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A PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE

PEDAGÓGICA DOS CURSOS PROFISSIONAIS DE NÍVEL BÁSICO,


MODALIDADE NÃO-FORMAL
COSTA, Áurea de Carvalho – UNESP campus Bauru – aurea@fc.unesp.br
Formación e empleo CNPq

Nessa pesquisa, fizemos a avaliação pedagógica da educação profissional de nível


básico, modalidade não-formal (EPNB). O problema investigado foi se a EPNB é uma modalidade
educacional e se tem sido utilizada como instrumento para enfrentar a questão social, cuja
configuração atual é o desemprego estrutural. As hipóteses são: o real sentido da EPNB afasta-se da
modalidade educacional para adquirir, cada vez mais, a forma instrumento de controle da questão
social, que não converge, necessariamente, para os interesses da classe trabalhadora; a EPNB se
insere na nova institucionalidade, que se concretiza na forma de reforma do Estado, sendo uma
resposta à crise da sociedade capitalista diante do aprofundamento da questão social.
Investigamos os cursos de EPNB, financiados com verbas do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT), divididos em dois grupos: os implementados por meio dos Planos
Municipalizados de Educação Profissional(PMQ), fiscalizados pela Comissão Municipal de
Emprego (COM-Emprego); os implementados por meio de convênios entre o Departamento de
Qualificação Profissional (DEQP) e as Federações que congregam os Sindicatos.
Apresentamos os resultados da pesquisa sobre a rede situada no município de Rio Claro, no
processo de licitação de 2000 e implementação em 2001. Trata-se de momento em que a Secretaria
de Relações de Trabalho (SERT) do estado de São Paulo implementou um projeto de licitação dos
cursos para as instituições parceiras, com uma avaliação prévia tornar o processo mais transparente.
Os dados foram obtidos por meio do PMQ (SÃO PAULO, 2002, p. 66), e de: entrevistas
semi-estruturadas; planos de trabalho; relatórios; material didático de algumas instituições e
bibliografia.
Entrevistamos os atores diretamente envolvidos no processo de implementação desses
cursos nas instituições parceiras no município de Rio Claro: as presidentes da ONG A e do Instituto
C; 2 pedagogas da Associação B, 1 professor da Escola Técnica Estadual D; diretores dos sindicatos
do Sindicato E, F, G, a secretária do Sindicato K; o Diretor do Posto de Atendimento ao Trabalhador
(PAT) e membro da COM-emprego. O funcionário de instituição do Sistema S (H) não concedeu
entrevista, mas forneceu material para a análise. Os documentos analisados foram: relatórios
técnicos das metas atingidas por ação, cartilhas, planos de trabalho dos cursos, diários de classe,
programa de qualificação profissional da FEESB, documentos produzidos pela SERT, cuja
denominação atual é Departamento de Qualificação Profissional.
A PEDAGOGIA DA PRECARIEDADE:
Nesse ítem, realizamos uma análise detalhada dos cursos, para uma melhor apreensão da
sua materialidade.
Os cursos pretendiam preparar para: o emprego, os empreendimentos por conta própria, para a
instrumentalização, como inglês e espanhol. Tratava-se de cursos organizados em módulos isolados
e não articulados entre si.
O fato de o diretor do PAT participar da Comissão Municipal de Emprego fez com que ele
tivesse um contato com as exigências do mercado e percebesse o perfil de profissional que o
mercado demandava. Fundamentado nesses conhecimentos, ele questionou a aplicabilidade dos
cursos oferecidos aos trabalhadores, por meio dos convênios entre federações e sindicatos, uma vez
que eles eram introdutórios e não cumpriam aquela função de qualificação prevista no PNQ: “(...)
porque hoje os empresários não querem saber se a pessoa não sabe. Eles querem um profissional
que saiba mexer com o Word, saiba mexer no Excel. Se aprendem o básico de informática, muitas
pessoas só ficam mexendo, querendo fazer lá o desenho do Power Point, aquilo não vai resolver o
problema da pessoa (Diretor do PAT)”. De fato, tais cursos geram nos trabalhadores expectativas de
que virão a adquirir aprendizados que lhes proporcionarão condições de competir no mercado e elas
não se concretizam.
As habilidades de gestão constituem-se em conteúdo obrigatório, por formarem para o
empreendedorismo. Contudo, a inserção dos empreendedores no mercado apresenta outras
dificuldades, mesmo para os já preparados, como a obtenção de financiamento para a aquisição de
equipamentos, a obtenção de crédito para capital de giro, junto a bancos, e a burocracia, uma vez
que a obtenção de crédito em instituições financeiras privadas depende do oferecimento de diversas
garantias e as instituições públicas de finanaciamento, como o Banco do Povo, exigem que a
empresa já exista há algum tempo na informalidade (Diretor do PAT). Há ainda outros problemas,
internos ao curso, que dizem respeito ao insucesso na qualificação do trabalhadores, devido à
própria estrutura precária das instituições parceiras, levando os atores a assumirem uma posição
dúbia em relação aos cursos, ora atestando a efetividade dessa política pública, ora criticando-a.
DA FORMAÇÃO
A ONG A foi licitada e, em 2001, foram oferecidos cursos com os três tipos de objetivos
(Tab. I).
TABELA I – Cursos/PMQ’s

