Você está na página 1de 118

POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O primeiro destaque a se fazer com relação a essa de-


nição dada por Azevedo é de que política pública é coisa
1. POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO
para o governo. A sua de nição é clara nesse sentido. Isso
DE UMA SOCIEDADE. quer dizer que a sociedade civil, ou melhor, o povo, não é
1.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO responsável direto e nem agente implementador de po-
EDUCACIONAL líticas públicas. No entanto, a sociedade civil, o povo, faz
política.
Percebe-se então que existe uma distinção entre po-
POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS lítica e política pública. Mas como de nir a primeira ex-
pressão? O lósofo e historiador Michel Foucault (1979)
Política pública é uma expressão que visa de nir uma si- a rmou que todas as pessoas fazem política, todos os dias,
tuação especí ca da política. A melhor forma de compreen-
e até consigo mesmas! Isso seria possível na medida em
dermos essa de nição é partirmos do que cada palavra,
que, diante de con itos, as pessoas precisam decidir, sejam
separadamente, signi ca. Política é uma palavra de origem
grega, politikó, que exprime a condição de participação da esses con itos de caráter social ou pessoal, subjetivo. So-
pessoa que é livre nas decisões sobre os rumos da cidade, cialmente, a política, ou seja, a decisão mediante o choque
a polis. Já a palavra pública é de origem latina, publica, e de interesses desenha as formas de organização dos gru-
signi ca povo, do povo. pos, sejam eles econômicos, étnicos, de gênero, culturais,
Assim, política pública, do ponto de vista etimológico, religiosos, etc. A organização social é fundamental para
refere-se à participação do povo nas decisões da cidade, do que decisões coletivas sejam favoráveis aos interesses do
território. Porém, historicamente essa participação assumiu grupo.
feições distintas, no tempo e no lugar, podendo ter aconteci- Por m, é importante dizer que os grupos de interesse,
do de forma direta ou indireta (por representação). De todo organizados socialmente, traçam estratégias políticas para
modo, um agente sempre foi fundamental no acontecimen- pressionaram o governo a m de que políticas públicas se-
to da política pública: o Estado. jam tomadas em seu favor.
Por isso, vejamos qual é o sentido contemporâneo para
o termo política pública. Tipos de Políticas Públicas
Conceito de Políticas Públicas Desenvolvendo a leitura de Lowi (1966), Azevedo
(2003) apontou a existência de três tipos de políticas públi-
A discussão acerca das políticas públicas tomou nas
cas: as redistributivas, as distributivas e as regulatórias. As
últimas décadas uma dimensão muito ampla, haja vista o
políticas públicas redistributivas consistem em redistribui-
avanço das condições democráticas em todos os recantos
do mundo e a gama de arranjos institucionais de governos, ção de “renda na forma de recursos e/ou de nanciamento
que se tornou necessário para se fazer a governabilidade. de equipamentos e serviços públicos”. São exemplos de
Entende-se por governabilidade as condições adequadas políticas públicas redistributivas os programas de bolsa-es-
para que os governos se mantenham estáveis. São essas cola, bolsa-universitária, cesta básica, renda cidadã, isenção
condições adequadas, enquanto atitudes de governos (se- de IPTU e de taxas de energia e/ou água para famílias ca-
jam eles de âmbito nacional, regional/estadual ou munici- rentes, dentre outros.
pal), que caracterizam as políticas. Do ponto de vista da justiça social o seu nanciamen-
Campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, to deveria ser feito pelos estratos sociais de maior poder
“colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável aquisitivo, de modo que se pudesse ocorrer, portanto, a
independente) e, quando necessário, propor mudanças no redução das desigualdades sociais. No entanto, por conta
rumo ou curso dessas ações e ou entender por que o como do poder de organização e pressão desses estratos sociais,
as ações tomaram certo rumo em lugar de outro (variável o nanciamento dessas políticas acaba sendo feito pelo or-
dependente). Em outras palavras, o processo de formulação çamento geral do ente estatal (união, estado federado ou
de política pública é aquele através do qual os governos tra- município).
duzem seus propósitos em programas e ações, que produ- As políticas públicas distributivas implicam nas ações
zirão resultados ou as mudanças desejadas no mundo real. cotidianas que todo e qualquer governo precisa fazer. Elas
dizem respeito à oferta de equipamentos e serviços pú-
A distinção entre Política e Políticas Públicas
blicos, mas sempre feita de forma pontual ou setorial, de
Apesar da importante contribuição de Souza para a de- acordo com a demanda social ou a pressão dos grupos de
nição de políticas públicas, entende-se que o melhor termo interesse. São exemplos de políticas públicas distributivas
que o de ne, por conta de seu caráter didático, é o desen- as podas de árvores, os reparos em uma creche, a imple-
volvido por Azevedo (2003) a partir da articulação entre as mentação de um projeto de educação ambiental ou a lim-
compreensões de Dye (1984) e Lowi (1966). Neste exercício, peza de um córrego, dentre outros. O seu nanciamento é
Azevedo (2003, p. 38) de niu que “política pública é tudo o feito pela sociedade como um todo através do orçamento
que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos geral de um estado.
de suas ações e de suas omissões”.

