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ESTADO E RACA NO BRASIL. NOTAS EXPLORATORIAS* Carlos B. Vainer** * As informagées e reflexdes aqui apresenta- das foram produzidas no Ambito da pesquisa Polfticas Migrat6rias no Brasil, desenvolvida no Instituto de Pesquisa ¢ Planejamento Urba- no e Regional (IPPUR), da Universidade Fe- deral do Rio de Janeiro (UFRJ), com o apoio da Financiadora de Estudos ¢ Projetos (Finep). ** Professor do IPPUR/UFRJ. Estudos Afro-Asidticos n° 18,1990 Introdugio JA se disse muitas vezes que 0 reconbeci- mento e a configuragéo de uma questdo racial entre nés tém estado bloqueados pelo que Se convencionou chamar de mito da democracia racial brasileira, Reza 0 mito que, tendo como origem uma escravidio patriarcal e, simulta- heamente, sexual e socialmente promfscua, 0 Brasil teria tido a sabedoria — ou a felicidade — de instaurar padrées de sociabilidade em que O atributo raga (ou cor) ocuparia lugar pouco ou nada significativo na elaboragio de mecanis~ mos de diferenciagéo ou segmentacao, ipso facto de construgio de identidades sociais. Contraposta ao modelo de relag6es raciais norte-americano, a democracia racial brasilei- ra encontraria sua verificacao, reiteragdo ¢ s{mbolo na miscigenagdo. ‘A literatura cientifica, tanto quanto a fala cada vez mais audivel dos movimentos negros, | aportou evidéncias suficientes para desven- ‘dar esse mito ¢ esclarecer seu sentido ¢ eficd- cia, H4, entretanto, ao lado desse mito, um ou- tro, téo ou mais persistente, que € 0 objeto destas notas. Poderia ser enunciado da sc- guinte maneira: as classes dominantes, as eli- tes, 0 Estado brasileiro tém desempenhado um papel relativamente neutro diante da questéo racial. Num terreno mais ou menos consen- sual, mesmo quando se reconhece a vigéncia de preconceitos ¢ discriminagao raciais, tende- se a percebé-los como sendo engendrados num espaco absolutamente estranho ao das relacbes de classe de dominagio. Seja com heranga de quatro séculos de escravidéo negra, seja como resultado mais ou menos natural das tensdes a que estéo normalmente confrontadas as socie- dades plurirraciais, nossa questo racial teria, pois, um cardter essencialmente residual; e, 0 que me parece mais importante, situar-se-ia fora da esfera da politica — isto é, do Estado. Se algumas instfncias do Estado — notoria- mente, 0s aparatos Policial ¢ judiciario - mos- tram-se inclinadas a acionar o critério de raca (ou cor), isso Tepresentaria antes um desvio que uma aplicagdo de diretrizes emanadas dg 103 niicleo do poder, sob controle das elites/clas- ses dominantes.* A confirmar a inocéncia destas dltimas, ou, caso se prefira, sua indiferenga, ter-se-ia a adesio, explicita e generalizada, do Estado brasileiro ao discurso ¢ ao programa da demo- cracia racial. Poder-se-ia até mesmo lembrar, a favor da tese, que nossas elites, além de apontarem a plurirracialidade como uma das caracterfsticas da nacdo, tm buscado fazer dela um valor positivo; e da democracia racial um fator de autolegitimagio. Seo desvendamento do mito da democracia racial revela uma sociedade racista, poderd 0 questionamento da suposta neutralidade do Estado brasileiro vir a revelar um Estado tam- bém racista? Eis uma pergunta para a qual no se poderé oferecer uma resposta rigorosa an- tes que se desenvolva uma ampla e profunda pesquisa? As poucas referéncias alinhadas neste artigo parecem, porém, justificar a for- mulagdo da pergunta e a proposigéo de um programa de investigag6es. Nesse programa, por sinal, se haveria de incluir uma segunda € ndo menos instigante indagaco: por que tema Yio relevante tem-se mantido sob to absoluto silencio, escapando A atenco de historiadores e estudiosos de relacGes raciais?