turmas

carga
instituição

vagas
cursos

horária
Mecânica de automóveis 50 2 72
Recepção e atendimento ao cliente/balconista H 50 2 60

Mecânica de máquina de costura 30 2 72

Confecção: costura industrial fina para marcas de griffe 40 2 72


Confecção: moda e modelagem de confecções 20 1 72
30 1 72
industriais
30 1 72
Formação de jovens empreendedores A 20 1 72
Formação básica em comércio exterior
20 1 72
Turismo e ecoturismo: noções
20 1 72
Noções básicas de turismo e meio ambiente
20 1 72
Formação de técnico municipal de turismo
20 1 72
Operação de roteiros turísticos
Barman
Operação de fresadora 20 1 60
Usinagem: Torno CNC e eletroerosão por penetração D 15 1 60
Condução e transporte de cargas perigosas 15 1 60
Escultura em Cerâmica 20 1 60
Reciclagem em geral 40 1 120
Reciclagem de produtos de coleta seletiva B 40 1 120
Artesanato 40 1 120
Inglês para negócios 2 60
Espanhol para negócios 50 2 60
Atendimento e recepção em meios de hospedagem 30 1 60
Melhoria das condições pessoais 40 2 60
Marketing e gestão de pequenos negócios C 100 4 80
Arrumadeira de hotel 20 1 60
Atendimento e recepção em hotelaria * 40 2 60
Camareira 20 1 60
Porteiro 60 3 60

Os cursos da associação B visavam formar trabalhadores para atuarem no projeto Reciclar,


ou montar negócios por conta própria. A forma como B desenvolveu os cursos tornou-os peculiares,
pois procuraram articular a formação específica dos catadores de lixo com uma discussão sobre
recuperação de objetos, preservação, reciclagem, reaproveitamento e a reflexão sobre as relações
entre o homem e o meio ambiente (Tab. I).
Em H, ambos os cursos preparavam os alunos para trabalharem como empregados. O
curso de mecânica era introdutório e sua carga horária foi dividida em 16 horas para a habilidade
básica, para a de gestão, e 40 para a específica. Dentre os 9 cursos ministrados em C, predominaram
as vagas para cursos instrumentais e os que preparavam para empregos. Apenas o curso Marketing e
Gestão de Pequenos Negócios visava a formação de empreendedores. Na Escola D, os cursos
visavam à formação de trabalhadores para obterem empregos na indústria (Tab. I).
Quanto à infra-estrutura, especialmente nas instituições B, D e H, ocorre o aproveitamento não
só prédio e móveis, como dos recursos humanos de cada instituição. Em B, D e H todos os cursos
solicitados se adaptavam às condições institucionais, poupando novos investimentos.
Sobre os cursos oferecidos nos sindicatos, o critério sua para solicitação, no âmbito das
Federações, foi diferente daquele utilizado pela COM-Emprego, que consistia em fazer uma
pesquisa de demanda no mercado de trabalho local, antes de solicitar os cursos. As Federações
procuravam oferecer cursos que visavam requalificar os trabalhadores da categoria para as funções
que já exerciam no trabalho. O critério seguinte foi o de procurar oferecer cursos para desenvolver
outras habilidades, não ligadas diretamente à função que exercem no trabalho. Isto sugere que, de
modo geral, a EPNB procurou abranger trabalhadores em risco social, tanto empregados como
desempregados, pois os primeiros encontravam-se na iminência de perder o emprego, por falta de
atualização profissional.
Os entrevistados destacaram que os tipos de curso eram escolhidos após serem licitados,
levando-se em consideração as necessidades dos trabalhadores empregados e filiados
(Diretor/Sindicato G). Os cursos desse Sindicato foram ligados à área de atuação do seus filiados.
Havia ainda o curso de Encanador, que poderia ser considerado como preparatório para o trabalho
autônomo de prestação de serviços. Entretanto, ele tinha uma carga horária de 22 h, nas quais
deveriam ser trabalhadas as três habilidades, o que pode ser considerado um limite a esse tipo de
formação (Tab. II).
TABELA II – Cursos/Federações
carga
TURMAS

