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Cy TEL ies BRESSER: “empresas privadas competem a 1 no mercado, jé as empresas publicas sao monopolistas” # ‘A aproximacao que ocorreu no Brasil entre o ensino da administ Go publica e da administracao de empresas decorreu de um equivo- cado entendimento do que seja ad- ministracao publica, Ela nasceu da definicdo legal ainda nos anos 1960 da carreira de “técnico em adminis- tracao” [depois mudada para a de ‘administrador") envolvendo tanto 2 administracdo de empresas quan- to a administracao publica, quando so profissies muito diferentes, Foi um equivoco que levou muitas universidades a oferecer cursos de administracdo com especializacao em administracdo de empresas ou em administrac3o publica, como se 0 género fosse a administracio © a5 duas espécies, a de empresas © 2 piblica, Assim, a administracdo de empresas seria o processo de tomar decisées em uma empresa sobre como ela deve ser organiza- dae controlada, enquanto que 2 ad- ministracao publica seria 2 mesma coisa aplicada ao estado, ou, mais amplamente, 3s organizacoes pu- blicas. Tanto a administracdo de empresas como a administracdo piblica seriam processos de toma da de decisdo em organizacées. Podemos pensar em adminis- trago publica nestes termos, mas, nesse caso, seria melhor falar de x gestao publica. Administraco pi- blica propriamente dita é outra coi- sa: & um dos dois elementos que constituem um estado, 0 outro sen- doa lei ou a ordem juridica. 0 estado 6 0 sistema constitucional-legal e a administracao piblica que o garan- te. Portanto, administra¢o publica 6 sindnimo de aparetho ou de or- ganizacao de estado. 0 estado, em cada estado-nacao, & constituido, de um lado, pela ordem juridica que inclui as politicas publicas e 0s usos e costumes, e, de outro, pela orga- nizacdo formada e dirigida por ofi- ciais ou burocratas piblicos, tanto 0s nao-eleitos (servidores publicos e militares] quanto os eleitos ou os politicos, ‘A administracao publica é tam- bém uma disciplina ou drea de es- tudo. Nesse caso, é drea de co- nhecimento que tem como objeto o aparetho do estado. Compreendida nesses termos, a administracio pu blica esté mais préxima da ciéncia politica [cujo objeto ¢ o estado como um todo, ou do direito (cujo objeto é alei) do que da economia e da admi- nistracao de empresas. E também preciso administrar o aparelho do estado, geri-lo de forma eficiente, mas a diferenca entre as empresas ea administracao publica é muito grande. Enguanto as primeiras vi ' - = sam a expansao ¢ o lucro em bene- ficio dos seus proprietérios, a orga- nizagdo estatal visa o bem publico. Enquanto uma compete no merca- do, a outra é monopolista. Na admi- nistracao publica, o essencial é sua soberania ou seu poder de estado, é sua [dos politicos) capacidade de definir boas leis e politicas publicas, e sua (dos servidores) capacidade de executa-las de forma efetiva e eficiente. Um curso de graduacao em ad- ministracao publica nao se limita a formar servidores para 2 adminis- tragio piblica; forma também, de um lado, politicos, e, de outro, ad- ministradores das organizacées pu- blicas nao-estatais, principalmente das de advocacia ou de responsabi- lizagdo politica através das quais a sociedade civil busca responsabili- zar a administragao publica Podemos pensar no burocrata publico como um mero executor das decisdes tomadas pelos politicos em nome de seus eleitores. Essa é uma visdo linear e equivocada do que um servidor piblico. O servidor pa- blico nao é um mero administrador; ele é, essencialmente, um agente politico, como também o € o politico eleito; por isso, ambos so “oficiais publicos. 0 servidor piblico nao se limita a executar leis e politicas de- finidas pelos politicos; ele ajuda os politicos eleitos a formuld-tas ou a reformé-las. Seu poder ndo é ape- nas o poder de um administrador sobre seus subordinados. Ele fala e age em nome do estado, ele partilha do poder de estado - do poder ex- troverso e soberano que sé 0 estado tem sobre sua sociedade nacional. Para formar um administra- dor piblico nao basta ensinar-the estratégias e métodos de gestao e controle, métodos quantitativos de » administrac3o e tomada de deci- do, e uma visdo geral da sociedade e de como ela & coordenada. Além desses conhecimentos gerais, que também o administrador de em- presas necessita, 0 administrador puiblico precisa ter uma compreen- so ampla da instituigo normative e organizacional que realiza essa coordenacdo, ou seja, do estado; das teorias que buscam explicé-lo e relaciond-lo com a