® Os termos da questao racial para o Estado brasileiro: imigrantismo e etnogénese A partir do final do século XIX, teorias ra- ciais emergiram com grande forga no cenério europeu. Como s6i acontecer, nossas elites absorveram as novas idéias, embeberam-se nelas. E, como é também habitual a cada im- portacéio de teorias, as idéias recebidas foram aclimatadas, passando por uma requalificagdo de seus termos e significado politico-ideol6gi- co. Sem pretender uma andlise detalhada do contexto em que essas idéias foram aqui assi- miladas, parece-me importante destacar alguns elementos: 104 © © Brasil era um pats recém-safug cravidio. @ Havia uma importante massa de gy. escravos que, quase Sempre, Se recusavam y oferecer livremente 0 seu trabalho 30s mesmos senhores que deles haviam dispostos atraye, da coagfo e violéncia diretas. © O pafs contava com enorme territérig desocupado, ou, quando muito, habitado poy populagdes dispersas, Pouco vinculadas ag Inercado — massas ndmades ¢ indisciplinadas como se dizia A 6poca; essa situagdo conduzia um diagnéstico estruturado sobre o par popu. lagées improdutivas-territ6rio improdutivo, da es. ‘A respeito do primeiro ponto, Mariza Correa j& observou que “a eliminagao da bar- reira juridica da escravidio” dava visibilidade a0 negro ¢ atualizava 0 perigo virtual que ele, enquanto negro € néo mais enquanto escravo, representava: “Liberto 0 escravo, tornava-se Sbvia a en- trada do negro numa sociedade que se que- ria branca; sua presenga, possfvel ou visfvel em todos os brancos.” (Correa, 1982, p. 131.) Por outro lado, a fuga maciga de negros das fazendas nos Gltimos anos da escraviddo, além de seu efeito estritamente econémico, fornecia A sociedade branca os elementos que permi- tiam transitar do estere6tipo do escravo negro para 0 estere6tipo do negro livre. Enquanto escravo, o negro havia demonstrado sua voca- do para a ociosidade, submetendo-se ao tra- balho apenas quando coagido pelo létego;* agora, enquanto homem livre, o negro negava seus bracos preguicosos a0 progresso da la- voura e da nacéo “Ao apagar das luzes de uma sociedade em que a liberdade era sinénimo de nio-tra- balho, os ex-escravos comegam a exercitar essa sinonfmia (...) s6 que na nova socieda- de que nascia, as coisas estavam mudadas, ¢ © significado da liberdade no era sen’o a liberdade de escolher o senhor.” (Vainer, 1988, p. 72.) Mesmo porque, como observou Martins (1979, p. 17), a aboligdo libertou o escravo da Estudos Afro-Asidticos n° 18, 1990 san escravido, mas no pretendeu liberté-lo do trabalho. A imensido do territ6rio, suprema riqueza num mundo em que os diferentes Estados na- cjonais comegam a despertar para a problems. tica do espaco vital, € também portadora de dificuldades. Os grandes vazios estimulam a spersio, tornam diffcil © agrupamento disci- plinado e disciplinar de populagées, obstaculi- zan a difusio de processos civilizatérios, cuja marca é 0 trabalho produtivo, Alberto Torres, no infcio do século, deu a esse problema uma formulacdo inigualével: “Assim como tivemos governo antes de ter povo — Tomé de Souza chegou antes de qualquer realidade demogrfica constante, assim como surgiu a chefia do Estado antes de qualquer 6rgio de Estado (...) assim fi- xamos 0s limites de nosso territ6rio antes de ocup4-lo: tivemos territério nacional antes de habitantes para ele. Isto foi, con- vém reconhecer, uma grande ousadia de nossos antepassados. Mas complica um. pouco nossos problemas.” (Torres, 