1
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Por último, há as políticas públicas regulatórias. Elas Globalização, neoliberalismo e educação


consistem na elaboração das leis que autorizarão os gover-
nos a fazerem ou não determinada política pública redis- A escola como se conhece hoje, lugar de ensino para
tributiva ou distributiva. Se estas duas implicam no campo todos os grupos sociais, garantida em suas condições mí-
de ação do poder executivo, a política pública regulatória é, nimas de existência pelo Estado, reprodutora da cultura
essencialmente, campo de ação do poder legislativo. universal acumulada pela experiência humana sobre a
Como conclusão, ressaltamos ainda que esse tipo de Terra e disseminada em todos os países do planeta, não
política possui importância fundamental, pois é por ela que possui mais do que 150 anos, ou seja, um século e meio. É
os recursos públicos são liberados para a implementação uma experiência educacional do nal do século XIX, mo-
das outras políticas. Contudo, o seu resultado não é ime- mento em que as relações capitalistas de produção, ama-
diato, pois enquanto lei ela não possui a materialidade dos durecidas pelo ritmo da industrialização (mecanização da
equipamentos e serviços que atendem diariamente a po- produção) e visando a mais-valia, demandavam, por um
pulação. Assim, os grupos sociais tendem a ignorá-la e a
lado, conhecimento técnico padronizado da mão-de-obra
não acompanhar o seu desenvolvimento, permitindo que
e, por outro, controle ideológico das massas de trabalha-
os grupos econômicos, principalmente, mais organizados e
dores.
articulados, façam pressão sobre os seus gestores (no caso
Assim surgiu a escola moderna, encerrando, desde
do Brasil, vereadores, deputados estaduais, deputados fe-
derais e senadores). sua fundação, uma grande contradição: ser ao mesmo
Na nossa primeira aula trabalhamos os conceitos de tempo espaço de superação, de criação, de práxis e, na
política e de políticas públicas. Nesta aula veremos o que contramão dessa feita, espaço de reprodução e controle
de fato signi ca políticas públicas educacionais, quais são ideológicos. É com essa característica contraditória, dialé-
as suas dinâmicas atuais e quais são os fenômenos que in- tica, dual que a escola se desenvolveu nos últimos 150
uenciam na sua decisão. Pretendemos, com a sua com- anos, tempo em que a cultura humana passou por suas
preensão, aproximar a sua ideia à de educação ambiental. mais profundas transformações em 1,5 milhões de anos de
Por isso, é importante que você que atento (a) a essa existência da humanidade. A revolução tecnológica desse
discussão. período exigiu um conjunto signi cativo de novos saberes,
pois esse período representou uma sucessão de saltos que
O que são Políticas Públicas Educacionais partiram da Revolução Industrial à automação da produ-
ção (processos automáticos, baseados na microeletrônica
Se “políticas públicas” é tudo aquilo que um governo e na informática), conformando o mundo dos meios de
faz ou deixa de fazer, políticas públicas educacionais é tudo transporte velozes, da telemática, da conquista do espaço
aquilo que um governo faz ou deixa de fazer em educação. sideral, dos satélites arti ciais, da teleconferência, da -
Porém, educação é um conceito muito amplo para se tra- nanceirização das relações econômicas (venda de dinheiro
tar das políticas educacionais. Isso quer dizer que políticas pelos bancos), da urbanização, etc.
educacionais é um foco mais especí co do tratamento da Não obstante, ao mesmo tempo em que tais trans-
educação, que em geral se aplica às questões escolares. Em formações signi caram um grande avanço da humanida-
outras palavras, pode-se dizer que políticas públicas edu- de no controle e na previsão da natureza, elas também
cacionais dizem respeito à educação escolar. serviram para uni car o mundo na dinâmica produtiva do
Por que é importante fazer essa observação? Porque capitalismo. A ampliação das desigualdades sociais resul-
educação é algo que vai além do ambiente escolar. Tudo tantes desse processo (visível na divisão do planeta entre
o que se aprende socialmente – na família, na igreja, na hemisfério norte e hemisfério sul, na divisão dos países en-
escola, no trabalho, na rua, no teatro, etc. –, resultado do
tre o urbano e o rural, na divisão do espaço urbano entre o
ensino, da observação, da repetição, reprodução, inculca-
centro e a periferia) e a degradação da natureza em função
ção, é educação. Porém, a educação só é escolar quando
dos modelos de produção predatórios marcaram o nal
ela for passível de delimitação por um sistema que é fruto
do século XX e produziram a face do fenômeno designado
de políticas públicas.
Nesse sistema, é imprescindível a existência de um como globalização.
ambiente próprio do fazer educacional, que é a escola, Entende-se por globalização o fenômeno da uni ca-
que funciona como uma comunidade, articulando partes ção dos países do mundo numa mesma agenda econô-
distintas de um processo complexo: alunos, professores, mica, de certo modo imposta a estes pelo controle que
servidores, pais, vizinhança e Estado (enquanto sociedade um grupo limitado de países (o G-8) exerce sobre o mer-
política que de ne o sistema através de políticas públicas). cado internacional. O que torna os países do G-8 fortes
Portanto, políticas públicas educacionais dizem respeito às e os permite in uenciar as decisões políticas dos demais
decisões do governo que têm incidência no ambiente es- países é o fato de que todos são muito ricos, concentram
colar enquanto ambiente de ensino-aprendizagem. sítios produtivos de altíssima tecnologia (portanto, com
Tais decisões envolvem questões como: construção produção de alto valor agregado), dominam as maiores
do prédio, contratação de pro ssionais, formação docente, potências bélicas do planeta e têm como instrumento para
carreira, valorização pro ssional, matriz curricular, gestão propagação de suas decisões a ONU.
escolar, etc.

