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A topicalidade

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e a distância
LETRASreferencial
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LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE

texto

A topicalidade e a distância referencial: um estudo do


sintagma nominal definido no gênero editorial
Ernani Cesar de Freitas
Doutor em Lingüística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras – PUCRS

Introdução Talmy Givón, cuja proposta teórica funcionalista


Neste trabalho, o objeto de estudo tem como foco as serve de fundamento para este estudo, apresenta a idéia
descrições definidas existentes no discurso em gênero de que a linguagem não pode ser adequadamente ex-
textual editorial. Consideramos descrições definidas os plicada sem referência também à função comunicativa.
sintagmas nominais que iniciam por artigo definido, a Nessa função, uma das noções pragmáticas centrais é a
saber o, a e suas formas plurais, os, as. de tópico, visto que a topicalidade leva em conta o
À medida que são introduzidas no texto, as des- interlocutor e a situação de comunicação. Numa pers-
crições definidas podem estar se referindo a uma en- pectiva funcionalista, as expressões lingüísticas visam à
tidade que esteja aparecendo pela primeira vez no interação entre os participantes do ato comunicativo, isto
co-texto discursivo, ou podem se referir a alguma pa- é, não significam em si, mas na relação entre o emissor
lavra ou expressão já apresentada no texto. Dessa forma, (escritor) e o receptor (leitor).
elas podem ser novas no discurso, ou podem apresentar No modelo defendido por Givón (1990), a topica-
uma relação de correferência ou de referência com lidade é uma propriedade dos referentes nominais – mais
algum termo anterior já conhecido do interlocutor do freqüentemente sujeitos e objetos – das orações. Embora
texto. sendo expresso gramaticalmente no nível oracional,
O estudo textual ganhou força há algumas décadas, a topicalidade não é uma propriedade de referentes
em virtude de serem os textos o que os usuários da língua dependente da oração, ao contrário, é dependente do
utilizam na comunicação e não sentenças desconexas. discurso.
Além disso, determinadas relações, que não podem ser Givón (1992) estabelece como propriedades prag-
explicadas no nível da frase, encontram razão de ser no mático-discursivas da topicalidade, a previsibilidade
nível do texto. Tais relações não se esclarecem numa referencial e a importância temática. Ambas apresentam
dimensão exclusivamente sintática, mas evocam também correlatos cognitivos que abrangem duas dimensões: a
aspectos semânticos e pragmáticos. Muitas são as linhas busca pelo referente na representação mental do texto
teóricas que embasam o estudo do texto. O estrutu- e a ativação da atenção. De acordo com este modelo,
ralismo e o gerativismo aparecem entre as correntes que, um dos fatores que interferem na acessibilidade é a
embora tenham transposto os limites da frase, tiveram continuidade referencial que pode ser mensurada através
sua pesquisa circunscrita a tipos de relação entre enun- da distância referencial. Tal evidência consiste no fato
ciados de uma seqüência, negligenciando as condições de que contextos cujo tópico apresenta baixa distância
de produção. A corrente funcionalista, por sua vez, se do antecedente requerem recursos gramaticais menos
preocupa em verificar não apenas aspectos imanentes do marcados de codificação; ao contrário, em contextos que
texto, mas também destaca o seu estudo em relação à apresentam distância referencial alta, a exigência é de
situação de comunicação, considerando o emissor, as recursos mais marcados.
suas intenções, e a quem se destina. Este estudo analisa texto do gênero editorial, pu-
O texto consiste numa unidade de sentido. Uma blicado pela revista Veja, edição de 6 de julho de 2005, o
mera seqüência de sentenças, que não pode ser con- qual insere-se numa situação concreta de uso, analisados
siderada como um todo significativo, não constitui um na dinâmica da produção, estando escritor e leitor
texto. Atribuir-lhe sentido requer que o mesmo seja situados num dado contexto histórico-social. A análise
compreendido como coerente. A coerência, por sua vez, segue, assim, a linha funcionalista da linguagem em que
está vinculada à coesão, à continuidade de sentido e ao os elementos gramaticais são empregados como uma
contexto sociocomunicativo, que de forma integrada estratégia, de acordo com a intenção comunicativa,
tornam-se relevantes no seu estabelecimento. visando à interação entre os participantes do ato co-
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municativo. Acreditamos que tanto na leitura, quanto na 2 A acessibilidade referencial


produção de textos a compreensão da função textual, dos A acessibilidade referencial é marcada por ele-
objetivos dos interlocutores envolvidos na comunicação, mentos anafóricos e, segundo Givón (1992), está rela-
bem como de quem são esses interlocutores e de que cionada à procura cognitiva pelo referente nominal já
maneira empregam as expressões lingüísticas, são fato- existente no contexto discursivo mentalmente armaze-
res que influenciam no êxito das atividades de ler e de nado, ou ao conhecimento prévio presente na memória
produzir textos. do receptor, ou ainda a sua capacidade de compreender
o texto numa certa situação discursiva.