1978, p. 53.) O tema do povoamento do territério vazio val perpassar as preocupagées do Estado bra- sileiro de forma quase ininterrupta. Nas pri- meiras décadas da Repdblica, ele tinha a virtu- de de articular, de maneira consistente e quase imediata, as preocupagdes geopoliticas e a ne- cessidade de conformar uma oferta de traba- Iho para as grandes fazendas. Harmonizavam- se, dessa maneira, as angiistias estratégicas de | um Estado nacional em constituigdo e os re- clamos mais pragméticos dos cafeicultores paulistas por bragos para a lavoura. © tema do povoamento colocava igual- mente 0 foco sobre outro ¢ nao menos espi- ‘nhoso dilema, que uma leitura moderna de Al- berto Torres permitiria enunciar como segue: vemos Estado e territ6rio nacionais antes de ermos povo ¢ nacionalidade. Isso significa, em outros termos, que 0 contexto econdmico, social ¢ territorial alicer- sava as bases da questdo da constituigéo da nacionalidade. Com quem ocupar o territ6rio? Estudos Afro-Asidticos n® 18, 1990 Com quem constituir 0 corpo de trabalhado- tes? Com quem fundar as bases do Estado? Essa grandiosa tarefa de constituigéo da hacionalidade e do povo, essa verdadeira etno- génese, vai ser assumida pelo Estado. Caber4 as elites ¢ a seu Estado estabelecer as metas ©S meios, definir como construir uma brasili- dade em nome da qual esse mesmo Estado, Paradoxalmente, apesar de reconhecé-la ine- xistente ou incompleta, fala e age. Entre n6s, 0 racismo cientffico, ao contrario do que aconteceu na Europa, nao foi acionado Para legitimar projetos imperialistas. Seus Pressupostos foram assumidos plenamente, mas se tratou de fazer deles instrumentos de construcgéo do pafs do futuro, que deveria emergir de uma aco consciente dentro do la- boratério racial que era o pafs presente. A pergunta formulada — com quem formar a nacionalidade € 0 corpo de trabalhadores? — @ resposta foi clara: com imigrantes. Nossas elites ¢ seu Estado, pelo menos até os anos 50, Tecusaram-se a ver na populacdo nativa uma base s6lida para constituir a nac&o, ocupar 0 territ6rio e conformar uma forca de trabalho disciplinada ¢ produtiva. O trabathador nacio- nal, categoria abrangente que inclufa os ex-es- cravos e toda a massa daqueles que haviam si- do os homens livres da ordem escravocrata, ndo representava matéria-prima adequada a etnogénese necesséria e desejada. Havia um extraordindrio consenso acerca da incapacidade do trabathador nacional. O partido majoritério o desqualificava com base em seus atavismos étnicos. A heranga indfgena © vocacionava para o nomadismo, incompatf- vel com a civilizagSo; a heranga negra torna- va-o incompetente para o esforgo continuado que vem da previdéncia e do cflculo econémi- co racional. Na sfntese de Oliveira Vianna, se- tia necessdrio recompor as bases da nacionali- dade através da imigragao: “pelo fato de termos uma formagio em que predominam dois sangues inferiores (0 ne- g10 € 0 {ndio), somos um povo de eugenis- mo pouco elevado”. (Vianna, apud Couto, 1934, p. 78.) 105 Aqui e ali far- jgumas vores Roquette Pinto, por xem? veava as teorias da superionid au ¢ atribufa a inadaptagao do rrabalhador nacional miséria, & fome, 2 doenga, & igno- "fein, a falta de tradigdo produtivista Dee viha a implantagdo de um sistema dé col si agricolas consagradas A educagdo para 0 alho.” Registre-se, no entanto, qve mesmo Roquette Pinto via com bons olhos ® imigra- - icamente as resolugdes gdo ¢ saudou entusiasticamé rs do I Congreso wgenia (1929), gue referendaram todas as teses fundamentais do partido imigrantista-ariano. (Cf. Vainer & Azevedo, 