SINDICATOS VAGAS
CURSOS
horária

Totais

Operador de empilhadeira 90 3 68
Encanador G 90 3 22
Operador de máquinas injetoras 90 3 98
Controle de medidas 90 3 29
Contabilidade bancária K 30 1 60
Análise de Crédito 30 1 60
Matemática financeira 30 1 40
Paisagismo 90 3 72
F
Instalações telefônicas residenciais e comerciais 120 4 72
Operador de telemarketing 105 3 90
Espanhol básico 105 3 90
Inglês básico E 105 3 90
Inglês avançado 105 3 90
Computação 210 3 90
Gerenciamento de pequenos negócios 105 3 90

O diretor do Sindicato G justificou a não escolha de cursos para formar empreendedores


pela falta de interesse do alunado e pela preocupação do próprio Sindicato em manter os seus
trabalhadores empregados. Não havia um nível de escolaridade mínima exigida para que se
freqüentasse o curso, pois: “É que se for assim [exigir escolaridade], na área química, você vai
encontrar gente que não sabe nem as contas. Então, nós temos que preparar um curso...que ele passe
a saber pelo menos a assinar o nome dele e depois fazer o ... profissionalizante” (Diretor/Sindicato
G).
O Sindicato E também escolheu os tipos de curso que atendessem as necessidades da
categoria, mas havia também cursos voltados à formação de empreendedores (Tab. II).
DA ESTRUTURA PEDAGÓGICA
Quanto às cargas horárias, os parâmetros estabelecidos nacionalmente foram um mínimo de 60 e
um máximo de 120 h por curso. As habilidades específicas poderiam ocupar , no máximo, 60% da
carga horária (CASTIONI, et. al. 2000, p. 15). Num curso de 60 h, as habilidades específicas
poderiam ser desenvolvidas, no máximo, em 36 h, restando 24 h para as duas outras habilidades.
Num curso de 120 h, as habilidades específicas poderiam ser desenvolvidas em até 72 h e, para as
outras habilidades, haveria 48 h. No grupo das instituições da tabela I, predominaram cursos de 60 h
ou 72 h. A presidente do instituto C expressou a dificuldade de acomodar os conteúdos exigidos às
cargas horárias, afirmando que os cursos proporcionam noções, mas não são profissionalizantes,
havendo, na verdade, uma preparação mínima para o mercado de trabalho. Na escola D e no
sindicato F, a carga horária foi apontada pelo professor como pouca para a qualificação de pessoas
que não tinham experiências anteriores, consistindo, antes, em cursos de atualização, ou seja
complementada com a prática profissional.
Os cursos eram organizados em classes de cercade 30 alunos, eram diários ou em dias
alternados, e duravam no máximo um mês por ano, atendendo a um contingente restrito (Tab. I).
Depois, a rede de EPNB se desarticulava até se iniciar um novo processo licitatório para o ano
seguinte. Devido ao fato de a EPNB constituir-se numa rede sem infra-estrutura física de suporte,
ela depende de instalações das instituições parceiras, disponibilizadas após todo um processo de
licitação anual. Assim, essas instituições, além de não terem organização e estrutura perenes,
voltadas para o EPNB, funcionam como unidades de ensino dessa modalidade, apenas uma vez por
ano, durante algumas semanas. Esse ensino profissional é orientado por uma política pública, tem
uma organização própria, mas não tem uma infra-estrutura que a sustente.
As instituições A e B apresentaram os Planos de Trabalho, dos quais constavam os
temas a serem desenvolvidos em cada habilidade, para cada um dos três cursos. Contudo, as
habilidades básicas foram desenvolvidas da mesma forma, nos diferentes cursos, sempre com carga
horária de 8 h. Embora se tratasse de habilidades básicas, os conteúdos referiam-se,
predominantemente, às habilidades específicas, pois trabalhavam com tabelas de cores, com
símbolos internacionais para representarem a coleta seletiva, ainda que houvesse também o cuidado
de se incluirem discussões sobre cidadania, organização do trabalho, os cinco sensos e o trabalho
em grupo.
Nas habilidades de gestão dos cursos de B, cuja carga horária era de 8 h e os conteúdos
eram comuns a todos os cursos, houve um momento destinado a discutir formas de trabalho,
documentos essenciais do cidadão, relações interpessoais, planejamento, execução e avaliação de