1 O tópico segundo Givón De acordo com o autor ainda, o tópico torna-se
Givón (1992) chama a atenção para o fato de que acessível ao receptor na continuidade referencial, ou
o tópico é considerado importante se ocorre repeti- seja, se a distância entre o elemento corrente e a sua
das vezes no discurso, formando cadeias equitópicas. última ocorrência no discurso precedente for pequena;
Desse modo, a visão de tópico como “a respeito do se não houver competição referencial surgida pela
que se fala” ou “o que é importante” só é verdadeira presença de um ou mais referentes semanticamente
se o tópico permanece como tal por um número compatíveis no contexto precedente; pela informação
sucessivo de sentenças. No nível da sentença, tópico temática da oração; e ainda pelo fato de o emissor e o
como tal não tem sentido. Em outras palavras, o que receptor compartilharem a mesma cultura.
torna os seus participantes topicais não é o fato de Givón (1992) descreve a acessibilidade referencial
gramaticalmente serem codificados como tópico na como um dos aspectos pragmático-discursivos da
oração que os contém, mas porque eles são tópicos ao topicalidade verificável através de certos procedimentos
longo do texto. A sua topicalidade é, então, devida à mensuráveis. Givón (1992) apresenta como medidas da
recorrência desses referentes no discurso. O tópico acessibilidade a distância referencial (DR), a referência
possui, então, a propriedade da continuidade e permite, contínua/descontínua (RC/RD) e a interferência
numa síntese, dizer sobre o que trata o texto. Para Givón potencial (IP). A DR indica o número de orações
(1992), histórias, capítulos ou parágrafos temáticos são existentes a partir da última ocorrência do referente no
construídos através de seqüências de sentenças, as quais discurso precedente. A medida da DR é uma escala
compreendem o mesmo tema e tendem a manter o graduada de 1 a 20. A referência contínua ou descontínua
mesmo tópico. indica se a oração precedente tem o referente como
Givón (1992) estuda o tópico numa concepção argumento ou não. A medida RC/CD é uma escala
pragmático-discursiva em que a topicalidade é motivada binária sim/não. A IP indica a existência ou não de
pela cognição. O autor reinterpreta a gramática da topi- referentes semanticamente compatíveis nas orações
calidade como um conjunto de instruções do processo precedentes. A medida de IP é uma escala binária
mental, ou seja, os sinais gramaticais usados pelo emis- discreta presença vs ausência.
sor para codificar a topicalidade no discurso causam
operações específicas na mente do interlocutor. Na 3 A codificação do tópico
verdade, os sinais gramaticais que aparecem no dis- Conforme Givón (1989), o tópico desempenha dife-
curso para codificar o tópico representam o esforço rentes funções no discurso. Essa diferença é elucidada
do emissor para embasar a informação na perspecti- pelo referido autor através da noção de acessibilidade
va do receptor. Essa dimensão cognitiva que subjaz topical que, por sua vez, se encontra associada à conti-
ao uso do tópico está relacionada aos seus diferentes nuidade no discurso. O início do parágrafo representa a
valores de continuidade que, por sua vez, é um dos quebra da continuidade da cadeia tópica do parágrafo
fatores que determina as condições de acessibilidade. precedente. O tópico é considerado descontínuo nesse
Assim, se a continuidade em relação ao antecedente é ponto. Além disso, o elemento topical pode retornar
alta, a acessibilidade ou a previsibilidade do tópico é depois de uma longa lacuna de ausência ou depois de
maior e mais fácil é processá-lo, podendo ser recuperado uma pequena lacuna, e esse contexto do discurso con-
através de um recurso gramatical menos marcado. Em diciona diferentes codificações sintáticas.