1984.) Resumidamente, € possfvel afirmar que & opedo imigrantista foi o formato polftico con- creto que assumiu a estratégia etnogenética, através da qual as teorias racistas Se atualiza- ram entre as elites ¢ no Estado brasileiro. O significado da politica imigrantista como instrumento concreto de politica racial-racista foi percebido por Correa (1982, p. 51): “(,,) a atuagdo politica de membros de nossas classes dominantes, dentro de um contexto histérico especffico, levou @ uma efetiva mudanga na composigao da popula~ Go brasileira e deu uma determinada orientagdo as relacdes inter-raciais”. ‘A mesma autora, no entanto, defendendo a tese de que tais intervengdes no se fundaram, nem suscitaram, uma expressdo formalizada (legal), institufda no e pelo Estado, completa sua observago como segue: “Nao é preciso supor uma decisfio maquia- vélica e concertada das liderangas politicas no sentido de branquear a populacio brasi- eira ou de excluir os negros do mercado de trabalho para reconhecer a importéncia de distingdes raciais, ainda que nao formuladas em dispositivos jurfdicos, para as relagdes sociais como um todo e suas conseqiiéncias para a participagao dos negros e seus des- cendentes na vida brasileira.” (idem, p. 51.) Tudo se teria passado, a aceitar essa pro- Posicéo analftica, como resultado de uma agao polftica ndo concertada de membros das clas- 106 ses dominantes, movimento espontineg pendente de “decisbes maquiavélicas”,« Buscarei, a seguir, mostrar que, alg, intengdes, consensos implfcitos jamais exp," tados, conceitos € Peconceitos ditusos, od polftica das classes dominantes esteve longe ger fruto dé movimentos desconexos, Nig _ trata de buscar descobrir algum tipo de « quiavelismo”, mas de recusar a ingenuidade Shpor que o Estado ~ forma organizada oy ganizadora de concepgées € projetos dos _ pos dominantes — possa ter sido, pura ¢ sim. plesmente, desprezado em seu potencial ies cutivo e legitimador. Embora reconhecend 4 Cocessidade de investigagoes mais acuradas, a. pistas so numerosas a indicar que a formu. gioea execug’o de uma pollftica racial encon, traram no Estado brasileiro terreno propfcio — e, quem sabe, privilegiado. inde. Atos e gestos Nesta segdo alinharei as principais evidén. cias por mim encontradas de uma agio siste- mftica e coerente do Estado brasileiro em termos de politica racial.* a) A Primeira Repiblica Passados dois anos da Aboligao ¢ apenas sete meses apés a proclamagao da Repiblica, vinha A luz 0 Decreto n° 528, de 28-6-1890, com © objetivo de regularizar “o servico de introdugao e localizagao de imigrantes na Re- piiblica dos Estados Unidos do Brasil”. Em seu artigo 12 vinha estabelecido o seguinte: “6 inteiramente livre a entrada, nos portos da Repiblica, dos individuos validos ¢ ap- tos para o trabalho que ndo se acharem su- Jjeitos a aco criminal de seu pafs, exceptua- dos os indfgenas da Asia, ou da Africa, que somente mediante autorizagéo do Con- gresso Nacional poderdo ser admitidos de acordo com as condigées que forem entio estipuladas.” Estudos Afro-Asidticos n° 18, 199 A. Reptblica recém-nascidamostrava, dessa forma, como pretendia tratar a questa racial no pals. A liberdade de ingressar no Brasil era negada aos negros africanos, justa- mente aqueles que durante quase quatro sécu- Jos haviam sido obrigados, encadeados, a vi- rem para cd. Nossa Repiiblica, desde os seus primérdios, dizia aos negros aquilo que Ihes repetiré por longas décadas: a0 Brasil 0 negro 36 imteressou enquanto foi escravo. No infeio do século, outros dispositivos le- is buscaram regulamentar as condigdes de ingresso ¢ localizagao do colono europeu. A preocupacio principal, nessa abundante legis- lagdo, foi, quase sempre, a de assegurar que o imigrante estivesse efetivamente apto parao trabalho ¢ se fixasse nas fazendas. A questo racial, petmanentemente impli- cita no aparato legal, volta & tona explicita- mente com © projeto de lei dos deputados An- drade Bezerra e Cincinato Braga, que, entre outras coisas, pretendia proibir a entrada de “individuos humanos das ragas de cor preta”’ (Projeto n® 291, de 28-7-1921). A substituicéo da categoria “indigenas da Africa", constante do decreto de 1890, por “indivfduos humanos das ragas de cor preta” pretendia tornar mais abrangente 0 dispositivo discriminat6ric, de modo a obstaculizar a entrada de negros oriundos do Sul dos Estados Unidos e das An- tilhas. Dois anos mats tarde, 0 deputado Fidelis Reis, no bojo de uma campanha claramente ra~ cista, apresentaria um projeto de lei que esti- pulava: “E proibida a entrada de colonos de raga preta no Brasil e, quanto ao amarelo, seré ela permitida, anualmente, em némero correspondente a 5% dos individuos dessa origem existentes no pafs.” (Projeto n? 391, de 22-10-1923.) cuidado em dar um tratamento diferen- ciado aos amarelos, isto &, aos imigrantes ja- Poneses, decorre do afluxo crescente destes para 0 pafs ~ mais especificamente para a agri- cultura paulista, onde comegaram a preencher as lacunas deixadas pela reemigracéo italiana e Estudos Afro-Asiéticos n? 18, 1990 Pela redugo da imigragio européia de modo geral. O projeto de Fidelis Reis apresenta 0 inte- Tesse de ter sido a primeira tentativa de intro- duzir na legislagio brasileira 0 principio do contingenciamento racialmente diferenciado dos fluxos imigrat6rios, inspirado no critério de quotas por nacionalidades constante da po Itica norte-americana desde 0 Immigration Act, de 1912. Dificil seria desconhecer, no projeto de Fi- dels Reis, a presenga de uma clara associaga0 entre polftica imigrat6ria ¢ politica racial. O préprio deputado enunciava essa associagao: “O problema da imigragao, ou melhor, do povoamento deve (...) ser encarado sob miltiplos aspectos: moral, étnico, polfuco, social e econémico (...) Acima de qualquer consideragdo deve estar o ponto de vista étnico ou racial propriamente dito.” (Reis Faria, 1924, p. 20.). O projeto nao foi aprovado, sobretudo em fungdo das resisténcias paulistas ao estabele- cimento de restrigdes A imigragéo de japone- ses. Mas ndo se pense que a diretriz que pro- punha representasse uma posigo sectéria e isolada. Com efeito, ela serd retomada com to- da a forca no I Congresso Brasileiro de Euge- nia, que em 1929 conclamaré o Estado a inter- vir contra “os perigos de uma imigragdo pro- mfscua, sob 0 ponto de vista dos interesses da raga e da seguranga politica e social da Repi- blica” (apud Roquette Pinto, 1933, p. 70). Enfim, a proposta de subordinar a politica imigratéria a uma razdo racial ou eugénica, em detrimento da exclusividade da razdo eco- némica, &r4 plenamente assumida pela plata- forma da Alianga Liberal, lida por Gettlio Vargas na Esplanada do Castelo em janeiro de 1930: “Durante muitos anos, encaramos a imigra- do, exclusivamente, sob os seus aspectos econémicos imediatos. E oportuno entrar a obedecer a0 critério étnico, submetendo solugo do problema do povoamento as convenigncias fundamentais da nacionali- dade.” (Apud Neiva, 1942, p. 29.) 