ações e se discutiam aspectos das habilidades específicas no módulo habilidades básicas. Nas
habilidades específicas, os conteúdos variavam de curso para curso e, por vezes, repetiam assuntos
já discutidos, como relações interpessoais. No programa do curso de reciclagem de produtos de
coleta seletiva, discutiam-se temas como família, stress, limpeza de móveis e equipamentos
pessoais, roupas, local de trabalho, limpeza urbana; no curso de reciclagem, em geral, discutiu-se
também, segurança no trabalho, higiene e primeiros socorros.
Quanto às habilidades específicas, o curso de artesanato foi o único, na B, cujos conteúdos
se referiam ao manuseio de ferramentas de trabalho, de técnicas de trabalhos manuais, de pintura
em diferentes materiais, costura, bordado e crochet. A distinção entre o que seriam essas três
habilidades não era clara, de modo que, houve repetição de conteúdos e introdução de alguns temas
nas habilidades específicas, cujo espaço de discussão seria para as outras habilidades.
A escola técnica D disponibilizou-nos os diários de freqüência, com o registro das
matérias dadas. Nesses cursos, a estratégia de distribuição dos conteúdos de cada habilidade dentro
da carga horária foi a seguinte: cada dia de aula desenvolvia-se em 4 h, das quais 2 ou 3 foram
usadas para a transmissão de informações relacionadas às habilidades específicas, de natureza mais
técnica, e 1 h, e/ou 2, foi dedicada à discussão de temas relacionados às habilidades básicas e/ou às
habilidades de gestão. Os temas relacionados às habilidades básicas e de gestão foram: setores
empresariais, diálogo e cordialidade, o debate na democracia, cooperativismo e associativismo, a
constituição e os direitos do trabalhador.
Nos planos de trabalho fornecidos por H, constaram, para os dois cursos oferecidos,
conteúdos iguais para as habilidades básicas e as de gestão. O que variou em cada curso foi o
conteúdo das habilidades específicas, como mecânica de automóveis e balconista. Nas 16 h
dedicadas ao desenvolvimento das habilidades básicas propuseram-se a ensinar leitura e
interpretação de textos; noções de gramática; saúde e segurança no trabalho; meio ambiente;
direitos do cidadão; cooperativismo e associativismo. Para as habilidades de gestão dedicaram
também 16 h, nas quais desenvolveram temas como comunicação, planejamento, trabalho em
equipe e gestão do posto de trabalho, currículo e orçamento familiar.
O Sindicato K estabeleceu os mesmos conteúdos de habilidades básicas e de gestão para
cursos diferentes. Porém, as cargas horárias eram diferentes. No módulo sobre habilidades básicas
foram discutidos temas como a globalização, o avanço tecnológico e as novas exigências do
trabalho, além dos direitos do trabalhador, legislação e emprego. Nas habilidades de gestão, o tema
emprego voltou a ser discutido, mas aí se incluiu também marketing pessoal, comunicação,
currículo e perfis de profissões.
Quanto às habilidades, conforme as orientações do PNQ, as básicas se referiam à leitura,
escrita, compreensão de textos, o cálculo, o raciocínio e noções de cidadania; as de gestão, àquelas
que preparavam tanto para gerir o trabalho em equipes, quanto para que o indivíduo, numa situação
de desemprego estrutural, empreendesse um negócio por conta própria; as específicas se referiam
aos saberes técnicos e às condutas dos trabalhadores nas situações de trabalho. Mas, ao apreciarmos
alguns dos conteúdos programáticos, percebemos que há confusão entre o que se poderia
considerar como habilidades básicas ou de gestão, uma vez que não há articulação entre os temas,
na maioria dos casos, e nem entre as habilidades, considerando-se que nos detivemos numa análise
técnica da estrutura dos cursos. O Plano indica que tais habilidades não se restringem ao âmbito do
saber técnico e da destreza motora, incluindo os atributos da pessoa como iniciativa, liderança e
controle. Entretanto, não houve uma compreensão do que significam tais habilidades; eles resultam
apenas num mosaico de temas apreciados rapidamente durante o curso.

