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LETRAS DE HOJE
e a distância
LETRASreferencial
DE HOJE... 41
LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE
texto
gerando dificuldade para o leitor identificar o verdadeiro As hipóteses desta investigação são as seguintes:
antecedente. Mecanismos sintáticos diferentes podem ser 1. O tópico é lingüisticamente menos marcado na
usados para codificar tópicos em ambientes de ambigüi- continuidade referencial e lingüisticamente mais
dade tópica mais alta ou mais baixa. marcado quando há descontinuidade em textos
De acordo com o autor, todas essas considerações argumentativos na língua portuguesa, conforme
são extremamente importantes para a compreensão do o modelo de Givón.
domínio funcional da continuidade tópica no discurso, 2. As expressões lingüísticas de retomada do tópi-
tanto quanto os vários mecanismos sintáticos usados para co na continuidade topical realizam-se de forma
codificar diversos pontos desse domínio. Conforme específica em textos argumentativos na língua
Givón (1995), gramaticalmente, a marcação do tópico portuguesa.
está relacionada com a continuidade referencial, isto é,
se o referente é contínuo ou descontínuo. Referentes to- 4.1 Seleção do corpus
picais contínuos apresentam pequena distância do ante- Com a finalidade de verificar as hipóteses levantadas,
cedente e são codificados como zero ou pronomes anafó- a pesquisa está centrada na análise de um texto do gê-
ricos, considerados recursos gramaticais menos marca- nero editorial, o qual foi publicado na revista Veja, edição
dos. No contexto discursivo de máxima continuidade 1912, de 6 de julho de 2005, seção Carta ao Leitor.
referencial, um referente importante (topical) é, portanto,
menos marcado, já que ele permanece ativado no dis- TEXTO 1 – PUBLICIDADE E DEMOCRACIA
curso e, cognitivamente, é mais fácil de ser recuperado. (Revista Veja, 6 jul. 2005)
No que diz respeito aos tópicos descontínuos, gra- O surgimento com destaque no cenário da corrupção
maticalmente, recebem quantidade maior de código e, do nome de Marcos Valério, detentor de participações
cognitivamente, exigem mais esforço mental, sendo re- em duas agências de publicidade em Belo Horizonte,
jogou uma injusta e irreal sombra de desconfiança
presentados pelos sintagmas nominais definidos. Givón
sobre toda uma atividade. Como as demais profissões,
(1995) afirma que sintagmas nominais definidos (e a de publicitário incorpora em suas fileiras pessoas
topicais) são cognitivamente acessíveis ao ouvinte por de todos os gradientes éticos. É um erro colossal,
três vias: a situação imediata de fala, o conhecimento porém, generalizar o julgamento negativo feito sobre
compartilhado por membros do mesmo grupo lingüís- a publicidade brasileira tendo como base apenas as
tico-cultural ou através da informação fornecida pelo trampolinices de Valério. Em boa medida, os elogios
próprio texto. Trata-se de um mecanismo gramatical que a imprensa tem recebido pelo trabalho de faxina
adequado a ambientes de alta distância referencial. da coisa pública no Brasil devem ser divididos com a
publicidade. A preciosa liberdade de expressão não
Givón (1992) divulga no artigo The grammar of
existe no vácuo. Ela precisa de uma base material que
referencial coherence as mental processing instructions lhe dê sustentação. Essa base é uma sólida e variada
os resultados de um estudo sobre a codificação do tópi- carteira de anunciantes, cujo suporte financeiro
co, segundo a distância da última menção, em textos permite às publicações praticar um jornalismo crítico
narrativos e conversacionais de língua inglesa. O autor e independente.
concluiu a utilização de recursos gramaticais menos Os anunciantes e os leitores, que compram a revista
marcados para codificar o tópico numa distância refe- em banca ou por assinatura, são as duas únicas fontes
rencial (DR) pequena, e recursos gramaticais mais de receita de VEJA. A revista tem o orgulho de
marcados para codificar o tópico numa DR maior, reconhecer o papel fundamental que seus milhares de
relacionando esses resultados às condições de acessi- anunciantes e centenas de agências de publicidade
exercem na garantia de que VEJA possa ser a cada
bilidade referencial.
