisadas num estudo sobre o tema realizado por Morais e Albuquerque (2005).
Diferentemente da maioria das colegas, que se queixaram dos livros didáticos de
que dispunham, a mestra do segundo ano, escola B, chegou a afirmar, durante
entrevista, que se prejudicou muito por não ter recebido o livro didático de língua
portuguesa. Admitiu não ter, na ocasião, experiência com turmas de alfabetização, o
que a fez tomar decisões, optar por alternativas aleatórias, não sistemáticas e, por
vezes, incoerentes com o que esperava. De acordo com ela, no primeiro semestre,
registrava textos diversos no quadro, a fim de que os aprendizes copiassem. Em
seguida, realizava uma atividade de interpretação escrita com questões de
localização de informação explícita,83 seguida de itens que priorizavam, por
exemplo, a partição escrita de palavras em sílabas. Vejamos o que explicitou,
durante a entrevista, remetendo-se a esse trabalho:

O ano passado foi um ano muito complicado assim pra minha turma,
porque, como você percebeu, eu não recebi livro de português,
né?84 Então, sinceramente, eu fiquei meio perdida no primeiro
semestre. Então o que é que eu fazia? Eu passava um texto pra
eles, né? Um, um texto escrito no quadro, e... eu fui percebendo
que, com o passar do tempo, aquilo tava se repetindo e eles ou
copiavam o texto ou copiavam a atividade. (...) Eu lembro que no
início do ano a gente fez muito essa questão de... de análise
fonológica. Eu tirava as palavras do texto, né? Pra eles separarem
em sílabas. É... a gente fez muito ‘ditado mudo’, né? Não sei se é
essa a palavra. A gente fez muito ‘ditado mudo’, também de
palavras que tinham nos textos que a gente trabalhava. É... e teve

83
As questões de localização são aquelas facilmente identificáveis no texto, diferentemente das
questões inferenciais.
84
No caso dessa professora, a entrevista foi realizada no início do ano letivo de 2008.
154

também uma vez que eu dei o desenho, aí separei os quadradinhos


com a quantidade certa da sílaba. Aí eles viram e tentaram escrever
(Professora Bianca, 2º ano, Escola B).

O depoimento da mestra, entre outras coisas, sinaliza para a ausência de


trocas entre a professora e seus pares nas situações de “Conselho de Ciclo”, por
exemplo.85 Ficou explícita a ausência de um trabalho sistemático e planejado de
alfabetização com sua turma e, como vimos, a mestra atribuiu esse quadro à
ausência do livro didático. Tal depoimento parece-nos revelador, visto que
apreendemos que esse material didático, em se tratando do professor iniciante,
orienta decisivamente sua prática. Após a participação em uma oficina de literatura,
a professora optou, no segundo semestre, pela reescrita coletiva de contos.
Ressaltou alguns aspectos positivos desse trabalho, no entanto, mencionou as
limitações do mesmo, já que, no final do ano, os educandos, em sua maioria, não
tinham construído a base alfabética de escrita.

A partir do que a mestra declarou fazer no segundo semestre com sua


turma de segundo ano, lembramos que Santos e Albuquerque (2005), ao
explicitarem alguns dos equívocos relativos à compreensão do processo de
alfabetizar letrando, apontam que um deles seria o de “acreditar que, apenas com a
oportunização da leitura e produção coletiva de textos, os alunos que ainda não
dominam o sistema de escrita podem vir a, sozinhos, apropriar-se desse
conhecimento” (p. 97). Cremos que, na busca por alternativas de alfabetização de
seus alunos, a professora recorreu à reescrita coletiva de contos, contando com um
avanço na apropriação do sistema de notação alfabética, o que, com observamos,
não ocorreu. Esse seria, em nossa compreensão, um dos equívocos marcados por
uma ausência de progressão quanto aos conhecimentos a serem aprendidos em
cada etapa da escolarização. Em continuidade à opção pela reescrita de contos,
vejamos o que apontou na entrevista:

Então o que eu comecei a fazer? Eu comecei a procurar meio, né?


Nas aulas de português pra trabalhar com texto, sem que eles

85
Naquele ano, a Secretaria Municipal de Ensino de Recife (SMER), estabeleceu quatro Conselhos
de Ciclos, ao longo do ano, nas escolas. Constituíram-se em momentos de interações, trocas acerca
das “metas” alcançadas no concernente ao aprendizado dos educandos, do planejamento, da
avaliação, entre outros assuntos.
155

ficassem tão saturados de copiar texto, né? Então veio, depois de


um curso que eu fiz, depois de uma oficina que eu fiz, lá no... num
congresso que teve na... Universo86, que veio até uma, uma
escritora de literatura brasileira, mais infanto-juvenil. Ela falou muito
sobre os contos de fadas. Então assim, é... eu já gostava muito
desse, desse tema. Então o que é que eu fiz? Eu corri atrás,
comprei alguns livros com contos originais, né? Então assim, uma
vez por semana eu lia um conto e a gente fazia um livrinho, né? E
no decorrer da semana eu... é... eles ditavam pra mim, né? Então eu
lia o conto, aí a gente conversava um pouco sobre o conto e depois
eles iam recontando pra mim e eu ia escrevendo no quadro, né?
Então a gente dividiu isso em três partes, cada conto foi dividido em
três partes, e aí eles escreviam, ditavam, eu escrevia, eles copiavam
numa folha e desenhavam. E eu ia e escrevia em folha de papel
madeira e ficava fixado na sala. Então toda vez é... que eu ia
trabalhar língua portuguesa, eu trabalhava a partir daquela, daquele
reconto, da história que a gente viu na sala. Então é... eu notei, com
o passar do tempo, o vocabulário deles, o léxico deles aumentaram,
né? (sic) (...) (Professora Bianca, 2º ano, Escola B).

A mestra seguiu afirmando que a ausência do livro didático atrapalhou muito


a prática de leitura, o avanço em outros eixos de língua. Admitiu ter trabalhado com
contos originais dos Irmãos Grimm, o que, em certo momento do segundo semestre,
desestimulou aos alunos e ela mesma, pela extensão dos mesmos. Ao se remeter
ao primeiro semestre, expressou-se equivocadamente quanto à análise fonológica,
exemplificando esse enfoque com a atividade de partição escrita de palavras em
sílabas. Parece-nos notório, portanto, no caso dessa professora, que a ausência de
um livro didático de língua portuguesa, atrelada a outras questões, impediu uma
melhor organização do trabalho pedagógico e encaminhamento das atividades de
língua portuguesa naquela etapa de escolarização.

A esse respeito, Morais e Albuquerque (2005) sinalizam para a dimensão


regulativa desse material, já que, entre outras finalidades, o livro didático propõe não
só os conteúdos a serem ensinados como a ordem em que eles podem ser
trabalhados. Cremos que esse registro posto pelos autores é crucial, ao
assumirmos, nesse estudo, a necessidade de uma progressão clara quanto às
atividades a serem enfocadas em cada ano de escolarização no ciclo, superando o
que foi indicado por Oliveira (2004), ao analisar as práticas de alfabetização no
momento da implantação dos ciclos na rede municipal de Recife. Por outro lado,
como alertam Morais e Albuquerque (2005), é preciso manter-se atentos quanto a

86
Universidade Salgado de Oliveira – Recife/PE.
156

essa dimensão regulativa, já que o uso do livro didático não pode ser permeado por
um processo que engesse a prática docente mas, ao contrário, que ajude o
professor a fazer uso desse material em articulação com outros que considere
importantes.

Entendemos, no caso dessa escola (B), que a ausência de um trabalho


articulado entre as professoras do ciclo I, bem como entre as mestras dos mesmos
anos-ciclo, dificultou que avanços entre as práticas fossem alcançados. Nesse
contexto, os aspectos ressaltados por Leal (2009, p.6) concernentes a um
planejamento da rotina pedagógica (que considere a natureza dos objetos de
ensino, os conhecimentos e habilidades que os aprendizes precisam aprender,
assim como a apreensão de suas capacidades, experiências, desejos) parecem não
ter sido priorizados naquela turma, considerando o período observado.87

A partir dos dados explicitados nesse eixo de análise, entendemos que é


necessário um planejamento de rotina na escola, a fim de garantir boas escolhas e
encaminhamentos didáticos que atendam às diferentes demandas de aprendizagem.
Com essa opção, o professor assegurará uma prática consciente e refletida, como
indica Leal (2009, p. 13). Além disso, acreditamos que esse trabalho não pode ser
desenvolvido somente pelo professor, mas compreende uma articulação entre os
vários sujeitos que integram a escola. Desse modo, as discussões e escolhas
coletivas propiciarão, a nosso ver, maior homogeneidade quanto aos objetos de
ensino e a forma de tratá-los didaticamente nos diferentes anos-ciclo, sem, contudo,
perder de vista a dimensão da heterogeneidade existente no universo da sala de
aula.

Explicitaremos, a seguir, as principais evidências do bloco referente às


atividades de leitura, compreensão e produção textuais no 1º ciclo. Novamente
enfatizamos que, nessa seção específica, tomamos por base as variáveis escola e
ano-ciclo, articulando, sempre que possível, com as entrevistas realizadas. Na
seqüência, trataremos de enfocar as atividades de leitura de textos e enunciados,
observando as variadas modalidades de participação entre os sujeitos.

87
A partir de Conselho de Ciclo realizado nessa instituição em 28.09.2007, verificamos, entre outras
coisas, a não-articulação das idéias dessa professora com as demais docentes. Parecia haver
consenso, entre as mestras e equipe gestora da escola, quanto ao descompromisso daquela
profissional com o aprendizado dos educandos, dadas as ausências freqüentes de sala de aula, a
ausência de discussão, diálogo com as outras mestras da instituição.
157

4.1.3 Atividades de Leitura, Compreensão e Produção Textuais: diversidade e


progressão desses eixos no 1º ciclo

4.1.3.1 Atividades de Leitura de Textos e Enunciados, no 1º ciclo

Nesse eixo de ensino de língua, nos preocupamos em verificar se a leitura


de texto e enunciado era realizada pelos alunos e, caso sim, se havia uma condução
da professora em tais atividades. A partir das observações, nos perguntamos: Houve
progressões no interior do 1º ciclo, de modo a conferir aos educandos do segundo
ano maior autonomia que os aprendizes do primeiro ano e assim por diante? Nas
práticas observadas, houve espaço assegurado às atividades de leitura “livre” e
leitura silenciosa? É focando essas categorias que apresentamos a tabela a seguir e
a análise dos dados obtidos.
158

Tabela 2: Frequência Absoluta das Atividades de Leitura de Textos e Enunciados, no 1º ciclo,


nas nove turmas observadas

Atividades de Leitura de Textos e Enunciados

Escola A Escola B Escola C ABC

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Leitura de texto
7 9 5 21 3 7 5 15 8 5 5 18 54
pela mestra
2- Leitura de texto
2 6 3 11 1 1 4 6 1 0 5 6 23
pelo aluno
3- Leitura de texto
coletiva (com
condução da
1 6 3 10 1 3 8 12 2 1 4 7 29
mestra)
4- Leitura de texto
coletiva (sem
condução da
0 0 0 0 1 0 3 4 0 1 0 1 5
mestra)
5- Leitura
silenciosa 1 6 0 7 1 0 2 3 0 2 2 4 14

6- Leitura livre 1 3 0 4 1 0 0 1 0 1 0 1 6
7- Leitura de
enunciados pela
3 7 7 17 1 1 6 8 2 5 5 12 37
mestra
8- Leitura de
enunciados pelo
3 1 3 7 0 0 2 2 0 1 2 3 12
aluno
9- Leitura coletiva
0 0 1 1 0 1 3 4 0 1 2 3 8
de enunciados
Total Geral 18 38 22 78 9 13 33 55 13 17 25 55 188

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C.

Observando a tabela 2, registramos, de início, 188 momentos reservados a


alguma prática que envolveu a leitura de textos (ou de enunciados) entre as turmas
acompanhadas. A freqüência com que essa atividade ocorreu foi superior à
encontrada nas práticas de compreensão textual.88 Esse dado, a nosso ver,
corrobora com o comentário de Brandão (2006) acerca da não articulação entre o
investimento em leitura e compreensão textuais na escola, processo que se
configura, de acordo com a autora, como uma perda de sentido das práticas de
leitura, visto que a compreensão não é uma mera conseqüência natural da leitura de
textos, mas implica na necessidade de um ensino sistemático e articulado. Na
mesma direção, Oliveira (2006) constatou, a partir de dados de pesquisa realizada

88
Analisaremos esse eixo na seção seguinte.
159

com professoras do 1º ciclo da Secretaria Municipal de Ensino de Recife (SMER),


que, de nove mestras entrevistadas (quanto às atividades priorizadas nas aulas de
língua), sete delas afirmaram enfocar a leitura, porém, apenas quatro desenvolviam
essa prática vinculada à compreensão/interpretação textual.

Naquelas ocasiões em que ocorreram as leituras de textos (131),


predominaram as realizadas pelas professoras (54). Ficou evidente, portanto, que,
mesmo havendo a defesa acerca da participação dos aprendizes nas atividades
realizadas em sala, incluindo-se, nesse rol, a leitura (BARBOSA; SOUZA, 2006),
nossos dados apontaram para o oposto do prescrito, ou seja, constatamos a
liderança, por parte das professoras, nesse tipo de atividade, seja porque os alunos
não possuíam, ainda, na ótica delas, autonomia para fazê-lo, seja porque as
docentes monopolizaram esses momentos, privando os aprendizes de avançarem
na leitura de textos.89 Vimos que em apenas 23 momentos eles tiveram a
oportunidade de ler algum texto.90 Nesses casos, ainda ocorriam correções em voz
alta quanto a algumas “inadequações”, por exemplo, na pronúncia de palavras do
texto (entre outras turmas, foi possível de verificar essa postura por parte da
professora do 2º ano, escola A). Sobre esse assunto, Kleiman (2004) nos alerta para
a função avaliativa que essa modalidade de leitura por vezes assume no contexto da
sala de aula e os possíveis efeitos negativos que essa prática pode desencadear,
como a perda da autoconfiança dos alunos.

Em se tratando da primeira modalidade, a leitura de texto pela professora,


não localizamos grandes diferenças entre os dados das escolas (21/15/18),
tampouco entre os anos-ciclo (18/21/15). Esse quadro aponta para uma confirmação
da monopolização da leitura pelas professoras, independentemente do ano-ciclo
considerado. Apenas entre as turmas de terceiro ano não observamos diferenças
marcantes quanto à leitura de texto pela mestra e pelo aluno (15/12). O mesmo não
ocorreu entre as turmas de segundo ano, conferindo-se as mesmas categorias
(21/7), nem entre os primeiros anos (18/4).91 Ressaltamos, ainda, que, nas oito aulas
observadas em cada grupo-classe, nenhum momento foi reservado à leitura de texto
89
Para além desses aspectos ressaltados, Chartier (1998, p. 12) enfatiza que as mudanças de
concepções e práticas alfabetizadoras têm sido notórias. Ao invés da ênfase na leitura, a prioridade à
escrita ganhou centralidade, já que, nessa nova ótica, o domínio da escrita asseguraria longa
escolarização e autonomia nas sociedades desenvolvidas.
90
Estamos considerando, nesse exemplo, a leitura de texto pelo aluno, para a turma, em voz alta.
91
Enfatizamos, mais uma vez, a proximidade quanto ao investimento nesse tipo de atividade entre as
turmas de 1º e 2º anos.
160

pelo aluno na turma do segundo ano da escola C, enquanto ocorreram cinco


momentos de leitura de textos pela mestra. Após a realização de leituras, ela
costumava propor atividades de compreensão escrita (localização de informações
no texto), bem como abordava algumas propriedades do sistema de notação
alfabética (em geral, essas propriedades se repetiam).92 Observemos como
procedeu com essa atividade, na sexta aula acompanhada:

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C, 6ª Observação).


(...)
93
P – Vamos ler ‘A galinha dos ovos de ouro’, mas só quando Tarcísio sentar.
Presta atenção, minha filha!
A – Cala a boca!
P – Havia um homem muito pobre e alimentava a idéia de ser rico. Ele não
compreendia como seus vizinhos poderiam ser felizes com tão pouco. O
homem reclamava de tudo, especialmente da galinha que possuía... Um dia,
aconteceu algo fabuloso. A galinha tornou-se muito especial. Ele foi pegar seu
único alimento. Não acreditou que o ovo era de ouro.
(“Essa galinha colocava todo dia um ovo para ele comer. Mas um dia ele foi
surpreendido” – comentário da mestra). “Ele correu à cidade e trocou por comida
e mercadoria para sua casa. No outro dia, a galinha pôs outro ovo. Ele pensou:
tirei a sorte” (“O que ele fez? Comprou comida para comer”). “Todos os dias ele
fazia isso. Com os ovos, ele comprava tudo o que quisesse. Ele passou a
dormir no galinheiro. O proprietário guardou os ovos que acumulava. Não se
contentando com a sorte, passou a não dormir à noite. Se a galinha colocava
um ovo todo dia, ele pensou ter um tesouro dentro da galinha. Abriu a
galinha”.
A – Não tinha nada.
P – Não tinha nada (os alunos reclamaram da posição do livro, já que queriam ver
as ilustrações, mas a mestra disse que tinha que continuar a leitura). “Até hoje as

92
Focaremos o que as mestras priorizavam quanto ao ensino do sistema de notação alfabética em
seção posterior.
93
P = Professora; A = Aluno(a).
161

pessoas comentam que não se pode ter ambição” (ele não tinha nada, ele
reclamava da vida. Quem pode ter feito essa galinha colocar ovo de ouro?)
A – Deus.
P – Pois é. Ajudou esse homem.
A – Tia, o que é mercadoria?
P – Tem mercadoria já pronta como o pão. Outras não, como o feijão.
Ambicioso é a pessoa não se contentar com o que tem. Ele quebrou a cara,
não tinha tesouro dentro da galinha. Ele ficou sem a galinha, sem ouro...
dinheiro é bom? É. Pra gente comprar nossas coisas, mas não para sermos
ambiciosos.
A – Invejoso.
(...)
A – Tia, é tarefa, é?
P – Claro, ontem a gente não fez.
A – Tia, hoje é dez, é?
P – É, hoje é dez. (início do registro do cabeçalho – 09:00h)
P – Psiu, cala a boca gente.
Atividade de classe
1) Vamos lembrar:
a) Como é o nome da história?
P – Por que Carlos Eduardo não está fazendo? Cadê o caderno? Não está aqui
não, viu? Deve estar na sua bolsa. Às vezes esquece e leva para casa que não
é para levar (a mestra sempre ficava com os cadernos de classe).
Wesley – Tia, tá na hora do lanche, tia.
P – Eu sei, mas dá pra esperar um pouquinho só.
a) Como é o nome da história que você ouviu? (colocou dois ‘x’, significando duas
linhas para responder a questão).
b) Quais os personagens? (duas linhas).
P – Seu caderno deve estar aí. Por enquanto, porque a gente vai para o recreio,
olhem o primeiro: como é o nome da história que você ouviu? A resposta será:
‘A galinha dos ovos de ouro’ (comentário da professora após aluna dizer: ‘Os ovos
da galinha de ouro’). “Quem participa dessa história”?
A – A galinha.
162

P – A galinha e o homem. Agora todo mundo vai deixar o caderno e o lápis


para ir para merenda.
(...)

Embora os alunos cobrassem a proximidade da professora no momento da


leitura, com o intuito de visualizarem as imagens, a mestra, durante esse extrato de
aula, lembrava que tinha que dar continuidade à leitura. Após essa atividade, propôs
duas questões de localização de informação e, mesmo assim, antecipou as
respostas aos alunos. Nas demais aulas em que esse encaminhamento se repetiu,
ou seja, dela mesma realizar a leitura do texto, costumava proceder dessa forma,
dando as respostas. Inferimos que, além desse procedimento guardar vínculo com o
perfil da turma, dado que nem todos os aprendizes tinham autonomia na escrita,
seria uma forma, cremos, de minimizar as dificuldades deles, já que não dispunham
do texto.

Como voltavam eufóricos do lanche, a mestra optou, naquele dia, pela


realização de um ditado, momento em que buscou ter maior controle da turma. Em
se tratando da leitura, pareceu-nos clara a intenção de ler não para explorar as
propriedades do texto, mas para seguir com outras atividades, tendo aquela unidade
lingüística como suporte. Sobre esse assunto, Chartier (1998) nos alerta para a
importância de previamente selecionar os textos de modo a priorizar aqueles de
curta extensão para os momentos de realização de leitura pelos aprendizes e os
mais longos à leitura pelo professor ou com a ajuda dele. A autora prossegue
sinalizando que essa seleção é crucial, já que objetiva tanto propiciar a apropriação
do sistema de notação alfabética, como a compreensão, no caso dos textos longos.

Ainda nos remetendo a essa turma, a mestra reconheceu, durante


entrevista, que teria que avançar com seus educandos, já que, os do primeiro ano
da professora Célia (cuja prática também foi acompanhada nessa pesquisa),
concluíam o ano com o mesmo perfil de seus aprendizes. Vejamos o que apontou
ao se remeter aos conhecimentos necessários de serem construídos no segundo
ano do ciclo I:
163

Então muitas vezes os... alguns..., uma grande parte dos meus
alunos terminam (sic) o ano com um perfil de saída semelhante ao
do aluno dela, que é primeiro ano. Então eu acho fraco. Eu acho
fraco, porque eu acho que o segundo ano, eu acho que seria muito
bom e é o que eu desejo, que eles terminem o ano lendo e
escrevendo. Não vai ter uma fluência, mas eles já vão ter um pouco
de compreensão da leitura, de ler palavrinhas simples, frases,
pequenos textos, de conseguir produzir também pequenos textos,
palavras, e querer, assim, conseguir deixar neles aquele desejo de
querer mais, pra que quando chegue no terceiro ano do 1º ciclo, ele
aprimore ainda mais a leitura e a escrita (Professora Cinara, 2º
ano, Escola C).

Embora admitisse a urgência em desenvolver a prática de leitura, como


vimos, esse desejo não se constituiu numa prioridade. Em continuidade do
depoimento dela, afirmou ser fundamental um aprofundamento nas práticas de
leitura e escrita com os aprendizes do terceiro ano do 1º ciclo, já que iriam mudar de
ciclo. Essa declaração parece explicitar que o enfoque priorizado por ela, naquele
ano, se limitava à escrita e leitura de frases e palavras, dado que a leitura de textos,
sobretudo os textos longos, ficaria a cargo da professora do terceiro ano.

No interior das turmas de primeiro ano, as diferenças quanto à leitura


realizada pela professora (7/3/8) e pelo aluno (2/1/1) ainda estiveram presentes,
confirmando nossas análises anteriores. Vale a pena pôr em relevo um evento
ocorrido na sala da professora do primeiro ano, escola A, que culminou com a leitura
do texto pelo aluno, quando o que estava programado era a leitura pela docente.
Analisemos o que ocorreu:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A, 3ª Observação)

(...)
P – Não façam nada agora, só quando eu ler. Vamos ouvir a leitura, tá certo?
Vamos acompanhar a leitura, tá certo?
A – Eu já li.
P – Foi? Então leia pra todo mundo (Quem realizou a leitura foi Robert. O aluno,
164

na ocasião, leu sem titubear). “Alguém mais”? (outro aluno se candidatou e foi lá
na frente. Leu muito bem). “Alguém mais”?
Alunos – Everton! Everton! (o aluno conseguia se sobressair em todas as atividades
propostas pela professora).
P – Ele não quer. Então vamos lá, eu leio e vocês repetem. O título do texto é
“Lila” (a professora foi lendo e os alunos repetindo).
(...)

No conjunto das observações dessa professora, verificamos que a prática


de leitura ficou, predominantemente, a seu cargo. Entretanto, através da ousadia
desse aluno, ela teve que flexibilizar seu comando e autorizar a sua leitura. Durante
a entrevista, admitiu sempre ler os textos, porém, afirmou que estimulava, também, a
leitura de textos pelos educandos, o que não foi identificado ao longo de nossas
observações em sua turma. A fim de contrastar o extrato de aula acima com seu
depoimento na entrevista, destacaremos, a seguir, como afirmou proceder quanto a
sua prática de leitura:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A)

(...)
Solange – Mas você, como é que você tentava conciliar essas atividades com
as atividades de leitura e as atividades de produção de texto? Se era possível,
claro! Você vai relatar aquilo que foi possível fazer na sua turma com relação a
essa articulação dessas atividades de escrita com leitura e produção.
Professora Aécia – Leitura e produção (silêncio).
Solange – É, como é que ocorria a leitura na tua sala? Quem fazia a leitura,
fazia a leitura de quê?
Professora Aécia – Eu lia.
Solange – Você lia, não é isso?
165

Professora Aécia – Eu lia, mas eu chamava eles também para ler comigo. Eu
pegava o livro e chamava de um em um assim pra ler, chamava eles pra ler. Aí eles
liam ali, fazia aquela leiturazinha de um por um.
Solange – Do texto?
Professora Aécia – É, um textinho pequeno, claro, né? Fazia coisa grande não,
pouca coisa. Aí eles liam e dali eles sentavam. Aí eu pedia pra eles fazerem o quê?
Pedia pra fazer a cópia do texto. Era só isso.
Solange – E produção de textos? Não ocorreu não? Não deu pra fazer com
eles não?
Professora Aécia – Não. Como eu disse a você, eu só fiz nesse finalzinho mesmo.
Solange – Só no finalzinho, né?
Professora Aécia – Nunca criei texto com eles não.
Solange – Então as atividades eram mais voltadas mesmo pra escrita
alfabética?
Professora Aécia – Pra escrita, era. Texto não fiz não.
(...)

A prioridade da professora agora referida ficou mais clara na questão


seguinte, momento em que expôs os conhecimentos necessários para o educando
construir ao término do primeiro ano, na área de língua. Admitiu ser importante a
leitura de textos, porém, enfatizou muito mais a leitura de palavras. Em seguida,
declarou ensinar as “famílias silábicas”, assim como nomear as letras do alfabeto.
Reconheceu que era proibida essa prática, não deixando claro, para nós, o
argumento oficial para tal proibição. De acordo com a mestra, o aluno precisava
apreender as unidades lingüísticas menores que a palavra, caso contrário, a leitura
seria dificultada. Essa concepção, segundo ela, contrariava a idéia de que o
aprendiz, ao ter contato com textos e frases, se apropria, espontaneamente, das
outras unidades lingüísticas como a palavra, as sílabas e as letras. Por esse motivo,
optou pelo ensino sistemático das sílabas e letras.

Remetendo-nos ao conhecimento do nome das letras, em particular, o


estudo desenvolvido por Leite (2006, p.141) revelou que esse aprendizado,
considerando sua amostra e resultados obtidos, ocorre com uma relativa
independência, não determinando, assim, que essa competência precede a
166

compreensão do princípio fonológico de escrita. Por outro lado, é preciso reconhecer


a legitimidade teórica apontada por Teberosky e Olivé (2003) de que esses estudos
que tratam da aprendizagem do nome das letras consideram o funcionamento
dessas unidades nos diferentes contextos culturais, ao longo da história.

Retomando as categorias leitura de texto realizada pela mestra e leitura de


texto realizada pelo aluno, encontramos um dado bastante interessante no que diz
respeito à leitura em voz alta pelo aluno, revelado pela professora do terceiro ano,
escola B. De acordo com ela, essa leitura deslocava a atenção do aprendiz quanto
ao processo de apreensão do sentido veiculado pelo texto. Por essa razão,
costumava realizar a leitura em um dado momento, a fim de que escutassem com
esse propósito de compreensão. Segue depoimento da entrevista que ilustra a
preocupação da mestra em adotar esse encaminhamento didático, nas atividades de
leitura de textos:

(...) Geralmente eu mandava eles ler. Eles liam... eles liam o texto,
né? Eu mandava um parar, outro continuava. ‘Pára você, continua
você’. Mas eu sei que isso não... não... eles não captam bem,
quando a gente pára e continua outro. Então eles não captam bem.
Aí o que é que eu fazia? Além de fazer isso, mandar cada um ler um
pedaço, depois eu lia sozinha pra eles ouvirem, né? Eles sentirem o
sentido do texto, porque a gente sabe que eles ficam dispersos, né?
Então, às vezes o outro não sabe nem aonde é que tá, parou aonde,
né? Então eu fazia isso pra eles lerem e depois eu lia pra eles
entenderem... (Professora Buana, 3º ano, Escola B).

Do mesmo modo que no caso anterior, ao analisarmos os dados entre as


atividades de leitura de enunciados pela mestra e pelo aluno, registramos visíveis
diferenças (37/12). Em se tratando da primeira modalidade considerada, verificamos
variações da escola B em relação às demais instituições (17/8/12); já ao
considerarmos os anos-ciclo, houve menor investimento dessa atividade entre as
turmas de primeiro ano (6/13/18). Inferimos que esse índice seja justificado na
medida em que, nas classes de primeiro ano, as mestras costumavam explicar cada
enunciado, ao invés de lê-lo, dada a suposta necessidade de assim proceder nessa
etapa de escolarização, momento em que muitos alunos ainda não liam
convencionalmente enunciados, sentenças, textos.
167

Pareceu-nos preocupante a baixa freqüência localizada entre os terceiros


anos, já que os alunos, nesse estágio, deveriam ter maior autonomia na leitura dos
enunciados; entretanto, se consideramos os perfis das turmas das escolas A e C,
cuja prática, sobretudo no terceiro ano, escola A, estava ainda ancorada no
processo de aquisição do sistema de notação alfabética (SNA), entendemos melhor
essa freqüência, além do aspecto já ressaltado acerca da predominância de
atividades realizadas pelas professoras. A partir desse exemplo, se nos remetemos
à progressão das atividades, considerando a prática de leitura realizada,
compreendemos que o que se põe em relevo não é apenas o que é cabível em cada
ano-ciclo, a partir das expectativas explicitadas nos documentos oficiais (proposta
pedagógica), livros didáticos e outros materiais, mas, também, as adequações
necessárias ao perfil de aluno trabalhado, conforme apontavam as professoras dos
terceiros anos das escolas A e C. A despeito disso, Chartier (1998) assinala que o
processo de apropriação é marcado pelas convicções, crenças e segurança naquilo
que “dá certo”, que propicia bons resultados. O professor, nesse caso, estaria mais
voltado para “o como fazer”, o que se justificaria no momento em que as
informações obtidas são diretamente utilizáveis, ou seja, mantêm uma ligação direta
com a prática.

No que diz respeito à leitura de enunciados pelo aluno, apesar de não


encontrarmos discrepâncias consideráveis, é relevante destacar maior índice na
escola A (7/2/3). No interior do primeiro ciclo, registramos maior freqüência de leitura
de enunciados pelo aluno entre as turmas de terceiro ano (3/2/7). Portanto, apesar
da diferença encontrada na categoria anterior (leitura de enunciados pela mestra),
cuja freqüência entre os terceiros anos foi alta, cabe ressaltar que houve maior
prática de leitura de enunciados pelo aluno entre essas turmas. Esse dado parece
confirmar a hipótese de que alguns alunos no terceiro ano teriam maior autonomia,
ao realizar essa atividade. Por outro lado, como houve prevalência dessa atividade
na escola A, inferimos que a leitura de enunciados se ajustava melhor ao perfil do
terceiro ano dessa instituição, dada a necessidade de se apropriarem, ainda, do
sistema de notação alfabética. Já no interior das turmas, enfatizamos a ausência
desse tipo de tarefa no segundo ano, escola B, cuja prática estava alicerçada,
sobretudo, na leitura e reescrita de contos, assim como nos primeiros anos das
escolas B e C, em que as práticas não priorizaram, durante as observações,
168

registros de atividades dessa natureza, com freqüência, no quadro de giz. Houve, ao


contrário, uma predominância de atividades que privilegiavam a oralidade.

Com menor freqüência, a leitura coletiva de enunciados só foi localizada em


oito ocasiões. Quanto às escolas, encontramos (1/4/3) momentos, já em relação aos
anos-ciclo, (0/2/6) atividades. Nesse último caso, a freqüência de atividades de
interpretação escrita, entre os terceiros anos, por exemplo, pode ter contribuído
nesse tipo de investimento.94

Como pudemos apreender até o momento, nesse eixo de ensino de língua,


as atividades desenvolvidas pelas mestras foram preponderantes, se comparadas
às mesmas atividades realizadas pelos aprendizes. Esse dado se evidencia, ainda,
nas tarefas voltadas à leitura de texto coletiva com e sem condução da professora.
No primeiro caso, registramos 29 momentos, em contrapartida, a leitura coletiva sem
condução da professora, apareceu, somente, cinco vezes.

Quanto à leitura coletiva com condução da mestra, não observamos


disparidades existentes entre as escolas (10/12/7), já entre os anos, não só por
conta das expectativas que parecia haver com relação aos primeiros anos, mas,
também, pelo baixo investimento nesse tipo de atividade, registramos diferenças ao
compará-los com os segundos e terceiros anos (4/10/15), em que já contávamos
com um maior tempo, dada a maior freqüência de leitura de textos. Tomando por
base a cadeia de progressão das atividades, nessa modalidade específica de leitura,
visualizamos uma proximidade entre os segundos e terceiros anos.

Notamos, de posse dos dados, uma curiosidade: ainda que a professora do


segundo ano, escola B tenha enfocado, predominantemente, a reescrita de contos, a
leitura coletiva parece não ter sido assegurada na mesma proporção, tendo ocorrido
apenas em três ocasiões. Por outro lado, a professora do segundo ano, escola A,
não priorizou, como a anterior, a produção textual, ou, até mesmo, a reescrita, mas
parece ter garantido essa prática de leitura coletiva durante as aulas, em seis das
oito observadas. Nesse último caso, a mestra costumava começar as aulas de

94
Gostaríamos de enfatizar que, para além dos aspectos que foram ressaltados quanto a essas
atividades, a leitura de enunciados parecia ocorrer, também, de maneira “intuitiva”, não-intencional,
ou seja, como um item que não estaria na pauta de análise, como objeto de leitura na sala de aula.
Diferentemente da leitura de textos que sinalizava para uma clara intencionalidade, sobretudo porque
o texto seria utilizado na/para a proposição de atividades subseqüentes.
169

língua portuguesa com um texto seguido de leitura e interpretação textual.95 Já em


relação aos terceiros anos, merece destaque a turma da escola B, que em todos os
eixos de ensino de língua analisados, sinaliza para um evidente tempo dedicado à
leitura de textos, visto que a grande maioria dos alunos já lia sem dificuldades.

A opção pela leitura coletiva sem condução da mestra, como afirmado


anteriormente, só ocorreu em cinco momentos, dos 72 dias observados. Daqueles
cinco, nenhum foi verificado na escola A (0/4/1). Como esperado, apreendemos,
apesar do baixo índice, maior investimento entre as turmas de terceiro ano (1/1/3).
Os três casos localizados no terceiro ano estiveram centrados, somente, na escola
B. Na primeira observação, após várias atividades envolvendo: cópia de frases,96
pontuação no nível da frase, a mestra solicitou dos alunos a leitura de um texto
curto, cartilhado: “O sapo e a sapa”, de Hermínio Sargentim, que se prestou ao
ensino de frases.97 Já na quinta observação, os alunos, num dado momento da aula,
leram um texto escrito por eles na atividade do ditado, porém, a leitura realizada
previamente pela mestra foi assegurada.98 No caso da leitura no primeiro ano,
escola B, a mestra dispunha de alguns materiais escritos na sala com os diferentes
tipos de letras. Havia, ainda, um espaço com o registro de algumas cantigas. Na
quinta observação, ela solicitou dos alunos a leitura coletiva. Na ocasião,
acompanhou com uma régua, a fim de que identificassem as palavras no texto, num
momento posterior. No caso do segundo ano, escola C, os alunos foram chamados
a declamar uma poesia, observando um cartaz na sala. Tratava-se de uma
apresentação que a turma realizaria em um evento, na escola. Em relação a essa
atividade em particular, é possível apreender as diferentes abordagens, conforme o
ano-ciclo, entre essas turmas: enquanto no exemplo da turma de terceiro ano os
alunos liam com autonomia o texto ditado, no primeiro, a mestra deu diretamente um
suporte, apontando as palavras, assim como selecionando um texto já conhecido
dos aprendizes, proposta que, na nossa compreensão, é coerente com o ano-ciclo

95
Lembramos que os textos, em geral, pareciam ser extraídos de cartilhas. A interpretação textual
limitava-se, com isso, a questões de fácil localização de informações (título, principais personagens,
entre outras).
96
Essa atividade não ocorreu de maneira descontextualizada: a partir do debate acerca do orçamento
participativo “criança” (OP Criança), os educandos elencaram as prioridades de lazer em seu bairro,
assim como na escola. Decorrente desse debate e explicitação das prioridades, a mestra solicitou
dos mesmos a cópia das frases.
97
O texto tinha cinco frases: A sapa saiu. O sapo ficou só. A sapa voltou. O sapo pulou. E a saudade
acabou.
98
Texto informativo extraído do Livro didático de português Porta Aberta, intitulado: “As corujas”.
170

em que atuava. O mesmo ocorreu com a poesia declamada no segundo ano, em


que os aprendizes demonstraram estar familiarizados, de modo a não observar o
cartaz com o registro do texto. Destacamos, nessa abordagem, a proximidade entre
as turmas de primeiro e segundo anos em relação ao terceiro, porém, não podemos
deixar de enfatizar, novamente, a influência do perfil das turmas nessa progressão,
no que se refere às intervenções realizadas e ao desempenho notado.

O cuidado em solicitar dos alunos a leitura silenciosa do texto esteve


presente, apenas, em 14 momentos das aulas observadas. Se articularmos esse
baixo índice com o volume e modalidades de leituras realizadas ao longo das
observações, constatamos, desde já, infelizmente, o inexpressivo investimento
nessa atividade tão relevante para a elaboração dos sentidos do texto. Uma das
professoras, terceiro ano, escola B, chegou a afirmar, como vimos já na análise
desse eixo, que o aluno, ao ler em voz alta, não conseguia se centrar no sentido,
nas idéias do texto, mas no timbre de voz, na fluência, entre outros aspectos. Por
essa razão, costumava, após a leitura do educando, ler novamente, com o intuito de
que os mesmos compreendessem o texto lido. Nas ocasiões em que essa tarefa foi
priorizada, não localizamos diferenças significativas entre as escolas (7/3/4), mas,
sim, entre os anos (2/8/4). Em se tratando das turmas de segundo ano, registramos
que se destacou a professora da escola A (6/0/2), cuja prática, como já enfatizamos,
seguia certa sistematicidade: cópia de texto, leitura (silenciosa e em voz alta),
atividade escrita (compreensão textual e sistema de notação alfabética). Nessa
classe, os alunos foram chamados a ler em voz alta seis vezes, coincidindo com as
ocasiões em que foram chamados a realizar a leitura silenciosa.

Por fim, a leitura livre relacionada ao prazer, ao deleite, não se constituiu


numa prioridade entre as práticas acompanhadas: registramos apenas seis
momentos reservados a essa atividade. Não houve diferenças marcantes entre as
escolas (4/1/1). Por outro lado, entre os anos-ciclo, vimos ausência total dessas
práticas nas turmas de terceiro ano (2/4/0). Tivemos a impressão de que, à medida
que o aluno avançava no ciclo, o espaço para essa modalidade de leitura tendia a
desaparecer, dada a freqüência com que a leitura planejada para alguma finalidade
específica (como o tratamento das propriedades do sistema de notação alfabética)
era priorizada.
171

Vejamos, a seguir, o que as mestras enfocaram nas atividades de


compreensão textual e, diante dos dados, se foi possível apreender uma progressão
desse eixo de ensino no 1º ciclo.

4.1.3.2 Atividades de Compreensão Textual no 1º ciclo

Compondo o bloco que trata das atividades de leitura, compreensão e


produção textuais, dedicamos esforços, nessa seção, para focar mais detidamente
que atividades de compreensão textuais foram possíveis de ser visualizadas nas
práticas das nove professoras acompanhadas. Já antecipamos, na seção anterior,
que houve uma predominância das atividades de leitura se comparadas às de
compreensão. Cabe-nos, agora, sublinhar o que as mestras priorizaram quanto a
esse eixo de ensino de língua.

A fim de alcançar esse objetivo, analisamos, a partir das variáveis escola e


ano-ciclo, o espaço dedicado à compreensão oral e escrita de textos, a existência de
(re)contos de textos ou de “histórias” pelos alunos e/ou pela professora, bem como
se, durante a leitura ou (re)conto, houve a preocupação em pesquisar,
coletivamente, significados de alguma(s) palavra(s) lida(s) nos textos enfocados.
Segue tabela com a freqüência absoluta dessas categorias por nós eleitas.
172

Tabela 3: Freqüência Absoluta das Atividades de Compreensão Textual, no 1º ciclo, nas nove
turmas observadas

Atividades de Compreensão Textual

Escola A Escola B Escola C ABC

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG

1- (re)conto de texto, "história" pela professora 2 0 1 3 3 5 1 9 8 0 1 9 21

2- (re)conto de texto, "história" pelo aluno 2 1 1 4 3 5 1 9 2 0 0 2 15

3- Compreensão oral do texto 7 8 5 20 3 3 7 13 4 3 6 13 46

4- Compreensão/interpretação escrita 1 7 5 13 0 1 2 3 0 2 4 6 22

5- Reflexão coletiva de significado de palavras 2 0 3 5 3 6 5 14 2 5 6 13 32

Total Geral 14 16 15 45 12 20 16 48 16 10 17 43 136

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C.

No conjunto das atividades de compreensão textual, destacamos, a


princípio, conforme tabela 3, a alta freqüência de situações de compreensão oral do
texto. No geral, foram 46 momentos reservados a esse tipo de tarefa. Nesse aspecto
específico, identificamos diferenças, apenas, da escola A em relação às demais
(20/13/13);99 já no que diz respeito aos anos-ciclo, não houve discrepâncias
marcantes (14/14/18).

Por outro lado, essa prática não ocorreu na mesma proporção que as
atividades de compreensão/interpretação escrita do texto, que apareceram apenas
em 22 ocasiões. Nesse caso em particular, as diferenças entre as instituições
pesquisadas foram mais visíveis (13/3/6). Ao confrontarmos esses dados entre os
anos do 1º ciclo, observamos a quase ausência dessa tarefa nas turmas de primeiro
ano (1/10/11). Houve exclusividade em torno do trabalho de compreensão oral do
texto, acompanhado de atividades voltadas ao sistema de notação alfabética nas
turmas de primeiro ano, coincidindo com dados apontados por Oliveira (2004). Essa
evidência se confirma quando localizamos, nos primeiros anos, 14 momentos
dedicados a essa atividade e apenas um em que a compreensão escrita foi

99
Lembramos que, ao longo das análises, as freqüências serão explicitadas na ordem das
instituições: A, B e C e dos anos-ciclo: 1º, 2º e 3º anos, independentemente do índice encontrado.
173

priorizada. É pertinente realçar, ainda, que essa tarefa foi identificada no primeiro
ano da escola A, momento em que houve somente um item de localização de
informação direcionado ao texto lido.100 O mesmo quadro não se evidenciou entre os
segundos (14/10) e terceiros anos (18/11) se nos remetemos na ordem à
compreensão oral e escrita de textos, dado que encontramos acréscimo na prática
de compreensão escrita. Embora tenhamos notado maior prática de compreensão
oral entre os terceiros anos, haja vista as especificidades das turmas das escolas A
e C, a compreensão escrita, por outro lado, não evidenciou discrepâncias entre
essas turmas. Destacamos, apenas, que o terceiro ano da escola B não focou o
ensino de língua na compreensão escrita, visto que verificamos essa atividade
somente em duas das oito aulas observadas. Por outro lado, a prática de leitura e
produção textuais apareceu acoplada à compreensão oral de textos.

Em se tratando do primeiro ano, escola A, observemos como a mestra


encaminhou a atividade de compreensão do texto intitulado “Lila”, após a leitura por
alguns alunos e, em seguida, a realização da leitura coletiva:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A, 3ª Observação)

(...)
P – Como é o nome da história?
Alunos – Lila.
P – Quem é Lila?
A – Uma boneca.
Alunos – Uma menina.
P – A que horas ela viu a lua?
Alunos – Meia noite.
P – O que ela disse?
Alunos – A lua caiu na água.

100
A partir da leitura do enunciado, os alunos teriam que pintar o quadrado em que aparecia a
resposta correta: “a lua caiu no chão” ou “a lua caiu na água”. O texto intitulava-se “Lila”, porém, não
encontramos a referência desse material.
174

P – Vocês vão contar pra mim quantas palavras começam com “L”. Vamos lá!
(os alunos iniciaram a contagem).
A – Cinco, seis, treze.
P – Tudo isso?
A – Quatro tia.
P – Ana achou quatro. Quem achou quatro? Gente, aí tem palavras repetidas.
Quantas vezes têm o nome LILA?
Alunos – Quatro.
P – A palavra “LUA” tem quantas vezes?
Alunos – Duas.
Alunos – Três.
Alunos – Seis.
P – Tem certeza? Todo mundo tem certeza? Vamos contar: 1, 2, 3, 4, 5, 6. Seis
vezes o nome “LUA”. Entenderam a historinha? O textozinho? Então
eu vou fechar. Terminou o tempo (a professora juntou os dois lados do quadro
branco, fechando a visão do quadro de giz). O primeiro, preste atenção. Ela
começou a registrar: 1) Copie o texto em seu caderno.
A – Faça o texto em seu caderno.
P – Quando terminar de fazer o primeiro, vira a folhinha para fazer o segundo.
Eu não gosto quando vocês me dão o lápis para fazer a ponta eu escrevendo
no quadro. 2º) Circule no texto todas as palavras que começa (sic) com a letra “l” ou
“L”.
A – Tia, explica de novo.
P – Você vai copiar, quando terminar, vira a folha para começar o segundo. 3º)
Circule as palavras que o nome termina igual a LILA: MALA - BOI - COLA - BOLA.
4º) Pinte o quadrado ( ) onde aparece a resposta certa

A lua caiu no chão.


A lua caiu na água.
P – Eduarda, para o seu lugar! É por isso que você nunca termina sua tarefa!
(do mesmo modo que outros alunos, Eduarda, de acordo com a professora, estava
num nível aquém da turma). O primeiro vocês vão copiar o texto de Lila. O
175

segundo vocês vão circular todas as palavras que comecem com “L”, todas.
Aqui vocês vão circular todas as palavrinhas que terminam igual à Lila. LILA
termina com que pedacinho?
Alguns alunos – LA.
A – MALA.
P – Psiu! Pare. Certo. As palavrinhas. O outro, vocês vão pintar o quadrado em
que a resposta está certa. “A lua caiu no chão ou a lua caiu na água”?
A – Eu já descobri tia.
(...)

Conforme esse extrato de aula, observamos que a mestra privilegiou a


compreensão oral do texto. Houve apenas uma questão de compreensão que, a
nosso ver, queria remeter o aprendiz a inferir que o que se via na água, na
realidade, era o reflexo e não a própria lua. Entretanto, a resposta estava explícita
no texto lido.

Os números descritos nessa seção, referentes às atividades de


compreensão escrita, denunciam a ausência de uma progressão entre os anos do 1º
ciclo, acentuando-se, nesse caso, a dicotomia dos segundos e terceiros anos frente
aos primeiros. Tal como vimos no âmbito da predominância de leitura de textos
pelas mestras, em seção anterior, parece confirmar-se a total ausência de
articulação entre aquelas atividades com as de compreensão escrita, no universo
dos primeiros anos acompanhados.

Diferentemente dos dados encontrados entre as turmas de primeiro ano, ao


considerarmos a prática de compreensão escrita de textos, visualizamos uma
equivalência entre as turmas de segundo e terceiro anos, como pudemos observar
na tabela 3. Ainda nos referindo à compreensão escrita, frisamos algumas
disparidades encontradas no interior dos anos-ciclo, a exemplo das turmas de
segundo ano. É oportuno ressaltar o investimento da professora do segundo ano da
escola A quando confrontada às demais turmas do mesmo ano (7/1/2). Nessa turma,
a mestra costumava registrar o texto no quadro, a fim de que os educandos
copiassem. Em seguida, propunha algumas questões para assegurar a exploração
escrita do texto, focando, exclusivamente, questões de fácil localização. Priorizava,
176

ainda, algumas propriedades do sistema de notação alfabética, entre elas, a escrita


de palavras a partir de sílabas, a partição escrita de palavras em sílabas, a
contagem de letras e sílabas em palavras, entre outras. Na primeira observação, por
exemplo, ela distribuiu com os alunos uma atividade mimeografada. Após a leitura
do texto: “O circo chegou, o circo do meio dia”, apresentou três questões de
localização e uma de opinião.101 Nesse caso, a atividade de compreensão escrita no
quadro não foi dispensada, em função de uma prioridade dada ao sistema de
notação alfabética. Encaminhamentos semelhantes foram localizados nas demais
observações. Ao se remeter à forma como costumava enfocar a compreensão
escrita de texto, a professora do segundo ano da escola A afirmou o seguinte:

(Professora Aída, 2º ano, Escola A)

(...)
Solange – E quanto às atividades de escrita mesmo, elas partiam também
desse texto?
Professora – Não, eu trago dos livros mesmo, normal, eu pesquiso em outros livros
pra eles interpretarem, mas sempre eu deixo uma pergunta pra eles fazerem:
escreva a sua opinião sobre o texto.
(...)

Em se tratando da prática de articulação da compreensão escrita de textos


com outros eixos do ensino de língua, vejamos o que a professora do terceiro ano
da escola B assinalou durante a entrevista:

Bom, eu geralmente trazia um texto pronto, é... xerocado e dava a


cada um o seu texto. Aí eles liam aquele texto e a gente... a
princípio a gente debatia o texto oralmente. Então depois eu sempre
botava a interpretação do texto, pra eles interpretarem aquele texto,
mas com... pra eles darem a opinião deles sobre determinado

101
As perguntas de localização de informação desse texto foram: o que o macaco fez no circo? O
nome dele era Marreco, é? O que aconteceu com o Marreco? Escreva sua opinião sobre o circo.
Tratava-se de um texto cartilhado intitulado: “O circo chegou”.
177

assunto do texto, não pra eles localizarem a resposta no texto.


Então era pra eles darem a opinião deles sobre determinado
assunto do texto. E depois eu fazia com que eles escrevessem um
texto sobre aquele assunto, mas diferente daquele que eles tinham
lido. Então eles escreviam um texto sobre aquilo (Professora
Buana, 3º ano, Escola B).

Essa seqüência didática envolvendo a compreensão escrita de textos foi


priorizada em apenas duas das oito aulas observadas. Houve situações, entretanto,
que essa atividade ficou como “tarefa de casa”. Quanto às questões de interpretação
serem da ordem de opinião, verificamos que tiveram menor freqüência que as
questões de localização no texto, ao contrário do destacado por ela. Vejamos abaixo
um exemplo que ilustra nossa afirmação quanto à prática de compreensão escrita
nessa turma. Lembramos que essa professora julgava que sua turma era bastante
avançada, por isso, enfocou, durante as aulas, a prática de compreensão textual
vinculada ao ensino de gramática/análise lingüística:

(Professora Buana, 3º ano, Escola B, 5ª Observação)


(...)
P – Andréa, leia mais alto.
A – Era um jardim zoológico... (pausa. A aluna ficou pensando como leria a palavra
“zoológico”).
P – ‘Enorme’, um jardim enorme.
A – É o...
P – ‘é’ não, ‘e’, não tem acento.
A – Um bebê elefante...
P – Basta, continua Evelin.
A – O pai dizia.
P – Continua Joana.
(...Joana leu muito bem. Atenta à pontuação).
P – Vai Everson.
A – Não sei.
P – Não tá prestando atenção. Chamei você exatamente por isso. Vá, Bruno (o
aluno terminou de ler o texto, lendo-o com segurança).
178

13:55h – Eu vou ler e depois perguntar a vocês.


(os alunos acompanhavam a leitura feita pela mestra, mantendo-se em silêncio).
P – O textozinho do elefante. Agora nós vamos responder algumas
perguntinhas sobre o elefante, tá? Bora ver!
P – A gente vai responder de acordo com o texto, tá? A gente vai estudar os
tipos de frase. A gente já estudou. Quais são?
A – Negativa.
A1 – Afirmativa.
A2 – Exclamativa.
A3 – Exclamativa.
P – Uma frase é afirmativa quando está afirmando alguma coisa. Se eu
perguntar: Bruno, o que você está fazendo?
A – Mordendo a ponta da borracha.
P – Pronto. Bruno está mordendo a ponta do lápis. Luana, o que está fazendo?
A – Escrevendo.
P – Buana, o que está fazendo?
A – Ensinando.
P – Andando na sala de aula. E Silvanildo?
A – Minha sandália quebrou.
P – Isso. E foi real! E a frase exclamativa? Sim, a afirmativa geralmente termina
com ponto final. E a exclamativa?
Alguns – Travessão.
P – Olhe.
Alguns – Exclamação.
P – Isso. E a negativa? O nome já diz. ‘Não estou chorando’. Jéssica, o que
está fazendo?
(a professora deu o primeiro exemplo para que eles seguissem a partir do que fosse
perguntando).
A – Eu não estou estudando (depois de algum tempo, a aluna deu essa resposta).
P – Que frases afirmativas encontramos no texto?
Alguns alunos – ‘Um jardim zoológico enorme’, ‘Com bichos pequenos e grandes’
(além de outras que foram ditando).
P – Tem exclamativa?
Alunos – Tem.
179

P – Qual?
A – Faço porque faço, porque faço!
P – E interrogativa?
Alguns – Você pensa que ele ia?
P – Isso. E negativa? Tem? Não vou...
Alunos – ‘Não vou e pronto!’
P – Qual é a frase que mostra que o elefantinho era novo?
Alguns alunos – Um bebê elefante.
P – E a frase que é usada para demonstrar a teimosia do elefantinho com seu
pai?
Alguns – Faço porque faço, porque faço.
P – Por quê?
Alguns – Porque tem ‘o pai dizia’.
P – E tem o quê?
A – Travessão.
P – Qual é a frase que demonstra a teimosia com a mãe?
Alguns – Não vou, não vou e pronto.
P – Que frase mostra que o pai do elefantinho vai falar?
A – ‘O pai dizia’.
P – Tem o quê?
A – Travessão.
P – Dois pontos e travessão. A outra é de opinião. Qual a sua opinião sobre o
elefantinho malvado?
A – Ele desobedecia.
A – O pai.
A – A mãe.
P – Eu quero saber se vocês concordam com a teimosia dele.
Alunos – Não.
P – Como devemos nos comportar com os pais?
A – Com amor.
A – Carinho.
P – Como se demonstra o amor? Com res...
Alguns – peito.
180

(...)

Como atestamos anteriormente, a professora articulou a prática de


compreensão escrita do texto à revisão do ensino dos “tipos de frase”, numa
perspectiva bastante questionada pelos que analisam a gramática desde uma
perspectiva funcional. A seqüência didática envolveu, como o fazia
sistematicamente, “leitura alternada” do texto “O elefantinho malcriado” pelos
alunos.102 Posteriormente, como já havia dito priorizar em suas aulas, realizou a
leitura em voz alta, seguida de algumas questões de interpretação. No rol dessas,
ela abordou os tipos de frase, contemplando as questões de fácil localização no
texto e encerrou com uma de opinião. Esse exemplo se distancia de sua declaração
de que havia prioridade às questões de opinião. O mesmo resultado foi visto em
outras observações.

No tocante ao desenvolvimento de atividades envolvendo a compreensão


leitora de alunos na fase II do primeiro segmento da educação de jovens e adultos
(doravante, EJA), Marinho, Silva e Morais (2009) indicaram, na análise das práticas
de duas professoras que atuavam naquela etapa da EJA, que as questões de
compreensão foram, algumas vezes, modificadas dos livros didáticos adotados,
empobrecendo e, por vezes, traduzindo-se em perguntas pouco desafiadoras quanto
à compreensão do texto. Os autores assinalaram, ainda, que, embora uma das duas
professoras pesquisadas mantivesse as questões do livro didático adotado, estas se
limitavam à localização de informações explícitas no texto. Com isso, os autores
julgaram, a partir dos dados, que poucas oportunidades os educandos tiveram de
avançar na construção do sentido do texto.

Como vimos, nossos dados apontaram para essa “simplificação” do que


seria um trabalho que enfocasse o estudo do texto, priorizando, por exemplo, as
questões de natureza inferencial. O mais alarmante, nessa constatação, foi que,
mesmo na turma do terceiro ano da escola B, em que os alunos já expressavam
autonomia nas práticas de leitura, compreensão e produção textuais, a
compreensão textual não ocorreu no formato de ultrapassar as questões de

102
MACHADO, Ana Maria. O elefantinho malcriado. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2005.
181

localização. E foi reduzida, no exemplo do extrato de aula citado anteriormente, em


razão de um ensino empobrecido de “tipos de frases”.

Em prosseguimento à análise de atividades de compreensão, observamos


um índice elevado de momentos dedicados à atividade de reflexão coletiva de
significado de palavra, com 32 ocasiões. As diferenças entre as instituições foram
visíveis, somente, em relação à escola A (5/14/13). Infelizmente, houve menos
investimento desse tipo de tarefa entre os primeiros anos (7/11/14). Entendemos
que, do ponto de vista teórico, nada justifica não praticar essa estratégia com os
alunos de primeiro ano, que teriam léxico menos elaborado. A partir de nossos
dados, compreendemos que esse trabalho estava vinculado à ocorrência (ou não)
de leitura e exploração sistemática de textos, logo a justificativa de uma freqüência
maior entre as turmas de segundo e terceiro anos. No interior dos anos-ciclo, não
houve diferenças marcantes. É importante enfatizar, entretanto, a ausência do
ensino dessa estratégia na turma do segundo ano, escola A, ou seja, embora
tenhamos identificado ocasiões dedicadas à leitura de textos, não encontramos
espaço para esse tipo de reflexão, naquela turma.

Ainda que não tenha sido tão marcante a diferença, verificamos mais
ocasiões dedicadas a atividades de (re)conto de texto e/ou de história pela
professora (21) confrontadas com o (re)conto de texto e/ou de história pelos alunos
(15). Pensávamos que pela natureza da atividade, com seu caráter lúdico,
motivador, encontraríamos uma adoção maior por parte das professoras dos
primeiros anos. Os dados confirmaram essa hipótese tanto em relação ao (re)conto
pela mestra (13/5/3), como pelo aluno (7/6/2). É importante assinalar, no universo
dos primeiros anos, que, no que se refere ao reconto de texto e/ou história realizada
pela professora, houve destaque à escola C, já que em todas as aulas observadas,
a mestra dedicou espaço a essa tarefa.

Ainda nos remetendo à atividade do reconto, se sobressaiu a turma do


segundo ano, escola B, cuja mestra, no segundo semestre, tinha uma prática
pautada na leitura e (re)conto de contos. Na segunda etapa, após a leitura do conto
pela professora, ocorria a retomada da “história” realizada coletivamente. É curioso
que não ocorreu nenhum caso na turma do segundo ano da escola A. Esta mestra
costumava registrar um texto no quadro com o intuito dos aprendizes copiarem, em
seguida, propunha questões de interpretação textual e, por fim, abordava aspectos
182

da base alfabética de escrita. Julgamos que essa seqüência era fixa, não havendo
espaço, portanto, para a atividade de conto. No universo das oito aulas, em apenas
uma o aluno teve a oportunidade de realizar o reconto de um texto. A mesma
ausência foi observada na turma do segundo ano da escola C. O índice inferior
dessas tarefas ficou com as turmas de terceiro ano. Como já frisamos em outras
análises, apenas o terceiro ano, escola B, demonstrava uma boa autonomia nas
atividades propostas: leitura, produção textual, entre outras. Todavia, não
identificamos investimento nas atividades de (re)conto entre as outras turmas de
terceiro ano.

Mais uma vez parece se confirmar nossa hipótese de que essa tarefa
ficaria, predominantemente, a cargo das professoras de primeiro ano, além da
predominância de realização da tarefa pela professora, não pelo aluno. Novamente
verificamos uma proximidade nas proposições das mestras dos primeiros e
segundos anos, conforme observamos, também, no bloco de atividades de leitura.
Embora nas atividades de conto, em específico, tenhamos notado a particularidade
da professora do segundo ano da escola B, não poderíamos deixar de enfatizar a
presença equiparada desse tipo de atividade nessa etapa do 1º ciclo. O mesmo não
ocorreu com relação aos terceiros anos, como vimos.

Sobre a atividade de reconto de texto e/ou “história” pela professora e aluno,


apresentaremos, a seguir, um extrato da aula da professora do terceiro ano da
escola A:

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A, 2ª Observação)


(...)
P – Olha só, foi essa historinha que a gente contou ontem.
A – De novo.
P – Para dar a oportunidade a quem não escutou. “O pescador, o anel e o rei”.
Quem já ouviu conta um pedacinho, o que entendeu? Vamos ouvir Wesley.
A – O pescador ganhou um anel e se ele perdesse torava a cabeça dele.
P – Pára, não conta o final não. Para deixar todo mundo curioso. Qual é a
música que o pescador cantava?
183

A – Viva a Deus e ninguém mais, quando Deus não quer, ninguém nada faz.
P – Isso (a professora prosseguiu com a leitura). Disse que quem interferisse ia
colocar o nome no quadro para ficar sem recreio. Os alunos permaneceram
silenciosos.
A – Ela passou uma parte.
P – Não. Ah, foi. Ele já estava com medo de quê?
Alguns alunos – De morrer!
A professora disse que o pescador pescou 50 peixes. Vendeu 48 e ficou com um.
A – 48. Então ficou com dois.
P – Eu me equivoquei. Ele vendeu 49 e ficou com um. “Sua esposa preparou o
peixe. Na hora do almoço, a mulher se engasgou e saiu o anel. O marido disse:
viva a Deus e ninguém mais, quando Deus não quer, ninguém nada faz. O rei
se surpreendeu quando ele entregou o anel e teve que dizer: viva a Deus e
ninguém mais... “Vamos fazer a tarefa. Depois eu deixo passar o livro. Eu
contei essa história ontem, eles gostaram. Eu não poderia deixar de contar pra
vocês”. (...)

No que diz respeito às variações constatadas entre as escolas e anos-ciclo,


ficou evidente, em geral, a predominância do trabalho no âmbito oral, se comparado
ao escrito. Os alunos estavam mais expostos à compreensão oral do que a
atividades que envolvessem a compreensão escrita de textos, nesse bloco em
específico. Por outro lado, apesar dessa ênfase na compreensão oral dos alunos,
não observamos o mesmo quando se tratou da atividade de reconto de texto e/ou de
história, momento em que a voz do professor sobressaiu. Configura-se, a nosso ver,
um quadro paradoxal em que, de um lado, espera-se maior participação do
educando quanto à compreensão oral, por outro, não se oportuniza, sempre, ao
mesmo desenvolver essa oralidade em atividades que serviriam, inclusive, para
ultrapassar essa competência, favorecendo, por exemplo, a apropriação da
linguagem escrita dos gêneros enfocados.

A seguir, destacaremos as principais evidências da prática de produção


textual no 1º ciclo das turmas acompanhadas. Havia articulação desse trabalho com
o de leitura e compreensão textuais? A fim de fechar esse bloco, trataremos de
elencar quais foram os encaminhamentos adotados.
184

4.1.3.3 Atividades de Produção de Textos no 1º ciclo

Nessa seção, priorizamos algumas modalidades de produção de textos, tais


como: produção individual (incluindo as que enfocavam, apenas, a escrita de final de
história), produção textual com auxílio da professora, produção de texto coletiva e se
houve, no conjunto das observações, o cuidado em explorar as características e
funções dos gêneros textuais trabalhados. Segue tabela com as principais
evidências obtidas.

Tabela 4 - Freqüência Absoluta das Atividades de Produção de Textos, no 1º ciclo, nas nove
turmas observadas

Atividades de Produção textual

Escola A Escola B Escola C ABC

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Produção individual de texto
ou de final de história 0 2 2 4 1 1 6 8 1 0 5 6 18
2- Produção de texto com auxílio
do professor 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 2 2

3- Produção de texto coletivo 0 0 1 1 0 7 1 8 0 1 2 3 12


4- Exploração de características
do gênero textual trabalhado 0 1 1 2 0 4 2 6 0 1 3 4 12

Total Geral 0 3 4 7 1 12 9 22 1 3 11 15 44

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral, ABC = Escolas A, B e C.

Diferentemente dos blocos de leitura (188) e compreensão textuais (136), a


freqüência de produção de textos (44) foi bem inferior, se comparada àqueles eixos.
Estudos, como o realizado por Bastos (2009), atestam que o baixo investimento em
produção de textos, assim como as condições limitadas com que essas práticas
ocorrem, parecem ser uma marca da escola brasileira, já que esse quadro se
estende até o ensino médio.
185

No âmbito das atividades de produção de textos, notamos um maior número


de escrita de texto realizada pelo aprendiz, se compararmos à mesma atividade
realizada com algum tipo de ajuda da mestra. Com isso, identificamos que, no caso
dessa última tarefa, o aprendiz, quando solicitado a escrever textos, parecia operar,
predominantemente, de maneira solitária.

Isto nos parece intrigante, compreensível e questionável. Os educandos não


estavam freqüentemente expostos à prática autônoma de realização de leitura
textual, o que os auxiliaria na apropriação das especificidades da linguagem escrita
presente nos gêneros textuais estudados e os ajudaria a avançar, também, na
escrita dos mesmos. Mas, eram cobrados a operar individualmente, dominando
aquelas características dos gêneros escritos, sem serem ensinados.

Por que afirmamos ser compreensível esse movimento? Em geral, a leitura


de textos não parecia ser tomada como um objeto de conhecimento da área de
língua em si, mas como uma ponte para explorar palavras no interior dos textos,
responder a algumas questões, entre outros aspectos (MARINHO; SILVA; MORAIS,
2009). Com a produção de textos parecia ocorrer o mesmo processo: não se refletia
sobre as características e funções dos gêneros textuais, mas, por outro lado, a
escrita deles era cobrada. Poucos foram os casos de exploração das características
dos gêneros, como veremos a seguir, o que parece justificar essa solidão vivida pelo
aprendiz, assim como o tímido investimento nesse eixo. Atrelado a isso, julgamos
que a produção textual se constitui numa atividade de natureza complexa (LEAL;
MELO, 2006), exigindo, por parte de quem ensina, maior dedicação. Uma das
professoras de terceiro ano, escola A, chegou a afirmar que não priorizou a atividade
de produção de texto em sua turma pela complexidade que essa tarefa demandaria
e pelo preparo que exigiria para ser feita, adequando-se aos níveis de aprendizagem
dos alunos. Segue depoimento dela a respeito da prática de produção de textos com
seus alunos, naquele ano:
186

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A)

Solange – Áurea, as situações de produção de texto ocorriam mais com esse


grupo que estava avançado do ponto de vista da escrita? Ou era assim uma
atividade direcionada para todos? Esteve mais concentrado no primeiro
semestre, foi isso?
Professora – Foi, teve. No segundo semestre realmente eu não... trabalhei pouco,
você pôde até ver que eu trabalhei um texto, né? Do momento que você começou a
avaliar pra cá, eu trabalhei uma produção textual coletiva com eles. Mas assim, mas
eu pedia pra que eles criassem textos, dei gravuras, dei seqüências de gravuras
com situação-problema, pra que eles produzissem textos. Aí tipo... os que estavam
alfabéticos produziam textos e os que não, faziam frases, tentavam fazer ou se
negavam, né? Era toda uma problemática. Mas, assim: eu recolhia aquelas
produções, fazia a correção, né? Teve momentos de pedir a produção textual,
depois ler aquela que eu mais gostei e aquela que ficou mais completa. Ler, eu li pra
turma. Teve um momento no primeiro semestre que eu li. A produção até foi de
Jéssica. Eu fiz a leitura. E a parte daquela produção que eu achei mais completa,
mas que ainda tinha coisas a compor no texto, né? (sic) Elementos. A gente é...
reproduziu no quadro, todo mundo junto. “Vamos melhorar. O que foi que faltou?
Faltou um título Jéssica, não é? Cadê o título do texto? Tem que ter um título”.
Aí a gente colocou um título. Aí eu li a história pra eles, a história que ela produziu.
Aí a gente percebeu que faltava dar nomes a algumas pessoas do texto. E aí fiz
esse trabalho. Mas momentos como esse assim, é... eu sinto também que mesmo
trabalhando mais no primeiro semestre, ainda foi pouco. Eu preciso, eu sinto que eu
preciso aprender a trabalhar mais o texto com eles. E diversificar também. Eu
trabalhei receita, mas trabalhei acho que umas duas receitas, por exemplo, né? É...
eu trabalhei poesia, mas foi uma produção que eles fizeram que inclusive foi uma
aula muito boa, muito rica e que saiu muita coisa boa e eu digo: ‘eu deveria ter
trabalhado mais a poesia com eles’, eles gostaram, foi mais fácil até pra aqueles que
estavam num nível mais elementar. (...)
187

Do conjunto de atividades articuladas a esse eixo, verificamos, de início,


uma predominância de produção individual de texto (18), incluindo, em algumas
proposições, a escrita de final de história (2). Em relação às instituições, não
observamos diferenças marcantes (4/8/6); por outro lado, ao compararmos as
variações entre os anos-ciclo, houve clara discrepância das turmas de terceiro ano
em relação às demais (2/3/13). É curioso que as diferenças entre primeiros e
segundos anos foram quase nulas, o que nos faz indagar por que tanta falta de
progressão, por que um índice tão baixo de produções textuais nas turmas de
segundo ano? 103

No que se refere à atividade de produção de texto individual, nas turmas de


segundo ano, destacamos duas situações presentes na escola A. Em uma delas (1ª
observação), a mestra iniciou com a leitura de um texto “O circo chegou”, em
seguida, realizou a leitura “alternada” (entre os alunos), por fim, solicitou que os
aprendizes escrevessem um texto sobre o circo, evitando, contudo, a escrita de
frases simples como “o circo é bonito”. Em outra aula (5ª observação), a produção
textual partiu de algumas imagens. Vejamos as interações decorrentes dessa
atividade:

(Professora Aída, 2º ano, Escola A, 5ª Observação)

(...)
A – O que é para fazer?
P – O que é a primeira coisa?
Alguns alunos – Pintar!
P – E depois?
Alguns – Contar uma história (os meninos começaram a descrever as imagens).
P – Pintar, recortar e escrever.
A – Tia, é para pintar tudinho?
P – Que pergunta Júlia!
A – Tia, já botei a data.

103
Assim como no eixo de leitura, no caso da produção textual, a proximidade entre as turmas de
primeiro e segundo anos quanto ao investimento nessa atividade foi mais notória se comparada às
turmas de terceiro ano.
188

P – Hoje é trinta de outubro. É para pintar tudo, ‘bebê’! (sempre utilizava essa
expressão, chamando a atenção dos alunos, individualmente ou no coletivo).
A – Hoje é trinta.
A – Trinta de dez é tia? (referindo-se ao mês). A professora respondeu: “ainda”! (...)
P – Bora ver agora, recortar.
A – Espera aí, tia.
A mestra colou no quadro as imagens em um papel ofício, mas não dava para
visualizar. “Cada um era para trazer sua tesoura, não era”?104
A – Eu ‘truxe’.
P – Eu ‘trou-xé’.
A – Eu ‘truxe’, tia.
08:25h – Já pintaram?
Alunos – Já, tia.
A – Pode cortar, tia?
P – Pode. Eu vou dar uma folha pra colar (...)
A – Olhe, vocês vão dividir essa folha em quatro partes (recortar).
P – Não, dividir em quatro partes com a mão. Bora, a primeira cena. Qual é?
A – O menino jogando bola com a menina.
P – A segunda cena?
Alguns alunos – Quando perdeu a bola.
P – E a terceira?
A – O homem pegou a bola.
P – Que homem é esse?
Alguns alunos – Pescador.
P – A quarta cena?
Alguns alunos – O pescador dá a bola.
P – Eu quero assim ó (foi explicando que queria quatro linhas largas abaixo de
cada imagem. Destacou que não queria linhas estreitas, mas largas). “Quem
quiser, pode colocar mais linhas”.
A – Eu só vou fazer quatro.
A – Eu também.