Se do ponto de vista conceitual a pedagogia das competências, estruturada sobre conjuntos


de habilidades, que antes dizem respeito a atributos do que a saberes técnicos, já apresentava
problemas tanto no âmbito pedagógico como no ideológico (MANFREDI, 1998; RAMOS, 2001), o
empobrecimento dessa mesma proposta, na prática, compromete definitivamente os cursos,
resumindo-os a simples política focal, a qual, na verdade, atende a um contingente restrito e visa
proporcionar um arremedo de qualificação à parcela mais pobre da classe trabalhadora. Assim, os
trabalhadores que se submetem a esses cursos recebem conteúdos exíguos, repetitivos e que não
contribuem nem mesmo para a aquisição das habilidades, cujo conjunto deveria se constituir nas
competências necessárias à empregabilidade.
As instituições parceiras produziam o material didático, mas sob a orientação do PNQ. Na
instituição A a elaboração do material didático contou com a colaboração voluntária de profissionais
da universidade pública situada em Rio Claro, visto que, segundo o depoimento de sua presidente,
não havia verbas do PNQ previstas para essa atividade. Outras instituições que produziram maerial
foram: Associação B, onde as pedagogas produziram uma cartilha sobre os 5 sensos e outra sobre o
problema da deficiência física e mental, tabelas de vacinação, prevenção contra acidentes com
idosos, crianças no trânsito, acidentes de trabalho ainstituição H, com uma cartilha com textos,
figuras e exercícios sobre os seguintes temas: identidade, ética, cidadania, relações interpessoais,
meio ambiente e qualidade de vida; globalização, trabalho e transformação; saberes, competências e
projeto de vida; trabalho em equipe. Na D, os próprios professores elaboraram apostilas. Para
desenvolverem o programa de habilidades, receberam o material didático produzido no centro
administrativo das escolas técnicas de todo Estado. Em K, o material didático utilizado foi
produzido na SERT e distribuído às instituições parceiras pela Federação. Conforme o depoimento
do diretor do sindicato K, havia queixas dos professores de que esse material era insuficiente para
atender as necessidades dos cursos. No Sindicato G, os instrutores adaptaram o material didático do
PLANFOR, para fins de atualização de informações e maior motivação dos alunos (diretor/ Sindicato
G). Em E, os professores é que produziam as apostilas.
Quanto aos recursos didáticos, as aulas eram expositivas, havendo palestras de especialistas,
filmes, trabalhos com jornais e revistas, aulas práticas, demonstrações e dinâmicas de grupo.
A seleção dos educadores era de responsabilidade de cada instituição, havendo professores
com nível universitário, técnicos e profissionais com experiências práticas, decorrentes do tempo de
serviço; a estes últimos, referimo-nos como instrutores, devido à natureza prática de sua formação.
Conforme a presidente da ONG A, seus professores tinham nível universitário ou técnico.
No que concerne à contratação de professores, A cadastrava os profissionais interessados e os
convidava, conforme sua necessidade. Em B, D e H, havia o aproveitamento de profissionais que já
trabalhavam nas respectivas instituições anteriormente ao convênio com a SERT. A escolha dos
professores era feita também de duas maneiras: seleção de estudantes universitários e/ou convite
aos próprios funcionários de B. A escola técnica D aproveitava seus docentes para ministrar aulas.
Em H, eram recrutados para ministrar os cursos professores com formação específica em
nível técnico. Em G, para as habilidades básicas e de gestão, havia uma professora e, para as
habilidades específicas, um instrutor com formação de nível técnico.
Os profissionais do ensino eram de nível universitário no Sindicato K, e a contratação se
dava após uma seleção partir dos currículos, embora as diretrizes da FEEB/SP não exigissem que o
professor tivesse, necessariamente, uma formação específica . Em F, os instrutores foram
convidados, e, quanto à formação, a preocupação do diretor foi a de contratar profissionais com
experiência.