2
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A globalização, portanto, ao mudar o desenho políti- A reestruturação produtiva que ocorreu na década
co e econômico do mundo, exigiu também a incorporação de 1960, através da automação, conhecida inicialmente
de novas preocupações e tecnologias na educação. Uma como toyotismo, garantiu essa condição e abriu possibili-
dessas preocupações diz respeito à questão ambiental, dades para que o liberalismo pudesse ser novamente im-
fortemente impactada pela degradação e esgotamento plantado como política econômica. As evidências de que
dos recursos naturais, pela alteração de paisagens e a des- a URSS entrava em crise, por sua crescente dependência
truição de faunas e oras e pelo aviltamento das condições do mercado internacional, estimulou os líderes do capi-
subnormais de vida de milhares de pessoas, em particular talismo de ponta a arquitetarem, na década de 1970, o
nas áreas urbanas. Isso fez surgir, especialmente no último retorno à ortodoxia liberal. Porém, isso ocorreu conside-
quartel do século XX (pós-1975), uma forte demanda pela rando-se uma série de elementos históricos que se inter-
educação ambiental. puseram entre as primeiras experiências do liberalismo e
A integração do mundo inteiro a uma mesma agenda a atualidade do m do século XX. Daí que os arranjos na
econômica foi possível pela política neoliberal. Neolibera- política liberal, adequando-a para a era da globalização,
lismo é uma expressão derivada de liberalismo, doutrina tornaram-na conhecida como neoliberalismo.
de política econômica fundada nos séculos XVIII e XIX que Vale ressaltar que enquanto política liberalizante do
teve como orientação básica a não intervenção do Estado mercado, que advoga a não intervenção do Estado nas
nas relações econômicas, garantindo total liberdade para relações econômicas e a reinversão da prioridade de in-
que os grupos econômicos (proprietários dos meios de vestimentos públicos das áreas sociais para as áreas pro-
produção; burguesia, usando uma de nição marxista) pu- dutivas, o neoliberalismo teve um forte impacto sobre a
dessem investir a seu modo os seus bens. educação. Isso porque as políticas educacionais, enquan-
Na perspectiva liberal, o Estado deixa de regular a re- to políticas sociais, perderam recursos onde o neolibe-
lação entre empregador e trabalhador, entre patrão e em- ralismo foi implantado, agravando as condições de seu
pregado, entre burguesia e proletariado. Isso fatalmente nanciamento.
conduz as relações de produção a uma situação de com- Contudo, pelo exposto, percebe-se que há um con-
pleta exploração da classe proprietária sobre a classe des- junto de conceitos de políticas públicas, sendo que Sérgio
possuída. de Azevedo (2003) construiu um conceito didático para
O liberalismo saiu de cena enquanto política econô- a sua compreensão: tudo aquilo que um governo faz ou
mica em meados do século XX, em função das crises que deixa de fazer, bem como os impactos de sua ação ou
se repetiram nas relações internacionais de mercado e que omissão. Assim, se um governo não faz nada em relação
levaram as nações europeias, particularmente, às duas a alguma coisa emergente isso também é uma política
grandes guerras mundiais. Por isso, entre as décadas de pública, pois envolveu uma decisão.
1940 e de 1970 o mundo do capitalismo de ponta (Europa, O que distingue política pública da política, de um
EUA e Japão) ensaiou outras formas de políticas econô- modo geral, é que esta também é praticada pela socieda-
micas, visando a superação das crises cíclicas e o espanto de civil, e não apenas pelo governo. Isso quer dizer que
das ideias socialistas (em voga principalmente na Europa política pública é condição exclusiva do governo, no que
por causa da participação decisiva da URSS na Segunda se refere a toda a sua extensão (formulação, deliberação,
Guerra Mundial). implementação e monitoramento).
O resultado disso foi a implantação, na Europa, da So- Entende-se por políticas públicas educacionais aque-
cialdemocracia e do Welfare State (Estado do Bem-estar) e, las que regulam e orientam os sistemas de ensino, insti-
nos EUA, do New Deal (Novo Acordo), que consistiram em tuindo a educação escolar. Essa educação orientada (es-
políticas de garantias sociais, mediante direitos nos cam- colar) moderna, massi cada, remonta à segunda metade
pos da seguridade social, saúde, educação, trabalho etc., do século XIX. Ela se desenvolveu acompanhando o de-
nanciadas pela tributação das elites econômicas. Por elas, senvolvimento do próprio capitalismo, e chegou na era da
os grupos de trabalhadores nesses territórios tiveram uma globalização resguardando um caráter mais reprodutivo,
sensação de “bem-estar”, o que, em certa medida, contri- haja vista a redução de recursos investidos nesse sistema
buiu para arrefecer a organização e a luta sindical e parti- que tendencialmente acontece nos países que implantam
dária. Por outro lado, para as elites econômicas essas po- os ajustes neoliberais.
líticas signi caram uma redução acentuada nas margens
de lucro, apesar de que houve um grande investimento Referência:
na mudança do padrão tecnológico visando, dentre outas OLIVEIRA, A. F. de. POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIO-
coisas, a superação da classe operária e, como consequên- NAIS: conceito e contextualização numa perspectiva didática
cia, de sua organização - o que afastaria as chances de
lutas e revoluções socialistas.