104
A aula tinha início às 07h30min e encerrava às 11h30min.
189

08:35h – Eu quero uma história, viu? Não quero frases: ‘A menina é assim’, ‘o
menino é assim’. Eu quero uma história. ‘Era uma vez uma menina...’, dê nome
à menina, ao menino. Vamos colando. De um em um! (a mestra ficou sentada,
próxima ao birô, disponibilizando a cola aos alunos).
“É para colar de acordo com o que está ali, senão fica errado a seqüência
(sic). Colou, Lucas? Se colou errado, vai ficar errado, viu? Preste atenção
como é. Eu não vou dar folha mais não. Agora faz as linhas bem bonitinho e
escreve. Faz as linhas direito e escreve”.
(...)
08:45h – Façam quatro ou cinco linhas (a mestra registrou no quadro). “Tragam
palito de picolé de casa, pra fazer as linhas. Eu já disse a vocês”.
A – Eu vi uma régua.
P – Olhe, eu mandei vocês com um gibi ontem, não foi? Olhem aqui: uma cena,
duas cena (sic). Três cena, quatro cena (sic). Aqui 1,2,3,4 cenas. Tá vendo? É
como um gibi, termina essa cena, vai para outra. Só que aqui tem mais folhas.
Aqui tem muitas folhas e aqui não. Os ‘câmeras lentas’ pense (sic) que tem
informática e biblioteca, viu! (referindo-se aos alunos que se estendiam na
conclusão da atividade).
A – O que é câmera lenta?
A – Os tartaruga, menina! (sic)
A – Mateus, Poliana, Lúcia (os alunos riram).
P – Pronto!
A – Tia, pode passar dos cinco? (referindo-se à quantidade de linhas).
P – Pode. (os educandos perguntaram, ainda, aonde colocavam o nome. Ela
respondeu que o nome, o título do livro era no verso da folha. “Tem que ter um
título, não é”? (alguns alunos pediram para ver a explicação do gibi de perto, mas a
professora disse que, se fosse explicar a trinta e dois alunos, a aula acabava).
A – Vou botar ‘João e Maria’.
P – Tá muito manjado: ‘Um domingo na praia...’ (sugestão da professora).
A – Vamos pra praia.
(...)
190

No caso dessa turma, percebemos a autonomia com que alguns alunos


produziam, entretanto, com base nas intervenções anteriormente explicitadas, foi
possível apreender, entre outros aspectos a serem aprofundados no próximo
capítulo, relativo à análise dos resultados das práticas observadas, certas
limitações/inadequações, quanto ao comando de escrita do gênero. A princípio,
enfatizou a escrita de um texto, não de frases isoladas, exemplificando com a
expressão inicial possível numa narrativa; em seguida, ao vincular a semelhança do
texto a ser escrito com as histórias em quadrinhos, presentes nos gibis, a mestra
mudou (consciente ou não) o comando dado. Esse tipo de encaminhamento,
certamente, influenciou na heterogeneidade das produções escritas pelas crianças.

Observando os dados gerais quanto à prática de produção textual,


identificamos, de imediato, que as condições de produção foram muito limitadas. Na
maioria das situações propostas, os educandos não contaram com um trabalho de
exploração das características e funções dos gêneros, visto que estes não estavam
claros. Além disso, os alunos produziam sem ter claro um interlocutor. Logo, não
identificamos finalidades reais, nesse contexto de produção textual, que
ultrapassassem o propósito de cumprir com uma tarefa.

A única situação de produção individual de texto na turma da professora


Bianca, segundo ano da escola B teve início, como era habitual nessa classe, com
uma produção coletiva. Vejamos como procedeu a mestra:

(Professora Bianca, 2º ano, escola B)

P – Não, vocês vão deixar eu falar ou vão ficar querendo adivinhar? Se for, eu
me sento e vocês continuam tentando adivinhar. Antes de eu falar o que vai
fazer aí, a gente precisa relembrar algumas coisas. Quando a gente ia construir
uma história, a gente fazia como? A gente fazia com a ajuda de todos, não era?
A – Coletivo.
P – Muito bem, Denílson. O que é um texto coletivo? A gente faz com a ajuda
191

de todos. Agora a gente subiu um degrau. A gente pode fazer coletivo? Pode.
Mas hoje vai fazer sozinho. Pra gente construir uma história, a gente precisa
de quê?
A – Do título, tia.
P – Deixa eu anotar. O que mais?
A – Da pessoa, tia?
P – Que pessoa? Como que chamamos? Per...
Alguns alunos – Personagens.
P – A gente precisa de um título, personagens, história, o que mais? A gente
pode fazer uma história, inventar. Eu vou dizer algo que talvez vocês não
ouviram. Toda história tem um começo.
A – E um final.
P – O que tem que ter no começo? Um lugar, uma época. A gente vai começar
com um lugar e a época, não é isso?
A – ‘Era uma vez’.
A1 – ‘Há muito tempo atrás’, pode ser?
P – Pode. ‘Num castelo muito distante’, certo? Agora a gente vai pensar uma
coisinha. Essa história que a gente vai começar vai ser no tempo de hoje ou
muito antigamente?
A – Há muito tempo atrás.
P – Quem são os personagens?
A – ‘A princesa, o príncipe’. Tia, deixe eu falar.
P – Cilas, se continuar vai lá para baixo.
A – Tia, ‘era uma vez’.
P – Calma, guarde isso. O que é que vocês estão pensando que vai acontecer?
A – Uma princesa.
P – Já tem: rei, rainha, príncipe, princesa, guarda, o que mais?
A – ‘Cavalo. Motorista de cavalo’.
P – Motorista de cavalo. Presta atenção. Se a história é muito antigamente, não
existia motorista. Agora a gente vai começar a história.
Rosana – Posso começar?
P – Calma. Vai ter uma hora que eu vou parar e vocês continuam. Bora,
Rosana?
A – ‘Era uma vez...’
192

P – Você não começou com ‘era uma vez’. ‘Há muito tempo atrás’.
Rosana – Tinha um reino muito pequeno.
P – Deixem espaço para o título! É embaixo do quadrado! ‘Há muito tempo
atrás, tinha um reino muito pequeno...’
A – Que vivia.
P – Não, ‘onde vivia um rei e uma rainha’.
A – Ela tava grávida esperando uma filhinha, uma princesinha.
A1 – Como é que você sabe? Se ela tava grávida, a filha tava aonde?
Alguns – Na barriga.
P – Como você sabe que ela é bonita? Ultrasonografia? Mas nesse tempo não
tinha ultrasonografia.
A – ‘Algum tempo depois, a princesinha nasceu’.
A1 – ‘Tinha cabelos longos’.
P – Criança novinha não tem cabelos longos.
A – Ela era loira.
P – Eu vou colocar preto, loiro, vermelho?
Alunos – Loiro!
A – A pele branca.
P – ‘A pele branca como a neve’.
A – ‘O tempo foi passando e a princesinha crescendo’, tia (Rosana e Amanda
participavam ativamente, enquanto os demais, copiavam).
A1 – Ela foi para o lago.
P – Fazer o quê?
Rosana – Não, um dia ela viu o príncipe.
P – Calma.
A – Ela foi para o jardim.
P – Um dia ela foi aguar as flores do jardim de onde?
Rosana – Do reino, do ‘palhacio’.
P – ‘Palhaço’ não.
Rosana – ‘Palácio’, tia.
P – ‘as plantas do jardim do palácio e o príncipe estava’, como é que fala?
Rosana e Amanda – ‘Caminhando sobre a rua’ (interessante que Rosana tinha uma
participação oral muito ativa, mas não gostava de registrar o texto no caderno.
Costumava não concluir a atividade).
193

P – Ela viu o príncipe ou ele viu a princesa?


Rosana – Ele viu a princesa.
P – Daqui por diante vocês vão continuar sozinhos. Vamos ler? (durante a
leitura, a professora foi interrompida duas vezes). “Vou convidar três alunos para
dar aula. João Vitor, pegue sua mochila. Eu quero você perto de mim, agora!”
A – Mas tia!!!
P – Agora! (A professora continuou lendo, sem apontar as palavras no quadro.
Estava posicionada ao lado do quadro).
P – Daqui pra frente quem vai continuar são vocês. Se quiser alguma ajuda, eu
ajudo. Certo?
A – Eu quero ajuda.
(...)

Mais uma vez chamamos a atenção para as limitantes condições de


produção, visto que os educandos foram solicitados a realizar a produção individual
de texto sem a explicitação de uma finalidade, tampouco do interlocutor de seu
texto. Ao lado disso, sublinhamos a idéia de progressão existente naquela turma,
concebida pela mestra. Ao julgar que “subiram um degrau”, parecia deslocar a
atividade de escrita de textos no âmbito coletivo (como normalmente ocorria) para a
esfera individual. Entretanto, como vimos, a participação oral se restringia a um
grupo reduzido de alunos que, normalmente, não concretizava a escrita posterior do
texto na pauta. Além disso, o grupo que silenciava no momento da participação oral,
se preocupava com a “cópia” do texto, o que gerava, inevitavelmente, dificuldades
na escrita posterior.

Ao apontar essa “progressão” na atividade de produção individual de texto,


a mestra pareceu não estar atenta às diversas ações que permeiam essa tarefa,
além do registro. Segundo Leal (2005, p. 102), “a geração e seleção do conteúdo
textual; a organização dos modos como os conteúdos serão registrados; a
textualização com decisões relativas aos aspectos coesivos, além da seleção
vocabular”, são algumas delas.

Em contrapartida, não podemos deixar de registrar o quanto a prática de


reescrita de contos, naquela turma, propiciou a apropriação de características desse
194

gênero textual por parte dos aprendizes, considerando o eixo da oralidade. A


variação do repertório de conectivos, culminando com a adequação da linguagem
escrita ao gênero, foi evidente nas interações entre os alunos e a mestra, nas
situações de produção textual. Por fim, enfatizamos que, embora ela considerasse
que era o momento de produzirem individualmente, não deixou de dar um suporte
inicial na escrita do texto, o que parece sinalizar para a progressão anteriormente
explicitada.

Entre as turmas de primeiro ano, observamos uma situação presente na


escola B e, igualmente, na escola C. Na segunda turma, a mestra, a partir de um
projeto enfocando o carnaval, trabalhou com algumas músicas. Na ocasião da
produção de textos, orientou os aprendizes a escreverem o trecho de alguma
música já estudada. Lembrou que não queria cópia, mas a escrita. Apesar disso, os
educandos dispunham de vários cartazes na sala com a escrita das músicas. Já na
escola B, a partir do reconto e continuação da leitura do conto: “Branca de neve e os
sete anões”,105 a mestra solicitou o desenho dos personagens do conto, em seguida,
a lista com os nomes de todos eles. Acreditamos que, para ela, o gênero lista se
ajustaria às possibilidades de escrita dos alunos, naquela ocasião. Os diferentes
enfoques adotados quanto ao encaminhamento dessa atividade de produção de
textos, nos remetem às variações quanto a essa progressão no interior do ciclo,
assim como entre as escolas pesquisadas. Os exemplos acima mencionados
parecem atestar nossa hipótese.

No caso do primeiro ano da escola C, os alunos dispunham do material na


sala, tratava-se de músicas bastante conhecidas dos mesmos, além de ser a escrita
de um trecho da música. Essa opção didática foi justificada no momento da
entrevista, ao perguntarmos à mestra se era possível articular as atividades de
leitura, produção de textos e aquelas que enfocavam as propriedades do sistema
alfabético:

É possível, é possível sim. É... uma coisa que eu gosto muito de


fazer é pedir para as crianças escreverem música, quando eu digo
assim que eu gosto muito de fazer, é dentro da produção de texto.
Talvez eu esteja pecando por não estimular tanto assim o texto mais

105
Branca de Neve e os Sete Anões. Reprodução para a língua portuguesa pela gráfica Record
Editora. Rio de Janeiro: Guanabara, 1968. Tradução: BRANCO, Gilda Castelo. Coleção Sacy.
195

livre de... de história, coisa desse tipo. Mas é que eu acho que é tão
difícil pro menino que tá se alfabetizando, Solange! Ao mesmo
tempo em que ele tem, ele ter que elaborar, né? Aquela história, ele
criar aquela história na cabeça, ele escrever também, porque
quando ele tá se alfabetizando, o silábico-alfabético, é aquele que
tá, que ele já tem a consciência, diríamos assim, de como é que,
que é o sistema, ele tem uma preocupação muito grande, quando
ele tá escrevendo. Então ele criar a história e ele ter essa
preocupação no papel, eu acho que causa uma confusão mental,
sabe? Talvez eu esteja subestimando meus alunos, sabe? Não sei.
Mas eu acho que fazer, escrever a música é uma coisa bem legal,
aquela música que ele conhece de cor, não é? Como eu fiz algumas
vezes, com as músicas do projeto do Frevo, né? Pedindo que eles
escrevessem, não a música inteira, porque a música inteira...
geralmente são músicas grandes, essas músicas que a gente
trabalhou, músicas de Alceu Valença, de Capiba, músicas com
quatro estrofes imensas, né? Aí eu pedia que eles escrevessem
uma parte da música, ou uma estrofe da música, sendo mais clara
(...) (Professora Célia, 1º ano, Escola C).

Entre as turmas de terceiro ano, enfatizamos a da escola C, ao


observarmos cinco ocasiões em que a produção individual ocorreu. Sobre esse
assunto, a mestra explicitou o seguinte:

No começo do ano, como eles se encontravam com dificuldades pra


produzir texto, dentro da estrutura do... do gênero, eu procurei
trabalhar mais a parte de desenho, mais a parte gráfica. Então eles
construíam as histórias através de desenhos. Aí depois dessa parte
do... que eles já começaram a desenvolver mais a escrita, né? É...
aí foi quando a gente começou a realmente produzir os textos, mas
eram textos pequenos; só os alunos, é... eu iniciava o... a
conversação e no outro balão eles concluíam, né? A gente lia em
conjunto, aqueles que liam só, já iam lendo e completando. Então foi
dessa forma assim, dando um gancho, né? Iniciando uma história
pra que eles continuassem, concluíssem a história. Dando título, né?
Às vezes eu colocava uma história nos balões sem o título e aí eles
criavam um título. Foi muito lentamente a produção de texto, foi
muito lentamente (Professora Custódia, 3º ano, Escola C).

Houve uma nítida diferença no investimento dessa atividade por parte das
professoras dos terceiros anos. Embora a mestra, no depoimento acima, admitisse a
dificuldade em abordar a produção textual, como afirmamos anteriormente, houve
cinco ocasiões dedicadas à produção individual. Por outro lado, a professora da
escola A, investiu, apenas, dois momentos. Já na escola B, como já anunciado ao
196

longo das análises, encontrávamos uma autonomia nessa atividade em que a


mestra dedicou seis momentos à produção de texto individual.106

Contando com um investimento expressivo, se consideramos os dados


encontrados nesse eixo, a produção de texto coletivo ocorreu em 12 momentos das
aulas observadas. Nessa atividade específica, a escola B se destacou (1/8/3). Entre
os anos, registramos a ausência dessa prática nas turmas de primeiro ano, estágio
em que a mediação da mestra, nas situações de produção textual, desejavelmente
deveria ser mais marcante. Entretanto, essa ausência se justificaria, também, pelas
baixas expectativas sobre a realização dessa atividade naquele ano-ciclo.
Questionando tal opção, acreditamos que quanto mais cedo se investe em produção
textual, priorizando, obviamente, as situações de produção coletiva, mais
precocemente o aluno terá conhecimento para desenvolver essa prática com mais
autonomia. Apostamos nesse trabalho, embora admitamos a importância de no
primeiro ano se investir, predominantemente, em atividades que foquem as
propriedades do sistema de notação alfabética. Nossos dados confirmaram a quase
ausência desse tipo de prática tanto na produção individual, com apenas dois casos,
como na produção de texto coletivo, em que não se investiu em nenhuma das
turmas.

Em relação aos segundos anos, a produção textual coletiva ocorreu mais na


escola B, em que a prática da mestra estava ancorada, sobretudo, na produção
(reescrita) coletiva de contos. Por fim, entre os terceiros anos, registramos apenas
um momento em que essa atividade foi priorizada na escola A, cremos que por
conta da ausência de investimento desde o início do ano, conforme relato da
professora, que admitiu enfocar mais a análise de palavras do que a produção
textual, em função do nível de sua turma. Vejamos o que enfatizou na entrevista, ao
tratar da questão da heterogeneidade:

(...) Os que, esse ano, os que estavam alfabéticos já, os que


dominavam leitura e escrita, eu sinto que falhei com eles, eu
procurei atender mais aqueles que estavam... porque era em
número maior na minha sala. Os meninos pré-silábicos, os silábicos
de qualidade, de quantidade. Então eu me preocupei muito com os
que têm uma escrita, com os que têm uma escrita, é... alfabética,

106
Nos três exemplos, consideramos os momentos dedicados a essa atividade em articulação com as
aulas observadas.
197

entendeu? Do que propriamente com o letramento. Eu enfatizei


muito mais as questões grafofônicas, de estudar a palavra, o som, a
separação silábica do que a questão de produção textual, de
produção de texto coletivo, né? De trabalhos que favorecessem
também aquele grupo que tava num nível mais elevado. Então eu
sinto que esse ano eu deixei a desejar (Professora Áurea, 3º ano,
Escola A).

Conforme nos aponta Oliveira (2004) as professoras, naquele contexto,


pareciam estar se apropriando de temáticas atuais, sobretudo a partir da
implantação dos ciclos de aprendizagem, a exemplo do conceito de letramento, já
presente no debate educacional no final dos anos 90 do século passado.
Convivendo com práticas que priorizavam a apropriação do sistema de notação
alfabética, agora precisavam conciliar esse trabalho com as práticas de leitura e
escrita, respaldando-se nos diversos gêneros textuais de circulação social. O
depoimento acima ilustra o grau de dificuldade enfrentado pela professora quanto à
articulação entre os diferentes objetos de conhecimento a serem ensinados na sala
de aula, a adequação dos mesmos às diferentes demandas de aprendizagem e
preparar ou “didatizar” (CHEVALLARD, 1991)107 tal ensino, considerando os
aspectos ora mencionados. Ela teria realizado apenas uma produção textual
(coletiva) no segundo semestre108 e julgou que precisaria, além de diversificar, se
preparar, “aprender” a trabalhar textos com os alunos. Já no terceiro ano da escola
B, predominaram as produções individuais (seis momentos), dada a autonomia que
os aprendizes possuíam nesse tipo de tarefa.

Embora tenhamos registrado 18 momentos em que ocorreu a produção


individual de textos, apenas em duas ocasiões os alunos contaram com a efetiva
ajuda da professora, durante a escrita dos textos. Esses casos estiveram centrados
na escola C, nas turmas de segundos e terceiros anos. Em se tratando desse
acompanhamento, enfatizamos que se restringiam, basicamente, a aspectos
ortográficos do texto, além da mediação ficar restrita às mestras. Confirma-se,
portanto, a solidão vivida pelo aprendiz nas situações aqui analisadas.

107
O termo “didatizar” empregado nesse estudo assume a concepção de Chevallard (1991) quanto ao
processo de transformação que torna um saber sábio num saber a ser ensinado (transposição
didática externa) e desse em um saber que é efetivamente ensinado (transposição didática interna).
108
Enfatizamos que as observações foram realizadas no segundo semestre, mais precisamente no
período de junho a dezembro de 2007.
198

Ainda nos remetendo ao eixo de produção de texto, identificamos somente


12 ocasiões em que as mestras exploraram as características dos gêneros que
estavam sendo enfocados nessas atividades. Não identificamos discrepâncias
relevantes, ao compararmos os dados obtidos entre as escolas (2/6/4). Já em
relação aos anos-ciclo, como se poderia prever, houve ausência desse tratamento
nas turmas de primeiro ano. Mesmo com o não-investimento na produção textual,
acreditamos que as professoras precisariam explorar as características: houve
muitos momentos em que a leitura de textos foi garantida, no entanto, esse trabalho
de reflexão quase não ocorreu em cada ano do ciclo (0/6/6). É importante destacar
que essa abordagem (das características dos gêneros) não se deu de maneira
sistemática e aprofundada. Em geral, falava-se da extensão, do formato escrito, por
exemplo, da poesia, da fábula, a charge, o convite, entre outros, mas nada que
pudéssemos identificar como um aprofundamento quanto à exploração das
propriedades não só formais do gênero.

No terceiro ano da escola B, a professora explorou as características dos


gêneros textuais trabalhados em dois momentos. Na segunda observação, enfocou
a propaganda, momento em que os alunos iniciaram com a leitura de uma
propaganda do livro didático de língua portuguesa: “Porta Aberta”. Em seguida,
analisaram coletivamente as propriedades do gênero: aspectos que chamavam a
atenção do consumidor, o público a ser alcançado, o valor do produto, dentre outros
itens presentes no texto. No final, os aprendizes tiveram que escrever uma
propaganda, atendendo aos critérios do gênero. Já na quarta observação, o
comando de produção de texto não ficou claro para os educandos. A mestra
distribuiu, entre os aprendizes, uma fotocópia em que aparecia o desenho de um
“menino tomando sorvete”. Solicitou que eles descrevessem aquela cena,
construíssem um texto, atentos aos “aspectos lingüísticos”: pontuação, acentuação,
ortografia. No processo de correção, comparou as produções de dois alunos,
enfatizando que o que havia pedido era a descrição, não a elaboração de uma
“história”. Entretanto, no comando inicial, isso não tinha ficado suficientemente claro
para os educandos. A partir desse exemplo, explicitou rapidamente o que deveria
constar numa descrição, remetendo-se ao desenho distribuído. Na mesma aula, a
mestra realizou uma produção textual coletiva, chamando a atenção dos alunos para
o conectivo inicial. Como não se tratava de uma “história”, não podiam começar com
199

“era uma vez”. De um modo geral, como já frisamos, a exploração de características


do gênero textual parecia não ter sido tratada, entre as turmas, não ocorrendo de
forma sistemática e aprofundada.

Quanto às produções individuais, enfatizamos aquelas curtas como final de


história, escrita de trecho de música, lista de palavras, entre outras. Na esteira
dessas produções, se destacou o terceiro ano da escola B, já que a mestra tinha
uma prática sistemática de leitura e produção textual.

Ao longo das análises das atividades propostas, entendemos que a


definição sobre o que faziam era marcada por distintos fatores. Aspectos
relacionados ao que esperavam em termos de competências lingüísticas para cada
ano-ciclo estiveram presentes em suas decisões, assim como elementos vinculados
ao preparo das professoras (no processo de didatização dos objetos de
conhecimento tratados na escola) e considerações que faziam sobre os perfis dos
alunos das turmas em que atuavam, e aos quais buscavam se ajustar. Nessa
empreitada por ajustar as atividades ao nível do aluno, compreendemos que, em
várias situações sublinhadas nessa análise, houve um comprometimento dos
objetivos esperados a partir da proposição das atividades.

No tocante à progressão das atividades no 1º ciclo, não observamos, entre


as práticas, uma homogeneidade quanto às expectativas nos anos-ciclo. Ora
encontrávamos proximidade dos primeiros e segundos anos, na freqüência
encontrada, ora destes últimos com os terceiros anos.

Com isso, compreendemos a relevância de, ao examinarmos a articulação


desses três eixos didáticos (leitura, compreensão e produção textuais), fazê-lo
considerando a progressão das atividades sugeridas pelas mestras dos três anos-
ciclo, das três escolas pesquisadas no interior de (e entre) cada um deles. Foi com
esse objetivo que tentamos explicitar as principais evidências de cada eixo de
análise.

Os dados até aqui evidenciados sugerem a necessidade de refletirmos,


tanto no âmbito da formação como na formulação de propostas curriculares, sobre a
persistência de determinados tratamentos da língua escrita na escola. Enfatizamos a
adequação de discutirmos o papel de mediador que o professor tem nas situações
de leitura e produção de textos, no ciclo de alfabetização, de modo a assegurar o
200

desenvolvimento da autonomia dos aprendizes e a efetiva internalização, pelos


mesmos, das propriedades dos gêneros textuais escritos.

Seguiremos com a análise do bloco referente às atividades de ensino do


Sistema de Notação Alfabética (SNA).

4.1.4 Atividades de Ensino do Sistema de Notação Alfabética (SNA)

Passaremos a analisar o bloco das atividades voltadas à apropriação do


Sistema de Notação Alfabética (SNA). Destacamos que este possui várias
subcategorias relacionadas à leitura, escrita, cópia, contagem, partição, nomeação,
identificação e produção, comparação, exploração. As unidades lingüísticas
analisadas em cada uma delas foram: letras, sílabas, palavras, frases.

No tocante à prática de leitura, buscamos observar, a partir das variáveis


escola e ano-ciclo, se os aprendizes estiveram expostos a atividades de leitura de
letras com e/ou sem o auxílio das professoras, leitura de sílabas, leitura de palavras
com e/ou sem auxílio, leitura de frases com e/ou sem auxílio, leitura de palavras no
interior de outra palavra (descoberta de palavras). Do mesmo modo, no que diz
respeito às atividades de escrita, verificamos se o educando foi solicitado a escrever
letras, sílaba (inicial, medial e final) de palavra, escrever palavra com auxílio da
professora, escrever palavra a partir de letra, sílaba ou palavra dada, se realizou
escrita “espontânea”109 de palavras, escrita de palavra com o uso do alfabeto móvel,
escrita de palavra com rima, com aliteração, escrita de frase/escrita de frase
“espontânea”, escrita do nome completo.

No rol dessas atividades que focavam o SNA, identificamos, também, a


unidade lingüística privilegiada para a realização da “cópia”: cópia de letra, de sílaba,
de palavra, de frase ou cópia de texto. Seguimos com a análise do que apareceu,
nas práticas acompanhadas, quanto à contagem de letras em sílabas, de letras em
palavras, contagem de sílabas em palavras e de palavras em frases e textos.
Posteriormente, observamos se as mestras priorizaram as atividades de partição

109
Estamos considerando como escrita “espontânea” atividades como a do “ditado mudo”, cuja escrita
é norteada pelo desenho, a escrita “livre” em que a professora orienta o aluno a escrever um
determinado número de palavras, dentre outras.
201

oral de sílabas em letras, partição oral de palavras em letras, partição oral de


palavras em sílabas, partição oral de frases em palavras, partição escrita de
palavras em letras, partição escrita de palavras em sílabas e partição escrita de
frases em palavras.

Ainda no bloco das atividades do sistema de notação alfabética, focamos


nossa atenção nas atividades de identificação de letras em posição “x”, identificação
de letra “x” em posição “x”, identificação de letras (iguais) em palavras, identificação
de letras (iguais) em sílabas, identificação de sílabas em posição “x” com e sem
correspondência escrita, identificação de palavras “outros”, identificação de palavras
que possuem a letra “x” em posição “x”, identificação de palavras que possuem a
sílaba “x” em posição “x”, identificação de aliteração/rima com e sem
correspondência escrita.

No que diz respeito às atividades de comparação, priorizamos: comparação


de sílabas quanto ao número de letras, comparação de palavras quanto ao número
de letras, comparação de palavras quanto ao número de sílabas, comparação de
palavras (letras iguais/diferentes), comparação de palavras (sílabas
iguais/diferentes), comparação com escrita convencional (auto-avaliação).

Apreendemos, também, as atividades de exploração, enfocando: os


diferentes tipos de letras, o formato das letras, as vogais, consoantes e dígrafos,
direção da escrita, ordem alfabética, relações som/grafia.

Por se tratar de uma pesquisa centrada no 1º ciclo, entendemos como


relevante a localização das atividades que envolviam análise lingüística,
considerando a natureza das mesmas, assim como o ano-ciclo em que foram
propostas. Nessa seção, priorizamos a prática de ortografia, nomenclatura
gramatical, pontuação.

Inicialmente, traremos a discussão relativa às atividades cujo enfoque foi a


leitura. Segue, portanto, a tabela com a análise realizada.

4.1.4.1 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Leitura


202

Tabela 5: Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética: leitura, no 1º


ciclo, nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Leitura)

Escola A Escola B Escola C ABC


Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Leitura de letras/alfabeto sem auxílio 0 0 0 0 1 0 0 1 0 1 1 2 3
2- Leitura de letras/alfabeto com auxílio 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
3- Leitura de sílabas 2 0 0 2 2 0 0 2 1 1 0 2 6
4- Leitura de palavras sem auxílio 5 1 4 10 4 0 2 6 6 6 4 16 32
5- Leitura de palavras com auxílio 3 2 5 10 3 0 0 3 5 1 0 6 19
6- Leitura/descoberta de palavras 0 0 1 1 3 0 0 3 0 0 1 1 5
7- Leitura de frases sem auxílio 1 0 0 1 4 1 3 8 6 4 1 11 20
8- Leitura de frases com auxílio 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 1 2
Total Geral 11 3 10 24 18 1 5 24 18 13 8 39 87

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA=


Sistema de Notação Alfabética.

No que se refere à prática de leitura focada no sistema de notação


alfabética, verificamos, a partir dos dados da tabela 5, maior investimento na
unidade lingüística: palavra, com 51 momentos reservados a essa atividade. Se por
um lado, localizamos uma presença majoritária de leitura de palavras sem o auxílio
da professora, com 32 momentos, por outro, identificamos apenas 19 reservados a
essa tarefa, contando com o auxílio daquela profissional. 110

No universo das três instituições, sublinhamos que, na escola A, a


freqüência para essas atividades foi equiparada, ocorrendo em 10 ocasiões. Em
contrapartida, nas instituições B e, de modo mais visível, na C, predominaram as
práticas de leitura de palavras sem o auxílio da professora (6/3 e 16/6). Justificamos
a disparidade existente da freqüência encontrada na escola B em relação às demais,
ao trabalho das professoras dos segundo e terceiro anos com textos. Os
encaminhamentos que orientavam a opção por essa prática, no entanto, eram
distintos. Enquanto os educandos do terceiro ano possuíam uma evidente
autonomia na produção textual, os do segundo reescreviam textos (majoritariamente

110
Ao tratarmos de categorias que se desdobram em “atividades sem e com auxílio da mestra”,
antecipamos que a análise seguirá essa ordem independentemente da freqüência encontrada.
203

contos), a partir do registro escrito da mestra. No caso dessa última turma, houve
ausência total da prática de leitura de palavras.

Ao retomarmos a comparação entre essas turmas, é importante sublinhar,


ainda, que a professora do segundo ano, daquela instituição, parecia não ter
clareza, em seu planejamento, das implicações didáticas de focar seu ensino de
língua na “reescrita de textos”.111 Portanto, não podemos atribuir a escolha por essa
prática, a partir da lógica de progressão das atividades propostas no interior e entre
os eixos de ensino de língua analisados nesse estudo. O contrário pareceu ocorrer
na turma da professora do terceiro ano da mesma instituição, dado que reconhecia a
importância de se investir na leitura e produção textuais naquela etapa, visto que
seus alunos já tinham consolidado o aprendizado da notação alfabética.

Como já esperávamos, encontramos uma maior preocupação em focar o


ensino na leitura de palavras por parte das professoras dos primeiros anos
(26/10/15).112 Nossa hipótese para tal freqüência se deve à natureza dessa
atividade, enfocada com o objetivo de, articulada a outras tarefas, propiciar o avanço
do aprendiz na construção da base alfabética de escrita. Não encontramos, em se
tratando das turmas de primeiro ano, variações significativas quanto a essa atividade
realizada sem ou com algum tipo de ajuda das professoras (15/11). Ao nos
remetermos às duas categorias, assinalamos que a professora do primeiro ano da
escola C se sobressaiu frente aos seus pares, embora não tenha sido marcante a
diferença (8/7/11). Atribuímos esse enfoque específico na prática dela à freqüência
com que recorria ao ditado de palavras, seguido de leitura. Vejamos um dos
encaminhamentos presentes, em uma das aulas observadas, que reitera nosso
comentário:

111
Comentamos esse aspecto na seção que tratou de “rotina pedagógica”, no momento em que a
professora se remeteu à ausência do livro didático e as opções presentes, naquele contexto, para
superar a lacuna desse material.
112
Assim como nas seções anteriores, ao analisarmos a freqüência entre os anos-ciclo,
explicitaremos na ordem: 1º, 2º e 3º anos, independentemente do número encontrado.
204

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 2ª Observação)


(...)
P – Vamos ver quantas palavras têm aqui (os alunos contaram). “Eu não vou ler
com vocês, vocês vão...”
A – Fazer a tarefa.
P – Isso. Eu vou ditar as palavras e vocês vão procurar. Cadê os ajudantes de
hoje?
A – Você dá os cadernos, eu dou as fichas.
P – Você não vai dar nada, você não é ajudante de hoje.
CALOR, POEIRA, QUATRO CANTOS, VAMPIRA, PESCOÇO, JOSÉ, LADEIRA,
MASSA, HOMEM, PIRATA, MULTIDÃO, OLINDA, BARCA, JACARÉ, PRAÇA.113
(...)
P – Podemos começar o ditado? (Célia realizou a chamada na caderneta –
diário de classe – em silêncio). “Mesmo quem não terminou o cabeçalho, faz o
número ‘um’ para a gente começar. Primeira palavra, nós vamos procurar
nessa lista o nome de uma cidade. OLINDA começa com que letra”?
Alguns alunos – O.
P – E termina com que sílaba?
A – DA.
A1 – É esse! (apontando para a palavra ‘multidão’).
P – OLINDA termina com O ou começa com O? Posso dizer a segunda
palavra? (Na ocasião, a professora pediu para Klayver apontar a palavra OLINDA
no quadro, com o intuito de que Bárbara visualizasse).
P – Agora, abaixo da primeira, vamos para a segunda palavra. Posso dizer? A
palavra é... LADEIRA.
A – LA.
P – LADEIRA tem: LA – DEI – RA.
A – É!
P – Vá, escreva. Qual é a música que Alceu Valença canta?
A – ‘Me segura senão eu caio’.

113
As palavras estavam escritas uma abaixo da outra, em maiúscula de imprensa, tipo de letra
enfocado nessa turma.
205

(Os alunos, em sua maioria, ficaram mais próximos ao quadro. Cremos que o
objetivo era garantir melhor visualização).
Marília – L A D E I R A (realizou a partição oral da palavra em letras).
P – Palavra três. Posso pronunciar? VAMPIRA! (Larissa apontou a palavra
VAMPIRA).
P – Palavra quatro, JACARÉ.
A – GA.
P – GA? Tem gente dizendo que é essa: JACARÉ e tem gente dizendo que é
essa: JOSÉ. JACARÉ tem quantas sílabas?
Alunos – Três.
P – Começa com que sílaba?
Alguns – JA.
P – E a outra? A sílaba do meio? CA.
A – Mércia acertou.
P – Posso dizer a quinta? Palavra cinco. A palavra cinco é PIRATA. PIRATA é
essa? Ou é essa? POEIRA.
A – É PI, não é PO não!
P – É.
(...)

Retomando os dados referentes à atividade de leitura de palavras (sem e


com o auxílio da professora), entre os anos-ciclo, já atestamos tanto a
predominância dessa prática (26 ocasiões) quanto a ausência de variações entre as
turmas de primeiro ano, considerando essas categorias. Por outro lado, a
progressão dessa atividade, no interior do ciclo, não ocorreu, ao considerarmos que
a maior freqüência ficou com as turmas de terceiro ano, 15 momentos. Enfatizamos,
porém, que em 10 dessas ocasiões, os alunos não contaram com a intervenção das
professoras.

Pensando nesse universo, ressaltamos que a mestra da escola A assumiu a


liderança nesse tipo de atividade (9/2/4). Reconhecemos que essa prática parecia
visivelmente atrelada ao perfil de sua turma, dado que os aprendizes estavam,
ainda, se apropriando da notação alfabética. Ao recuperarmos a freqüência nessa
turma, enfatizamos que apenas nesse terceiro ano houve leitura de palavra com
206

algum tipo de ajuda empregada (cinco momentos). Reiterando o que dissemos há


pouco: a mestra revelou, tanto ao longo das observações quanto na entrevista
realizada, que seus alunos tinham um histórico de retenção e, apesar das
expectativas quanto às competências esperadas para um terceiro ano, sua
preocupação, naquele contexto, esteve centrada, sobretudo, no ensino focado na
escrita alfabética, mesmo que, para isso, ela se valesse da leitura de textos.

Dos 10 momentos dedicados à leitura de palavras, no universo das turmas


de segundo ano, em apenas três os aprendizes contaram com a intervenção das
professoras. Como vimos já, nessa seção, houve ausência total dessa prática no
segundo ano da escola B, graças a opção da mestra pela reescrita coletiva de
contos.114 Admitia ter dificuldades quanto à organização e condução do trabalho
pedagógico no ano-ciclo em que atuava. Prosseguiu apontando que se sentiu
dispersa quanto ao que eleger, ao ensinar língua portuguesa, assim como os modos
de intervenção junto aos alunos, conforme vimos no bloco de atividades de rotina.
Afirmamos que a opção pela reescrita de contos desencadeou a quase ausência de
atividades que focassem o sistema alfabético de escrita. O depoimento apresentado
a seguir expressa essa dificuldade, revelada pela mestra, ao se remeter à prática de
ensino de língua portuguesa, no segundo ano do ciclo. A pergunta endereçada,
nesse caso, era se tinha ocorrido avanço na apropriação da escrita alfabética, por
parte dos aprendizes, a partir da atividade de reescrita coletiva de contos.
Analisemos o que declarou:

É... eu acho que de todo não foi perdido não, entendeu? Mas eu
acho que se eu tivesse é... assim... um suporte, né? Até pra não
ficar somente na... naquele
conto, naquela... e também os contos dos irmãos que eu usei, os
contos dos irmãos Grimm, e os originais, né? Não as adaptações.
Eles eram muito grandes. Então teve contos que no final eu, eu tava
cansada de ler e eles tavam cansados de ouvir, entendeu? Então
assim, se eu tivesse como diversificar, aí eu acredito que ia ser
melhor, né? Então uns que sabiam ler é... pouco ou somente
algumas palavras. Se eu tivesse um... sei lá, uma quantidade
interessante de livro (didático), eu poderia fazer leitura, mandar
trabalho pra casa, mas eu nunca podia fazer isso, né? Então assim,

114
É importante dizer que esse trabalho com reescrita de contos foi motivado a partir de um encontro
de literatura do qual a professora participou. No primeiro semestre, a ênfase, conforme depoimento
de entrevista realizada, se deu em cópia de textos diversos, interpretação escrita (questões de
localização) e atividades que focavam o sistema de escrita alfabética, a exemplo da partição escrita
de palavras em sílabas.
207

o ano não foi perdido, mas também não foi aonde eu queria chegar
(Professora Bianca, 2º ano, Escola B).

A partir do depoimento dessa professora (2º ano, escola B), ficou evidente a
dificuldade que teve em planejar seqüências didáticas, metodologias específicas, a
partir da adequação dos diferentes eixos de ensino de língua para o ano-ciclo em
que atuava, somando-se a essas prioridades, ajustar seu ensino às diferentes
demandas de aprendizagem de sua turma. Atribuiu uma importância significativa ao
livro didático, naquele ano ausente em sua turma, o que, na sua compreensão,
prejudicou os encaminhamentos em sala e, por conseqüência, o aprendizado dos
educandos. A mestra admitiu não ter conhecimento e experiência com aquela etapa
de escolarização, o que pode ter influenciado, diretamente, em suas escolhas
assistemáticas, objetivando, a partir da experiência em sala, praticar o que, na sua
ótica, daria certo, o que promoveria o avanço do aprendiz. Sobre esse assunto, a
pesquisa realizada por Oliveira (2004) revelou que não havia, naquele contexto,
conforme proposta curricular pedagógica em vigor, competências específicas de
língua portuguesa para cada ano-ciclo, o que causou, de acordo com depoimentos
de professoras do 1º ciclo, uma imprecisão nas práticas quanto ao que priorizar em
cada ano do ciclo. Como vimos, essa problemática parecia persistir no contexto em
que observamos as aulas, quatro anos depois. Na ausência do livro didático, no
caso dessa professora em particular, o quadro ficou ainda mais problemático.115

Seguindo com a análise das atividades de leitura voltadas à escrita


alfabética, sublinhamos que, no tocante à prática de leitura de frases, registramos
apenas 22 momentos entre as três escolas pesquisadas. Essa atividade esteve
concentrada quase que exclusivamente na leitura de frases sem auxílio, com 20
ocasiões. Ao considerarmos a freqüência entre essas instituições, saltaram aos
olhos as diferenças encontradas (1/9/12).

Coincidindo com os resultados vistos na categoria leitura de palavras, a


prática de leitura de frases esteve centrada, predominantemente, nos primeiros anos
(12/5/5). Entre essas turmas, é válido assinalar a autonomia dos educandos, visto
que registramos, das 12 ocasiões em que essa prática ocorreu, a leitura sem

115
Destacamos que, na ocasião da coleta de dados em 2007, a proposta curricular pedagógica da
Rede Municipal de Ensino de Recife (SMER) não tinha sofrido mudanças em relação ao modelo
encontrado em 2003.
208

intervenção das professoras em 11 delas. Já nos segundos e terceiros anos, as


variações não foram expressivas, conforme tabela 5. Chamamos a atenção para a
turma do segundo ano da escola C, dado que identificamos quatro momentos
reservados a essa atividade. Atribuímos essa freqüência à prática do ditado de
frases, realizado com certa sistematicidade naquela sala, durante as observações.
Em uma das aulas, quarta observação, a mestra realizou o ditado de palavras, em
seguida, solicitou dos alunos a escolha de duas delas com o objetivo de formularem
frases. Para isso, apresentou um modelo de frase solicitando, num momento
posterior, a leitura delas. De modo semelhante, esse encaminhamento ocorreu nas
últimas observações de aula dessa classe. Nas turmas de terceiro ano, conforme
anunciado, não apreendemos variações marcantes.

Ao contrário do que vimos apontando, ao longo dessa análise, quanto à


proximidade da proposição de atividades entre as turmas de primeiro e segundo
anos, no caso dessa atividade em particular, leitura de frases, a semelhança se deu
entre as turmas de segundo e terceiro. Acreditamos que o segundo ano, conforme
dados referentes à explicitação de atividades ao longo do 1º ciclo, se constituía
numa “fase transitória” que, resguardados outros aspectos que influenciavam as
escolhas das mestras, ora se aproximava das turmas de primeiro, ora dos terceiros
anos.

Ao confrontarmos as categorias até aqui analisadas nessa seção com a


prática de leitura de letras, concluímos, de imediato que esta não se constituiu numa
prioridade, nem no âmbito dos primeiros anos. Conforme dados da tabela,
localizamos apenas três casos em que ocorreu a leitura de letras do alfabeto sem o
auxílio das professoras (um no primeiro ano da escola B; e dois nos segundo e
terceiro anos da escola C). No caso do terceiro ano dessa instituição, já enfatizamos
a especificidade da turma: a maioria dos alunos não tinha alcançado uma hipótese
de escrita alfabética, o que certamente influenciou na aparição desse tipo de tarefa.
Já em relação ao primeiro ano da escola B, a mestra costumava enfocar as letras,
as sílabas, as palavras, sistematicamente. Em sua prática cotidiana, se remetia às
letras já estudadas, assim como às famílias silábicas. Antes que julguemos essa
prática como estando ancorada no método silábico de alfabetização, antecipamos
que a mestra se valia daquelas unidades lingüísticas não numa perspectiva
memorística e fragmentada, mas refletia, junto aos alunos, sobre várias
209

propriedades do sistema de notação alfabética, em articulação com os outros eixos


de ensino de língua. Aquilo de que sentimos falta, é verdade, foi de uma melhor
articulação entre a oralidade e a escrita, já que esses encaminhamentos
privilegiaram o primeiro eixo.

Uma de nossas inferências quanto à ausência dessa prática de leitura de


letras se deve ao debate acerca do letramento, cuja defesa é a prática de leitura e
da escrita no contexto das práticas sociais (SOARES, 2003b; 1998). Entendemos
que, a partir de então, se passou a enfocar unidades lingüísticas maiores, no intento
de se alfabetizar letrando. Esse, a nosso ver, tem sido o maior desafio da
alfabetização: conciliar esse trabalho numa perspectiva para o letramento.

Na mesma direção da categoria anterior, não houve, entre as práticas


acompanhadas, atenção à prática de leitura de sílabas, visto que registramos
somente seis casos, dois em cada escola pesquisada. Diferentemente da dispersão
anterior entre os anos do ciclo, esse investimento foi predominante entre as turmas
de primeiro ano (5/1/0).

Por fim, ainda nos remetendo à prática de leitura, não identificamos um


número significativo de atividades cujo enfoque tenha sido a descoberta de novas
palavras no interior da palavra lida, somente cinco casos. Esperávamos localizar
esse tipo de atividade entre as turmas de primeiro e segundo anos, dadas as
especificidades do terceiro, etapa em que já se espera a consolidação da escrita
alfabética, investindo-se, desse modo, em atividades de leitura, produção textual e
análise lingüística (pontuação, ortografia, entre outros). Entretanto, verificamos dois
casos nos terceiros anos (3/0/2). É importante salientar, no entanto, que, mais uma
vez, esse trabalho foi desempenhado nas turmas cuja prioridade foi o trabalho com a
escrita alfabética, dado o perfil dos educandos. No exemplo do terceiro ano da
escola C, a mestra, através de um ditado de palavras, estabelecia uma interação
com os alunos enfocando, entre outros aspectos: a última letra da palavra ditada,
troca de letras da palavra ditada para formação de outra palavra, identificação de
palavras no interior da palavra ditada.

Em se tratando dos três casos encontrados no primeiro ano, ressaltamos


que eles ocorreram na escola B. Em uma das aulas, a professora realizou a leitura
de algumas famílias silábicas, em seguida, orientou os educandos a escreverem
palavras em grupo, fazendo uso do alfabeto móvel. Durante o processo de
210

realização da tarefa, ela atribuiu uma pontuação a cada equipe, conforme escreviam
as palavras. Por fim, registrou-as no quadro. A última etapa dessa atividade
constituiu a reflexão acerca do número de sílabas, letras, sílaba inicial, entre outras
propriedades do sistema de escrita alfabética. A partir dessa seqüência didática,
recorremos, a seguir, a um trecho da aula observada, com o intuito de ilustrar como
a mestra encaminhou a atividade de descoberta de palavras. Vejamos o que
ocorreu:

(Professora Bernadete, 1º ano, escola B, 3ª Observação)


(...)
P – Muito bem. Qual é a próxima?
Alunos – MACACO.
P – Qual é a primeira?
Alunos – M.
P – M não é sílaba.
Alunos – MA.
P – Se tirar o MA?
Alunos – CACO.
P – Se tirar o CO, fica? MACA, tá vendo? Vocês sabem o que é MACA? As
pessoas utilizam em hospital. Parece até que a palavra MACACO é mágica, se
transformou em quantas palavras? Duas. CACO e MACA. Tem quantas letras?
Vamos contar?
Alunos – Seis.
P – Qual é a consoante repetida?
Alunos – C.
P – Aparece quantas vezes?
Alunos – Duas.
P – Quantas vogais? Quantas consoantes? Vamos ligeirinho. A próxima
FA CA. Quantas sílabas? É isso que atrapalha, a gente pode até fazer muitas
atividades, mas vocês ficam brigando (nesse momento, a ex-assistente de
direção entrou e conversou com a professora).
10:52h – É isso que atrasa nossa aula (comentário de um aluno).
211

10:56h – (Retomou-se a atividade. A aluna foi mostrar seu diário. A professora disse
que ela escrevesse e mostrasse tudo). “Um, dois, três, Vamos! CABO tem
quantas sílabas?”
Alunos – Duas.
P – Humberto está afiado. EMÍLIA.
Alunos – Três.
P – Poderia ser E-MI-LI-A, mas vamos colocar assim E-MÍ-LIA! ‘OLÁ’, bora!
Alunos – Duas.
P – Qual é a primeira? E a segunda? (nesse momento, alguns alunos
participavam, outros não).
A – Tia, vamos ensaiar.
P – A gente vai, calma. Tia tá apressada, não é? Ah, não leram não, não é?
Vamos ler, qual é a primeira letra? A-MO-LA-DA. João já contou? Quantas
têm? André, eu vou dizer a sua mãe o que está fazendo na escola. São cinco,
é? São cinco ou quatro? Vamos contar!
P – Qual é a primeira sílaba?
Alunos – A.
P – Isso, só uma letra. E a última?
Alunos – MO.
P – Não. Vamos contar. E quantas letras?
Alunos – Sete.
P – Essa é uma palavra grande?
Alunos – É.
P – Por quê?
Alguns alunos – Porque tem muitas letras.
P – Quantas vogais? E consoantes? Eu acho que essa palavra é mágica. Se eu
tampar o A e o DA? MO...
Alunos – MODA.
P – MOLA. Essa palavra é mágica. Encontramos MOLA dentro de AMOLADA.
(...)

Tratava-se, portanto, de uma rica atividade de descoberta de palavras, em


que a professora pôde explorar outras propriedades do sistema notacional como a
212

variação na estrutura das sílabas, a comparação de palavras quanto ao número de


letras, entre outras. Numa outra observação, uma das alunas dessa professora,
descobriu a palavra JACA em CAJÁ. Vale a pena conferir como a aprendiz interveio:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B, 7ª Observação)

(...)
P – Jailton, preste atenção. CAJÁ tem quantas sílabas?
Jailton – Três.
P – Três? Só responda o que sabe. Pronto, Girleide. Olha o que Larissa
observou.
Larissa – CAJÁ o C é na frente, JACA não.
P – Diga Larissa.
Larissa – São as mesmas palavras, só estão trocadas de lugares.
(...)

Como vimos, essa atividade foi localizada nos primeiros e terceiros anos,
não tendo ocorrido entre as turmas de segundo. Mais uma vez, realçamos que a
progressão das atividades de língua no interior do 1º ciclo estava vinculada não só
às expectativas quanto ao que se esperava alcançar em cada ano, considerando o
que estava prescrito em documentos oficiais,116 livros didáticos ou, até mesmo, às
crenças das professoras, conforme anos de experiências no magistério,117 mas,
também, às suas escolhas, que pareciam estar em conformidade com o perfil da
turma em que trabalhavam.

116
Enfatizamos que esse estudo não analisou a Proposta Curricular da Rede Municipal de Ensino de
Recife vigente (2003), no contexto da coleta, visto que a mesma não priorizava, em seu formato de
organização, a progressão das competências dos diferentes componentes curriculares por ano-ciclo,
concepção que ganhou centralidade na presente pesquisa. Contamos com as práticas pedagógicas,
orientadas por vários materiais impressos, a exemplo da própria proposta, assim como suas
concepções, a fim de nos aproximarmos do que estava regendo a lógica de progressão empregada
pelas docentes.
117
Para uma análise detalhada dos perfis profissional e acadêmico das mestras, consultar
metodologia.
213

Seguiremos apontando as principais evidências quanto às atividades de


escrita priorizadas nas práticas pedagógicas acompanhadas.

4.1.4.2 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: escrita

Tabela 6 - Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética: escrita, no 1º


ciclo, nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Escrita)


Escola A Escola B Escola C ABC
Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG

1- Escrita de letra 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2- Escrita de sílaba (inicial,


medial e final) de palavra 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

3- Escrita de palavra com


auxílio da professora 2 1 0 3 2 0 0 2 5 1 6 12 17

4- Escrita de palavras (com


letra/sílaba dada) 7 4 1 12 2 0 0 2 2 1 1 4 18

5- Escrita de palavra como


souber (espontânea) 4 6 3 13 5 1 0 6 4 2 4 10 29

6- Escrita de palavra com o


uso do alfabeto móvel 0 0 0 0 2 0 0 2 3 0 0 3 5

7- Escrita de palavra com


aliteração 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1

8- Escrita de palavra com rima 0 1 3 4 0 0 0 0 0 1 0 1 5

9- Escrita de frase/escrita de
frase "espontânea" 1 4 3 8 3 1 2 6 1 4 1 6 20

10- Escrita do nome completo 5 0 0 5 2 1 6 9 4 5 2 11 25

Total Geral 20 16 10 46 16 3 8 27 19 14 14 47 120

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C, SNA =


Sistema de Notação Alfabética.

A partir da tabela 6, enfatizamos que, ao contrário da seção referente às


atividades de leitura (188) e produção textuais (44), cuja ênfase recaiu sobre a
leitura, no caso das atividades do sistema de notação alfabética, identificamos, de
214

imediato, uma maior ênfase às atividades de escrita (120) se comparadas com as de


leitura (87).

Em se tratando do 1º ciclo, entendemos que parece haver uma progressão


quanto às prioridades dos eixos de ensino de língua, a começar pelas propriedades
do sistema de notação alfabética para, só então, os próprios alunos serem expostos
a atividades centradas nos eixos de leitura, compreensão e produção textuais.
Inferimos que as escolhas didático-pedagógicas não são aleatórias, já que há uma
intencionalidade voltada à construção da escrita alfabética pelo aprendiz, nessa
etapa de escolarização. A articulação com os demais eixos indica, num primeiro
momento, servir de apoio ao enfoque das propriedades do sistema notacional. A
partir disso, entendemos que se justifica a predominância da leitura de textos, para,
só então, a atenção se voltar ao eixo da produção textual.

A despeito desse encadeamento de prioridades encontradas quanto ao


ensino de língua, entre as turmas observadas no 1º ciclo, nos colocamos na posição
de defesa de um ensino focado na apropriação do objeto escrita alfabética, sim, no
primeiro ano, porém, sublinhamos a relevância de, já nessa etapa, recorrer a
gêneros textuais que se prestem a esse aprendizado, bem como à leitura pelos
aprendizes. A partir dos dados analisados nas seções precedentes, compreendemos
que esse enfoque não foi priorizado, de modo que os aprendizes estiveram,
predominantemente, expostos a um ensino da escrita alfabética, cujas propriedades
se repetiam. Mesmo entre turmas do terceiro ano, os alunos pouco leram, ao
contrário, exerceram, sobretudo, a posição de ouvintes.

Remetendo-nos aos dados da tabela 6, registramos, a princípio, uma maior


freqüência nas tarefas de escrita de palavra como souber (espontânea), com 29
ocasiões. Atividades como a do ditado mudo, cruzadinhas, se prestaram a esse
objetivo. Aos observarmos os números entre as escolas (13/6/10), visualizamos uma
margem de variação quanto à opção por esse tipo de tarefa. No que se refere aos
anos-ciclo, verificamos uma maior freqüência dessa atividade entre as turmas de
primeiro ano (13/9/7). Inferimos que essa prioridade ocorreu graças à natureza
dessa atividade, dado que os educandos estariam sendo expostos, com uma maior
sistematicidade, à escrita de palavras.

A não-discrepância entre os dados dos primeiros e segundos anos se deve


ao que já vimos realçando, quanto à transitoriedade que marca o segundo ano, no
215

interior do 1º ciclo. Ora este se aproxima do universo dos primeiros, ora dos terceiros
anos. Quanto ao número localizado entre as turmas de terceiro ano, enfatizamos o
já dito: as especificidades das turmas das escolas A e C, cujas práticas,
resguardadas as suas diferenças, focalizaram o ensino na escrita alfabética.

No universo das atividades envolvendo a escrita de palavras, localizamos


17 momentos em que essa prática ocorreu com algum tipo de intervenção da
professora. Desses casos, notamos um evidente destaque na escola C, em relação
às demais instituições (3/2/12). Ao observarmos os dados entre os anos-ciclo,
confirmamos nossa hipótese anterior de que a ênfase nesse trabalho recaía sobre
as turmas de primeiro ano (9/2/6). No entanto, diferentemente da escrita de palavras
como souber (espontânea), nesse item específico, houve maior freqüência entre as
turmas de terceiro, quando comparadas com as de segundo ano. Cabe ressaltar,
porém, que esses seis casos estiveram centrados no terceiro ano da escola C. A
partir dos números encontrados, considerando essa atividade de escrita de palavras
com ajuda da professora, entendemos que, em alguns momentos, foi possível
visualizar uma progressão entre as atividades propostas no interior do ciclo, mas,
nesse caso, ganhou centralidade o perfil da turma do terceiro ano C. Conforme já
apontado, nessa classe em específico, embora a professora desenvolvesse um
trabalho de leitura e produção de textos, reconhecia que sua turma era “para
alfabetizar”.

Compondo o rol dessas atividades, a escrita de palavra a partir de


letra/sílaba/palavra dada foi praticada, em maior número, entre as mestras da escola
A (12/2/4), ao contrário da escrita de palavras com auxílio da professora.
Constatamos, novamente, maior presença dessa tarefa entre as turmas de primeiro
ano (11/5/2).

Quanto à prática de escrita de palavra com o alfabeto móvel, registramos,


somente, cinco ocasiões em que essa atividade foi proposta. Mais uma vez, essa
proposição ficou a cargo das professoras de primeiro ano (5/0/0). Dessas turmas,
apenas as escolas B e C contemplaram a escrita de palavras com esse material
(0/2/3). É curioso que uma atividade que pode ser tão rica no processo de
apropriação da escrita, por permitir, entre outros aspectos, o conhecimento das
letras e seus valores sonoros, o exame das relações grafofônicas em unidades
maiores como a sílaba, a exploração das diferentes estruturas silábicas que
216

compõem as palavras (MORAIS, 2005; MORAIS; LEITE, 2005), foi pouco priorizada,
também, entre as turmas de primeiro ano.

Não houve presença significativa, na esteira das atividades de língua no 1º


ciclo, à escrita de palavras com aliteração e rima. A reflexão fonológica não estava
na pauta de prioridades, entre as práticas observadas. Identificamos somente um
caso de escrita de palavras com aliteração no primeiro ano da escola A. Com uma
pequena margem de diferença, a prática de escrita de palavras com rima foi
observada em cinco momentos, concentrados nas escolas A e C (4/0/1). Desses
exemplos, surpreendentemente, nenhum foi encontrado nas turmas de primeiro ano
(0/2/3). Em se tratando dos terceiros anos, esse enfoque foi dado pela professora da
escola A. Cremos que a mestra encontrou na “rima” uma forma de motivar seus
alunos a refletirem sobre a escrita e os sons das palavras, a partir do gênero poema.
Como já enfatizamos, tratava-se de uma turma com perfil de alfabetização inicial.
Chama-nos a atenção, por outro lado, a inexistência desse trato nos primeiros anos,
momento em que esse enfoque ajudaria no avanço dos educandos quanto à
compreensão das relações entre as partes faladas e escritas das palavras. É o que
atestam Leal, Albuquerque e Leite (2005), ressaltando a exploração da rima, por
exemplo, como uma alternativa didática enriquecedora no processo de alfabetização
das crianças.

Do mesmo modo como ocorreu com a escrita do cabeçalho, nas atividades


de rotina pedagógica, a escrita do nome completo parecia compor o universo das
atividades que já tinham certa “tradição escolar”, visto que esse era um item
priorizado desde o início da escolarização. Nesse contexto, a escrita do nome
aparecia vinculada, geralmente, à escrita do cabeçalho da escola. Além disso, a
partir da identificação com o próprio nome, por parte da criança, propriedades do
ensino da escrita alfabética - tais como letras (inicial, final), análise fonológica (sílaba
inicial, final), tipos de letras, ordem alfabética, entre outras -, eram priorizadas (a
exemplo da professora do 1º ano da escola C). Embora não tenhamos visto
variações significativas, a escola C sinalizava para uma prática sistemática de
valorizar aquela prática (5/9/11). Confirmando nossa hipótese, houve maior atenção
a esse trabalho entre as turmas de primeiro ano (11/6/8).

No que diz respeito à prática de escrita de frases, registramos 20 ocasiões


em que os alunos foram submetidos a esse tipo de tarefa. Considerando essa
217

atividade, não observamos diferenças marcantes na freqüência vista entre as


escolas (8/6/6), nem entre os anos-ciclo (5/9/6).

Ao nos depararmos com esse quadro, postulamos, com base no que vimos
analisando até o momento, que, entre as turmas de primeiro ano, a atividade
priorizada foi a leitura e escrita de palavras. Do mesmo modo, considerando os
terceiros anos, a unidade privilegiada foi o texto, com diferentes enfoques (com
exceção do 3º ano da escola A). Com isso, conferimos, principalmente aos
segundos anos, tanto nos momentos de ditado de frases, quanto na própria
proposição de escrita de frases (incluindo a escrita de frase espontânea), maior
espaço nessa prática. Esse dado parece ganhar substância no momento em que
registramos nove ocasiões em que essa atividade foi proposta, entre aquelas
turmas. Dessas, apenas a professora do segundo ano da escola B, cuja prática
estava ancorada na reescrita de contos, quase não realizou esse tipo de tarefa, com
o registro de apenas um caso. Convém ressaltar, ainda, que não houve grande
discrepância entre a proposição de leitura de frases, com 22 ocasiões (conforme
tabela 5) e sua escrita, com 20 momentos (conforme tabela 6).

Por fim, ainda nos remetendo à seção que trata das atividades de escrita,
não observamos nenhum momento reservado, entre as práticas, à escrita de letras,
assim como à escrita de sílabas. Essas unidades, quando analisadas, foram
priorizadas no interior das palavras já escritas: seja nos poucos momentos de
reflexão fonológica ou, prioritariamente, nos contínuos exercícios de contagem de
letras e sílabas das palavras, partição escrita de palavras em sílabas e/ou em letras.
Atribuímos essa freqüência à vinculação que vem se estabelecendo na literatura
específica entre atividades que priorizam aquelas unidades lingüísticas e um ensino
desprovido de significação para os aprendizes. Nossa hipótese é a de que a
articulação da análise dessas unidades menores (letras, sílabas), no contexto das
palavras e frases, pode realçar, contrariamente à concepção acima exposta, a
intenção em desenvolver um ensino que promova uma aprendizagem significativa,
alicerçada numa perspectiva para o letramento. Nossos dados reiteram esse
pressuposto, na medida em que verificamos maior investimento na escrita de
palavras e frases.

Ao considerarmos as especificidades do ensino no chamado “ciclo da


alfabetização”, defendemos, por um lado, a concepção de que é preciso alfabetizar
218

numa perspectiva para o letramento, sim, (SOARES, 2003b; 1998; CRUZ, 2008),
mas, por outro, garantir o ensino sistemático das propriedades do sistema alfabético
de escrita (MORAIS, 2005).

Seguiremos nossa análise, priorizando as atividades de cópia, a partir das


unidades lingüísticas anunciadas no início da análise desse bloco, que trata das
tarefas cujo enfoque é o sistema de notação alfabética.

4.1.4.3 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Cópia

Tabela 7: Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Cópia, no 1º


ciclo, nas nove turmas observadas

SNA (atividades de cópia)

Escola A Escola B Escola C ABC


Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG

1- Cópia de letra 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1

2- Cópia de sílaba 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

3- Cópia de palavra 3 0 0 3 3 0 0 3 0 1 1 2 8

4- Cópia de frase 0 2 3 5 3 0 2 5 1 1 0 2 12

5- Cópia de texto 2 6 3 11 0 7 1 8 0 1 1 2 21

Total Geral 6 8 6 20 6 7 3 16 1 3 2 6 42

1º = 1º ano, 2º = 2º ano, 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA =


Sistema de Notação Alfabética.

Diferentemente do que ocorreu na seção que tratou da escrita, cuja ênfase


recaiu sobre a escrita de palavras, nesse caso, houve predominância à cópia de
texto, totalizando 21 ocasiões. É interessante destacar a discrepância da escola C
em relação às demais (11/8/2) nessa prática de cópia de texto. Inferimos que essa
baixa freqüência se deu graças ao fato das professoras daquela instituição
vincularem a cópia a uma prática memorística, tradicional. Essa hipótese parece se
confirmar a partir do que vimos como proposição dessas atividades, naquela escola.
Registramos um exemplo no segundo ano, momento em que a cópia esteve
presente após a produção coletiva de um convite. Já no terceiro ano, como a mestra
219

vinha enfocando o gênero “história em quadrinhos”, registrou, no quadro, a biografia


de Ziraldo, a fim de que os educandos copiassem e lessem. Essa tarefa estava
articulada, portanto, a um contexto prévio, em que outros aspectos do ensino de
língua estavam sendo priorizados na aula.

Entendemos que essa hipótese se aplica, também, ao segundo ano da


escola B, em que em sete das oito observações identificamos a cópia dos textos
reescritos coletivamente. O texto, “a história” era lida pela professora. Em seguida,
através de um reconto coletivo, ela registrava no quadro, e, por fim, os alunos
copiavam.

Em se tratando da atividade de cópia de texto, sublinhamos, no caso da


escola A, em particular, no primeiro ano, dois momentos reservados a essa
atividade. Em um deles, a mestra sugeriu uma cópia para uma aluna que já havia
concluído a tarefa de classe e precisava “ocupar o tempo” com outra atividade, a fim
de não ficar ociosa.118 Em outra aula, apesar de os alunos estarem de posse do
texto a ser explorado, a primeira questão da tarefa proposta aos mesmos foi a cópia
do texto no caderno. Esses dois últimos casos se diferenciam (e muito!) das
proposições de cópia de texto das turmas anteriormente mencionadas.

A sistemática da mestra do segundo ano da escola A geralmente seguia


uma ordem: cópia de texto, leitura coletiva do texto, interpretação escrita (em geral,
perguntas de fácil localização), ditado, contagem de sílabas de palavras, escrita de
palavras a partir de sílabas, ditado de frases.119 Como a mestra não utilizava um
livro didático específico, parecia recorrer a vários materiais didáticos e disponibilizar
o texto aos alunos dessa forma.

No tocante à prática da professora do terceiro ano da mesma escola,


identificamos dois momentos em que seu enfoque se assemelhou ao da professora
do segundo ano: cópia, leitura, interpretação escrita, variando, no entanto, as tarefas
voltadas ao sistema de notação alfabética: identificação de rima, comparação entre

118
Esse exemplo ilustra o quanto o trabalho com a heterogeneidade, por vezes, se limitou a
atividades pouco desafiadoras no que se refere ao avanço do aluno, no aprendizado dos diferentes
objetos do saber em língua portuguesa. Aprofundaremos esse aspecto no capítulo seguinte.
119
Conforme evidências já ressaltadas na presente análise.
220

palavras quanto ao número de letras, entre outras. Cabe ressaltar que, no caso
dessa turma, em uma das aulas, a cópia ocorreu num momento posterior à
produção coletiva de um texto. 120

Ao retomarmos as categorias relativas à prática da cópia, assinalamos que,


atrás da cópia de texto, foram localizados 12 momentos dedicados à cópia de
frases, nas aulas acompanhadas. Ao contrário do item anterior, não verificamos
variações relevantes entre as escolas (5/5/2), nem entre os anos-ciclo (4/3/5). No
que diz respeito aos primeiros anos (0/3/1), em particular o da escola B, a cópia de
frase foi identificada numa atividade de confecção de um cartão para o dia dos pais.
Para isso, os alunos mencionaram as frases, elegeram uma, a mestra registrou no
quadro e eles copiaram no cartão. Em outros casos em que essa atividade foi
verificada, para os aprendizes que não conseguiam escrever as frases, a partir de
palavras do texto trabalhado, a mestra orientava quanto à escolha de uma daquelas
registradas no quadro para a cópia na pauta (a exemplo da professora do 2º ano da
escola C). No caso do primeiro ano da escola C, a cópia ocorreu no momento em
que os aprendizes foram solicitados a copiar o título de uma das músicas
carnavalescas enfocadas durante a vivência de um projeto sobre o carnaval de
Pernambuco. Num momento posterior, a professora conduziu um processo de
reflexão acerca da quantidade de palavras e contagem de sílabas.

Remetendo-nos aos segundos anos, observamos que a cópia de frase na


escola A estava vinculada à punição em relação aos alunos que não tinham
realizado a atividade de escrita de frases. O preço por serem retardatários, seria a
cópia do quadro, afirmou a mestra. No entanto, essa atitude da professora não
intimidava esses educandos, de modo que insistiam em não realizar a tarefa.
Adotando um enfoque diferente, a professora do segundo ano da escola C
selecionou algumas palavras da música trabalhada, os alunos participaram
oralmente da formulação das frases, em seguida, copiaram. Nesse último exemplo,
mais uma vez se evidenciou, a nosso ver, a prática da cópia inserida numa
seqüência de atividades.

120
Cabe enfatizar que, no segundo semestre, esse foi o único momento em que a professora realizou
a produção textual (e coletiva) na última aula observada, no final do ano letivo (10.12.2007).
Atribuímos, mais uma vez, a ausência dessa prática ao perfil de seus alunos e, conforme depoimento
em entrevista, à ausência de “um prepar-se” para esse trabalho.
221

No que diz respeito às turmas de terceiro ano, localizamos três casos em


que a atividade de cópia de frases foi priorizada. Na escola A, essa tarefa estava
vinculada ao que a mestra denominava de “reescrita de frases”: os alunos teriam
que realizar a cópia das frases escritas no quadro, ou, noutro caso, verificamos a
atividade de cópia de significado de expressões do dicionário, articulada ao que
estava sendo trabalhado, a exemplo do folclore, na busca do significado da palavra
“provérbio”. A partir de um encaminhamento semelhante, a professora do terceiro
ano da escola B orientou os aprendizes a copiar uma das frases do texto explorado,
além do significado da palavra “frase”. Nesse dia, em particular, a mestra recorreu a
textos e atividades que se prestaram ao estudo dessa unidade lingüística. Já em
outra aula, os aprendizes foram solicitados a copiar as frases apresentadas na
tarefa, objetivando substituir algumas palavras por sinônimos.121

Na ordem decrescente de aparição das atividades de cópia, identificamos


oito momentos dedicados à cópia de palavra (3/3/2). Como julgávamos, esse tipo de
atividade esteve presente, essencialmente, nas turmas de primeiro ano (6/1/1).
Nesse universo, entre outras formas de abordagem, os alunos copiavam palavras
para analisá-las quanto ao número de letras, de sílabas, letra inicial, final, além dos
casos em que copiavam novamente as palavras, por terem grafado com erros
ortográficos, presentes, sobretudo, nas atividades de ditado. Por outro lado, houve
ausência de cópia de sílaba e apenas um caso de cópia de letra. Essa atividade foi
direcionada a um dos alunos que, na ótica da professora do primeiro ano da escola
A, não conseguia acompanhar a turma.122

Seguiremos analisando as unidades priorizadas nas atividades de


contagem.

121
Nessa turma, os alunos tinham uma prática consolidada de pesquisa ao dicionário. Julgamos que
essa destreza estava vinculada, essencialmente, ao uso contínuo desse material, por parte da
mestra.
122
Tratava-se de um aluno cujo desempenho, segundo professores e demais profissionais da escola,
estava comprometido, em decorrência de um acidente que tinha ocorrido com ele: uma queda de
barreira, que o atingiu no bairro em que morava. Não sabíamos o nível de comprometimento de seu
estado de saúde, mas destacamos que as atividades direcionadas a ele não o desafiavam a avançar
na escrita e na leitura das diferentes unidades enfocadas nas aulas de língua.
222

4.1.4.4 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Contagem

Nessa seção, priorizamos a análise das atividades que priorizavam a


contagem das letras em sílabas, de letras em palavras, de sílabas em palavras e de
palavras em frases/textos. Segue tabela com as principais evidências.

Tabela 8: Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Contagem,


no 1º ciclo, nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Contagem)


Escola A Escola B Escola C ABC

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Contagem de letras em sílabas 0 0 3 3 0 0 0 0 0 1 0 1 4
2- Contagem de letras em palavras 4 2 3 9 5 1 0 6 3 2 1 6 21
3- Contagem de sílabas em palavras 3 2 6 11 6 1 0 7 6 5 2 13 31
4- Contagem de palavras em frases/textos 1 0 0 1 3 0 0 3 0 0 0 0 4

Total Geral 8 4 12 24 14 2 0 16 9 8 3 20 60

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA = Sistema


de Notação Alfabética.

Ao nos reportarmos às atividades de contagem, registramos 60 situações


em que ocorreu alguma tarefa com esse enfoque. De um modo geral, ao longo das
observações, verificamos uma ênfase dada à unidade sílaba; constantemente os
alunos estavam expostos a atividades que envolviam “contagem de sílabas em
palavras”. Esse dado se confirmou nos resultados obtidos com as tarefas de
contagem, já que identificamos 31 casos de contagem de sílabas em palavras.
Nesse item específico, não houve diferenças marcantes entre as escolas
pesquisadas (11/7/13). Embora, ao longo do ciclo, essa tenha sido uma atividade
comum entre os anos, já contávamos localizar um maior índice entre os primeiros
anos (15/8/8), dada a natureza desse tipo de tarefa e o enfoque predominante nessa
etapa do ciclo, em que se esperava a construção da base alfabética de escrita por
parte do aprendiz.

Assim como no exemplo anterior, a contagem de letras em palavras


também se constituiu num item priorizado nas práticas observadas, com 21 casos.
Do mesmo modo que na contagem de sílabas em palavras, não apreendemos
223

variações significativas entre os dados observados nas escolas (9/6/6).


