Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
530 PDF
530 PDF
PARA INTERNET
CONSELHO EDITORIAL
DA COLEÇÃO CIBERCULTURA
André Lemos
Alex Primo
Clóvis Barros Filho
Denize Araújo
Erick Felinto
Francisco Menezes
Juremir Machado da Silva
Luis Gomes
Paula Sibilia
Raquel Recuero
Simone Pereira de Sá
Vinicius Andrade Pereira
MÉTODOS DE PESQUISA
PARA INTERNET
Suely Fragoso
Raquel Recuero
Adriana Amaral
@ Editora Meridional/Sulina, 2011
ISBN: 978-85-205-0594-6
CDU: 001.891:004
Janeiro / 2011
Essa história de idealismo, de pesquisa pura, da busca pela
verdade em todas as suas formas, está tudo muito bem, mas chega
uma hora que você começa a desconfiar, que, se existe uma
verdade realmente verdadeira, é o fato de que toda a infinidade
multidimensional do Universo é,
com certeza quase absoluta, governada por loucos varridos.
(Douglas Adams, O Guia do Mochileiro das Galáxias,
2009 [1979], p. 190)
Sumário
Agradecimentos | 9
Prefácio | 11
Alexander Halavais
Introdução | 17
Suely Fragoso, Raquel Recuero e Adriana Amaral
Construção de Amostras | 53
Teoria Fundamentada | 83
Referências | 205
Glossário | 233
9
PREFÁCIO
11
O empiricismo se baseia na capacidade dos observadores
concordarem a respeito de uma representação de suas experiências,
ou seja, de suas percepções do mundo. Mesmo quando não existem
múltiplos observadores, o empiricismo requer que se assuma que
alguém outro, em nosso lugar, faria os mesmos tipos de observação
e as representaria de modo semelhante. Mesmo nas ciências naturais,
advêm daí algumas questões complicadas sobre o que pode ser
observado e, ainda, se qualquer observação pode, de fato, ser
generalizada. Com algumas exceções relativamente simples –
embora nem sempre triviais – as observações da sociedade são muito
mais difíceis de reproduzir com exatidão. Não apenas as experiências
sociais são sempre vinculadas a um momento histórico particular e
complexo, mas, num certo sentido, elas não são parte do mundo
natural, material. Estruturas sociais são imaginadas coleti-
vamente, embora nem por isso sejam menos reais.
Interações sociais em ambientes online acrescentam outra
camada de virtualidade ao objeto da observação ou, mais exata-
mente, tornam mais óbvio o quanto as interações sociais são
efêmeras. A interação social online, particularmente nas primeiras
pesquisas na internet, era uma coisa fora do “espaço da carne” e a
rede era vista como um reino angélico para o discurso e para a
sociedade mediada. Nos anos seguintes, algumas das melhores
pesquisas sobre a internet e a sociedade reconheceram que as
interações online raramente são exclusivas do mundo online. Mesmo
assim, dado que, quando se trata de relações sociais, muito pouco
divide o “virtual” e o “real”, a ideia de que nós podemos ser obser-
vadores e intérpretes neutros dos comportamentos sociais per-
manece um desafio.
E é mesmo um desafio. Ninguém jamais disse que a ciência
social é fácil. Porém, as recompensas do envolvimento em pesquisas
de base empírica e metodologicamente consistentes fazem com que
esse desafio valha a pena. Em uma passagem famosa, Bernard Baruch
notou que “Todo homem tem direito à sua própria opinião, mas
nenhum homem tem direito de estar errado em seus fatos”.
Realmente, a definição poderia ter agradado Durkheim, para quem
12
o estudo da sociologia era o estudo dos faits sociaux, entendidos
como aqueles elementos da estrutura social que são, em certo
sentido, generalizáveis ou dominantes em relação a peculiaridades
individuais. Nós não temos liberdade para criar nossos próprios
fatos sociais, nossa única esperança é descobri-los.
Vamos evitar a armadilha de essencializar a investigação
empírica, ou de assumir que ela requer adesão a modelos
epistemológicos positivistas ou hipotético-dedutivos. O empi-
ricismo define um conjunto de instrumentos e modos de usá-los.
Eles são as ferramentas favoritas dos cientistas sociais, mas isso não
significa que eles permaneçam apenas em nossas mãos. Nada impede
um flâneur de assumir uma perspectiva que reconhece
comportamento e estrutura para além do indivíduo, por exemplo.
O empiricismo é mais techné que episteme – não que esses dois
possam alguma vez ser totalmente separados. O empiricismo
representa um modus operandi que permite construção colabo-
rativa em prol de compreensão compartilhada – compreensão que
vai além tanto do indivíduo que observa quanto do que é observado.
Ele nos permite mudar de perspectiva e, ao mesmo tempo, ajuda a
fazer com que os outros enxerguem as coisas como nós as vemos.
Os primeiros cientistas naturais desenvolveram instru-
mentos de medição que lhes permitiram ter certeza que suas
experiências não eram exclusivas ou individuais. Eles fizeram isso
através da criação de comparações entre observações do mundo
natural – métricas que viabilizaram alguma consistência nas
observações por diferentes observadores. Talvez uma das nar-
rativas mais emblemáticas da Renascença seja a de Galileu apren-
dendo a fabricar as lentes para construir seu próprio telescópio. O
telescópio e o microscópio representam instrumentos para a
compreensão de aspectos do mundo natural que, sem eles, não são
visíveis. Eles permitem novas visões, nas quais a medição se dá
conforme um sistema de referência distanciado do indivíduo. Essa
extensão dos sentidos também é necessária nas ciências sociais. A
internet constitui uma representação de nossas práticas sociais e
demanda novas formas de observação, que requerem que os
13
cientistas sociais voltem a fabricar suas próprias lentes, procurando
instrumentos e métodos que viabilizem novas maneiras de enxergar.