semana “as vistas da nação” – como descreveu a
imprensa o jurista e estadista Rui Barbosa (1849-
4 Metodologia
1923). Ao discursar na abertura do 30o Festival
Este estudo fundamenta-se no modelo discursivo- Iberoamericano de Publicidade, realizado em Buenos
funcional de base cognitiva para a análise do tópico, Aires há seis anos, Roberto Civita, presidente do
proposto pelo lingüista Talmy Givón, conforme alguns Grupo Abril, que edita VEJA, disse que “sem a
pressupostos teóricos apresentados anteriormente neste publicidade seria impossível manter a multiplicidade
trabalho. dos meios de informação que divulgam idéias,
De acordo com essa abordagem, os tópicos levan- defendem pontos de vista diferentes, denunciam a
corrupção e estimulam o debate político”. Dirigindo-
tados no texto foram submetidos ao cálculo de distância
se aos publicitários, ele concluiu: “Toda vez que
referencial, seguido da análise da quantidade de codi- estiverem engajados em planejar, criar, produzir e
ficação em relação à distância constatada, bem como da veicular um simples anúncio, lembrem-se de que
análise das formas lingüísticas de expressão do tópico estão assegurando a perpetuação da liberdade e da
no texto argumentativo objeto deste estudo. democracia”.
profissões”; o tópico “o julgamento negativo” tem como Para Hasan (1989), a unidade é um atributo crucial
antecedente o referente “os gradientes éticos”. O refe- do texto, e essa unidade se manifesta, entre outras coisas,
rente hipônimo “os anunciantes e os leitores” é retomado nas relações semânticas existentes entre as partes do
pelo hiperônimo “as duas únicas fontes de receita de texto. São essas relações de significados que constituem
VEJA”. a textura, propriedade textual que está relacionada à
Foram verificados ainda os SNs definidos tópicos percepção da coerência pelo receptor. Segundo a autora,
que retomam apenas uma parte do antecedente “publici- a correferencialidade de um item com outro dentro do
dade brasileira”, que é retomado simplesmente como “a texto é uma evidência de relação semântica entre am-
publicidade”. bos, contribuindo para a textura. A construção de elos
Uma constatação importante resultante da análise entre os constituintes do texto forma a base para a
dos tópicos codificados como SN DEF é que a relação coesão, um dos fatores da coerência, pois, através da
entre eles dá-se em nível de contexto, ou seja, muito mais relação de identidade, fica assegurada a continuidade
pelas relações semânticas que se criam entre os tópicos textual. Além da correferencialidade, Hasan (1989)
devido à situação de comunicação na qual se insere o aponta outros tipos de relações de significados que se
texto e que é compartilhada pelos interlocutores, do que podem obter dos constituintes do texto: a co-extensão é
pela correferenciação, conforme ocorre com a retomada uma delas. Na correferencialidade, a interpretação de um
do referente por meio de pronomes, por exemplo. Com item só é possível com referência a outro item já
relação a essa questão, Givón (1992) afirma que o mencionado. É o tipo de relação que ocorre, por exem-
antecedente do tópico codificado como SN DEF tanto plo, quando o pronome pessoal “ela” retoma o SN DEF
pode estar no próprio texto, como pode ser de origem “A preciosa liberdade de expressão”. Já na co-ex-
situacional ou cultural. Em outras palavras, a relação tensão, a relação entre as palavras se dá dentro do
entre o SN DEF e o seu antecedente pode ser esta- campo geral do significado, ou seja, é determinada pelo
belecida através do contexto em que se insere o texto ou conhecimento de mundo do leitor, pela situação
pelo conhecimento cultural, ambos compartilhados pelo comunicativa que permite estabelecer entre as partes do
emissor e pelo receptor. texto uma relação semântica. Assim, para perceber o elo
Exemplificando (1), temos: “Como as demais existente entre os SNs DEFs “os elogios que a imprensa
profissões, a de publicitário incorpora em suas fileiras tem recebido pelo trabalho de faxina da coisa pública no
pessoas de todos os gradientes éticos. É um erro Brasil devem ser divididos com a publicidade” e o SN
colossal, porém, generalizar o julgamento negativo feito DEF “A preciosa liberdade de expressão não existe no
sobre a publicidade brasileira tendo como base apenas vácuo”, é preciso compreender o tipo de ligação que há
as trampolinices de Valério. Em boa medida, os elogios entre esses sintagmas. O campo semântico é que permite
que a imprensa tem recebido pelo trabalho de faxina da a relação, o elo é construído pelo leitor mediante o seu
coisa pública no Brasil devem ser divididos com a conhecimento de mundo. Hasan (1989) também insere o
publicidade. A preciosa liberdade de expressão não seu modelo numa visão funcional da linguagem em que
existe no vácuo”. há um forte vínculo entre o contexto e a estrutura do
No exemplo, podemos afirmar que os SNs definidos texto. A interpretação das cadeias coesivas pode tanto
que codificam os tópicos, ao retomarem o termo ser co-textual, como contextual.