Confirmamos, ainda, baseando-nos no dado precedente a esse, maior freqüência
entre as turmas de primeiro ano (12/5/4). No interior destas, não verificamos
diferenças que mereçam destaque, porém, é importante realçar que, tanto no
exemplo anterior, quanto nesse, localizamos situações que contemplavam esses
dois tipos de tarefa entre as turmas do terceiro ano das escolas A e C. Como já
revelamos ao longo das análises, essas duas turmas eram dotadas de
especificidades que as distinguiam do terceiro ano da escola B.123

Ainda nos referindo a essas turmas, identificamos um pouco mais de


investimento nessas tarefas por parte da mestra do terceiro ano da escola A, ao
compararmos com a turma da escola C. Esse dado se confirmou tanto em relação à
contagem de sílabas em palavras (6/0/2) como na contagem de letras em palavras
(3/0/1). Apesar de essas turmas terem um perfil semelhante quanto ao desempenho
dos alunos, a mestra do terceiro ano C focou seu trabalho de língua portuguesa na
exploração de alguns gêneros textuais, leitura de textos, auxiliando diretamente seus
alunos. Já no término do semestre, dedicou maior tempo à análise de unidades
menores que o texto, dadas as dificuldades apresentadas pelos educandos.
Inferimos que esse investimento foi acentuado, também, em função do reforço a que
recorriam as mestras daquela instituição, no final do segundo semestre.124

Uma atividade pouco explorada nessa seção foi a contagem de letras em


sílabas, com apenas quatro casos. Confirmamos nossa expectativa da turma do
terceiro ano da escola A, quanto a esse tipo de prioridade no ensino de língua,
dadas as especificidades do grupo de alunos. Por outro lado, esse baixo índice,
sinaliza, também, para a ausência de um ensino dirigido à apreensão das diferentes
estruturas silábicas de nossa língua. Isto quer dizer que, embora houvesse uma
considerável freqüência de atividades de contagem de sílabas em palavras, se
refletia muito pouco acerca das variações presentes no interior das sílabas. Noutras
palavras, as crianças eram pouco ajudadas a refletir sobre a notação das unidades
que estão no interior das sílabas.

123
No caso das primeiras turmas (terceiros anos A e C), os alunos estavam se apropriando da escrita
alfabética, por outro lado, os alunos do terceiro ano da escola B, prosseguiam realizando leitura e
produzindo textos autonomamente.
124
Havia uma preparação de toda a escola para o reforço com os alunos. Alguns eram liberados
antes do término da aula, a fim de realizar um trabalho mais específico com os que mantinham
dificuldades, sobretudo, na área de língua: leitura e escrita.
224

Apresentando um baixo índice, porém, invertendo a lógica exposta


anteriormente, a contagem de palavras em frases/textos, foi localizada apenas em
quatro ocasiões, entre as turmas de primeiro ano. No item anterior, a unidade sílaba
foi fonte de análise predominante numa turma de terceiro ano, nessa categoria, em
específico, não contamos com nenhum momento entre as turmas de terceiro, já que,
ao contrário, esse tipo de tarefa só apareceu entre os primeiros anos das escolas A
e B (1/3/0).

Em articulação com os dados obtidos a partir das atividades de contagem,


vejamos o que nos apontam as evidências quanto às tarefas de partição.

4.1.4.5 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Partição

Traduzindo-se numa importante forma de levar os educandos a refletirem


sobre as relações entre partes orais e partes escritas no sistema de notação
alfabética, as atividades de partição contaram com uma aparição significativa no
universo dos anos-ciclo acompanhados (114). Priorizamos a análise das dimensões
oral e escrita no interior dessas atividades. Para isso, recorremos às categorias de
partição oral de sílabas em letras, partição oral de palavras em letras, partição oral
de palavras em sílabas e partição oral de frases em palavras; além dessas,
registramos a freqüência das tarefas que priorizaram a partição escrita de palavras
em letras, partição escrita de palavras em sílabas, assim como a partição escrita de
frases em palavras. Segue tabela com a análise realizada.
225

Tabela 9: Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Partição, no


1º ciclo, nas nove turmas observadas
SNA (Atividades de Partição)
Escola A Escola B Escola C ABC
Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Partição oral de sílabas em letras 2 0 1 3 2 0 0 2 6 3 5 14 19
2- Partição oral de palavras em letras 6 3 5 14 1 0 0 1 3 4 4 11 26
3- Partição oral de palavras em sílabas 4 5 8 17 4 0 1 5 3 3 3 9 31

4- Partição oral de frases em palavras 0 2 1 3 2 0 0 2 0 1 0 1 6


5- Partição escrita de palavras em letras 3 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 3

6- Partição escrita de palavras em sílabas 4 4 8 16 2 1 1 4 1 2 2 5 25


7- Partição escrita de frases em palavras 0 2 0 2 2 0 0 2 0 0 0 0 4
Total Geral 19 16 23 58 13 1 2 16 13 13 14 40 114
1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA =
Sistema de Notação Alfabética.

Como assinalamos no início dessa seção, as atividades de partição


apareceram em 114 momentos, nas práticas observadas. No interior dessas,
prevaleceram as de partição oral (82), ao confrontarmos com as tarefas de partição
escrita (32).

Ao analisarmos as atividades de partição oral, verificamos que houve


predominância (assim como no caso anterior de atividades de contagem) de partição
oral de palavras em sílabas, contando com 31 momentos. Nessa atividade em
particular, houve variações significativas da escola A em relação às demais
instituições (17/5/9). No momento em que consideramos a prioridade dada a essa
atividade do sistema de notação alfabética, realçamos, mais uma vez, o que vem
sendo anunciado ao longo das análises, ou seja, o destaque dado, entre as turmas
de terceiro ano das escolas A e C, às atividades predominantes no primeiro ano. Na
prática de partição oral de palavras em sílabas, embora não tenhamos encontrado
discrepâncias na freqüência localizada entre os anos do ciclo, reafirmamos aquela
proximidade entre os anos extremos, visto que os dados são bem reveladores
(11/8/12). A mesma compreensão tivemos, ao computarmos os números
encontrados no interior dos terceiros anos (8/1/3), confirmando nossa hipótese
acima indicada.

Ainda no tocante à atividade de partição oral de palavras em sílabas, não


identificamos nenhuma proposição na turma do segundo ano da escola B. Como já
226

realçamos, nessa turma em específico, a prática esteve centrada na reescrita de


contos, o que certamente teve impacto no baixo investimento em atividades que
focassem as propriedades do sistema alfabético de escrita.

É interessante pôr em relevo o dado acima explicitado referente às turmas


de primeiro e terceiro anos, já que vimos observando alguns casos de proximidade
entre segundos e terceiros anos, assim como dos primeiros e segundos. Nessa
atividade específica (partição oral de palavras em sílabas), as semelhanças
estiveram presentes entre os anos que iniciam e terminam o 1º ciclo. Isto quer dizer
que, se por um lado temos uma idéia de progressão das atividades propostas no 1º
ciclo ancorada em fontes diversas (livros didáticos, proposta curricular e outros
materiais didáticos),125 por outro, parece haver uma quebra nessa progressão
quando as dificuldades de aprendizagem eclodem, exigindo do profissional professor
adequações que fogem de uma lógica mais homogênea126 da progressão antes
mencionada.

Ao retomarmos a freqüência vista nas atividades de partição, localizamos 26


momentos, entre as práticas observadas, dedicados à partição oral de palavras em
letras. Apesar de não ter uma margem de diferença tão exclusiva, como no item
anterior, a escola A novamente liderou (14/1/11). Em contrapartida, como os
números nos indicam, houve a quase ausência dessa tarefa na escola B. Já em
relação aos anos-ciclo, não houve diferenças que mereçam destaque (10/7/9).

Chamamos a atenção, somente, para a lógica que parece ter regido a


prioridade dessa atividade, entre os terceiros anos. Como sugerimos, os perfis das
turmas das escolas A e C orientavam as práticas para a construção da base
alfabética de escrita, o que foi confirmado, mais uma vez, pela freqüência acima
apontada. O mesmo argumento se aplica à ausência dessa tarefa no segundo ano
da escola B, dada a freqüência com que ocorreu a reescrita de textos. É pertinente
enfatizar, também, a sistematicidade com que essa atividade ocorreu na prática da
professora do primeiro ano da escola A. Objetivando legitimar esse dado, flagramos,

125
Em se tratando da rede municipal de Recife, a proposta curricular vigente até então, não expunha
as competências por ano-ciclo, portanto, essa perspectiva de progressão, à qual nos referimos,
inexistia.
126
Ao nos reportarmos à “progressão homogênea”, estamos nos referindo às expectativas existentes
nos diversos materiais didáticos quanto à construção dos objetos de saber pelos educandos,
considerando, no nosso caso, cada ano-ciclo. Como vimos, essa não homogeneidade esteve
presente em nossos dados, a exemplo de duas turmas de terceiro ano, cuja prioridade, no caso do
ensino de língua, ainda estava centrada na apropriação da base alfabética de escrita.
227

em uma das aulas observadas, a leitura dos enunciados por um dos educandos,
antes mesmo do registro da mestra no quadro. Como se tratava sempre dos
mesmos itens, destacou o aluno, não era difícil “adivinhar”. Entre os enunciados,
constavam os que solicitavam a partição das palavras. Na ocasião, a professora
ficou surpresa, porém, para o aluno, tratava-se de algo normalíssimo, já que se
repetia sempre. Mais uma vez sublinhamos que não houve o que estamos
denominando de progressão homogênea, mas, sim, prioridades estabelecidas pelas
mestras, em função das especificidades de suas turmas, do perfil dos educandos.

Apresentando menor freqüência, registramos 19 ocasiões em que a


atividade de partição oral de sílabas em letras esteve presente nas práticas
observadas. Ao contrário do item anterior, dessa vez, a escola C dedicou,
visivelmente, maior espaço a esse tipo de tarefa (3/2/14). Embora não tenhamos
visto diferenças marcantes entre os anos-ciclo, os dados confirmaram o que
julgávamos em relação à prioridade dessa atividade entre os primeiros anos
(10/3/6).

Ao observarmos os números entre os anos, reiteremos, mais uma vez,


maior investimento das turmas de terceiro em relação aos segundos anos. Vale a
pena ressaltar que a articulação entre as mestras da escola C foi visível quanto às
escolhas didáticas e pedagógicas (num trabalho de trocas, tal como comentado por
Chartier (2000), sobre o contexto francês). Lembramos que esse perfil da instituição
se repetiu, ao tratarmos das atividades de partição oral de sílabas em letras.

A unidade menos explorada nessa seção foi a partição oral de frases em


palavras. No total, foram seis casos distribuídos entre as escolas (3/2/1). Em
consonância com a aparição dessa prática entre as escolas, não registramos
variações entre os anos-ciclo (2/3/1). Em geral, essa atividade ocorria nos momentos
de ditado de frase, em que se interrompia com o intuito de refletir acerca da
quantidade de palavras presentes na frase, na tentativa de evitar a escrita sem
segmentação.

Reportando-nos, no interior dessa seção, às atividades de partição escrita,


sublinhamos a liderança da partição escrita de palavras em sílabas, com 25
momentos, tal como ocorreu com a partição oral de palavras em sílabas. Os dados
revelaram um distanciamento da escola A em relação às outras instituições (16/4/5).
Embora as diferenças não tenham sido significativas, ao realizarmos a articulação
228

entre os anos-ciclo, surpreendentemente, identificamos maior prioridade por parte


das mestras dos terceiros anos (7/7/11). Repetindo-se a lógica dos dados anteriores,
no caso dos terceiros anos, esse tipo de tarefa ficou a cargo, sobretudo, da
professora da escola A (8/1/2).

Considerando o alcance dessa análise quanto às atividades do sistema de


notação alfabética, enfatizamos que, mesmo dentro de uma lógica de ciclo de
alfabetização, lógica essa que garantiria maior tempo para o educando se
alfabetizar, conseguimos apreender, através dos dados até aqui evidenciados,
implicações quanto à ausência dos saberes necessários a um aluno do terceiro ano,
por exemplo. Atrelados a outros fatores que marcaram a escolarização desses
alunos ao longo do 1º ciclo, julgamos que a ausência de maior clareza quanto
àqueles saberes (no nosso caso, as competências específicas para o ensino de
língua) tem repercutido em práticas destituídas de propostas oficiais que ajudem os
sujeitos não a homogeneizar o ensino, mas a ter referenciais didático-pedagógicos
comuns que os auxiliem na difícil empreitada de alfabetizar, no nosso contexto
sócio-histórico, alfabetizar letrando (SOARES, 2008; 2003b; 1998).

A partir do que fora destacado, entendemos o porquê de, numa turma de


terceiro ano, encontrarmos, ainda, atividades de partição escrita de palavras em
sílabas, quando, na realidade, os alunos precisariam, sim, ter construído a base
alfabética de escrita e estar caminhando rumo a uma apropriação mais consolidada
de outros eixos do ensino de língua como a leitura, compreensão e produção
textuais, além dos aspectos de análise lingüística, tais como a pontuação, a
ortografia.

Em continuidade à análise das atividades de partição, identificamos apenas


três momentos reservados à partição escrita de palavras em letras. Nesse âmbito,
somente a professora do primeiro ano da escola A propôs esse tipo de tarefa aos
educandos. Do mesmo modo, não houve prioridade quanto à atividade de partição
escrita de frases em palavras, contando com apenas quatro ocasiões. Esses últimos
estiveram centrados no primeiro ano da escola B e segundo da escola A.

Prosseguiremos analisando, na seção seguinte, as atividades de nomeação,


identificação e produção das unidades letras, sílabas e palavras.
229

4.1.4.6 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Nomeação, Identificação e


Produção

Tabela 10: Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Nomeação,
Identificação e Produção, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Nomeação, Identificação e Produção)

Escola A Escola B Escola C ABC

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Nomeação de letras em posição
"X" 5 1 2 8 5 0 0 5 3 0 1 4 17
2- Nomeação de letras "X" em
posição "X" 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
3- Identificação de letras em posição
"X" 2 0 0 2 2 0 0 2 1 0 0 1 5
4- Identificação de letra "X" em
posição "X" 2 0 2 4 0 0 0 0 0 0 0 0 4
5- Identificação de letras (iguais) em
palavras 2 0 0 2 4 0 0 4 0 0 0 0 6
6- Identificação de letras (iguais) em
sílabas 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
7- Identificação de sílabas em
posição "X" com correspondência
escrita 4 0 0 4 3 0 0 3 3 0 0 3 10
8- Identificação de sílabas em
posição "X" sem correspondência
escrita 1 0 0 1 3 0 0 3 3 0 0 3 7

9- Identificação de palavras "outros" 3 2 0 5 3 0 2 5 3 2 4 9 19


10- Identificação de palavras que
possuam a letra "X" em posição "X" 2 0 1 3 2 0 0 2 2 0 1 3 8
11- Identificação de palavras que
possuam a sílaba "X" em posição
"X" 3 0 0 3 1 0 0 1 0 0 1 1 5
12- Identificação de aliteração/rima
com correspondência escrita 4 2 3 9 1 0 0 1 1 1 0 2 12
13- Identificação de aliteração/rima
sem correspondência escrita 0 0 0 0 1 0 0 1 1 0 0 1 2
14- Produção de aliteração/rima com
correspondência escrita 1 0 1 2 0 0 0 0 0 0 1 1 3
15- Produção de aliteração/rima sem
correspondência escrita 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Total Geral 29 5 10 44 25 0 2 27 17 3 8 28 99

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA =


Sistema de Notação Alfabética.

No rol das atividades de nomeação, verificamos maior tempo dedicado à


nomeação de letras em posição X (inicial, medial e final); foram 17 momentos
reservados a essa atividade. Em um deles, a professora do primeiro ano da escola
230

A, numa situação de correção de ditado de palavras, solicitou dos alunos a


nomeação da última letra da palavra “copo”, já que uma das alunas havia grafado a
palavra com a letra “u”. Através de uma reflexão das correspondências som x grafia,
houve essa articulação com o trabalho de nomeação. Em outra turma, terceiro ano
da escola C, essa atividade também ocorreu em um ditado de palavras. Dessa vez,
a mestra orientou os educandos a nomear a letra com que terminava a palavra
“nariz”. Ainda nos remetendo a esse aspecto, no primeiro ano da escola B, a
professora realizou a leitura do conto “Chapeuzinho Vermelho”, em seguida,
desenhou os personagens da história no quadro, orientando os aprendizes a
escreverem os nomes. O objetivo era a reflexão de aspectos como: quantidade de
sílabas das palavras, som inicial, final, entre outros. Uma das questões da
professora, nessa atividade, foi a nomeação da primeira letra da palavra “vovó”.
Esses foram alguns dos exemplos encontrados quanto à “nomeação de letras em
posição X” (inicial, medial e final).

Sobre esse assunto, a professora do primeiro ano da escola C expressou


sua preocupação em enfocar, nas suas aulas, o nome das letras. Observemos o que
declarou na entrevista:

Olhe eu tenho a preocupação grande que eles aprendam o nome


das letras, certo? Porque é... isso foi uma coisa que eu aprendi
também nos estudos e também a própria, a própria prática na sala
de aula me mostrou isso também, que a criança precisava aprender
o nome da letra. Muitas vezes o menino sabia que ‘pato’ começava
com ‘pa’ com ‘p’ ‘a’, mas qual é a letra ‘p’? Qual é a letra ‘a’ que eu
não sei? Engraçado isso, ele sabia que é ‘p’, sabia que é ‘a’, mas
não sabe qual é a letra ‘p’ e a letra ‘a’. Cadê? Qual é? Dessas aqui
todas do alfabeto? Então é uma coisa que eu também percebia na
sala (Professora Célia, 1º ano, Escola C).

É oportuno sublinhar que, no exemplo da prática da professora ora


mencionada, houve a opção por várias atividades que exploravam outras
propriedades do sistema de notação alfabética, o que sinaliza para uma não
exclusividade ao enfoque por ela destacado do nome das letras. Essa articulação
com outras atividades centradas no objeto escrita alfabética, corrobora com um dado
geral, encontrado em pesquisa realizada por Leite (2006, p. 129-130) de que “o
reconhecimento das letras não é determinante de uma compreensão sobre como
231

elas funcionam, de modo a poderem ser usadas convencionalmente, ao notar-se as


correspondências grafofônicas das palavras”.

No que diz respeito ao item ora analisado, não encontramos diferenças


entre as escolas (8/5/4). Por outro lado, observamos que houve uma visível
predominância desse tipo de atividade entre as turmas de primeiro ano (13/1/3). Já
esperávamos encontrar esse quadro, visto que, a nomeação, a identificação e a
produção de letras são atividades que se ajustam aos alunos em processo inicial de
construção da escrita alfabética. Portanto, compreendemos que os casos
localizados entre as turmas de segundo e terceiro anos estavam relacionados aos
educandos que ainda não tinham consolidado esse conhecimento.

Em continuidade a essas atividades, registramos apenas um caso


relacionado à “nomeação de letras X em posição X” na turma do terceiro ano da
escola A. Nesse contexto, em particular, os alunos nomearam a primeira letra da
palavra “provérbio”, posteriormente, a mestra enfatizou que iam pesquisar no
dicionário, na letra “p”, o significado de “provérbio”, apontando para o início da
palavra.

Em contraposição à freqüência anterior, relativa à “nomeação de letras”,


registramos somente cinco momentos dedicados à “identificação de letras em
posição X” (inicial, medial e final). Tal como vimos no item anterior, em que a
predominância ficou a cargo das turmas de primeiro ano, nesse caso, houve
exclusividade dessa prática, nessas turmas (2/2/1). Na turma de primeiro ano da
escola A, os alunos foram solicitados a identificar a última letra da palavra “cacau” e,
em seguida, nomeá-la.127

Em se tratando das situações de “identificação de letras X em posição X”


(inicial, medial e final), observamos a presença de quatro momentos distribuídos
igualmente entre as turmas de primeiro e terceiro anos da escola A. Com o intuito de
ilustrar, recorremos a uma situação localizada no terceiro ano, referente a um ditado
de palavras. A mestra citou a palavra “amor”, em seguida, perguntou se tinha a letra
“r” e em que posição estava.

Se, por um lado, registramos 12 ocasiões em que houve ênfase à


“identificação de aliteração/rima com correspondência escrita”, por outro, ocorreram

127
Trata-se da mesma situação didática citada no exemplo anterior de nomeação de letras.
232

apenas dois casos em que esse tipo de atividade foi localizada sem correspondência
escrita (1ºs anos das escolas B e C). Comparando os dados apreendidos entre as
escolas, referentes ao primeiro item, identificamos maior investimento por parte das
professoras da escola A (9/1/2). Já em relação aos anos-ciclo, não observamos
diferenças significativas (6/3/3). Do mesmo modo que em outras análises, nessa em
particular, destacamos que, no conjunto das turmas de terceiro ano, apenas a escola
A priorizou esse trabalho de identificação de aliteração/rima com correspondência
escrita. Mais uma vez atribuímos a natureza do trabalho com análise fonológica ao
perfil da turma da mestra.

Numa determinada aula observada, nessa turma, aquela profissional


registrou um poema no quadro seguido de atividade escrita. Posteriormente, realizou
a leitura e a correção coletiva da atividade. Um dos enunciados solicitava do
aprendiz a leitura de quatro palavras do quadro, extraídas do texto e a escrita
apenas das palavras que terminassem com a mesma sílaba. Ao corrigir, eles
refletiram sobre os sons e registraram as palavras que terminavam com a mesma
sílaba. Esta atividade de análise fonológica no nível da sílaba é apontada por Freitas
(2004) como uma das possibilidades de reflexão metafonológica. Semelhantemente,
em outra observação, a mestra solicitou dos alunos que agrupassem, a partir de
uma lista de palavras, aquelas que rimavam e as que não rimavam. Por fim, em
outra situação, os educandos teriam que identificar, em um poema escrito no
quadro, o par de rimas de palavras presentes no enunciado da atividade escrita (ex.
“dois” rima com “arroz”; “quatro” com “prato”; “seis” com “inglês” e assim por diante).
Nesse último encaminhamento, verificamos que o enfoque dado à análise
fonológica, no nível da rima, não se limitou à semelhança na grafia das palavras,
mas, ao contrário, centrou a atenção dos aprendizes na pauta sonora.

Sublinhamos, ainda, a ausência total desse tipo de atividade no segundo


ano da escola B em que houve, na maior parte do tempo, uma prática de escrita e
reescrita coletiva de contos da literatura infantil. Por fim, embora localizando maior
presença de atividades que enfocavam a análise fonológica entre as turmas de
primeiro ano, consideramos tímida essa prática, dada a ajuda que esse tipo de
atividade presta aos aprendizes nessa etapa inicial do processo de alfabetização
(MORAIS; LEITE, 2005).
233

Com o intento de ilustrar a prática de análise fonológica na turma de


primeiro ano da escola B, enfatizamos que a professora, através de uma atividade
de identificação de palavras em um texto, cuja temática tratava do folclore (texto
adaptado por ela), orientou a aluna a procurar a palavra ‘mata’ afirmando começar
com ‘ma’ de ‘matemática’. Na mesma aula, solicitou dos alunos a escrita da palavra
‘saci’ (ou outros personagens do texto) complementando com alguma característica
do personagem.

Nesse contexto, um dos aprendizes perguntou como era a escrita da


palavra “bagunceiro”. A mestra o fez refletir sobre o primeiro som da palavra. O
aprendiz sem demora respondeu “ba”, entretanto, continuou com dúvida na escrita,
embora a professora parecesse estar alheia à situação, visto que foi atender outros
alunos. Esses foram os únicos momentos em que esse tipo de intervenção ocorreu
com e sem correspondência escrita, nessa turma. Ainda nos reportando à prática de
análise fonológica, apontamos o único caso ocorrido na turma do primeiro ano da
escola C, marcado por intervenções riquíssimas. Tratou-se de uma atividade em que
a mestra grafou no quadro três palavras; destas, duas com sílabas iniciais iguais. Ao
lado das palavras, Célia desenhou um dos objetos referentes às palavras grafadas.
Vejamos o que ocorreu em um trecho da aula em que essa atividade ocorreu:

(Professora Célia, 1º ano, escola C, 1ª Observação)

(...) A professora registrou em um quadro, na ordem, as seguintes palavras: RODA,


BOLA e ROSA.
Ao lado das palavras, desenhou uma rosa.
P – O que é isso daqui?”
Alguns alunos – ROSA.
P – Qual é?
Alunos – A terceira.
P – Por quê?
A – Porque tem RO.
P – Ah, porque tem RO, não é? A primeira também tem RO.
A – Termina com SA.

P – Não é com DA, não?


234

Alunos – Não.
P – Como lemos o ‘D A’
Alunos – DA.
P – Então é essa terceira aqui, não é?
(...)

Na turma de primeiro ano da escola A, localizamos quatro momentos em


que houve prioridade à ‘identificação de aliteração/rima com correspondência
escrita’. Na primeira observação, a mestra realizou a leitura da fábula: ‘A raposa e o
cavalo’,128 em seguida, realizou a compreensão oral do texto e partiu para a análise
de palavras. Para desenvolver essa reflexão com os aprendizes, registrou a palavra
‘cavalo’ no quadro e solicitou que nomeassem as sílabas: inicial, medial e final. Em
continuidade, orientou-os a mencionar palavras que começassem com o mesmo
som inicial, enfocando o nível da sílaba. Essa preocupação em desenvolver uma
prática de análise fonológica (aliteração e rima), estabelecendo relação com a
escrita, sinaliza para uma evidente articulação das relações entre as partes faladas e
escritas, aspecto fundamental no processo de apropriação do sistema de notação
alfabética (MORAIS, 2005). Além disso, as professoras já indicavam um cuidado em
partir de uma unidade maior (texto), a fim de criar, assim imaginamos, contextos
mais significativos para a análise posterior das palavras.

Compreendemos que essa tentativa estava vinculada ao debate acerca do


letramento, entretanto, ao analisarmos os eixos de ensino de língua priorizados
nesse estudo, vimos que, em algumas situações, os alunos estavam isentos de
qualquer participação, como ocorreu com a leitura de textos, atividade realizada,
predominantemente, pelas professoras, com raríssimas exceções. Isto significa
dizer, pensamos, que a progressão das atividades, nos remetendo aos três anos do
1º ciclo, se dava não só no interior dos eixos priorizados no ensino de língua, mas,
entre eles. A lógica que norteava essa progressão, no interior do ciclo, ficou mais a
cargo das professoras, na análise por elas realizada do perfil de suas turmas, do que
a uma lógica pautada em prescrições existentes no âmbito da proposta curricular
pedagógica vigente no município de Recife, que, naquele contexto, inexistia.

128
“História” do livro: Clássicos eternos das virtudes. O cavalo e a raposa. Wkids editora ilustrações.
235

Prosseguindo com as atividades de identificação, registramos 10 momentos


em que foram priorizadas as de “identificação de sílabas em posição X com
correspondência escrita”. Nesse item, não observamos diferenças marcantes entre
as escolas (4/3/3). Por outro lado, em relação aos anos-ciclo houve exclusividade
dessa prática nas turmas de primeiro ano (10/0/0). Numa das atividades propostas
pela professora do primeiro ano da escola C, ela grafou três palavras, como já
relatado nessa seção, duas delas iniciadas com a mesma sílaba, a exemplo de
‘roda, bola e rosa’ e ao lado desenhou uma ‘rosa’. A partir de então, uma análise
coletiva foi iniciada. A professora solicitou que identificassem a palavra ‘rosa’. Os
alunos, por sua vez, afirmaram ser a terceira palavra. Mas, como observamos
anteriormente, ela destacou que a primeira palavra também iniciava com ‘ro’,
momento em que os aprendizes identificaram e nomearam a sílaba ‘sa’ em
contraposição à sílaba ‘da’, a fim de reforçarem a resposta dada.

No primeiro ano da escola B, a partir de um texto “didático”129, a professora


chamou alguns alunos para o quadro, com o objetivo de identificarem algumas
palavras pronunciadas por ela. Em seguida, refletiram sobre algumas unidades
lingüísticas no interior das palavras: sílaba inicial, final, entre outras. Numa dessas
situações, os alunos, a pedido da professora, identificaram as sílabas: ‘sa ci’ da
palavra ‘saci’.130 Verificamos, ainda, na sala da professora do primeiro ano da escola
A, em uma das aulas já mencionadas nessa seção, a grafia da palavra ‘cavalo’ no
quadro e a solicitação de que os educandos localizassem a primeira sílaba. A
mesma atividade se prestava, como pudemos identificar, a várias possibilidades de
reflexão acerca das unidades lingüísticas e, algumas vezes, de seus respectivos
valores sonoros.

Em se tratando da “identificação de sílabas em posição X sem


correspondência escrita”, registramos sete ocasiões em que esse tipo de tarefa
apareceu, entre os dados observados. Assim como no caso anterior, só localizamos
essa atividade entre as turmas de primeiro ano (1/3/3).131

129
Texto sobre o folclore, elaborado e adaptado pela professora, para fins didáticos.
130
Essa atividade se estendeu de modo que a mestra recorreu a outras palavras disponibilizadas na
sala e refletiu com os alunos acerca de outros aspectos: vogais, consoantes, comparação de palavras
quanto ao número de letras, contagem de sílabas, contagem de letras, identificação de letras
repetidas, dentre outros.
131
Nesse caso: 1º A, 1º B e 1º ano C.
236

No que diz respeito às atividades de “identificação de letras iguais em


palavras”, registramos seis momentos priorizados, novamente, entre as turmas de
primeiro ano (2/4/0). Na sala da professora do primeiro ano da escola B,
encontramos uma atividade já relatada referente à leitura e análise de palavras do
conto de ‘Chapeuzinho Vermelho’. Após realizar a contagem das vogais,
consoantes, a mestra indagou os alunos quanto à letra repetida nas palavras; o
mesmo ocorreu em um ditado de palavras em que esse tipo de reflexão se repetiu.
Em contrapartida, nenhum exemplo foi observado quanto à identificação de letras
iguais em sílabas. Notamos, de um modo geral, a predominância da exploração de
unidades como sílabas e letras no interior das palavras. Como vimos nesse item, a
unidade sílaba foi pouco explorada.

Ainda nos reportando às atividades de identificação, identificamos oito


momentos dedicados à “identificação de palavras que possuíssem a letra X em
posição X”. Em relação aos dados entre as escolas, não observamos discrepâncias
(3/2/3), por outro lado, entre os anos-ciclo, essa atividade foi priorizada quase que
exclusivamente pelas turmas de primeiro ano (6/0/2). Com uma freqüência inferior,
observamos cinco ocasiões em que houve a solicitação aos alunos para
“identificarem palavras que possuíssem a sílaba X em posição X”. Assim como no
exemplo anterior, não houve diferenças significativas entre as escolas (3/1/1), nem
entre os anos-ciclo (4/0/1). Apesar disso, ressaltamos a aparição dessas atividades
com maior freqüência entre os primeiros anos, momento privilegiado dessas tarefas
de identificação com essas unidades: letra, sílaba, palavra. O que nos chama a
atenção, no entanto, é a ausência total dessas atividades nas turmas de segundo
ano, etapa em que ocorreria uma continuidade dessa prática presente nos primeiros
anos, principalmente com os alunos que não haviam consolidado, ainda, a escrita
alfabética.

Como vimos, as atividades de “identificação de aliteração/rima com e sem


correspondência escrita”, ocorreram com maior freqüência que as atividades de
“produção”. Pouco se investiu, entre as turmas observadas, nessa última atividade,
já que registramos apenas três casos: um no primeiro ano da escola A e dois nos
terceiros anos das escolas A e C. Embora pouco significativo o número encontrado,
inferimos que as atividades de escrita, nesses casos, pareciam ser adiadas para o
final do ciclo, momento em que os alunos teriam maior autonomia nessa tarefa.
237

Acreditamos que se essa prática fosse desenvolvida desde o primeiro ano,


dificilmente encontraríamos alunos no terceiro ano com tantas dificuldades quanto à
construção do sistema de escrita, referindo-nos, também, aos nossos dados num
geral.

Por fim, identificamos 19 momentos reservados ao que denominamos de


‘identificação de palavras, outros’. Nesses casos, incluímos, por exemplo,
identificação de palavras com dígrafos (2º ano, escola A) em que a mestra solicitou
dos alunos que sublinhassem, entre as palavras elencadas, aquelas escritas com
‘ss’. Em outra turma (1º ano, escola B), a professora registrou o título do conto lido:
“Chapeuzinho Vermelho” e orientou os educandos a identificarem uma e depois a
outra palavra. Em outra aula, ela havia disponibilizado um texto de curta extensão no
caderno dos alunos que falava de dois personagens de nosso folclore: ‘o saci e o
curupira’.132 Registrou no quadro em maiúscula de imprensa, chamou alguns
educandos no quadro para identificarem palavras do texto. Houve momentos em
que dava algumas pistas relacionadas à letra inicial, sílaba, entre outras. Nesse caso
particular, pediu que o aluno identificasse a palavra ‘folclore’. No que se refere a
esse aspecto, não verificamos grandes variações entre as escolas (5/5/9), nem entre
os anos-ciclo (9/4/6).

Analisaremos, a seguir, as atividades do sistema de notação alfabética


ligadas à comparação de unidades.

4.1.4.7 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Comparação

Em seguimento à análise das atividades de língua, cujo enfoque foi o ensino


do sistema de notação alfabética, nos deteremos, nesse bloco, a apontar o lugar que
as tarefas de comparação teve nas práticas observadas. Para isso, buscamos focar
a freqüência de tarefas de comparação de sílabas e palavras quanto ao número de
letras, comparação de palavras quanto ao número de sílabas, comparação de
palavras quanto a letras iguais/diferentes, comparação de palavras quanto às
sílabas iguais/diferentes e comparação da escrita do aluno com a escrita

132
A mestra enfatizou que costumava escrever e adaptar textos de curta extensão com a finalidade
de realizar a leitura e a análise das palavras com os alunos.
238

convencional, objetivando a auto-avaliação. Segue, portanto, tabela com as


freqüências absolutas e análise das principais evidências obtidas.

Tabela 11: Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética:


Comparação, no 1º ciclo, nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Comparação)


Escola A Escola B Escola C ABC
Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Comparação de sílabas quanto
ao número de letras 0 0 3 3 0 0 0 0 0 0 0 0 3
2- Comparação de palavras quanto
ao número de letras 2 0 1 3 3 0 0 3 0 0 0 0 6
3- Comparação de palavras quanto
ao número de sílabas 3 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 3
4- Comparação de palavras (letras
iguais/diferentes) 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
5- Comparação de palavras (sílabas
iguais/diferentes) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
6- Comparação com escrita
convencional (auto-avaliação) 2 2 0 4 0 0 2 2 4 2 2 8 14

Total Geral 7 2 5 14 3 0 2 5 4 2 2 8 27

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA =


Sistema de Notação Alfabética.

Diferentemente das atividades de escrita, leitura, nomeação, identificação e


produção, atividades de partição, categorias em que observamos uma freqüência
maior nas práticas observadas, as atividades de comparação ocorreram com menor
incidência. Cremos que esse dado ocorreu pela natureza desse tipo de tarefa, em
que se requer do aluno um nível de compreensão mais ‘refinada’ das propriedades
do sistema de notação alfabética. No universo das atividades de comparação,
identificamos 27 momentos em que houve prioridade a esse tipo de reflexão. De
início, sublinhamos que ocorreu maior prioridade à comparação com escrita
convencional para a realização de uma auto-avaliação, contando com 14 ocasiões.
Em um dos momentos localizados, a professora do segundo ano da escola A, numa
situação de ditado de palavras, realizou a posterior correção e pediu que os alunos
comparassem suas escritas com a escrita convencional. Já no terceiro ano da
escola B, a comparação com a escrita convencional se deu a partir de um texto lido
239

previamente pelos alunos e professora, objetivando a identificação de alguns tipos


de frase. Em seguida, a mestra solicitou dos educandos que retirassem do próprio
texto frases exclamativas, afirmativas, interrogativas e negativas. No momento
seguinte, observou os cadernos individualmente e corrigiu a tarefa, chamando a
atenção deles para alguns aspectos como: letra maiúscula após ponto final,
travessão, no momento em que se referissem à fala do personagem. Pediu atenção
na escrita correta das palavras, por exemplo, a escrita da palavra ‘tomasse’ com dois
‘s’, entre outras intervenções. Embora se tratasse de uma tarefa aparentemente
simples (retirar do texto frases, pontuando-as), a mestra corrigiu item por item,
chamando a atenção dos aprendizes para certas ‘incoerências’, como as já citadas
anteriormente.

Ao analisarmos os dados entre as escolas, reportando-nos a esse item,


localizamos a diferença da escola C em relação às demais instituições (4/2/8), já
entre os anos-ciclo, não vimos variações significativas (6/4/4). É pertinente pontuar a
ausência dessa prática no terceiro ano da escola A, além das turmas de primeiro e
segundo anos da escola B.

Em se tratando do primeiro ano da escola C, identificamos uma atividade


denominada de ‘bingo de letras’, cujo objetivo era formar palavras com letras do
alfabeto móvel. No decorrer dessa tarefa, a professora, ao conferir a escrita das
palavras ‘vampira’ e ‘ladeira’,133 registrou-as no quadro e refletiu, junto aos
educandos, acerca da escrita delas. Ao comparar a escrita do aprendiz com a da
mestra no quadro, notaram que a letra ‘l’ de ‘ladeira’ ainda não tinha sido anunciada
no bingo, momento em que recomeçaram o processo. A partir dessa atividade, os
alunos tiveram a oportunidade de comparar a escrita deles com a escrita
convencional das palavras.

No segundo ano daquela instituição, novamente em duas situações de


ditado de palavras (quarta e sexta observações), os aprendizes, após o registro das
palavras, refletiram acerca da escrita convencional, comparando o registro da
mestra, no quadro, com a escrita realizada na pauta. No terceiro ano dessa mesma
escola, através de um trabalho com rótulos de diversas embalagens, alguns
educandos foram chamados ao quadro para registrar os nomes dos produtos

133
Palavras extraídas de músicas carnavalescas, já que Célia e mais duas professoras da escola C,
participavam, conjuntamente, de um projeto didático.
240

fixados. Em seguida, refletiram coletivamente quanto à escrita convencional deles.


Em outra aula (quinta observação), nessa mesma turma, a comparação com a
escrita convencional para a realização de uma auto-avaliação ocorreu de forma
semelhante à da turma do segundo ano, ou seja, através do ditado de palavras, com
posterior correção pela mestra. Ainda nos remetendo à turma de terceiro ano, na
mesma aula, os aprendizes, através da atividade com uma cruzadinha, refletiram
acerca da escrita convencional de algumas palavras.

Reportando-nos, ainda, às atividades de comparação, localizamos seis


momentos em que a comparação de palavras quanto ao número de letras foi
contemplada nas atividades. Curiosamente, não observamos nenhum investimento
dessa atividade na escola C (3/3/0). Quanto aos números encontrados nos anos-
ciclo, vimos, mais uma vez, que a prioridade ficou com as turmas de primeiro ano
(5/0/1). Para efeito de ilustração, tomamos emprestada a atividade realizada na sala
da professora do primeiro ano da escola B referente ao conto de ‘Chapeuzinho
Vermelho’. Após leitura da história pela mestra, houve uma breve interpretação oral
e, por fim, a análise de algumas palavras que apareciam no conto, a começar pelo
próprio título. Centrando-nos na palavra ’chapeuzinho’, em um dado momento da
aula, a mestra perguntou se se tratava de uma palavra grande ou pequena. Um dos
alunos respondeu que era grande, justificando que ‘chapeuzinho’ era grande. Na
ocasião, a professora chamou a atenção dos alunos, afirmando que se tratava de
uma menina, e, de imediato, perguntou se a palavra ‘chapeuzinho’ era grande. Um
dos alunos respondeu positivamente à questão. Ao tornar a perguntar por quê,
houve várias respostas: “porque ela é pequena; porque a mãe dela é grande; porque
o nome dela é grande” e, finalmente, “porque tem muitas letras”. A mestra confirmou
essa última resposta e prosseguiram com as análises. Passaram a analisar a
palavra ‘lobo’, quanto ao número de sílabas, letras. No final, compararam,
coletivamente, as palavras ‘chapeuzinho’ e ‘lobo’.134

Centrando-nos no terceiro ano da escola A, observamos um momento em


que esse tipo de reflexão ressaltada anteriormente ocorreu. A partir de um quadro
com quatro palavras extraídas de um poema antes explorado coletivamente, os

134
Essa situação ocorreu na primeira observação de aula da professora Bernadete, primeiro ano,
escola B.
241

alunos teriam que compará-las e escrever a palavra maior (rumba ,samba, elefante
e tromba). Vejamos o que ocorreu durante a correção desse item da atividade:

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A, 3ª Observação)

P – Leia e analise as palavras.


A – Tia, aumenta tua letra lá.
A professora reescreveu: ‘RU’ com ‘M’ fica ‘RUM’ ‘BA’. “Quem sabe o que é
RUMBA?”
A – Eu.
P – O que é?
A – Não sei.
P – É um ritmo. Assim como tem o samba. Aqui, ‘E’ e ‘LE’, ‘E LE FAN TE’,
‘SAM BA’, ‘T R O M’, ‘ T R O’ faz ‘TRO’ e ‘M’ som nasal, ‘TROMBA’. Qual é a
palavra maior? É ‘RUMBA, ELEFANTE, SAMBA ou TROMBA’? Qual é a maior?
A – Elefante.
P – Por quê?
A – Porque ele é gordo.
P – Por que a palavra ‘ELEFANTE’ é maior?
A1 – Porque tem mais letras.
P – Isso. Tem quantas letras?
A – Oito.
P – E ‘TROMBA’?
A – Seis.
(...)

Não entraremos, nesse momento, nas implicações do nível de intervenção


da professora, já que houve a resposta direta por parte dela, mas realçamos o
quanto esse tipo de atividade propicia a superação do realismo nominal, e, se
articulada a outros tipos de intervenção, como ocorreu nessa atividade (letra inicial,
242

sílaba inicial, som final), ajuda o educando a entender as propriedades de nosso


sistema alfabético de escrita.

Houve igualdade na freqüência localizada quanto às tarefas de ‘comparação


de sílabas quanto ao número de letras’, e de ‘comparação de palavras quanto ao
número de sílabas’, contando com três ocasiões cada. Enquanto o primeiro item
esteve centrado na prática da professora do terceiro ano da escola A, o segundo
ficou a cargo do primeiro ano da mesma instituição.

Reportando-nos à prática da mestra do terceiro ano da escola A, vimos que,


após a leitura de uma ‘história’ (O pescador, o anel e o rei), ela realizou a
interpretação oral e escrita. Em seguida, solicitou a partição escrita de algumas
palavras em sílabas. Ao realizar a correção, refletiu coletivamente acerca de
diferentes estruturas silábicas de palavras, tais como: ‘pescador’, ‘anel’,
‘boquiaberto’. Nas aulas seguintes, a partir de outras proposições de partição
escrita, a professora realizou o mesmo tipo de análise das estruturas silábicas,
observando as variações quanto ao número de letras.

A atividade de comparação de palavras quanto ao número de sílabas, será


ilustrada com a prática da professora do primeiro ano da escola A. Essa profissional
orientou os educandos a identificar, a partir do registro de algumas palavras que
variavam quanto ao número de sílabas, as que tivessem o mesmo número de
sílabas da palavra ‘cavalo’. Em continuidade a esse enfoque, observamos que, na
quinta observação, os aprendizes foram solicitados a copiar as palavras do quadro
na coluna correta, atentando-se para o número de sílabas, que variava de uma a
quatro sílabas.135 Semelhantemente à primeira atividade, na oitava observação, ela
propôs aos aprendizes que circulassem todas as palavras cujo número de sílabas
correspondesse a três. Só realizariam essa tarefa comparando as palavras
elencadas quanto ao número de sílabas.

Em relação às atividades de ‘comparação de palavras quanto à presença de


letras iguais/diferentes’, localizamos apenas um caso no terceiro ano da escola A. Já
a comparação de palavras quanto à ‘presença de sílabas iguais/diferentes’, não
contou com nenhum investimento, resguardados os casos em que houve
coincidência da prática de análise fonológica (rima e aliteração) com a unidade

135
Destacamos que foram realizadas oito observações de aula em nove turmas do 1º ciclo, no
segundo semestre de 2007.
243

silábica. Mesmo assim, o enfoque dado não objetivava esse tipo de análise
específica. É interessante ver que a atividade de comparação de palavras quanto à
presença de letras iguais/diferentes ocorreu em articulação com a análise de rimas
em algumas palavras. Para isso, a professora sublinhou que havia casos de
palavras que rimavam e terminavam com as mesmas letras, assim como palavras
que rimavam e terminavam com letras diferentes. Recorreu ao poema explorado na
aula, para realizar esse tipo de análise: ‘doente’ e ‘contente’; ‘dois’ e ‘arroz’; ‘oito’ e
‘biscoito’; ‘dez’ e ‘pastéis’. Ao refletirem sobre as rimas, os alunos tentaram localizar
o único par de rimas no texto que terminava com as mesmas letras. Chegaram à
conclusão de que eram as palavras ‘oito’ e ‘biscoito’.136 Essa atividade se constituiu,
assim, num rico momento de reflexão acerca das relações grafofônicas das palavras
(MORAIS; LEITE, 2005). Portanto, um forte aliado dos educandos na empreitada de
entender o funcionamento de nosso sistema de escrita.

Passaremos a focar nossa análise, a partir de então, nas atividades do


sistema de notação alfabética denominadas “exploração”.

4.1.4.8 Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Exploração

Compondo a seção que trata das atividades de exploração, nos


preocupamos em analisar se houve, no conjunto das práticas acompanhadas, a
exploração dos diferentes tipos de letras, a exploração do formato das letras, a
exploração das vogais, consoantes e dígrafos, a exploração da direção da escrita,
da ordem alfabética, assim como das relações som/grafia das palavras estudadas.
Segue a análise das principais evidências obtidas a partir da tabela 12.

Tabela 12: Freqüência Absoluta das Atividades do Sistema de Notação Alfabética: Exploração,
no 1º ciclo, nas nove turmas observadas
SNA (Atividades de Exploração)

136
7ª Observação, professora Áurea, terceiro ano, escola A.
244

Escola A Escola B Escola C ABC


Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG
1- Exploração dos diferentes tipos
de letras 5 4 0 9 5 0 7 12 1 6 4 11 32
2- Exploração do formato das letras 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1
3- Exploração de vogais,
consoantes e dígrafos 2 3 2 7 5 0 0 5 1 0 3 4 16

4- Exploração da direção da escrita 0 1 1 2 0 0 0 0 0 0 0 0 2


5- Exploração da ordem alfabética 0 0 1 1 0 0 1 1 4 0 1 5 7
6- Exploração das relações
som/grafia 2 2 4 8 5 0 0 5 3 6 4 13 26
Total Geral 9 10 8 27 16 0 8 24 9 12 12 33 84
1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA =
Sistema de Notação Alfabética.

Como observamos, as atividades de ‘exploração dos diferentes tipos de


letras’, contaram com 32 ocasiões, entre as práticas observadas. Em contrapartida,
esse enfoque não ocorreu de forma articulada à exploração do ‘formato das letras’,
visto que esse aspecto foi priorizado uma única vez na turma do primeiro ano da
escola B. No que se refere à primeira freqüência, não identificamos variações
significativas entre as escolas (9/12/11), nem nos anos-ciclo (11/10/11). Notamos,
porém, distinções nas formas de abordagem entre os anos-ciclo. Nas turmas de
terceiro ano, a preocupação parecia recair sobre os aspectos normativos, na medida
em que a professora do terceiro ano da escola B chamava, constantemente a
atenção de seus alunos para o uso da letra maiúscula, após o ponto final. Em
contraste, os dados encontrados nas turmas de primeiro ano sinalizavam para as
atividades de escrita de palavras.

No primeiro ano da escola A, na segunda observação de aula, a professora


propôs aos alunos a pesquisa de palavras que iniciassem com ‘t’ e ‘T’ (minúsculo e
maiúsculo). Nessa mesma direção, encontramos na terceira observação a seguinte
proposição: ‘circule no texto todas as palavras iniciadas com ‘l’ ou ‘L’. Essa mesma
professora sugeriu, em um dos itens da atividade, que os alunos ligassem as
palavras iguais, cuja escrita estava em cursiva e maiúscula de imprensa (quarta
observação). Em outra atividade, (quinta observação), os alunos copiaram em uma
das questões propostas, a ‘família’ do ‘an, en, in, on, un’ em letras cursiva minúscula
e maiúscula de imprensa. Embora tenhamos visto vários exemplos nessa turma,
cuja ênfase recaiu sobre a exploração dos tipos de letras, é pertinente assinalar que,
245

quase sempre, essa iniciativa não ocorreu em paralelo a uma prática de reflexão
coletiva. Pareceu-nos, com isso, ficar a cargo do aluno a apreensão dos diferentes
tipos de letras, assim como os contextos adequados para utilizá-las.

Reportando-nos à exploração dos diferentes tipos de letras, dessa vez na


turma do terceiro ano da escola C, observamos que, a partir da leitura de um texto
do livro didático,137 a professora, à medida que ia lançando as questões aos alunos,
respondia no quadro de giz com letra minúscula de imprensa. O mesmo
encaminhamento foi visto na segunda observação, a partir da exploração de
embalagens de produtos diversos. Nessa aula, ela solicitou a escrita dos alunos no
quadro, em seguida, realizou coletivamente a correção, ocasião em que marcou a
diferença entre letra cursiva minúscula e minúscula de imprensa. Ao contrário do
primeiro ano da escola A, a prática desenvolvida por essa professora da escola C
implicou numa reflexão coletiva dos diferentes tipos de letras, bem como seus
contextos de uso.

Tal como assinalamos em outras seções, a escola C parecia ser marcada


por uma prática coletiva entre as mestras que se traduzia, entre outras coisas, em
determinados acordos estabelecidos entre elas. Remetendo-nos à exploração dos
diferentes tipos de letras, vimos que, no caso particular da professora do segundo
ano dessa instituição, ocorria o registro dos enunciados das atividades em letra
cursiva para todo o grupo-classe e maiúscula de imprensa para uma única aluna da
turma. 138

Atrás da atividade de exploração dos diferentes tipos de letras, registramos


apenas 26 momentos dedicados à ‘reflexão das relações som x grafia’. Novamente,
não vimos, entre os dados, variações muito expressivas nas escolas pesquisadas
(8/5/13). Do mesmo modo, não houve discrepância na freqüência encontrada entre
os anos-ciclo (10/8/8). No segundo ano da escola A, numa atividade proposta, os
alunos tinham que registrar o nome de pelo menos três estabelecimentos comerciais
que poderiam encontrar na rua em que moravam. Na ocasião, eles puderam refletir
um pouco acerca dessas relações som/grafia. No caso da palavra ‘açougue’, por

137
O livro didático adotado era “projeto Pitanguá”.
138
Tratava-se de uma aluna especial (com limitações físicas) que ainda estava se apropriando da
escrita. Notamos um acordo entre as professoras dessa escola, no que se refere ao trabalho com a
letra cursiva: esse enfoque parecia ocorrer, apenas, a partir do segundo ano, embora os alunos
conhecessem as diferenças entre os tipos de letras já no primeiro ano.
246

exemplo, em que a mestra destacou que se pronunciava ‘açogue’, mas se escrevia


‘açougue’. De acordo com ela, era preciso observar bem a escrita das palavras, já
que se costumava escrever seguindo a lógica da pronúncia, opção que culminava,
muitas vezes, em erros.

Nos remetendo ao segundo ano da escola C, a partir da dúvida de um dos


alunos na grafia da palavra ‘Henrique’, a mestra refletiu acerca da escrita ortográfica,
assim como acerca das relações som/grafia, visto que enfatizou para eles terminar
com a letra ‘e’ ao invés de ‘i’, aspecto que já havia mencionado anteriormente, ao se
referir às diferenças entre som e escrita. Noutra situação, a análise se deu a partir
de palavras que rimavam e terminavam com letras iguais e diferentes, presentes na
música ‘Bom demais’, de Alceu Valença139 (ex: ‘nessa’ e ‘começa’; ‘quando’ e
‘fazendo’).

Como vimos, embora tenhamos identificado a exploração das relações


som/grafia, essa prática não nos pareceu alicerçada em uma perspectiva reflexiva,
mas assumia, predominantemente, uma postura resolutiva, sem apontar maiores
desafios aos aprendizes. Em se tratando desse investimento, evidenciamos, no
primeiro ano da escola C, vários exemplos disso que estamos retratando. Na quarta
observação, através da exploração da música ‘Voltei Recife’, a professora orientou,
inicialmente, os alunos a escrever o título da música. No registro da palavra ‘Recife’,
Célia enfatizou que algumas pessoas pensavam que a palavra terminava com ‘i’,
porém, destacou terminar com a letra ‘e’. Esse exemplo clarifica o que apontamos
anteriormente, ou seja, uma ausência de reflexão quanto à tonicidade, aspecto que,
na nossa compreensão, poderia ajudar os educandos na superação dessas
dificuldades. Em continuidade, no trecho da música: ‘Voltei Recife, foi a saudade que
me trouxe pelo braço’, repetiu-se a mesma observação assinalada anteriormente, só
que dessa vez na grafia da palavra ‘saudade’, escrita com ‘e’ ao invés da letra ‘i’.
Todas as intervenções, observamos, recaíam sobre as diferenças entre o modo
como pronunciamos as palavras e as grafamos, predominando, como assinalamos,
a perspectiva resolutiva, não reflexiva.

139
Cinara (segundo ano) juntamente com Célia e outra professora do primeiro ano da mesma escola,
estavam com um projeto didático relacionado ao frevo. Por esse motivo, utilizaram várias músicas
durante as aulas de língua, a fim de explorarem diversos eixos como leitura, produção textual e
análise de palavras.
247

Na esteira das atividades de exploração, constatamos, também, alguns


momentos reservados à ‘exploração de vogais, consoantes e dígrafos’; no total,
foram 16 momentos, em que os alunos eram chamados a classificar grafemas
naquelas três categorias. Não observamos grandes variações entre as escolas
pesquisadas (7/5/4), nem entre os anos-ciclo (8/3/5). Apesar disso, é oportuno
enfatizar a maior freqüência entre as turmas de primeiro ano, etapa da escolarização
em que as crianças operavam mais freqüentemente com as letras. Reportando-nos
a essas turmas em particular, visualizamos um destaque dado, nas atividades
propostas, à contagem de vogais e consoantes em palavras.

A fim de ilustrarmos, tomamos por base uma das aulas do primeiro ano da
escola A. Nessa turma, acompanhamos a reflexão coletiva sobre a palavra
‘maremoto’, após leitura de “história” realizada pela professora. A análise esteve
centrada no número de sílabas, letras, vogais, consoantes e outros aspectos. Em
uma outra aula, a professora entregou uma palavra para cada educando, em
seguida, orientou-os a realizar a leitura, bem como a contagem das letras, vogais e
consoantes, por escrito. Encaminhamento semelhante ocorreu no primeiro ano da
escola B: após a leitura do conto de ‘Chapeuzinho Vermelho’, pela professora, ela
analisou, junto aos aprendizes, as duas palavras do título, contemplando a
contagem de vogais e consoantes. Chegou a enfocar, também, as vogais e
consoantes repetidas nas palavras. Reportando-nos a outra situação, vimos que, a
partir da escrita de palavras com o alfabeto móvel, a professora conferiu as palavras
ditadas, momento em que realizou com os aprendizes, considerando cada grupo, a
leitura das palavras, assegurando a análise de suas partes, incluindo as vogais e
consoantes.

Ainda nos remetendo a esse item de exploração das vogais, consoantes e


dígrafos, observamos que na prática da professora do segundo ano da escola A, em
uma das atividades propostas, os alunos tiveram que realizar a partição escrita de
palavras em sílabas. Nesse momento, a mestra chamou a atenção para os dígrafos
‘rr, ss, lh’. Já em outra aula, os aprendizes foram orientados a identificar palavras
com a presença de dígrafos.

Detendo-nos nas atividades de ‘exploração da ordem alfabética’,


computamos sete momentos em que as professoras priorizaram esse tipo de
248

reflexão.140 Embora o número tenha sido pouco expressivo, chamamos a atenção


para a freqüência da escola C em relação às demais instituições (1/1/5). Atribuímos
esse número, sobretudo no primeiro ano, à utilização diária das letras do alfabeto
para a escolha dos ajudantes do dia, como explicitado em nota. Como vimos a
seguir, houve ausência dessa prática por parte das professoras dos segundos anos
(4/0/3). No caso daquela turma (1º ano, escola C), como pontuamos, a mestra
registrava e explicava o roteiro de aula, sistematicamente. No interior das atividades
descritas, a ordem alfabética aparecia como uma das etapas previstas. Eis o que
ocorreu, especificamente, em uma das aulas:

(Professora Célia, 1º ano, escola C, 4ª Observação)

(...)
A mestra registrou no quadro. ‘ÁLVARO, VITOR e BÁRBARA’ foram ajudantes.
Quem é ajudante hoje?”
Alguns alunos – DAFNNY.
P – Deixa eu colocar os três. Pode ser os três?
Alunos – Não.
P – DANILO, DAFNNY e DANIELA. Se a primeira letra é igual, o que faz?
Letícia – Vai para a segunda.
P – Eita, a segunda é igual. E agora?
Alguns alunos – A terceira.
P – Observem a letra ‘F’ e ‘N’. Qual letra vem primeiro?
Alguns alunos – ‘F’.
P – Então Dafnny. E agora vamos ver Danilo e Daniela. Depois do ‘N’ vem ‘I’
também. Olhem o ‘I’ e o ‘L’. Qual vem primeiro? ‘E’. Então é...?
Alguns – Daniela.
P – Primeiro vem quem?

140
Enfatizamos que na escola C, em particular, nas salas das professoras do primeiro e segundo
anos, estavam afixadas, na parede da sala, as letras do alfabeto com os nomes dos alunos em ordem
alfabética. No caso da primeira professora, ocorria a utilização cotidiana do alfabeto, já que tinha um
momento da aula em que recorria aos ajudantes do dia (sempre dois alunos), escolhidos a partir da
ordem alfabética.
249

Alguns – Dafnny (os alunos escreveram os nomes e colocaram no espaço dos


ajudantes do dia).

É interessante pôr em relevo que esse tipo de atividade, nas turmas de


terceiro ano, estava vinculado à pesquisa, no dicionário, de palavras do texto
explorado previamente, ou de temática a ser discutida, a exemplo da professora do
terceiro ano da escola B, ao debater ética. Do mesmo modo, ocorreu na turma de
terceiro ano da escola A, no debate sobre folclore, especificamente, sobre a palavra
‘provérbios’.

Por fim, identificamos apenas dois momentos em que houve a exploração


da direção da escrita, nas aulas observadas. Essa prática ficou a cargo das
professoras de primeiro e segundo anos da escola A. Em se tratando da professora
do segundo ano, esse tipo de encaminhamento coincidiu com as explicações dadas
quanto à direção da escrita na pauta, a partir da cópia de um texto no caderno. Para
isso, ela apontou como os alunos tinham que proceder quanto ao registro, inclusive
chamando a atenção deles para aspectos como paragrafação, travessão e outros.

A seguir, priorizaremos as evidências encontradas em relação ao ensino de


“análise lingüística” desempenhado pelas professoras. Gostaríamos de clarificar a
concepção que esse eixo didático de ensino de língua assume nesse estudo, a partir
de algumas contribuições de Morais (2002) oriundas da análise dos discursos atuais
sobre o ensino de “análise lingüística” na escola. De acordo com esse autor, no
momento em que o texto ganhou centralidade como unidade de ensino, aquele eixo
didático passou a agregar não só os conhecimentos vinculados à notação escrita e à
norma lingüística de prestígio (como ortografia, pontuação e concordância
gramatical), mas, também, os que se relacionam à textualidade (como coerência e
coesão textuais).

Tomando como referência a concepção de análise lingüística expressa


acima, é que concordamos com Leal (2004, p. 79) ao reiterar que “os conteúdos de
análise lingüística compreendem as reflexões sobre o sistema alfabético e
ortográfico”. Na seção que segue, examinaremos os aspectos relativos ao ensino da
ortografia, pontuação, além de focalizar, também, aqueles relacionados à
textualidade. Segue tabela com principais evidências analisadas.
250

4.1.4.9 Atividades de análise lingüística

Tabela 13: Freqüência Absoluta das Atividades de Exploração: Análise Lingüística, no 1º ciclo,
nas nove turmas observadas

Atividades de “Análise lingüística”

Escola A Escola B Escola C ABC

Categorias 1º 2º 3º Total 1º 2º 3º Total 1º 2º 3º Total TG

1- Ortografia 0 5 4 9 1 0 1 2 3 3 5 11 22

2- Nomenclatura gramatical 0 3 2 5 0 2 4 6 0 1 1 2 13

3- Conhecimentos lingüísticos 0 0 1 1 1 7 4 12 0 1 0 1 14

3- Pontuação 0 0 1 1 2 0 8 10 0 1 1 2 13

Total Geral 0 8 8 16 4 9 17 30 3 6 7 16 62

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; TG = Total Geral; ABC = Escolas A, B e C; SNA = Sistema


de Notação Alfabética.

Concordamos com Morais (2005, p. 16) quando atesta a relevância de


considerarmos que, do ponto de vista histórico, as línguas que possuíam uma
notação alfabética, só posteriormente passaram a ter uma norma ortográfica,
caracterizada e definida através de acordos sociais acerca das formas autorizadas
para escrever as palavras. De forma semelhante, prossegue o autor, aconteceria
com o aprendiz no processo de alfabetização, dado que, inicialmente, dominaria as
propriedades do sistema alfabético para, em seguida, poder usar as letras desse
sistema com seus valores sonoros convencionais e conforme a norma ortográfica.

Em se tratando do ensino de língua no 1º ciclo, apreendemos, através dos


dados aqui evocados, encaminhamentos e intervenções que recaíram sobre
aspectos pertencentes aos conhecimentos lingüísticos que não a notação alfabética,
exigindo de nós um exame específico. Interessa-nos, portanto, verificar em que
etapa do 1º ciclo as atividades envolvendo análise lingüística apareceram,
considerando, como já dissemos, não a notação alfabética (objeto de conhecimento
já contemplado nesse capítulo), mas a ortografia, a pontuação, entre outros. Além
251

disso, examinamos se, na esteira dessas atividades, houve articulação (ou não)
dessa prática com os aspectos da textualidade.

No rol dessas atividades de “análise lingüística”, observamos, num primeiro


momento, o investimento da escola B em relação às demais instituições se
considerarmos, nesse caso, a freqüência absoluta do total de categorias elencadas
na tabela acima (16/30/16).141 Ao verificarmos a progressão no interior do ciclo a
partir dos números apontados na tabela 13, atestamos o já esperado, menor
freqüência dessa prática entre as turmas de primeiro ano (7/23/32).142

Para examinarmos as escolhas e encaminhamentos didáticos adotados


pelas professoras da pesquisa, buscamos separar o que seria o ensino ou a
“cobrança” de nomenclaturas gramaticais nas atividades empregadas, das situações
em que os aprendizes foram expostos a uma reflexão mais refinada no interior de
uma produção textual, objetivando, por exemplo, garantir a coesão e coerência
textuais. Nessa segunda opção, consideramos, também, as situações que
remeteram a uma análise mais cuidadosa dos diferentes aspectos lingüísticos no
nível da frase.

Reportando-nos aos dados da tabela 13, observamos que não houve


diferenças nas práticas quanto ao ensino de nomenclaturas gramaticais e o enfoque
dado aos conhecimentos lingüísticos (aspectos da textualidade), entre as escolas
(13/14). No que diz respeito à primeira opção, identificamos uma prática semelhante
entre as escolas A e B (5/6/2), por outro lado, ao tratarmos dos conhecimentos
lingüísticos, esse investimento ficou a cargo da escola B (1/12/1).

É oportuno assinalar que o único encaminhamento que sinalizou para uma


reflexão dos conhecimentos lingüísticos ocorreu no primeiro ano da escola B.
Através de uma situação de escrita do poema ‘As borboletas’ de Vinícius de Moraes,
no computador.143 Durante a digitação do texto em duplas, a professora chamou a
atenção dos alunos para a concordância da frase ‘as bela’ (referindo-se às ‘belas
borboletas’). Ao perceber que os aprendizes não sabiam a resposta, não interveio e

141
Lembramos que, ao longo da análise, estaremos considerando por ordem: escolas A, B e C;
primeiros, segundos e terceiros anos, independentemente da freqüência encontrada.
142
Primeiros, segundos e terceiros anos.
143
Além dos cartazes com o registro de letras e alguns padrões silábicos com os diferentes tipos de
letras, observamos, também, alguns textos adaptados para fins didáticos, criados pela professora (a
exemplo daquele que tratava do folclore), assim como alguns poemas. Esse poema de Vinícius de
Moraes era um deles.
252

logo deu a resposta. Não satisfeita, perguntou a eles que letra estava faltando.
Nesse momento, alguns responderam. A professora continuou intervindo no
exemplo de hipossegmentação nas palavras ‘de luz’ (escrita ‘deluz’). Bernadete
explicou que se tratava de duas palavras, por essa razão, tinham que segmentar.

Embora não tenhamos visto, no evento acima mencionado, uma reflexão


coletiva, por parte dos aprendizes, enfatizamos, em contrapartida, que o único
exemplo de ênfase aos conhecimentos lingüísticos não esteve centrado no ensino
e/ou “cobrança” de nomenclaturas gramaticais. Essa opção é coerente, a nosso ver,
com essa etapa inicial de escolarização, cuja preocupação primordial, no caso do
primeiro ano, é focar o ensino na construção da base alfabética de escrita.

Visivelmente, as professoras dos segundo e terceiro anos da escola B se


destacaram na proposição de atividades que ora focavam nomenclatura gramatical,
ora centravam o ensino no que estamos denominando de conhecimentos
lingüísticos, para nos remeter uma prática de análise lingüística vinculada ou não ao
texto, mas que considera os aspectos da textualidade. Considerando as turmas de
segundo ano, reiteramos a liderança da professora da escola B no trato com os
conhecimentos lingüísticos (0/7/1). De acordo com essa profissional, a prática de
reescrita coletiva de contos estava ampliando a competência dos aprendizes, quanto
às opções variadas dos articuladores textuais, utilizados por eles. Apontando a
relevância dessa prática, durante a entrevista, ela nos situou acerca dessa mudança
dos alunos frente a essa atividade:

(...) Eu notei, com o passar do tempo, o vocabulário deles, o léxico


deles aumentaram, né?(sic) Então no início eles só conseguiam é...
começar a história e terminar a história com ‘era uma vez’ e ‘foram
felizes para sempre’, né? No final não, eles já viram que tinham, é o
que a gente chama de... é... eita, esqueci agora o nome. São é...
não é nem conectivos, mas são palavras que a gente usa e... que,
que marcam o tempo, que marcam o lugar, e que isso a gente não
tinha percebido, né? (Professora Bianca, 2º ano, Escola B).

Embora não tenha sido a tônica de sua prática, conforme as aulas por nós
acompanhadas, no decorrer da entrevista, essa mesma professora afirmou ser
possível enfocar as classes de palavras, nas aulas de língua, de maneira
253

significativa. E, mais, sem os alunos notarem que estavam sendo expostos a esse
tipo de atividade.

Então toda vez que a gente ia trabalhar, a gente trabalhou adjetivo,


adjetivação, a gente trabalhou é... substantivação, sem, sem esse
nome, né? Então a gente começou a construir pequenas frases, eles
independente (sic), entendeu? Então cada um escreveu no seu
ritmo, né? Teve uns que só sabiam escrever uma palavra. Aí a frase
deles era só uma palavra ou alguns juntaram letras (Professora
Bianca, 2º ano, Escola B).

A recorrência de atividades envolvendo nomenclatura gramatical esteve


presente, apenas, no final do segundo semestre, remetendo-nos, claro, ao período
observado. Ao que tudo indicou, a professora não priorizou o ensino de
nomenclatura gramatical. Essa opção nos faz inferir que a concomitância dessas
atividades com as do sistema de notação alfabética sinalizavam para uma
preocupação antes não percebida: assegurar a construção da base alfabética, dado
que seus alunos, em sua compreensão, ainda não tinham alcançado esse objetivo.
Aquela alternativa se justificaria, também, pela percepção que a professora passou a
ter da reescrita dos contos. Esta envolvia textos longos que, tanto os alunos, quanto
ela, naquele período do ano, não estavam estimulados para reescrever.

Objetivando ilustrar o que vimos na sala daquela professora, dentre as oito


observações, identificamos, em duas delas, proposições cujo enfoque remeteu às
classes de palavras. Na sexta aula, em continuidade à prática de reescrita coletiva
de contos, a professora, num determinado estágio, orientou os educandos a
prosseguirem com a escrita, individualmente. De acordo com ela, eles já tinham
avançado um degrau e, portanto, continuariam a escrita sozinhos. Após essa
atividade, houve uma ruptura na seqüência, a partir da tarefa de casa, em que a
mestra priorizou algumas classes de palavras, tais como: adjetivos, gênero e grau
de substantivos nos níveis da frase e da palavra.144 Na sétima observação, a
professora retomou a atividade passada, explicitando, no quadro, as respostas da

144
Em uma das questões, a mestra solicitou que os alunos passassem as palavras do singular para o
plural: ex. 1 flor, 2 ____; houve, ainda, uma questão em que eles teriam que passar as palavras
sublinhadas para o feminino. Ex. O gato bebeu o leite da tigela e, por fim, completar as frases dando
uma qualidade às coisas. Ex. O cabelo ____ da princesa encantou o principe (registro de palavra sem
acento agudo); Minha pipa ____ era novidade nos céus (6ª observação, 2º ano, escola B).
254

compreensão escrita referente à leitura e compreensão oral da ‘história’: ‘O mistério


da ilha’ de Ana Maria Machado.145 Além dessas, a professora priorizou questões
relativas ao sistema de escrita, tais como: partição escrita de palavras em sílabas,
escrita de frases. Ainda nessa aula, realizou a leitura de outro episódio do livro da
autora acima citada: ‘Roupas que somem’. Do mesmo modo que na aula anterior,
propôs a compreensão oral e escrita do texto. No segundo horário, a partir de sua
ausência, a estagiária assumiu a sala. Desde então, corrigiu a interpretação escrita e
propôs a tarefa de casa. Além de abordar propriedades do sistema de notação
alfabética (partição escrita de palavras em sílabas, contagem de sílabas e letras de
palavras, escrita de frases), observamos um item, cujo enfoque foi o grau de alguns
substantivos, foco de análise dessa seção.146

Com exceção das duas observações mencionadas acima, a prática de


análise lingüística naquela turma ocorreu, predominantemente, a partir da reescrita
de textos. Ao se remeter à atividade de escrita de frases, no depoimento explicitado
nessa seção, identificamos uma incoerência, já que as produções dos aprendizes
eram variadas: alguns escreviam frases, outros, palavras, outros, ainda, juntavam
letras.

Vejamos como ocorreram algumas das intervenções presentes em um


momento de reescrita e no qual podemos observar o trato com alguns
conhecimentos lingüísticos: 147

(Professora Bianca, 2º ano, Escola B, 1ª Observação)

P – Vamos lá. Há muito tempo atrás...


A – ‘Há muito tempo atrás...’
A – Tinha uma moça bonita.
P – Tinha uma jovem o quê?

145
Os alunos receberam, já no final do ano, um kit com alguns livros de literatura, entretanto,
conforme algumas alunas, esses livros (3) seriam devolvidos ainda no final do ano.
146
Observamos algumas escritas ortograficamente inadequadas, presentes nas atividades, a
exemplo de: nebrina, nervoeiro.
147
Trata-se de um trecho referente à reescrita do conto: ‘Os doze caçadores do rei’, dos Irmãos
Grimm, realizada na primeira observação.
255

A – Princesa.
P – Isso. ‘Uma jovem princesa muito linda’. E aí? O que é que essa princesa
estava fazendo?
A – O príncipe deu um anel à princesa.
P – Vamos lá! Por que ele deu o anel? Quando uma pessoa pede outra em
casamento eles ficam...
Alguns alunos – Noivos.
P – Estava noiva de quem?
Alguns alunos – Do príncipe.
P – Mas como é que eu posso dizer? Eu já digo que ele sabia que o pai estava
doente? Como posso dizer?
A – ‘Um dia...’
P – Muito bem moça! ‘Um dia, ele recebeu a notícia de que seu pai estava
doente e perto de morrer’. Vamos recapitular a história. Coloquei ‘estava’ duas
vezes. Eu vou colocar tudo no lugar: ‘estava perto de morrer’. O que o príncipe
fez? Espera aí, eu tô com meu noivo, aí ele recebe a notícia de que tem que ir...
A – Ao palácio.
P – O príncipe decidiu voltar ao palácio pra quê?
A – Pra ver o pai dele.
P – Mas aí eu não posso colocar ‘o pai dele’. O que eu coloco?
A – Pra ver seu pai.
P – Ele deu o anel à princesa... a gente já colocou princesa. A gente pode
trocar por que palavra?
A – Ela.
P – Para que ela não esquecesse dele. E ele foi?
A – Embora.
P – Mas o que é que a gente pode colocar?
A – Viajar.
P – ‘E foi viajar’
(...)
Trecho da reescrita do conto: Os doze caçadores do rei, Irmãos Grimm.
256

Como vimos no trecho dessa aula, as interações culminaram com escolhas


dos articuladores textuais mais adequados, objetivando garantir a coerência do texto
e o melhor emprego de recursos lexicais. Esse encaminhamento confirmou o que a
mestra já havia anunciado na entrevista, quanto à ampliação do repertório de
palavras, dos articuladores textuais, por parte dos aprendizes. O extrato da aula por
nós selecionado expressou um pouco do processo da quarta reescrita coletiva. A
partir dessa prática, foi possível vislumbrar algumas das opções dos aprendizes, que
sinalizavam para a ampliação do repertório, antes declarado pela professora.