contraste, se a continuidade tópica em relação ao Givón (1989) esclarece ainda que qualquer tópico
antecedente é baixa, isto é, se há descontinuidade, o pode aparecer em contextos onde haja mais de um
tópico torna-se menos acessível, mais difícil de ser antecedente possível na mesma oração ou no seu am-
recuperado, necessitando um mecanismo gramatical biente imediato do discurso. Essa situação, especial-
mais marcado. No modelo defendido por Givón (1990), mente quando os possíveis referentes compartilham o
a topicalidade é uma propriedade dos referentes gênero semântico e/ou gramatical com o tópico em
nominais – mais freqüentemente sujeitos e objetos – das questão e possuem o mesmo papel temático funcional
orações. frente ao verbo, cria um potencial para a ambigüidade,
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gerando dificuldade para o leitor identificar o verdadeiro As hipóteses desta investigação são as seguintes:
antecedente. Mecanismos sintáticos diferentes podem ser 1. O tópico é lingüisticamente menos marcado na
usados para codificar tópicos em ambientes de ambigüi- continuidade referencial e lingüisticamente mais
dade tópica mais alta ou mais baixa. marcado quando há descontinuidade em textos
De acordo com o autor, todas essas considerações argumentativos na língua portuguesa, conforme
são extremamente importantes para a compreensão do o modelo de Givón.
domínio funcional da continuidade tópica no discurso, 2. As expressões lingüísticas de retomada do tópi-
tanto quanto os vários mecanismos sintáticos usados para co na continuidade topical realizam-se de forma
codificar diversos pontos desse domínio. Conforme específica em textos argumentativos na língua
Givón (1995), gramaticalmente, a marcação do tópico portuguesa.
está relacionada com a continuidade referencial, isto é,
se o referente é contínuo ou descontínuo. Referentes to- 4.1 Seleção do corpus
picais contínuos apresentam pequena distância do ante- Com a finalidade de verificar as hipóteses levantadas,
cedente e são codificados como zero ou pronomes anafó- a pesquisa está centrada na análise de um texto do gê-
ricos, considerados recursos gramaticais menos marca- nero editorial, o qual foi publicado na revista Veja, edição
dos. No contexto discursivo de máxima continuidade 1912, de 6 de julho de 2005, seção Carta ao Leitor.
referencial, um referente importante (topical) é, portanto,
menos marcado, já que ele permanece ativado no dis- TEXTO 1 – PUBLICIDADE E DEMOCRACIA
curso e, cognitivamente, é mais fácil de ser recuperado. (Revista Veja, 6 jul. 2005)
No que diz respeito aos tópicos descontínuos, gra- O surgimento com destaque no cenário da corrupção
maticalmente, recebem quantidade maior de código e, do nome de Marcos Valério, detentor de participações
cognitivamente, exigem mais esforço mental, sendo re- em duas agências de publicidade em Belo Horizonte,
jogou uma injusta e irreal sombra de desconfiança
presentados pelos sintagmas nominais definidos. Givón
sobre toda uma atividade. Como as demais profissões,
(1995) afirma que sintagmas nominais definidos (e a de publicitário incorpora em suas fileiras pessoas
topicais) são cognitivamente acessíveis ao ouvinte por de todos os gradientes éticos. É um erro colossal,
três vias: a situação imediata de fala, o conhecimento porém, generalizar o julgamento negativo feito sobre
compartilhado por membros do mesmo grupo lingüís- a publicidade brasileira tendo como base apenas as
tico-cultural ou através da informação fornecida pelo trampolinices de Valério. Em boa medida, os elogios
próprio texto. Trata-se de um mecanismo gramatical que a imprensa tem recebido pelo trabalho de faxina
adequado a ambientes de alta distância referencial. da coisa pública no Brasil devem ser divididos com a
publicidade. A preciosa liberdade de expressão não
Givón (1992) divulga no artigo The grammar of
existe no vácuo. Ela precisa de uma base material que
referencial coherence as mental processing instructions lhe dê sustentação. Essa base é uma sólida e variada
os resultados de um estudo sobre a codificação do tópi- carteira de anunciantes, cujo suporte financeiro
co, segundo a distância da última menção, em textos permite às publicações praticar um jornalismo crítico
narrativos e conversacionais de língua inglesa. O autor e independente.
concluiu a utilização de recursos gramaticais menos Os anunciantes e os leitores, que compram a revista
marcados para codificar o tópico numa distância refe- em banca ou por assinatura, são as duas únicas fontes
rencial (DR) pequena, e recursos gramaticais mais de receita de VEJA. A revista tem o orgulho de
marcados para codificar o tópico numa DR maior, reconhecer o papel fundamental que seus milhares de
relacionando esses resultados às condições de acessi- anunciantes e centenas de agências de publicidade
exercem na garantia de que VEJA possa ser a cada
bilidade referencial.