antecedente o fazem através do sentido, ou seja, se De fato, a análise do exemplo (1), ainda que resgate
falamos sobre “as demais profissões”, sobre “a profissão parcialmente o texto, demonstra que a relação entre os
de publicitário”, sobre “os gradientes éticos” e “o tópicos codificados como SN DEF é possibilitada pelo
julgamento negativo”, sobre “a publicidade brasileira”, conhecimento de mundo do leitor, pela relação de
sobre “as trampolinices de Valério”, além de “os elogios”, significado que ele consegue estabelecer entre esses SNs
de “a imprensa”, de “a publicidade” e de “a preciosa definidos e que produzem a continuidade temática, e
liberdade”, estamos falando sobre fatos. Nenhum dos dão origem à textura. É importante ressaltar que o gê-
SNs definidos acima destacados substitui o anterior, nero textual editorial, aqui analisado, pode abordar
nem o repete simplesmente, como ocorreria com o tema atual num determinado momento, inserido numa
pronome ou com o recurso zero. Eles ampliam o sentido realidade que o escritor presume ser conhecida do lei-
e ao mesmo tempo o canalizam para a importância tor. Esse conhecimento de mundo compartilhado é
da publicidade e da imprensa para a perpetuação da que permite ao leitor estabelecer a relação entre um SN
liberdade e da democracia. Assim, o que podemos DEF, como o que aparece no texto em questão, e o seu
observar no texto argumentativo analisado é que o antecedente.
emprego desses SNs definidos evidencia muito mais A análise do tópico codificado como SN DEF no
uma continuidade temática do que uma continuidade texto editorial mostrou valores de DR alta, por tratar-se
tópica. de um recurso gramatical mais marcado, conforme atesta
Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 43, n. 1, p. 41-47, jan./mar. 2008
46 Freitas, E. C.
Givón (1992). Todavia, pudemos perceber uma DR esforço mental, apesar do mecanismo gramatical apre-
bastante dispersa e um número significativo de casos de sentar pouca quantidade de codificação.
baixa DR. De acordo com o que foi visto anteriormente, Com relação aos mecanismos gramaticais mais
o emissor, através de certas estratégias, usando recursos marcados, utilizados para codificar o tópico, como
gramaticais mais marcados ou menos marcados, pode os SNs definidos e os SNs definidos modificados, foi
manter ou não a continuidade de um determinado tópico, possível constatar que o emprego deste ocorre tanto em
tendo como parâmetro a sua pressuposição sobre a contextos de baixa distância referencial, quanto de alta
acessibilidade da informação para o receptor em relação distância referencial. Conforme Givón (1992), esses
à situação discursiva, ao conhecimento prévio do recursos resgatam o referente descontínuo, ou seja,
receptor e também à acessibilidade da informação no apresenta uma lacuna em relação ao tópico que agora se
contexto discursivo. Assim, o gênero editorial, como mostra expresso com maior quantidade de codificação, a
texto argumentativo, caracteriza-se pela abordagem de fim de ser recuperado na memória do leitor e assim
temas abstratos, cuja relação entre os SNs definidos não manter-se ativo. Numa distância referencial mais alta, a
é tão evidente textualmente, mas requer do leitor recuperação do tópico exige maior esforço mental por
reconhecer o contexto e então estabelecer as devidas parte do leitor e o emprego de um recurso de codificação
relações. A justificativa para uma DR baixa tão ex- mais marcado é adequado a esses contextos, propiciando
pressiva do SN DEF, considerado um recurso mais a interpretação cognitiva.