Entre outros aspectos que podem ser analisados no trecho de aula


destacado, observamos a opção por não repetir o substantivo ‘princesa’, mas a
substituição dele pelo pronome pessoal ‘ela’. É pertinente enfatizar, no entanto, que
essas interações estavam restritas a um pequeno grupo da sala, geralmente alunos
que se situavam na frente, próximos ao quadro e birô (mesa) da mestra. Com isso,
flagramos alguns deles alheios e, por vezes, preocupados apenas com a cópia
posterior do texto. Além disso, a participação efetiva desse grupo, que se
concentrava na frente, não assegurou o registro da reescrita do conto no quadro. Em
várias ocasiões, notamos não só a ausência de “cópia”, como também a “cópia”
parcial. Não queremos com isso limitar uma atividade tão rica de compreensão e
reescrita oral do conto, porém, a ênfase na oralidade, por vezes, desencadeou a não
participação nas atividades escritas, nesse caso, a “cópia do conto”.

Em contraste com a turma na qual nos detivemos anteriormente, não


encontramos, na prática da professora do segundo ano da escola C, um enfoque
sistemático quanto às atividades de análise lingüística ou o que estamos
denominando de nomenclatura gramatical. No conjunto das observações, em
apenas duas ocasiões vimos que a mestra interveio nessa perspectiva. Numa delas,
focou a atenção dos aprendizes, durante correção de interpretação escrita, na
escrita do nome ‘Henrique’, destacando que se tratava de uma pessoa, por isso, era
preciso garantir sua escrita com letra maiúscula. Nesse caso, explicitamente, o
objetivo esteve centrado na nomenclatura gramatical. Em outra aula, no entanto, na
elaboração coletiva de um convite, essa reflexão ocorreu no interior do texto,
ultrapassando a exploração ‘solta’ das classes de palavras. Nas três ocasiões em
que computamos essa prática por parte da professora do segundo ano da escola A,
o objetivo recaiu sobre nomenclatura gramatical.
257

No que se refere às turmas de terceiro ano, visivelmente, a escola B


assumiu a liderança na proposição de atividades cujo enfoque foi nomenclatura
gramatical, contando com quatro ocasiões, ou, por outro lado, os conhecimentos
lingüísticos, também quatro momentos. Nessa turma, a professora costumava partir
de um texto, ou, às vezes, de frases trabalhadas na sala. Já na primeira observação,
os alunos foram chamados a ler frases, com o intuito de preencher a lacuna com a
escrita do nome do animal que se adequasse às características explicitadas na
frase.148 Admitimos que a ênfase, com a continuidade dessa atividade, foi no
aspecto da pontuação, entretanto, a professora não deixou de enfatizar as
características atribuídas aos animais por ela selecionados, chamando atenção aos
adjetivos.

Na terceira observação daquela turma, por meio da leitura do texto intitulado


‘Peteleco’, de Hermínio Sargentim, os aprendizes observaram a atividade distribuída
e destacaram as características do macaco Peteleco. Novamente, houve menção
aos adjetivos. Em continuidade, observamos a exploração coletiva das
características de uma personagem do texto: ‘Clementina é uma bruxa maldosa’.
Nesse exemplo, os aprendizes tiveram a tarefa de elencar dez características da
bruxa ‘Clementina’. O objetivo final era construir um texto a partir da descrição
dessas características. Para além dessas características da ‘bruxa Clementina’,
evocadas individual e coletivamente, os alunos contaram com o registro da
professora no quadro. Na ocasião, o grupo que sentava próximo ao quadro
participou efetivamente da atividade. Em seguida, todos leram as frases e cuidaram
de dar conta da próxima tarefa: construir um texto. Era um comando habitual da
professora alertá-los para o uso da letra maiúscula depois do ponto final ou no início
de um parágrafo, o uso do travessão no momento da fala do personagem, a
paragrafação e a pontuação. A professora lembrou, ainda, que não queria frases
soltas, com repetições, tais como: ‘a bruxa é; a bruxa é..’. Embora tenhamos
computado quatro momentos em que essa profissional enfocou nomenclatura
gramatical, vimos, através desse exemplo e ao longo das observações, que as

148
Como exemplo, encontramos: “eu sou belo, eu sou bela” (referindo-se à foca); “eu sou mau, eu
sou má” (referindo-se ao lobo). Após a leitura, tinham que completar as frases. Exemplo: A foca
falou:________; O lobo falou: ________.
258

atividades envolvendo análise lingüística, incluindo pontuação e ortografia, estavam


vinculadas, sobretudo, ao texto.

Observamos que o único momento em que a professora do terceiro ano da


escola C priorizou essa prática, esteve vinculado ao emprego de nomenclatura
gramatical, porém, no interior de um texto. A seqüência teve início com a grafia de
palavras com auxílio da professora, em que os educandos teriam que completar a
escrita de algumas palavras presentes em um poema do livro didático.149 Como
havia nomes de animais, a mestra aproveitou para explorar o gênero das palavras.
Em se tratando do trabalho com gênero (substantivo), observemos o que ocorreu
num momento da aula:

(Professora Custódia, 3º ano, Escola C, 4ª Observação)

(...)
P – O tatu que era enfermeira. Tá certo? Era a enfermeira. Que é o tatu. Olha
aqui, o doutor era o peru. E aqui é o quê?
Alunos – Masculino.
P – Vocês vão ver isso algumas vezes, a ovelha, tem cavalo e a égua, o galo e
a galinha. Tem masculino e feminino. Cobra já não tem, peru, sapo. Tem sapa e
sapo?
A – Tem.
P – Tatu tanto faz ser feminino como masculino. Na língua portuguesa tem
muita coisa que vocês vão aprender ao longo do tempo (...).

Embora não tenhamos evidenciado uma prática sistemática de análise


lingüística, nessa turma, foi possível visualizar a opção da professora pelo ‘texto’
como unidade de ensino privilegiada para explorar outras unidades lingüísticas.
Nesse âmbito, a prática dela se assemelha à da professora do terceiro ano da
escola B. Reportando-nos a essa seqüência, em específico, vimos que uma das
etapas foi refletir acerca do gênero de alguns substantivos, entretanto, a expressão

149
Livro didático adotado: Projeto Pitanguá (equivalente à 4ª série).
259

utilizada pela professora ‘na língua portuguesa tem muita coisa que vocês vão
aprender ao longo do tempo’, parece indicar que essa prática não se constituía
numa prioridade em sua turma, nessa etapa de escolarização, como atestamos ao
longo das observações.

No universo das turmas de terceiro ano, vimos, conforme a tabela 13, que a
proposição de atividades, remetendo a algum nível de análise lingüística
considerada nessa seção, também não se constituiu numa prioridade na prática da
professora do terceiro ano da escola A; presenciamos tal tratamento em apenas três
ocasiões. Uma delas ocorreu a partir de uma seqüência de atividades, na quinta
observação. Naquele dia, após a leitura do conto ‘A bela adormecida’,150 a
professora realizou a compreensão oral do texto e seguiu com o registro de uma
atividade, com o objetivo de garantir a interpretação escrita do conto, limitando-se a
questões de localização explícita de informação. Em seguida, tinham que operar
com as palavras, de modo a parti-las em sílabas. Em seqüência, os alunos
realizariam a escrita do nome de alguns personagens. Já no decorrer da correção
coletiva, a professora chamou a atenção dos alunos para os artigos que
acompanhavam os nomes das personagens. Observemos o que ocorreu nesse
momento da aula:

(Professora Áurea, 3º ano, escola A, 5ª Observação)

(...)
P – Bora lá, bora lá. Vamos começar a responder? Não adianta copiar. Vou
começar a anotar o nome. Qual é o título da história que lemos hoje?
A – A bela adormecida.
P – ‘A’ maiúsculo, ‘B E’, ‘BE’, ‘L A’, ‘LA’ (a mestra soletrando). ‘A DOR ME CI
DA’, ‘A BELA ADORMECIDA’ (realizou a leitura apontando para as sílabas).
Michele – Ei tia, ‘A BELA ADORMECIDA’.
P – Não. Ela é a PRIN...?
A – ‘CESA’.
P – O que mais?

150
A bela adormecida. Turma da modelo. Coleção Classic Stars.
260

A – O PRÍNCIPE.
A – O REI.
A – A RAINHA.
A – A BRUXA.
P – E as?
Alguns alunos – ‘FADAS’.
P – AS ‘A S’ FADAS. Repare que eu coloquei sempre aqui na frente para
indicar O REI, A RAINHA, A PRINCESA, O PRÍNCIPE, A BRUXA, AS FADAS
(enfatizou, nesse momento, os artigos).
Mesmo corrigindo coletivamente, alguns educandos não paravam de conversar.
P – O que mais? Qual era o nome da princesa?
A – ‘A BELA ADORMECIDA’.
Sara – ‘AURORA’.
P – Olha Sara falando. Letra maiúscula porque é nome de pe...?
Alguns alunos – Pessoa.

A ordem das prioridades, ao tratarmos dos terceiros anos, foi enfocar tanto
a reflexão dos aspectos de coerência e coesão textuais, como a proposição de
nomenclatura gramatical no interior do texto ou, de sentenças. Tentava-se, a nosso
ver, superar o modelo ‘tradicional’, cuja prática estava descolada de unidades de
ensino como o texto. Essa mudança não assegurava, entretanto, a reflexão que
pudemos ver na prática da professora do segundo ano da escola B, a partir de
contos. Nela, aspectos ligados à textualidade e à normatividade apareceram de
maneira brilhante, sinalizando, em nossa compreensão, para um contexto rico de
análise lingüística, ao menos no eixo da oralidade. Não queremos defender, com
isso, a exclusividade da prática de análise lingüística no interior do texto, entretanto,
tanto uma opção quanto a outra precisam ser mais bem elaboradas, de modo a
superar a concepção de um ensino pautado nas classes gramaticais.

Uma hipótese que assumimos quanto à opção das mestras por situações
que promovessem a análise lingüística no interior do texto, está vinculada ao debate
do letramento. Sobretudo a partir da década de 1990, vem-se veiculando a
concepção de que é preciso alfabetizar numa perspectiva para o letramento
(TFOUNI, 2006; SOARES, 2008; 2003b; 1998; CRUZ, 2008).
261

Ao pensarmos na progressão da prática de análise lingüística, tomando


como referência o ensino dos conhecimentos lingüísticos (aí incluídos recursos que
constroem a coesão e a coerência textuais), assim como o emprego de
nomenclaturas gramaticais no interior do 1º ciclo, atestamos o já previsto, ausência
dessas proposições entre as turmas de primeiro ano, com uma única exceção no
primeiro ano da escola B. Essa prática, conforme vimos na tabela 13, ficou a cargo
das professoras dos segundos e terceiros anos, resguardadas algumas ressalvas. A
primeira delas é que, no âmbito das turmas de segundo ano, as atividades ficaram
vinculadas ora ao ensino de nomenclatura, ora avançaram no que estamos
chamando de conhecimentos lingüísticos, porém, apenas no eixo da oralidade,
como foi o caso da professora de segundo ano da escola B. O mesmo quadro se
repetiu entre os terceiros anos, com exceção da escola B.

Do mesmo modo que a prática de análise lingüística (tomando como


referência alguns aspectos da textualidade) esteve presente, entre as práticas
acompanhadas, observamos quanto à dimensão normativa desse eixo, a presença
de alguns aspectos que merecem ser destacados. Foi o caso da ortografia,
contando com 22 ocasiões de ocorrência. Em contraste com o que vimos nos itens
anteriores, a predominância quanto a esse aspecto ficou com a escola C (9/2/11).
Embora não tenhamos visto diferenças significativas dessa prática entre os anos-
ciclo, verificamos uma progressão no interior das turmas (4/8/10).

Como já esperávamos, dadas as especificidades do primeiro ano, ligadas a


garantir a apropriação do objeto escrita alfabética, observamos, conforme dados
apontados nessas turmas, um tímido investimento na ortografia. Nesse contexto,
houve ausência dessa prática por parte da professora da escola A (0/1/3). Contando
com maior expressividade entre as turmas de segundo ano, identificamos ausência
dessa reflexão por parte da professora do segundo ano da escola B (5/0/3). O
curioso é que, embora esse dado fosse compreensível, já que, por um lado, essa
profissional poderia ter aproveitado os ricos momentos de reescrita para desenvolver
tal prática, por outro, como vimos, as intervenções estiveram centradas na oralidade
e priorizaram aspectos outros como pontuação, coesão e coerência textuais. Quanto
aos terceiros anos, curiosamente a professora da escola B não priorizou a reflexão
ortográfica em suas aulas (4/1/5).
262

No intento de ilustrarmos com alguns exemplos essa prática de reflexão


ortográfica entre as turmas, recorremos ao primeiro ano da escola C, numa atividade
em que os aprendizes tiveram que vincular a figura à palavra escrita. Nesse caso,
todas as palavras pertenciam ao mesmo campo semântico (materiais, objetos
encontrados na escola). Durante a reflexão coletiva, a professora explorou aspectos
como: letra inicial e final, sílaba inicial e final, a fim de oferecer pistas aos educandos
na leitura. Numa das palavras, ‘mesa’, ela explicou que se escrevia com ‘s’, mas
tinha som de ‘z’, porque estava entre duas vogais (quarta observação). Na sexta
observação, a professora disponibilizou a música ‘Noite feliz’, seguida do seguinte
comando: os alunos teriam que ler a última palavra após a parada da música. Uma
dessas palavras foi ‘Jesus’. A mestra imediatamente perguntou como se escrevia.
Uma das alunas citou todas as letras na seqüência correta. Com o objetivo de
completar a resposta da aluna, a professora afirmou: “a gente pensa que se escreve
com ‘g’, mas não é”. A partir dos encaminhamentos nessa turma, no trato com a
ortografia, enxergamos, claramente, uma perspectiva de correção e ausência de
reflexão ortográfica quanto aos aspectos em que é possível compreender e dos que
precisam ser memorizados pelos educandos.

Em continuidade à análise das práticas cuja ênfase recaiu sobre a


ortografia, recorremos ao segundo ano da escola C, em que as intervenções
ocorreram numa situação de ditado de palavras (quarta observação). Durante a
atividade, a professora ditou a palavra ‘cinema’, em seguida, um dos alunos
perguntou se se grafava com ‘si’ ou ‘ci’. A professora, rapidamente, respondeu que
se escrevia com ‘ci’. Outro aluno chegou a perguntar se aquela palavra se grafava
com ‘s’ ou ‘c’, ela respondeu letra ‘c’. Ainda com relação a esse palavra, um aprendiz
indagou a mestra se ela se escrevia com ‘ç’, ela respondeu de imediato que não, já
que na língua portuguesa nunca se escreveria ‘ç’ em início de palavra. A
persistência da dúvida quanto à grafia da palavra, por parte dos alunos, levou a
professora a explicitar uma regra, no entanto, não estendeu a reflexão para a turma
como um todo. Na mesma direção dessas intervenções, também numa situação de
ditado de palavras seguido de escrita de frases, revelamos, a seguir, a postura
daquela professora diante da dúvida de um dos alunos:
263

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C, 6ª Observação)


(...)
P – Vamos lá, primeira palavrinha.
A – Não, tia, ditado não.
P – É pequeno, vocês vão escrever a palavra, depois vão pensar em frases
com essas palavras. Primeira palavra.
A – ‘ABELHA’.
P – Não, ‘JARDIM’.
A – É com ‘G’?
P – Com ‘G’ ?
A – É com ‘J’.
P – Certo.
A – Como é um ‘J’?
P – Olha o ‘J’ aqui (apontando para a palavra ‘JARDIM’ registrada no quadro, mas
os alunos não fizeram nenhum comentário). “Agora quem já escreveu a palavra
‘JARDIM’, vão pensar numa frase (sic), não sou eu que vou dizer. Pensem aí
alguma coisa com a palavra ‘JARDIM’”.
A – ‘O JARDIM É BOM’.
P – Pensem e escrevam, do jeito de vocês. Como é que se escreve ‘CHE’?
A – ‘G’.
P – ‘G E’ é ‘GE’, o que é que você quer escrever?
Vitor – ‘O JARDIM É CHEIO DE FLORES’.
P – Então, como é ‘CHE’?
A – ‘X E’.
P – Não. Qual é o outro som?
A – ‘XUXA’.
A – ‘H’.
P – E antes do ‘H’? ‘CH’, mas essa palavra é de Vitor.
(...)

No primeiro momento, a própria professora se equivocou quanto à escrita


da palavra ‘jardim’, no segundo, não refletiu, junto aos alunos, a grafia da palavra
264

‘cheio’, escrita com ‘ch’ e não ‘x’. Novamente, se evidenciou a ausência de reflexão
acerca das regularidades e irregularidades da ortografia de nossa língua como
instrumento de auxílio no avanço dos educandos, na grafia correta das palavras.

Ainda nos reportando àquela turma, numa outra aula, ocorreu um evento
interessante, envolvendo a reflexão ortográfica. Como observamos nas turmas, de
maneira geral, esse tipo de atividade ocorria posteriormente à leitura de algum texto
ou nas situações de ditado de palavras, frases. Na ocasião, a mestra leu a ‘história’
intitulada ‘Amigos para sempre’.151 Em seguida, realizou a compreensão oral e
escrita do texto.

Um dos enunciados da compreensão escrita solicitava do aprendiz a grafia


do nome do menino que aparecia na história. Um dos alunos da professora, embora
soubesse que era ‘Henrique’, teve dificuldades em escrever. Ele perguntou à
professora e ela devolveu a pergunta à turma. Imediatamente, alguns aprendizes
pronunciaram a seqüência de letras ‘H e n r i q u e’. A dificuldade parecia persistir,
ou seja, a declaração das letras não foi suficiente, já que alguns não sabiam articular
o nome das letras à grafia. Por essa razão, buscaram auxílio no espaço da sala
aonde ficavam registrados, em ordem alfabética, os nomes de todos os alunos. Na
ocasião, a professora confirmou que não havia retirado o nome de ‘Henrique’,
embora não estivesse mais matriculado na escola. Inconformado, um dos
aprendizes insistiu em perguntar à professora se o nome ‘Henrique’ se escrevia com
dois ‘r’. Ela respondeu que não, a não ser que não tivesse o ‘n’ antes da letra ‘r’.
Diferentemente do exemplo anterior (envolvendo ‘ch’, ‘x’ na dúvida da grafia da
palavra ‘cheio’), nesse caso, a professora explicitou uma regra contextual para os
alunos (MORAIS, 1998). Apostamos que esse tipo de intervenção propicia a reflexão
das regras ortográficas, por parte dos aprendizes, de modo a fazê-los avançar na
escrita ortograficamente correta das palavras.

No universo das atividades que envolveram a reflexão (ou não) da ortografia


de algumas palavras, chamamos a atenção para um encaminhamento diferenciado
adotado pela professora. Na dúvida quanto à escrita da palavra ‘chamar’, no
momento em que os alunos estavam completando um poema com a escrita de
algumas palavras, a partir do apoio prestado pela professora, essa profissional optou
por orientar seus alunos a utilizar o dicionário, no intento de conferir se a palavra
151
ARLÉGO, Edvaldo. Amigos para sempre. Recife: Edições edificantes, 2001.
265

acima era escrita com ‘x’ ou ‘ch’. Como pudemos observar, embora se prestassem,
nesses casos elencados, única e exclusivamente à análise de algumas palavras, os
textos pareciam se constituir em suportes privilegiados para a escrita e análise da
ortografia de algumas palavras.

Em continuidade à aparição da ortografia entre as práticas observadas,


consideramos oportuno discutir um evento curioso, que ocorreu no segundo ano da
escola A. Nesse caso, o próprio aluno explicitou a regra ortográfica, contrariando
uma afirmação precedente da mestra. Essa observação foi feita no momento de
reflexão acerca da tarefa proposta, envolvendo contagem de letras em palavras e
partição escrita de palavras em sílabas. As palavras, intencionalmente, continham
dígrafos. Eis o momento da aula em que essa intervenção ocorreu:

(Professora Aída, 2º ano, Escola A, 1ª Observação)


(...)
P – Cadê o ‘R’ daqui? E o ‘S’? Eu coloquei dois ‘S’ e dois ‘R’, presta atenção
quando for separar! (Antes a professora tinha sublinhado o ‘SS’, ‘RR’, ‘LH’. Os
alunos, ao concluir a atividade ou tirar dúvidas, se dirigiam a ela). “Olha Lucas!
Quando eu mando vocês escreverem a palavra ‘PASSAGEM’, ‘GARRAFA’,
quem sabe?”
Alguns alunos – Eu!
P – Você disse que colocou um ‘R’. Não se amostre. Eu já disse que não é para
se amostrar. Quando a gente lê ‘PÁSSARO’ o som é de um ‘S’, mas quando se
escreve é ‘PÁS-SA-RO’, ‘BOR-RA-CHA’, ‘MA-CAR-RÃO’, ‘PAS-SA-GEM’, ‘GAR-
RA-FA’ (a professora leu as palavras, enfatizando os sons do ‘R’ e o ‘S’). Se eu
separar ‘GAR-RA-FA’?
A – Tia, não é um ‘R’ só, senão fica ‘GARAFA’.
P – Se eu colocar um ‘R’ sozinho fica ‘RA’ (enfatizou o “R” travado) e dois ‘RR’
fica ‘RR’. Eu disse que esse quadrado é letras.
(...)
266

Ficou evidente, nessa situação, a confusão conceitual que a mestra fez em


relação à regra ortográfica e que o próprio aluno ‘desvendou’, afirmando,
enfaticamente, que o som não era o mesmo, no caso da palavra ‘garrafa’. A mesma
situação se repetiu na observação seguinte, em que os alunos foram orientados a
escrever nomes de estabelecimentos diversos, que poderiam localizar no bairro em
que residiam. No caso da palavra ‘passo’, enfatizou que poderia pronunciar ‘passo’ e
escrever ‘paço’ ou ‘paso’. Perguntou aos educandos qual seria a escrita correta. Um
deles afirmou que seria ‘paso’, mas a mestra corrigiu, afirmando que seria ‘passo’
com dois ‘s’. O aluno seguiu, apenas, a orientação da aula anterior da mestra, de
que quando se lê a palavra ‘pássaro’, por exemplo, o som seria de um ‘s’. Esse tipo
de intervenção estava deixando os aprendizes confusos quanto à escrita das
palavras. Desse modo, não os estava auxiliando, positivamente, a refletir e grafar as
palavras corretamente.

Remetendo-nos, ainda, às atividades que envolveram algum tipo de análise


lingüística, passaremos a focar mais detidamente aquelas referentes à reflexão e ao
emprego da pontuação. De que modo estava ocorrendo essa reflexão? As
professoras recorriam a textos ou frases para a realização dessa prática? Haveria
uma progressão dessa prática no interior do 1º ciclo, ou, ao contrário, a
predominância no final dele? Vejamos quais foram as evidências obtidas.

De início, observamos que essa prática ocorreu, predominantemente, na


escola B, se comparada às demais instituições (1/10/2). Ao nos reportarmos aos
anos-ciclo, confirmamos o que já julgávamos (2/1/10), ou seja, maior espaço dado à
reflexão e ao emprego da pontuação entre as turmas de terceiro ano. Só não
contávamos com essa freqüência tão baixa nas turmas de segundo ano.

Entre as turmas de primeiro ano, contamos somente com a escola B na


proposição de atividades de reflexão quanto ao emprego da pontuação. Já entre os
segundos anos, essa opção ficou com a professora da escola C. Como já
esperávamos, o terceiro ano da escola B persistiu nessa análise, ao longo das aulas
acompanhadas, expressando o já dito, durante esse capítulo, a respeito de uma
visível autonomia dos alunos nas práticas de leitura, produção textuais e análise
lingüística, a que estavam sistematicamente expostos.

Ressaltamos que na turma de primeiro ano da escola B em que essa prática


ocorreu, a análise foi realizada no nível da frase. Para isso, os educandos foram
267

submetidos a um ditado de palavras, ocasião em que tiveram a oportunidade de


refletir acerca de várias propriedades de nosso sistema de escrita: sílabas em
posição inicial, medial e final, supressão de sílabas, objetivando descobrir novas
palavras no interior da palavra chave. Em prosseguimento à atividade, a professora
solicitou daqueles com visível avanço na escrita, a elaboração de frases com
palavras do ditado. Numa delas, ‘Recife lindo’, indicou a necessidade de utilizarem o
sinal de exclamação, já que expressava a admiração pela cidade.

Em outro contexto, naquela mesma sala, a professora elaborou um texto


para fins didáticos, remetendo-se ao folclore: ‘O saci e o curupira são lendas do
nosso folclore. Eles vivem nas matas do Brasil. O saci é muito levado e o curupira
protege a natureza’. Os alunos já dispunham do texto digitado, em seus cadernos.
Entretanto, a professora o registrou no quadro em letra maiúscula de imprensa, com
o intuito de lê-lo junto aos aprendizes. Ela lembrou que eles podiam copiar em outro
momento, mas que já tinham em seus cadernos. No processo de leitura, enfatizou
que, em algum momento, tinha que ter o ponto final. Explicou, ainda, que o ponto
final expressava uma pausa na leitura. À medida que realizava a leitura do texto,
perguntava aos alunos se tinha ponto final. É interessante que sempre parava em
pontos estratégicos, que, inevitavelmente, careciam de pontuação.

Como já fora anunciado, o único momento em que houve alguma reflexão


sobre o emprego da pontuação, entre as turmas de segundo ano, ocorreu na escola
C. Tratou-se da escrita coletiva de um convite, o qual tratava da visita de um amigo.
Em um dado momento da atividade, na frase: ‘Você gostaria de ir na minha casa’? A
mestra chamou a atenção dos alunos para o emprego da letra maiúscula, bem como
do ponto de interrogação. Embora as intervenções tenham ocorrido de forma
genérica, sem grandes reflexões, os alunos tiveram, nessa experiência, a
oportunidade de pensar um pouco sobre a relevância da pontuação para a
legibilidade e compreensão do texto.

Reiterando o já dito, a prática de pontuação ficou, prioritariamente, a cargo


dos terceiros anos, em especial, com a escola B. Sublinhamos que esse tipo de
atividade, nessa escola, ocorreu tanto no nível da frase, quanto do texto. Em se
tratando dessa primeira opção, recorremos a alguns encaminhamentos dados pela
professora na primeira observação. Focando o debate nas prioridades do
Orçamento Participativo, os alunos foram instigados a refletir sobre a melhor
268

pontuação a ser utilizada nas frases por eles listadas. Vejamos abaixo as
intervenções da mestra:

(Professora Buana, 3º ano, escola B, 1ª Observação)


(...)
P – Qual foi a primeira frase?
Os alunos leram: ‘Aumentar a segurança do bairro’. 32 votos.
P – Ela começa com que tipo de letra?
Alunos – Maiúscula.
P – Termina com?
A – Letra maiúscula.
P – Não. Termina com ponto fi...
Alunos – nal.
P – A outra?
P – Começa com letra maiúscula. É menor do que outra, mas é uma frase e
termina com ponto. A frase é um conjunto de palavras que tem um sentido. Se
teu botar assim: ‘EU VOU’, vocês estão entendendo? Tem sentido?
Alunos – Não.
P – Vai pra onde? Não se sabe. Se eu coloco: ‘EU VOU PASSEAR’. Mas pode
ser uma frase grande também. Por exemplo: ‘EU VOU PASSEAR NA PRAÇA...
eu coloco vírgula’. ‘EU VOU PASSEAR, BRINCAR, CORRER, LANCHAR,
MALHAR, BALANÇAR’, o que mais?’
Alguns alunos – ESCORREGAR.
P – Se eu não for colocar mais nada eu ponho ‘e ESCORREGAR’. Vamos ler,
começar com a letra maiúscula e terminar com ponto. Se eu vou fazer mais
coisas, coloca uma virgulazinha, para dar uma pausa (a professora pediu para
um aluno ler).
A – Sexta é feriado.
A professora registrou: ‘NA MINHA SALADA TEM BANANA LARANJA ABACAXI
MAÇÃ MELÃO E MELANCIA’. “Preste atenção: ‘NA MINHA SALADA TEM’ é o
quê?”
A – Vírgula.
A – Dois pontos.
269

P – Muito bem Bruno. NA MINHA SALADA TEM: BANANA (os alunos adoraram e
se empolgaram. A cada nome de fruta lida, eles diziam ‘vírgula!’). “Muito bem,
quando a gente coloca ‘E’, não coloca vírgula. Vamos ver outra. ‘A MAMÃE
FALOU VOU COMPRAR BATATA AÇÚCAR SAL CARNE ARROZ FEIJÃO
FARINHA’. Bora ver? ‘A MÃE FALOU’...?
Alunos – Dois pontos.
P – E depois?
Alunos – Travessão.
P – Por quê?
Alunos – É a fala da mamãe.
Os alunos leram e disseram onde tinha que ter vírgula.

Através desse extrato de aula, foi possível identificar a ênfase da professora


na definição de ‘frase’, além, claro, do enfoque dado à pontuação. Ela persistiu tanto
nesse objetivo que, nessa mesma aula, disponibilizou aos alunos um texto, com o
intuito de que quantificassem e escrevessem algumas frases. Embora as
intervenções tenham sido pautadas em modelos clássicos de frases, visivelmente
simples para pontuar, chamou-nos a atenção a forma como a professora conduzia a
turma, assim como o nível de engajamento dos alunos. Demonstravam uma
satisfatória inserção e interesse na atividade sugerida pela professora.

Lembramos que as intervenções acerca da pontuação, naquela turma,


também ocorreram no nível textual. Na quarta observação, os aprendizes foram
orientados a elaborar um texto a partir da figura de ‘um menino tomando sorvete’.
Como habitualmente fazia, a mestra chamou a atenção dos aprendizes para
aspectos como paragrafação, letra maiúscula, sinais de pontuação. Detendo-se,
especialmente, nesse último aspecto, destacou que, no caso de alguma pergunta,
era preciso utilizar o sinal de interrogação; já o de exclamação, seria necessário nos
casos de admiração. Nesse caso, ela exemplificou: “O menino falou: __ Poxa, que
sorvete gostoso!” A professora lembrou, ainda, que, sempre após o ponto final, os
alunos não esquecessem que tinha letra maiúscula. O texto abaixo ilustra bem o que
foi esse objetivo priorizado pela professora.
270

Era uma vez um menino chamado joão vitor ele estava com 25$ e estava
fazendo muito calor então resolvel comprar um sorvete de casquinha sabor
chocolate e morango e ele dise para o seu pai:
__ Pai eu vol ali na venda comprar um sorvete. e ele respondeu:
__ está bem mas volte logo. entam ele foi e voltou logo a sua mãe pediu para
que fose na loja e comprase geremom, limão, alface, pimentão, alho, cebola,
cebolinha, abacaxi e 1 R$ de laranjas e ele conprou depois de 50 minutos e coutol
sua mãe lhe agradecendo um pirulito depois ajudou seu pai na oficina linpando a
cugeira também seu pai adirado joão vitor ganhou uma biciceta e eles viveram
felizes para sempre.

Ao observar que alguns dos educandos, como a aluna autora do texto


acima, estavam recorrendo a articuladores textuais que remetiam ao gênero ‘conto’,
optou por elaborar um texto coletivo, a partir daquela figura. O objetivo foi realçar a
concepção de que se tratava de um texto descritivo, não de uma ‘história’. Para
alcançar esse objetivo, a professora lançou as seguintes questões: O sol estava
forte? Fazia o quê? Quando o sol está forte, o que é que acontece? Como é o nome
do menino? Felipe sai de casa para comprar um sorvete de quê? (fizeram votação
na sala, já que os educandos dividiam opinião quanto à preferência do sabor do
sorvete). Ele tomou logo ou demorou? E depois, o que ele disse? No final, chegaram
ao seguinte texto:

(Professora Buana, 3º ano, Escola B, 4ª Observação)

O menino e o sorvete
x
Estava um dia lindo. O sol estava forte e fazia muito calor.
Felipe sai de casa pra comprar um sorvete de chocolate na casquinha. Como
o sol estava quente, Felipe foi esperto e logo chupou seu sorvete para que ele não
derretesse.
271

Quando ele acabou de tomar o sorvete, ele falou:


__ Que delícia está este sorvete!

Produção textual coletiva (3º ano, escola B).

É importante apontar que, embora tenha sido chamada a atenção quanto


aos articuladores textuais do início e final de seu texto, a aluna, na nossa
compreensão, conseguiu descrever aquela cena do menino tomando sorvete, a
partir de uma situação por ela criada, ou seja, inseriu aquela cena, o momento do
menino tomando sorvete, no dia em que esteve desempenhando outras atividades
para sua mãe e seu pai. Tentou articular, também, os aspectos que vinham sendo
tratados pela professora, inclusive no trato com a pontuação no nível da frase,
espaço em que ela conseguiu alcançar, em alguns momentos do texto, esse objetivo
de pontuá-lo, seguindo as orientações da mestra. Como vimos enfatizando ao longo
de nossas análises, tratava-se de uma turma que já possuía, na grande maioria dos
alunos, autonomia nesse tipo de atividade, dada a sistematicidade com que ocorria.
A expectativa da professora era de que seus alunos produzissem autonomamente
textos, atentos, entre outros aspectos, à pontuação.

Fechando esse capítulo, apresentaremos, na seção seguinte, uma síntese


das principais evidências já explicitadas nesse capítulo.

4.1.5 Síntese das evidências relativas às práticas de ensino de língua:


progressão ao longo do 1º ciclo

No decorrer desse capítulo, procuramos trazer para o debate o modo como


as professoras organizavam e conduziam suas práticas de rotina pedagógica,
compreendendo ser essa uma dimensão da organização do trabalho pedagógico
(CHARTIER, 2000). Priorizamos a análise do que as docentes priorizaram no ensino
de leitura, compreensão, produção textuais, sistema de notação alfabética e análise
lingüística, atentando, especialmente, para a presença (ou ausência) de uma
progressão no interior do 1º ciclo.
272

Nessa seção, retomaremos, brevemente, as evidências obtidas a partir


dessas primeiras análises. Iniciaremos esse diálogo com as atividades de rotina
pedagógica.
No rol das atividades de rotina pedagógica consideradas nesse estudo,
observamos uma ênfase à oração. Conforme anunciamos, esta estava sempre
vinculada a costumes e rituais do catolicismo, os quais atribuímos ao processo
histórico vivido em nosso país. Seguindo a ordem de freqüência das atividades de
rotina, localizamos a escrita do cabeçalho da escola.152 Essa prática apareceu como
mecanismo de controle (no caso de algumas turmas), buscando controlar a
dispersão por parte de alguns aprendizes. Por outro lado, estava na pauta de
organização das atividades, constituindo-se numa marca da escolarização
priorizada, no exemplo desse estudo, em todos os anos do 1º ciclo.
Em seqüência, registramos uma sistematicidade na prática de registro da
freqüência dos aprendizes. Uma inferência feita por nós a essa atenção especial,
deveu-se a esse item estar relacionado ao aspecto da promoção ou retenção do
educando no interior do ciclo. Conforme observamos no estudo desenvolvido por
Oliveira (2004), naquele contexto, registrar faltas quando o estudante chegava
atrasado foi uma das táticas adotadas por algumas das docentes, objetivando reter
aqueles alunos que, em sua compreensão, não tinham condições cognitivas para
avançar no ciclo. Do mesmo modo, esse continuava sendo um instrumento decisivo
na/para a vida escolar do aprendiz, por ocasião da coleta de dados dessa pesquisa
(2007).
Embora reconheçamos que as atividades envolvendo
jogo/brincadeira/música/desenho podiam ser exploradas a fim de construir diferentes
competências vinculadas aos eixos de ensino de língua, verificamos que as
mesmas, no eixo de rotina, como atividades mais gerais que, quase sempre, não
eram constituídas de finalidades/objetivos que se integravam às outras etapas das
aulas. Apareciam de forma assistemática, visando assegurar o controle da turma.
Entendemos que a flexibilidade curricular, imposta por uma escolarização ciclada,
não pode ser confundida com a ausência de seqüências didáticas claras, conteúdos
estabelecidos em cada área de conhecimento (LEAL, 2009; LÜDKE, 2001).

152
Em geral, esse item contemplava: nome da escola; cidade, data, mês e ano; nome da professora e
do(a) aluno(a), ano-ciclo e ciclo. Esse último item, cremos, objetivava, também, a familiarização com
a nomenclatura dos ciclos.
273

Retomando as atividades de rotina pedagógica, visualizamos uma maior


freqüência das atividades de correção de tarefas de classe, ou seja, em se tratando
de tarefas de casa, houve maior freqüência na proposição das mesmas se
comparadas à correção. Nesse contexto, a flexibilidade abriu espaço para uma não-
continuidade das atividades que, em geral, ajudaria o aprendiz a estabelecer
vínculos entre os conhecimentos aprendidos e as novas aprendizagens a serem
conquistadas.
Durante a análise das atividades de rotina pedagógica, ressaltamos
algumas delas que, no conjunto das práticas, foram inexpressivas, mas que
mereceram ser realçadas. Uma dessas atividades, priorizadas pela professora do
primeiro ano da escola C, foi a elaboração do roteiro da aula. Embora essa
profissional não tenha sempre assegurado a proposição do roteiro articulado a uma
prática de leitura, reconhecemos ter sido essa uma marca distintiva em relação às
demais docentes. Esse procedimento, entre outras coisas, sinalizava para um
planejamento prévio das atividades e esteve associado a uma prática reflexiva
(LEAL, 2009).
A freqüência com que ocorreram as atividades de leitura de textos e
enunciados feriu o princípio de articulação com a compreensão textual, conforme
aponta Brandão (2006). Remetendo-se a dados de pesquisa semelhante, Oliveira
(2004) enfatiza que, naquele contexto, as professoras por ela estudadas, em geral,
não vinham articulando a prática de leitura à compreensão de textos.
Nossos dados sinalizaram para uma real predominância da leitura de textos
pelas professoras, se compararmos com a mesma atividade realizada pelos
educandos. Acoplado a esse dado, realçamos que, nas poucas ocasiões em que
tiveram a oportunidade de ler, alguns dos alunos foram corrigidos quanto a algumas
“inadequações” destacadas pelas mestras. Nesse sentido, Kleiman (2004) nos alerta
para as implicações negativas que esse processo de intervenção por vezes acarreta.
Em se tratando da leitura de textos realizada pelo aluno, se sobressaíram os
terceiros anos, etapa em que eram mais expostos a esse tipo de atividade. Nesse
item específico, houve proximidade entre os primeiros e segundos anos, etapa em
que pouco foram submetidos à leitura de textos. Ainda nos reportando a essa tarefa
realizada pelo aprendiz, sublinhamos que houve total ausência dessa prática no
segundo ano da escola C. Embora a mestra tenha realizado em cinco das oito aulas
observadas a leitura, em geral, essa atividade objetivava, somente, servir de base
274

para a compreensão e atividades voltadas ao sistema de notação alfabética. A


despeito disso, Chartier (1998) alerta para a importância de selecionar textos que
intentem a construção da escrita alfabética, sim, porém, aqueles que melhor se
prestam a um trabalho de compreensão.
Um dado muito interessante, por nós observado, esteve presente no
depoimento e nos encaminhamentos quanto à prática de leitura de textos pelos
alunos, em voz alta, da professora do terceiro ano da escola B. De acordo com a
mestra, essa leitura deslocava a compreensão dos sentidos do texto pelo aluno, por
isso, costumava, após todos eles, realizar a leitura do texto, reservando esse
momento de síntese compreensiva pelo aprendiz.
Mesmo nas situações de leitura coletiva de textos, os alunos contavam,
quase sempre, com a intervenção das professoras. Entre os primeiros anos, a baixa
freqüência de leitura coletiva de textos com condução da mestra esteve relacionada
à expectativa delas para esse ano-ciclo, bem como ao monopólio dessa prática, por
elas assumido. Uma situação que vale a pena relembrar esteve centrada na turma
da professora do primeiro ano da escola B, no momento em que a mestra
selecionou um texto de curta extensão, conhecido dos alunos e sugeriu a leitura
coletiva sem sua intervenção. Na ocasião, fez uso de uma régua para marcar as
palavras do texto. Esse encaminhamento, a nosso ver, primava pelo
desenvolvimento da autonomia nessa prática por parte dos alunos, ao mesmo tempo
em que respeitava suas especificidades (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006).
É interessante ressaltar que, no caso dessa atividade, houve proximidade entre as
turmas de primeiro e segundo anos, sem nenhum indicativo de progressão. Cremos
que no segundo ano, o aluno poderiam, sim, estar lendo de forma mais autônoma os
textos propostos, considerando, claro, as singularidades de suas potencialidades.
A prática de produção textual coletiva não assegurou, no caso do segundo
ano da escola B, a leitura coletiva. Por outro lado, a professora do segundo ano da
escola A não investiu como aquela na produção textual, mas assegurou a leitura
individual e coletiva de textos. Esse dado parece ser revelador de uma aparente
desarticulação entre esses eixos de ensino de língua, mesmo nas situações em que
esse trabalho poderia ser realizado, haja vista as especificidades das atividades
propostas.
Ao nos reportarmos às atividades que envolviam a compreensão de textos,
identificamos, de imediato, uma prioridade dada à oralidade se comparada à escrita.
275

Entendemos, com isso, que, além das atividades de leitura ocorrerem com mais
freqüência que as de compreensão, estas últimas, quando aconteciam, centravam-
se na dimensão oral. Essa modalidade de exploração desse eixo percorreu todo o
ciclo.
Embora tenhamos observado uma liderança na prática de compreensão
escrita por parte da escola A, sublinhamos que, de um modo geral, essa ficou
limitada a questões fáceis de localização de informação explícita na superfície do
texto. Acrescentemos a esse dado a quase ausência de atividades que priorizassem
a compreensão escrita entre as turmas de primeiro ano. Concluímos, portanto, que,
além das professoras, sobretudo nessa etapa do ciclo, terem monopolizado as
situações de leitura, esses educandos não vinham sendo expostos a práticas de
compreensão escrita, corroborando com a desarticulação indicada por Brandão
(2006) quanto a esses eixos.
Nos segundos anos não houve variações significativas entre compreensão
oral e escrita de textos. Quanto às turmas de terceiro anos, identificamos uma
proximidade com os segundos, ao considerarmos as práticas de compreensão
escrita. Por outro lado, no que se refere à compreensão oral, os terceiros anos
lideraram. Para além das especificidades das turmas, essa freqüência nos leva a
crer que, enquanto nos primeiros anos a leitura objetivava a exploração oral do
texto, assim como de algumas das propriedades do sistema de notação alfabética,
nos segundos e terceiros, ao contrário, parecia haver maior dedicação à exploração
dos textos nas dimensões oral e escrita. Constatamos uma ausência de progressão
no trato com a compreensão escrita de textos entre os anos, com uma evidente
dicotomia dos segundos e terceiros anos em relação aos primeiros.
Em relação ao eixo de produção de textos, destacamos, de início, a baixa
freqüência com que essa prática ocorreu, se contrastada com leitura e compreensão
textuais. Conjugando-se a esse aspecto, cabe registrar que nos momentos em que
os educandos foram chamados a produzir um texto, o faziam, em geral, sozinhos.
Bastos (2009) também sinaliza para a ausência, bem como as limitantes condições
de produção de textos, presentes na escola brasileira, já que essa lógica se
estenderia ao ensino médio.
Assim como o texto funcionou, na maioria das vezes, apenas como uma
“trampolim” para a proposição de algumas questões (MARINHO; SILVA; MORAIS,
2009), com a produção textual pareceu ocorrer o mesmo, ou seja, não se refletia
276

sobre as características e funções dos gêneros textuais, mas, por outro lado, o
atendimento desses atributos era cobrado. Tal como apontam Leal e Melo (2006), a
atividade de produção de textos é marcada por um certo grau de complexidade e,
como tal, implica num “preparar-se para”, por parte dos professores. A respeito
desse assunto, uma das professoras, durante entrevista realizada, declarou,
explicitamente, não ter investido mais na atividade de produção de textos pela
complexidade que ela envolve, assim como pelo nível de seus alunos que, em sua
maioria, não tinham construído a base alfabética de escrita.
Embora tenhamos destacado o depoimento acima, observamos que, no
interior do 1º ciclo, a maior freqüência de produção de textos ficou com as turmas de
terceiro ano. Com isso, visualizamos uma ausência de progressão quanto a esse
eixo, visto que, sobretudo os segundos anos, se distanciaram (e muito) daquelas
turmas. Voltamos a enfatizar que defendemos a consolidação de competências
específicas para os anos do ciclo, entretanto, ao optar pela perspectiva do
alfabetizar letrando (SOARES, 2003a; 2003b; 1998; CRUZ, 2008), cremos que é
possível, sim, conjugá-las com as práticas sociais de leitura e escrita. Sendo assim,
nada impediria as professoras de investirem na prática de produção de textos desde
o primeiro ano, resguardadas suas especificidades.
Longe de ser uma prática planejada, situamos, no conjunto de nossos
dados, algumas limitações quanto ao modo de encaminhar a produção textual. Uma
delas se refere à ausência de clareza nos comandos dados, o que, inevitavelmente,
culminou com uma nítida heterogeneidade nas produções. Além disso, os
aprendizes estavam produzindo sem ter claro um interlocutor. Segundo Leal (2005)
é preciso estar atento a vários aspectos que marcam a atividade de produção de
textos, a exemplo da geração e seleção do conteúdo textual.
A progressão das atividades parecia sofrer variações nem sempre previstas,
ao longo do ano letivo. Assim, por exemplo, a mestra do terceiro da escola C insistiu
na produção de textos com seus alunos, embora considerasse todas as dificuldades
por eles vividas no concernente à apropriação do sistema de notação alfabética.
Mas no final do segundo semestre, ao perceber que não tinham avançado
significativamente, tentou propor e acelerar a construção da escrita alfabética,
pensando na promoção para o primeiro ano do 2º ciclo.
Ao considerarmos os dados, reconhecemos que houve um expressivo
investimento na prática de produção textual coletiva. Entretanto, constatamos uma
277

ausência dessa atividade entre os primeiros anos, etapa em que, na nossa


compreensão, poderia contar, desejavelmente, com a mediação da professora
(LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006).
Entendemos que as professoras pareciam concordar com a alfabetização
numa perspectiva para o letramento, porém, no momento de operacionalizar um
ensino a partir dessa compreensão, apresentaram nítidas dificuldades. Esse aspecto
foi evidenciado ao se remeterem à articulação entre as atividades de leitura,
produção de textos e as do sistema de notação alfabética. Nesse âmbito, cremos
que entra em cena a relevância em se pensar numa progressão que explicite as
competências esperadas para a apropriação do sistema alfabético e como diferentes
e graduadas atividades podem contribuir na consolidação desse aprendizado.
Compondo um grande bloco do primeiro capítulo, passaremos a revisar
algumas das evidências sobre atividades voltadas ao sistema de notação alfabética
e sobre como estas se articulavam aos demais eixos de língua. No que se diz
respeito à leitura, enfatizamos, de imediato, a predominância da prática de leitura de
palavras sem o auxílio da professora. Considerando o universo das instituições,
lembramos que a escola C oportunizou em maior número essa atividade. Por outro
lado, houve ausência total da leitura de palavras na turma da professora do segundo
ano da escola B. Conforme assinalamos ao longo das seções, essa professora
admitiu não ter clareza do que priorizar e como conduzir o ensino de língua
portuguesa no “ciclo de alfabetização”.
Como prevíamos, a prática de leitura de palavras se constituiu numa
atividade priorizada entre as turmas de primeiro ano. Nesse universo, não
apreendemos variações significativas entre essas turmas, embora a professora da
escola C tenha se destacado. É oportuno enfatizar que, em se tratando desse
aspecto, não verificamos uma progressão no interior do 1º ciclo, visto que a
freqüência entre as turmas de terceiro ano foi superior às do segundo. Sobre esse
assunto, sublinhamos, novamente, o perfil das turmas de 3º ano das escolas A e C,
nas quais o baixo desempenho dos educandos levou as mestras a se preocupar
com a consolidação da escrita alfabética, embora com encaminhamentos distintos.
Enquanto a mestra da escola C respaldava seu ensino na leitura e produção
textuais, na escola A, a professora partia de um texto, sim, mas atribuía aos
aprendizes a tarefa de refletir acerca de algumas propriedades do sistema de
escrita.
278

Atribuímos ao debate acerca do letramento, a baixa freqüência de leitura de


letras e sílabas entre as escolas pesquisadas. De algum modo, as professoras
pareciam vincular a ênfase nas unidades menores que a palavra a um ensino
memorístico, tradicional. No conjunto das práticas, observamos uma preocupação
das professoras em inserir o texto na sala de aula, embora, como vimos, na maioria
das vezes, desprovidos de uma maior reflexão e desenvolvimento da autonomia dos
aprendizes. Foram poucas as ocasiões em que foram desafiados a ler textos.
Ao contrário das atividades de leitura e produção textuais, cuja ênfase
recaiu sobre a leitura, no caso das atividades do sistema de notação alfabética
(SNA), houve maior proposição de atividades de escrita se comparadas às de
leitura. Em se tratando da progressão, sublinhamos que, inicialmente, os alunos
estavam mais expostos a atividades do SNA para, só então, lerem e produzirem
textos. Esses últimos eixos entrariam para fomentar o debate do letramento, mas, a
prioridade nos primeiros anos era com a aprendizagem da escrita alfabética.
No rol das atividades de escrita, deu-se prioridade à escrita espontânea de
palavras, sobretudo nos primeiros anos. Em se tratando desse aspecto, não
apreendemos diferenças significativas entre os anos-ciclo. A aparição dessa
atividade nos terceiros anos pareceu vinculada aos perfis das turmas das escolas A
e C, já no caso dos segundos anos poderia relacionar-se à transitoriedade presente
naquela etapa do ciclo.
Tal como anunciamos nas atividades de leitura, a escrita de palavras,
esteve presente, principalmente, nas turmas de primeiro ano. Cremos que isso tinha
como objetivo assegurar a construção da base alfabética de escrita.
Um dado que nos chamou a atenção foi a não-prioridade atribuída à
atividade de escrita de palavras com aliteração e rima. Por indicarem inúmeras
possibilidades de reflexão das propriedades do sistema de escrita, esperávamos ter
encontrado maior presença pelo menos nos primeiros anos. Não registramos
nenhuma atividade de escrita de palavras com rima entre essas turmas. Esse dado
contraria o que propõem Leal, Albuquerque e Leite (2005) quanto à exploração de
rimas se constitui numa alternativa didática enriquecedora no processo de
alfabetização das crianças.
Ao nos remetermos às atividades de cópia, encontramos um quadro distinto
dos anteriores, ou seja, os alunos, quando expostos a essa atividade, copiavam
textos e não unidades menores. Destacamos que a escola C, no conjunto das
279

instituições, foi a que menos investiu nessa atividade. Por se tratar de um grupo de
profissionais que trabalhavam de maneira mais articulada, cremos que vinculavam
essa prática a uma concepção de ensino memorística, tradicional.
A atividade de cópia contou com vários encaminhamentos e finalidades. No
segundo ano da escola B, a mesma ocorria de forma articulada com a reescrita
coletiva. Como a participação dos alunos estava centrada na dimensão oral, eles
eram orientados, no final da escrita da mestra no quadro, a registrar o conto na
pauta. Por outro lado, a cópia apareceu como atividade diversificada no primeiro ano
da escola A. O objetivo era “ocupar” o aluno, com isso, se configurava, a nosso ver,
como uma tarefa pouco desafiadora.
Ao considerarmos as atividades de contagem de unidades lingüísticas,
verificamos, ao contrário do que vimos até o momento, que a sílaba foi uma unidade
privilegiada, de modo que a contagem de sílabas em palavras contou com um
número expressivo entre as tarefas propostas. O mesmo ocorreu com a contagem
de letras em palavras. Por outro lado, a contagem de letras em sílabas foi pouco
explorada entre as turmas. É oportuno destacar que, embora houvesse uma
considerável freqüência de atividades de contagem de sílabas em palavras, pouco
se refletiu acerca das variações nas estruturas silábicas.
Quanto às atividades de partição de unidades lingüísticas, predominaram as
tarefas de partição oral quando confrontadas com as de partição escrita. Em geral,
os educandos realizaram a partição oral de palavras em sílabas. Nessa atividade,
embora não tenhamos encontrado variações significativas, houve proximidade entre
os primeiros e terceiros anos. Já em relação à partição oral de palavras em letras, a
liderança ficou com o primeiro ano da escola A. Foi menos explorada entre as
turmas a partição oral de frases em palavras. Em geral, essa atividade aparecia nas
situações de ditado de frases.
Considerando as atividades de nomeação, identificação e produção, de
unidades lingüísticas enfatizamos, de início, maior freqüência de atividades de
nomeação de letras em posição “x”. A professora do primeiro ano da escola A, por
exemplo, declarou a preocupação em propor atividades voltadas à nomeação das
letras do alfabeto. Segundo ela, muitas vezes o aluno reconhecia as letras, porém,
ao ser solicitado quanto à nomeação, não obtinha sucesso. Apesar da professora ter
reconhecido essa importância, afirmou não ter limitado seu ensino ao
reconhecimento dos nomes das letras, mas o articulava a outras atividades que
280

envolviam a escrita alfabética, tal como proposto por Leite (2006). Essas tarefas,
como esperávamos, foram priorizadas nas turmas de primeiro ano.
Ao contrário dos dados encontrados quanto às atividades de nomeação, a
identificação de letras em posição “x” e de letras “x” em posição “x” não foram
priorizadas pelas professoras. Do mesmo modo que a primeira, essas tarefas
estiveram centradas nos primeiros anos.
Tal como realçamos, não houve um grande investimento em atividades de
escrita de palavras com aliteração/rima, mas, em contrapartida, as professoras, ao
explorarem a identificação de aliteração/rimas, o fizeram, majoritariamente, com
correspondência escrita. Esse procedimento, em nossa compreensão, auxiliou os
educandos na reflexão das correspondências grafofônicas (MORAIS; LEITE, 2005).
Em se tratando dessa atividade, visualizamos maior investimento na escola A,
porém, entre os anos-ciclo, não houve variações significativas, predominando,
entretanto, os primeiros anos. Ao considerarmos os outros aspectos dessa seção,
observamos prevalência entre as turmas de primeiro ano.
Em contraste com os outros aspectos analisados, as atividades de
comparação de unidades lingüísticas ocorreram com menor freqüência. Do conjunto
analisado, identificamos maior preocupação com comparação da escrita do aprendiz
com escrita convencional, objetivando a auto-avaliação. Nesse contexto, uma
atividade que se prestou a essa opção pelas professoras foi o ditado.
Ao tratarmos das atividades de exploração, identificamos um número
expressivo de exploração dos diferentes tipos de letras nos três anos do 1º ciclo.
Enquanto as professoras do primeiro ano estavam preocupadas com a escrita
alfabética, as do terceiro enfocavam os diferentes tipos de letras considerando
aspectos normativos, a exemplo da letra maiúscula. Na turma do primeiro ano da
escola, observamos várias situações de exploração dos tipos de letras, porém, sem
reflexão.
No que se refere às atividades de análise lingüística, como pensávamos,
houve menor investimento entre as turmas de primeiro ano. No conjunto das
escolas, registramos uma maior freqüência na instituição B. As situações de
reescrita de contos, no caso do segundo ano e produção textual, no terceiro,
priorizaram essa reflexão no interior do texto, bem como de sentenças. Em se
tratando do ensino de nomenclaturas gramaticais, observamos que as escolas A e B
se sobressaíram, embora optando por encaminhamentos distintos. De qualquer
281

modo, tentava-se, a nosso ver, superar o modelo tradicional de ensino de gramática,


cuja prática estava descolada de unidades de ensino como o texto. No segundo ano
da escola B observamos ricos momentos de interação e reflexão dos conhecimentos
lingüísticos responsáveis pela coerência e coesão textuais. Entretanto, de um modo
geral, as reflexões estiveram centradas na modalidade oral, o que, em nossa
compreensão, limitou as possibilidades de articulação com o processo de escrita.
Entendemos que a análise das práticas pedagógicas, a partir dos eixos
priorizados nesse capítulo, sinalizou para uma compreensão mais refinada do que
cada professora vinha contemplando nas aulas de língua, assim como os
encaminhamentos adotados. Num geral, foi possível apreender a ausência de uma
clara progressão das atividades, que vislumbrasse a expectativa de um crescente de
aprendizagem no coletivo de alunos, ao mesmo tempo em que se tratasse a
heterogeneidade no interior de cada grupo-classe de cada ano-ciclo.
Ainda nos reportando à progressão no interior do 1º ciclo, destacamos o
quanto no segundo ano houve ausência de clareza quanto ao que priorizar: ora se
aproximava do primeiro ano, privilegiando atividades cujo enfoque esteve centrado
no ensino das propriedades do sistema de notação alfabética, ora se aproximava do
terceiro ano, com ênfase à produção textual. Cremos que em função dessa
indefinição, houve quem declarasse não conhecer as especificidades desse ano-
ciclo, afirmando, claramente, não saber o que enfatizar no ensino de língua
portuguesa. Por essa razão, entendemos que essa transitoriedade no interior do
ciclo foi marcada por visíveis dificuldades.
A opção por orientar nossas análises com base nas variáveis escola e ano-
ciclo nos possibilitou apreender variações específicas. Vimos, por exemplo, como
parecia influir na decisão das mestras o fato de diversos alunos não estarem
alfabetizados no terceiro ano ou, por outro lado, o fato de a professora não saber
como intervir, objetivando o avanço dos educandos com dificuldades.
Compreendemos que o quadro geral de dificuldades em fazer um ensino
mais ajustado estaria ligado à postura de algumas professoras resolverem as tarefas
pelos alunos, impedindo-os de avançarem de forma autônoma. Foi muito recorrente
essa tendência nas atividades do ditado. Poucas profissionais, ao contrário,
priorizaram, em primeira instância, a reflexão por parte dos aprendizes e, sempre
que necessário, intervinham.
282

A título de conclusão parcial, registramos o quanto foi difícil, em alguns


momentos, separar as análises desse primeiro capítulo de nosso estudo daquelas
que aparecerão no capítulo seguinte. Ao relatarmos os eventos, as atividades
priorizadas, acabamos por antecipar alguns aspectos que serão tratados de maneira
mais detalhada no próximo capítulo.

5 RESULTADOS DE ANÁLISES II
283

5.1 Práticas de ensino de língua: escolhas “didáticas e pedagógicas” e o


tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens, ao longo do 1º ciclo.

O presente capítulo trata da organização do trabalho pedagógico das


professoras. A partir da análise de conteúdo das observações de aula e das
entrevistas realizadas, enfocaremos, mais especificamente, as formas de
agrupamento adotadas na sala de aula, a presença (ou ausência) de cooperação
entre professora-alunos e aluno-aluno, o tratamento dado à heterogeneidade das
aprendizagens, bem como o tratamento dado ao erro do aluno. Nosso objetivo foi
analisar o quanto as escolhas “didáticas” e “pedagógicas” do professor, no âmbito da
sala de aula, estariam ou não propiciando o tratamento das diferenças dos
aprendizes, tal como apregoam as propostas de escolarização em ciclos.

5.1.1 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos

Objetivando apreender as formas de agrupamento adotadas pelas


professoras, no decorrer das proposições de atividades de língua portuguesa, nos
propomos, no início desse capítulo, a retomar aspectos já anunciados no primeiro
capítulo, porém, nos detendo, nesse momento, na articulação entre os eixos de
ensino de língua e os encaminhamentos priorizados nas práticas observadas.

A partir desse quadro descrito, explicitaremos, nesse bloco, a análise das


práticas de leitura, compreensão e produção textuais, atividades envolvendo a
escrita alfabética e análise lingüística em articulação com os agrupamentos
adotados na sala de aula. Interessa-nos, nesse caso, não computar a freqüência
absoluta ao longo das oito aulas acompanhadas, mas registrar a presença (ou
ausência) desses agrupamentos em cada aula. Reiteramos que a análise foi
desenvolvida a partir das variáveis escola e ano-ciclo.

Seguem as principais evidências encontradas no eixo da leitura de textos.

5.1.1.1. Atividades de língua portuguesa e formas de agrupamento dos alunos:


leitura de texto
284

Ao longo das análises presentes nesse bloco, referentes à articulação entre


os eixos de ensino de língua e às formas de agrupamento adotadas pelas
professoras, partiremos das subcategorias: atividades propostas individualmente,
em grupo, com a participação de uma parcela restrita do grupo-classe, com a
participação de todos os educandos, além daquelas conduzidas pelas mestras. Com
isso, cremos ser possível realçar aspectos já presentes no primeiro capítulo, porém,
vinculando-os àquelas subcategorias. Segue tabela com as atividades de leitura de
textos.

Tabela 14: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: leitura de textos, no 1º
ciclo, nas nove turmas acompanhadas

Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: leitura de textos


Part.
Individual Grupo Part. Todos Restrita Mestra

S N S N S N S N S N

Escola A 1º ano 1 7 0 8 0 8 0 8 7 1

2º ano 5 3 0 8 4 4 2 6 7 1

3º ano 2 6 0 8 1 8 2 6 4 4

Escola B 1º ano 0 8 0 8 2 6 0 8 3 5

2º ano 0 8 0 8 0 8 1 7 7 1

3º ano 5 3 0 8 6 2 0 8 4 4

Escola C 1º ano 1 7 0 8 0 8 0 0 8 0

2º ano 1 7 0 8 0 8 1 7 4 4

3º ano 4 4 0 8 0 8 3 5 5 3
Individual: leitura de texto realizada pelo aluno; Grupo: leitura de texto realizada em grupo;
Participação de todos: leitura de texto com a participação de todos os alunos; Participação
restrita: leitura de texto com participação de uma pequena parcela do grupo-classe; Mestra: leitura
de texto realizada pela mestra; S = Sim; N = Não.

Diferentemente do primeiro capítulo, nesse bloco, não estamos


considerando a freqüência absoluta, mas as modalidades de agrupamento adotadas
quando ocorreu a prática de leitura de textos, considerando cada uma das oito aulas
observadas em cada turma.

Corroborando com dados já declarados, no que se refere a esse eixo,


verificamos uma ausência de participação efetiva dos alunos do primeiro ano, nessa
285

prática. Apenas as professoras das escolas A e C oportunizaram seus alunos a


lerem textos em apenas uma das oito aulas acompanhadas. Infelizmente, o quadro
se manteve nas turmas de segundo ano, com exceção da escola A, em que os
educandos leram algum texto em cinco aulas. Em se tratando dos terceiros anos,
ainda consideramos tímido o investimento em leitura de textos pelos alunos,
momento em que, certamente, essa prática já poderia estar consolidada. Como já
ressaltado, a professora do terceiro ano da escola B insistia em desenvolver uma
prática sistemática de leitura e produção textuais, dada a autonomia que seus
alunos apresentavam. Entretanto, localizamos essa prática em apenas cinco aulas.

Naquela turma de terceiro ano, na quarta observação, a mestra


disponibilizou um texto, solicitou que os alunos lessem silenciosamente, a fim de
realizar uma leitura alternada, num momento posterior. Vejamos como procedeu:

(Professora Buana, 3º ano, escola B, 4ª Observação)

(...)
Bora, cada um lendo seu textozinho. No seu lugar. Fazendo a leiturazinha
silenciosa. Todo mundo lendo baixinho (nesse momento, observamos a
predominância de um silêncio na sala de aula, todos liam).
A – Tia, terminei. O primeiro meu! (o aluno se orgulhava de ter feito uma leitura
rápida).
A1 – Terminei, tia.

P – Começa a ler, Andréa (a professora tinha alertado que prestassem atenção, já


que, a qualquer momento, poderia trocar de aluno na leitura. Na ocasião, ficaram
extremamente atentos).
A – Era um...
P – Primeiro lê o título, a autora, a editora. (...)
P – Andréa, leia mais alto.
286

A – Era um jardim zoológico... (pausa. A aluna manteve-se em silêncio pensando


como leria a palavra).
P – ‘Enorme’, ‘um jardim enorme’.
A – É o...
P – ‘é’ não, ‘e’, não tem acento.
A – “Um bebê elefante...”
P – Basta, continua, Evelin.
A – “O pai dizia”.
P – Continua Joana (a aluna leu muito bem. Atenta à pontuação).
P – Vai, Everson.
A – Não sei.
P – Não tá prestando atenção. Chamei você exatamente por isso. Vá, Bruno (o
aluno terminou de ler o texto, lendo-o com segurança).
P – Eu vou ler e depois perguntar a vocês (os alunos acompanhavam, mantendo-
se em silêncio).
P – O textozinho do elefante. Agora nós vamos responder algumas
perguntinhas sobre o elefante, tá? Bora ver!
(...)

A professora destacou que, durante a atividade de leitura, em sua turma,


costumava disponibilizar o texto, garantir a leitura silenciosa, além de, ela mesma,
após a leitura em voz alta realizada pelos educandos, buscar garantir a
compreensão do sentido do texto, lendo-o para a turma. De acordo com ela, era
imprescindível sua leitura para os alunos, já que isto asseguraria a compreensão do
mesmo.

Ao nos reportarmos à leitura conjugada a outras alternativas de


agrupamento, não identificamos nenhum momento reservado ao trabalho nos
grupos. Quadro semelhante encontramos na prática de leitura de texto com a
participação da maioria dos alunos, visto que somente na turma do terceiro ano da
escola B, cuja prática parecia estar alicerçada no envolvimento de todos os alunos,
verificamos seis aulas em que a mestra assegurou esse tipo de encaminhamento.
Entre as turmas de segundo ano, se destacou a professora da escola A, com quatro
momentos reservados à leitura com participação de todos. Já no que se refere às
287

turmas de primeiro ano, esperávamos encontrar um quadro diferente no que diz


respeito a essa modalidade de leitura envolvendo todos os aprendizes, porém, esta
não se constituiu numa prioridade nesse universo.

Por que afirmamos isto? Se a justificativa para não priorizar a leitura de


textos individualmente, entre as turmas de primeiro ano, se expressava, sobretudo,
pela ausência de autonomia para tal, como justificar, então, a ausência de leitura de
textos que envolvesse o coletivo dos alunos e a professora? Em nossa
compreensão, a prática da leitura coletiva nessas turmas, entre outras coisas,
possibilitaria maior apropriação dos aspectos estruturais e lingüísticos do texto, bem
como maior autonomia na construção do sentido do texto.

Reportando-nos, ainda, à leitura coletiva, verificamos somente dois


momentos em que esta ocorreu com a participação da maioria do grupo-classe, na
turma da professora do primeiro ano da escola B. Durante a entrevista, a professora
revelou a importância de trabalhar com leitura de textos, mesmo com seus alunos no
início do 1º ciclo. Ela então declarou:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B)

(...)
Professora Bernadete – com o curso de... de Pró-Letramento153 também a gente tá
vendo isso. E eu acho que me ajudou mais. Essa coisa de fazer textos pequenos,
achei muito legal isso. Eu vou, no próximo ano eu vou começar assim, sabe? Textos
pequenininhos em que os alunos, eles se sentem é... como se eles tivessem se
apropriado do texto, mesmo sem eles saberem ler e escrever, mas eles se
apropriam. Tinha aquela música ali ‘o meu gatinho, quando acordou’.
Solange – Lembro.
Professora Bernadete – Eles adoram, porque criança gosta de bichinho, de

153
Brevemente, a professora declarou ter participado desse projeto do “Pró-letramento” através do
Centro de Estudos em Educação e Linguagem na UFPE (CEEL/UFPE). De acordo com ela, tanto o
curso que enfocava o Sistema de Notação Alfabética (SNA), quanto o do Pró-letramento, estavam
priorizando o debate de articulação da construção alfabética de escrita com os demais eixos de
língua, incluindo a leitura de textos.
288

gatinho, aí ele faz o gesto, tomando leitinho. E isso assim ele se apropria do texto,
entendeu? Eu acho que isso ajudou. Apesar de eu não ter todos os meus alunos
lendo e escrevendo com segurança, mas eu tenho uma boa parte deles.
(...)

Com o intuito de estimular a leitura coletiva, a professora, conforme


destacou na entrevista, costumava elaborar textos com finalidade “didática”,
adaptando-os para sua turma.154 A seguir, explicitaremos um trecho da quarta
observação, em que realizou a leitura coletiva com seus alunos:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B, 4ª Observação)

(...)
P – Diga aí o texto, leiam. Qual é o tipo de letra?
Larissa – Fôrma.
P – Maiúscula ou minúscula?
A – Minúscula.
P – Então é letra de fôrma, é? Leiam. Eu vou fazer igual.
Alguns alunos foram lendo.
P – Não. Vocês já têm no caderno, podem acompanhar no caderno, senão a
gente vai perder tempo. Depois se quiserem, podem copiar (a professora foi
registrando o texto no quadro com imprensa maiúscula). “Tem ponto em algum
lugar? José Mateus, não vou perder minha garganta, sente aqui! A gente
conversou tanto ontem. Onde tiver ponto, me digam. Quando a gente tá lendo
que tem um ponto, a gente dá uma pausa” (os alunos continuaram ditando o
texto).
08:15h – A professora ia repetindo e perguntando: ‘do Brasil’, tem ponto?
Alunos – Tem.
P – Depois de que palavra?
Alunos – ‘Brasil’.

154
Conforme a professora, os textos denominados por ela de “didáticos” propiciavam esse trabalho
mais específico de leitura. Em geral, recorria a textos de longa extensão e os “adaptava” para a
turma.
289

P – Antes de ‘levado’ tem alguma palavra, heim, Larissa?


A – ‘Muito’.
P – ‘Muito levado’, ‘o saci é muito levado’. ‘Levado’ é o quê, mesmo?
A – ‘Treloso’. ‘Biscoito treloso’.
P – ‘Protege a natureza’. Terminou?
Alunos – Terminou.
P – Eu vou com a régua e vocês com o dedinho, certo? No de vocês. Vamos lá!
Aqui?
Alunos – E o curupira.
P – Vamos tentar ler todo mundo junto. Eu sei que tem alguns que lêem mais
rápido que outros, mas vamos tentar. Vocês vão lendo o de vocês. ‘Eles vivem
nas matas do Brasil’. Muito bom: a natureza (a professora foi lendo e
acompanhando palavra por palavra com a régua. Boa parte dos alunos, na ocasião,
leu).
(...)

É interessante destacar a total ausência da prática de leitura de textos no


grande grupo na escola C, instituição cujas professoras indicavam desenvolver as
atividades com um nível de articulação que as diferenciava das demais escolas.
Nesse universo, a professora do primeiro ano pautava seu ensino na leitura de
contos, poesias, entretanto, realizada exclusivamente por ela. Em apenas uma das
aulas observadas, oportunizou uma de suas alunas, com bom desempenho nas
atividades, a realizar a leitura de um livro. Não sinalizando para uma prática de
leitura sistemática, a professora do segundo ano, tal como a do primeiro, em uma de
suas aulas, orientou um de seus alunos a ler, entretanto, a leitura não foi priorizada
em suas aulas, nem mesmo por ela. Diferentemente dessas duas profissionais, a
mestra do terceiro ano, parecia reconhecer, de maneira notória, a relevância de
inserir seus alunos na leitura de textos, entretanto, o perfil de sua turma, em sua
ótica, dificultava esse encaminhamento, visto que, de maneira geral, a maioria deles
estava consolidando, ainda, a escrita alfabética. Aspecto que desencadeou uma
série de limitações, inclusive na prática de leitura coletiva, nessa turma.

Do mesmo modo como ocorreu com a leitura envolvendo a maioria dos


alunos, essa prática desenvolvida com uma parte restrita dos educandos também
290

não foi priorizada. Voltamos a mencionar o caso da professora do terceiro ano da


escola C, que reservou em três das oito aulas, momentos de leitura coletiva.
Atribuímos, mais uma vez, ao perfil de sua turma, a tímida participação dos
educandos. Esse é um dado que merece destaque: de fato, como enfatizamos, a
leitura coletiva não se constituiu numa prioridade, entre as turmas. Todavia, os
momentos de leitura com participação restrita ocorreram em função do não
envolvimento dos aprendizes nessas raras ocasiões em que foram chamados a ler
coletivamente.

Reiterando o dado já encontrado e anunciado no primeiro capítulo, a prática


de leitura ficou, majoritariamente, a cargo das professoras, como podemos observar
na tabela 14. Um exemplo que vale a pena retomar foi o da professora do terceiro
ano da escola B, dado que oportunizou a leitura pelos alunos, entretanto,
considerava importante a retomada da leitura realizada por ela, já que garantiria a
compreensão do texto por parte deles, como pudemos acompanhar no exemplo
citado nessa seção.

Seguiremos apontando as principais evidências da prática de compreensão


textual, focando as alternativas de agrupamento privilegiadas pelas mestras.