Dentre as cinco instituições do grupo do PMQ, 3 possuíam pelo menos um especialista
em educação para orientar e supervisionar a implementação dos cursos, são elas: A, B e C. A
instituição A mantinha coordenadores pedagógicos trabalhando voluntariamente na seleção de
professores, dando assessoria pedagógica e colaborando na organização de um arquivo de dados
sobre os alunos. Para coordenar os cursos do PNQ, eles recebiam verba do FAT.
C contava com 2 pedagogos, que preparavam o material didático e eram responsáveis pela
seleção e contratação dos professores, estes predominantemente de nível superior. Em H, a
coordenação dos cursos permaneceu sob responsabilidade de um diretor licenciado em Educação
Física.
No Sindicato K, havia uma coordenação pedagógica na FEEB/SP para orientar e
supervisionar a implementação dos cursos, contudo, no âmbito local, não havia especialista
responsável. Em E, o diretor responsável pela implementação era licenciado em Educação Física e
em Pedagogia, com habilitação em Administração Escolar. Embora ele tivesse formação de
especialista em educação, subordinava-se a um Instituto de Educação, contratado pelo Sindicato
para supervisionar a seleção e a contratação de professores, bem como para a supervisão do material
didático. Os Sindicatos D, F e G não tinham um especialista em educação responsável pela
implementação dos cursos.
Desses dados, podemos depreender que a rede de EPNB contava com recursos
humanos não efetivos, trabalhando sob contratos temporários, durante um curto espaço de tempo.
Havia um contingente de trabalhadores da educação, cujos potenciais poderiam ser mais bem
aproveitados se fossem inseridos numa instituição educacional, voltada para a EPNB sólida e
estruturada do ponto de vista organizacional e de apoio logístico. Ademais, os profissionais que já
são quadros institucionais, aproveitados para ministrar e/ou coordenar tais cursos, acabaram
sofrendo sobrecarga de trabalho durante um período do ano.
Em H, bem como em A, a avaliação era formal, no final do curso, além do controle de
freqüência. Entretanto, a A tinha a peculiaridade de oferecer recuperação escolar.
Devido ao fato de a associação B admitir em seus cursos pessoas que não dominavam a
linguagem escrita, isto a levou à elaboração de um processo informal de avaliação (Coordenadora
II/B). Em D, A e C, a avaliação era formal ou informal, conforme a decisão de cada professor.
Nos Sindicatos F e G, a avaliação dos alunos, ao final do curso, era feita formalmente,
por meio de provas. Os instrutores tinham autonomia para realizar as avaliações formais ou
informais, conforme suas necessidades, desde que, ao final do curso, atribuíssem uma nota a cada
aluno. Um dos problemas que eles enfrentaram foi o da baixa motivação dos alunos. A avaliação era
do tipo formal em E, elaborada pelos professores, mas supervisionada pelo instituto contratado.
A evasão, na maioria das instituições do grupo do PMQ, revelou-se baixa, menos de
10%, e, mesmo assim, não havia a perda da vaga, pois os desistentes eram substituídos por outros
da lista de espera. Em geral, as evasões deviam-se ao fato de os trabalhadores encontrarem um
emprego e, por problema de incompatibilidade de horários, deixarem de freqüentar as aulas.
No grupo dos sindicatos, havia altos índices de evasão; assim sendo, criaram-se mecanismos para
preencher rapidamente as vagas ociosas. Para que não houvesse perda de vagas, utilizou-se o
expediente de chamar candidatos inscritos que estavam na lista de espera, por ordem de inscrição.
No sindicato K, o nível de evasão foi alto, mas eles não tinham listas de espera; problema este que
foi resolvido montando-se classes com número de alunos maior do que o número de vagas
disponíveis, para se garantir que os cursos não fossem fechados por falta de alunos.
A MATERIALIZAÇÃO DE UMA NOVA INSTITUCIONALIDADE
A EPNB instituiu-se a partir de uma nova concepção, qual seja, aquela determinada desde a
reforma do Estado na década de noventa, a qual se deu sob as seguintes justificativas: o Estado
passou por uma crise fiscal e o seu papel de intervenção no âmbito econômico tornou-se