Novas perspectivas são necessárias, particularmente porque a
interação social em ampla escala é muito difícil de observar, o que
torna a percepção da estrutura social especialmente difícil. Há quem
considere que a habilidade de fazer previsões seja o teste mais seguro
da boa teoria. A previsão em ciência social é particularmente rara,
mas a mesma dificuldade acontece em relação aos problemas
interessantes das ciências naturais. Quando os sistemas se tornam
suficientemente complexos, eles se tornam inerentemente impre-
visíveis. Nós podemos ser capazes de dizer – abstratamente – como
a chuva cai, mas isso não significa que somos capazes de prever o
tempo no final de semana.
Os processos sociais são muito mais como o tempo do que
como as órbitas dos planetas. A grande quantidade de coisas que
acontecem a cada momento torna a previsão difícil. O crescimento
da sociologia e da ciência social empírica no último século nos
mostra que nós podemos fazer algumas previsões a respeito do
comportamento humano com base em teorias, particularmente em
nível macro, estatístico. Essas previsões tendem a ser generalidades
estatísticas descritivas – a temperatura em Singapura em agosto
costuma estar em torno de 31 graus Celsius – e não situações
específicas – traga seu guarda-chuva na próxima terça-feira. Em
outras palavras, nós podemos dizer algo a respeito do “clima” social,
mas menos sobre o “tempo” social.
Na maior parte dos casos, entretanto, nós estamos especial-
mente interessados nessas observações mais práticas e baseadas em
regras do que nas leis mais abstratas e teóricas da vida social. Existem
várias abordagens para compreender os ambientes sociais baseados
em regras, mas elas requerem uma abordagem flexível do empi-
ricismo, e, particularmente, da questão da generalização. Elas
demandam que aceitemos que, embora nossos achados não possam
ser generalizados através do tempo ou para outros contextos, as
perspectivas da investigação empírica – abordagens baseadas em
observações rigorosas e transparentes – continuam sendo poderosos
14
aliados do pesquisador que quer dizer mais sobre os sujeitos de sua
pesquisa que sobre si mesmo.
Esses instrumentos e perspectivas científicas – quando separadas
das visões de mundo estritamente hipotético-dedutivas que
simplificam demais a experiência social – sempre foram usados nas
humanidades. A análise de redes sociais, por exemplo, tem provado
ser um instrumento particularmente apto para a compreensão de
uma sociedade que se encontra cada vez mais estruturada como
uma rede e que utiliza novas ferramentas de rede, e já era utilizada
por antropologistas e sociólogos há décadas, sem que isso implicasse
a necessidade de reduzir as relações sociais a causalidades simples.
Mesmo nas humanidades, as abordagens computacionais têm
aberto caminho e, enquanto as “humanidades digitais” eram um
campo relativamente marginal no final do século XX, muitos agora
as consideram parte essencial do conhecimento humanístico
contemporâneo.
A pesquisa social sempre foi difícil, e a possibilidade de ser
capaz de observar a sociedade em uma escala ampla sempre pareceu
remota. Mas a internet deu aos cientistas sociais um presente. Esse
presente, como todos os presentes, veio com uma obrigação. A
internet nos permite ver mais interações sociais do que jamais
esperávamos, e agora nos deparamos, em muitos casos, com o
excesso de uma coisa boa. Que esperança temos de fazer sentido de
dados tão complexos? Esta é uma questão que agora atravessa todas
as ciências – todos nós compartilhamos o novo mundo dos sistemas
complexos.
Parte da resposta é que nós precisamos daquilo a que Joël de
Rosnay denominou, em 1979, um “macroscópio”: um instrumento
para compreender a enorme complexidade da vida social online. É
claro que nenhuma ferramenta isolada pode prover isso, mas um
conjunto de técnicas fornece perspectivas que são úteis. Como
sempre, há o perigo potencial de que deixemos que os nossos
instrumentos nos usem. Tanto o crítico dos métodos empíricos
quanto o pesquisador ingênuo podem assumir que a ferramenta
em si mesma produz a pesquisa. Um violino bem afinado pode ser
15
tocado com sentimento, mas, sem treino ou disciplina, mesmo o
mais sensível dos músicos está fadado à cacofonia. Do mesmo modo,
o cientista social competente não precisa conferir seus interesses,
sua convicção política ou seu conhecimento na soleira da porta. O
fim para o qual esses instrumentos de pesquisa são utilizados é tão
importante quanto a virtuose com que são empregados.
Os melhores cientistas sociais da atualidade estão apren-
dendo uns com os outros quais métodos empíricos funcionam bem,
aplicando-os em novos contextos e compartilhando seu trabalho e
forma transparente com a comunidade de pesquisadores. A
sociedade em rede nos força a trabalhar de novas maneiras e a estudar
a sociedade de modos igualmente novos. Ela nos força a pensar
novamente sobre nossos instrumentos, e ter certeza que eles são
apropriados para as tarefas a que os aplicamos. Ao encarar esse
desafio, nós nos preparamos para nosso próprio Renascimento na
compreensão da sociedade.
Alexander Halavais1
New York City, outubro de 2010.
1
Alexander Halavais é Professor Associado na Quinnipiac University e vice-presidente da
Association of Internet Researchers (AoIR). Obteve seu título de Ph.D. em Comunicação
na University of Washington e é Graduado em Ciência Política pela University of California
at Irvine.
16