107 b) O Governo Provisério __As converges deminantes 20 longo da Primeira RepGblica receberio um enorme im- pulso a partir da Revolugio de 30. Tal ampulso se manifestar& tanto pela reiteragio das tradi- cionas teses racistas, quanto por uma particu lar insisténcia na defesa de uma intervencio governamental decidida no controle da imigra~ fo e, conseqtientemente, na determinagao da dosagem dos elementos que ingressariam no nosso melting pot. O combate ao liberalismo das velhas oligarquias, que marcaré 0 Estado Novo, jd havia se instaurado desde 0 Governo Provis6rio. ‘A aplicagio da nova orientagio ao terreno da politica imigrat6ria racial terd sua formula gio mais pura no relat6rio da comissao criada em 1938 para elaborar uma proposta de con- solidagdo da legislagio. Apés citar Rousseau ~ ‘la pure disette por un pays est la disette hommes” , 0 relatrio afirma: ™O Estado tem no 6 0 direito, mas o de- ver de intervir na composigao da popula- do, de forma a eriar a maior cooperagso possfvel entre os diversos elementos due Em nenhum outro dominio a formam ( imwrvengio do Estado se faz mais sentir do que neste (...) no somente com © fim de \desejdveis ¢ OS de di- bém com 0 Pr0- inda de boas evitar os elementos in {cil assimilag&o, sendo tam! pésito de propulsionar a vit correntes imigrat6rias.”** Cumprindo 0s compromissos pela Alianga Liberal, Vargas nfo besitaré em pratirmar a posigao estratépica due & questo retial jé vinba assumindo dentto da politica migrat6ria, consagrando-a enduanio questo de Estado.** Quanto a boas correntes imig! nadas, a posigéo largament rante 0 Governo Provis6rio ser ainda a fendida por Oliveira Vianna: (.n) de todas as ragas humandsy sfio as in- do-curopéias as que acusam 1m ‘coeficiente mais elevado de eugenisino: LOB $6 estas hos servem porque O Progresso das socie~ 5 assumidos jdemtificagéo do que seriam as rrat6rias a serem propulsio- ie hegemOnica du- de- 108 dades ¢ @ sua riqueza e cultura so criagiio dos seus elementos cugénicos, cuja fungzio ha economia social € andloga & fungtio do oxigénio na economia animal.” (Vianna, apud Miguel Couto, 1934, p. 71.) ‘A legislagdo de 1934 (Decretos-Lei nt 24.215, de 9-5-34, © n? 24.258, de 16-5-34) sand revogar as limitagées & smigragio impos tas sob a pressao da crise instaurada quando da recensdo de Vargas. Reunindo normas certa- trente mais espectficus ¢ rigorosas na determi- ago dos indesejdvels que as da legislagto até cao vigente (Deereto mn? 4.247, de ELL 1921), os decretos de 1934 tratam de as- ogurar a aptidio para o trabalho dos candi- datos 2 imigragio (eliminagao de cez0s, aleyia~ Sos, portadores de doensas incurdvels ou Sontagiosas etc.) ¢ evitar que sejam portadores cge gonduta manifestamente nociva 2 ordem poiblica ou 2 seguranga nacional’ So também prstante detalhistas na exigencia de que a imi- gragio deve dirgir-se 2s Areas rural. Em sin- ane, mantém, aperfeicoam ¢ sistematizam & teieronal opsio imigrantista do Estado bra- sileiso. c) AConstituinte de 1934 € a questao nipénica alinhar informagbes referentes 20 Antes de rir um espago para Estado Novo, caberia al esrenso debate acerca da questo inrard- ria-racial que (eve lugar na Assembléia Na- Gional Constituinte de 1933-34. Foi a Constituinte extraordindrio palco nO qual as diferentes forgas vivas da nagdio se en- qotraram para apresentar © defender SS modelos de nagdo & de Estado. Nio espanta, jque a questo do povoamentd, em 5% pois, triplice dimensdo ~ enquanto cocupagao terri- torial, trabalho ¢ etnogénese —, tenha cocupado lugar de destaque. durante quase ‘A. polémica cristalizou-se, todo © tempo, em torno do que podersame WMamar de questao nipénica. Tratavacsey poucas palavras, de decidir se caberia ou nfo 1990 Estudos Afro-Asisticns 0° 18s

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