questionável sob o ponto de vista dos reformadores; o processo de globalização estaria
demandando reformas e, nesse novo contexto, far-se-ia necessário redefinir o papel do Estado,
de modo que a sociedade civil assumisse um papel de terceiro setor na reforma das instituições
básicas, além do Estado e do mercado (PEREIRA, 1999, p. 69).
Para explicitar no que consistiria a nova institucionalidade, o autor parte do
pressuposto de que a sociedade civil está fora do âmbito do Estado: “sociedade civil entendida
como a sociedade que, fora do Estado, é politicamente organizada, o poder nela existente sendo
o resultado ponderado dos poderes econômico, intelectual e, principalmente, organizacional que
seus membros detêm”. A premissa de que a sociedade civil constituir-se-ia no terceiro setor
levou a uma prática na qual ele assumisse a responsabilidade sobre serviços que antes
pertenciam ao âmbito do Estado, sob a alegação de aumento de eficiência: nasce o conceito de
público-não estatal (Id. p. 71 e 91).
Contudo, as instituições ditas públicas não-estatais, na verdade, são privadas na
origem jurídica, o que nos leva a compreender que se trata de uma forma de privatização de
serviços públicos.
Conforme FIDALGO e MACHADO (2000, p. 95), os desafios para a educação profissional,
colocados pela nova institucionalidade, consistiriam na busca de alternativas, na adaptação das
instituições e no conceito de formação profissional nesse novo contexto capitalista, enfim, na
revisão dos conceitos e práticas decorrentes do processo de reestruturação produtiva, tendo
como conseqüência a mudança no perfil das qualificações profissionais. Nesse sentido, o
PANFLOR deveria incluir, além da qualificação, a geração de trabalho e renda. E, a partir de
2003, o PNQ foi instituído com a mesma característica, pois permanecem inalteradas as
estruturas institucionais e os mecanismos operacionais que conferiram ao PLANFOR a
condição de política pública, cuja qualificação profissional é considerada como objeto das
políticas públicas de emprego (CÊA, 2004, P. 13).
O projeto da EPNB no Brasil tem se desenvolvido segundo a lógica em que a infra-estrutura
física e logística é totalmente dependente das instituições parceiras, submetidas à qualidade que
estas podem oferecer. Constatamos que a rede da EPNB, sob o modelo da nova
institucionalidade, se concretizaram sob a forma de uma rede temporária de educação
profissional. Além disso, não se pode deixar de apontar que esse programa levou a uso privado
recursos públicos: “O paritatismo tem servido, assim, de mediação política para que o mercado
regule o sistema de ofertas de educação profissional, para a transferência de recursos públicos
para empresas e/ou instituições privadas ou para direcionar a atuação para instituições públicas
segundo a lógica desse mercado (FIDALGO e MACHADO, p. 103)”.
Nossos dados de pesquisa ratificam as observações desses autores, de que o ensino
profissional não se articula com o ensino regular, não tem uma estrutura seriada que proporcione
um aprofundamento de conhecimentos a cada curso (Id,. p. 99-101)
Trata-se da concretização de um novo projeto de educação profissional, definido antes
mesmo da promulgação da LDBEN, cujas características são a fragmentação do currículo, a
desvinculação do ensino regular, a separação total entre saberes acadêmicos e saberes técnicos;
enfim, a redução da educação profissional ao treinamento, e de caráter compensatório para a classe
trabalhadora, alijada da educação formal na idade própria, ao apresentar-se como alternativa àqueles
que não tiveram a alfabetização em idade própria (LIMA Fº, 2002, p. 184-6).
A princípio, a educação profissional propõe-se a profissionalizar e a qualificar; porém, tal
qualificação só se conclui quando o trabalhador pode exercer a atividade correspondente a ela. No
caso do PLANFOR, a qualificação assumiu um sentido em que “a tônica tem sido a de favorecer o
desenvolvimento de qualificações estreitas para postos de trabalho precarizados ou para o
desenvolvimento de atividades no setor informal da economia (FIDALGO; MACHADO, p. 101)”.