semana “as vistas da nação” – como descreveu a
imprensa o jurista e estadista Rui Barbosa (1849-
4 Metodologia
1923). Ao discursar na abertura do 30o Festival
Este estudo fundamenta-se no modelo discursivo- Iberoamericano de Publicidade, realizado em Buenos
funcional de base cognitiva para a análise do tópico, Aires há seis anos, Roberto Civita, presidente do
proposto pelo lingüista Talmy Givón, conforme alguns Grupo Abril, que edita VEJA, disse que “sem a
pressupostos teóricos apresentados anteriormente neste publicidade seria impossível manter a multiplicidade
trabalho. dos meios de informação que divulgam idéias,
De acordo com essa abordagem, os tópicos levan- defendem pontos de vista diferentes, denunciam a
corrupção e estimulam o debate político”. Dirigindo-
tados no texto foram submetidos ao cálculo de distância
se aos publicitários, ele concluiu: “Toda vez que
referencial, seguido da análise da quantidade de codi- estiverem engajados em planejar, criar, produzir e
ficação em relação à distância constatada, bem como da veicular um simples anúncio, lembrem-se de que
análise das formas lingüísticas de expressão do tópico estão assegurando a perpetuação da liberdade e da
no texto argumentativo objeto deste estudo. democracia”.

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5 Análise diversidade de expressões do SN DEF topical, ainda que


Neste item, serão apresentados os recursos grama- com um caráter bastante específico nesse gênero textual,
ticais utilizados na codificação do tópico no texto mas também no tipo de relação entre o elemento topical
argumentativo analisado, bem como a freqüência desses e o seu antecedente anafórico. Todavia, ainda é mais
recursos no gênero textual estudado. Inicialmente, será usado em contextos de descontinuidade temática do que
mostrada a tabela geral com os valores encontrados os recursos menos marcados, conforme constatou Givón
no cálculo da DR em orações, correspondentes a cada (1992).
mecanismo de codificação topical, a fim de que seja O SN DEF realiza-se de forma muito peculiar no
possível, durante a leitura da análise, visualizar os re- estudo realizado por Barbisan e Machado (2000) sobre o
sultados apurados. tópico em textos argumentativos orais e escritos. Foi
A primeira coluna da Tabela 1 apresentada a seguir possível constatar, segundo as autoras, que pelo fato de
revela as construções topicais analisadas neste estudo; a os textos argumentativos encontrarem-se centrados em
segunda coluna revela o total de ocorrências das cons- temas abstratos, possuem coerência referencial também
truções topicais no texto argumentativo; na terceira abstrata, difusa e pouco saliente. As autoras revelam
coluna são mostrados os valores de DR calculada ainda que igualmente complexa é a relação existente
em orações, bem como o número de ocorrências e o entre os elementos topicais dos textos argumentativos
percentual correspondente ao gênero textual objeto desta escritos, havendo nas retomadas a expansão do tópico,
análise. outras vezes a particularização do tema proposto. Essa
forma nem sempre tão nítida de interligação dos ele-
mentos topicais é um dificultador também na compre-
TABELA 1 – Tabela geral da freqüência dos mecanismos de
codificação do tópico analisados no texto argumentativo ensão do texto argumentativo.
Publicidade e democracia. A análise do traço semântico dos tópicos codi-
ficados como SN DEF no editorial objeto de análise
Construção/realização Nº ocorrências DR (nº de orações) /
do tópico (%) nº de ocorrências (%) neste estudo, texto esse tipicamente argumentativo,
Anáfora zero: 3 (13,0) (1) - 2 (66,7) / (2) - 1 (33,3) mostrou de fato que esse texto caracteriza-se pela
Pronome pessoal: 2 (8,7) (1) - 1 (50,0) / (6) - 1 (50,0) presença de SN DEF com traço semântico abstrato, ou
SN DEF: 10 (43,5) (1-2) - 8 (80,0) / (3-19) - 2 (20,0) seja, 82,6% dos casos.