sociedade; da de empresas sao 0s negécios; o das de administracdo publica, 0 estado. Na formacao de administrado- res puiblicos ~ de um grupo restrito e altamente qualificado de agentes publicos dotados de poderes e res- ponsabilidades piblicas - sempre se inclui a ampla discussao do que seja 0 etos piblico do servidor. Uma escola de administrac3o publica ou de politicas publicas nao pode se limitar a ensinar os valores liberais Objetivo das universidades de administracao Pees Sur egal hee ireturr tis democracia que é a forma por ex- celéncia que assume o estado mo- derno e desenvolvido; do direito, nao apenas o administrativo, mas prin- cipalmente 0 constitucional, que se consubstancia na lei; e do papel fun- damental que o aparelho do estado desempenha em todo esse processo politico. J8 o administrador de em- presas precisa ter uma ideia clara das financas e dos mercados - dos negécios. Nao é por outra razao que, nos Estados Unidos, as escolas, de administracdo de empresas sao chamadas “business schools”. 0 objeto das escolas de administraco « baseados na liberdade negativa de cada cidadao de no ser incomoda- do se nao estiver infringindo a lei. O debate sobre a liberdade positiva ou sobre a concepsao republicana de politica e de servico piblico fundamental em um curso de gra- duacdo em administracao publica. Poder-se-ia argumentar que todo curso universitario deveria incluir essa preocupagio. Sem divida, jé que todas as profissdes supdem comportamento ético e implica uma ética propria a ela, No caso dos ofi- ciais pUblicos eleitos e nao-eleitos, porém, 0 etos republicana est no proprio coracdo dessas profissdes| A sociedade exige de cada profissi0 a respectiva ética; dos politicos e do administradores piblico ela exige a responsabilidade pela res publica, exige seu comprometimento com 0 interesse piblico. A responsabili- dade pela construcdo de um esta- do democratico e republicano é de todos os cidadaos, mas é principal- mente de seus oficiais publicos. A administracao pilblica foi ob- jeto de duas grandes reformas. A primeira ocorreu nos paises mais avangados no século XIX e, no Brasil, a partir de 1937, Foi a reforma buro- cratica ou weberiana, que tornou o servico publico profissional e efetivo. A segunda ocorreu a partir dos anos 1980, na Europa e nos Estados Unidos, e a partir de 1995, no Brasil. Foi a reforma gerencial da administracao pibli- ca. Esta segunda grande reforma buscou adaptar algumas estratégias de gestao - principalmente a da administracao por resultados ~ para a administraco publica, mas os critérios de éxito continuaram muito diferentes: em um caso, o interesse publico, no outro, o lucro. No caso dos administradores de empresas também existe uma responsabilidade ética, mas ela 6 contraditéria, porque seu critério principal de éxito ndo é 0 bem pui- blico, mas a expansao e o lucro da empresa. 0 bem piblico sé entra através da “mao invisivel” de Adam Smith: se cada um defender seu proprio interesse, o interesse geral seré automaticamente garantido pela competicSo no mercado. Ora, sabemos como essa tese é parcial ¢, por isso, eminentemente equivo- cada. Poucas vezes o mercado é su- ficientemente competitive ao ponto de garantir o interesse de todos. Muitos setores so monopolistas. E a economia como um todo nao pode ser bem coordenada apenas pelo mercado. Na verdade, a gran- de coordenacao de todas as socie- dades modernas cabe ao estado. A A PARTIF ele cabe, inclusi- ve, regulamentar os mercados para que — funcionem bem. 0 neolibe- ralismo - a ideo- logia que foi dominante no mundo nos 30 Anos Neoliberais do Capita- lismo (1979-2008), um perfodo de baixo crescimento, grande instabi- lidade financeira, e forte aumento da desigualdade - nao foi apenas um assalto ao estado. Esse era seu objetivo, mas afinal foi também um assalto ao mercado, uma institui- go que pretendia defender, mas que afinal foi desmoralizada na medida em que os mercados finan- ceiros foram desregulamentados e, por isso, funcionaram mal. No Brasil, interesses corporati- vos e incompreensao do que seja a administracao publica pressionam para que 0 estado nao a distinga da administracao de empresas. Mas, em sintese, elas séo muito diferen- tes. Mais do que um processo de tomada de decisdes, a administra- go publica é uma parte constitu- tiva do estado; a administracao de empresas é apenas um processo. E, enquanto processos, seus obje- tivos ou critérios de exceléncia séo muito diferentes. Pat Beto eee Re EN cee Tn DPC eee ete Macs ee IEC

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