O sentido estrito de qualificação insere-se na perspectiva tecnicista, que valoriza as
habilidades do trabalhador e que, segundo MANFREDI (1998, p. 24), vem sendo substituída pelo
modelo de competências, que se constituiria numa ressignificação do conceito tecnicista de
qualificação, com vistas a incorporar, além da dimensão técnico-científica, uma dimensão político-
ideológica, pois as habilidades passam a valorizar aspectos subjetivos do trabalhador interessantes
ao capital, que até então eram subsumidos (Idem, p. 30).
O que se observa é o ministério do trabalho, numa ação integrada com o ministério da
educação, impondo políticas públicas de qualificação, enquanto política de emprego e geração de
renda, não garantindo a qualidade pedagógica dos cursos e contrariando as expectativas para um
ministério, cujo objeto é justamente a educação formal e informal.
De modo geral, os cursos visam, antes, preparar o trabalhador para criar meios de prover sua
sobrevivência, do que aos objetivos especificamente pedagógicos. E isso guarda uma coerência com
o conceito de qualificação assumido, pois, conforme destaca MANFREDI (1998, p. 19 e 26),
autores como KUENZER (1985) e CARRILO (1994) têm associado essa idéia de qualificação às
práticas de treinamento. Isso se concretiza sob a forma de cursos barateados pelas cargas horárias
mínimas, trabalho voluntário, sem estrutura, recursos humanos e físicos perenes, depedendência da
estrutura das instituições parceiras, que por sua vez, investem minimamente, reaproveitando
funcionários. Trata-se de um pobre curso para pobres trabalhadores, muitos deles, sequer com um
nível escolar que permitisse o acompanhamento das aulas.
A precariedade dos cursos se fez sentir em outros aspectos pedagógicos analisados.
verificou-se confusões entre as diferentes habilidades e na desorganização no que tange à
elaboração e à organização dos conteúdos do material didático. Os professores recrutados e
selecionados conforme diferentes critérios, os quais consistiam em mão-de-obra com formação
de nível superior, contratada para atuar numa estrutura “escolar” efêmera, contando com
trabalho voluntário, e aproveitando a infra-estrutura já existente nas instituições parceiras
possibilitando economia de recursos, mas submetendo a política pública à qualidade que as
instituições parceiras podiam oferecer.
Enfim, os cursos em análise baseavam-se em três preocupações: a de credenciar os
trabalhadores, oferecendo-lhes certificados que aterstassem suas habilidades; elevar o trabalho
informal ao nível da formalidade por meio da habilitação de trabalhadores como pequenos
empreendedores; ocupar do tempo do trabalhador desempregado.
No que tange ao credenciamento, este se faz com vistas à aquisição de atributos, os quais em
seu conjunto confeririam ao trabalhador um maior nível de “empregabilidade”, compreendida como
maior capacidade de trabalho (SHIROMA; CAMPOS, 1997, p. 34).
Ocorre que, como as demandas do capital variam muito, não há garantias de que a aquisição
de um ou de outro atributo redundará numa preparação mais adequada para o mercado de trabalho
sempre cambiante. Ademais, pela baixa qualidade dos cursos, o credenciamento não corresponde a
um melhor nível de qualificação, necessariamente. Quanto ao objetivo de preparação para o
emprego e para o trabalho por conta própria, trata-se de uma formalização do trabalho informal,
sem a garantia de direitos do trabalho assalariado, uma vez que o trabalhador assume o estatuto de
pequeno empreendedor e todas as responsabilidades dele decorrentes. Ademais, os trabalhadores
encontram uma barreira significativa para efetivarem-se como empreendedores, o que reside no fato
de que para se tornar empreendedor é preciso mais que certificação, é preciso capital.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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cursos de qualificação profissional no âmbito do PLANFOR: a experiência de São Paulo.
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pesquisas em educação. Educação e Sociedade., Dez 1997, vol.18, no.61, p.13-35.

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