SN DEF modificado: 7 (30,4) (1-2) - 5 (71,4) / (3-19) - 2 (28,6)
O tópico codificado como SN DEF assume pecu-
Anáfora conceitual 1 (4,4) 1 (4,4) /
liaridades que vão desde as substituições lexicais, como
quase sinônimos, hiperônimos, hipônimos reduzidos ou
23 construções tópicas com
Total 23 (100)
27 orações ampliados, nominalizações até a retomada parcial ou
ampliada do elemento topical. Essa variação nas formas
FONTE: Adaptado pelo autor, conforme Givón (1992).
de expressão do tópico torna difícil a apreensão do
mesmo, ainda que a complexidade se dê na expressão
em si mesma, ora reduzida, ora expandida.
5.1 A codificação do tópico como Explicitando tais peculiaridades que o texto edito-
sintagma nominal definido rial apresenta na forma de expressar o tópico, o emprego
(SN DEF) em editorial de quase sinônimos é bastante significativo. No entanto,
A codificação do tópico através do SN DEF é a retomada do referente por um SN DEF sinônimo tanto
bastante significativa, tanto quantitativa quanto qualita- pode ser equivalente à expressão total, como parcial.
tivamente, no texto editorial analisado. Trata-se do me- Como exemplos das respectivas situações, encontramos:
canismo gramatical predominante nesse gênero textual, o SN DEF quase sinônimo “as trampolinices” que retoma
enquanto o uso da anáfora zero e do pronome pessoal é o referente o “julgamento negativo”; a “preciosa liber-
pouco freqüente. dade de expressão” que retoma “a imprensa”; “a multi-
Com relação à distância referencial (DR) do SN plicidade dos meios de informação” que retoma o re-
DEF no texto editorial, os valores caracterizam-se como ferente “imprensa”.
altos, embora também apresentem distribuição bastan- Em menor número, mas também aparecendo como
te dispersa, indo de 1 a acima de 10 orações e com formas lingüísticas de expressar o tópico através do SN
uma grande incidência de emprego em contextos de DEF estão os hiperônimos, expandidos ou reduzidos,
baixa DR. algumas vezes acompanhados de pronomes demonstra-
A medida de DR em sentenças e em parágrafos tivos. Para melhor visualizarmos como isso acontece,
revelou que nem sempre o SN DEF aparece em contextos tomemos os exemplos: o referente “as demais profis-
de ruptura temática. No caso do texto editorial analisado, sões” é retomado como “a (profissão) de publicitário”,
a explicação para esses resultados está não só na e o referente “a de publicitário” retoma “as demais
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profissões”; o tópico “o julgamento negativo” tem como Para Hasan (1989), a unidade é um atributo crucial
antecedente o referente “os gradientes éticos”. O refe- do texto, e essa unidade se manifesta, entre outras coisas,
rente hipônimo “os anunciantes e os leitores” é retomado nas relações semânticas existentes entre as partes do
pelo hiperônimo “as duas únicas fontes de receita de texto. São essas relações de significados que constituem
VEJA”. a textura, propriedade textual que está relacionada à
Foram verificados ainda os SNs definidos tópicos percepção da coerência pelo receptor. Segundo a autora,
que retomam apenas uma parte do antecedente “publici- a correferencialidade de um item com outro dentro do
dade brasileira”, que é retomado simplesmente como “a texto é uma evidência de relação semântica entre am-
publicidade”. bos, contribuindo para a textura. A construção de elos
Uma constatação importante resultante da análise entre os constituintes do texto forma a base para a
dos tópicos codificados como SN DEF é que a relação coesão, um dos fatores da coerência, pois, através da
entre eles dá-se em nível de contexto, ou seja, muito mais relação de identidade, fica assegurada a continuidade
pelas relações semânticas que se criam entre os tópicos textual. Além da correferencialidade, Hasan (1989)
devido à situação de comunicação na qual se insere o aponta outros tipos de relações de significados que se
texto e que é compartilhada pelos interlocutores, do que podem obter dos constituintes do texto: a co-extensão é
pela correferenciação, conforme ocorre com a retomada uma delas. Na correferencialidade, a interpretação de um
do referente por meio de pronomes, por exemplo. Com item só é possível com referência a outro item já
relação a essa questão, Givón (1992) afirma que o mencionado. É o tipo de relação que ocorre, por exem-
antecedente do tópico codificado como SN DEF tanto plo, quando o pronome pessoal “ela” retoma o SN DEF
pode estar no próprio texto, como pode ser de origem “A preciosa liberdade de expressão”. Já na co-ex-
situacional ou cultural. Em outras palavras, a relação tensão, a relação entre as palavras se dá dentro do
entre o SN DEF e o seu antecedente pode ser esta- campo geral do significado, ou seja, é determinada pelo
belecida através do contexto em que se insere o texto ou conhecimento de mundo do leitor, pela situação