5.1.1.2. Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: compreensão


textual
Focando as atividades de compreensão textual, objetivamos apreender o
modo como as professoras estavam encaminhando essas atividades, considerando
as escolas e os anos-ciclo. Do mesmo modo, interessou-nos vincular essas variáveis
às distintas formas de agrupamento dos alunos, já anunciadas na seção de leitura
de textos.

Tabela 15: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: compreensão textual, no
1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas

Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: compreensão textual

Individual Grupo Part. Todos Part. Restrita Mestra

S N S N S N S N S N

Escola A 1º ano 1 7 0 8 1 7 5 3 0 8

2º ano 7 1 0 8 0 8 7 1 0 8
291

3º ano 4 4 0 8 0 8 4 4 0 8

Escola B 1º ano 2 6 0 8 1 7 3 5 0 8

2º ano 2 6 0 8 1 7 5 3 0 8

3º ano 1 7 0 8 2 6 4 4 0 8

Escola C 1º ano 0 8 0 8 0 8 1 7 0 8

2º ano 4 4 0 8 0 8 4 4 0 8

3º ano 3 5 0 8 0 8 5 3 0 8

Individual: compreensão textual realizada pelo aluno; Grupo: compreensão textual realizada em
grupo; Participação de todos: compreensão textual com a participação de todos os alunos;
Participação restrita: compreensão textual com participação de uma pequena parcela do grupo-
classe; Mestra: compreensão textual realizada pela mestra; S = Sim; N = Não.

Assim como ocorreu com as atividades de leitura, a compreensão textual


não se constituiu numa prioridade entre as práticas de primeiro ano. Embora
reconheçamos a relevância desse tipo de tarefa desempenhada pelo aprendiz no
início do 1º ciclo, as professoras insistiam em não desenvolver essa competência
nessa etapa inicial.

Vale ressaltar que o trabalho com esse eixo, como já assinalamos no


primeiro capítulo, quase sempre se restringia à localização de informações explícitas
no texto. Ainda que, diante desse quadro, os educandos do primeiro ano não foram
suficientemente expostos a esse tipo de tarefa. Quanto ao universo dos segundos
anos, mais uma vez a professora da escola A se sobressaiu, visto que costumava,
num encadeamento sistemático, expor algum texto para cópia, realizar a leitura
alternada entre os alunos, seguida de algumas questões de compreensão,
priorizando, como as demais, questões de fácil localização e de opinião (BRANDÃO,
2006). No caso dessa turma, observamos essa atividade, realizada individualmente,
em sete das oito aulas acompanhadas.

Surpreendentemente, esse eixo não foi priorizado entre as turmas de


terceiro ano, no âmbito individual. Cremos que, pelo fato de estarmos nos
remetendo ao final do ciclo, as professoras, cujas turmas tinham mais dificuldades
no aprendizado dos objetos do saber tratados na área de língua, incluindo a escrita
alfabética, investiram um pouco mais (escolas A e C) se comparadas à escola B, em
que registramos apenas em uma aula essa atividade.
292

Curioso esse dado, visto que, na medida em que os alunos consolidassem a


escrita alfabética, teriam melhores condições de atuar, sistematicamente, na
compreensão de textos dos mais variados gêneros. Em continuidade a esse
raciocínio, a compreensão textual os auxiliaria a melhor desempenhar a prática de
leitura, como, também, a produção de textos. Não estamos concebendo um eixo
como pré-requisito do outro, porém, em articulação, acreditamos, esse trabalho
desencadearia avanços significativos no desempenho dos aprendizes.

Em se tratando da compreensão textual, a professora do terceiro ano da


escola B, afirmou enfocar em articulação com a leitura e produção de textos.
Entretanto, esse trabalho, quando ocorreu, foi no coletivo, atingindo parte da turma.
Observemos o que declarou na entrevista quanto a essa articulação entre os eixos:

Bom, eu geralmente trazia um texto pronto, é... xerocado e dava a


cada um o seu texto. Aí eles liam aquele texto e a gente a princípio,
a gente debatia o texto oralmente. Então depois eu sempre botava a
interpretação do texto, pra eles interpretarem aquele texto, mas
com, pra eles darem a opinião deles sobre determinado assunto do
texto, não pra eles localizarem a resposta no texto. Então era pra
eles darem a opinião deles sobre determinado assunto do texto. E
depois eu fazia com que eles escrevessem um texto sobre aquele
assunto, mas diferente daquele que eles tinham lido. Então eles
escreviam um texto sobre aquilo (...) (Professora Buana, 3º ano,
Escola B).

Repetiu-se o quadro encontrado na seção anterior quanto à compreensão


textual nos grupos. Não registramos nenhum caso entre as instituições pesquisadas.
Cenário semelhante foi visto quanto a essa atividade envolvendo a participação da
maioria dos alunos, conforme aponta a tabela 15. Os dados nos revelaram que,
quando ocorria a compreensão textual, essa se dava, prioritariamente, com a
participação de uma pequena parcela da sala. Em se tratando desse aspecto, a
liderança ficou com a professora do segundo ano da escola A, a qual costumava
realizar a leitura de um texto, seguida de uma interpretação que contava com a
participação de alguns educandos. Em geral, a professora antecipava oralmente as
questões da compreensão de textos, cremos que, por essa razão, houve
coincidência nos números encontrados na interpretação de textos individual e com a
293

participação de uma parcela da turma (7/1).155 Entendemos que essa era uma tática
utilizada pela professora, com o intuito de situar os alunos na atividade, bem como
evitar o erro nas questões. Somado a esses aspectos, ela propunha, geralmente,
questões de fácil localização no texto. Na segunda observação, após a leitura
realizada por ela, em seguida pelos alunos, do texto intitulado: “A torta de pêssego”,
a mestra seguiu explorando o texto, assim como alguns aspectos do sistema de
notação alfabética:

(Professora Aída, 2º ano Escola A, 2ª Observação)

(...)
P – Quem são os personagens desse texto?
Alguns alunos – Cássio e Melissa.
P – O que Melissa faz?
Alguns alunos – Torta de pêssego.
P – Só. O que ela faz mais? Leia o texto!
A – Ela faz as tarefas de casa!
P – Melissa é o quê de Cássio?
Alguns alunos – Irmã.
P – A palavra ‘CÁSSIO’ tem quantos pedacinhos?
Alguns alunos – Dois.
P – PÊSSEGO?
Alguns alunos – Três.
P – FEIA.
Alguns alunos – Três, dois.
P – Presta atenção! ‘FEIA’!
Alguns alunos – dois.
P – IRMÃO?
Alunos – Dois.
155
Diferentemente das tabelas do primeiro capítulo, cujo objetivo foi registrar o número absoluto de
atividades ocorridas em cada aula observada, nesse segundo bloco, computamos a presença ou
ausência da atividade analisada. Nesse caso, em particular, tanto para a compreensão individual,
quanto a coletiva (participação restrita) de textos, houve coincidência nos número encontrados, nas
oito aulas observadas.
294

P – TAREFA?
Alunos – Três.
P – AMASSADA.
Alunos – Quatro.
P – Para saber os pedacinhos, nós contamos nos dedos também: ‘TA RE FA’,
‘ME LIS SA’ (a mestra leu destacando as sílabas).
P – Como ficou a ‘torta’?
Alguns alunos – ‘amassada’.
P – Vocês comem torta amassada?
Alunos – Não.
P – É mesmo? Ô bebê (sempre que se remetia aos alunos dessa maneira, já
entendiam que a professora estava irritada). “Quer dizer que tua mãe faz um bolo,
saiu meio queimado, tu não comes? Eu não tô lá pra ver”.
(...)

Diferentemente do quadro encontrado na leitura de textos, no caso da


compreensão, não houve a participação exclusiva da mestra. Como frisamos
anteriormente, esta, quando ocorria, ficava a cargo de uma parcela restrita do grupo-
classe. Interessante esse dado, visto que, nas atividades que remetiam a algum
registro escrito, os alunos eram chamados a ter uma atuação mais visível, a exemplo
da compreensão e produção textuais. Por outro lado, a leitura de textos, como
vimos, ficou, predominantemente, sob a incumbência das professoras. Esse dado
parece revelar o que historicamente foi se consolidando como instrumentos de
avaliação mais facilmente mensuráveis. O registro escrito indica maior controle
sobre o desempenho do aprendiz, diferentemente da leitura.

Retomando o aspecto de priorizar, ao enfocar a compreensão textual, as


questões de fácil localização, nos vem pelo menos duas reflexões: a primeira se
refere a uma concepção de contemplar algo mais “acessível” aos alunos, partindo do
“mais fácil” ao que seria “mais difícil” e a outra diz respeito ao perfil de professor que
estamos analisando. Ultrapassar essa abordagem dada à compreensão de textos
requer um professor que planeje e domine formas mais complexas de explorar esse
eixo de ensino. Como esperar do docente que priorize questões inferenciais, ao
295

propor a compreensão dos textos, se a seleção, a abordagem dos gêneros textuais


não sinalizam para esse enfoque?

Ao nos reportarmos mais uma vez à produção de textos, verificando o modo


como as professoras organizavam seus alunos para darem conta dessa tarefa, nos
perguntamos: de que modo estavam procedendo as professoras ao enfocarem a
produção textual em articulação com os diversos tipos de agrupamento possíveis
para esse fim?

5.1.1.3. Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: produção textual

A partir de dados anunciados no primeiro capítulo desse estudo, já foi


possível apreender uma não-priorização à prática de produção de textos. Além
disso, essa atividade era desenvolvida, quase sempre, pelo aluno. Seguiremos,
nessa seção, pontuando tais questões em articulação com outras formas de
agrupamento do grupo-classe e a relação dessas opções com as variáveis ano-ciclo
e escola.

Tabela 16: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: produção textual, no 1º
ciclo, nas nove turmas acompanhadas.

Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: produção textual

   Individual Grupo Part. Todos Part. Restrita Mestra

S N S N S N S N S N
296

Escola A 1º ano 1 7 0 8 0 8 0 8 0 8

2º ano 2 6 0 8 0 8 0 8 0 8

3º ano 2 6 0 8 0 8 1 7 0 8

Escola B 1º ano 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8

2º ano 1 7 0 8 0 8 7 1 0 8

3º ano 7 1 0 8 0 8 1 7 0 8

Escola C 1º ano 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8

2º ano 0 8 0 8 0 8 1 7 0 8

3º ano 3 5 0 8 0 8 2 6 0 8

Individual: produção textual realizada pelo aluno; Grupo: produção textual realizada em grupo;
Participação de todos: produção textual com a participação de todos os alunos; Participação
restrita: produção de textos com participação de uma pequena parcela do grupo-classe; Mestra:
produção textual realizada pela mestra; S = Sim; N = Não.

Ao nos reportarmos às atividades de produção textual, enfatizamos não só a


ausência dessa prática, conforme anunciado, mas, também, o não investimento
dessa tarefa no âmbito individual. De acordo com a tabela 16, somente a professora
da turma do terceiro ano da escola B se sobressaiu, oportunizando seus alunos a
produzirem textos em sete das oito aulas acompanhadas. Com um perfil de turma
diferenciado, alunos que, em sua maioria, precisavam se apropriar da escrita
alfabética, a professora do terceiro ano da escola C insistiu, nas primeiras
observações, em priorizar os eixos de leitura e produção de textos. No caso dessa
última atividade, o fez em três das oito aulas.

Acreditamos que pela necessidade de um planejamento prévio, o


desenvolvimento de atividades em grupo, mais uma vez, não esteve na pauta de
prioridades, no conjunto das observações. Do mesmo modo, nenhuma professora
conseguiu, em seus encaminhamentos, assegurar a participação de todos os alunos
na atividade de produção de textos. Com poucas exceções, essa tarefa alcançou a
participação de alguns aprendizes, mas não houve um enfoque sistemático nesse
eixo de ensino. Isto se deu somente na turma da professora do segundo ano da
escola B, dado que sua prioridade foi enfocar a reescrita coletiva de contos. Essa
atividade acontecia com a participação efetiva de um grupo que se concentrava
próximo à professora. Os demais, como já sublinhamos, aguardavam o momento da
cópia da reescrita realizada pela professora no quadro.
297

Contrariamente ao que localizamos nos eixos até aqui considerados,


voltamos a reforçar o quadro encontrado quanto à produção textual: ausência da
participação da professora. Nesse caso específico, os alunos, nos poucos
momentos em que foram expostos à prática de produção textual, operavam
solitariamente. Ressaltamos, ainda, comandos difusos que pouco ajudavam os
aprendizes na escrita, a exemplo de uma situação encontrada na turma do terceiro
ano da escola B, em que foram orientados a descrever a cena de um menino
tomando sorvete. Como a professora havia mencionado o nome “história”, alguns
deles recorreram a articuladores textuais presentes nos contos, procedimento que
desencadeou sua intervenção num momento posterior.

Conforme indica a tabela 16, a prioridade quanto à produção de textos ficou


com a escola B, particularmente com as turmas de segundo e terceiro anos. A
primeira na modalidade de ‘participação restrita’, já a segunda, de ‘produção
individual’. Observamos, com isso, entre outros aspectos, a ausência de progressão
no interior do 1º ciclo quanto à atividade de produção de textos, quando, sobretudo
nos terceiros anos, etapa em que se esperava maior investimento nesse eixo de
ensino de língua, essa tarefa não foi priorizada. Embora não tenha praticado
sistematicamente a produção de textos, entendemos que, pelos perfis de suas
turmas, evidenciamos essa preocupação na fala das professoras dos terceiros anos
das escolas A e C, durante a entrevista. Segue depoimento da mestra da escola C:

(Professora Custódia, 3º ano, Escola C)

Solange – Custódia, na tua opinião quais seriam aqueles conhecimentos,


aqueles saberes, as competências que seriam necessárias para o aluno
construir ao longo do terceiro ano? Aqueles conhecimentos, as competências
que ele não
poderia deixar de construir ao concluir o terceiro ano, na tua concepção?
Professora Custódia – Eu acho que a apropriação do sistema de escrita alfabética,
pelo menos saindo no nível alfabético, todos eles você vê que não saiu, já com
produção de texto pequena, conseguindo interpretar alguns textos, mas a gente
sabe que na realidade nem todos saem assim. É... no primeiro e segundo anos, ele
já tem que ter conhecimento do alfabeto, né? É... já tem que ter é... já uma escrita
298

com segmentação, né? Já não escrever mais agarradinho, saber o... escrever o
próprio nome, produzir algumas frases, eu acho que o segundo ano já tem
condições de fazer isso.
(...)

Trataremos, em seguida, das formas de agrupamento adotadas nas


atividades voltadas à construção da base alfabética de escrita.

5.1.1.4 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: Sistema de


Notação Alfabética

Compondo um dos eixos de ensino que ganhou centralidade nesse estudo,


passaremos a analisar as atividades voltadas à construção do sistema de notação
alfabética, a partir das diferentes formas de agrupamento priorizadas pelas
professoras, foco desse bloco de análise. Do mesmo modo que vimos analisando,
sempre que necessário, articularemos os dados com as variáveis ano-ciclo e escola.

Tabela 17: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: Sistema de Notação
Alfabética, no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas

Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: Sistema de Notação Alfabética


Part. Part.
Individual Grupo Todos Restrita Mestra

S N S N S N S N S N
299

Escola A 1º ano 8 0 0 8 2 6 7 1 0 8

2º ano 8 0 0 8 0 8 3 5 3 5

3º ano 8 0 0 8 1 7 7 1 2 6

Escola B 1º ano 6 2 2 6 3 5 5 3 3 5

2º ano 2 6 0 8 0 8 2 6 2 6

3º ano 5 3 0 8 3 5 1 7 0 8

Escola C 1º ano 8 0 0 8 4 4 6 2 0 8

2º ano 6 2 0 8 2 6 6 2 0 8

3º ano 5 3 0 8 0 8 6 2 1 7

Individual: atividade de escrita alfabética realizada pelo aluno; Grupo: escrita alfabética realizada em
grupo; Participação de todos: escrita alfabética envolvendo todos os alunos; Participação restrita:
atividade de escrita alfabética envolvendo uma pequena parcela do grupo-classe; Mestra: atividade
de escrita alfabética realizada pela mestra; S = Sim; N = Não.

Como esperávamos, houve um aumento significativo de atividades voltadas


ao sistema de notação alfabética realizadas individualmente, sobretudo no universo
das turmas de primeiro ano. Embora reconheçamos ser essa a etapa em que se
objetiva, essencialmente, a construção desse objeto de conhecimento, não
entendemos o porquê de não se investir nos outros eixos de ensino de língua,
expondo os aprendizes a um ensino sistemático de leitura, compreensão e produção
textuais, já no primeiro ano do 1º ciclo. Retomando a escrita alfabética,
acrescentamos, também, o fato das professoras terem proposto sempre os mesmos
aspectos desse sistema notacional. Conforme observamos no primeiro capítulo,
alguns dos alunos expuseram esse problema, explicitamente.

Surpreendeu-nos a escassez de momentos em que o ensino da notação


alfabética permitisse aos alunos trabalhar em duplas ou grupos maiores. A única
experiência em grupos ocorreu na turma do primeiro ano da escola B, em duas das
oito aulas acompanhadas. Tratou-se de uma atividade em que os alunos precisavam
escrever, com o auxílio do alfabeto móvel, algumas palavras ditadas pela
professora. Na ocasião, separou-os por níveis de escrita, evitando a interação entre
crianças com nível alfabético de escrita e aquelas cuja escrita estava pré-silábica.
Esse tipo de organização e condução da atividade nos revela, necessariamente, um
planejamento prévio e um cuidado com as interações entre os pares que mantinham
aproximações quanto aos níveis de hipótese de escrita, naquele contexto.
300

Ressaltamos os números encontrados nos terceiros anos, etapa do ciclo em


que, a nosso ver, o aluno já deveria ter consolidado esse conhecimento.
Enfatizamos, entretanto, que as situações encontradas no terceiro ano da escola B
não se assemelhavam às demais, haja vista a autonomia dos educandos, no
desempenho das atividades que priorizavam os outros eixos de ensino de língua.

De acordo com os dados da tabela 17, as atividades de escrita alfabética


contaram minimamente com a participação efetiva da turma como um todo, ao
contrário, predominou a intervenção de uma pequena parcela dos alunos. No
primeiro caso, sobressaiu a turma da professora do primeiro ano da escola C. Na
ocasião das observações, pudemos apreender o entusiasmo dos alunos daquela
turma, que disputavam a participação na resolução das questões. Por esse motivo,
verificamos esse tipo de intervenção em quatro das oito aulas.

Em se tratando da participação restrita dos educandos na resolução de


tarefas que priorizavam o sistema de notação alfabética, destacaram-se, mais uma
vez, os primeiros anos (7/5/6).156 Curioso, embora compreensível, foi o investimento
da professora do terceiro ano da escola A em que registramos, em sete das oito
aulas, esse tipo de encaminhamento que envolvia apenas uma parcela da turma.
Geralmente, esses momentos ocorriam na correção coletiva. Os alunos dessa
professora apresentaram dificuldades na escrita alfabética, o que certamente
influenciou em suas escolhas. O problema, entretanto, em nossa compreensão,
eram as repetições, já que se priorizava, basicamente, os mesmos aspectos do
sistema de notação alfabética.

Conforme nos indica a tabela 17, em todos os anos-ciclo da escola C, houve


coincidência quanto à freqüência de investimento na escrita alfabética, com
participação restrita da turma. Além de um provável não-atendimento a todos os
alunos que precisavam avançar em suas aprendizagens, esse dado nos revela a
ausência de progressão no interior do ciclo, ao considerarmos esse objeto de
conhecimento e de ensino.

Por fim, sublinhamos que, em alguns momentos, as professoras, movidas


por uma ansiedade em garantir a resolução das questões, respondiam para os
alunos. Nesse caso, como já destacamos no final do primeiro capítulo, estas pouco

156
Primeiros anos das escolas A, B e C.
301

ajudavam seus alunos a avançarem na construção da base alfabética de escrita,


além de consolidar uma concepção de que copiando, a aprendizagem estaria
assegurada. Alguns dos aprendizes estavam tão habituados, que se negavam a
realizar as atividades sozinhos, mesmo que fossem capazes de fazê-la.

Finalizando esse bloco, analisaremos, a seguir, algumas das evidências


encontradas quanto ao ensino de análise lingüística no 1º ciclo e as formas de
agrupamento consideradas na presente pesquisa.

5.1.1.5 Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: análise lingüística

Na compreensão desse estudo, o processo de apropriação do sistema de


notação alfabética, implica num nível inicial de análise e reflexão sobre a língua.
Entretanto, optamos por tratar desse eixo separadamente, a fim de priorizar
aspectos como a pontuação, a ortografia, a “gramática”, entre outros, por
assumirmos as especificidades desses eixos no que diz respeito aos aspectos da
normatividade da língua. A partir dessa breve explicitação, seguiremos elencando as
principais evidências encontradas quanto à articulação entre o ensino de análise
lingüística (gramática) e as formas de agrupamento priorizadas no interior do 1º ciclo
das escolas pesquisadas.

Tabela 18: Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: Análise Lingüística, no
1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas

Atividades de língua e formas de agrupamento dos alunos: análise lingüística


Part.
Individual Grupo Part. Todos Restrita Mestra

S N S N S N S N S N

Escola A 1º ano 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8
302

2º ano 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8

3º ano 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8

Escola B 1º ano 0 8 0 8 0 8 1 7 0 8

2º ano 2 6 0 8 1 7 4 4 0 8

3º ano 2 6 0 8 3 5 4 4 6 2

Escola C 1º ano 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8

2º ano 0 8 0 8 0 8 1 7 0 8

3º ano 1 7 0 8 0 8 4 4 1 7

Individual: Atividade de análise lingüística (AL) realizada pelo aluno; Grupo: atividade de AL
realizada em grupo; Participação de todos: atividade de AL com a participação de todos os alunos;
Participação restrita: atividade de AL com participação de uma pequena parcela do grupo-classe;
Mestra: Atividade de AL realizada pela mestra; S = Sim; N = Não.

Entendemos que, pelas especificidades do 1º ciclo, considerado como “ciclo


da alfabetização”, cuja preocupação recairia, essencialmente, no ensino do sistema
de notação alfabética, nas práticas de leitura e escrita de textos, não encontramos
uma prática sistemática de análise lingüística ultrapassando a construção daquele
objeto do saber, entre as turmas observadas.

De início, destacamos que as questões vinculadas à análise lingüística se


aproximavam mais do ensino de taxonomias gramaticais, do que a opção por uma
reflexão de aspectos da textualidade e da normatividade da língua. A turma que
mais se aproximou dessa segunda concepção foi o terceiro ano da escola B, em que
a mestra priorizou o ensino da pontuação no interior do texto. Embora admitamos as
limitações vistas, entendemos que, para o contexto em que acompanhamos as
turmas, essa e a professora do segundo ano da mesma escola foram as únicas
mestras que priorizaram a análise lingüística partindo tanto da produção do aluno
(exemplo do 3º ano) quanto da produção coletiva (2º ano).

Como esperado, esse trabalho não foi desenvolvido em grupos, nem


alcançando a turma como um todo, com exceção das turmas agora comentadas,
nos momentos de reescrita coletiva dos contos.

Alguns casos foram apreendidos atingindo uma parcela dos alunos e


novamente tratou-se das mesmas turmas, além do terceiro ano da escola C. Nesse
303

último caso, a professora costumava, apesar do perfil de sua turma,157 priorizar os


eixos de leitura e produção textuais, mesmo que para isso recorresse ao coletivo de
alunos.

Em continuidade a esse bloco, trataremos, na próxima seção, da análise da


presença (ou não) de modalidades de cooperação nas salas acompanhadas,
entendendo ser esse um princípio defendido na escolarização por ciclos.

5.1.2 Modalidades de “cooperação” (professora-alunos, aluno-aluno) nas


atividades de língua, no 1º ciclo.

Nesse eixo de análise, priorizaremos a discussão da presença (ou não) de


cooperação entre as professoras e os alunos, assim como entre eles, nas diversas
proposições de atividades vinculadas aos eixos de ensino de língua analisados no
capítulo precedente, bem como no início desse. Interessa-nos, portanto, focar a
atenção nas modalidades de cooperação, considerando se as mestras promoviam
as trocas e a inserção de todos, na dinâmica de operacionalização das atividades,
na sala de aula. Do mesmo modo, objetivamos apreender se aquelas profissionais
autorizavam a participação efetiva dos alunos considerados “em atraso” quanto à
construção dos saberes esperados na área de língua, em cada ano do 1º ciclo, de
maneira semelhante aos aprendizes que se encontravam em “vantagem” no
aprendizado. Seguiremos, com isso, analisando como apareceu esse dado entre as
escolas e, no interior destas, se havia variações quanto aos anos do 1º ciclo. Segue
tabela com dados e análises referentes a esse bloco.

Tabela 19: Freqüência absoluta, a cada dia letivo observado, de modalidades de “cooperação”
(professora-alunos, aluno-aluno), no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas

Modalidades de “cooperação” (professora-alunos, aluno-aluno) nas atividades de língua, no


1º ciclo

1ª A 2º A 3º A 1º B 2º B 3º B 1º C 2º C 3º C

157
Alunos que precisavam, em sua maioria, construir a base alfabética de escrita.
304

Categorias S N S N S N S N S N S N S N S N S N
1- Predominância de um
trabalho cooperativo da
professora p/ c/ o grupo
classe 7 1 1 7 7 1 8 0 3 5 8 0 8 0 3 5 3 5
2- Explicação prévia das
atividades pela professora 8 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8 0 8 0 7 1 7 1
3- Espaço dado pela
mestra às contribuições
dos alunos mais
avançados 3 5 0 8 6 2 8 0 8 0 8 0 8 0 8 0 7 1
4- Espaço dado pela
mestra às contribuições
dos alunos em
dificuldades 0 8 0 8 6 2 7 1 8 0 8 0 8 0 8 0 8 0
5- Disputas dos
educandos por participar
da aula 0 8 2 6 0 8 2 6 0 8 0 8 5 3 0 8 0 8
6- Ajuda dos alunos
avançados aos educandos
em dificuldade, com apoio
da professora 1 7 0 8 3 5 2 6 1 7 2 6 2 6 4 4 1 7
7- Transgressão do aluno
com bom nível de
aprendizagem para
cooperar com colega em
dificuldade 2 6 1 7 0 8 2 6 1 7 0 8 2 6 3 5 0 8

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; A, B, C = Escolas A, B e C; S = Sim; N = Não.

Ao nos reportarmos à tabela 19, vimos que houve predominância de uma


prática pautada na cooperação entre as turmas de primeiros e terceiros anos, se
comparadas às do segundo. Esse trabalho implicou numa visível prioridade à
explicação prévia das atividades propostas, como pudemos observar nos dados
apresentados na tabela. Se, por um lado, apreendemos um espaço dado pelas
mestras às contribuições dos educandos com e sem dificuldades de aprendizagem,
resguardadas algumas exceções, por outro, não registramos uma freqüência
significativa de disputas dos educandos por participarem efetivamente das aulas.

No conjunto das observações, não registramos uma preocupação das


mestras em autorizar a contribuição dos alunos mais avançados para o aprendizado
aos colegas em dificuldades. Do mesmo modo, poucas foram as intervenções que
aqueles deram a esses últimos, ao optarem pela transgressão das normas
estabelecidas pelas professoras. A seguir, discutiremos cada aspecto analisado
quanto às modalidades de cooperação anteriormente descritas.
305

5.1.2.1. Predominância de um trabalho cooperativo da professora para com o grupo-


classe

Considerando, no universo das práticas acompanhadas, a predominância


(ou não) de um trabalho cooperativo da mestra com o grupo-classe, identificamos,
de imediato, uma postura semelhante por parte das professoras do primeiro e
terceiro anos da escola A, no que se refere a esse aspecto. Em sete das oito aulas
observadas, verificamos a presença de algum tipo de cooperação, no decorrer das
atividades propostas. Vale ressaltar, entretanto, nas duas turmas, que prevaleceram
as interações entre as mestras e o grupo-classe, se compararmos ao alcance das
trocas entre os próprios alunos. Acreditamos que esse dado estava vinculado,
também, ao que se priorizava, já que, a nosso ver, as atividades pareciam sinalizar
para opções, por parte das mestras, de determinados encaminhamentos adotados
em sala de aula, que privilegiavam aquela modalidade de interação predominante. A
fim de embasar essa hipótese, salientamos que, nas duas turmas, houve
dominância de tarefas individuais e coletivas, se contrastadas às atividades em
duplas e/ou em pequenos grupos, conforme apontamos na primeira seção desse
capítulo.

A despeito desse assunto, Coll e Colomina (1996, p. 298) apontam que a


predominância dessas relações estabelecidas entre professor e alunos
desencadeou, por um longo tempo, um real desinteresse pelas interações entre os
alunos, assim como pelas implicações que essas últimas assumiam quanto aos
resultados dos objetivos educativos.

Parece coerente apontar que essa modalidade de cooperação (professora-


alunos), no exemplo do primeiro ano da escola acima referida, atingia, de forma
mais sistemática, o grupo de aprendizes que se destacava no acompanhamento das
atividades sugeridas pela professora. Nessa mesma turma, pudemos observar
momentos em que esse diálogo não ocorreu nem com aquele grupo de alunos, a
exemplo da quinta observação.

Entendemos que a ausência de inserção dos alunos dessa turma, em sua


maioria, na realização da atividade proposta na quinta observação, cujo enfoque foi
306

o sistema de notação alfabética, após leitura de texto pela professora, mobilizou


essa profissional a impor outra tarefa que, do ponto de vista de sua
operacionalização, funcionou como mecanismo de controle, mesmo que provisório,
do comportamento dos aprendizes: o ditado de palavras. Essa opção corrobora com
o que assinala Perrenoud (1994, p. 122) ao enfatizar que “as tarefas consignadas
aos alunos resultam, essencialmente, de um lógica de controle”. Embora a
professora reconhecesse a não-conclusão da tarefa precedente por parte deles,
recorreu a essa alternativa. Vejamos, nesse momento da aula, o que ocorreu:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A, 5ª Observação)


(...)
08:39h – Everton e Ruan fecha essa boca (falou num timbre de voz baixo. Apesar
disso, esses e outros alunos conversavam. Eduarda conversava com Estefany,
porém, essa última dialogava e anotava a atividade no caderno. Na ocasião, as duas
começaram a discutir. Enquanto isso, Ruan mudou de lugar, mas a professora pediu
que ele retornasse. Robert também não parava de conversar. Por outro lado,
Everton brincava, porém, fazia a atividade).
08:45h – Pronto, vou começar o ditado. Desse jeito não dá.
Alunos – Não, tia!
P – Parece que já terminaram.
08:48h – Pronto. Senta todo mundo. Vamos começar o ditado. Você pára,
depois continua pra fazer o ditado, bora! (a professora orientou os educandos a
deixar linhas do caderno para grafar as palavras). “Preste atenção quando eu ditar
as palavras, porque vai ter esses pedaços. Silêncio para entender, porque
pode estar no meio, no começo” (nesse dia, enfocou palavras com as sílabas e
unidades intra-silábicas: (AN, EN, IN, ON, UN ).
A – Então a gente não vai fazer. A senhora não quer esperar...
P – Quem manda vocês ficarem conversando! Aí na hora de fazer a tarefa não
faz. Primeira palavra, pronto! Todo mundo preparado?
Alunos – Ditado louco ô, ô, ô (eles cantaram expressando uma crítica ao modo como
a mestra procedeu).
(...)
307

Esse trecho é ilustrativo para compreendermos a ausência desse trabalho


cooperativo entre a mestra e o grupo-classe. Em alguns momentos, os próprios
educandos, burlando as regras da tarefa, ajudavam-se entre si. Essa alternativa
reflete o que Perrenoud (1994) sublinhou quanto às estratégias158 defensivas
adotadas pelos educandos, a fim de “jogarem com e não agirem conforme as
regras”. Um exemplo de ajuda ao colega ocorreu durante a escrita das palavras
“anta e canta” em que um dos alunos admitiu não saber grafá-las e, de imediato, o
outro realizou a partição oral da palavra em letras, no intuito de cooperar. Foi
interessante o comentário de um dos aprendizes, quanto ao encaminhamento da
mestra: admitiu a não-realização da tarefa, caso ela não o esperasse, isto é, não
desse um tempo maior para a escrita das palavras do ditado. Essa intervenção
expressou sua ousadia diante da professora e a convicção de que era preciso maior
flexibilidade no tempo, a fim de realizar uma escrita “coerente”, “reflexiva”.

A não-tolerância na condução da atividade do ditado de palavras se


evidenciou na rápida conclusão e passagem para a correção da tarefa pela mestra.
Houve, assim, ausência de reflexão quanto à escrita das palavras, momento rico em
que se poderia, inclusive, explorar as relações grafofônicas a partir dessa unidade
lingüística. O trecho a seguir, assevera essa postura:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A, 5ª Observação)


(...)
P – Falta duas, aliás, faltam duas (para o término do ditado). Senta Rebeca,
Ruan, Isabela. Eu não tenho mais borracha pra emprestar. Comeram tudo.
Quem terminar, vai ficar sentado, porque eu vou nas bancas corrigir. Eu vou
ver quem acertou.
Peterson – Já pode, tia.
P – ‘MENTE’ (ela pronunciou “MENTÉ”), “olha bem o ‘MEN’”.
A – Eu mento que só pra todo mundo.

158
O sentido atribuído à “estratégia” aqui se assemelha ao conceito de “tática” desenvolvido por
Certeau (1985).
308

P – ‘MENTO’ não, ‘eu MINTO’. Fica sentado que eu vou na banca. Não precisa
levantar. Everton, para o seu lugar, por favor.
A – A dez tia.
09:07h – Ainda, ainda. Agora eu vou corrigir. Só vou dar dez (10) pra quem
realmente fizer tudo certinho. Cadê? Faltou responder aqui. Eu mandei
escrever ‘LINDA’, ‘LANÇA’, você não colocou. ‘LAN’, pra escrever ‘LAN’.
(...)

Tal como ressaltamos no início dessa seção, em se tratando dessa turma, o


curto intervalo entre as atividades, notório nessa observação, privilegiava o grupo
mais avançado. Isso independia do comportamento dos aprendizes, já que a mestra
admitiu o bom desenvolvimento de dois deles, que eram extremamente ativos na
sala de aula, no entanto, conseguiam acompanhar o ritmo da turma, assegurando,
assim, a realização das tarefas.

O modo de tratar uma de suas alunas também marcava a distinção que


fazia entre os alunos. Em uma das aulas observadas, por exemplo, a mestra não
admitiu sua indagação, visto que era considerada uma das melhores, se não a
melhor aluna da turma. Nesse dia, a professora distribuiu uma palavra para os
alunos: após a leitura e realização de algumas tarefas, os alunos foram solicitados a
escrever uma palavra que tivesse a mesma quantidade de letras que a palavra
recebida. Através da leitura e explicação quanto à escrita da palavra de um dos
alunos, Ana Karla (a aluna à qual nos referimos anteriormente) perguntou se as
vogais eram: “a, e, i, o, u”. Na ocasião, a mestra afirmou: “Ana Karla, você
perguntando? Você não sabe ler? Não acredito”. Essa postura de marcar distinção
frente aos outros alunos foi evidenciada, também, em outra aula, no momento em
que a professora corrigiu a tarefa dessa aluna, elogiando-a, enquanto que outra
criança, no mesmo momento, não contou com nenhum tipo de intervenção. Nesse
caso, notamos um real “prediletismo” por alguns dos educandos. Conforme Coll e
Solé (1996), admitir que o educando constrói conhecimento não implica em
abandoná-lo frente aos desafios impostos no processo de aprendizagem.

Seguimos, ainda, com o exemplo de Ruan: aluno que demonstrava,


explicitamente, dificuldades na escrita e na leitura, inclusive das letras do alfabeto,
309

porém, a mestra costumava dispensar ajuda para ele. Observamos mais uma
situação em que se evidenciou essa diferença: ela auxiliou esse aluno na tarefa
proposta, entretanto, agiu com indiferença em relação a outra aluna. A partir dessa
postura, inferimos que a proposição de atividades pouco desafiadoras,159 permitia,
por um lado, o investimento naqueles em que acreditava ter algum avanço e, por
outro, o controle, por meio da disciplina, por parte daqueles em que não tinha mais
esperança de avanço.

Diante desse contexto, alguns deles não concluíam a atividade, dadas as


limitantes condições de produção. Costumavam aguardar o momento da correção, a
fim de copiar as palavras, as respostas, visto que a mestra, habitualmente, corrigia
as atividades no quadro. Ao mesmo tempo em que essa revelou ser uma tática
(CERTEAU, 1994; 1985) constante, por parte de alguns aprendizes, a mestra
parecia ter clareza de que essa realidade estava presente, entretanto, não
demonstrava incômodo em intervir, dada a baixa expectativa que ela parecia ter
quanto à aprendizagem de alguns alunos, especialmente os que apresentavam
dificuldades.

Remetendo-nos à turma do terceiro ano, da mesma instituição,


assinalamos que, ao contrário do primeiro ano, a professora buscava encaminhar as
atividades objetivando a inserção de todos os aprendizes em sua realização.
Tratava-se de um grupo de alunos com histórico de retenção, de uma evidente
dispersão na sala de aula. Por vezes, reconhecemos o esforço da mestra em inseri-
los, mesmo que, para isso, houvesse uma flexibilidade tal, que comprometesse o
objetivo da tarefa. A fim de ilustrar com um exemplo, localizamos, na primeira
observação, um trabalho focado na discussão do folclore (retomando outras aulas,
cujo debate teria sido o folclore) e, especificamente, os provérbios. Numa etapa da
aula, os alunos foram solicitados a pesquisar o significado dessa palavra no
dicionário. Vejamos como a professora procedeu:

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A, 1ª Observação)

(...)

159
O aspecto da heterogeneidade será analisado na próxima seção do presente capítulo.
310

P – Quando a gente abre o dicionário, a primeira letra é?


Alunos – ‘A’.
P – E a palavra que vamos pesquisar? Começa com que letra?
Alunos – ‘P’.
P – Vamos ver no alfabeto, o ‘P’ está longe (a professora, gradativamente,
nomeou as letras do alfabeto e mostrou-as no dicionário). “Achei a letra ‘P’,
acharam?”
A – Primeiro que a senhora.
P – Vamos devagarinho. Quem não achou ainda?
A – Ainda tô no cabeçalho.
P – Você brincou demais, eu já estou procurando.
A professora ajudou um aluno a encontrar a letra ‘P’. “Aí você tem várias palavras.
Começa com ‘PA’, olha aqui em cima, mas a gente quer ‘PRO’. Então a gente
vai procurar a letra ‘R’, depois da letrinha ‘P’”.
A – Eu vou te levar pra o hospício.
P – ‘PAPELÃO’ não é, a gente quer ‘PRO’! Vai passando ‘PA’ ainda, ‘PE’, ‘PI’,
vai passando e olhando aqui ó, Emanuel aqui em cima, ‘PL’, vamos olhar aqui
no alfabeto. Tá longe ainda do ‘R’. Não, Emanuel, você foi pra ‘N’. Achou
mesmo, segure essa página. ‘PR’, achei ‘PRE’.
A – Pré 1 ou pré 2.
P – ‘PRE’, ‘PRI’, ‘PRO’, ‘PRO’ de PROVÉRBIOS? Quando eu chegar nas
palavrinhas com ‘PRO’, eu vou procurar: ‘PROBABILIDADE’, ‘PROFISSIONAL’,
você vai procurar ‘PROVÉRBIOS’.
A – É pra achar o ‘O’, achei.
P – Não, é pra achar o ‘PRO’ e depois ‘PROVÉRBIOS’. Olha, ela achou
‘PROVA’, tá perto? Vamos ver. ‘PROVÉRBIO’ (Alguns alunos ficaram perto
da mestra, a fim de acompanharem a pesquisa).
08:22h – Olha aqui, tia. Achei!
P – Espera aí (a professora orientou os alunos na pesquisa).
A – Tia! Achei, olha aí (a maioria dos alunos localizou a palavra).
P – Vamos dizer a página. Qual é a página que está escrito ‘PROVÉRBIOS’?
Vou contar de um até três, quero ver minha sala sentada (no momento, havia
uma dispersão geral).
A – Achei não, tia.
311

P – Eu vou lhe ajudar. Vamos lá ver o que significa? Nós encontramos na


página 564. Tá escrito assim, olha. Eita, não tá na página 564, é 572, eu pulei a
página aqui.
A – 57 e 2.
P – Lê aí Tácio. Você fechou, foi? Quem achou não feche o dicionário. Deixa
Tácio achar para ele ler.
A – Achei.
P – Pronto, leia, Sara. Leia, Josaías. Se incomoda, Tácio? Sentença o quê?
Leia todinho pra gente.
A – Eu não vou ganhar nada.
P – Só lê se ganhar alguma coisa, é? Leia, Tácio. Vou contar de um até três pra
todo mundo ouvir: um, dois, dois e meio, três, pronto. Sara, entendeu? Vamos
lá, deixa eu ler, já que ninguém quer ler, tão com vergonha. ‘Sentença moral
expressa em poucas palavras e que se torna popular’. Olha aqui o significado.
Quem tá com o dicionário, copia do dicionário (a professora registrou e leu o
significado no quadro).
A – Tia, é pra fazer aqui é?
P – É.
A – Até esse vermelho?
P – Tudo. Nós colocamos aqui “PROVÉRBIO” e procuramos o significado.
Tinha que se tornar popular, não é? Não faz parte do folclore?

Como enfatizamos, a mestra buscou inserir todos os alunos na atividade de


pesquisa de significados, mas, por outro lado, facilitou a localização da palavra
“provérbio”, indicando a página, no final de um encadeamento didático de
intervenções. Desse modo, entendemos que ela comprometeu o trabalho com a
ordem alfabética, já que boa parte dos educandos teve acesso ao significado por
meio da verificação da página. Com isso, ficou simples dar conta da outra etapa:
copiar o significado da palavra “provérbio” no caderno.

Reportando-se à ferramenta didática “phono” voltada ao desenvolvimento


de competências fonológicas na “grande section”,160 Goigoux (2003) destaca que é

160
A “grande seção” é o último ano da educação infantil na França.
312

crucial o desenvolvimento de uma “planificação do ensino”, ou seja, entre outros


critérios, o autor defende, no planejamento, a antecipação das operações
intelectuais a serem mobilizadas pelos educandos durante a atividade. Conforme
observamos na seqüência desenvolvida pela professora do terceiro ano da escola A,
houve uma ruptura nesse processo que, na nossa compreensão, comprometeu não
só o objetivo da atividade, quanto o resultado alcançado pelos alunos.

Em se tratando da mesma professora, admitimos a relevância de tentar


inserir alunos que não tinham autonomia, ainda, na leitura de textos, enunciados; na
atividade mencionada anteriormente. Essa foi uma postura mantida ao longo das
observações. Embora recorresse à participação dos educandos que demonstravam
um nível avançado quanto ao desempenho nas atividades que envolviam os
diversos eixos de ensino de língua, buscava, de início, engajar aqueles que,
visivelmente, tinham dificuldades. Nesse extrato da primeira aula, esse
encaminhamento foi priorizado. Entendemos, ainda, que essa opção estava atrelada
à tentativa de controle da turma, uma alternativa para mantê-los efetivamente
ocupados.

Compreendemos, também, que as intervenções conduzidas pela


professora, na pesquisa da palavra “provérbio”, foram interrompidas, “fechando o
circuito” com a indicação da página, graças ao horário da aula, dado que os alunos
pareciam se envolver melhor nas atividades que antecediam o horário do recreio e a
mestra pretendia estender a atividade do quadro: em geral, tarefas que repetiam os
mesmos aspectos do sistema de notação alfabética: contagem de sílabas, vogais e
consoantes na palavra; partição escrita de palavras em sílabas, entre outras. Na
ótica de alguns alunos, as atividades propostas cansavam: “tudo é tarefa, tudo é
tarefa. Amanhã eu vou aperrear bem muito para ir para casa também. Preferia ter
ido pra casa” (depoimento proclamado após a ida de dois colegas para a secretaria
da escola, na primeira observação). Na realidade, inferimos que não se tratava, no
caso dessa turma, do volume de atividades propostas pela professora em cada aula,
nem da natureza delas, mas do próprio perfil da turma, caracterizado, sobretudo, por
alunos que ainda não tinham construído a base alfabética de escrita e que
impunham, notadamente, um trabalho diferenciado.

Assim como no exemplo do primeiro ano da referida escola, houve


predominância de atividades coletivas, no caso dessa turma, entretanto,
313

acompanhamos, em momentos pontuais das aulas, intervenções individuais, a


exemplo da terceira observação (em geral, esses momentos, ocorriam nas
correções). Confirmando tal hipótese, boa parte da turma registrava a atividade no
quadro e aguardava a correção coletiva, sempre garantida. Com isso,
desempenhavam, quase sempre, o papel de “copistas” e não o de leitores e
produtores textuais autônomos.

A inserção dos alunos nas atividades parecia ser fonte de preocupação da


mestra, porém, as intervenções ocorriam, essencialmente, de forma generalizada,
não conferindo um trabalho mais focado, por exemplo, nas dificuldades específicas
que os mesmos enfrentavam, na apropriação do sistema de notação alfabética, das
características dos gêneros, a fim de lê-los e serem capazes de produzi-los
autonomamente. Tal como inferimos na turma do primeiro ano, nessa turma, pairava
uma preocupação, por parte da professora, com a participação dos alunos nas
atividades. Por esse motivo, acreditamos que a predominância de tarefas escritas
individualmente e correções coletivas, estava atrelada ao controle da turma, dadas
as constantes dispersões. A mestra percebia, nitidamente, quem não a procurava,
não investia na resolução das atividades, aguardando o momento da correção no
quadro. Vejamos o que explicitou na quarta observação, remetendo-se a esse
assunto:

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A, 4ª Observação)

(...)
P – Pronto, quero ver o caderno para liberar só quem fez (remetendo-se à
liberação para o lanche).
A – A senhora não me ajuda.
P – Eu ajudei quem tava pertinho de mim! Não adianta só copiar, Sirleide. Você
tá esperando eu colocar no quadro (alguns alunos não se aproximavam da
professora no momento da tarefa para esclarecer as dúvidas. Sabiam que, em
algum momento, a mestra iria corrigir no quadro. Com isso, ficavam aguardando,
porém, não realizavam a tarefa).
(...)
314

Discutimos, mais detidamente, na seção anterior, as implicações das


diferentes formas de agrupamento no trato com os diversos eixos de ensino de
língua, entretanto, retomamos essa discussão, apontando que aquelas escolhas
didáticas e pedagógicas (CHARTIER, 2000) direcionavam, a nosso ver, as
modalidades de cooperação na sala de aula. No caso dessa professora (3º ano,
escola A), em uma das aulas observadas, a regra (cooperação da mestra para com
o grupo classe) deu espaço à exceção (trabalho menos cooperativo). Mais uma vez,
esse quadro ficou evidente graças à natureza da atividade do ditado de palavras e
frases. Os alunos, embora contassem com “a ajuda da professora”, em alguns
momentos, no que se refere à pronúncia artificial das palavras, às “dicas” quanto a
algumas letras já trabalhadas (a exemplo da letra “r”), entre outras iniciativas, foram
impulsionados a atuar solitariamente, ou seja, nenhum tipo de cooperação mais
sistemática entre a professora e o grupo-classe, assim como entre os alunos, foi
priorizado com essa atividade, mesmo nos reportando aos momentos de correção
da escrita das palavras. Esse procedimento contraria o que defende Coll e Solé
(1996) quanto à interação entre professor e aluno no processo de construção do
conhecimento.

Diferentemente das professoras anteriormente mencionadas, não


verificamos, no caso da mestra do segundo ano (escola A), esse trabalho de
cooperação, por ocasião das observações. As atividades sempre eram realizadas
com intervalos curtos e, assim como no caso das professoras do primeiro e terceiro
anos, privilegiou-se a correção coletiva. Mais uma vez realçamos a dimensão do
controle da turma que, nesse âmbito, era “desnecessária”, já que os alunos
pareciam ter uma “boa disciplina”, durante as aulas. Acreditamos que a professora já
havia instaurado uma rotina com eles, de modo a garantir a fluência de seu trabalho.

Em geral, não verificamos rupturas entre as atividades propostas, porém,


como já enfatizado, um curto espaço de tempo para a resolução das mesmas. Em
função desse encaminhamento, vários alunos que não conseguiam acompanhar a
atividade do ditado, por exemplo, aguardavam o momento da correção que, nesse
caso, ocorria muito menos pela dificuldade de escrita e muito mais pela rapidez com
que a mestra propunha aquela atividade. Entretanto, a realização das atividades,
desconsideradas suas condições de produção, estava na pauta de exigência da
315

professora. Poucos foram os alunos que não se engajaram nas tarefas propostas. É
curioso que, mesmo constatando autonomia na leitura das crianças, a mestra pouco
oportunizou, durante as aulas, a leitura de textos por elas. Mesmo nos momentos de
“leitura alternada”,161 costumava interromper constantemente, a fim de corrigir:
pronúncia, timbre de voz, entre outros aspectos. Do mesmo modo, durante um “teste
surpresa”,162 os alunos foram chamados a ler e interpretar um texto sozinhos. Além
desta tarefa, teriam que produzir um texto solitariamente (primeira observação).

Durante as observações, verificamos, em apenas uma delas (quinta aula),


uma pequena margem de cooperação entre a professora e o grupo-classe. Nesse
dia, os alunos tinham que produzir um texto a partir de uma seqüência de imagens.
Na ocasião, a mestra pôde opinar cerca do título, bem como da articulação entre as
imagens e o texto escrito. No entanto, assim como nas outras aulas, tiveram que
vivenciar esse momento de produção textual individualmente. Mais uma vez,
destacamos que essa postura fere o defendido por Coll e Solé (1996) quanto ao
papel do professor como mediador do processo de aprendizagem.

Observamos, assim, que nessa turma os alunos eram “forçados” a se


inserirem nas atividades. Aquele pequeno grupo que resistia, sofria com várias
chamadas da professora, no contexto da coletividade da sala. A intervenção não
primava pela inserção deles nas atividades, mas na exposição, diante do grupo-
classe, daqueles que não se dispusessem a participar. Em uma das aulas (primeira
observação), a docente admitiu que gostaria de ser mais amorosa com os
educandos, mas não conseguia. Era a forma de ela trabalhar e alcançar resultados
no aprendizado deles. Explicitou, ainda, que gostava tanto da perspectiva tradicional
de ensino quanto da construtivista, optando claramente pela primeira.163

No que se refere ao trabalho cooperativo na escola B, adiantamos que


houve semelhança com a escola A nas formas de proceder das professoras do
primeiro e terceiro anos. Elas buscavam inserir os educandos nas atividades, de

161
Nessa modalidade de leitura, a professora designava o trecho do texto a ser lido por cada aluno.
162
Sem ser do conhecimento dos educandos, a mestra propôs uma seqüência de atividades
individuais que se constituíram, na realidade, em um “teste surpresa”.
163
Tradicional, nesse caso, se refere às alternativas de ensino centradas exclusivamente na
professora, assumindo um formato verticalizado (cf. PERRENOUD, 1994). Já a perspectiva
Construtivista, por outro, a construção do conhecimento mediante processos de interação entre os
sujeitos.
316

modo a assegurar a participação efetiva de todos, em todas as aulas observadas,


reconhecendo, claro, as especificidades dos anos-ciclo.

No caso do primeiro ano, a mestra tinha maior aproximação, dada a


necessidade da turma, portanto, esse trabalho de cooperação foi constante.
Explorou, em suas aulas, o eixo da oralidade, nos momentos de “conversa
espontânea”, assim como em apresentações orais de trabalhos, a exemplo dos
cartazes com reflexões acerca da preservação do meio ambiente. Nas situações de
dificuldades na escrita, costumava intervir individualmente, mas, em outros
momentos, transformar aquela dúvida em objeto de reflexão pela turma. Foi o caso
da aula em que leu o conto de ‘Chapeuzinho Vermelho’ e solicitou dos alunos a
escrita dos nomes dos personagens. Ao analisar o desempenho dos alunos na
escrita, grafou as palavras no quadro e, coletivamente, refletiu acerca das letras,
comparou as grafias das palavras, com isso, explorou alguns aspectos do objeto
escrita alfabética. Esse encaminhamento se relaciona ao que Goigoux (2002)
conceitua como esquema, definindo-o como “uma forma organizada e estabilizada
de atividade de ensino dirigidas a uma mesma classe”. A partir da dificuldade
encontrada por alguns alunos, a professora tomou as palavras como objeto de
reflexão coletiva em sua sala de aula.

Apesar de essa postura ser predominante, ao longo das observações,


notamos, também, certo prediletismo por alguns alunos mais avançados, na
construção dos saberes enfocados nas aulas de língua. Nesse caso, buscava
priorizar as contribuições destes e estender para a turma, suprimindo, às vezes, as
contribuições daqueles que apresentavam mais dificuldades. Na aula em que
confeccionou um cartão para o dia dos pais, pensou-se, coletivamente, numa
mensagem ou frase que os homenageassem. No final, a mestra elegeu a frase de
uma das alunas “mais avançadas” na leitura e na escrita e, além disso, persuadiu a
turma a aceitar sua frase. Nesse evento, em particular, não observamos a
consideração, por parte da mestra, das características individuais dos alunos (COLL;
SOLÉ, 1996).

Em se tratando do terceiro ano, presenciamos, nas aulas observadas, um


real acompanhamento das tarefas propostas pela mestra. Houve, a nosso ver, um
equilíbrio entre as correções coletivas e individuais. A verificação das tarefas por
aluno era uma prática habitual, ao contrário do terceiro ano da escola A. Por esse
317

motivo, comprovamos que essa postura foi constante, ao longo das aulas
observadas. Vale ressaltar que, entre as turmas de terceiro anos acompanhadas,
esta conseguia manter um diferencial quanto à autonomia dos educandos nas
atividades propostas pela professora: leitura, produção textuais e análise lingüística.
Esse último eixo, como já dito, foi explorado, sobretudo, no interior do texto.

Ao contrário dessas turmas, identificamos, no segundo ano dessa escola


(B), uma tímida, mas real diferença de predominância de um trabalho não
cooperativo em cinco das oito aulas acompanhadas. No caso desse ano/turma,
notamos, de início, uma evidente preocupação em dar continuidade a um trabalho
de reescrita de contos, o qual já vinha sendo realizado desde o final do primeiro
semestre. Porém, à medida que avançávamos nas observações, notamos um
“descompromisso”, por parte da professora, em planejar, inserir os educandos na
dinâmica das atividades. O que já era visível nas primeiras observações, ou seja, a
inserção de apenas um grupo na reescrita coletiva de contos, passou a ser
notoriamente constatado, a partir da quarta observação, momento em que a mestra
passou a improvisar com mais freqüência.164 Em se tratando dessa aula, realizou a
reescrita de um filme espontaneamente assistido pelos alunos no dia anterior à aula,
em uma programação televisiva. Admitiu não ter planejado trabalhar com o filme:
“não era isso que eu queria, mas...” na ocasião, aproveitou para realizar a escrita do
texto, visto que parecia não ter planejado nada específico para a aula. Embora um
grupo de alunos participasse ativamente da retomada das idéias do filme,
negociasse os articuladores textuais, objetivando deixar o texto mais coeso, a maior
parte de seus colegas só copiava. A ausência de um trabalho mais focado no
sistema de notação alfabética parece ter desencadeado um compreensível
desinteresse por parte deles. Em geral, a professora monopolizava as atividades de
língua, lendo os textos, grafando-os. A participação dos aprendizes era mais efetiva,
apenas, no eixo da oralidade. De acordo com Leal, Albuquerque e Morais (2006, p.
70) “é importante que, desde a educação infantil, a escola também se preocupe com
o desenvolvimento dos conhecimentos relativos à aprendizagem da escrita
alfabética, assim como daqueles ligados ao uso e à produção da linguagem escrita”.
Concordando com os autores, reiteramos que, naquela turma, os alunos precisavam

164
“Improvisar”, nesse caso, não se relaciona ao conceito de “improvisação” descrito por Leal (2009)
o qual implica em considerar, necessariamente, um processo de planejamento prévio.
318

consolidar a escrita alfabética, dado que se encontravam no segundo ano do 1º


ciclo.

Ainda nos remetendo à presença (ou ausência) de um trabalho cooperativo


no interior do 1º ciclo, verificamos um quadro diferenciado na escola C.
Diferentemente do que localizamos nas outras escolas, no caso desta, houve
semelhança entre o segundo e terceiro anos quanto à freqüência com que ocorreu
esse trabalho mais cooperativo: apenas em três das oito aulas acompanhadas.

Em se tratando do segundo ano daquela instituição, observamos, na quarta


aula, uma evidente lacuna quanto à proposição de atividades, bem como dessa
prática de cooperação com os alunos. A professora, durante a aula, investiu no
recolhimento de alguns cartazes concernentes ao trabalho desenvolvido em outro
momento, o que gerou um desconforto na estagiária165 e, visivelmente, nos alunos,
que cobravam atividade, constantemente. Vejamos o que ocorreu em um trecho da
aula:

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C, 4ª Observação)

(...)
P – De novo. Não é possível uma coisas dessas. Só vocês quatro.
A – Passe tarefa logo. Oxe, passe tarefa.
P – Você não está vendo que a gente tá organizando aqui, não? Tá não? Bote o
óculos para enxergar melhor (referia-se ao recolhimento e reorganização dos
cartazes referentes ao projeto articulado de frevo).
A – Tia Cinara, olha ela.
P – Vamos contar até três: um, dois, três, zíper (a palavra ‘zíper’ indicava que os
alunos tinham que silenciar).
A – Eu quero tarefa.
P – Calma, já, já você vai ter bastante tarefa.

165
Na realidade, a estagiária estava com a incumbência de auxiliar a mestra no atendimento às
crianças portadoras de necessidades educativas especiais; nessa turma, uma aluna. Entretanto, esta
e as demais estagiárias, acabavam assumindo tarefas outras, dadas as supostas necessidades das
turmas.
319

A – Passe logo.
P – Cala a boca. Mas não tem jeito de vocês calarem. Vocês só sabem estar
falando.
Uma das funcionárias pediu silêncio e contou os alunos, provavelmente para
organizar o lanche (08:17h).
P – Olha, vamos fazer silêncio agora (08:21h). “José Roberto, agora é a minha
vez de falar”.
A – Tia, ela tá dizendo: ‘fecha a matraca’, viu!
P – Tá certa, mesmo. É uma matraca triste. Catarina, cala a boca. Eu quero
silêncio. Cala a boca, vocês...
A – Nem todo mundo.
P – Todo mundo, sim.
A – O meu não está aí (referindo-se ao seu desenho).
P – Por quê? Todas as vezes que eu digo: vamos desenhar...
A – Vou não, não sei não.
P – Toda vez ele não desenhava, fazia um desenho que não tinha nada a ver.
Os alunos de tia Célia são menores do que vocês, a pintura estava mais bonita.
Vocês não fazem melhor por conta da preguiça, da anarquia. Cala a boca!
A – Calo não.
P – Já está sem recreio!
A – Eu! Tô nem aí.
P – Ah é? Vai sair depois do horário.
A – Eu... (o aluno ignorou, completamente, a observação da professora).
P – Amanhã só entra com a mãe (na ocasião, os alunos não paravam, agrediam
uns aos outros). “Cala a boca, meu Deus do céu!”
A – É ele, tia.
P – Só ele não. Somente ele não. Agora não, Gustavo. Ah, pensei que era
lanche. Eu não preparei, estamos atrasados ali no calendário. Já terminou o
mês de setembro.
A – Hoje é um.
A estagiária continuava organizando os cartazes da professora (08:27h).
Estagiária – Eles estão doidos que passe tarefa, não é Cinara? Tarefa logo.
P – Todo mundo hoje trouxe o livro? (continuou organizando os cartazes). “Pára
de bater na mesa. Eu estou perguntando se todo... quem trouxe esse livro?”
320

Alguns – Eu!
P – Porque agora...
A – Tia, eu não trouxe não.
A – Nem eu.
A mestra orientou aonde a estagiária deveria colocar os cartazes. “Eu mandei
sentar, Pablo”.
08:31h – Cinara continuava tirando os cartazes. Uma das alunas continuou lendo o
livro didático, alheia a tudo na sala.
(...)
Obs: Nessa aula, computamos uma hora e meia perdida nessa organização dos
cartazes!

Como pudemos verificar, a ausência de um trabalho cooperativo esteve


atrelada à ausência de aula. Os alunos cobraram, mas não foram atendidos quanto
à proposição de tarefas. Embora a estagiária tivesse tentado, através do
encaminhamento de um ditado de palavras, num momento da aula posterior ao
extrato explicitado, a mestra interrompeu, conduziu-os ao lanche e, só no segundo
horário, propôs atividade. A ausência de planejamento denuncia o que Leal (2009)
aponta quanto à renovação da prática mediante a reflexão. Após o intervalo, os
alunos foram solicitados a escrever o que fizeram no final de semana. Nessa
atividade, houve cooperação da mestra para com o grupo-classe, na escrita de
algumas frases. Costumava “dar a resposta” ao invés de criar alternativas de
reflexão coletiva. No entanto, numa atividade subseqüente, novamente o ditado, a
cooperação não esteve presente: nem nas intervenções, nem na forma de conduzir
a atividade. Havia um curto intervalo na pronúncia das palavras (um dado que se
repetiu ao longo de nossas análises, independentemente da escola e ano-ciclo). A
intenção, nesse ano-ciclo, foi lançar algumas palavras propositadamente, a fim de
gerar o erro na escrita: como no caso da palavra ‘shopping’.166 A indução ao erro é
oposta à concepção defendida por Astolfi (2006) de que é preciso criar mecanismos
que desencadeie a reflexão e superação do erro, por parte do aprendiz. O mais
grave, cremos, ocorreu no momento das orientações dadas para a escrita das
palavras do ditado. A mestra relatou o seguinte:

166
Trataremos desse aspecto do erro em seção posterior deste capítulo.
321

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C, 4ª Observação).

(...)
P – Não é para ninguém falar. Escreve de qualquer jeito. Segunda palavra, cala
a boca (os alunos não paravam). “Escreva Ysla. Douglas, se você sentar direito,
é melhor. Eu não posso esperar só uma pessoa e atrapalhar os outros, não é?
A segunda palavra ‘CI NE MA’” (pronunciou sílaba por sílaba).
(...)

Do mesmo modo que em outras turmas, parecia haver uma expectativa


para a correção, sem maiores reflexões acerca da grafia das palavras, durante a
realização do ditado. Embora tenhamos notado, com a continuidade da atividade,
momentos de explicação, cooperação com os alunos; muito mais na perspectiva de
correção e dicas na escrita das palavras, julgamos como incoerente a orientação
para o aluno “escrever de qualquer jeito” as palavras. Algo que merece ser
destacado, também, foi o fato de a mestra tomar conhecimento de que alguns
alunos não estavam envolvidos na atividade, dado que estavam na tarefa anterior e
não ter expressado qualquer preocupação, tal como ocorreu em outras turmas
anteriormente tratadas. Alguns alunos, espontaneamente, buscaram ajuda na
professora, no momento da correção do ditado, já que queriam uma correção
individual, porém a mestra disse que ia corrigir no coletivo. Por que a escolha por
essa opção? Dava mais trabalho intervir individualmente? Apostamos que sim!

Em contrapartida, localizamos três aulas em que ocorreu um trabalho mais


cooperativo entre aquela professora e seus alunos. Na segunda observação, por
exemplo, discutiram as características de um convite e o produziram, coletivamente.
Apesar da transparente ausência de planejamento, já que a mestra não utilizava o
livro didático adotado167, mas, em função da cobrança dos pais, resolveu usá-lo na
presente aula. Ao solicitar que abrissem o livro numa determinada página, foi
surpreendida quando um dos alunos reconheceu que a atividade já havia sido
167
Livro didático adotado: Projeto Pitanguá, 1ª série. Apesar de estarem no segundo ano, o livro
usado era destinado a alunos principiantes na alfabetização.
322

realizada. Por esse motivo, mudou o encaminhamento e passou para outra


atividade, que envolvia um convite. Parecia estar em jogo, nesse dia, o uso do livro
didático, independentemente da tarefa a ser realizada. Durante a produção, a
professora explicou as características do gênero textual a ser produzido, apontando
uma suposta semelhança com a carta pessoal. Por se tratar de um convite de
aniversário, o endereço foi um aspecto que ficou pendente, já que os educandos não
tinham conhecimento desse dado.

Com um perfil diferenciado da mestra anterior, notamos a mesma


freqüência no que se refere à ausência de um trabalho cooperativo, em cinco das
aulas observadas, por parte da professora Custódia, do terceiro ano. Em geral, a
mestra prosseguia com a aula, já que a maior parte dos alunos não demonstrava
interesse no acompanhamento das atividades. Acreditamos que isso se dava por
conta do perfil da turma: a grande maioria dos alunos, mesmo no terceiro ano, não
havia construído a base alfabética de escrita e possuía um histórico de fracasso
escolar, impondo à professora, a adoção de alternativas que viabilizassem a
superação desse quadro. Apesar de estarem nessa situação, houve predominância
de atividades coletivas, sobretudo porque a mestra priorizou, em suas aulas,
aspectos da textualidade: características dos gêneros textuais história em
quadrinhos, cartum, charge, entre outros. Mesmo para trabalhar o tema “dígrafo”,
tinha o texto como referência. Ao contrário da mestra do segundo ano, Custódia
priorizava o uso do livro didático. Em uma das aulas, observamos, nitidamente, um
trabalho cooperativo entre ela e o grupo-classe. Realizou a leitura de um texto, em
seguida, solicitou que alguns alunos o lessem e os auxiliou na escrita das palavras
que faltavam no texto (ênfase em dígrafos).

Porém, confirmamos a hipótese, já realçada na presente análise, de que


algumas atividades direcionavam as escolhas por priorizar a reflexão coletiva ou
individual. Nessa aula, os alunos foram solicitados a escrever um texto sozinhos,
sem qualquer troca com a mestra e/ou colegas. Já na segunda observação, através
da compreensão oral de vários textos não-verbais, a mestra estabeleceu um diálogo
contínuo com os alunos, apesar de alguns se dispersarem facilmente. Do mesmo
modo que na aula anterior, após o debate acerca de um cartum, os alunos foram
solicitados a produzir um texto, a partir das imagens. A mestra lembrou que os
educandos vinham sempre desenhando, mas era preciso exercitar mais a escrita.
323

Entendemos que, assim como a professora do segundo ano da escola B, em um


dado momento das observações sugeriu que os alunos produzissem um texto
sozinhos, já que teriam, supostamente, chegado a um nível de autonomia quanto a
essa atividade. Interpretamos que, se a postura de Custódia, ao enfatizar “a
passagem do desenho para a escrita”, sinalizaria para uma idéia de progressão das
atividades, nos questionamos qual a lógica que permearia aquela progressão, dadas
as especificidades daquelas atividades, assim como a concepção predominante que
a mestra parecia ter com respeito à atividade do desenho: mecanismo de controle
do comportamento dos aprendizes.

Na Escola C, somente a professora do primeiro ano conseguiu estabelecer,


em todas as aulas observadas, uma prática de cooperação com os alunos (COLL;
SOLÉ, 1996). Em alguns momentos, inclusive, agrupava-os por níveis de escrita, a
fim de melhor propiciar a aprendizagem (OLIVEIRA, 2006; 2004). A atividade de
cruzadinha com e sem o banco de palavras, expressou um pouco essa preocupação
da mestra com a inserção de todos os alunos. Nessa turma, apesar de alguns
destaques quanto à leitura e escrita de palavras e até de textos, nesse último caso,
dominado por um grupo minoritário, em momento algum a professora sinalizou para
um prediletismo para com alguns dos educandos. Algo curioso, que ocorreu nessa
turma, foram as escassas oportunidades que eles tiveram de registrar a atividade no
caderno, já que, geralmente, a mestra recorria a tarefas mimeografadas ou fazia as
tarefas oralmente. Assim como aconteceu com as outras turmas de primeiro ano,
presenciamos um trabalho coletivo, cooperativo, de reflexão dos gêneros textuais
abordados, cujo objetivo central era constituir o ponto de partida para o enfoque de
alguns aspectos do sistema de notação alfabética. Em geral, os itens abordados,
nesse último eixo, se repetiam ao longo das aulas.

Ao recuperar o já dito no início da análise dessa categoria “predominância


de um trabalho cooperativo da professora para com o grupo-classe”, reiteramos a
predominância de um trabalho mais cooperativo entre as turmas de primeiro ano,
resguardadas as especificidades de cada mestra. Curiosamente, verificamos maior
investimento nesse trabalho entre os terceiros anos, ao contrastarmos com os
segundos. Tal como assinalamos na análise desse bloco, a cooperação se deu mais
marcadamente entre a professora e o grupo de alunos, com menor freqüência de
ajudas entre eles mesmos. Atribuímos isso ao controle que as docentes tentavam
324

estabelecer na sala, por meio de atividades que se prestavam a esse objetivo, assim
como ao curto intervalo entre as tarefas. A inserção deles poderia ocorrer dentro de
uma dinâmica de participação efetiva: motivada ou, por outro lado, “forçada”.

5.1.2.2 Explicação prévia das atividades pela professora

Na nossa compreensão, a atitude de explicar previamente as atividades


propostas indicava a preocupação das professoras em inserir os aprendizes na
operacionalização das mesmas. No conjunto das aulas observadas, apreendemos,
majoritariamente, um investimento, por parte daquelas profissionais, nesse aspecto.
Esse procedimento tendia a ser conjugado com a leitura dos enunciados, nos
terceiros anos.

Somada à explicação da atividade, verificamos, no caso da professora do


primeiro ano da escola B, uma contínua interação entre ela e o grupo-classe, a
exemplo do que ocorreu na terceira observação. Observemos um trecho dessa aula:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B, 3ª Observação)

(...)
P – Vocês disseram algumas palavras com SA.
A – PERERECA.
P – Vamos lá, PERERECA tem ‘SA’? Vamos tentar ler, quem sabe ler. Está
desinteressado! Que letra é essa?
Alunos – ‘S’.
P – Com ‘A’?
Alunos – ‘SA’.
P – ‘P A’ (‘pê’ e ‘a’) faz?
325

Alunos – ‘PA’.
P – E aí?
A – SACI.
P – Vamos lá, bora lá, qual é a palavra mesmo?
Alunos – SAPATO.
P – Então, SAPO, SACOLA e SAPATO.
08:29h – As alunas voltaram com mais alfabetos (a mestra havia solicitado que elas
solicitassem, na secretaria, alfabetos móveis).
P – Eu sabia. Deixa eu ver.
Alunos – É pra fazer, tia?
P – Por enquanto não. Leiam!
Alunos – ‘A, E, I, O, U’.
P – Que letras são essas?
Alunos – Vogais.
P – Nós já estudamos essas letras? São as vogais, e essa? (a professora
apontou para a letra ‘B’). “É ‘B’ junto do ‘A’” (as letras estavam escritas em
maiúscula de imprensa).
A – BALA.
P – Você está impressionado com o que viu (remetendo-se ao incidente de morte
que tinha sido expressado pelo aluno, no momento da “roda de conversa”).
Alunos – ‘BA’.
P – Não é palavra, é sílaba. Se eu juntar o ‘A’ com o ‘I’ fica como? E o ‘U’ com o
‘I’? E o ‘O’ com ‘I’? O ‘O’ a gente pode ler aberto ‘Ó’ ou fechado ‘Ô’. Nós
estudamos essa letrinha, não foi?
Alunos – P! PA, PE, PI, PO, PU. (Na ocasião, a mestra fez uso de cartazes de que
dispunha na sala).
P – A gente estudou essa letra. Não é hora de usar caderno.
Alunos – FA, FE, FI, FO, FU.
P – A gente estudou essa letra, não foi?
Alunos – CA, CO, CU.
P – E se eu colocar assim: CE, CI.
Alunos – CE, CI (todos leram).
P – Muito bem. A gente já estudou foi muito. E essa?
Alunos – MA, ME, MI, MO, MU.
326

P – E essa?
Alunos – LA, LE, LI, LO, LU.
P – E essa?
Alunos – RA, RE, RI, RO, RU.
A – É pra copiar?
P – Não, meu amor, quando for, eu digo. Preste atenção. Aqui é o silabário,
aqui são as letras, tinha mais, mas tudo bem. Kamila, vai trabalhar em pé, você
não gosta? Vocês vão formar a palavra ‘SACI’. Sim gente, a gente está
estudando, esqueci, o ‘S’, ó. Como é? (a aluna não demonstrava interesse em
participar da aula, mas a mestra insistia em sua inserção na realização das
atividades).
Alunos – ‘SA, SE, SI, SO, SU’.
Os alunos começaram a formar a palavra.
P – Vai formar ‘SACI’ também. Vem pra cá os cinco. Vem cá. Pablo, Leandro,
Ana. Vem, Jefferson (a professora posicionou os alunos em pé). “Vocês vão
formar ‘SACI’, os quatro juntos. Os quatro aqui”.
(...)
Obs.: a professora seguiu com a escrita de palavras em grupo.