marcado e próprio de distâncias referenciais altas, pode No texto analisado, a cadeia topical é difusa,
estar no fato de a procura pelo referente exigir maior abstrata e pouco saliente, e o estabelecimento da relação
esforço mental do leitor, que busca a associação entre os entre os tópicos é mais complexo para o leitor, pois exige
tópicos e os seus antecedentes fora do texto, do que maior esforço mental. O emprego de um recurso mais
quando a procura se dá no próprio texto. marcado na codificação do tópico em contexto de baixa
distância referencial pode ocorrer devido a essa com-
Considerações finais plexidade topical desse gênero de texto, no caso o
Através da análise da codificação do tópico como editorial. O tipo de relação que há entre os SNs definidos
SN DEF no gênero textual “editorial” analisado, foi pos- topicais, conforme análise feita, é dado pelo campo
sível confirmar a preferência de uso desse recurso semântico e pelo contexto sociocomunicativo. Sendo
gramatical, considerado mais marcado, em ambientes de assim, o resgate do referente torna-se mais difícil para o
baixa acessibilidade e alta distância referencial (DR), leitor que tem que recorrer também ao conhecimento de
segundo a proposta pragmático-discursiva de base mundo presente na sua memória, a fim de estabelecer a
cognitiva defendida por Talmy Givón. No entanto, o relação entre os tópicos, e não apenas recorrer às
elevado índice de ocorrências do SN DEF em con- informações que o texto lhe fornece.
textos de baixa DR pode ser explicado pela varie- Dessa forma, com relação à primeira hipótese desta
dade de expressão empregada na codificação do tópico pesquisa, que diz respeito ao fato de o tópico ser lin-
como tal. güisticamente menos marcado na continuidade referen-
Outra questão importante que pode ser destacada é cial e mais marcado quando houver descontinuidade,
o tipo de relação que se verifica entre os sintagmas concluímos que de fato não se pode desconsiderar a
topicais presentes no texto editorial analisado, visto ser relação entre a quantidade de codificação na expressão
essa relação muito mais determinada pelo conhecimento do tópico e a distância referencial. No entanto, nem
de mundo do leitor e pela situação comunicativa que sempre o valor baixo da DR está associado a recursos
permite estabelecer entre as partes um elo semântico. menos marcados ou o valor elevado da DR associado a
Os resultados obtidos nesta pesquisa revelam que o recursos mais marcados. Esses resultados, além da
emprego de recursos gramaticais menos marcados constatação da maior freqüência de sintagmas nominais
prevalece em ambientes de baixa distância referencial, e de sintagmas nominais modificados, nos permitem
neste caso, no editorial, que é essencialmente argu- confirmar a segunda hipótese feita neste trabalho, de que
mentativo. De acordo com Givón (1992), para que o as expressões lingüísticas para retomar o referente na
leitor possa resgatar o referente de um tópico codificado continuidade topical realizam-se de forma específica
como recurso zero ou pronome, faz-se necessário que nesse gênero textual.
esse referente esteja ainda presente na memória de quem Para finalizar, dizemos que este estudo apresenta
lê. Essa necessidade de máxima continuidade do tópico resultados averiguados no limite a que se propôs, ao
faz com que o contexto desses mecanismos se caracterize tempo em que sugerimos outras análises, mais aprofun-
também pela continuidade temática e pela ausência de dadas, de um ou outro recurso de codificação topical
competição referencial. Dessa forma, a busca pelo constatadas no texto editorial ou em outro gênero textual,
referente na memória se torna fácil, não exige do leitor gerando assim novos estudos.
Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 43, n. 1, p. 41-47, jan./mar. 2008
A topicalidade e a distância referencial ... 47