pelo conhecimento cultural, ambos compartilhados pelo comunicativa que permite estabelecer entre as partes do
emissor e pelo receptor. texto uma relação semântica. Assim, para perceber o elo
Exemplificando (1), temos: “Como as demais existente entre os SNs DEFs “os elogios que a imprensa
profissões, a de publicitário incorpora em suas fileiras tem recebido pelo trabalho de faxina da coisa pública no
pessoas de todos os gradientes éticos. É um erro Brasil devem ser divididos com a publicidade” e o SN
colossal, porém, generalizar o julgamento negativo feito DEF “A preciosa liberdade de expressão não existe no
sobre a publicidade brasileira tendo como base apenas vácuo”, é preciso compreender o tipo de ligação que há
as trampolinices de Valério. Em boa medida, os elogios entre esses sintagmas. O campo semântico é que permite
que a imprensa tem recebido pelo trabalho de faxina da a relação, o elo é construído pelo leitor mediante o seu
coisa pública no Brasil devem ser divididos com a conhecimento de mundo. Hasan (1989) também insere o
publicidade. A preciosa liberdade de expressão não seu modelo numa visão funcional da linguagem em que
existe no vácuo”. há um forte vínculo entre o contexto e a estrutura do
No exemplo, podemos afirmar que os SNs definidos texto. A interpretação das cadeias coesivas pode tanto
que codificam os tópicos, ao retomarem o termo ser co-textual, como contextual.
antecedente o fazem através do sentido, ou seja, se De fato, a análise do exemplo (1), ainda que resgate
falamos sobre “as demais profissões”, sobre “a profissão parcialmente o texto, demonstra que a relação entre os
de publicitário”, sobre “os gradientes éticos” e “o tópicos codificados como SN DEF é possibilitada pelo
julgamento negativo”, sobre “a publicidade brasileira”, conhecimento de mundo do leitor, pela relação de
sobre “as trampolinices de Valério”, além de “os elogios”, significado que ele consegue estabelecer entre esses SNs
de “a imprensa”, de “a publicidade” e de “a preciosa definidos e que produzem a continuidade temática, e
liberdade”, estamos falando sobre fatos. Nenhum dos dão origem à textura. É importante ressaltar que o gê-
SNs definidos acima destacados substitui o anterior, nero textual editorial, aqui analisado, pode abordar
nem o repete simplesmente, como ocorreria com o tema atual num determinado momento, inserido numa
pronome ou com o recurso zero. Eles ampliam o sentido realidade que o escritor presume ser conhecida do lei-
e ao mesmo tempo o canalizam para a importância tor. Esse conhecimento de mundo compartilhado é
da publicidade e da imprensa para a perpetuação da que permite ao leitor estabelecer a relação entre um SN
liberdade e da democracia. Assim, o que podemos DEF, como o que aparece no texto em questão, e o seu
observar no texto argumentativo analisado é que o antecedente.
emprego desses SNs definidos evidencia muito mais A análise do tópico codificado como SN DEF no
uma continuidade temática do que uma continuidade texto editorial mostrou valores de DR alta, por tratar-se
tópica. de um recurso gramatical mais marcado, conforme atesta
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Givón (1992). Todavia, pudemos perceber uma DR esforço mental, apesar do mecanismo gramatical apre-
bastante dispersa e um número significativo de casos de sentar pouca quantidade de codificação.
baixa DR. De acordo com o que foi visto anteriormente, Com relação aos mecanismos gramaticais mais
o emissor, através de certas estratégias, usando recursos marcados, utilizados para codificar o tópico, como
gramaticais mais marcados ou menos marcados, pode os SNs definidos e os SNs definidos modificados, foi
manter ou não a continuidade de um determinado tópico, possível constatar que o emprego deste ocorre tanto em
tendo como parâmetro a sua pressuposição sobre a contextos de baixa distância referencial, quanto de alta
acessibilidade da informação para o receptor em relação distância referencial. Conforme Givón (1992), esses
à situação discursiva, ao conhecimento prévio do recursos resgatam o referente descontínuo, ou seja,
receptor e também à acessibilidade da informação no apresenta uma lacuna em relação ao tópico que agora se
contexto discursivo. Assim, o gênero editorial, como mostra expresso com maior quantidade de codificação, a
texto argumentativo, caracteriza-se pela abordagem de fim de ser recuperado na memória do leitor e assim
temas abstratos, cuja relação entre os SNs definidos não manter-se ativo. Numa distância referencial mais alta, a
é tão evidente textualmente, mas requer do leitor recuperação do tópico exige maior esforço mental por
reconhecer o contexto e então estabelecer as devidas parte do leitor e o emprego de um recurso de codificação
relações. A justificativa para uma DR baixa tão ex- mais marcado é adequado a esses contextos, propiciando
pressiva do SN DEF, considerado um recurso mais a interpretação cognitiva.