Nesta, assim como nas demais aulas, a mestra priorizou a explicação das
tarefas aos alunos, dedicando-se, inteiramente, às intervenções individuais e
coletivas. Verificamos uma “mescla” no trato com o objeto escrita alfabética. Isto é,
embora recorresse aos padrões silábicos, enfocava, também, atividades de
identificação ou produção de rima, comparação de palavras quanto ao número de
letras, variações das estruturas silábicas, entre outros aspectos. Sobre essas últimas
atividades, (MORAIS, 2005) aponta para a relevância que elas assumem na
construção da escrita alfabética. O enfoque na leitura e escrita das palavras
demonstrava a preocupação da mestra em assegurar uma contínua análise das
relações grafofônicas, priorizando a reflexão de unidades menores que a palavra, as
sílabas e, no interior destas, as letras. Foi possível verificar, nitidamente, a
explicação atrelada ao acompanhamento e ao controle com a efetivação da tarefa.
Nesse caso, esse processo foi garantido, em momento posterior, por meio da
327

contagem de pontos entre os grupos. Essa iniciativa estimulou os alunos a se


inserirem, efetivamente, na tarefa.

Embora não tenhamos observado, como no primeiro ano, um efetivo


trabalho de cooperação no segundo ano daquela instituição, a mestra garantiu, ao
longo das aulas, a explicação das atividades. O mesmo ocorreu com a turma do
terceiro ano, cuja prática parecia estar ancorada, predominantemente, em um
planejamento prévio e claro quanto às etapas, tipos de atividades sugeridas.
Agregado a esse aspecto, acreditamos que a autonomia dos aprendizes contou para
um bom encaminhamento das tarefas e dos resultados alcançados no desempenho
dos mesmos.

Apenas nas turmas do segundo e terceiro anos da escola C, em uma


ocasião, não verificamos a garantia da explicação das tarefas a serem realizadas.
No primeiro caso, a mestra realizou a leitura de vários contos, em seguida, registrou
a atividade no quadro, porém, não orientou os educandos quanto à realização.
Apresentamos, a seguir, um trecho da aula:

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C, 7ª Observação)


(...)
08:36h – Faça pouca tarefa.
P – Não, vou passar muita (como o fazia habitualmente, a mestra escreveu o nome
da escola de preto, a data de azul, o nome dela de verde e o do aluno de vermelho).
“Qual o nome das duas histórias, aliás, vou fazer mais fácil, qual o nome da
segunda história? Qual é o pássaro da história”?
A – ‘beija-flor’.
P – Tá vendo, é ‘beija-flor’.
A – Até o quarto (estipulando que a tarefa seria até o quadro quesito).
A1 – Até o quinto (contrariando o colega, apostou que a tarefa seguiria até o quinto
quesito).
P – Vai ser até onde eu quiser. Calem a boca.
A – Que dia é hoje?
P – Vinte e dois de novembro.
A – Hoje é vinte e três.
328

08:44h – A mestra terminou o registro da atividade e comentou: “eu vou ver se os


papéis do passeio estão prontos” (referindo-se a um passeio programado para os
alunos da escola).
Atividade de classe
1) Lembrem das histórias e respondam:
a) Qual o nome da segunda história? (duas linhas – a mestra marcava sempre com
x)
b) Qual o pássaro da primeira história? (duas linhas)
P – Deixa eu ir pegar o material.
A – Eu vou, não é tia? (referindo-se ao passeio)
P – Não sei (08:45h – a mestra se ausentou).
2) Leia as palavras e escreva o número de sílabas nos quadrinhos.

azul raposa
gavião galo
flores cachorro

3) Escreva frases com as palavras:


beija-flor –
raposa –
galo –
Estagiária – Na hora do recreio vai ficar de novo, dez minutos.
A – Quem, tia?
Estagiária – Quem não fizer a tarefa. Ainda, Felipe? O recreio tá chegando, viu?
A – Tia, a hora do lanche.
P – Depois do lanche tem o recreio e só vai para o recreio quem terminar.
4) Ditado
08:50h – Os alunos estavam mais dispersos (Elen, Vitor...). A estagiária ajudou-os,
mostrando o livro, a fim de observarem e registrarem o título.
08:58h – Cinara entrou na sala e conversou com Janaína (estagiária): “Vamos fazer
silêncio, não é?”
09:06h – Eita barulho danado! (a mestra lia algo, enquanto Janaína orientava um
aluno. A maioria deles estava sentada, porém, conversando. Na ocasião, Cinara
falava ao telefone – 09:08h).
329

(...)

Tal como constatado em outras turmas, nesse momento da aula,


verificamos uma ausência de explicação da tarefa pela mestra, assim como a
passagem para outra atividade, nesse caso, o ditado, sem a conclusão da tarefa
anterior pelos alunos. Estes foram cobrados, mas não orientados quanto a como
proceder. O que teria ajudado alguns a prosseguirem com a operacionalização da
atividade foram as repetições (sempre presentes nas atividades propostas), quanto
a determinadas propriedades enfocadas no sistema de notação alfabética. Apesar
disso, a mestra iniciou sondando dos alunos o título do conto lido por ela, mas,
durante as intervenções, houve uma ruptura e um conseqüente desvio para outros
comentários, o que acarretou na não explicação, assim como na passagem para o
ditado, após o recreio. Na continuidade da aula, verificamos que muitos alunos ainda
não haviam concluído o registro da atividade. Nesses casos, a mestra pediu que a
estagiária acompanhasse, a fim de seguir com o ditado.

Assim como localizamos nas outras turmas, a professora do terceiro ano da


escola C priorizou, durante as aulas observadas, um trabalho pautado na
cooperação. Seu objetivo era de que todos se engajassem nas atividades, de modo
a superar dificuldades visíveis, a exemplo da apropriação da escrita alfabética.

5.1.2.3. Espaço dado pelas mestras aos alunos com avanço e/ou em dificuldades no
aprendizado

Ao analisarmos se as mestras oportunizavam aos alunos mais avançados


darem suas contribuições durante as aulas, chamou-nos a atenção a ausência
dessa preocupação por parte da professora do segundo ano da escola A. Nessa
turma específica, o contrário também se aplicou, ou seja, o espaço para os alunos
com dificuldades de aprendizagem participarem da aula também não foi priorizado.
Em nenhum momento, ela incentivou essa participação dos educandos.

Em geral, houve um equilíbrio quanto ao espaço dado para os alunos com


real avanço no aprendizado e aqueles que tinham dificuldades de participarem das
aulas. Apenas no primeiro e segundo anos da escola A, as mestras não priorizaram
330

a participação daqueles que demonstravam visíveis dificuldades no aprendizado. No


caso da primeira turma, o “prediletismo” por alguns alunos, como já assinalado,
predominou. Já no segundo ano, a mestra não contemplou esse procedimento para
nenhum dos grupos de alunos. Costumava direcionar, monopolizar as leituras e
individualizar a compreensão e produção escrita. Nos raros momentos em que
permitia a colaboração deles, demonstrou controlar de maneira exacerbada, a
exemplo da “leitura alternada”. Corrigia-os constantemente, além de tratá-los de
forma pejorativa, chamando-os de “bebê”, nas ocasiões em que tentavam burlar as
regras estabelecidas por ela (CERTEAU, 1994) ao tratar do conceito de tática.

Diferentemente da turma anterior, a professora do terceiro ano da mesma


escola não oportunizou, explicitamente, a participação dos alunos (avançados e com
dificuldades) em apenas duas das oito aulas observadas. Retomamos, mais uma
vez, a relevância de analisarmos as implicações das atividades propostas nas
diversas formas de conduzir e intervir na aula. Tratou-se, no caso de uma das aulas,
novamente, da atividade do ditado. Fez questão de “dar dicas” aos educandos, ao
longo da atividade, porém, não permitiu nenhum tipo de contribuição oriunda deles
mesmos; pelo contrário, a orientação era de que fizessem sozinhos e, mais, não
permitissem que nenhum colega observasse a escrita das palavras: “bota a
mãozinha em cima para o colega não ver. Que coisa feia, tenta fazer sozinho. Eu já
disse: ninguém nasceu andando. ‘caridade’, ‘ca ri da dé’, ‘ca ri da dé’. Eu vou olhar
esse grupinho que tá muito calado. Isso, bote a mão em cima” (nesse momento,
circulava pela sala, observando a escrita dos educandos. Um deles afirmou
explicitamente que não sabia grafar. Na ocasião, a mestra apenas respondeu que
ele sabia e passou para a outra palavra). Tal como sinalizam Albuquerque (2002) e
Chartier (1998), essas diferentes posturas notadas numa mesma profissional, em
diferentes contextos, indica a complexidade que norteia o processo de apropriação e
adesão a diferentes alternativas de “fazer” a prática pedagógica.

Com isso, ficou nítida a ausência de colaboração tanto por parte dos alunos
avançados quanto dos que expressavam dificuldades em operar com as atividades
propostas. Em se tratando da tarefa do ditado, essa assumia mais a posição de uma
atividade “privativa”, a ser realizada solitariamente. Inferimos que, por esse motivo,
os alunos, em sua maioria, costumavam esperar a correção coletiva, a fim de não
exporem suas dificuldades e passarem, assim, a impressão de que sabiam escrever.
331

Tudo isso parecia ocorrer com a permissão das professoras, dada a recorrência
desse mesmo procedimento em outras turmas, conforme anunciamos nessa seção
(CERTEAU, 1994; FERREIRA, 2003).

Ainda nos reportando às contribuições dos aprendizes com avanço no


aprendizado, bem como aos que permaneciam apresentando dificuldades,
ressaltamos o único exemplo de não adesão à contribuição de um daqueles situados
na segunda opção, na turma do primeiro ano da escola B, no momento em que a
mestra sugeriu que eles pensassem em uma “frase” ou “mensagem”, para grafar no
cartão a ser entregue aos pais. Nessa aula, a mestra priorizou a proposta
apresentada por uma das alunas consideradas em destaque na sala, abrindo mão,
desse modo, da contribuição de outro aluno. Além disso, ela persuadiu toda a turma
a concordar com a escrita da frase sugerida por Larissa, a aluna com ótimo
rendimento. Entendemos que, em menor grau, o “prediletismo” também esteve
presente nessa turma. Embora tenhamos verificado nesse momento, apenas,
sugerimos sua importância, já que sinaliza para a ausência de valorização da
contribuição de um aluno que estaria em desvantagem frente à leitura e à escrita,
naquele ano-ciclo.

5.1.2.4 Disputas dos educandos por participar da aula

No conjunto das observações, verificamos uma baixa freqüência de disputas


entre os alunos por participarem das aulas. Em geral, como já fora realçado,
esperava-se a resolução das tarefas pelas mestras ou os aprendizes costumavam
participar da resolução coletivamente. No entanto, a participação individual era
quase que imposta por algumas professoras que tinham o anseio de assegurar a
participação de seus alunos na aula. Havia, sim, em alguns casos, como na turma
da professora do segundo da escola A, coerção para prender a atenção dos alunos.
Contudo, não havia a preocupação em estimulá-los, por si próprios, a participarem
da aula. O curioso foi que, mesmo com esse traço da professora, verificamos em
duas das oito aulas observadas, tentativas de disputas entre os aprendizes, na
intenção de se inserirem na aula. Em um dos episódios, por exemplo, a mestra
332

estimulou os aprendizes a expor suas opiniões sobre alguns jogadores,


características e regras do futebol; mas esse momento foi passageiro, logo ela
retomou sua postura e registrou a tarefa no quadro. Parecia haver uma expectativa
exacerbada quanto ao controle da turma, nesse contexto, desnecessária, já que os
alunos costumavam participar das atividades, sem grandes dificuldades.

Ainda nos reportando ao campo das disputas entre os alunos na sala,


lembramos que no primeiro ano da escola C, a mestra, articulada com duas outras
professoras,168 desenvolveram o “projeto do frevo”, cujo objetivo era o resgate de
todo um repertório de músicas. Com isso, explorou os conhecimentos prévios dos
alunos, a leitura dos textos, a análise de palavras, observando vários aspectos do
sistema de notação alfabética. Observemos um dos trechos da quarta observação:

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 4ª Observação)

(...)
P – Lembrem-se de que não é a hora do frevo, mas de escutar. Boca de
forno... (os alunos colocaram as cadeiras próximas do birô (mesa em que a
professora apoiava seu material), a fim de escutarem melhor a música, já que o
gravador estava lá). “Tô esperando, Danilo. Lembra que agora não é a hora de
marcar o passo, mas...”
Mércia – Ouvir.
P – E cantar. Qual é a música que vamos ouvir?
Mércia – Voltei Recife.
P – E a outra?

168
Lembramos que essa foi a instituição em que percebemos, de um modo geral, uma articulação
entre as professoras nas atividades desenvolvidas. Em relação a esse “projeto do frevo”, a mestra do
primeiro ano da escola C contou com a participação de duas outras colegas: uma do primeiro e outra
do segundo ano do 1º ciclo. Essa última participou desse estudo.
333

A – Luís Bandeira.
P – Vocês só param com a ameaça de perder o recreio.
14:56h – Começou a música, enquanto isso, os alunos cantavam. “Eu quero ver o
quê?”
Alguns alunos – Vassouras.
P – O que é Vassouras?
A – Carnaval, bloco.
P – Quero sentir...?
Alunos – A embriaguez do frevo... (Célia parava e cantava junto aos alunos,
sobretudo nos trechos mais rápidos). ‘Cadê toureiro...’ (nesse momento, alguns
alunos encolhiam até os shorts, para facilitar na hora de dançar o frevo).
15:02h – Parou a música (interromperam para o lanche).
(...)

Nessa aula, os alunos disputavam, vibravam com a leitura do texto. Embora


muitos ainda não lessem com autonomia, esse foi um dos momentos em que se
expunham à leitura, com a ajuda da mestra. Numa ocasião posterior, ela solicitou
que eles escrevessem, individualmente, o trecho da música trabalhada. Para essa
atividade, eles tiveram acesso ao registro escrito da música, como auxílio no
momento da reescrita. Como percebemos uma ênfase na reflexão fonológica (rimas
e aliterações), verificamos um engajamento posterior, por parte dos alunos, nessa
atividade (MORAIS; LEITE, 2005). Na terceira observação, pudemos apreender o
entusiasmo dos alunos, as disputas visíveis na atividade do “bingo”. Nessa aula, a
mestra disponibilizou um banco de palavras da mesma classe semântica: nomes de
animais e distribuiu as letras do alfabeto móvel. Os alunos ouviam atentamente as
letras, vibravam, gritavam, disputavam ativamente, a fim de ganharem o prêmio,
garantindo, claro, a escrita das palavras. Essa postura dos alunos foi observada em
cinco das oito aulas acompanhadas. Assim como nessa turma, apreendemos, em
duas das oito aulas observadas no primeiro ano da escola B, um visível
engajamento dos aprendizes nas atividades realizadas, a exemplo da escrita de
palavras a partir do alfabeto móvel, momento em que trabalharam em pequenos
grupos.
334

Embora tenhamos ressaltado momentos muito ricos de aprendizagem em


que esse engajamento por parte dos alunos ocorreu, retomamos o já dito no início
dessa seção, a quase ausência das disputas por participação das aulas, no universo
das observações.

5.1.2.5 Ajuda dos alunos avançados aos educandos em dificuldades, com apoio da
professora

Passando a focar, especificamente, a preocupação das mestras em


oportunizar as interações entre os alunos com bom nível de aprendizagem e aqueles
que estavam em “desvantagem” no aprendizado, apontamos que na escola A houve
apenas uma aula em que a professora do primeiro ano viabilizou tal procedimento,
assim como em três das oito aulas observadas no terceiro ano da mesma instituição.

No caso do primeiro ano, a mestra distribuiu uma ficha com a escrita de


uma palavra. Os alunos teriam que lê-la e grafá-la no caderno. Em seguida, a
professora pediu que lessem. Nessa aula, em específico, permitiu que alguns alunos
ajudassem àqueles que tivessem dificuldades. Segue o trecho da aula em que essa
autorização foi assegurada:

(Professora Aécia, Escola A, 1º ano, 6ª Observação)

(...)
Eu vou dar um papelzinho com uma palavrinha, certo? Cada um vai receber
uma palavrinha diferente. Cada um vai ler a sua, não leiam alto não.
A – Eu sei ler na mente. Eu sei contar, orar, rezar na mente. Sei fazer um bocado de
coisa.
P – Quem não souber, eu vou ajudar. Depois eu vou dizer o que a gente vai
fazer (distribuiu as palavras às 08:09h). Já fizeram o cabeçalho?
A – Tia, já achei é COPO.
P – Calma.
A – Everton, o dela é BOLA.
335

A – Tia, o meu é CAPACETE (dirigindo-se à pesquisadora).


A – O meu é CAMISA.
08:11h – Faltou o de Eduarda (a aluna tinha acabado de entrar na sala).
A – Tia, Eduarda é aí ó (referindo-se ao lugar em que a aluna, habitualmente,
sentava).
P – Vamos fazer as trocas rapidinho, rapidinho. Leandro dá esse lugar a Ana.
Presta atenção. Eduarda chegou agora, não sabe nem o que está acontecendo.
Leiam aí (a professora registrou no quadro: Leia a palavra que você recebeu e copie
em seu caderno). “Vocês vão ler a palavrinha e copiem no caderno”.
A – O meu é PEIXE.
A – O dela é PATO.
P – Eu não sei quem está com quê aí. Eu só quero saber se vai acertar o que
eu vou pedir. Pronto. Fizeram? (08:15h). Os alunos conversavam ativamente.
Everton – O de Yuri é JACARÉ (o aluno observou as palavras de todos os colegas).
P – Todo mundo já copiou aqui? Qual é a tua palavra?
A – CHAPÉU.
P – CHAPÉU.
A – BOLA.
P – Diz aí pra ele. Quem diz a de Leandro?
Alunos – BOTA.
A – CAMA.
P – Muito bem Robert.
A – ESCOLA.
A – CANETA.
P – Ingrid, cadê a sua?
A – CAPACETE.
A – CACHORRO.
P – Vocês já escreveu a palavrinha? (sic) Agora vocês vão desenhar. Ele um
JACARÉ, CANETA, bora? Desenhando. Todo mundo desenhando.
(...)

Como vimos, os alunos interagiram entre si, sobretudo um deles (Everton)


que era extremamente ativo na sala, mas conseguia “dar conta” de todas as tarefas.
336

O aluno demonstrou, ao longo das observações, autonomia na leitura de palavras,


enunciados, textos. No momento em que a professora havia permitido a ajuda aos
colegas, sobretudo a Leandro, ele não hesitou em ajudar, afinal, já tinha esse hábito,
mesmo sem a “permissão” da professora.

Em se tratando do terceiro ano da escola A, já no final da primeira


observação, a mestra distribuiu uma atividade mimeografada aos alunos, com o
intuito de que localizassem determinadas letras, pintando-as de uma cor
estabelecida e, com isso, formassem figuras de animais. A orientação dela foi juntar
os alunos que já liam, identificavam sem dificuldades as letras, com aqueles que
tinham dificuldades, a fim de que interagissem entre si e dessem conta da tarefa.
Nessa turma, encontramos procedimentos semelhantes em três das oito aulas
acompanhadas. Embora tenhamos destacado, ao longo das análises, as
especificidades dessa turma, apreendemos o grau de dificuldade dos alunos que,
nessa etapa do ciclo, ainda não conheciam os nomes das letras do nosso alfabeto.
A preocupação em agrupar os educandos conforme níveis de hipótese de escrita,
além de favorecer interações reais, corroborou com princípio defendido nos ciclos
(LÜDKE, 2001; DURAN, 2002; OLIVEIRA, 2004).

No que diz respeito à escola B, localizamos, em duas das oito aulas


observadas no primeiro ano, a autorização da mestra para dispensar ajuda ao
colega em dificuldade; uma aula no segundo e duas no terceiro ano dessa mesma
escola. No caso da segunda observação do terceiro ano, a mestra solicitou a escrita
de uma propaganda, explorando previamente as características desse gênero
textual. Alguns alunos, espontaneamente, organizaram-se em duplas e interagiram
entre si, na presença da professora. A maioria, mesmo organizada em duplas,
produzia individualmente, sem estabelecer trocas. Mas o que interessa destacar foi
o fato de as trocas ocorrerem com a permissão da professora. No exemplo de uma
das aulas do primeiro ano dessa instituição, no momento da escrita de uma
mensagem para os pais, a mestra autorizou a ajuda entre os alunos na escrita das
palavras “pai ou papai”: “vocês vão escrever sozinhos, um pode ajudar o outro, mas
ajudar não é fazer pelo outro não”.

Ao nos remetermos à escola C, localizamos ajuda ao colega com


autorização da professora em duas das oito aulas observadas no primeiro ano; em
quatro no segundo e apenas uma no terceiro ano. Em uma das aulas do segundo
337

ano, o aluno leu um enunciado referente à compreensão escrita de um texto, a fim


de ajudar seu colega, na presença da professora. No caso do terceiro ano, a dúvida
foi na escrita da palavra “jardim”, em que um dos educandos confirmou que se
escrevia com a letra “J”. Interessante foi o que ocorreu em uma das aulas no
primeiro ano dessa escola. A aluna estava copiando literalmente o trecho da música
de frevo pelo texto da colega. Nesse caso, a mestra chamou a atenção:

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 4ª Observação)


(...)
15:45h – (Célia orientava nos grupos. Marília copiava de forma ágil pelo caderno de
Mércia. As meninas dos grupos disseram que a professora ia mandar apagar. Daí
Marília apagou e (re)começou. Enquanto isso, Taylane fez a atividade para Letícia.
A aluna disse à professora que Taylane estava acabando).
A mestra perguntou: “ela está fazendo por você”?
A – Tá me ajudando.
P – Sente, ela vai dizendo as letras e você fazendo.
15:15h – ‘S’ aqui, visse? (Mércia dirigindo-se a Marília).
(...)

Como pudemos observar, as formas de proceder quanto à ajuda prestada


ao colega com dificuldades, dada a autorização das professoras, tiveram várias
implicações, sendo a mais recorrente a oferta de uma resposta imediata, com a
conseqüente ausência de reflexão por parte de quem estava “recebendo a ajuda”.
Em geral, copiavam pelo colega ou, indo além, apresentavam a resolução imediata.

5.1.2.6 Transgressão do aluno com bom nível de aprendizagem para cooperar com
colega em dificuldade

É importante destacar, por outro lado, a ausência de uma atitude


sistemática, por parte dos aprendizes, em burlar as regras, a fim de ajudar o colega
com dificuldade (PERRENOUD, 1994; CERTEAU, 1994; 1985). No universo das três
338

escolas, não verificamos uma freqüência significativa desse procedimento, apenas


no segundo ano da escola C, os alunos recorreram a essa alternativa em três das
oito aulas acompanhadas.

Em uma das aulas daquela turma, a mestra desenvolvia um trabalho


semelhante ao primeiro ano da mesma escola, dado que se tratava de um projeto
articulado em torno do tema “frevo”. Enquanto passava uma música, escolhia alguns
trechos e parava. A tarefa dos alunos era circular, identificar a última palavra e
circular. Em um dado momento da aula, um dos educandos ajudou o colega:

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C, 3ª Observação)

(...)
08:56h – Preste atenção. Eu vou tentar fazer de conta que eu estou cantando a
música, porque minha voz... eu vou lendo e a palavra que eu parar você
circula, a palavra que eu parar... Um, dois, três, já. ‘Eu tenho mais que tá nessa
fazendo mesura na ponta do pé’. Não venham me mostrar não. Cada um fique
olhando o seu papel. E ‘quando o frevo começa ninguém me segura’.
A – ‘SEGURA’!
P – Isso. A palavra ‘SEGURA’.
A – Achasse?
A – É depois de ‘ME’ (aluna orientando Felipe).
A – É a palavra toda?
P – Claro. ‘Vem ver como é, o frevo madruga lá em São José’. ‘JOSÉ’! Circula a
palavra ‘JOSÉ’ aí no texto. (...)

Ficou evidente que não era permitida a intervenção por um colega no


decorrer dessa atividade, visto que um dos alunos pediu ajuda à mestra, mas esta
destacou que não podia, já que, como era habitual, os alunos teriam, em um
momento posterior, a correção. Como pudemos verificar, uma das alunas ajudou
seu colega que estava com dificuldades em identificar a palavra “segura”, sem que a
mestra autorizasse. Foi interessante observar que, nessa mesma turma, na sétima
339

observação, uma das alunas ajudou o colega numa atividade de ditado sem que a
mestra percebesse. Ao contrário, o comando inicial daquela profissional era de que
“escrevessem do jeito que soubessem”. Como já havia uma expectativa, por parte
de alguns aprendizes, em corrigir coletivamente, ao final, o aluno respondeu sem
hesitar: “tudo errado, não é tia”? Parecia estar subentendido, entre eles, que a
reflexão no processo de escrita, naquele momento, não era priorizada, mas, sim, a
correção posterior. Esse pressuposto se confirmava com o encaminhamento que,
normalmente, era dado pela mestra: curto intervalo na pronúncia das palavras a
serem escritas. Como vimos, o mesmo procedimento foi verificado nas outras turmas
que recorriam a essa atividade, com exceção da professora do terceiro ano da
escola B. No exemplo dessa turma, o ditado compreendia a notação de um texto
fragmentado em partes, dado o estágio avançado em que a maioria dos alunos se
encontrava. A mestra costumava ler o texto junto aos aprendizes e, posteriormente,
realizava o ditado por parágrafo, intercalando com as correções.

Como já destacado nessa seção, a professora do primeiro ano da escola C,


propôs uma atividade com “cruzadinha”, agrupando os alunos por níveis de escrita.
Os que estavam em estágios mais avançados na escrita, não tinham como apoio o
banco de palavras. A orientação da mestra era de que não ajudassem os colegas,
mas os deixassem refletir individualmente, porém, uma das alunas prestou ajuda,
sem que a mestra percebesse, na grafia da palavra “anjo” (PERRENOUD, 1994). O
problema foi que deu a informação errada, já que afirmou que “anjo” se escrevia
com a letra “g”. Nesse caso, como a professora não tomou conhecimento, nenhuma
intervenção foi realizada.

Surpreendentemente, em uma das aulas da professora do segundo ano da


escola A, dois alunos conseguiram interagir, sem que a mestra percebesse. Tratava-
se da partição escrita de algumas palavras em sílabas. Enquanto um dos alunos
afirmou que a palavra “boi” não se separava, o outro declarou que somente o “i”
constituía uma sílaba. Tudo isso transcorreu sem que a mestra percebesse.

Já na turma do primeiro ano da escola B, a mestra chamou a atenção, em


uma das aulas, de alguns alunos que não deram a oportunidade para os colegas
lerem as palavras selecionadas por ela. À medida que tinham acesso às palavras,
individualmente (escritas em um papel e distribuídas após sorteio), teriam que ler
340

para a turma. Daí a intervenção da mestra, no sentido de garantir a leitura, sem


intervenção dos colegas, o que nem sempre foi possível.

5.1.2.7 Síntese das evidências sobre a ocorrência ou não de cooperação nas


atividades realizadas em sala de aula.

Ao retomarmos os dados reveladores da presença ou ausência de uma


prática de cooperação nas aulas observadas, sublinhamos que não houve uma
homogeneidade quanto a esse aspecto no universo das três escolas. Se, por um
lado, as professoras dos primeiro e segundo anos das escolas A e B optaram por
esse encaminhamento, no caso da escola C, houve proximidades das turmas de
segundo e terceiro anos. As escolhas didáticas e pedagógicas variavam, como
vimos, ao longo da análise.

Em quatro das nove turmas acompanhadas (os três anos da escola A e


segundo ano da escola C), resguardadas as especificidades de cada uma,
observamos um tipo de encaminhamento que, na nossa compreensão, pouco
ajudou os educandos a desenvolverem uma atitude reflexiva e compromissada
diante das atividades propostas. Tratou-se das tarefas aligeiradas como o ditado, em
que a maioria dos aprendizes, que não se ajustou ao ritmo da mestra, esperava as
respostas no quadro. O mais grave foi que esse procedimento ocorreu com a
concordância, não declarada, das professoras.

Não cabe retomar, nessa síntese, os dados encontrados, entre as turmas,


referentes à prática de inserção de todos os aprendizes nas tarefas propostas.
Assinalamos, contudo, que essa opção por vezes prejudicou o objetivo planejado
inicialmente pelas professoras. Esse dado nos ajuda a entender, concretamente,
que o atendimento à diversidade, sem um planejamento específico que atenda às
reais necessidades dos educandos, pode comprometer mais ainda seu aprendizado.
Foi o caso de uma das aulas da turma do terceiro ano da escola A em que, após
toda uma seqüência de intervenções na pesquisa da palavra “provérbio” no
dicionário, a mestra comprometeu o aprendizado da ordem alfabética, indicando a
página aos educandos que ainda não a haviam localizado.
341

A predominância de atividades realizadas no coletivo e individualmente,


nesse último caso, sem intervenções das mestras, a nosso ver, comprometeram um
atendimento mais focado nas dificuldades individuais dos educandos, bem como as
trocas que poderiam ser estabelecidas entre eles (COLL; SOLÉ, 1996). Em nome do
controle da turma, do “bom aproveitamento do tempo”, as intervenções focadas no
âmbito individual, praticamente inexistiram.

Embora não tenha ganhado centralidade nesse estudo, consideramos


pertinente apontar que apenas duas das nove professoras utilizaram
sistematicamente o livro didático (3ºs anos das escolas B e C). É importante
destacar, entretanto, que uma delas (a do 3º ano da escola B) costumava utilizar,
quase que exclusivamente, o livro didático de geografia nas aulas de língua, com o
objetivo de realizar a atividade de ditado de textos. Quanto às demais turmas, o uso
daquele material didático foi esporádico. É interessante ressaltar que na sala da
professora do segundo ano da escola C o uso ocorreu em apenas uma das oito
aulas, e mais, por evidentes cobranças dos pais. Por outro lado, houve quem
dissesse, entre as docentes, que não recebeu o livro didático e que, por isso, o
trabalho com língua portuguesa ficou limitado, conforme pontuamos na seção que
trata das atividades de rotina. Foi o caso da professora do segundo ano da escola B.

Ao defendermos a opção por um planejamento que priorize os saberes


esperados para cada ano do ciclo em língua portuguesa, assinalamos a importância
da presença de um bom livro didático na prática do professor. Os argumentos
contrários, declarados pelas professoras, no momento da entrevista realizada com
cada uma delas, a respeito desse material, foi o nível elevado para o ano-ciclo em
que atuavam, o fato de não terem tido acesso aos livros que poderiam escolher,
entre outros. Não nos alongando mais nesse assunto, cremos que um bom livro
didático não limita a atuação do professor, mas, ao contrário, potencializa suas
escolhas didáticas e pedagógicas. O não uso dos livros, em nosso entender, não
teria ajudado as mestras a fazer atividades de ensino ajustadas às diferentes
necessidades dos aprendizes. Pelo contrário, a predominância de atividades como
ditados de palavras revelou uma evidente falta de planejamento quanto às possíveis
intervenções e o atendimento da diversidade.

Retomando aspectos que consideramos relevantes no universo dos dados


analisados nessa seção, apontamos que o “prediletismo” por alguns alunos
342

desencadeou a limitação quanto à inserção dos demais nas várias atividades


sugeridas pelas professoras. Por esse motivo, acreditamos que houve um empenho
efetivo dos educandos somente em quatro das nove turmas observadas (3º ano da
escola A; 1º ano da escola B e 1º e 3º anos da escola C). Não podemos deixar de
enfatizar, entretanto, que a turma do terceiro ano da escola B tinha um diferencial:
os alunos acompanhavam, efetivamente, as tarefas propostas.

Ao nos reportarmos à prática de um planejamento prévio, observamos que


quatro das nove professoras demonstravam planejar sistematicamente (1º e 3º anos
das escolas B e C). Nas outras turmas, vimos que essa prática parecia ter sido
contemplada algumas vezes, limitando-se, em alguns casos, à escolha do texto a
ser lido. Essa última opção se distancia (e muito!) da concepção defendida por Leal
(2009).

Por fim, acreditamos que, em função da predominância das formas de


cooperação terem sido mais presentes partindo da professora para com o grupo-
classe, não verificamos um investimento significativo, por parte das mestras, quanto
às oportunidades de interação entre os alunos com diversos níveis de
aprendizagem. Cremos que, por esse motivo, houve uma tímida colaboração das
crianças com bom ou médio desempenho no aprendizado dos colegas com
dificuldades de aprendizagem.

5.1.3 A proposição de atividades diversificadas no 1º ciclo, na área de língua

Constituindo-se num aspecto priorizado na proposta dos ciclos de


aprendizagem da Prefeitura Municipal de Recife, a partir de 2001, o tratamento dado
à heterogeneidade das aprendizagens (PCR, 2001), na forma de atividades
diversificadas, será o foco de nossas análises nessa seção.

Nosso objetivo foi, no conjunto das observações de aula, apreender a


presença ou ausência de tarefas diversificadas no interior do 1º ciclo, verificando a
existência (ou não) de progressões entre os três anos-ciclo. Analisamos, ainda, se
343

essas atividades eram previamente planejadas ou se as ações didático-pedagógicas


ocorriam no “agir da urgência”, sem nenhum planejamento aparente.

Aproveitamos essa discussão para distinguir o que seriam, a nosso ver,


encaminhamentos e intervenções que revelaram, no conjunto das práticas, uma
maior atenção direcionada aos diferentes ritmos de aprendizagem, na medida em
que as mestras oportunizavam a inserção de todos os alunos nas atividades
propostas, por exemplo; da proposição de atividades diversificadas dirigidas aos
vários níveis de aprendizagem dos alunos, traduzindo-se, portanto, numa ação mais
focada nas aprendizagens esperadas pelos aprendizes. Dedicamos esforços para
analisar se tais atividades propunham desafios (ou não) aos sujeitos envolvidos no
ato de aprender, objetivando a superação de estágios menos avançados de
aprendizagem, assim como se aquelas tarefas alcançavam tanto o grupo de
educandos com dificuldades quanto aqueles que já demonstravam avanço para o
ano-ciclo em que se encontravam. Por fim, observamos se houve sugestão da
mesma tarefa ao grupo de alunos, entretanto, com ajustes aos variados níveis de
aprendizagem. A tabela 20 sintetiza os dados obtidos nas nove turmas observadas,
nos três anos do ciclo I.

Tabela 20: Atividades diversificadas, na área de língua, no 1º ciclo, nas nove turmas
acompanhadas

Tipos e freqüência de atividades diversificadas no 1º ciclo, na área de língua

Escola A Escola B Escola C

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T TG

1. Presença de atividades diversificadas 5 0 2 7 5 2 1 8 3 2 2 7 22

1.1 Desafiadoras 1 0 2 3 4 1 1 6 3 2 2 7 16

1.2 Não desafiadoras 4 0 0 4 1 1 0 2 0 0 0 0 6


1.3 A diversificação atendia aos alunos
com dificuldades 4 0 2 6 5 1 1 7 3 2 2 7 20
1.4 A diversificação atendia aos alunos
com avanço no aprendizado 3 0 0 3 6 1 1 8 2 2 1 5 16
344

2. Tarefas diversificadas com evidência de


planejamento prévio 0 0 0 0 1 0 0 1 3 0 1 4 5
3. Atividades distintas ajustadas aos
diferentes níveis de aprendizagem 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
4. Atribuição da mesma atividade com
ajustes aos diferentes níveis 2 0 0 2 0 0 0 0 1 0 0 1 3

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral.

A partir dos dados obtidos na tabela 20, apontamos que, embora tenhamos
visto um número razoável de atividades diversificadas, entre as práticas
acompanhadas (22), admitimos que, no conjunto das 72 observações, a
preocupação em propor atividades diferenciadas com o intuito de alcançar o maior
número possível de alunos foi muito tímida. Em continuidade, registramos a
discrepância vista entre as atividades diversificadas desafiadoras e não desafiadoras
(16/6). Antecipamos, desde já, que essas atividades não atingiram a todos os alunos
das escolas pesquisadas, conforme a tabela 20 aponta.

Ao nos reportarmos às atividades diversificadas, não constatamos variações


significativas entre as intervenções dirigidas ao grupo de alunos com e sem
dificuldades de aprendizagem (20/16). Cabe ressaltar, entretanto, que, no universo
dessas tarefas, praticamente inexistiu a preocupação com o planejamento prévio,
apenas em cinco momentos pudemos registrar essa iniciativa. A partir disso,
entendemos melhor o porquê da baixa freqüência encontrada nas atividades
distintas ajustadas aos diferentes níveis, com apenas um momento entre as aulas
observadas, assim como a atribuição da mesma tarefa com ajustes às distintas
demandas de aprendizagem, contando, somente, com três ocasiões. Essa ausência
de planejamento, inclusive nas atividades diversificadas, contraria o aspecto da
reflexão que, conforme aponta Leal (2009, p.3), “é a atividade central da formação
profissional do docente”. Seguiremos com a análise mais detalhada da tabela.

Diante dos dados observados na tabela 20, atestamos, de imediato, a maior


presença de atividades variadas entre as turmas de primeiro ano, se comparadas às
demais (13/4/5). Cremos que esse investimento está intimamente vinculado às
singularidades quanto às escolhas didáticas e pedagógicas (CHARTIER, 2000) das
mestras que atuavam naquela etapa do 1º ciclo, entretanto, acreditamos, também,
que nos segundos e terceiros anos essa preocupação tenderia a desaparecer,
345

dadas as expectativas que aquelas profissionais expressavam na mudança para o


outro ciclo. Portanto, era preciso, acreditamos, homogeneizar as atividades, mesmo
que, para isso, os educandos com maior dificuldade de engajamento não fossem
inseridos na mesma proporção que aqueles com melhor desempenho. Esse dado
corrobora com o que assinalou Oliveira (2004) quanto às expectativas que as
professoras, sobretudo do terceiro ano do 1º ciclo, tinham quanto à progressão para
o ciclo II. Seguindo essa lógica, exploravam não mais sistematicamente a escrita
alfabética, porém, textos, produções textuais, pontuação, entre outros.169

Em se tratando do primeiro ano da escola B, localizamos, em cinco das oito


aulas observadas, a preocupação em propor algum tipo de atividade diferenciada
aos aprendizes. Na terceira aula, por exemplo, verificamos que a tarefa
encaminhada foi um desdobramento da atividade inicial. Observando a dimensão da
heterogeneidade em sua turma, a professora agrupou seus alunos por níveis de
escrita, disponibilizou o alfabeto móvel e, posteriormente, ditou algumas palavras, a
fim de que escrevessem com aquele material. Esclareceu que aqueles que tivessem
mais facilidade em escrever as palavras, prestassem ajuda aos outros. Sobre esse
tipo de encaminhamento didático, Leal (2005, p.97) assinala a relevância dessas
atividades em pequenos grupos “por propiciarem, de modo mais íntimo, trocas de
experiências entre os alunos, levando-os a compartilhar saberes, a levantar
questões e respostas que os adultos escolarizados nem sempre se propõem”. A
autora segue enfatizando que, em pequenos grupos, é possível observar “boas
discussões, entre as crianças, no momento de decidir onde colocar as letras”,
objetivando a escrita de palavras (LEAL, 2005, p. 97).

No momento que precedeu o ditado de palavras, a mestra retomou a


exploração de algumas das “famílias silábicas” estudadas anteriormente.
Ressaltamos que, embora houvesse a presença de um silabário na sala, causando,
de início, a impressão de que a mestra poderia ter adotado, em sua prática, o
método silábico de alfabetização, não observamos esse enfoque ao longo das
observações. Na realidade, ela recorria às sílabas, a outras unidades lingüísticas,
objetivando desencadear uma reflexão e, com isso, propiciar um avanço na
apropriação do sistema de escrita, por parte dos alunos.

169
Destacamos essa postura, embora reconheçamos o dilema vivido por duas das professoras de
terceiro ano por nós acompanhadas, dado que seus alunos apresentavam, ainda, sérias limitações
quanto ao processo de operar com o sistema de notação alfabética.
346

No decorrer do encaminhamento da atividade, verificamos que a professora


intervinha nas equipes, de modo a acelerar as palavras para aqueles que já se
antecipavam à escrita. Desse modo, pareceu-nos claro que ela contemplou os
diferentes agrupamentos, conforme seus desempenhos. Essa atividade endossa o
que Leal (2005, p. 91) aponta acerca do bom perfil do professor alfabetizador, na
medida em que atua junto a todos os alunos ao mesmo tempo, atendendo às
diferentes demandas e auxiliando-os. Em continuidade à tarefa, após a escrita das
palavras, Bernadete prosseguiu sugerindo outra atividade para os que haviam
concluído. É nesse âmbito que exemplificaremos o que ocorreu desde então,
durante a terceira aula observada:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B, 3ª Observação)

(...)
P – Quem foi que disse que terminou? Muito bem, agora coloque o número de
sílabas ao lado. Tentar ler as palavras, fazer um esforço, contar o número de
sílabas e escrever dentro do quadradinho. Cadê? Fez? Escreva o número de
sílabas dentro do quadradinho.
A – Tia, é assim?
P – Não, você está colocando o número de letras, é o número de sílabas.
Quantas partes têm? Quantos pedaços?
A – Duas.
P – Quem terminou, levante o braço (...) Larissa, escolha uma palavra dessa ou
duas e escreva uma frase, tá? (a aluna já estava numa hipótese alfabética de
escrita, portanto, se envolvia ativamente nas atividades. Por esse motivo,
acreditamos que a professora lançou mão dessa alternativa).
P – Kleiton, escolha uma dessas palavras e forme uma frase (do mesmo modo
que Larissa, ocorreu com esse aluno).
(...)
347

Após a correção da atividade, a mestra se remeteu à escrita de frases que


solicitou de alguns aprendizes. Observemos como procedeu na ocasião:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B, 3ª Observação)

(...)
Agora, eu pedi a algumas pessoas para formar frases. Diga Larissa.
A – A PIPOCA É GOSTOSA.
P – Olhe a frase e corrija. Gente, quantas palavras? Tem gente que tá ‘voando’
(ou seja, desatento na aula). “Tem quantas palavras? Observem que tem
espaço. Vamos contar? Uma (letra A), duas ‘PIPOCA’, ‘É’ três e ‘GOSTOSA’,
quatro palavras. Diga Ingrid”.
A – O SACI É BONITO.
P – Vamos contar quantas palavras têm essa frase, viu João Mateus? Olhe o
espaço entre as palavras. Diga Tiago sua frase.
A – O SACI É PRETO.
P – Certo. Vamos contar as palavras. Tem quatro: O SACI É PRETO. Eita,
calma. Vão acabar com a minha garganta. Eu pedi para formar frases.
A – A BOLA É BONITA.
P – Vamos lá: A BOLA É BONITA.
A – Deixe eu formar tia.
P – Tudo bem. Quem não copiou, copie só a sua frase. Vocês só querem
formar frases assim: O MACACO É BONITO. Vamos mudar?
A – O MACACO PULA MUITO.
P – Quatro palavras. Espera aí...
A – RECIFE LINDO.
P – Que frase linda, eu também acho. Tem uma exclamação. Você olha para a
cidade e diz. Essa frase tem duas palavras. Alguém mais?
A – BERNADETE É LINDA.
P – Que bom. Vamos fazer assim: quem fez, copia a sua; quem não fez,
escolhe uma para copiar.
A – BERNADETE É A RAINHA.
348

P – Ai meu Deus! BERNADETE É A RAINHA. Tá bom que não cabe mais no


quadro.
(...)

Tal como realçado na seção relativa à presença ou ausência de um trabalho


cooperativo entre a professora e o grupo-classe, verificamos, no caso dessa turma,
inúmeras tentativas de inserção de todos os alunos nas atividades sugeridas. Aos
educandos mais avançados, ela propunha outras tarefas como a escrita de frases,
de textos, leitura “livre” de textos, entre outras. Analisando especificamente esse
extrato de aula, confirmamos essa característica na prática da mestra, considerando
desde o agrupamento dos alunos até os encaminhamentos e proposições de
atividades adotadas (LEAL, 2005).

Já no fechamento dessa seqüência, a mestra refletiu, junto aos aprendizes,


acerca da estrutura das frases, realizando a contagem das palavras escritas por
eles. Embora não estivesse presente, no comando inicial, a participação de todos na
elaboração de frases, como enfatizou a partir da retomada da atividade para a
correção, sugeriu para aqueles que não tinham participado dessa etapa, dados os
diferentes níveis deles, a escolha de uma delas para a realização da cópia. A
reflexão, como vimos, ocorreu coletivamente. Tal como indicamos, nessa seção,
essa se constitui numa das possibilidades de organização do trabalho pedagógico e
condução das atividades, assinaladas por Leal (2005), situações didáticas em
pequenos grupos.

Ao ser discutido, durante a entrevista com essa professora do primeiro ano


da escola B, a questão da articulação das diferentes atividades de língua à
heterogeneidade das aprendizagens, ela assinalou, entre outros encaminhamentos
pedagógicos, a opção por agrupamentos que considerassem as variações quanto
aos níveis:

É... em alguns momentos eu faço trabalho em grupo levando em


consideração essa questão dos níveis dos alunos. E nesses
trabalhos eu tento organizar os grupos é... de acordo com o nível.
É... isso não é uma tarefa muito fácil não, porque os alunos, eles
sempre tão querendo fazer é... os grupos de acordo com as
amizades, com a identificação deles. Mas a gente, eu faço mais ou
349

menos assim: por exemplo, alunos que já estão mais adiantados,


que já estão lendo, junto de alunos que estão num nível menos
assim, num nível silábico e aí eu vou pra... pra é... pra fazer com que
essa, essa ajuda exista entre eles e possa promover o
desenvolvimento é... de todos, né? Agora assim, nem sempre isso é
possível, trabalho em grupo é difícil, as turmas têm um número
razoável, né? De alunos, um número assim grande pra ser turma de
alfabetização e... até a configuração das... das mesas e tudo, da sala
não ajuda muito. É... e... momentos que eu faço trabalhos sem ser
em grupo, trabalho com a turma toda (...) (Professora Bernadete, 1º
ano, Escola B).

Assim como apontamos em outras análises, a menção a atividades


coletivas por parte das mestras também esteve presente na prática dessa
professora, conforme depoimento explicitado anteriormente. Entretanto, a forma de
encaminhar e intervir durante as atividades diferia de outras práticas, já que o
objetivo em alcançar todos os alunos, independentemente do nível de
aprendizagem, foi notório.

O modo de proceder da professora do primeiro ano da escola A, quanto às


atividades diversificadas diferia do exemplo anteriormente referido. A suposta
inserção dos aprendizes nas atividades privilegiava o grupo mais avançado, já que
parecia haver uma representação estática quanto aos alunos que apresentavam
dificuldades, ou seja, a de que não conseguiriam, na ótica da mestra, avançar o
suficiente para serem promovidos ao segundo ano.

Essa concepção da professora repercutiu, diretamente, na natureza das


atividades propostas que, predominantemente, não eram desafiadoras. Um exemplo
que ilustra bem o que estamos apontando se encontra na segunda observação: um
dos alunos foi exposto àqueles modelos de tarefas como “cobrir letras, desenhar”,
entre outras. Ao longo das aulas observadas, não identificamos avanço na
apropriação da base alfabética de escrita, por parte desse aprendiz, visto que havia,
nitidamente, uma baixa expectativa da mestra frente aos educandos que não
conseguiam acompanhar as tarefas encaminhadas. No caso desse aluno, a
professora poderia ter optado por atividades de familiarização com as letras que, de
acordo com Leal (2005, p. 100) “são muito importantes para as crianças que não
apresentam bom repertório desses símbolos, não conseguem nomeá-las ou
escrevem com rabiscos ou letras mal-definidas”. Com isso, a criança passa,
gradativamente, a perceber que são esses os símbolos utilizados na escrita e,
350

assim, prosseguem no longo percurso de apropriação dos princípios de nosso


sistema alfabético de escrita.

Em uma das aulas acompanhadas, a mestra comentou um pouco sobre o


desempenho desse educando em particular. Segundo ela, ele só copiava, não
conseguia registrar no caderno a atividade do quadro, não nomeava as letras do
alfabeto e, por fim, explicitou: “quando estava no grupo cinco era pior.170 Agora pelo
menos copia”. Com isso, asseveramos a postura predominante de não investir em
tarefas desafiadoras com relação não só a esse educando, como aos demais que
não conseguiam acompanhar as atividades. Diante desse quadro, nos perguntamos:
como esperar que o aprendiz avance ou julgá-lo pelo quase ausente domínio da
escrita, se as atividades sugeridas não ultrapassavam a cópia, o desenho? A
despeito desse assunto, Leal (2005, p. 90) destaca, entre outros saberes
importantes ao exercício de ser professor alfabetizador, o de apreender que tipos de
intervenções didáticas são necessários, com o intuito de ajudar aos alunos a
percorrerem o caminho da apropriação do objeto escrita alfabética, por exemplo.

Seguindo essa mesma linha de intervenção, ainda na segunda aula


observada, a mestra percebeu que uma das alunas havia concluído a tarefa e
sugeriu uma cópia para “preencher o tempo”. A partir desse procedimento,
entendemos que tanto com relação ao grupo de alunos que demonstrava avanço
nas práticas de leitura e escrita, como, ao contrário, para aqueles que expressavam
dificuldades, as tarefas propostas, nessa aula, não contribuíram para o avanço dos
mesmos. A partir disso, cremos que esse modo de proceder da mestra, contraria (e
muito!) o princípio indicado pela autora supracitada.

Ao tratarmos, durante a entrevista com essa professora, da articulação entre


as atividades realizadas na sala de aula e o atendimento à heterogeneidade, ela
afirmou realizar uma sondagem no início do ano, a fim de ter um perfil desse aluno e
sugerir tarefas de acordo com as “necessidades deles”. Afirmou trabalhar com
desenhos, contar histórias, trabalhar as “famílias silábicas” destacando as letras que
iniciam e finalizam as palavras, entre outras atividades. De acordo com ela, as
atividades propostas ajudavam a lidar com as diferentes demandas de
aprendizagem. Entretanto, nem todos os alunos se empenhavam cumprindo as

170
Alunos com cinco anos de idade que estavam inseridos na educação infantil da Rede Municipal de
Recife.
351

proposições da mestra, fato que estaria relacionado, em sua ótica, a um


desinteresse pessoal ou ausência de interesse dos próprios pais. A professora Aécia
(1º ano, escola A) seguiu explicitando um pouco como procedia em sala de aula no
trato com a heterogeneidade:

Eu trabalho só na... na sala com eles. Eu tento fazer, né? Eu faço


assim, primeiro eu trabalho com os outros, separo. Tem que separar
pra poder conseguir alguma coisa, né? Se bem que nem todos
conseguem fazer. Aí eu faço uma atividade assim mais puxada pra
aqueles que eu vejo que têm condições e aqueles que não têm eu
procuro fazer alguma coisa diferente que esteja ao nível dele na sala
(Professora Aécia, 1º ano, Escola A).

O depoimento não corresponde ao observado na aula a pouco explicitada,


na qual, aos alunos que demonstravam avanço, foi proposta uma atividade de cópia
de texto para “preencher o tempo”. Já em relação aos educandos que tinham
dificuldades, observamos, de fato, tarefas que, na ótica dela, atendiam suas
necessidades, mas que, na nossa compreensão, não ajudavam aos aprendizes
avançarem na construção da base alfabética de escrita, por exemplo. Diante do
exposto, entendemos que eles tiveram raras oportunidades de ajuda para avançar,
visto que o modelo de ensino a que estavam submetidos não propiciava esse salto
no aprendizado da leitura e da escrita.

Gostaríamos de reiterar, a partir do que vimos discutindo acerca da prática


da professora do primeiro ano da escola A, que não basta garantir um ensino que
priorize o atendimento às diferentes demandas de aprendizagem, mas que assegure
o avanço do aprendiz no interior do ciclo. De acordo com Ferreira e Leal (2006,
p. 20), para alcançar esse objetivo, é necessário “diagnosticar os principais fatores
que levam à não-aprendizagem e os focos de dificuldades dos alunos, além de criar
estratégias para superar tais dificuldades”. Concordamos com as autoras de que é
preciso, desde os primeiros anos de escolaridade, priorizar o ensino da notação
alfabética, bem como investir nos eixos de leitura e produção textuais.

É interessante que, tal como vimos no estudo realizado por Oliveira (2004),
quanto à presença de algumas táticas no interior das práticas observadas, a
exemplo do reforço escolar, passados três anos daquele estudo, pudemos verificar o
mesmo encaminhamento quanto ao uso daquele procedimento, no segundo
352

semestre de 2007, na escola C. A partir de um dado período do ano, no caso dessa


escola, outubro, alguns alunos permaneciam com a professora uma hora antes do
término da aula, sendo submetidos a atividades diferenciadas, enquanto os demais
eram liberados. Os profissionais dessa instituição entenderam que esse trabalho
diversificado com um grupo menor interferiria no rendimento dos alunos, de modo a
contribuir para a sua promoção no interior do ciclo. Foi considerando essa alternativa
encontrada por aquela instituição, que observamos algumas das atividades variadas
priorizadas. Por se tratar de um primeiro ano, as tarefas focaram, prioritariamente, o
sistema de notação alfabética, a exemplo da “escrita espontânea de palavras”. A
seguir, destacaremos um extrato da sétima observação, em que a mestra privilegiou
o atendimento aos diferentes níveis, a partir de uma mesma atividade:

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 7ª Observação)

(...)
“Todos vão receber essa atividade mimeografada, mas nem todos vão receber
esse. Isso aqui é uma cruzadinha, vocês vão colocar as letras nos
quadradinhos. Vocês sabem, não é?”
A – Sei não.
P – Não? A gente nunca fez aqui na sala?
Alguns – Fez.
P – Quem receber esse papel, vai procurar as palavras da cruzadinha. Quem
não recebeu esse, não vai olhar pelo do colega, para copiar não. Vai pensar
nas letrinhas para colocar. Por exemplo, Raquel vai pegar esse papel para
procurar as palavras, mas Letícia não vai. E não pode olhar pelo do colega
não, viu? Pode voltar. Daniela, Dafnny, Erasmo vão sentar nessa mesa, tá?
Larissa vai sentar ali, naquela mesa? (14:45h).
14:48h – Espera aí que eu vou colocar no quadro o cabeçalho. A gente vai
tentar escrever com a letra cursiva que é essa letra agarradinha.171
A – Sei não tia.

171
Acreditamos que, por estar no final do ano letivo, a mestra propôs a escrita em letra cursiva, visto
que na escola havia um acordo estabelecido de que, no primeiro ano do 1º ciclo, a ênfase seria na
letra maiúscula de imprensa.
353

P – Vamos tentar. Solange, eu não formei as duplas, mas coloquei os pré-


silábicos com os silábicos e os silábico-alfabéticos com os alfabéticos. O
banco de palavras (que eu pensava ser um caça-palavras) estava com o grupo
dos pré-silábicos e silábicos.
15:25h – Retorno dos alunos do lanche (goiabada e suco de laranja). “Todo mundo
achou VELA? Quem tá com a fichinha com o banco de palavras procura VELA,
quem não tá...”
ÁRVORE – ESTRELA – SINO – VELA – ANJO – NATAL – PRESENTE
P – VELA termina com ‘E’? (orientação nos grupos). “O que é que você tá
fazendo nessa mesa”?
Marília – Como se escreve ANJO?
Tailane – É com G.
P – Vamos procurar SINO?
Tailane – Tia, NATAL termina com ‘L’? Vai tia. A menina colocou com ‘O’ (dirigindo-
se à pesquisadora. Na ocasião, decidiu grafar com ‘L’ no final, sem nenhum tipo de
intervenção).
A aluna Mércia registrou ‘AVORI’ e ficou pensando, já que tinha sobrado um
quadrado na cruzadinha.
P – Qual é a letrinha depois do ‘A’, Mércia? ‘AR’.
Mércia – ‘R’.
Alguns alunos, nitidamente, se angustiavam por não terem o banco de palavras
como apoio. Irritaram-se, principalmente Larissa. Registrou ‘SISO’ (com o segundo
‘S’ do lado contrário, para a palavra ‘SINO’); ‘TEZTE’ – para a palavra PRESENTE,
‘AEJO’ – para ANJO e ‘ARIRIE’ – para ÁRVORE (...).
Obs. À medida que a mestra passava nos grupos, intervinha e os mesmos corrigiam
a escrita.

Como vimos, a partir de uma mesma atividade, com alguns ajustes, a


mestra pôde trabalhar com os alunos, obedecendo às diferentes hipóteses de escrita
deles. Cabe ressaltar que esse modelo de atividade foi verificado apenas nessa
turma, cujo trabalho estava ancorado nessa concepção de conhecer o estágio dos
aprendizes, a fim de melhor intervir e contribuir com seus avanços. Sentimos falta,
no entanto, durante as aulas, de maior investimento em atividades escritas, já que,
354

na maior parte, os alunos participavam oralmente das tarefas. Sobre esse assunto,
na entrevista, a professora explicou como costumava encaminhar as atividades, de
modo a garantir o atendimento às diferentes demandas de aprendizagem:

(...) eu faço atividades assim pra os diferentes níveis, em dias


diferentes, mas assim pra pegar todo mundo. Já trabalhei muito em
dupla também, já tive anos de trabalhar com as crianças em dupla,
procurando aproximar os... como é que se diz? Colocando junto as
hipóteses que estão próximas, né? Aquela coisa, colocar as que
estão próximas, né? Não colocar os que estão tão distantes, não é?
Alfabéticos com pré-silábicos, jamais fazer isso. Mas assim, esse ano
eu não fiz esse trabalho de uma forma bem sistemática não. Até
certa vez numa dessas reuniões que eu tive com Artur e com
Eliana172, né? Na pesquisa que eu te falei. Eu coloquei isso pra ele,
numa hora que ele perguntou: mas você não trabalha em dupla não,
Célia? Você nunca trabalhou? Aí eu falei: eu fiz uma diagnose com
os meninos, mas eu preciso me sentar pra organizar essa coisa
assim de... dos níveis de escrita parecidos, né? E colocar as crianças
em dupla, né? Organizar essas duplas, mas eu não, não fiz isso de
forma a sentar, a fazer e escrever não. Eu fazia esse trabalho não
em dupla na sala, mas procurava algumas vezes, algumas vezes
aproximar, os que estavam na... como é que se diz? Na mesma
mesa, colocar os que estavam em níveis aproximados e tal. Mas de
uma forma assim, com esse objetivo mesmo, não fiz isso não. E eu
atendia aos diferentes níveis com atividades assim, meio que... em
blocos, sei lá, quando eu digo em bloco, não, mas não é em bloco
não. Pra o coletivo, pra o todo mesmo. Naquele dia eu vou fazer
esse tipo de atividade, pra todo mundo. Em outro dia eu vou fazer
esse tipo de atividade. Eu confesso a você que... dessa forma eu
percebo que as crianças que estão alfabéticas acabam perdendo
(Professora Célia, 1º ano, Escola C).

Retomando a distinção entre o atendimento à heterogeneidade, num


espectro mais amplo, e a proposição de tarefas diferenciadas, reiteramos que, no
conjunto das práticas acompanhadas, consideramos bastante tímido o investimento
naquelas atividades. Entretanto, não registramos discrepâncias entre os dados das
instituições pesquisadas (7/8/7);173 mas entre os anos-ciclo, como já apontado, as
turmas de primeiro ano se sobressaíram (13/4/5). Embora não tenhamos
computado, observamos que esse mesmo quadro se repetiu com relação ao
atendimento às diferentes demandas de aprendizagem, quando se tratava da

172
Refere-se aos profs. Artur Morais e Eliana Albuquerque, do CEEL-UFPE (Centro de Estudos em
Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco).
173
Como já ressaltamos no presente estudo, as análises, independentemente da freqüência,
obedecerão à seqüência: escolas A, B e C; 1º, 2º e 3º anos.
355

mesma atividade proposta, porém, sem intervenções específicas direcionadas aos


aprendizes, que não conseguiam acompanhá-la.

Como já enfatizado em análises anteriores, a mestra do segundo ano da


escola A, tinha uma forma peculiar de encaminhar suas atividades. Estas seguiam
certa seqüência: leitura de texto pela mestra, cópia de texto pelo aluno,
compreensão escrita, atividades que focavam o sistema de notação alfabética. Essa
homogeneização nas atividades refletia, diretamente, na maneira de lidar com
aqueles alunos que, ou por não acompanharem as atividades ou se negarem a
realizá-las, eram expostos frente ao coletivo e excluídos na sala de aula.
Acreditamos que, por conta desse perfil, não registramos, em nenhum momento, a
presença de atividades diversificadas. Cabe salientar, ainda, que foram poucos os
casos, visíveis, de alunos que não conseguiam acompanhar o ritmo da turma. Em
geral, pelo que pudemos identificar, eles liam e escreviam autonomamente.

Ao confrontarmos as aulas observadas com o depoimento da mestra acerca


da articulação entre as atividades e os diferentes níveis dos alunos, percebemos, de
imediato, uma distância. Vejamos o que ela afirmou priorizar:

Eu faço assim: no começo do ano que a gente começa, eu não sei


como é que eu vou pegar a criança, aí eu mando ela fazer um
desenho. Do desenho eu faço uma história pra eles copiar frase, (sic)
história, linhas, uma linha, duas linhas, quantas linhas souber.
Quando eu chego em casa, eu corrijo e vou separar. Eu separo
assim: um forte e um fraco, um forte e um fraco. Não digo assim, não
digo a ele que é forte e fraco, mas eu sei e o importante é no fim do
ano um bom resultado. Porque ele vê que o amigo escreve melhor a
letra, que a gente chama sinais, são letras sem é... sentido, aí vai
imitando o forte e termina o ano quase homogêneo, que é muito
difícil. A não ser aqueles que realmente tenham dificuldade, aí eu
boto no ‘Mais’,174 faço um reforço individual, chamo os pais, porque o
importante não é a quantidade, é a qualidade da minha turma
(Professora Aída, 2º ano, Escola A).

174
A Secretaria Municipal de Ensino de Recife, naquele ano, já havia adotado o projeto Mais
(Movimento das Aprendizagens Interativas), cujo propósito era o acompanhamento e a intervenção
junto aos educandos que apresentavam dificuldades no aprendizado dos objetos do saber das áreas
de língua portuguesa e matemática. Nesse caso, um(a) estagiário(a) acompanhava tais alunos em
dias específicos da semana, durante o horário da aula. Nesse segundo ano, a mestra optava por
conduzir o reforço acreditando ser necessário, já que conhecia as dificuldades específicas de seus
educandos. Durante a entrevista, pôde dar o exemplo da atividade de escrita de palavras a partir do
alfabeto móvel. Nessa tarefa, afirmou a mestra, os alunos tinham a oportunidade de ajudar o colega,
além, claro, de sua intervenção junto à escrita deles. Assinalamos mais uma vez que, no exemplo
dessa turma, as intervenções assumiam, predominantemente, uma perspectiva corretiva, pouco
reflexiva.
356

Embora a professora tenha enfatizado esse tipo de encaminhamento


apenas início do ano, ao se remeter à maneira como lidava com os diferentes ritmos
de aprendizagem, confirmou esse cuidado em agrupar aprendizes mais avançados
com os que ainda tinham dificuldades: “Juntar forte com fraco junto, realizar reforço
separado, atividade diversificada”. Voltamos a destacar que, ao longo das
observações, não presenciamos esses agrupamentos mencionados por ela.

Em se tratando do segundo da escola B, registramos em duas das oito


aulas observadas, a presença de atividades diversificadas. Na sexta observação, a
mestra, após todo um trabalho de reescrita coletiva de contos, parecia ter ampliado
suas expectativas quanto ao desempenho individual dos educandos, propondo a
continuidade individual da reescrita de um conto “inventado” no coletivo. Cremos que
esse encaminhamento estava vinculado à proximidade do final do ano letivo,
momento em que era preciso alcançar resultados mais concretos do que fora
investido. A fim de endossar essa hipótese, recorremos à fala da mestra: “o que é
um texto coletivo? A gente faz com a ajuda de todos. Agora a gente subiu um
degrau. A gente pode fazer coletivo? Pode. Mas hoje vai fazer sozinho”.175 Após as
intervenções e o registro do conto pela mestra, os alunos foram orientados a seguir
com a escrita individualmente. Na ocasião, vários deles recorreram à ajuda dela.
Vejamos como a mesma procedeu:

(Professora Bianca, 2º ano, Escola B, 6ª Observação)

(...)
P – Venha embora que eu ajudo. Gustavo, terminou? Adriely. As duas
mocinhas da ponta. Terminou? Mas aí, o que aconteceu quando o príncipe viu
a princesa? Aí você coloca: Quando, quando eles se viram, ‘ram’ (professora
orientando um dos alunos) “e aí? Depois? ‘pediu para’. O que mais”? (o aluno
não respondeu). “Então vá desenhar. ‘E ele já partiu para o beijo’, foi”?
(orientando outro aluno).

175
A mestra seguiu com as intervenções e registrou, coletivamente, um conto inventado por todos.
Num determinado estágio, deixou-os, sozinhos, dar continuidade.
357

P – Vá, bote aí. Ah, eu não vou dizer as letras não. ‘Ele, le’ (pronunciando) ‘pediu
ela em casamento’ e ela? Sabe sim, você sabe escrever e sabe ler. Eu só vou
ajudar quem não sabe. Agora você vai desenhar aqui Gustavo, a história. Com
outra aluna, a professora disse: “‘ele pediu ela em casamento e ela aceitou’,
ponto. E aí? Terminou? Agora você vai colocar o título da história. Você não
pode desenhar um carro nem um avião, porque não faz parte da história”. (o
retângulo era para os alunos desenharem. Abaixo, podiam escrever. Uma aluna que
estava sentada próxima a minha cadeira, copiava de acordo com o que estava no
quadro, ou seja, escrevia até a metade da pauta, já que o quadro estava dividido e
no material distribuído: papel ofício, não havia a pauta para auxiliá-la). (...)

Como havíamos revelado no primeiro capítulo dessa pesquisa, os alunos


estavam, conforme a professora, ampliando o repertório de palavras, bem como
realizando uma análise lingüística quanto aos articuladores textuais adequados para
manter a coesão textual, a partir do processo de reescrita dos contos. Inferimos que
havia uma expectativa daquela profissional quanto à relação entre a participação
oral dos alunos e a transposição no momento da escrita dos contos, esquecendo-se,
assim, das especificidades de cada um desses eixos de ensino. A atividade
anteriormente mencionada denunciou essa expectativa quanto à progressão de uma
competência a outra sem ensino, dado que os alunos, nos momentos precedentes,
realizavam, apenas, a cópia do texto. Isso ficou mais claro durante o processo de
intervenção por parte da mestra, já que, em um dado momento, reconheceu que o
aluno estava com dificuldades e, mais uma vez, não quis prosseguir, orientou-o a
desenhar a história. Esse parecia ser um artifício muito comum nas práticas
observadas, independentemente do ano-ciclo, utilizar o “desenho” como mecanismo
de fuga, de controle, enfim, de ausência de um ensino sistemático, como ocorreu
com essa atividade, nessa aula.

Conforme sinaliza Chartier (1998), é possível preparar a produção escrita


através da produção de textos orais ou oralizados. Mas a autora chama a atenção
para todo o processo que permeia essa construção pelo aprendiz. Entender o que é
produzir um texto, participar efetivamente da reconstituição de histórias narradas,
entre outros aspectos, possibilitam, de acordo Chartier, superar a distância posta
entre o oral e o escrito.
358

Reiteramos o aspecto de que a natureza das atividades propostas dizia


muito dos encaminhamentos, formas de intervenção, entre outros aspectos
realizados. Reforçamos essa idéia, visto que, diferentemente do segundo ano da
escola B, cujo enfoque predominante foi a reescrita de contos, no caso do segundo
ano da escola C, em uma das aulas (primeira observação), a professora leu um
texto para os alunos, em seguida, propôs que os mesmos ampliassem a história
através de desenhos. Prosseguiu, ainda, orientando-os a, se assim quisessem,
escrevessem os nomes dos desenhos referentes ao texto. Portanto, como vimos, o
comando ficou muito vago, mas a intenção, acreditamos, foi ocupar aqueles alunos
mais avançados com algum tipo de tarefa. A partir desse relato, entendemos que,
em geral, a progressão e a clareza quanto à proposição de atividades diversificadas
ficaram comprometidas. Foram raros os momentos em que apreendemos uma
seqüência, um encadeamento nas tarefas sugeridas. Em se tratando desse aspecto
da proposição de tarefas diversificadas, a mestra apontou, durante a entrevista, a
dificuldade em atender individualmente. Desse modo, buscou propor atividades no
grande grupo que contemplassem a heterogeneidade. Como vamos verificar a
seguir, estas ficavam, prioritariamente, a cargo da professora:

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C)

É... eu procuro fazer atividades pelo menos que dê pra que todos acompanhem, né?
Mesmo obedecendo às diferenças de cada um, as dificuldades de cada um, mas,
por exemplo, a questão da leitura de histórias é uma coisa que eu consigo atingir a
todos. Aí a gente, eu faço leitura, interpretação. Aqueles que ainda estão com muita
dificuldade, mas aí, na interpretação, eu procuro puxar mais um pouquinho, os
outros colegas ajudam, não é? Então eu procuro mais dessa maneira. Aí eu vou pra
escrita por conta de ser assim, desde que eu cheguei aqui, eu tenho trabalhado com
o segundo ano do 1º ciclo, né? É uma continuidade, porque o 1º ciclo todinho é pra...
é pra criança se alfabetizar, ela tem três anos pra completar a alfabetização, só que,
infelizmente, devido a vários problemas sociais que envolvem, né? As crianças, a
359

gente não consegue dar uma continuidade assim pra que as crianças cheguem ao
final do segundo ano do 1º ciclo bem melhores do que a gente acredita, né? Porque
infelizmente eles têm muitas dificuldades. Por conta desses três anos serem que
formam o 1º ciclo, eles, no primeiro ano, eles, a criança não é, mesmo que
apresente grandes dificuldades, ela não é retida. Ela tem que prosseguir. Só que a
gente tem que fazer o quê? Detec..., diagnosticar essas dificuldades, pra trabalhar
em cima delas pra que façam, pra fazer eles avançar. Então fica um pouco difícil,
né? Porque as dificuldades variam muito, uns com poucas, outros com muitas. E fica
muito difícil devido ao quantitativo de alunos pra gente atendê-los assim,
individualmente, né? Então, o que é que eu procuro fazer? Mais atividades que
englobem todo mundo, gosto muito de explorar a questão de, do desenho a nível de
compreensão do que eles ouviram, do que eles viram, do que tão len..., conseguem,
a leitura que eles conseguem fazer, né? Ao modo deles. Na medida do possível vou
procurando atender um pouco individual, aqueles que têm mais dificuldades.

Observamos, no caso dessa professora, a dissociação entre a concepção e


a prática observada quanto a alguns aspectos do depoimento apresentado. Nas oito
aulas observadas, verificamos a predominância de leitura de texto realizada por ela,
bem como a proposição de questões para interpretação seguidas de respostas
dadas por ela, como já enfatizado no primeiro capítulo desse estudo, porém, esse
atendimento individual, o diagnóstico, a fim de apreender os diferentes níveis e
intervir não apareceu nas aulas observadas. De fato, como ela mesma apontou, as
atividades foram, predominantemente, encaminhadas no coletivo. Por outro lado,
esse alcance a todos os aprendizes não foi visto a partir das observações. Além
desses aspectos, outros corroboraram para essa discrepância entre o que assinalou
na entrevista acerca do trato com as diferenças na sala de aula e a prática exercida:

Olhe, o que eu procuro fazer é praticamente, às vezes, pego à parte,


faço uma atividade diferente, passo pra casa, aí oriento ele. Aí,
quando eu faço isso, ou então se, se ele terminou aquela atividade
logo e o outro ainda tá fazendo, aí eu vou, faço no caderno pra ele.
Aí isso também provoca ciúme: ‘ah, a senhora só faz pra fulano,
né?’ Aí eu digo, ‘ mas rapaz, vou tentar explicar’, eu procuro fazer
isso (Professora Cinara, 2º ano, Escola C).
360

Por se tratar de uma turma diferenciada frente aos outros terceiros anos,
dada a autonomia que os educandos demonstravam na leitura e escrita textuais, só
registramos em uma das oito aulas acompanhadas na escola B, a presença de uma
atividade variada que, ao que tudo indicou, privilegiou alguns alunos: a leitura da
produção de um texto escrito por alunos selecionados, naquele momento, pela
mestra. O objetivo foi, a partir das produções individuais, realizar uma produção
coletiva do texto seguindo suas orientações prévias: descrever a cena de um menino
tomando sorvete, não inventar uma “história”.

Desde o primeiro semestre, de acordo com a mestra, os alunos foram


expostos a práticas de leitura e escrita, enfocando, mais precisamente, as relações
grafofônicas, a fim de favorecer um aperfeiçoamento gradativo na escrita de textos.
Tratando desse assunto, Leal (2004, p. 111-112) ressalta que “os alunos, dentre as
muitas ações necessárias para a elaboração de um texto (elaboração de idéias,
textualização), preocupam-se em como registrar tudo o que está sendo pensado”.
Com isso, salienta a autora, “a preocupação com o ensino da base alfabética é
legítima por levar os estudantes a uma melhor autonomia nas atividades de leitura e
produção de textos”.

Vejamos o que a professora do terceiro ano da escola B enfatizou no


momento em que perguntamos como costumava articular as atividades de língua
com esse universo heterogêneo presente em sua sala:

Eu trabalhei muito texto e com os textos eu, eu levava os meninos a


pensarem em como escrever os sons que ouviam, entendeu? Então
pra eles escreverem, eles têm que ouvir o som das palavras pra
poder escrever. Então eu me organizava dessa maneira, fazia: os
textos, eu fazia é... tanto a leitura como a interpretação oral, como a
interpretação escrita. Era dessa maneira pra contemplar a todos.
Então uns que não escreviam tão, tão mais, tão bem quanto o outro,
eu geralmente fazia oral, aí pra sentir o entendimento, porque o que
me interessava mais naquele momento era o entendimento. O que
eles entenderam do que eu estava falando, e não a forma como ele
ia escrever, a, a ortografia, não me interessava muito a ortografia.
Interessava mais o, o que eles entendiam daquilo que eu estava
falando (...) (Professora Buana, 3º ano, Escola B).

Em seqüência ao depoimento, a mestra pôde explicitar como esse trabalho


ocorreu no primeiro e segundo semestres. Priorizou a compreensão oral dos textos,
361

assim como a escrita dos alunos, sem realizar intervenções na ortografia. Com isso,
sentiu um avanço por parte daqueles em que, a princípio, explorava mais a
oralidade, já que apresentavam dificuldades na escrita. A partir desse enfoque no
primeiro semestre, conseguiu focar seu ensino na escrita de textos, seguido de
correções quanto à ortografia, pontuação, como vimos na seção que tratou do
ensino de análise lingüística, no primeiro capítulo desse estudo. A mestra seguiu
enfatizando que eles passaram a ter uma maior segurança na escrita, a partir de
seus encaminhamentos adotados no primeiro semestre. Aos aprendizes que tinham
dificuldades na escrita, ela afirmou desenvolver um trabalho de reflexão das
unidades menores como as sílabas. Para isso, admitiu priorizar a reflexão fonológica
no momento em que grafavam as palavras, a fim de assegurar essa competência
posterior na escrita de textos.

Diferentemente dessa turma, havia uma nítida variação nos perfis das
turmas de terceiro ano das escolas A e C em relação à escola B. No caso da escola
A, em uma das aulas (terceira observação), a preocupação da mestra foi “tomar a
leitura” do texto proposto por ela com alguns alunos, assim como realizar um ditado
com dois daquele grupo que demonstrava nítidas dificuldades na escrita. O mesmo
procedimento se repetiu na quarta observação, momento em que interveio no
processo de leitura junto a alguns aprendizes.

Em se tratando da escola C, verificamos a preocupação em “tomar a leitura”


com educandos que precisavam de um acompanhamento mais sistemático, além
de, na quinta observação, a mestra enfocar mais especificamente aspectos do
sistema de notação alfabética (escrita e leitura de palavras). A partir da prioridade
estabelecida por essa professora, assinalamos que, ao contrário do que vimos na
turma da mestra do segundo ano da escola B, cuja preocupação, ao aproximar-se
do final do ano, foi delegar maior autonomia aos alunos na escrita de textos,
sinalizando para uma progressão no tipo de atividade proposta, na sala da
professora do terceiro ano da escola C ocorreu o inverso, seu enfoque passou a ser
nas atividades do sistema de notação alfabética e não mais na leitura, compreensão
oral e escrita de textos, como havia priorizado nas aulas anteriores.

Por que nos reportamos a essas turmas? Compreendemos, de posse dos


dados, que as duas professoras precisavam investir mais detidamente em atividades
que focassem a escrita alfabética, dado que a maioria dos alunos ainda não tinha se
362

apropriado desse objeto de conhecimento, todavia, os caminhos trilhados foram


distintos: enquanto a do terceiro ano da escola C entendeu que precisava investir
mais nesse eixo de ensino de língua, a do segundo ano da escola B, ao contrário,
permaneceu focando seu ensino na leitura e produção de textos, insistindo, assim,
numa progressão no interior do eixo da produção textual, a qual os alunos não
demonstravam, ainda, autonomia para fazê-lo.

No depoimento a seguir, a mestra do terceiro ano da escola C explicitou


como tentou articular as atividades de língua tratando de atender à heterogeneidade
em sua sala:

É, as atividades elas são organizadas é... pra que a maioria dos


alunos acompanhe. Então eu tenho que fazer atividades que tanto eu
posso puxar mais por aqueles que podem é, a partir de, de um ditado
de palavras construir depois um texto, produzir um texto, como
aqueles que ainda não produzem textos fazem apenas o... o ditado
de palavras e tentam produzir o texto dentro, dentro do nível deles de
produção que não deixa de ser texto também. Mas aí, é... aqueles
que têm condições de produzir mais a gente puxa um pouquinho
mais por eles. As atividades que normalmente eu faço é de listas de
palavras porque essa turma ainda foi uma turma pra alfabetizar
mesmo. Então eu trabalhei muito com listas de palavras, listas de
brincadeiras, listas de... programas de televisão que eles gostavam
de ver, de personagens é, de livros de histórias que eles gostavam
de ver. A gente trabalhou esse ano um pouco é, com músicas de
frevo, logo no começo do ano e depois a gente continuou com
histórias em quadrinhos. Então a gente trabalhou muito com histórias
em quadrinhos (...) (Professora Custódia, 3º ano, Escola C).

Embora tenhamos registrado 22 momentos em que houve tarefas


diversificadas, as mesmas não estavam ancoradas numa prática sistemática de
planejamento prévio. Inferimos que os casos encontrados na escola C se deram
pela sistemática de reforço que a escola vivenciava no segundo semestre, período
em que realizamos as observações. Como já anunciado nesse estudo, essa escola
apresentou um diferencial em relação às demais instituições acompanhadas, no que
diz respeito a um trabalho coletivo articulado. Um dos aspectos que, na nossa
compreensão, marcou essa articulação coletiva foi o reforço. As professoras daquela
instituição investiram nessa alternativa por acreditarem que seria possível, no
segundo semestre, desenvolver atividades que focassem as dificuldades de cada
educando, a partir dessa redistribuição deles em grupos menores.
363

Em se tratando da professora do primeiro ano dessa mesma escola, vimos


que, além das duas aulas em que acompanhamos as atividades de escrita alfabética
presentes no reforço, ela propôs uma cruzadinha (já mencionada nessa seção) com
e sem o auxílio do banco de palavras. A mestra registrava, a cada início de aula, o
roteiro com toda a programação. Esse procedimento, a nosso ver, sinalizou para um
planejamento prévio à operacionalização das atividades em sua sala (LEAL, 2009).

Do mesmo modo que na turma anterior, a professora do terceiro ano, da


mesma instituição, optou pelo planejamento das tarefas no momento do reforço.
Entretanto, em apenas uma das aulas, verificamos que houve nitidamente um
planejamento prévio (quinta observação). Nesse exemplo, a mestra propôs uma
cruzadinha com palavras pertencentes ao mesmo grupo semântico. Em seguida,
orientou-os a produzir frases com o nome de algum animal daquela atividade. É
interessante notar que, embora estivesse inserida nessa dinâmica de reforço, não
verificamos, em nenhuma das aulas acompanhadas, procedimentos que
sinalizassem para um planejamento prévio, por parte da professora do segundo ano
daquela escola.

Entendemos que o tratamento da heterogeneidade na sala de aula,


incluindo o planejamento de atividades diversificadas precisa se constituir numa
prioridade das práticas que intentam alcançar resultados significativos no
aprendizado das crianças. Do contrário, continuaremos a vislumbrar práticas de
intervenções pontuais e aleatórias resultando, assim, numa ausência de progressão
quanto ao ensino dos objetos do saber, logo, das aprendizagens a serem
apropriadas pelos educandos.

Observando a tabela 20, verificamos que as atividades diversificadas foram


direcionadas tanto aos alunos com dificuldades, quanto àqueles que expressavam
avanço na resolução das tarefas, tendo havido apenas uma pequena variação
(20/16). Somando-se a esse aspecto, destacamos que houve predominância das
atividades que desafiavam os alunos a avançarem (16/6), entretanto, é preciso
sublinhar que, embora não tenhamos identificado diferenças no item anteriormente
analisado (educandos com e sem dificuldades de aprendizagem), os desafios,
quando postos, eram dirigidos aos aprendizes com algum avanço no desempenho.
Isto quer dizer que havia um volume de atividades dirigidas aos educandos com
364

baixo desempenho, entretanto, as mesmas nem sempre os ajudavam a avançar no


aprendizado.

Cabe ressaltar que, no exemplo da professora do primeiro ano da escola A,


os momentos em que presenciamos atividades diversificadas desafiadoras
ocorreram não por sugestão da mestra, mas por reivindicação de alguns alunos que
demonstravam notória autonomia nas atividades. Vejamos as duas situações em
que constatamos esse evento na terceira observação:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A, 3ª Observação)

(...)
P – Eu vou entregar (o texto a ser lido), não vai fazer nada, vai só escutar a
leitura e depois fazer.
A – Professor, pare de bater aí (referindo-se ao professor da sala ao lado).
P – Não façam nada agora, só quando eu ler. Vamos ouvir a leitura, tá certo?
P – Vamos acompanhar a leitura, tá certo?
A – Eu já li.
P – Foi? Então leia pra todo mundo (O aluno leu sem titubear). “Alguém mais?”

(outro aluno se candidatou e foi lá na frente. Leu muito bem). “Alguém mais?”
Alunos – Everton! Everton!
P – Ele não quer. Então vamos lá, eu leio e vocês repetem. O título do texto é
“Lila” (à medida que a mestra lia, os alunos repetiam).
(...)
P – Pronto, agora vocês vão receber essa folha. Já terminaram? Vocês vão
receber essa folha pra quê?
Alunos – Pra desenhar.
P – Sim, o quê?
Alguns alunos – A história de Ricardinho.
P – Não, vocês vão desenhar o que entenderam da história de Lila. Quem é
Lila?
Alguns alunos – Uma menina.
P – O que aconteceu com a lua para ela?
Alguns alunos – Caiu na água.
365

P – Onde a lua mora?


Alguns alunos – No céu.
P – Pronto. Vocês vão desenhar a historinha. Qual é a primeira parte, Isabela?
A – Lila é uma menina que olha para o céu...
Na ocasião, um dos alunos recontou a história em voz alta. Segundo a professora,
só havia dois momentos em que os educandos silenciavam: na hora de ouvir a
história e na hora de desenhar.
(...)

No primeiro extrato da aula, um dos alunos expressou seu desejo em ler o


texto, embora não tivesse sido objetivo da mestra. Ao conseguir espaço, outros
tiveram a mesma iniciativa. Pelo que acompanhamos, eles conseguiram ler o texto
num timbre de voz audível, sem titubear. A partir disso, nos perguntamos o porquê
de a mestra não explorar mais a leitura por parte deles. De acordo com Chartier
(1998), é primordial que o professor auxilie na construção dessa autonomia por parte
do educando, realizando a leitura dos textos para ele, sim, mas, já projetando sua
leitura a posteriori. Dando continuidade ao segundo trecho da aula, a professora
realizou a leitura do mesmo texto, objetivando realizar, em seguida, a atividade de
compreensão escrita que, como apontamos no primeiro capítulo, ficava restrita a
questões de localização de informações explícitas no texto.

O mesmo aluno que demonstrou interesse na leitura do texto abordado, foi


também aquele que recontou o texto para seus colegas, no segundo extrato
explicitado, referente à mesma aula. Nesse segundo caso, a sugestão partiu da
professora, porém, esta oportunizou a participação, apenas, daqueles aprendizes
que, na sua compreensão, tinham bom desempenho.

Conforme observamos nessa seção, foi possível apreender, a partir das


práticas observadas, propostas de atividades diversificadas aos aprendizes.
Entretanto, os desafios, quanto postos, direcionavam-se aos alunos com bom
desempenho nas tarefas. Esse pressuposto reforça algumas representações por nós
notadas de que o aprendiz com dificuldades não tinha chance de avançar.
Felizmente, houve quem pensasse e reunisse esforços na contramão dessa
concepção.
366

A ausência de planejamento, inclusive na proposição de tarefas


diversificadas, foi um aspecto visível entre as práticas. Poucas foram as situações
em que verificamos esse cuidado. Mesmo entre as turmas de primeiro ano, etapa
em que houve maior investimento nessas atividades, não presenciamos um
planejamento sistemático, considerando as aulas observadas. Compreendemos que,
entre outros aspectos, o reduzido número de tarefas diversificadas entre as turmas
de segundo e terceiro anos, estava vinculado às expectativas que o professor teria
na mudança de ciclo, ou, no caso dos segundo anos, na passagem para o último
ano.

Mais raras, ainda, foram as atividades diversificadas operacionalizadas em


pequenos grupos com a finalidade de atender aos alunos com diferentes níveis de
aprendizagem. Se individualmente estas careciam de um planejamento prévio, por
vezes, ignorado, apostamos que a proposição dessas tarefas em duplas ou
pequenos grupos, carecia, imprescindivelmente, de ser elaborada previamente.
Reiteramos a concepção de que não basta garantir um ensino que atenda aos
diferentes níveis de aprendizagem, mas que assegure o avanço do educando no
interior do ciclo.

Recuperamos a tática do reforço que contou com a adesão de todas as


professoras da escola C. Nessa instituição, conforme pontuamos, havia um nível de
articulação entre elas, sinalizando, para nós, a importância de garantir um trabalho
coletivo de modo a alcançar uma margem de homogeneidade quanto à progressão
das atividades priorizadas em cada ano-ciclo. Essa concordância coletiva, em nossa
compreensão, evitaria determinados equívocos observados em nosso dados, a
exemplo da orientação para produzir textos individualmente, sem que o educando
tenha construído essa autonomia junto ao professor.

É oportuno destacar que, ao se remeterem aos projetos “MAIS” e “Professor


Alfabetizador”, as professoras dos primeiros anos lembraram que não foram
contempladas, já que o objetivo era alcançar, principalmente, as turmas de final de
ciclo. A mestra do primeiro ano da escola B concordava com esse modelo, já que os
alunos estavam cursando o sexto ano (antiga quinta série) com sérias dificuldades
na aprendizagem. Vejamos o que mencionou, durante a entrevista, ao se remeter a
esse assunto:
367

Porque esse trabalho foi criado porque os alunos estavam chegando


na quinta série, alguns, né? Sem ler e sem escrever, e aí a grande
preocupação. Aí foi criado primeiro para os alunos do segundo ano
do segundo ciclo, pra eles serem alfabetizados, aqueles que não
tavam conseguindo se alfabetizar, né? Que não foram retidos no, no
tempo certo, não é? E aí esse ano estendeu-se para os primeiros
anos do 2º ciclo. Estendeu-se pro primeiro ano do 2º ciclo, que é o
‘Professor Alfabetizador’ que é o ‘Mais’, né? E o ‘Professor
Alfabetizador’. Aí não tem sentido ser no 1º ciclo, porque o 1º ciclo,
vamos dizer assim, a alfabetização é, em si, é o primeiro ano da
alfabetização, né? Então você não vai escolher aqueles alunos que
estão sem se alfabetizar, ora, se já é o primeiro ano, entendeu? Aí
não faz sentido (Professora Bernadete, 1º ano, Escola B).

Ao retomarmos esse aspecto dos projetos “Mais” e “Professor


Alfabetizador”, entre as turmas de primeiro ano, observamos variações nas formas
de concebê-los. Ao longo da entrevista, a professora do primeiro ano da escola C,
antes duvidosa quanto à articulação desse trabalho de “reforço” no início do ciclo,
mudou de concepção no curso de nossas discussões, enfatizando a necessidade
dessa prática já no primeiro ano, especificamente na metade do segundo trimestre
do ano letivo. Por outro lado, a professora do primeiro ano da escola A mostrou-se
favorável a essa prática articulada, embora, naquele ano, não pudesse contar com
essa “parceria”. Durante a entrevista, esclareceu que esse trabalho, se bem
articulado, desencadearia bons resultados na leitura e na escrita.

Não houve consenso, também, quanto ao alcance desses projetos: houve


quem declarasse, como vimos no depoimento anteriormente descrito, a
operacionalização dessa prática no 2º ciclo, assim como as que afirmaram que os
segundos e terceiros anos contavam com esse trabalho articulado. Foi interessante
notar que a mestra do terceiro ano da escola B enfatizou, durante a entrevista, a
presença de profissionais do projeto “Mais” e “Professor Alfabetizador”, inclusive
elogiando os vários projetos existentes; entretanto, afirmou que não indicou nenhum
aluno para esses projetos. Segundo ela, as dificuldades que surgiam em sua sala
eram perfeitamente superáveis. Enfatizou, entretanto, que era preciso não superlotar
as salas de aulas, a fim de assegurar bons resultados no aprendizado dos alunos.

Diferentemente da professora anteriormente mencionada, a mestra do


terceiro ano da escola A, afirmou não ter sido contemplada com o projeto “Professor
Alfabetizador” (mais focado, ao que tudo indicou, nas turmas do 2º ciclo), entretanto,
368

se remeteu ao projeto “Mais”, enfatizando o trabalho realizado pelas estagiárias.


Vejamos o que explicitou durante a entrevista:

Tem também o ‘Projeto Mais’ onde toda segunda-feira vinha uma


estagiária pra minha sala, e ela ficava trabalhando ora com o grupo
de alunos pré-silábicos ora, quando tinha momentos que eu queria
trabalhar só com aquele grupo, né? Que tava num nível mais
elementar, aí eu mandava pra ela justamente aqueles que eu tava
deixando a desejar, que eram os alfabéticos, né? Eu mandava pra
ela e dizia pra fazer leitura, ‘peça produção textual’. Eu orientava,
dizia mais ou menos como ela deveria fazer. Então ela foi de uma
grande ajuda. Quando chegava, os meninos era uma disputa, porque
todo mundo queria ir. Inclusive ela trazia atividades bem é...
significativas, de palavrinhas cruzadas, é, atividades coloridas, é...
com uma qualidade melhor do que as atividades que a gente tem
aqui. Porque aqui a gente tem aquela mimeografada naquela
folhinha de papel jornal que, muitas vezes, quando eles pegam
rasgam na mesma hora (...) (Professora Áurea, 3º ano, Escola A).

A mestra do terceiro ano da escola C se mostrou favorável ao projeto,


entretanto, ressaltou algumas lacunas. De acordo com ela, era importante manter o
professor numa única escola, ao invés de deslocá-lo para outras instituições. Com
isso, afirmou, poderia trabalhar todos os dias e desenvolver um trabalho mais
consistente. Ao se remeter às estagiárias do projeto Mais, revelou as limitações
encontradas, já que, além de não ter condições favoráveis a uma maior articulação
com a professora regente, elas apresentariam, em sua compreensão, sérias
dificuldades de natureza conceitual e didática. Sobre esse assunto, enfatizou que
não sabiam trabalhar com a escrita alfabética.

Embora não tenha sido contemplada com nenhum dos projetos ora
mencionados, a professora do segundo ano da escola C apontou a relevância, dos
mesmos, já para o ano-ciclo em que atuava, resguardadas algumas articulações
com a professora regente. Observemos o que destacou:

Eu acho que sim, desde que, assim, porque quem trabalha nesses
projetos... agora tem os professores alfabetizadores, né? Mas a
maioria são os estagiários. O que falta pra esses projetos ser melhor
é... (sic) ter uma integração maior com o professor da sala. Que tipo
de integração? Que seja, preparar atividades, saber como a gente tá
trabalhando, o que estamos trabalhando, o que é necessário fazer
pra que os alunos avancem e consigam acompanhar nossas aulas.
369

Então eu acho que talvez ajudasse. Sim! Também eu acho que isso
é importante em todos os anos do ciclo (Professora Cinara, 2º ano,
Escola C).

Como pudemos observar, além das limitações encontradas no tratamento


da heterogeneidade na sala de aula regular, nossos dados apontaram que também
os projetos direcionados aos alunos com dificuldades de aprendizagem pareciam se
distanciar (e muito!) de um trabalho articulado com o que as mestras vinham
desenvolvendo em suas salas de aula.

A partir do que fora explicitado nessa seção, entendemos que é urgente


pensar não só em alternativas didáticas para atender ao grupo heterogêneo de
alunos na sala de aula, como em atividades diversificadas planejadas que priorizem
cada ano do ciclo, numa cadeia progressiva. Para que isso ocorra, faz-se necessária
uma mudança na organização curricular, bem como no trabalho que é desenvolvido
na escola, de modo a articular o conjunto de profissionais nessa empreitada.

Em continuidade, traremos para o debate um item que remete, também, aos


pressupostos defendidos numa escolarização ciclada: o tratamento dado ao erro do
aprendiz.

5.1.4 Tratamento do erro no 1º ciclo: de que modo procediam as professoras


frente ao erro do aprendiz, nas atividades de língua?

Em estudo realizado por Oliveira (2004), optou-se por analisar a presença


ou ausência de intervenções frente aos erros dos aprendizes, no 1º ciclo. De que
modo as professoras vinham lidando, a partir da implantação da proposta dos ciclos
de aprendizagem, na rede municipal de ensino de Recife, em 2001, com os erros
dos alunos? Que modalidades de intervenção ocorriam em suas práticas? Os
resultados apontaram para uma diversidade de encaminhamentos adotados pelas
mestras, naquele contexto. Entre eles, a partir dos grupos focais, vimos que as
docentes apostavam na cooperação dos colegas mais experientes da turma, em não
fornecer a resposta ao educando, mas, ao contrário, permitir que por si só
“descobrisse” seu erro, mediado pela interação com os colegas. Mencionaram,
também, a adoção da “intervenção com cautela”, a fim de não “traumatizar” o
aprendiz, e promoviam a reflexão coletiva sobre o erro do aluno. Algumas delas
370

acreditavam na eficácia de dar a resposta correta. É oportuno destacar que a


pesquisa foi realizada com nove professoras que atuavam no 1º ciclo, de três
instituições. Daquelas alternativas encontradas, houve quem optasse por mais de
uma delas.

De modo geral, pudemos visualizar um leque de possibilidades adotadas


pelas professoras quanto ao tratamento do erro, entretanto, com a passagem de um
sistema seriado para o sistema de ciclos, aquelas profissionais pareciam não mais
aderir a uma postura “corretiva”, simplesmente, mas, ao contrário, de “respeito ao
erro do aprendiz”. Em nossa compreensão, as declarações delas marcavam a
superação daquela perspectiva, todavia, recaíam num pólo perigoso: o da ausência
de intervenção.

Passados quatro anos, desde que analisamos os dados daquela pesquisa e


seis anos de implantação da proposta dos ciclos de aprendizagem na rede municipal
de ensino de Recife, voltamos a considerar, nas práticas acompanhadas, no
presente estudo, as alternativas que estariam sendo adotadas pelas professoras,
quanto ao tratamento do erro do aprendiz, na sala de aula.

Centrando-nos no campo da prática pedagógica, bem como das


concepções declaradas nas entrevistas realizadas, focamos nossa discussão a partir
de algumas categorias por nós elencadas. Nossas análises visaram a responder às
seguintes questões:

- Estariam as professoras priorizando a correção individual do erro do aprendiz ou,


ao contrário, realizando a correção nos grupos e/ou no coletivo da sala de aula?

- Recorriam a “estratégias didáticas”,176 objetivando evitar o erro pelos alunos?

- Ao tentar tirar as dúvidas, elas optavam por devolver a pergunta ou preferiam


intervir? No caso de devolução, faziam isso individualmente ou declaravam em alta
voz, para toda a turma?

Além dessas questões, observamos se aquelas profissionais ignoravam os


erros dos alunos, sem realizar nenhum tipo de intervenção, além de estarmos
atentos aos encaminhamentos que revelavam uma preocupação explícita com a
elaboração de uma seqüência de intervenções (andaime) para levar ao acerto. No

176
“Estratégia didática”, nesse caso, assume a mesma concepção que “alternativa didática”, ou seja,
intervenções encontradas pelas professoras, objetivando evitar o erro.
371

intento de analisarmos os dados obtidos, apresentamos, a seguir, a tabela 21 com


as freqüências absolutas de ocorrência de cada categoria, nos oito dias observados
em cada turma.

Tabela 21: Tratamento do erro, na área de língua, no 1º ciclo, nas nove turmas acompanhadas

Alternativas adotadas no “tratamento do erro” no 1º ciclo, na área de língua

Escola A Escola B Escola C

Categorias 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T 1º 2º 3º T
1- Corrige o erro
individualmente 3 0 4 7 2 0 0 2 2 2 1 5
2- Corrige o erro no
coletivo/grupo 6 7 6 19 7 6 5 18 3 6 7 16
3- Cria "estratégias
didáticas" para evitar o erro 1 4 2 7 0 0 2 2 0 0 1 1
4- Devolve a pergunta ao
aluno individualmente 1 0 0 1 1 0 0 1 4 0 1 5
5- Devolve a pergunta ao
aluno no coletivo/grupo 4 4 5 13 6 2 2 10 2 2 6 10
6- Ignora o erro do aprendiz,
não intervém 2 3 1 6 2 0 0 2 1 1 4 6
7- Cria um andaime para
levar ao acerto 1 0 2 3 1 0 1 2 3 2 2 7
1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total.
5.1.4.1 Correção Individual do Erro do Educando

Ao contrário do que anunciamos no início dessa seção, acerca da presença


ou ausência de formas de intervenção no erro do aprendiz, em estudo desenvolvido
por Oliveira (2004), cuja concepção predominante, naquele contexto, era de não
corrigir os alunos, os dados ora apresentados na tabela 21, sugerem outro tipo de
encaminhamento, ou seja, a intervenção não ocorreu, majoritariamente, no âmbito
individual, mas, foi marcante no coletivo da sala de aula (14/53).177 Pareceu-nos que
essa alternativa adotada pelas professoras ora se relacionava à otimização do
tempo da aula, de modo a “dar conta” de todos os alunos ao mesmo tempo, em
alguns casos, chamando a atenção e expondo o aluno diante da turma, ora se
vinculava ao objetivo de refletir acerca de uma dúvida que poderia ser a mesma de
outros aprendizes. Esse último caso se assemelha às proposições de Goigoux
(2002) e de Cèbe e Goigoux (2003).

177
Ao considerarmos as modalidades de correção do erro individualmente e em grupo/coletivo,
respectivamente.
372

Ao nos reportarmos, especificamente, aos dados encontrados quanto à


correção individual do erro do educando, considerando os anos-ciclo, confirmamos
algo que já vem sendo posto ao longo de nossas análises: maior intervenção dessa
natureza entre as turmas de primeiro e terceiro anos. Em se tratando desses últimos,
as escolas A e C (7/2/5) optaram mais por essa modalidade de intervenção. Por que
enfatizamos isso? Novamente realçamos aquele pressuposto, visto que as turmas
de primeiro ano, em nossa compreensão, careciam de um apoio mais próximo, por
parte das professoras, enquanto que as turmas de terceiro ano, em especial
daquelas escolas, tinham um perfil em comum, dado que os alunos, em sua maioria,
não tinham consolidado, ainda, o objeto escrita alfabética.

Embora esses argumentos pareçam coerentes com nossas análises,


reconhecemos que essa não foi, definitivamente, a opção adotada pela maioria das
mestras, visto que das 72 observações de aula, em 53 delas não recorreram à
correção do erro no âmbito individual.

Para ilustrarmos com algumas das situações em que esse tipo de


intervenção ocorreu individualmente, nos remetemos ao que vimos no primeiro ano
da escola A, numa situação de ditado de palavras, em que a mestra, após correção
das palavras no quadro, mediante a escrita de alguns alunos por ela designados
para essa tarefa,178 solicitou que circulassem a sílaba ‘ca’ das palavras ditadas,
alertando-os de que não seriam todas. Nessa ocasião, observou o caderno de um
dos alunos, corrigindo-o e declarou: “eu disse que era para circular o pedacinho ‘ca’,
não a palavra toda”. Apoiando-se nesse mesmo modelo de intervenção, numa outra
situação de ditado de palavras, conduzido na quinta observação de aula, a
professora, dessa vez, optou por fazer a correção individual. Vejamos algumas de
suas intervenções, num trecho da aula que segue:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A, 5ª Observação)


(...)

178
Em geral, observamos que a mestra chamou ao quadro os alunos que conseguiam se sobressair
nas atividades por ela propostas.
373

Agora eu vou corrigir. Só vou dar dez (10) pra quem realmente fizer tudo
certinho. Cadê? Faltou responder aqui. Eu mandei escrever LINDA, LANÇA,
você não colocou. ‘LAN’ pra escrever ‘LAN’.
A – ‘LÊ’.
P – ‘LÊ’? É ‘LAN’ (professora no ato da correção). ‘LAN’, pra ficar ‘LAN’, depois
do ‘L’ não, não. Antes do ‘N’, entre o ‘L’ e o ‘N’ tem uma letra (professora
corrigindo a escrita de outro aluno). “É LANÇA, não é LENÇA”.
A – É L A.
P – Ah, Wesley, sente no seu lugar. Falta separar as palavras, deixa eu ver a
outra que você errou: LINDA, ‘LIN’. Até as palavras que tu separasse (sic) ficou
errado.
(...)
P – ‘MEN’, ‘MEN’, cadê o ‘E’? Cadê gente, quem foi que fez?
P – Tu aqui errou o ditado todinho ‘AN’, CANTA, CANTIGA, ‘LAN’, olhe o ‘LAN’,
‘LIN’, é ‘LIN’, ‘MEN’, ‘AINDA’ (correção das palavras). “Preste atenção” (referindo-
se a Ana Karla. Na ocasião, corrigiu o ditado de Peterson. Disse que ele tinha
acertado, porém, escreveu a letra ‘C’ ao contrário). “Errou LANÇA Peterson, mas
errou pouco (acreditamos que essa última observação: “errou pouco”, visou a
motivar o aluno a participar das demais atividades, já que não costumava se integrar
e cumprir com as tarefas propostas). (...)

Pudemos observar que esses e outros encaminhamentos adotados pela


professora ora mencionada, concernentes à correção do erro de seus alunos,
corroboram com o que evidenciou na entrevista realizada. Declarou, enfaticamente,
corrigir o educando:

Aí eu vou, mando ele corrigir. Explico. Agora tem menino que não
aceita, não quer corrigir. Como Ruan mesmo. Quando ele errava, eu
dizia: ‘Ruan, tá errado. Vamos consertar. Não é assim’. Aí ele: ‘ah,
bota errado mesmo, deixa errado mesmo’. Aí fica difícil. E aqueles...
não queria consertar. A tarefa dele eu só colocava errado, porque ele
não aceitava corrigir, entendeu? Já outros não, outros já aceitavam.
Agora tem uns que tinham dificuldades mesmo, eu ficava ali lendo e
uns conseguiam, outros não. Aí, nisso eu passava pra um coleguinha
ajudar, já pra ver se melhorava o coleguinha ajudando. (...) Eu
perguntava se tava certo: ‘você acha que é essa letra mesmo?
374

Presta atenção. Vamos olhar se é essa letra mesmo. ‘Bola’ começa


com quê’? Aí eles diziam, tinha menino que dizia e não conseguia
escrever. Tinha essa dificuldade também. Quando eles não
conseguiam, eu tinha que dizer mesmo (Professora Aécia, 1º ano,
Escola A).

No contexto da turma do primeiro ano da escola B, na terceira observação,


a professora, através da proposição de uma tarefa diferenciada para os aprendizes
mais avançados, orientou uma de suas alunas a escrever as frases, dando espaço
entre as palavras. Como se tratava de uma aluna com excelente desempenho
naquela turma, a professora notou que estava querendo cumprir as tarefas com
muita rapidez, o que a fez intervir.

Curiosa foi a postura da professora do primeiro ano da escola C, tanto ao


nos reportarmos à correção individual, quanto à feita no coletivo da sala de aula, nas
quais houve poucas intervenções. Na quarta observação, através do trabalho
desenvolvido a partir do projeto sobre o frevo, a professora solicitou dos alunos a
escrita de um dos trechos da música: ‘Voltei Recife’. Observemos como procedeu:

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 4ª Observação)


(...)
No caderno de vocês está colado um papel que tem as duas sombrinhas
desenhadas e essas listas. Essa linha de cima a gente vai escrever o nome da
música. “Se escreve ‘VOLTEI RECIFE’”.
Alguns – ‘V O U’ (pronunciando letra por letra).
P – A gente acha que é um ‘U’, mas é um ‘L’, ‘TEI’.
A – ‘T I’
P – Aí fica ‘VOLTI’, ‘TEI’, ainda falta uma letra.
Alguns – ‘I’.
P – Depois.
Alguns alunos – RECIFE.
P – Algumas pessoas pensam que termina com ‘I’, ‘RECIFE’, mas é um ‘E’.
Mércia – Igual tem na blusa: Prefeitura da Cidade de Recife.
375

P – Isso, Mércia. A música é muito grande, vocês vão escolher a parte da


música que vocês quiserem. Por exemplo: ‘Voltei, Recife, foi a saudade que me
trouxe pelo braço’. Tem que ser da música
(...)
P – “Já pintaram a sombrinha? Vocês só vão copiar do quadro o nome da
música: ‘Voltei Recife’”.
A – Tia, posso escrever de caneta?
P – De jeito nenhum.
A – Era pra ser no livro.
15:45h – A professora orientava nos grupos. Observamos que Marília copiava de
maneira ágil pelo de sua colega Mércia. As meninas dos grupos disseram que a
professora ia mandar apagar, no caso de flagrar a ‘fila’. Na ocasião, Marília apagou
e (re)começou. Taylane fez a atividade para sua colega Letícia. A aluna,
desenfreadamente, disse à professora que Taylane estava acabando de concluir a
tarefa. Nesse momento, a professora perguntou: “ela está fazendo por você?”
A – Tá me ajudando.
P – Sente, ela vai dizendo as letras e você fazendo. (interessante a postura da
professora, mesmo sabendo que uma aluna realizava a tarefa pela outra).
15:15h – ‘S’ aqui, visse!? (Mércia dirigindo-se a Marília).
P – Como é ‘SAUDADE’?
A – ‘S A’.
P – Por que tirou o ‘A’? Não é um ‘I’ no final. A gente pensa que é um ‘I’, mas é
um ‘E’ (Orientação individual).

A própria configuração das mesas na sala de aula, em grupos, repercutiu


nas poucas intervenções individuais. Em sua maioria, as atividades foram
conduzidas no grande grupo. Como pudemos verificar, a perspectiva adotada,
considerando esse trecho da aula, foi de correção, porém, sem uma reflexão mais
refinada. No que diz respeito às relações som/grafia, por exemplo, a indicação da
letra correta não garantiu a compreensão da escrita, por parte dos aprendizes. Ao
falar sobre as formas de intervenção diante do erro do aluno, a professora, entre
outros aspectos, ressaltou a importância de não dar a resposta, o que não se
376

articulou ao procedimento anteriormente realçado no trecho de aula. Vejamos o que


declarou na entrevista a esse respeito:

(...) E aí é isso que eu tô te dizendo, eu não... eu não vejo outra


forma de fazer nessa hora que eu faço a intervenção, e faço, e faço e
procuro mostrar de alguma forma a diferença e a criança não
percebeu. Eu acho que se eu vou e dou a resposta, não vai adiantar,
porque ele não vai, não vai aprender. Vai ficar no mesmo. Ele ali na
hora vai escrever, no outro, e depois, no outro, no dia seguinte ele
vai escrever do mesmo jeito que ele tinha escrito da primeira vez. Ele
não percebeu (Professora Célia, 1º ano, Escola C).

Entre as turmas de segundo ano, identificamos apenas duas aulas em que


houve algum tipo de intervenção frente ao erro do aluno, realizada individualmente.
É interessante que essa opção foi vista, apenas, na escola C. Na primeira
observação, após realizar a leitura de um texto intitulado “amigos para sempre”,
realizou uma breve compreensão oral e escrita, que incluía, exclusivamente,
questões de fácil localização. Numa dessas, os alunos teriam que escrever o nome
de um personagem da ‘história’, no caso, ‘Henrique’. Um dos aprendizes expressou
dúvida na escrita da palavra, momento em que contou com a ajuda de alguns
colegas, assim como da professora, a qual destacou que aquela palavra não poderia
ser escrita com dois ‘rr’, já que era precedida por ‘n’, após pergunta realizada por
ele.

Esse último evento, a nosso ver, possibilita uma compreensão e articulação


com o que Goigoux (2002) aponta quanto a três pólos que integrariam os processos
de ensino e aprendizagem na sala de aula: a elaboração que estaria centrada no
pólo dos saberes; a apropriação no pólo dos alunos e a intervenção no pólo do
professor. Numa relação de interdependência, cada um deles se constitui a partir do
outro. Essa intervenção do professor, por vezes, assume um caráter de correção
sem reflexão por parte do aprendiz. O autor segue destacando que, gradativamente,
um novo paradigma ganharia centralidade nas pesquisas desenvolvidas na França:
trata-se de entender melhor o que rege as práticas docentes, descrever os
processos de ensino “para tentar reconstruir as lógicas de ação subjacentes aos
processos de ação dos professores” (GOIGOUX, 2002, p. 126).
377

Confirmando o que anunciamos já nessa seção, os terceiros anos das


escolas A e C contaram com cinco aulas em que houve a correção individual do erro
do educando, por parte das professoras. Semelhantemente à professora do segundo
ano da escola C, a mestra do terceiro ano da escola A, em uma das quatro aulas em
que interveio individualmente, registrou um poema no quadro intitulado ‘O elefante
Bamba’, prosseguiu com uma atividade escrita, seguida de uma leitura coletiva. Na
ocasião, aproveitou o momento para “tomar a leitura” de alguns alunos. Durante a
tarefa, pôde prestar ajuda a um dos educandos em algumas palavras compostas por
sílabas complexas, tais como: “tromba, espanta”. Na leitura, o aprendiz pronunciou
‘espata’, mas, imediatamente ela o corrigiu, destacando o ‘n’ e pronunciando a
palavra pausadamente, seguindo a marcação das sílabas (‘es pan ta’).

A superação do modelo de intervenção ancorado numa perspectiva


resolutiva traria, entre outras implicações, a possibilidade de organizar o ensino
coletivo, guiado pelo professor, porém, com o objetivo de assegurar,
gradativamente, a autonomia dos educandos frente aos desafios postos no processo
de aprendizagem. Goigoux (2002) aponta, como um dos aspectos da problemática
de estudo por ele desenvolvido, a partir do ensino da leitura, o desafio de pensar o
ensino coletivo, com a direção da professora, a fim de que, através do processo de
interiorização, o aprendiz possa, autonomamente, expressar seu aprendizado na
prática de leitura de maneira ordenada (GOIGOUX, 2002, p. 126). Diante disso, nos
perguntamos: tal perspectiva se assemelha ao evento anteriormente por nós
explicitado? Cremos que a correção efetuada no momento da leitura pelo aprendiz,
nessa perspectiva resolutiva, pouco o ajudaria a ultrapassar suas dificuldades de
leitura, de modo a aplicar um novo conhecimento construído a outros contextos de
aprendizagem. Essa postura adotada pela professora (3º ano, escola A), durante a
leitura, não coincidiu com o declarado durante a entrevista, ao se remeter à correção
do erro do aprendiz. Observemos o que enfatizou:

Ai é um tormento, eu não digo a eles que ele errou (sic). Não, não.
Eu digo assim: ‘olha, a gente precisa rever isso aqui. Será que é com
essa letra? Será que é dessa maneira? E na correção que eu vou dar
a eles o trabalho de corrigir mesmo, como eu vou registrar isso, aí eu
coloco assim: um ‘cezinho’ e um cortezinho no ‘c’, entendeu? Ou
então, eu olho, se vê que tá tudo errado, às vezes eu nem devolvo,
entendeu? (...) (Professora Áurea, 3º ano, Escola A).
378

A seguir, destacaremos as principais evidências quanto à correção do erro


no grupo/coletivo da sala de aula.

5.1.4.2 Correção do erro no grupo/coletivo da sala de aula

Ao nos reportamos às correções em grupo e/ou no coletivo das turmas,


reafirmamos o já dito, quanto à alta freqüência verificada nos anos do 1º ciclo. Nesse
item específico, não houve variações significativas entre eles (16/19/18).179 No
interior dos primeiros anos, apenas a escola C não se destacou como as demais
(6/7/3), ao considerarmos o número absoluto de aulas em que aquele tipo de
encaminhamento esteve presente.

Remetendo-nos, novamente, ao primeiro ano da escola A, recorremos à


segunda observação de aula, cuja atividade inicial foi a leitura de uma ‘história’ pela
mestra, intitulada “Tubão, o tubarão”. Na etapa seguinte, realizou a análise e síntese
de algumas palavras que apareceram no texto. Observemos o encaminhamento
adotado daí por diante:

(Professora Aécia, 1º ano, Escola A, 2ª Observação)

(...)
A professora escreveu anteriormente a palavra: ‘MAREMOTO’. “Preste atenção, a
gente contou quatro vogais, quatro consoantes. Ao todo, são oito letras. Então
agora nós vamos fazer, eu vou escrever aqui algumas palavras e vocês vão
colocar quantas vogais e quantas consoantes. No tracinho, vão registrar a
quantidade de letras. Todo mundo entendeu?” (na ocasião, a professora
aumentou o timbre de voz). “Eu vou escrever uma palavra aqui para ver se
entenderam mesmo. Vou botar o círculo, o quadrado e o tracinho”. (costumava
propor modelos de resolução das questões sugeridas, os quais antecediam a
realização das tarefas pelos aprendizes).

179
Primeiros, segundos e terceiros anos.
379

A – Eu não entendi nada.


P – Wesley.
A professora registrou a palavra ‘HABITANTE’. O aluno grafou: ‘HA’ (dentro do
círculo) ‘BI’ (dentro do quadrado) e ‘TA’ (no tracinho em que o objetivo era grafar a
quantidade de letras). A professora perguntou: “está certo?”
Alunos – Não.
P – Tá vendo, Isabela? Não presta atenção. Dá nisso. Venha cá. Vai fazer do
mesmo jeito do outro? Vou explicar de novo. Vamos contar quantas vogais e
colocar no círculo, as consoantes dentro do quadrado e o total no tracinho.
Vamos ver: ‘HABITANTE’, quantas vogais? Consoantes? Letras? Entendeu
Wesley? Isabela? (os alunos foram, coletivamente, contando as vogais, consoantes
e letras). (...)

Assumindo uma postura diferenciada, no momento da correção coletiva, a


professora do primeiro ano da escola B realizou a leitura do conto “Chapeuzinho
Vermelho” e, em seguida, prosseguiu recontando-o oralmente. Durante essa última
atividade, lançou algumas questões, a fim de facilitar a retomada da história. Após
registrar o título do conto, a professora orientou-os a localizar as palavras. Naquele
contexto, a tarefa foi grafar o título e desenhar os personagens. A partir de então, a
professora deu início às intervenções:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B, 1ª Observação)

(...)
P – Primeira coisa, o nome ‘LOBO’ tem quantas sílabas?
A – ‘LOBO MAU’.
P – A palavra ‘LOBO’ tem duas sílabas, é, João?
A – Três.
P – Por quê? Diga Tiago.
A – Porque eu contei.
P – Ele contou, tá vendo? A gente abre a boca quantas vezes?
A – É três tia (sic).
380

P – Diga por quê. Pra gente saber quantas sílabas têm na palavra, olhe pra
mim, a gente conta quantas vezes a gente abre a boca. Olhe e preste atenção.
Vamos? ‘LO – BO’. Duas, não foi?
P – Qual é a primeira sílaba?
Alunos – LO.
P – Começa com que letra?
Alunos – ‘L’.
A – LO.
P – Tudo bem, antes das férias estudamos palavras com ‘LA, LE, LI, LO, LU’...
‘LO’ pode ter o som aberto ‘LÓ’ e o som fechado ‘LÔ’.
A – É um ‘S’ tia.
P – Essa é a primeira sílaba. E a segunda?
Alunos – LO.
A – BO.
P – Muito bem. A gente estudou o ‘B’? Através de que palavra?
A – BALÃO.
P – Muito bem. A gente estudou o ‘B’ e toda a família do ‘B’, não foi? Eu vou
escrever ‘BA’ ali? Se eu colocar o ‘BA’, vai ficar como?
A – BALA.
P – Começa com ‘LO’. Então fica?
A – LOBO.
A – ‘BO’ tia! ‘BO’.
P – Por que ‘BO’? Porque o som... se eu for separar essa palavra fica como?
Larissa, venha aqui no quadro. Tente separar, ‘LO’... muito bem! É para separar
com um tracinho, só pra gente ter idéia de que são duas sílabas. O desenho
vai ficar com vocês, vão apresentar, apresentar é mostrar o desenho. Quem
não fez, faz agora. Depois vai fazer a tarefa do caderno! (a aluna separou as
sílabas, em seguida, a professora apagou ‘LO – BO’).
A – Tia, é pra fazer esse nome, é?
P – É, mas que nome é esse?
A – LOBÓ (pronúncia).
P – Não precisa dizer LÓBÓ, é LÔBO (pronúncia correta).
(...)
381

Como assinalamos no exemplo anterior, o encaminhamento de correção no


coletivo se distinguia da mestra do primeiro ano da escola A, visto que ela tentava
inserir os aprendizes num contexto de reflexão coletiva. Essa participação coletiva
quanto à escrita das duas palavras que compunham o título do conto, surgiu a partir
da dúvida de um aluno. A mestra então resolveu ampliar a discussão levando para
todo o grupo-classe.

A postura da professora do primeiro ano da escola B em relação ao


tratamento do erro do aluno revelou a preocupação pela busca de alternativas que
propiciassem a superação do mesmo. Vejamos o que apontou durante a entrevista:

É... olhe, a gente sabe, né? Que o erro ele deve ser encarado como
uma maneira de redirecionar, né? O seu trabalho, a sua explicação.
Você explica de um jeito, ele não compreendeu. Você tem que
explicar de outro, né? A gente sabe também que partindo dos erros,
acertos, tudo isso, mas tem momentos que a gente erra, né? Nisso,
eu acredito que sim. Mas geralmente o erro é... é encarado dessa
forma, você tem que encarar dessa forma, não é? Tentar mudar a
forma de... de explicação pra ver se ele consegue alcançar. Porque
essa coisa da palavra é tão difícil, né? A gente adulto, quando a
gente tá mesmo, quando a gente tá estudando, né? Às vezes a gente
interpreta de outra forma por causa de uma palavrinha, né? Então as
crianças que têm um nível vocabular diferente, né? Do que nós
adultos. Então a gente tem que ter todo esse cuidado. Aí a gente
tenta, né? Fazer e dar um outro encaminhamento (Professora
Bernadete, 1º ano, Escola B).

Apesar de destacar o uso de outras alternativas que objetivassem a


superação do erro pelo educando, a professora, durante a entrevista, declarou não
intervir dando a resposta. Embora esse fosse seu desejo, acreditava numa prática
que articulasse, sempre, o que já tivesse sido refletido em outras aulas. Dessa
maneira, enfatizou que os aprendizes chegariam à resposta desejada.

Diante da realidade da maioria de nossas turmas, compostas, em geral, por


um quantitativo de alunos que excede o previsto em lei, a alternativa de tornar em
objeto de reflexão a dúvida de um aluno, sem que para isso o exponha,
negativamente, diante da turma, é extremamente plausível e se constitui, em nossa
compreensão, numa das possíveis alternativas de intervenção pelas mestras. Para
382

que isso ocorra é importante, entre outros aspectos, que o professor domine os
componentes que integram a tarefa, ou seja, “disponha de uma teoria das condutas
do aprendiz e de uma teoria das ações necessárias para realizar a tarefa” (WOOD;
MIDDLETON, 1975 apud GOIGOUX, 2002, p. 127). Goigoux (2002, p. 127)
acrescenta que é primordial “um conhecimento, por um lado, dos objetos lingüísticos
e das atividades de linguagem, e, de outra parte, dos processos de aprendizagem
da leitura e, enfim, das modalidades de condução eficazes das atividades infantis” .

Do mesmo modo que nos primeiros anos, verificamos uma visível opção
das professoras de segundo e terceiro anos quanto à correção no coletivo da turma,
com as seguintes proporções coletivo/individual: segundos anos (19/5), e terceiros
(18/6).

Dedicando em sete das oito aulas observadas em sua turma essa prioridade
à correção coletiva, a professora do segundo ano da escola A, na segunda
observação, solicitou, após uma cadeia de atividades, a escrita do nome de alguns
estabelecimentos comerciais existentes no bairro em que os educandos moravam.
Ao observar a incoerência na escrita de algumas palavras, afirmou:

(Professora Aída, 2º ano, Escola A, 2ª Observação)

(...)
P – Júlia, tá certo? Bote aí. Grande! (referindo-se à aluna). “‘AÇOUGUE’.
Qual é o que tá certo? Você colocou ‘AÇOGUE’, é ‘AÇOUGUE’. Porque a gente
escreve como a gente fala. Eu falo ‘PASSO’, aí coloco: ‘PAÇO’, ‘PASO’. Qual é
o que tá certo?”
A – O de baixo.
A – Nenhum.
P – ‘PASSO’! É dois ‘S’, bora! (sic). (Na ocasião, iniciou um ditado de palavras).
(...)
Num determinado momento da correção do ditado, ocorreu o seguinte:
P – Próximo.
Alunos – ‘TRAVESSA’.
A – É tudo com ‘SS’!
383

P – Claro.
A – Eu botei com ‘Ç’. Mas tá certo?
P – Não. A palavra é com ‘Ç’ ou ‘S’?
Alunos – ‘S’.
A – Mas o som...
P – Ah, o som!
A – Eu errei um bocado.
A – Eu errei quatro e acertei três.
P – Olhe, ela botou ‘Ç’, é com quê?
Alguns alunos – ‘S’.
P – Um ‘S’?
Alguns alunos – dois ‘S’.
P – Mauro disse que é a mesma coisa. É o som! Quando eu digo: ‘TRAVEÇA’,
‘TRAVESSA’ tem o mesmo som. Como é ‘VASSOURA’?
A – ‘V A S S O U R A’.
P – Um ‘S’ ou dois?
Alunos – Dois.
P – ‘VANESSA’? Como é?
Duas alunas – ‘V A N E S S A’.
P – Isso.
(...)

É interessante destacar que, até o momento, os exemplos aos quais nos


reportamos recaíram, somente, em situações de atividades que envolviam a
construção da escrita alfabética. Como as professoras monopolizavam os momentos
de leitura e algumas das situações de produção de textos, não ocorreram na mesma
proporção que as atividades focadas no sistema de notação alfabética,
resguardadas algumas exceções. Com isso, mais uma vez reiteramos que a
natureza das atividades dizia (e muito), das intervenções que eram adotadas pelas
professoras. Em se tratando do segundo trecho da aula ilustrado, realçamos, mais
uma vez, que essa perspectiva de correção sem reflexão pouco ajudou os
educandos na superação de suas dificuldades, nesse caso, ortográficas.
384

Recuperando o tratamento dado ao erro dos educandos, recorremos a


algumas contribuições de Astolfi (2006) o qual nos apresenta três modelos que
divergem quanto à origem e o tratamento do erro. O primeiro, conhecido como
modelo transmissivo, atribuiria ao aluno a origem do erro e, portanto, levaria a cabo
a perspectiva negativa que culminaria com seu fracasso. O segundo, modelo
behaviorista, também está ancorado na condição de fracasso não do aluno, mas do
ensino realizado, visto que a falha estaria centrada na planificação. Nesse último
caso, a prevenção do erro torna-se crucial. O último deles, o modelo construtivista,
ao contrário dos demais, concebe que a condição do erro é postulada de sentido e
fator de avanço. Para o autor, a origem do erro é decorrente de uma dificuldade de
apropriação do conteúdo ensinado e o tratamento se dá por meio de um trabalho e
experiência de situações que promovam a apropriação do conhecimento.

Baseado em Sanner (1983), Astolfi (2006) destaca que não é suficiente


reconhecer, mas se empenhar rumo a um verdadeiro conhecimento do erro do
aprendiz. Acrescentamos ainda que, além disso, é urgente pensar em formas de
intervenção que possibilitem a superação do erro. Diante dessas contribuições, nos
perguntamos: seria possível retomar aspectos da atividade do ditado, nos
reportando ao extrato de aula anteriormente explicitado da professora do segundo
ano da escola A, a fim de refletir, junto aos alunos, tanto os níveis de compreensão
por eles apresentados quanto as alternativas que possibilitariam os mesmos
avançarem na leitura e na escrita? Cremos que sim. Entretanto, os automatismos, a
ânsia por “fornecer a resposta” e não criar um espaço de problematização,
acabavam por eliminar tais possibilidades.

A fim de examinarmos um pouco uma prática que fugia dessa lógica,


recorremos às correções coletivas realizadas pela professora do segundo ano da
escola B, a qual, no segundo semestre, investiu, essencialmente, na reescrita
coletiva de contos. Na primeira observação, após a leitura de um conto escrito pelos
Irmãos Grimm, intitulado: ‘Os doze caçadores do rei’, a mestra explorou a história
oralmente com os alunos, objetivando a posterior reescrita. Vejamos o que
aconteceu em um trecho da aula:

(Professora Bianca, 2º ano, Escola B, 1ª Observação)


385

(...)
P – Não. Vamos imaginar uma coisa. Quais são os personagens que aparecem
nessa história?
Alguns alunos – O príncipe, a princesa...
P – Quem mais?
A – O rei.
A – Tia, as doze caçadoras?
P – Doze?
A – Onze.
P – Isso. Se os irmãos Grim chegassem aqui e perguntassem como você
colocaria o nome do rei?
A – Jacó.
P – Jacó? E a princesa?
A – Isabel.
P – E o leão?
Alguns alunos – Simba.
P – O rei?
Alguns alunos – Lucas.
P – Desses personagens, quem vocês acham que é o mais importante?
Alguns alunos – O leão!!!!
P – O leão ajuda, mas é o mais importante?

A – A princesa.
P – Por quê?
A – Porque ela começa a história.
P – O que mais?
A – Porque ela teve o plano de doze caçadores.
P – Isso. Até porque como é o título da história?
Alguns alunos – ‘Os doze caçadores do rei’.
(...)

Embora as correções tenham ocorrido, em sua maioria, no âmbito da


reescrita dos textos, chamamos a atenção para as intervenções mais específicas
que estiveram presentes naquela turma. Nessa mesma aula, a professora corrigiu a
386

escrita do título realizado por uma das alunas, afirmando a necessidade do ‘espaço
entre as palavras’, assim como do uso da letra maiúscula.

No único dia em que a professora do segundo ano da escola C recorreu ao


livro didático adotado,180 por cobrança dos pais (segunda observação), verificamos
algumas situações, já na explicação da tarefa de casa, que nos remeteram a
analisar as correções direcionadas ao coletivo da sala de aula. De início, a mestra
destacou a seção ‘Para Ler Mais’; em seguida, expôs algumas perguntas a respeito
do texto: ‘você conhece algum bicho que anda com a casa nas costas’?
Observemos o que ocorreu a partir de então:

(Professora Cinara, 2º ano, Escola C, 2ª Observação)

(...)
P – ‘Para ler mais’. Vou ler agora, vamos ler mais. Quer parar com isso. Antes
de ler o texto, você conhece algum bicho que anda com a casa nas costas?
A – Caracol.
P – Só caracol?
A – Barata.
P – Vou repetir: você conhece algum bicho que anda com a casa nas costas?
A – Abelha.
P – Que abelha, menino!
A – Caranguejo.
P – Caranguejo? Ali não é casa.
A – Tartaruga.
P – Tartaruga, caracol. ‘O caramujo e o besouro amigo. Oi caramujo, cadê a
sua casa’?
A – Está ali embaixo.
(...)

180
Livro didático adotado: Projeto Pitanguá, 1ª série, editora Moderna (Obra coletiva concebida,
desenvolvida e produzida pela editora Moderna).
387

As demais situações de correção coletiva, em sua maioria, estavam


vinculadas à atividade do ditado. De um modo geral, as professoras aproveitavam
esse momento para corrigir a escrita dos alunos. No entanto, quase sempre esses
momentos eram desprovidos de reflexão, tal como vimos no capítulo anterior. Nessa
mesma aula, a professora observou o caderno de um dos alunos, declarando que
havia errado tudo (remetendo-se às questões relativas ao texto ‘O caramujo e o
besouro amigo’). Embora tenhamos visto que se tratava de um aprendiz que se
engajava nas atividades, ficou sem saber onde tinha errado, já que a mestra não
interveio.

Essa última postura apresentada pela professora acima revela o contrário


do defendido por Darsie (1996) quanto a entender que a intervenção ante o erro do
aluno possibilita,

O acompanhamento do seu próprio processo de construção do


conhecimento, encorajando-o a comprovar e/ou refutar suas
hipóteses; estabelecer relações entre o que já se sabe e o novo a
aprender; perceber e superar conflitos; reconhecer seus avanços,
ganhos, dificuldades, reorganizar seu saber e alcançar conceitos
superiores (DARSIE, 1996, p. 51).

Com base nessa postura da docente do segundo ano da escola C, nos


perguntamos o que estaria gerando esses automatismos, essas correções
desenfreadas, ou, até, a ausência de intervenção por parte de algumas professoras
ante os “erros” dos aprendizes. Entramos num terreno marcado por grandes
complexidades. Entre outras razões, acreditamos que a ausência de planejamento,
de seqüências didáticas claras que se antecipem ao aprendiz, bem como às etapas
previstas para a realização da tarefa (GOIGOUX, 2002), parecem ser, também,
fatores impeditivos para intervenções mais significativas no aprendizado das
crianças.

No terceiro ano da escola A, a professora costumava realizar a leitura de um


texto que, no caso da segunda observação, foi: “O pescador, o anel e o rei”. Na
ocasião, seguiram com a retomada da “história”, já que ela havia lido na aula
anterior.181 Após algumas perguntas de localização explícita de informações, os
alunos reescreveram a música do pescador (personagem da história). Em

181
Foi uma alternativa encontrada para assegurar a inserção dos educandos nas atividades
seguintes.
388

continuidade, foram orientados a registrar o número de sílabas e de letras de


algumas palavras do texto. Reservamos um trecho da aula em que essa última
atividade estava em curso:

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A, 2ª Observação)

(...) Quantas sílabas tem a palavra ‘PES-CA-DOR’? Três vezes eu abro a boca,
três sílabas. Quantas letras? Uma, duas... oito letras. E ‘ANEL’?
A – Duas.
P – Isso. Quantas letras?
A – Quatro.
P – Agora o palavrão. Primeiro eu falo a palavra ‘BOQUIABERTO’, depois eu
abro a boca. ‘BO-QUI-A-BER-TO’.
A – Cinco.
P – Cinco vezes, não é? E quantas letras?
Dois alunos – Onze (a professora garantiu a contagem das letras dessa palavra, no
grande grupo).
P – ‘MER-CA-DOR’.
Alguns alunos – Três.
P – Três vezes eu abro a boca para falar ‘MERCADOR’. Emanuel entrou.
Quantas letras?
Alunos – Oito!
P – E a palavra ‘REI’? Quantas vezes eu abro a boca?
Alunos – Uma.
Alunos – Duas.
P – Por que você acha que são duas vezes? Falamos “REI” e não “RE-I”.
Wesley, calma. Já, já eu dou o livro a você. Tácio, ‘REI! Um só. E quantas
letras?
Alunos – Três.
(...)
389

De forma distinta, procedeu a professora do terceiro ano da escola B, já que


sua prática esteve norteada pela realização de leitura de textos, articulada, também,
às produções textuais pelos alunos. Na quarta observação, por exemplo, a mestra
levou o desenho de um menino tomando sorvete. Distribuiu com os alunos e
solicitou que eles escrevessem um texto descrevendo aquela cena. A princípio deu
todas as orientações quanto à paragrafação, pontuação, letra maiúscula, entre
outros aspectos. O comando para a escrita do texto, entretanto, ficou difuso em uma
de suas falas: “então podem começar. Eu quero uma história descrevendo a cena”.
Por essa razão, cremos, alguns dos alunos recorreram a articuladores textuais
presentes nos contos. Postulamos que, em função disso, a mestra optou, na
continuidade da tarefa, pela produção textual coletiva. Durante a produção, algumas
correções surgiram:

(Professora Buana, 3º ano, Escola B, 4ª Observação)

P – Vocês vão fazer em cima: texto coletivo.


A partir do contato com alguns textos já concluídos, comentou:
P – Cadê o travessão? Cadê? Traga pra eu ver. Menino, a gente passa o tempo
todinho falando que tem que começar com letra maiúscula, com parágrafo.
Tem que colocar a pontuação e vocês parecem que não entra nada. (Buana
estava sentada próxima à cadeira em que nós estávamos. Naquele momento, nos
perguntou quantas vezes já havíamos observado a aula dela e quantas vezes
tínhamos ouvido falar em ponto final, letra maiúscula, parágrafo. Disse que não
sabia o que estava acontecendo com o ensino). (...)

Durante as observações, verificamos que ela insistia numa escrita atenta à


pontuação, à concordância, à paragrafação. Embora reconhecendo que havia pouca
reflexão quanto à função da pontuação e dos demais aspectos abordados,
admitimos que esse foi um diferencial de sua turma, entre as de terceiro ano
acompanhadas. Essa cobrança, na nossa compreensão, desencadeou uma
participação efetiva por parte dos aprendizes, nas atividades propostas. Buscavam
390

aperfeiçoar seus textos, atentos ao que a professora sinalizava como sendo


importante.182

A professora do terceiro ano da escola C utilizou, sistematicamente, o livro


didático de língua portuguesa adotado.183 Na quinta observação, através da leitura
de um dos textos, realizou várias intervenções. Logo de início, perguntou aos alunos
qual era a finalidade do ponto de interrogação em uma das frases do texto. Na
ocasião, um deles disse que era para responder, a mestra corrigiu-o, afirmando ser
utilizado para perguntar. Do mesmo modo, insistindo na pontuação, remeteu-se à
função da vírgula, momento em que um dos alunos destacou que servia para
separar. A mestra concordou com ele, acrescentando que era para dar uma pausa e
não ler rápido.184 Durante a leitura e algumas questões sugeridas pela professora
oralmente, chegaram à discussão da pronúncia e escrita da palavra ‘áspero’, uma
das características do personagem do texto. Ao afirmar que o correto era ‘aspero’, a
docente corrigiu o aluno, caprichando na pronúncia da palavra ‘áspero’.

Seguimos analisando se, no conjunto das observações, as mestras optaram


por “táticas didáticas” que visassem evitar o erro pelo educando.

5.1.4.3 “Táticas didáticas” objetivando evitar o erro pelo aprendiz

Diferentemente da opção por corrigir os erros dos alunos no grande grupo,


observamos, no conjunto de aulas observadas, uma tímida freqüência de elaboração
de “táticas didáticas”, objetivando evitar o erro dos aprendizes. Em alguns
momentos, ao contrário, houve quem priorizasse a provocação do erro, ao invés de
evitá-lo.

182
Essa postura atenta, assumida pela turma, parecia ter sido construída há mais tempo. Conforme
observamos, nos momentos em que outras professoras (estagiárias) conduziam as atividades (nas
esporádicas ausências da mestra), os educandos mudavam, drasticamente, seus comportamentos,
mantendo-se, por vezes, alheios às atividades. Essa “parceria” dos aprendizes junto à mestra, já
tinha sido estendida aos pais, cuja avaliação do trabalho desempenhado por ela era extremamente
positiva.
183
É importante registrar que, entre as nove docentes acompanhadas, ela foi a única a fazer uso
desse material, sistematicamente.
184
Reafirmamos a importância do domínio do objeto de conhecimento explorado, pela professora.
Essa competência definirá, a nosso ver, as intervenções e encaminhamentos adotados. Em se
tratando da pontuação, esse nível se evidenciou bastante limitado.
391

No que diz respeito aos dados localizados entre as escolas, vimos que a
instituição A investiu um pouco mais em situações que buscavam evitar o erro do
aluno (7/2/2). Já em relação aos anos-ciclo, essa preocupação ficou a cargo das
professoras dos segundos e terceiros anos (1/5/5). Atribuímos esse quadro
encontrado nesses anos do ciclo, à concepção de que é preciso errar menos, a fim
de ser promovido com êxito. Entendemos que, no primeiro ano, essa expectativa
não era tão visível, dada uma suposta permissão para “errar” no início do ciclo.
Sobre esse assunto, a professora do primeiro ano da escola B, ao declarar sua
postura diante do erro do aprendiz, afirmou:

(...) É... olhe, a gente sabe, né? Que o erro ele deve ser encarado
como uma maneira de redirecionar, né? O seu trabalho, a sua
explicação. Você explica de um jeito, ele não compreendeu. Você
tem que explicar de outro, né? A gente sabe também que partindo
dos erros, acertos, tudo isso, mas tem momentos que a gente erra,
né? Nisso, eu acredito que sim. Mas geralmente o erro é, é encarado
dessa forma, você tem que encarar dessa forma, não é? Tentar
mudar a forma de, de explicação pra ver se ele consegue alcançar.
Porque essa coisa da palavra é tão difícil, né? A gente adulto,
quando a gente tá mesmo, quando a gente tá estudando, né? Às
vezes a gente interpreta de outra forma por causa de uma
palavrinha, né? Então as crianças que têm um nível vocabular
diferente, né? Do que nós adultos. Então a gente tem que ter todo
esse cuidado. Aí a gente tenta, né? Fazer e dar um outro
encaminhamento (...) (Professora Bernadete, 1º ano, Escola B).

Entre os primeiros anos, observamos apenas um único caso localizado na


escola A. Após a leitura do texto “Tubão, o tubarão”, a professora seguiu com uma
breve atividade de compreensão oral e a análise e síntese de algumas palavras.
Numa das questões propostas, o educando tinha que escrever palavras com as
iniciais da palavra ‘tubarão’. Ao chegar na letra ‘o’, um deles perguntou à mestra se
a escrita seria naquele espaço. Ela confirmou e, ainda, o ajudou pronunciando a
palavra artificialmente: ‘óvó’.

Em se tratando das turmas de segundo ano, a maior freqüência ficou com a


docente da escola A. Em quatro de suas aulas, verificamos a presença dessa opção
por evitar o erro pelos alunos. O contrário aconteceu com a professora da escola B,
em que não identificamos nenhum caso. Vale a pena recuperar a intervenção
realizada na quarta observação pela professora da escola A, a partir de um ditado
392

de frases. Naquele contexto, ela teve o cuidado em ditar pausadamente, sem contar
o que declarou durante o ditado: “... se a gente pára, dá um espaço para não
escrever tudo agarrado. ‘Flávia comprou remédio na farmácia’”. De modo
semelhante, procedeu no ditado de palavras realizado na segunda observação.
Naquela ocasião, pronunciou artificialmente as palavras, com a visível finalidade de
evitar o erro (‘disco’, pronunciou ‘discó’).

Quanto às turmas de terceiro ano, identificamos apenas cinco aulas em que


as docentes, durante as atividades, criaram “táticas” para evitar o erro de seus
alunos. No terceiro ano da escola B, numa situação de ditado de texto185, proposto
na quinta observação, a mestra seguiu com a atividade, fornecendo algumas pistas
definidoras para o acerto. Vejamos como procedeu:

(Professora Buana, 3º ano, Escola B, 5ª Observação)


(...)
P – Vamos passar para outra linha, observem o parágrafo para fazer na mesma
altura, imagine uma reta e coloque na mesma altura. Todo mundo entendeu?
Quem não entendeu? Letra maiúscula. Vamos ver! Eu não mandei pular linha,
na outra linha e na mesma altura? (referindo-se ao parágrafo). “Para caçar,
vírgula, ô segredo”, vamos continuar, depois você corrige. “Para caçar,
vírgula, o segredo dessas avés é possuir ótima audição, au-di-ção (pronunciou
sílaba por sílaba e disse: ‘ponto’). “Na mesma linha. Qual é a letra?”
Alunos – Maiúscula!
P – Ótimo. ‘Não há, H-A (pronunciou as letras ‘H A’ ) ‘um barulhinho que escape
de suas orelhas’, vírgula, ‘sempre’. Você tá aonde, meu bem?)
A – Barulhinho.
P – ‘que escape’. Vou repetir. ‘Não há um barulhinho que escape dê (artificializa
a pronúncia) suas orelhas’, vírgula, ‘sempre atentas’, ponto’.
A – Letra maiúscula.
P – Vamos corrigir esse parágrafo. Vamos ver!

185
De acordo com a professora, só podiam realizar ditado de textos, indicando a autonomia esperada
para um terceiro ano do 1º ciclo. Costumava conduzir o ditado com, no máximo, três parágrafos. A
correção ocorria não no término, mas entre os parágrafos.
393

A – O meu tá tudo certo, tia.


A1 - O meu tá tudo certo.
P – Ótimo. Mas eu vou olhar, porque essa conversa de dizer que está tudo
certo com preguiça de corrigir, sei não. Vou olhar tudinho.
A – Eu acertei.
P – Certo. Eu conheço vocês de outros carnavais. Na outra linha, não é para
pular linha. Veja na mesma altura do outro. ‘Outra característica curiosa desse
bicho é que algumas espécies, es-pé-cies, espécies, podem dar grandes giros
com a cabeça’ (vírgula) é, um ‘e’ sem acento, não é com pontinho não. Airton,
é pra você escrever o que eu tô ditando e corrigir.
P – ‘depois ver o que acontece em sua volta quase sem se mexer’, ponto final.
A – ‘mexer’?
P – ‘mexer’ com ‘x’. Agora eu vou botar no quadro para vocês corrigirem.
(...)

Foram evidentes as intervenções com o intuito de evitar o erro pelo aluno. O


mesmo encaminhamento pôde ser visto na sexta observação, também numa
situação de ditado de textos. Do mesmo modo que ocorreu com essa professora, a
mestra do terceiro ano da escola A, artificializou a leitura de algumas palavras do
ditado, a fim de evitar o erro por seus educandos. Esse procedimento ocorreu em
duas das oito aulas acompanhadas.

Como pudemos apreender, as “táticas” a que as mestras recorreram para


evitar o erro, em nossa compreensão, não asseguraram uma reflexão por parte do
aluno. O que parecia estar em cheque era simplesmente “evitar o erro”, mas não
garantir a efetiva aprendizagem. Como observa Morais (1998), tais
encaminhamentos, além de impedirem os alunos de pensarem, criam uma falsa
noção de que dominaram determinadas dificuldades ortográficas.

5.1.4.4 Devolução da pergunta ao aluno, individualmente e/ou no coletivo

A mesma proporção quanto à correção individual e no coletivo da turma,


ficou visível, ao tratarmos das ocasiões em que as docentes devolveram a pergunta
394

aos seus alunos individualmente ou no grande grupo (7/33). Como os dados


sugerem, aquelas profissionais preferiram expor as perguntas à turma, sem
assegurar, entretanto, as respostas. Flagramos, no entanto, vários momentos em
que os próprios colegas respondiam às dúvidas, inquietações de seus pares.

No que diz respeito à devolução da pergunta ao educando, individualmente,


a escola C expressou maior freqüência (1/1/5). Entre os anos, merece destaque os
primeiros anos (6/0/1), em especial, a escola C, em que essa opção foi vista em
quatro das oito aulas acompanhadas.

Na quarta aula observada no primeiro ano da escola C, a docente, num


dado momento, colou algumas figuras correspondentes ao mesmo campo semântico
‘escola’. Logo em seguida, solicitou de alguns alunos a identificação das palavras
escritas relacionadas às figuras. Nesse trecho de aula, foi possível verificar
encaminhamentos de duas naturezas: tanto de devolução da pergunta
individualmente, quanto no coletivo:

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 4ª Observação)

(...)
P – Qual é o lugar que tem todas essas coisas? É um hospital, Mércia?
Alguns – Escola.
P – Não necessariamente tem tudo (os alunos iam dizendo as figuras). “Agora eu
vou chamar alguns alunos para procurar e escrever os nomes aqui, certo?
Taylane, escolha um desenho. O que é isso?”
A – LÁPIS.
P – Isso aqui é um LÁPIS? Como é que vocês sabem?
Alunos – Tem ‘S’.
A – ‘L’ de Larissa.
P – Muito bem.
395

Alunos – Começa com ‘LA’.