marcado e próprio de distâncias referenciais altas, pode No texto analisado, a cadeia topical é difusa,
estar no fato de a procura pelo referente exigir maior abstrata e pouco saliente, e o estabelecimento da relação
esforço mental do leitor, que busca a associação entre os entre os tópicos é mais complexo para o leitor, pois exige
tópicos e os seus antecedentes fora do texto, do que maior esforço mental. O emprego de um recurso mais
quando a procura se dá no próprio texto. marcado na codificação do tópico em contexto de baixa
distância referencial pode ocorrer devido a essa com-
Considerações finais plexidade topical desse gênero de texto, no caso o
Através da análise da codificação do tópico como editorial. O tipo de relação que há entre os SNs definidos
SN DEF no gênero textual “editorial” analisado, foi pos- topicais, conforme análise feita, é dado pelo campo
sível confirmar a preferência de uso desse recurso semântico e pelo contexto sociocomunicativo. Sendo
gramatical, considerado mais marcado, em ambientes de assim, o resgate do referente torna-se mais difícil para o
baixa acessibilidade e alta distância referencial (DR), leitor que tem que recorrer também ao conhecimento de
segundo a proposta pragmático-discursiva de base mundo presente na sua memória, a fim de estabelecer a
cognitiva defendida por Talmy Givón. No entanto, o relação entre os tópicos, e não apenas recorrer às
elevado índice de ocorrências do SN DEF em con- informações que o texto lhe fornece.
textos de baixa DR pode ser explicado pela varie- Dessa forma, com relação à primeira hipótese desta
dade de expressão empregada na codificação do tópico pesquisa, que diz respeito ao fato de o tópico ser lin-
como tal. güisticamente menos marcado na continuidade referen-
Outra questão importante que pode ser destacada é cial e mais marcado quando houver descontinuidade,
o tipo de relação que se verifica entre os sintagmas concluímos que de fato não se pode desconsiderar a
topicais presentes no texto editorial analisado, visto ser relação entre a quantidade de codificação na expressão
essa relação muito mais determinada pelo conhecimento do tópico e a distância referencial. No entanto, nem
de mundo do leitor e pela situação comunicativa que sempre o valor baixo da DR está associado a recursos
permite estabelecer entre as partes um elo semântico. menos marcados ou o valor elevado da DR associado a
Os resultados obtidos nesta pesquisa revelam que o recursos mais marcados. Esses resultados, além da
emprego de recursos gramaticais menos marcados constatação da maior freqüência de sintagmas nominais
prevalece em ambientes de baixa distância referencial, e de sintagmas nominais modificados, nos permitem
neste caso, no editorial, que é essencialmente argu- confirmar a segunda hipótese feita neste trabalho, de que
mentativo. De acordo com Givón (1992), para que o as expressões lingüísticas para retomar o referente na
leitor possa resgatar o referente de um tópico codificado continuidade topical realizam-se de forma específica
como recurso zero ou pronome, faz-se necessário que nesse gênero textual.
esse referente esteja ainda presente na memória de quem Para finalizar, dizemos que este estudo apresenta
lê. Essa necessidade de máxima continuidade do tópico resultados averiguados no limite a que se propôs, ao
faz com que o contexto desses mecanismos se caracterize tempo em que sugerimos outras análises, mais aprofun-
também pela continuidade temática e pela ausência de dadas, de um ou outro recurso de codificação topical
competição referencial. Dessa forma, a busca pelo constatadas no texto editorial ou em outro gênero textual,
referente na memória se torna fácil, não exige do leitor gerando assim novos estudos.
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Referências ______. Syntax: a functional-typological introduction.


Amsterdam: John Benjamins, 1990. v. 2.
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