P – Agora eu vou chamar Álvaro. Escolha. (ele escolheu a palavra CANETA).
A – Essa, Álvaro!
P – Calma. Meu amor, deixe Álvaro. Quando ele se aproximava para escolher, os
alunos diziam: “é essa, Álvaro!”
A – Termina igual ao meu nome.
P – Tylane. CANETA, quantas sílabas?
Alguns alunos – Quatro.
P – Quatro?
Alguns alunos – Três.
P – Agora, Mércia (a aluna escolheu a palavra ‘CADERNO’). “Essa é CADERNO
ou CADEIRA? CADERNO termina com ‘DE’? CA DER NO”.
A – Não, termina com ‘O’.
P – E essa? Que Mércia pegou?
Alguns – CADERNO.
P – Isso. Muito bem. Eu posso colocar todo mundo pra vir pra cá. Só tem cinco
crianças pedindo é? Dá licença. Vem, Yuri. Deixa de teus escândalos, Larissa.
Yuri vai escolher o desenho que ele quiser. Essa é CADEIRA?
Alunos – É!
P – E começa com ‘CA’, ‘CA’?
Alunos – É!
P – Aplausos. Eu vou chamar Larissa. Olhe pro desenho primeiro e escolha um
desenho (escolheu a palavra ‘MESA’). “Será que essa é MESA”?
A – Começa com ‘TA’.
P – Começa com ‘TA’? (próxima à aluna). “Quantas sílabas”?
Alguns – Duas.
P – ‘ME SA’, esse ‘S’ aqui tem som de ‘Z’ porque ele está entre duas vogais.
(...)

Diferentemente do que ocorreu entre os primeiros anos, como vimos, houve


ausência dessa opção pelas professoras dos segundos anos. Apenas um caso no
terceiro ano da escola C, na oitava observação, também numa proposição de ditado.
396

Como vimos, as mestras optaram por devolver a pergunta no grande grupo,


dado que as 33 aulas atestaram essa prioridade. Considerando esse tipo de
procedimento, enfatizamos que a professora do primeiro ano da escola B recorreu
ao mesmo em seis das oito aulas. Na segunda observação, após a confecção de um
cartão e elaboração de uma mensagem para os pais, a docente agrupou os alunos,
orientando-os a escrever palavras com as sílabas já estudadas. Ampliou as
possibilidades de escrita, a partir da observação de um dos educandos, que estava
sugerindo palavras com a letra ‘f’. Naquele contexto, verificamos a escrita de
algumas palavras por Andrielly e a orientação prestada pela mestra, na palavra ‘rio’,
cuja grafia apresentada pela aluna foi ‘riu’. Destacou, ainda, a distinção entre a
pronúncia da palavra: ‘riu’ e sua escrita, ‘rio’. Em continuidade, formou outro grupo,
com o objetivo de que escrevessem mais palavras. A tentativa era de mantê-los
ocupados, visto que tinham cumprido a tarefa sugerida inicialmente. A partir de
então, deu-se início às intervenções no grande grupo:

(Professora Bernadete, 1º ano, Escola B, 2ª Observação)

P – PICOLÉ tem quantas letras?


A – Cinco.
P – Cinco? Aninha, conta aqui.
A – Seis, tia.
P – Tem quantas vogais?
A – Três.
P – E consoantes?
A – Três.
P – Quantas sílabas? Conte devagar.
Alunos – ‘PI-CO-LÉ!’ Três!
P – Muito bem. Agora forme PAPAI.
(....)

Dentre as turmas de segundo ano, mais uma vez, a escola A liderou,


optando em quatro das oito aulas observadas por intervenções no grande grupo
397

(4/2/2). Na segunda observação, após a leitura coletiva de um texto cartilhado


intitulado “A torta de pêssego”,186 a professora perguntou aos alunos quais eram as
letras que mais se repetiram. Remetendo-se às palavras e não às letras,
responderam:

(Professora Aída, 2º ano, Escola A, 2ª Observação)

(...)
P – Nesse texto que a gente acabou de ler e que vocês acabaram de escrever,
quais são as letras que se repetem mais?
A – CÁSSIO.
A – PÊSSEGO.
A – TORTA.
P – CÁSSIO, PÊSSEGO e TORTA são letras? Quais são as letras que aparecem
mais?
Alguns – ‘SS’.
P – ‘SS’! Vocês vão passar um traço. Embaixo do ‘SS’ da palavra que tem ‘SS’.
A – É só ‘SS’ ou é a palavra toda?
P – Todinha.
(...)

É oportuno enfatizar que havia uma distinção na forma de encaminhamento


adotado pela professora do primeiro ano da escola B comparado ao da professora
do segundo ano da escola A. Enquanto a primeira parecia lançar mão dessa
alternativa para envolver os alunos, assim como otimizar o tempo pedagógico,
assegurando a intervenção, a segunda indicava recorrer a essa alternativa para
expor o aluno diante dos colegas. Diante disso, reconhecemos que as implicações
desses procedimentos eram notadamente distintas.

186
Livro utilizado: ALVES, Edna Regina Gallucci et alii. O clic na alfabetização. Curitiba. Arco-íris,
1994.
398

Entendemos que o encaminhamento adotado pela professora do primeiro


ano da escola B, nesse caso, se relaciona ao que Pinto (2002) destaca quanto ao
tratamento do erro. De acordo com a autora, o erro do aprendiz pode se tornar numa
valiosa alavanca para o professor enfrentar as diferenças entre os alunos na sala de
aula e poder acompanhar, de forma efetiva, a aprendizagem escolar.

Considerando essa modalidade de correção (com devolução da dúvida ao


aluno) no coletivo, enfatizamos que as turmas do terceiro ano das escolas A e C,
priorizaram um pouco mais que a mestra da escola B (5/2/6). Novamente
destacamos a dependência que os alunos daquelas turmas tinham quanto à
operacionalização das atividades, de maneira autônoma. A docente da escola C
desenvolvia, naquele período, um trabalho focado em alguns gêneros textuais, a
exemplo dos rótulos de diversos produtos comercializados entre os alunos. A partir
da escrita de alguns deles, no quadro de giz, sob orientação da professora, ela
seguiu perguntando:

(Professora Custódia, 3º ano, Escola C, 2ª Observação)

(...)
P – Qual é o produto?
Alguns alunos – Palito de fósforo.
P – Esse ‘DI’ está certo?
Alunos – Não, ‘DE’.
P – E aqui? Aqui tem ‘POTO’. Como é?
Alguns alunos – ‘F O C O’.
A – Não, tem ‘S’.
P – Tem gente que chama ‘FOSCO’, ‘FOSCO’, mas é ‘FÓSFORO’. Como é?
‘FÓSFORO’. Vamos chegar em casa falando correto e bonito. ‘Mamãe, guarde a
caixa de fósforo’. Vamos para o outro. Pára de barulho! Monique, você vai
perder o lugar, viu? Você ganhou a cadeira aqui (próxima ao quadro), porque
queria fazer a tarefa. Olhe, se continuar, segunda só entra com a mãe. Qual é a
marca do fósforo?
399

Alguns – OLHO.
P – Tem outros, não é? Escreva ‘OLHÓ’. Eu não pedi para ninguém dizer. Ela
faz só.
A – Ela não sabe.
P – Mas aprende agora. Vocês não sabem que depois a gente conversa sobre a
palavra? Veja a letra final, ‘OLHÓ’. Ela acertou duas letrinhas, não foi? Vamos
corrigir. Como é?
Alguns alunos – ‘O L H O’.
P – Quem sabe uma palavrinha que termine com o mesmo som?
A – ALHO.
P – O som de OLHO, o som final é ‘LHO’ (pronunciou ‘LHÓ’), “aí disseram:
MILHO, ALHO, FILHO, MOLHO” (a mestra registrou). “Agora, olha o SONHO que
Adalberto falou. SONHO é igual a esse?
10:55h – Hora de aula é hora de banheiro e água? Olhe ali: SONHO, NHO;
MOLHO, LHO (pronunciou ‘LHÓ’), o ‘LHO’ fica ‘LHO’ e o ‘NHO’, ‘NHO’. Olha aqui
COELHO.
(...)

Essa mesma professora deslocou, nas últimas observações, o foco do texto


para atividades que enfatizavam a escrita alfabética. Na sétima observação, numa
situação de escrita espontânea de palavras, ela realizou algumas intervenções. Uma
delas girou em torno da palavra ‘robô’ e a intenção era de que os alunos
pronunciassem uma palavra cujo som final coincidisse com ‘ro’. Ao declararem
‘robô’, ela imediatamente devolveu a pergunta, afirmando ser o som inicial e não
final, como orientou no início. Um dos alunos respondeu ‘ferro’. Embora tenha
concordado, um grupo de educandos contestou afirmando terminar com ‘rr’, mas ela
enfatizou que o som era o mesmo do ‘ro’ inicial.

Em continuidade às análises desse bloco, seguiremos apontando algumas


das evidências presentes nas práticas quanto ao aspecto de ignorar o erro do
aprendiz, não realizando nenhum tipo de intervenção.

5.1.4.5 Ignora o erro do aprendiz e não realiza intervenção


400

No que se refere ao item: ignora o erro do aprendiz, não intervém,


visualizamos, a partir dos dados, uma baixa freqüência entre as escolas (6/2/6).
Verificando os dados, vimos que não houve discrepâncias em relação aos anos-ciclo
(5/4/5). Portanto, para além de uma lógica presente no interior do ciclo, essa parecia
ser uma marca do professor: a opção por intervir ou não intervir, diante do erro do
aluno.

Ao recuperarmos os dados encontrados na turma de segundo ano da escola


A, a professora, na primeira observação, aplicou o que denominou, numa certa
altura da aula, de teste surpresa. Ao corrigi-lo, anunciou para toda a turma que a
maioria estava escrevendo de maneira inadequada a palavra ‘Marreco’.187 Diante
disso, não realizou nenhuma intervenção, de modo a propiciar o avanço na escrita
dessa palavra. Em nenhum momento da aula, mesmo após a entrega da atividade,
reservou espaço para a reflexão da escrita daquela palavra.

A ausência de intervenção ganhou lugar na prática da professora do terceiro


ano da escola C, se compararmos às demais instituições. Foram quatro aulas em
que a profissional não interveio diante dos erros do aprendiz. Objetivando enfocar
dígrafos, a professora, na quarta observação, acompanhou a escrita de algumas
palavras para completar o texto por ela sugerido. Num determinado momento,
perguntou aos alunos como se escrevia a sílaba ‘chou’, remetendo-se à palavra
‘espichou’. Na ocasião, sugeriram ‘cho’, ‘chol’, entretanto, a participação dos alunos
não assegurou a posterior intervenção da professora. No final, apenas grafou a
palavra com a ortografia correta. Como atestamos nessa análise, a apresentação da
resposta ao aluno não assegura reflexão e aprendizagem de modo a contribuir para
um avanço. Ao contrário, cria obstáculos a um verdadeiro aprendizado.

Como pudemos verificar, a reflexão não se constituiu numa prioridade entre


as práticas acompanhadas. Partiremos para analisar as poucas intervenções que
ocorreram em algumas turmas quanto à proposição de uma seqüência que
garantisse a reflexão e potencializasse o acerto pelos alunos.

5.1.4.6 Elabora uma seqüência (andaime) para assegurar o acerto

187
Personagem que aparecia no texto proposto para a interpretação textual.
401

Ainda nessa seção, buscamos verificar se nas situações em que houve


intervenção por parte das professoras, estas, ao invés de darem a resposta certa,
ignorarem, ou outras soluções já vistas, tinham a preocupação de criar uma
seqüência que levasse o aluno ao acerto. Como imaginávamos, já que esse tipo de
intervenção requer uma elaboração de seqüência mais refinada, a freqüência foi
baixa entre as escolas (3/2/7). É interessante destacar a escola C nessa empreitada.
Atribuímos esse número encontrado, entre outros aspectos, à articulação presente
entre as docentes, quanto à discussão do que e como ensinar, a partir das
especificidades de cada ano-ciclo.

Recorrendo à turma do terceiro ano da escola C, explicitamos, a seguir, o


trecho de uma aula em que pudemos identificar, através do uso do dicionário, a
tentativa da professora em assegurar a reflexão por parte de seus alunos:

(Professora Custódia, 3º ano, Escola C, 4ª Observação)

(...)
P – Como se escreve SIGNIFICADO?
A – ‘C I’.
A – ‘S I’.
P – Vamos ver se é com ‘CI’ ou ‘SI’.
Adalberto – Tia, qual é a diferença entre ‘TA’ e ‘DA’?
P – O som. O ‘CI’ e ‘SI’ depende da palavra. Olha, aqui é o grupo dos que
pensam e aqui os que copiam, é? (Referindo-se aos seus alunos). Vamos ver
‘SIGUI’ (pronúncia), “como se escreve ‘GUI’? Leia Adalberto: ‘CIQUINIFICA’,
olha, aí tá ‘QUI’. A mestra registrou no quadro: ‘CIQUINIFICA’,
‘SIQUINIFICADO’”
P – O que tá errado?
A – É com ‘S’.
P – Certo. Esse grupo vai procurar com ‘C’ e esse com ‘S’. Quem quiser, tem
aqui um, quer procurar? Na segunda-feira tragam, viu!
A – Achei o ‘SI’.
402

P – Agora vá pulando até achar o ‘G’. Quando chegar no ‘G’, vão para o ‘H’
para achar. Se não for de um jeito, é de outro. Onde é o ‘SI’? O ‘SI’ é aqui.
Passou o ‘G’. Se você não achou, é porque não tem essa palavra aqui.
11:26h – Continuaram procurando.
P – Já que vocês não acharam com ‘C’, procurem com ‘S’ agora. Achou ‘SI’,
agora ‘SIG’, não pode pular para o ‘I’ não. O que vem primeiro o ‘G’ ou o ‘I’?
A – Tia, SIGNIFICADO não tem ‘U’ não.
P – Vamos corrigir então (Félix registrou a palavra no quadro). “Pode circular
essa palavrinha. De lápis. Olhe, esse ‘GUI’ aqui ó, não é ‘GUI’. Olhe aqui,
dicionário serve para ler, para encontrar o significado das palavras”.

Eis um encaminhamento que possibilitou a busca reflexiva pela escrita


ortograficamente correta da palavra “significado”. Numa rede de interações, foi
possível refletirem coletivamente e chegarem a resposta esperada. Essa seqüência
de intervenções se relaciona à proposta desenvolvida por Goigoux (2002) quanto a
uma das possibilidades de reconhecer e identificar palavras. Aspectos vinculados ao
sistema de notação alfabética também foram priorizados, a exemplo da ordem
alfabética.

Um caso interessante ocorreu na turma da professora do terceiro ano da


escola A, na terceira observação. Após trabalhar um texto, realizou a compreensão
escrita e, por fim, algumas questões que enfocavam o sistema de notação
alfabética. Em uma delas, o educando teria que comparar as palavras “rumba,
samba, elefante e tromba” e escrever a maior delas. Ao retomar, a professora
procedeu da seguinte forma:

(Professora Áurea, 3º ano, Escola A, 3ª Observação)

A professora reescreveu: ‘RU’ com ‘M’ fica ‘RUM’ ‘BA’. “Quem sabe o que é
RUMBA?
A – Eu.
P – O que é?
403

A – Não sei.
P – É um ritmo. Assim como tem o samba. Aqui, ‘E’ e ‘LE’, ‘E LE FAN TE’, ‘SAM
BA’, ‘T R O M’, ‘T R O’ faz ‘TRO’ e ‘M’ som nasal, ‘TROMBA’. Qual é a palavra
maior? É ‘RUMBA, ELEFANTE, SAMBA ou TROMBA’? Qual é a maior?
A – ELEFANTE.
P – Por quê?
A – Porque ele é gordo.
P – Porque a palavra ELEFANTE é maior?
A1 – Porque tem mais letras.
P – Isso. Tem quantas letras?
A – Oito.
P – E TROMBA?
A – Seis.

Seguindo uma lógica de intervenções semelhante, a professora do primeiro


ano da escola C, na primeira observação, através de uma atividade já mencionada
nesse estudo, escreveu três palavras com letras maiúsculas de imprensa ‘gato,
jacaré e jaca’ e desenhou um ‘jacaré’ do lado. Vejamos o que aconteceu:

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 1ª Observação)

P – Agora vamos começar a atividade? Vamos lá. Todo mundo já fez o


cabeçalho. Qual é a primeira palavra: JACARÉ. Tem quantas sílabas?
A – Duas.
P – Vamos contar: ‘JA CA RÉ’, três.
Alunos – Três.
P – A gente já sabe que termina com ‘É’ e começa com?
A – ‘J’.
P – É com ‘G’ ou ‘J’?
A – ‘J’.
P – É a primeira?
Alunos – Não.
404

P – Eu não sei não, eu tenho dúvida. Deixa eu escrever aqui. É essa?


Alunos – É!
P – Olhe, tem gente dizendo que não é. Que é essa.
A – Aí é JATA. Não, GATO, GATO!
P – Aqui é ‘JA’.
Alunos – JA CA RÉ

Encaminhamento semelhante ocorreu na segunda observação daquela


mesma turma, quando ela fez um ditado diferente. Elencou uma lista de palavras
presentes nas músicas que vinha trabalhando no projeto sobre o frevo. À medida
que ditava, os alunos, coletivamente, localizavam as palavras e escreviam no
caderno. Uma delas foi a palavra ‘jacaré’:

(Professora Célia, 1º ano, Escola C, 2ª Observação)

(...)
P – Palavra quatro, JACARÉ.
A – ‘GA’.
P – ‘GA’? Tem gente dizendo que é essa? JACARÉ e tem gente dizendo que é
essa JOSÉ. JACARÉ tem quantas sílabas?
Alunos – Três.
P – Começa com que sílaba?
Alguns – ‘JA’’.
P – E a outra? A sílaba do meio? ‘CA’.
A – Mércia acertou.
(...)
405

Esses três últimos extratos de aula, sobretudo os da turma do primeiro ano


da escola C, revelaram uma estreita relação com o conceito de esquema profissional
trazido por Goigoux (2002) como sendo “uma forma organizada e estabilizada da
atividade docente para uma certa variedade de situações dirigidas a uma mesma
classe”. Conforme o autor, o esquema profissional é, ainda, “um instrumento
importante para descrever as aprendizagens profissionais dos professores”
(GOIGOUX, 2002). Através de situações bem articuladas como as que foram
elencadas, foi possível superar a concepção de que, explicitando a resposta ao
aprendiz, o professor estaria ajudando-o a avançar em seu aprendizado.

Como entender, então, a proposição de situações que limitavam o


aprendizado do aluno propostas por algumas professoras por nós acompanhadas?
De acordo com Goigoux (2002), os aspectos “esquema-situação” permitem
apreender os momentos críticos vividos pelos docentes no ato de ensinar, quando,
por vezes, se deparam com uma situação nova, complexa que, necessariamente,
impõe uma reorganização de seus esquemas profissionais.

Como pudemos apreender, em se tratando do tratamento do erro do


aprendiz, as intervenções ocorreram, na grande maioria, no âmbito coletivo se
comparado ao individual. Algumas das situações de correção no grande grupo
possibilitaram a reflexão, por parte dos educandos, entretanto, na maioria das vezes,
o objetivo pareceu estar centrado na exposição daqueles diante de seus pares.
Outro aspecto a ser ressaltado foi que a configuração das mesas e cadeiras na sala
de aula interferiu nas modalidades de intervenção adotadas pelas mestras, ou seja,
uma sala de aula com carteiras dificultava a intervenção individual. Do mesmo
modo, a natureza das atividades refletia significativamente nas intervenções
adotadas pelas mestras. As poucas vezes em que a leitura de textos foi realizada
pelos educandos, por exemplo, contou com a correção no grande grupo. Por outro
lado, as atividades que priorizaram o sistema de escrita alfabética propiciaram
intervenções coletivas, mas também, individuais.

Se por um lado, verificamos a correção do erro do aluno, por outro, as


tentativas para evitá-lo também estiveram presentes. Destacamos, também, que as
situações em que as mestras elaboraram uma seqüência de intervenções para levar
406

ao acerto foram menos freqüentes, encaminhamento que, do nosso ponto de vista,


ajudaria na superação do erro pelo aluno, de forma reflexiva.

5.1.5 Síntese das evidências relativas às escolhas “didáticas” e “pedagógicas”


e o tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens, ao longo do 1º
ciclo

Objetivando recapitular, brevemente, aspectos desse segundo bloco de


análises, retomaremos as principais evidências obtidas nas seções que trataram das
diferentes formas de agrupamento dos aprendizes em articulação com os eixos de
ensino de língua, as modalidades de cooperação observadas entre professora-
alunos, aluno-aluno, o atendimento à heterogeneidade das aprendizagens nas
atividades de língua portuguesa e, por fim, o tratamento dado ao erro do educando.

Entendemos que os temas daquelas seções se relacionam, diretamente,


com pressupostos defendidos pela proposta dos ciclos. Ensejando alcançar todos os
alunos, o ensino, nessa lógica, primaria por relações menos verticalizadas na sala
de aula, pela interação entre os pares, de modo a favorecer aprendizagens
significativas (MAINARDES, 2009a; 2009b; 2007a; 2007b; 2001; LÜDKE, 2001),
considerando, também, o erro como uma ferramenta privilegiada de intervenção e
aprendizado (PINTO, 2002; ASTOLFI, 2006), entre outros aspectos.

Passaremos, a partir de então, a enfocar nossos principais achados sobre


as formas de agrupamento adotadas pelas professoras, nas práticas com os eixos
de língua portuguesa considerados nesse estudo.188 Ao nos reportarmos à leitura de
textos, observamos que os alunos pouco foram desafiados a ler individualmente, no
conjunto das instituições, como já mencionado. A ausência dessa prática se
evidenciou ainda mais nos primeiros anos. Esse dado se distancia da concepção
defendida por Leal, Albuquerque e Morais (2006), quando sublinham a relevância
dos professores oportunizarem a seus alunos brincar de ler e escrever, mesmo sem
terem construído, ainda, a base alfabética de escrita. Em contrapartida, verificamos

188
Por vezes, tivemos a clareza de, na articulação dos eixos de análise, no segundo capítulo,
trazermos dados já declarados no primeiro. Entretanto, a intenção foi não mais analisar a progressão
das atividades por elas mesmas, mas na relação com aspectos que remetiam às decisões de ordem
“pedagógica”.
407

uma alta freqüência de leitura de texto realizada pela professora, tal como
enfatizamos no primeiro capítulo desse estudo. Resguardadas as especificidades de
cada turma, esse encaminhamento foi priorizado em todos os anos-ciclo.

Na contramão dessa perspectiva, Brandão e Leal (2005) destacam que


muitos conhecimentos e habilidades que envolvem as atividades de leitura e
produção textuais podem ser enfocadas antes mesmo dos aprendizes terem
construído a base alfabética de escrita.

Conforme observamos, não houve prioridade à leitura de textos envolvendo


todos os aprendizes ou parte deles. No primeiro caso, mais uma vez, se
sobressaíram as turmas de segundo ano da escola A e terceiro da escola B, cujas
práticas estavam ancoradas nesse eixo de ensino, embora com perspectivas de
encaminhamento distintas.

No que diz respeito à prática de compreensão textual, novamente


localizamos uma lacuna nas turmas de primeiro ano. Foram poucas as ocasiões em
que os alunos contaram com momentos de reflexão dos textos lidos. Somando-se a
esse dado, enfatizamos que, além de rara, essa atividade era marcada por uma
breve compreensão oral. No conjunto das turmas, pontuamos que esse trabalho se
limitava à localização de informações explícitas no texto, portanto, não se
constituíram em atividades desafiadoras aos aprendizes. Mesmo entre as turmas de
terceiro ano, etapa do ciclo em que contávamos com maior atenção a esse eixo de
ensino, não localizamos uma prioridade dada à prática de compreensão de textos.

Diferentemente do que encontramos quanto à leitura de textos, em se


tratando da compreensão textual, ao contrário, evidenciamos essa prática sendo
realizada, muitas vezes, apenas com a participação de uma parcela da turma.
Brandão (2006) alerta para a urgência em conceber a leitura e a compreensão como
objetos de ensino e de aprendizagem, já que, conforme a autora, não se
compreende um texto naturalmente. Não garantir que o conjunto dos aprendizes
participe das poucas atividades envolvendo compreensão leitora implicava, portanto,
não assegurar o ensino das competências envolvidas na compreensão de textos.

Um quadro semelhante verificou-se quanto à prática de produção de textos,


marcada pela ausência de sistematicidade. No âmbito individual se destacou,
apenas, a turma da professora do terceiro ano da escola B, que investiu nesse tipo
408

de atividade em sete das oito aulas por nós acompanhadas. É interessante notar
que na escola C, instituição a qual se distinguiu das demais pela dinâmica de
articulação entre as mestras, somente a do terceiro ano reservou, em três das oito
aulas, espaço para a produção textual individual. Curiosamente, sublinhamos que,
naquela turma, os educandos, em sua maioria, não estavam alfabetizados.

De acordo com nossos dados, a produção de textos nos pequenos grupos


ou no grande grupo não esteve na pauta de prioridades. Com raríssimas exceções,
essa atividade alcançou a participação de alguns aprendizes. De um modo geral,
essa atividade não contou com a intervenção das professoras, isto quer dizer que,
nos poucos momentos a que foram expostos à produção de textos, os aprendizes
viveram os desafios impostos, sozinhos, solitariamente! Além disso, ressaltamos
comandos difusos que pouco os ajudaram na compreensão e realização competente
da produção de textos.

Em contraposição ao que pontuamos até aqui, verificamos um aumento


significativo de atividades de ensino do sistema de notação alfabética, sendo
realizadas individualmente. Pudemos visualizar uma ausência de articulação dessas
atividades com o trabalho em duplas ou no grande grupo. Quando ocorriam fora do
âmbito individual, atingiam, em geral, uma parcela restrita da turma.

No conjunto das observações, apreendemos a existência de interações com


sentido cooperativo mais frequentemente nas turmas de primeiro e terceiro anos, ao
compararmos com as de segundo. Se por um lado, verificamos um espaço dado
pelas professoras às contribuições dos educandos com e sem dificuldades, por
outro, não registramos uma freqüência significativa de disputas entre eles por
participarem efetivamente das aulas.

Contrariando um princípio defendido na escolarização por ciclos, não


registramos, no universo das aulas acompanhadas, uma preocupação das
professoras em autorizar ou estimular a contribuição dos alunos mais avançados
aos colegas em dificuldades. Com isso, foram mais notórias as interações entre as
profissionais e seus alunos, ao considerarmos o alcance das trocas entre eles
próprios.

Observamos menor freqüência de um trabalho cooperativo nos segundo e


terceiro anos da escola C. Em relação à primeira turma, a mestra, em alguns
409

momentos, se antecipava aos alunos, fornecendo-lhes as respostas, ao invés de


criar alternativas de reflexão coletiva. Postula-se, assim, a falsa idéia de que se está
ajudando o aprendiz quando, na verdade, essas práticas têm sido ineficazes na
construção da autonomia do mesmo frente à construção do conhecimento.

Em geral, houve proximidade entre as diferentes turmas quanto ao espaço


dado aos alunos com real avanço no aprendizado e aqueles que tinham dificuldades
de participarem das aulas; apenas as professoras do primeiro e segundo anos da
escola A não tiveram essa postura. Entretanto, analisando os dados, visualizamos
uma baixa freqüência das disputas entre os aprendizes por participarem das aulas.
Se por um lado, acompanhavam a correção coletiva, por outro, esperavam a
resolução das tarefas pelas mestras.

Houve uma freqüência reduzida de ajuda prestada pelos alunos avançados


ao educandos em dificuldades, com o apoio da professora. Essa autorização trouxe
várias implicações: a oferta de uma resposta imediata, sem espaço para reflexão,
além da cópia imediata da resposta pelo colega. Do mesmo modo, houve ausência
de uma atitude sistemática, por parte dos aprendizes, em burlar as regras, a fim de
ajudar seu colega com dificuldades. Com isso, observamos uma não
homogeneidade quanto ao estímulo à cooperação, ao considerarmos as três
escolas.

A marcada presença de atividades realizadas no coletivo e individualmente -


nesse último caso, sem contar com intervenções das professoras -, comprometeu
um atendimento mais focado nas dificuldades individuais dos educandos, bem como
as trocas que poderiam ser estabelecidas entre eles. Entendemos que a ânsia por
garantir o controle da turma, assim como um suposto “bom aproveitamento do
tempo”, culminaram com a quase ausência de intervenções ajustadas aos diferentes
níveis, no âmbito individual. Essa opção, por outro lado, não parecia estar atrelada
ao planejamento, dado que, quando esse ocorria, indicava se limitar à escolha do
texto a ser lido.

Observamos algumas atividades diversificadas, no entanto, no universo dos


72 turnos de aulas observados, consideramos tímido o investimento nessa prática.
Em conformidade com dados apresentados, não identificamos diferenças
significativas entre as intervenções dirigidas aos grupos com e sem dificuldades de
410

aprendizagem. Como já dito, tal ausência parece ligada à falta de planejamento


prévio, minimamente detalhado, do que seria feito a cada dia.

Recuperando a análise das atividades diversificadas, registramos uma baixa


freqüência tanto daquelas que, em princípio, seriam desafiadoras para alunos com
desempenho mediano como daquelas que eram propostas distintas ajustadas aos
diferentes níveis. Também foi muito infrequente a atribuição da mesma tarefa com
ajustes às diferentes demandas de aprendizagem. Embora esteja muito longe de se
constituir numa prática sistemática, computamos maior número dessas atividades
entre os primeiros anos. Julgamos que o desaparecimento, ao longo do ciclo,
poderia se explicar a partir das expectativas que as profissionais teriam na mudança
para o outro ciclo. De qualquer modo, fica evidente que esta não seria uma didática
que respeitasse as diferenças de ritmos e saberes dos educandos.

Entendemos que não basta defender um ensino que, no âmbito do discurso,


priorize o atendimento às diferentes demandas de aprendizagem, mas, sim, praticar
um ensino que assegure o avanço do aprendiz no interior do ciclo. Nesse contexto,
vale a pena trazer para esse debate a alternativa do “reforço” (CERTEAU, 1994;
1985; FERREIRA, 2003) adotado pelas professoras da escola C, no intento de
reduzir as dificuldades dos aprendizes em leitura e escrita e assegurar a promoção
dos mesmos. Conforme assinalamos, as mestras dessa instituição, num
determinado momento do segundo semestre, organizavam seus alunos em grupos,
elaboravam uma “escala” semanal de modo a continuar trabalhando com um grupo
reduzido, uma hora antes do término da aula, de acordo com suas dificuldades.
Essa tática, que revelava cuidado em atender aos alunos mais necessitados,
reproduzia, evidentemente, os históricos princípios de homogeneização dos regimes
seriados.

Ao examinarmos o tratamento dado ao erro do aprendiz, apontamos que, na


maioria das vezes, a correção do mesmo ocorria no grande grupo: seja para otimizar
o tempo, seja para expor aqueles mais “lentos”. Como a correção tendia a ser
assumida, em muitas turmas, pelas mestras, o tratamento coletivo de um erro
individual deixava de se prestar para que outros alunos que tivessem dúvidas
semelhantes, pudessem se beneficiar do exame do erro, tal como proposto por
Goigoux (2002) e Cèbe e Goigoux (2003).
411

Embora pouco freqüentes, as iniciativas de tratamento individual dos erros


não se apresentaram uniformemente nos anos-ciclo ou escolas. Em geral, as turmas
que contaram com intervenções individuais em maior número foram os primeiros e
terceiros anos. Nessas últimas turmas, se sobressaíram as escolas A e C, cujos
alunos careciam de maior acompanhamento individual.

Observamos, como dado mais amplo, uma presença marcante da


perspectiva resolutiva do erro, ou seja, pouco se refletia sobre suas características.
Tratando desse assunto, Goigoux (2002) indica que um desafio posto por sua
pesquisa sobre boas práticas de ensino de leitura é aprofundar o exame de como o
direcionamento do professor pode facilitar o processo de interiorização pelo
aprendiz, de modo a que este possa, autonomamente, expressar seu aprendizado
na prática de leitura, de maneira ordenada.

Cremos que o mesmo se aplica a outros eixos de ensino de língua.


Concordamos com aquele autor quanto a tornar, em algumas situações, o erro do
aluno objeto de reflexão coletiva, considerando que nem sempre é possível seguir
com as intervenções individuais, dado o número de alunos por turma. Essa seria
uma alternativa de intervenção que possibilitaria, quando bem conduzida, momentos
ricos de reflexão e superação de erros.

A respeito das intervenções por nós observadas, cremos que a ausência de


planejamento, de seqüências didáticas claras, que se antecipem ao aprendiz, assim
como às etapas previstas para a realização da tarefa (GOIGOUX, 2002) parecem
ser, também, fatores impeditivos para intervenções mais significativas no
aprendizado das crianças.

Encontramos uma baixa freqüência quanto à busca por “táticas” didáticas


que objetivassem evitar o erro pelo aprendiz. Houve, em contrapartida, quem criasse
situações provocando o erro. Nesses casos, não localizamos uma preocupação com
a reflexão individual e coletiva, mas uma postura de exposição dos alunos que
cometiam erros frente à turma. As tentativas realizadas por algumas professoras,
objetivando evitar o erro, indicavam impedir uma maior reflexão sobre o que estava
sendo estudado. É interessante notar que, ao contrário do que verificamos quanto à
correção individual do erro (predominância dos primeiros anos), em se tratando das
“táticas” para evitá-lo, a maior freqüência ficou com as turmas de segundo e terceiro
anos. Parecia ser preciso errar menos para assegurar a promoção no ciclo.
412

Contando com uma freqüência um pouco mais alta, a devolução da


pergunta ao aluno no coletivo não assegurou as respostas, nem tampouco a
reflexão pelos educandos. É oportuno ressaltar que encontramos um número maior
desses casos nas turmas de terceiro ano das escolas A e C, contextos em que os
alunos precisavam, nitidamente, de maior espaço para intervenções individuais.

Entre outros aspectos contemplados nessa seção, buscamos apreender se


as professoras vinham elaborando seqüências didáticas (com o espírito de
“andaimes”) para levar o aluno ao acerto. Nossos dados apontaram para um tímido
investimento, nessa perspectiva. Raríssimos foram os momentos em que os
aprendizes foram expostos a esse tipo de ensino. Essa alternativa, em nossa
compreensão, requer um inevitável planejamento do ensino e, por essa razão,
justificar-se-ia a maior freqüência na escola C, instituição que, no rol das três
escolas, revelava maior discussão entre as mestras quanto aos encaminhamentos,
conhecimentos e modos de intervenção a serem adotados.

Reiteramos, com base em nossos dados, a urgência em, diante de uma


nova lógica de organização do ensino, a qual vinha impondo novos desafios (cf.
MAINARDES, 2007a; 2007b; 2009a; 2009b; 2001), avançar na perspectiva de uma
reforma curricular, de mudanças na formação de professores, que priorize uma
profunda discussão acerca das distintas implicações que as escolhas “didáticas” e
“pedagógicas” trazem para o ensino e o aprendizado dos educandos que, no âmbito
dos discursos, passaram a ser reconhecidos como diferentes.

Seguiremos apontando nossas considerações finais.


413

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir o estudo realizado no curso de mestrado (OLIVEIRA, 2004),


apontamos a relevância de prosseguir com pesquisas que analisassem as
implicações da proposta dos ciclos na prática pedagógica. Diante desse anseio, nos
propusemos a, diferentemente de nosso enfoque prévio, centrado na apreensão das
mudanças nas práticas de ensino e de avaliação de professoras que atuavam no 1º
ciclo, analisar, na presente pesquisa, a existência de uma progressão (ou não) das
atividades de língua portuguesa no interior daquele ciclo, tendo como referencial
primeiro a prática docente. Na esteira dessas mudanças que vinham ocorrendo no
âmbito da prática pedagógica, buscamos examinar que escolhas “didáticas” e
“pedagógicas” (CHARTIER, 2000) passaram a ancorar o fazer do professor no “ciclo
414

de alfabetização”.189 Essas escolhas, em nossa compreensão, remetiam a outros


aspectos priorizados na proposta dos ciclos, dentre os quais nos detivemos em dois:
o tratamento dado à heterogeneidade das aprendizagens e ao erro do aprendiz.

Decidimos por priorizar a análise das atividades de língua portuguesa, num


primeiro momento, baseando-nos em alguns eixos de ensino, nessa área. Em
continuidade, optamos por trazer para o debate aspectos mais amplos da prática
pedagógica, vinculados ao que Chartier (2000) aponta como mudanças de natureza
pedagógica. Admitimos que não era teoricamente adequado desarticular as análises
ancoradas nas mudanças de natureza didática e pedagógica, entretanto, dirigimos
esforços para explicitar algumas das especificidades desses eixos. No bojo dessas
questões, buscamos entender, sob a ótica da prática pedagógica, as alternativas de
que as docentes vinham lançando mão, nas aulas de língua portuguesa, para
atender às diferentes demandas de seu cotidiano, assim como o tratamento, os
modos de intervenção adotados diante dos erros cometidos pelos aprendizes nas
atividades propostas.

Ao analisarmos, especificamente, a progressão das atividades de língua


sugeridas nas práticas das três instituições pesquisadas, dos três anos-ciclo,
observamos, de um modo geral, a ausência de uma clareza quanto ao que priorizar
em cada um deles. Mesmo na instituição em que a prática das professoras tendia a
ter uma maior articulação, calcada na troca de sugestões e planejamentos (cf.
CHARTIER, 2002; 1998), essa progressão não foi vista. Várias alternativas estavam
concorrendo nas escolhas e encaminhamentos didáticos das mestras. Ora elas
apontavam dificuldades quanto ao ensino de alguns objetos do saber, ora afirmavam
desconhecê-los por completo. Esse dado, em nossa concepção, revelou sérias
implicações no ensino e no aprendizado dos educandos. Duas professoras
chegaram a declarar, explicitamente, que prejudicaram, ao longo do ano, o grupo de
alunos mais avançados, já que organizaram seu ensino priorizando aqueles que
demonstravam nítidas dificuldades de aprendizagem.

Na contramão do que fora posto anteriormente, a maioria das atividades e


encaminhamentos propostos pelas professoras, acabou por contribuir com o avanço
daqueles educandos que já estavam em “vantagem” no aprendizado. Predominaram

189
Nomenclatura corrente no documento produzido pela Secretaria Municipal de Ensino de Recife
(PCR, 2002).
415

as atividades coletivas e individuais, com baixa freqüência de intervenções


individuais. Pudemos verificar que o curto intervalo entre algumas tarefas propostas,
bem como a antecipação das respostas pelas professoras, revelavam um ensino
pouco desafiador aos aprendizes. Talvez por essa razão, muitos deles tenham
aguardado a correção coletiva, a fim de copiarem as respostas. Esse dado se
distancia da concepção apontada por Cunha (2007) a respeito da importância da
articulação entre as atividades propostas, o modo de proceder do professor e o
atendimento dado à heterogeneidade das aprendizagens. Nesse caso por nós
destacado, o encaminhamento resultou na ausência de atendimento aos diferentes
ritmos de aprendizagem. Ainda nos remetendo a Cunha (2007), a autora enfatizou o
quanto as professoras que compuseram sua amostra revelaram dificuldades no
atendimento dos diferentes ritmos de aprendizagem em suas classes (1º e 2º ciclos).
Reiteramos, a partir desse quadro descrito, que não basta garantir um ensino que
priorize o atendimento da heterogeneidade. Precisamos assegurar o avanço do
aluno no interior do ciclo.

A despeito dessas limitações, reconhecemos que os ciclos vêm impondo


mudanças nas políticas de formação inicial e continuada e que, necessariamente,
para consolidarmos um avanço nas práticas pedagógicas, reformulações no
currículo fazem-se necessárias. Nesse ponto, ressaltamos a necessidade de um
atendimento à diversidade que considere o coletivo da sala de aula, assim como o
atendimento nos pequenos grupos. Nesse último caso, os projetos “alternativos de
reforço”, mencionados nesse estudo (“Mais” e “Professor Alfabetizador”), em nossa
compreensão, se prestavam a essa prática de acompanhamento mais específico.
Acreditamos que, se articulados ao trabalho do professor, esses projetos podem
favorecer uma avanço significativo no aprendizado das crianças, sobretudo se
considerarmos a evidente dificuldade que as mestras revelavam de propor
atividades diferenciadas para seus alunos que tinham distintos ritmos e
conhecimentos.

Retomando a proposição de tarefas pelas mestras, sublinhamos que a


freqüente pressa com que certas atividades eram conduzidas parecia funcionar
como um verdadeiro esquema (GOIGOUX, 2002) de exclusão, um mecanismo que,
mesmo não praticado conscientemente, impedia que boa parte dos alunos de cada
turma pudesse, de modo efetivo, se implicar nas atividades propostas pelas mestras.
416

A “opção” por esperar para copiar as respostas corretas, mostra o quanto os alunos
excluídos buscavam uma tática de sobrevivência. Esse dado, conforme Pinto (2002),
não contribuiria para um conhecimento dos percursos cognitivos dos alunos, bem
como para um planejamento de seqüências didáticas que viabilizassem um avanço
significativo em seu aprendizado.

Uma experiência que observamos e que merece ser retomada, foi a prática
do “reforço” desenvolvido na escola C. Por reconhecerem as dificuldades
enfrentadas pelos aprendizes, o grupo de professoras dessa escola resolveu adotar
um reforço realizado sempre no segundo semestre. As mestras inseriam os alunos
em grupos que consideravam próximos quanto às aprendizagens construídas e,
através de uma organização semanal, desenvolviam um trabalho diferenciado com
esses alunos, uma hora antes do término da aula. Essa alternativa que foi adotada
pelos sujeitos da escola, não se constituía, portanto, numa medida oficial. Em
consonância com o que ressaltamos, ao longo do estudo, as professoras dessa
escola se destacaram por desenvolverem atividades com certo grau de articulação.
Considerando o conjunto das instituições, foi possível, nessa escola, vislumbrar
avanços no ensino e na aprendizagem dos alunos, a partir de alguns aspectos (em
comum) que norteavam as práticas dessas mestras.

Ressaltamos, ainda, no conjunto de nossas evidências, que a ausência de


uma prática sistemática de planejamento, de uma seleção prévia do material a ser
utilizado na sala de aula (LEAL, 2009), indicou o quanto o ensino e o atendimento da
heterogeneidade no ciclo precisavam avançar. Conforme assinalamos em nossas
análises, a procura por outros materiais impressos, a “improvisação” presente em
muitas aulas, demonstrava não só a presença de um ensino de alfabetização
“assistemático”, como uma baixa expectativa na aprendizagem dos alunos, ao longo
do 1º ciclo.

Cremos que a não existência, na ocasião da pesquisa, de um currículo que


clarificasse as competências a serem desenvolvidas em cada ano-ciclo contribuiu,
claramente, para algumas disparidades nas realidades por nós observadas.
Enquanto alguns alunos do segundo ano estavam escrevendo alfabeticamente
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1985), presenciamos, entre as turmas do terceiro ano, a
grande maioria sem ter construído a base alfabética de escrita.
417

Ao tentar articular as atividades de leitura, compreensão, produção de


textos e aquelas voltadas ao sistema de notação alfabética (SOARES, 2003a;
2003b; TFOUNI, 2006; LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006), verificamos total
ausência de progressão, conforme assinalamos. Chamou-nos a atenção o
depoimento de uma das professoras do terceiro ano, ao enfatizar sua dificuldade de
desenvolver uma prática sistemática de produção de textos com seus alunos.
Segundo ela, além do perfil deles criar limites (apresentavam nítidas dificuldades na
escrita), seria preciso “preparar-se” para o ensino desse objeto de conhecimento.
Com isso, reconhecemos que havia, por um lado, uma defesa da perspectiva de
alfabetizar letrando (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006), por outro, uma
presente dificuldade em inserir os alunos, autonomamente, nas práticas de leitura e
escrita, já que, em muitas ocasiões, a exemplo da leitura de textos, as mestras
assumiam e monopolizavam a realização das atividades.

É oportuno apontar, no rol daquelas atividades, a predominância daquelas


cujo enfoque era a escrita alfabética, entre as turmas de primeiro ano, e, em alguns
casos, nas turmas de terceiro. Já as tarefas de compreensão e produção textuais
foram priorizadas nas turmas de segundo e terceiro anos. Essa evidência nos levou
a inferir que, de um modo geral, os alunos, embora contassem com a presença de
textos na sala de aula, eram expostos, inicialmente, à construção do sistema
alfabético para, só então, praticarem a leitura e produção textuais. Curioso foi o lugar
assumido pelo segundo ano: em alguns aspectos esse se aproximava do ensino
realizado nos terceiros anos; em outros, ao contrário, se assemelhava aos primeiros,
indicando, claramente, uma posição de transitoriedade no ciclo.

No conjunto das práticas, chamou-nos a atenção, ainda, o que poderíamos


denominar de “progressão equivocada”, ilustrada pelo encaminhamento adotado
pela professora do segundo ano da escola B. Como vimos sublinhando, ao longo
desse trabalho, sua prática esteve ancorada, no segundo semestre, na reescrita
coletiva de contos. Conforme fora enfatizado, essa atividade alcançava uma parcela
restrita do grupo-classe. Diante desse cenário, em uma das aulas, a professora
declarou que os alunos já tinham “ultrapassado mais um degrau” e que, por isso, já
seriam capazes de escrever sozinhos. O resultado das produções não conferiu o
declarado por ela. Parecia haver uma expectativa quanto à transposição do que
418

vinha sendo, essencialmente, uma prática de reescrita oral para a escrita de textos,
desconsiderando, em nossa compreensão, as especificidades dessas modalidades.

Ainda nos reportando à “progressão”, nos deparamos com um quadro que é


oportuno trazer para a discussão: enquanto a professora acima referida admitiu ter
priorizado aspectos do sistema de notação alfabética no primeiro semestre, embora
reconhecendo ter sido essa uma escolha impensada, e, do mesmo modo, assumido
o compromisso em enfocar a reescrita de textos, no segundo, a professora do
terceiro ano da escola C insistiu na leitura e até em momentos de produção textuais
com seus alunos que, majoritariamente, não estavam alfabetizados, e, já no final do
ano letivo, demonstrou ansiedade por priorizar, nas atividades propostas, o ensino
do sistema de notação alfabética.

Retomamos os exemplos acima para expressar, a partir de situações reais


da prática pedagógica, o quanto precisamos avançar rumo a um currículo que
priorize os saberes das mais diferentes áreas do conhecimento a serem enfocados
em cada etapa escolar (OLIVEIRA, 2004). Caso contrário, continuaremos a criar
situações como essas, reveladoras do quanto a materialização dessa progressão
das atividades de ensino e aprendizagem está distante.

Conforme ressaltamos, na ocasião em que a presente pesquisa foi


desenvolvida, os professores contavam com uma proposta curricular que pouco
vinha ajudando-os a organizar seu ensino, no que concerne às expectativas de
aprendizagem para cada ano-ciclo. Retomamos esse aspecto, já que entendemos
que as contradições localizadas entre as estratégias oficiais e as táticas fabricadas
no interior das práticas, parecia revelar, entre outras coisas, a fragilidade daquela
proposta pedagógica quanto aos saberes a serem construídos em cada etapa do
ciclo. Acoplada a essa inferência, recorremos ao que Chartier (1998) sinaliza quanto
às especificidades do fazer docente, razão pela qual as professoras vinham
buscando alternativas didáticas “materializáveis” na prática.

Exatamente nesse ponto gostaríamos de chamar a atenção para a ausência


de discussões, por parte daqueles que elaboram o discurso das estratégias
(CERTEAU, 1994), acerca das inovações impostas pela proposta dos ciclos em
articulação com as diferentes áreas do saber. O que pudemos observar, no
momento em que esse estudo foi desenvolvido, foi a ausência de uma formação
continuada que privilegiasse essa articulação, por nós proposta, acerca dos ciclos,
419

no intuito de atender às diferentes demandas de aprendizagem e a apropriação dos


conhecimentos previstos para cada etapa do ciclo. Talvez por isso, ao observarmos
os dados descritos pelas mestras sobre os anos de atuação em classes de
alfabetização, tenhamos nos confrontado com um leque heterogêneo de
concepções: por um lado houve quem admitisse que o 1º e 2º ciclos, conforme a
rede municipal de ensino de Recife, eram destinados à alfabetização, por outro,
quem declarasse ser o 1º ciclo.

Ainda nos reportando a esse cenário complexo de apropriações e


fabricações das práticas pedagógicas (ALBUQUERQUE, 2002; FERREIRA, 2005),
lembramos do depoimento de uma das diretoras que, na ocasião do mestrado,
contribuiu com nossa pesquisa como professora. Segundo aquela profissional, no
contexto em que os ciclos foram (re)implantados na rede municipal de ensino de
Recife (a partir de 2001), os professores, em sua concepção, ficaram
desestabilizados quanto ao modo de conduzir o ensino e a avaliação da
aprendizagem. Entretanto, em continuidade ao seu depoimento, afirmou,
claramente, que algo havia mudado, já que os docentes pareciam não mais estar
naquela “efervescência” de pensar o ensino na lógica dos ciclos, ou seja, indicavam
ter encontrado alternativas de articulação entre o sistema seriado e o organizado por
ciclos. Para além disso, nossos dados apontaram para buscas, alternativas distintas,
adotadas pelas mestras, a fim de alcançar bons resultados a partir de seu cotidiano.
Entretanto, vislumbramos claras limitações no ensino e no aprendizado dos alunos,
como vimos discutindo.

Uma das dificuldades encontradas, no rol das práticas, conforme nossos


dados apontaram, foi praticar um ensino ajustado às diferentes demandas de
aprendizagem. Reiteramos que a ausência de uma prática sistemática de
planejamento, em nossa compreensão, desencadeou limites evidentes para o
atendimento à heterogeneidade. No conjunto das práticas, destacaram-se duas
professoras de primeiro ano que, em alguns momentos, propuseram atividades
diversificadas ajustadas às diferentes hipóteses de escrita de seus alunos.
Chamamos atenção para essas práticas, dado que as tarefas sugeridas foram
desafiadoras, contribuindo, significativamente, para o avanço do aprendizado dos
alunos.
420

É importante afirmar que essas duas professoras tinham longa experiência


com classes de alfabetização. As tentativas de inserção dos aprendizes nas
atividades e o esforço em elaborar tarefas ajustadas aos diferentes níveis
sinalizaram para uma articulação entre os resultados alcançados e as características
anteriormente realçadas. Em contrapartida, observamos professoras que, apesar de
terem uma longa atuação como alfabetizadoras, não conseguiam enfrentar o
atendimento da heterogeneidade, em suas salas. Não haveria uma relação de causa
e efeito vinculada ao tempo de atuação docente, dado que, em nossa amostra,
encontramos professoras que, apesar da pouca experiência em turmas do 1º ciclo,
se empenhavam na proposição de atividades que atendessem ao universo
diversificado de suas turmas.

Pensando nas modalidades de cooperação, aspecto defendido numa


escolarização por ciclos, observamos que as interações ocorreram, sobretudo, entre
as professoras e os alunos. De um modo geral, as mestras pouco oportunizaram
que os alunos mais avançados contribuíssem com seus colegas em dificuldades.
Felizmente, em alguns momentos das aulas, os próprios educandos, burlando as
regras impostas pelas professoras (PERRENOUD, 1994), ajudavam-se entre si.

Quanto às diferentes posturas docentes frente aos erros dos educandos,


sublinhamos que, em geral, houve uma baixa freqüência de busca por
“encaminhamentos” didáticos que objetivassem evitar o erro pelo aprendiz. Houve,
em contrapartida, quem o provocasse. Pareceu-nos que havia uma expectativa de
que “era preciso errar menos”, sobretudo nos segundos e terceiros anos, para
assegurar a promoção no ciclo. Nessa mesma direção, observamos que a iniciativa
de devolver a pergunta ao aluno no coletivo foi priorizada, todavia, não se
assegurava as respostas, nem a reflexão por parte dos aprendizes.

Por fim, ao destacamos que a alta freqüência de uma oferta de resposta


imediata se constituía, em nossa compreensão, numa opção que pouco vinha
auxiliando os educandos a refletirem sobre a natureza de seus erros, como
tampouco ampliava as possibilidades de acertos em outros contextos. Essa
concepção se distancia do proposto por Darsie (1996) e Pinto (2002) quanto às
implicações das intervenções frente ao erro do aprendiz. De um modo geral, foram
raríssimos os momentos em que os alunos puderam contar com seqüências de
intervenção (na perspectiva de “andaimes”) que os ajudassem a avançar.
421

Nossos dados apontaram para uma baixíssima expectativa em relação ao


que os educandos deviam ser capazes de fazer com a escrita, ao final de três anos
de escolarização. Parecia haver certa tranqüilidade, entre muitos dos profissionais
envolvidos no ato educacional, com o dado de que, após três anos na escola, os
educandos soubessem tão pouco.

Ao fechar nossas considerações, destacamos que não parece coerente


defender o processo de alfabetização numa perspectiva para o letramento e
continuar desenvolvendo um ensino que não articule as atividades de leitura,
compreensão e produção textuais com a escrita alfabética (LEAL; ALBUQUERQUE;
MORAIS, 2006; SOARES, 2003a; 2003b; 1998). Por outro lado, a compreensão do
que se deve priorizar em cada etapa do ciclo permitirá enfocar aqueles eixos,
priorizando determinados conhecimentos que precisam ser consolidados.

Pensamos que a escolarização por ciclos pode contribuir para o avanço das
práticas docentes, na medida em que impõe mudanças, reflexões que remetem
tanto aos conteúdos escolares quanto às formas de organização do trabalho
realizado em sala de aula. Nesse âmbito, se inserem, fundamentalmente, as
questões vinculadas ao tratamento da heterogeneidade e do erro do aluno. Esses
aspectos remetem, sem dúvida, a um bom planejamento de ensino, que garanta
boas intervenções didático-pedagógicas, de modo a concretizar os objetivos a serem
alcançados (LEAL, 2009).

Sublinhamos, por fim, que, embora haja um amplo debate e investimento


em pesquisas sobre ciclos, no Brasil, observamos que o exame das práticas
docentes efetivamente realizadas ainda não vem ganhando centralidade na mesma
proporção. Não objetivamos, pela própria natureza desse estudo, estabelecer
generalizações, mas entendemos que foi possível apreender aspectos importantes
da prática pedagógica, os quais sinalizam para uma urgente reformulação curricular,
que priorize os saberes das diferentes áreas de conhecimento em articulação com
as etapas escolares.

Apostamos no desenvolvimento de pesquisas que continuem contribuindo


para esse debate específico, tomando por base não somente os diferentes
documentos curriculares, mas a prática docente materializada, por exemplo, nos
cadernos escolares. Cremos que materiais como esses nos auxiliam a compreender
melhor a lógica que vem regendo as práticas pedagógicas, no que se refere à
422

progressão dos saberes no ciclo. Por que enfatizamos isso? Ao defendermos uma
mudança nos currículos, não entendemos que esse processo deva ocorrer
ignorando-se as especificidades da prática do professor.

Entendemos que a reforma no currículo deve vir acompanhada de uma


política de formação inicial e continuada que priorize a discussão de práticas que
vêm articulando o ensino dos diferentes objetos do saber à heterogeneidade das
aprendizagens. Seria pertinente, em nossa compreensão, investir nessa perspectiva,
a fim de analisar a progressão no ciclo, a partir de um currículo que contemple a
clareza das competências a serem ensinadas em cada área do saber. Apostamos,
ainda, em estudos que aprofundem o debate acerca das implicações daqueles
“programas alternativos” (a exemplo do MAIS – “Movimento das Aprendizagens
Interativas” e “Professor Alfabetizador”), surgidos, sobretudo, no contexto dos ciclos,
não só para examinar seus efeitos no aprendizado dos alunos, mas para examinar
sua articulação com a prática docente regular.

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VILLAR, A. P. R. A prática avaliativa em uma organização escolar por ciclos de


aprendizagem. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação)-Centro de Educação,
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009.

VIANNA, H. M. Pesquisa em educação: a observação. Brasília: Líber Livro Editora,


2007.

WELLS, G. Story reading and the development of symbolic skills. In: WELLS, G.
(Org.). Language, learning and education. [S.l]: University of Bristol, 1982. p. 187-
201.
433

APÊNDICES

APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA E DE OBSERVAÇÃO

Ciclo e ensino de língua portuguesa

1. Levando em consideração os diferentes ritmos de aprendizagem, como você se


organiza nas aulas de língua? Que atividades de língua portuguesa costuma
trabalhar na sua sala de aula? De que modo as articula?
434

2. Quais os encaminhamentos didáticos adotados na área de língua para os


aprendizes se apropriarem do Sistema de Notação Alfabética?

ƒ No 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo.

3. Como você costuma realizar as atividades voltadas à construção da escrita


alfabética na sua sala de aula considerando os eixos: leitura e produção de textos?

4. Na sua opinião, quais os conhecimentos (competências) na área de língua que os


alunos devem construir no 1º ciclo do Ensino Fundamental?

ƒ Especificamente no 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo.

Ciclo: avaliação, heterogeneidade e planejamento

5. Quais as formas de avaliar na sua prática no 1º ciclo em língua portuguesa?

ƒ Como vocês avaliam no 1º ano, no 2º e no 3º?

6. O que você costuma registrar? Como você registra? Quando registra? Você acha
que o tipo de registro realizado está ajudando na organização de seu trabalho e na
condução das atividades em sala de aula? O registro feito tem ajudado no processo
de aprendizagem dos alunos? Há diferenças em relação às formas de registro no 1º,
2º e 3º anos do 1º ciclo? Quais? As formas de registrar permitem ajudar na
(re)orientação do ensino e, conseqüentemente, no atendimento à diversidade?

7. Existe algum “material didático” que lhe ajuda na organização e condução das
aulas de língua portuguesa? Qual(is)? De que modo esses materiais interferem na
organização de seu trabalho em sala de aula? Você usa o livro didático? Com que
freqüência? Para quê? O que acha do LD adotado? Você participou da escolha?

8. Sempre existe heterogeneidade no rendimento dos alunos. A que você atribui as


diferenças existentes no processo de aprendizagem?

ƒ Como você lida com as diferenças na sala de aula?

9. Você atuou com outras turmas de 1º ciclo? Havia algo diferente na maneira de
ensinar e de avaliar?

10. Quando os alunos erram, o que você faz?


435

11. Você sente ou não diferenças dentro do regime de ciclos de aprendizagem em


relação ao tempo escolar (o tempo que é dado para o aluno aprender, para o
professor dar conta do que lhe é exigido) e o tempo do aluno? (que não
necessariamente coincide com o tempo escolar).

ƒ No 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo.

12. Como se dá a passagem dos alunos de um ano para outro? Você concorda com
a posição da rede? Por quê?

ƒ Há diferenças em relação ao 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo?

13. Existem alternativas, dentro do regime de ciclos da rede municipal de ensino de


Recife, para atender aos alunos com dificuldades de aprendizagem?

Caso haja algum trabalho nessa direção,

Quais os critérios adotados, na seleção dos alunos, para esse trabalho diferenciado
no interior da escola que você trabalha? Você tem autonomia pra selecionar? Como
se dá o processo?

Como você se organiza com a professora-estagiária nesse trabalho de atendimento


ao aluno? Há alguma articulação do seu trabalho com o da professora-estagiária?
De que modo ocorre essa “parceria”?

14. Como você avalia esses seis anos de implantação dos ciclos na Prefeitura de
Recife? Mudou algo? Positiva ou negativamente? Existem diferenças em relação à
organização por série? Quais? Você acha que a criação do regime de ciclos mudou
algo na forma de ensinar? E na forma de avaliar? Por que sim? Por que não?

15. O que você sugeriria, consideraria importante, para a avaliação funcionar bem
num sistema de ciclos?

Ciclo, escola e organização do trabalho pedagógico

16. Na sua escola, como você avalia a atuação do coordenador(a)? Existe um


acompanhamento sistemático do coordenador(a) junto ao professor?
Particularmente, você tem a ajuda direta dele(a)? Como ocorre esse trabalho?
436

17. Qual(is) a(s) finalidade(s) do conselho de ciclo? Como você se organiza para
essa reunião na sua escola?

18. Além do conselho de ciclo, existe espaço em sua escola pra outras reuniões? Se
há, com que freqüência ocorrem? O que costumam discutir? Você considera esses
momentos importantes para discutir aspectos relacionados ao ensino, à avaliação,
além de outras questões da prática pedagógica?

19. No contexto da escola em que você trabalha, existe oportunidade de troca com
as colegas? (concepções, materiais, etc).

APÊNDICE B - TABELAS COM TODOS OS EIXOS ANALISADOS NO CAPÍTULO


III, CONFORME ANOS-CICLO

Tabela 1: Freqüência Absoluta de Atividades de Rotina Pedagógica, nas nove turmas


observadas

Atividades de Rotina (Escolas A, B e C)

Categorias 1ºs, 2ºs e 3ºs anos

1ºA 1º B 1º C T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG

1- Oração 7 5 8 20 8 1 8 17 7 1 8 16 53
2- Escuta de música ou
canto 8 7 8 23 1 0 8 9 8 1 8 17 49
3- Chamada na
caderneta 8 3 1 12 8 0 1 9 4 7 4 15 36
4- Calendário
(checagem de data, 0 3 6 9 1 0 8 9 1 1 5 7 25
437

mês, ano)

5- Contagem de alunos 0 1 2 3 2 0 1 3 1 0 4 5 11
6- Escrita do
cabeçalho 8 0 4 12 8 5 7 20 8 5 6 19 51

7- Lanche 8 8 8 24 8 8 8 24 8 8 8 24 72

8- Recreio 8 8 8 24 8 8 6 22 8 8 7 23 69

9- Roda de conversa 0 4 3 7 0 0 2 2 1 0 1 2 11
10- Brincadeira, jogo,
desenho, pintura 9 7 5 21 8 8 4 20 7 5 8 20 61
11- Registro de tarefa
para casa 6 1 1 8 3 3 2 8 5 1 5 11 27
12- Correção de tarefa
de casa 2 0 3 5 0 0 0 0 1 3 1 5 10

13- Tarefa de classe 12 8 7 27 10 8 9 27 8 10 7 25 79


14- Correção de tarefa
de classe 11 13 9 33 14 7 14 35 15 15 14 44 112

Total Geral 87 68 73 228 79 48 78 205 82 65 86 233 666

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 2: Freqüência Absoluta de Atividades de leitura de textos e enunciados, nas nove


turmas observadas

Atividades de Leitura de textos

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG
1- Leitura de texto pela
mestra 7 3 8 18 9 7 5 21 5 5 5 15 54

2- Leitura de texto pelo aluno 2 1 1 4 6 1 0 7 3 4 5 12 23


3- Leitura de texto coletiva
(com condução da mestra) 1 1 2 4 6 3 1 10 3 8 4 15 29
4- Leitura de texto coletiva
(sem condução da mestra) 0 1 0 1 0 0 1 1 0 3 0 3 5

5- Leitura silenciosa 1 1 0 2 6 0 2 8 0 2 2 4 14
438

6- Leitura livre 1 1 0 2 3 0 1 4 0 0 0 0 6
7- Leitura de enunciados
pela mestra 3 1 2 6 7 1 5 13 7 6 5 18 37
8- Leitura de enunciados
pelo aluno 3 0 0 3 1 0 1 2 3 2 2 7 12
9- Leitura coletiva de
enunciados 0 0 0 0 0 1 1 2 1 3 2 6 8

Total Geral 18 9 13 40 38 13 17 68 22 33 25 80 188

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 3: Freqüência Absoluta de Atividades de compreensão textual, nas nove turmas


observadas

Atividades de Compreensão Textual

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG
1- (re)conto de texto "história"
pela professora 2 3 8 13 0 5 0 5 1 1 1 3 21
2- (re)conto de texto "história"
pelo aluno 2 3 2 7 1 5 0 6 1 1 0 2 15

3- Compreensão oral do texto 7 3 4 14 8 3 3 14 5 7 6 18 46


4- Compreensão/interpretação
escrita 1 0 0 1 7 1 2 10 5 2 4 11 22
439

5- Reflexão coletiva de
significado de palavra 2 3 2 7 0 6 5 11 3 5 6 14 32

Total Geral 14 12 16 42 16 20 10 46 15 16 17 48 136

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 4: Freqüência Absoluta de Atividades de produção textual, nas nove turmas


observadas

Atividades de Produção Textual

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG
1- Produção individual de
texto, final de história 0 1 1 2 2 1 0 3 2 6 5 13 18
2- Produção de texto com
auxílio do professor 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 1 2

3- Produção de texto coletivo 0 0 0 0 0 7 1 8 1 1 2 4 12


4- Exploração características
do gênero trabalhado 0 0 0 0 1 4 1 6 1 2 3 6 12

Total Geral 0 1 1 2 3 12 3 18 4 9 11 24 44

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 5: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (leitura), nas


nove turmas observadas

SNA (Atividades de Leitura)

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3C T TG


1- leitura de
letras/alfabeto com
auxílio 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
2- Leitura de
letras/alfabeto sem
auxílio 0 1 0 1 0 0 1 1 0 0 1 1 3

3. Leitura de sílabas 2 2 1 5 0 0 1 1 0 0 0 0 6
440

4- Leitura de palavras
sem auxílio 5 4 6 15 1 0 6 7 4 2 4 10 32
5- Leitura de palavras
com auxílio 3 3 5 11 2 0 1 3 5 0 0 5 19
6- Leitura/descoberta de
palavras 0 3 0 3 0 0 0 0 1 0 1 2 5
7- Leitura de frases sem
auxílio 1 4 6 11 0 1 4 5 0 3 1 4 20
8- Leitura de frases com
auxílio 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 2

Total Geral 11 18 18 47 3 1 13 17 10 5 8 23 87

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 6: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (escrita), nas


nove turmas observadas

SNA (Atividades de Escrita)

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG

1- Escrita de letra 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
2- Escrita de sílaba (inicial,
medial e final) de palavra 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
3- Escrita de palavra com
auxílio da professora 2 2 5 9 1 0 1 2 0 0 6 6 17
441

4- Escrita de palavras
(letra/sílaba/palavra dada) 7 2 2 11 4 0 1 5 1 0 1 2 18
5- Escrita de palavra como
souber (espontânea) 4 5 4 13 6 1 2 9 3 0 4 7 29
6- Escrita de palavra com o
uso do alfabeto móvel 0 2 3 5 0 0 0 0 0 0 0 0 5
7- Escrita de palavra com
aliteração 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1

8- Escrita de palavra com rima 0 0 0 0 1 0 1 2 3 0 0 3 5


9- Escrita de frase/escrita de
frase "espontânea" 1 3 1 5 4 1 4 9 3 2 1 6 20

10- Escrita do nome completo 5 2 4 11 0 1 5 6 0 6 2 8 25

Total Geral 20 16 19 55 16 3 14 33 10 8 14 32 120

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 7: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (cópia), nas


nove turmas observadas

SNA (Atividades de Cópia)

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC Total 2ºA 2ºB 2ºC Total 3ºA 3ºB 3ºC Total TG

1- Cópia de letra 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1

2- Cópia de sílaba 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

3- Cópia de palavra 3 3 0 6 0 0 1 1 0 0 1 1 8
442

4- Cópia de frase 0 3 1 4 2 0 1 3 3 2 0 5 12

5- Cópia de texto 2 0 0 2 6 7 1 14 3 1 1 5 21

Total Geral 6 6 1 13 8 7 3 18 6 3 2 11 42

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total


Geral.

Tabela 8: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (contagem),


nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Contagem)

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG
1- Contagem de letras em
sílabas 0 0 0 0 0 0 1 1 3 0 0 3 4
2- Contagem de letras em
palavras 4 5 3 12 2 1 2 5 3 0 1 4 21
3- Contagem de sílabas em
palavras 3 6 6 15 2 1 5 8 6 0 2 8 31
4- Contagem de palavras em
frases/textos 1 3 0 4 0 0 0 0 0 0 0 0 4

Total Geral 8 14 9 31 4 2 8 14 12 0 3 15 60

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 9: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (partição), nas


nove turmas observadas

SNA (Atividades de Partição)

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG
1- Partição oral de sílabas
em letras 2 2 6 10 0 0 3 3 1 0 5 6 19
2- Partição oral de palavras
em letras 6 1 3 10 3 0 4 7 5 0 4 9 26
3- Partição oral de palavras
em sílabas 4 4 3 11 5 0 3 8 8 1 3 12 31
443

4- Partição oral de frases em


palavras 0 2 0 2 2 0 1 3 1 0 0 1 6
5- Partição escrita de
palavras em letras 3 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 3
6- Partição escrita de
palavras em sílabas 4 2 1 7 4 1 2 7 8 1 2 11 25
7- Partição escrita de frases
em palavras 0 2 0 2 2 0 0 2 0 0 0 0 4

Total Geral 19 13 13 45 16 1 13 30 23 2 14 39 114

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 10: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (nomeação,


identificação e produção), nas nove turmas observadas

SNA (Nomeação, Identificação e Produção)

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG
1- Nomeação de letras em
posição" X" 5 5 3 13 1 0 0 1 2 0 1 3 17
2- Nomeação de letras" X"
em posição "X" 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1
3- Identificação de letras
em posição "X" 2 2 1 5 0 0 0 0 0 0 0 0 5
444

4- Identificação de letra "X"


em posição "X" 2 0 0 2 0 0 0 0 2 0 0 2 4
5- Identificação de letras
(iguais) em palavras 2 4 0 6 0 0 0 0 0 0 0 0 6
6- Identificação de letras
(iguais) em sílabas 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
7- Identificação de sílabas
em posição "X" com
correspondência escrita 4 3 3 10 0 0 0 0 0 0 0 0 10
8- Identificação de sílabas
em posição "X" sem
correspondência escrita 1 3 3 7 0 0 0 0 0 0 0 0 7
9- Identificação de palavras
"outros" 3 3 3 9 2 0 2 4 0 2 4 6 19
10- Identificação de
palavras que possuam a
letra "X" em posição "X" 2 2 2 6 0 0 0 0 1 0 1 2 8
11- Identificação de
palavras que possuam a
sílaba "X" em posição "X" 3 1 0 4 0 0 0 0 0 0 1 1 5
12- Identificação de
aliteração/rima com
correspondência escrita 4 1 1 6 2 0 1 3 3 0 0 3 12
13- Identificação de
aliteração/rima sem
correspondência escrita 0 1 1 2 0 0 0 0 0 0 0 0 2
14- Produção de
aliteração/rima com
correspondência escrita 1 0 0 1 0 0 0 0 1 0 1 2 3
15- Produção de
aliteração/rima sem
correspondência escrita 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Total Geral 29 25 17 71 5 0 3 8 10 2 8 20 99

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 11: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (comparação),


nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Comparação)

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3ºC T TG
1- Comparação de sílabas
quanto ao número de letras 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0 3 3
445

2- Comparação de
palavras quanto ao número
de letras 2 3 0 5 0 0 0 0 1 0 0 1 6
3- Comparação de
palavras quanto ao número
de sílabas 3 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 3
4- Comparação de
palavras (letras
iguais/diferentes) 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1
5- Comparação de
palavras (sílabas
iguais/diferentes) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
6- Comparação com
escrita convencional (auto-
avaliação) 2 0 4 6 2 0 2 4 0 2 2 4 14

Total Geral 7 3 4 14 2 0 2 4 5 2 2 9 27

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 12: Freqüência Absoluta de Atividades do Sistema de Notação Alfabética (exploração),


nas nove turmas observadas

SNA (Atividades de Exploração)


Categorias 1ºA 1ºB 1ºC T 2ºA 2ºB 2ºC T 3ºA 3ºB 3º T TG
1- Exploração dos
diferentes tipos de letras 5 5 1 11 4 0 6 10 0 7 4 11 32
2- Exploração do formato
das letras 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
3- Exploração de vogais,
consoantes e dígrafos 2 5 1 8 3 0 0 3 2 0 3 5 16
4- Exploração da direção
da escrita 0 0 0 0 1 0 0 1 1 0 0 1 2
5- Exploração da ordem
alfabética 0 0 4 4 0 0 0 0 1 1 1 3 7
6- Exploração das
relações som/grafia 2 5 3 10 2 0 6 8 4 0 4 8 26
Total Geral 9 16 9 34 10 0 12 22 8 8 12 28 84

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

Tabela 13: Freqüência Absoluta de Atividades de análise lingüística, nas nove turmas
observadas

Atividades de Análise lingüística

Categorias 1ºA 1ºB 1ºC Total 2ºA 2ºB 2ºC Total 3ºA 3ºB 3ºC Total TG
446

1- Ortografia 0 1 3 4 5 0 3 8 4 1 5 10 22

2- Nomenclatura gramatical 0 0 0 0 3 2 1 6 2 4 1 7 13

3- Conhecimentos lingüísticos 0 1 0 1 0 7 1 8 1 4 0 5 14

3- Pontuação 0 2 0 2 0 0 1 1 1 8 1 10 13

Total Geral 0 4 3 7 8 9 6 23 8 17 7 32 62

1º = 1º ano; 2º = 2º ano; 3º = 3º ano; ABC = Escolas A, B e C; T = Total; TG = Total Geral.

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