3
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Portanto, a moralidade humana deve ser enfocada no


contexto histórico e social. Por consequência, um currículo es-
2. PAPEL DA ESCOLA COMO FORMADORA DE
colar sobre a ética pede uma re exão sobre a sociedade con-
VALORES E DA ÉTICA SOCIAL temporânea na qual está inserida a escola; no caso, o Brasil do
século XX.
Tal re exão poderia ser feita de maneira antropológica e
O homem vive em sociedade, convive com outros ho- sociológica: conhecer a diversidade de valores presentes na
mens e, portanto, cabe-lhe pensar e responder à seguinte sociedade brasileira. No entanto, por se tratar de uma referên-
pergunta: “Como devo agir perante os outros?”. Trata-se de cia curricular nacional que objetiva o exercício da cidadania, é
uma pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser res- imperativa a remissão à referência nacional brasileira: a Consti-
pondida. Ora, esta é a questão central da Moral e da Ética. tuição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988.
Moral e ética, às vezes, são palavras empregadas como Nela, encontram-se elementos que identi cam questões mo-
sinônimos: conjunto de princípios ou padrões de conduta. rais.
Ética pode também signi car Filoso a da Moral, portan- Por exemplo, o art. 1o traz, entre outros, como fundamen-
to, um pensamento re exivo sobre os valores e as normas tos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa
humana e o pluralismo político. A ideia segundo a qual todo
que regem as condutas humanas. Em outro sentido, ética
ser humano, sem distinção, merece tratamento digno corres-
pode referir-se a um conjunto de princípios e normas que
ponde a um valor moral. Segundo esse valor, a pergunta de
um grupo estabelece para seu exercício pro ssional (por
como agir perante os outros recebe uma resposta precisa: agir
exemplo, os códigos de ética dos médicos, dos advogados, sempre de modo a respeitar a dignidade, sem humilhações ou
dos psicólogos, etc.). discriminações em relação a sexo ou etnia. O pluralismo políti-
Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma distin- co, embora re ra-se a um nível especí co (a política), também
ção entre princípios que dão rumo ao pensar sem, de ante- pressupõe um valor moral: os homens têm direito de ter suas
mão, prescrever formas precisas de conduta (ética) e regras opiniões, de expressá-las, de organizar-se em torno delas. Não
precisas e fechadas (moral). se deve, portanto, obrigá-los a silenciar ou a esconder seus
Finalmente, deve-se chamar a atenção para o fato de pontos de vista; vale dizer, são livres. E, naturalmente, esses
a palavra “moral” ter, para muitos, adquirido sentido pe- dois fundamentos (e os outros) devem ser pensados em con-
jorativo, associado a “moralismo”. Assim, muitos preferem junto. No art. 5o, vê-se que é um princípio constitucional o re-
associar à palavra ética os valores e regras que prezam, púdio ao racismo, repúdio esse coerente com o valor dignida-
querendo assim marcar diferenças com os “moralistas”. de humana, que limita ações e discursos, que limita a liberdade
Como o objetivo é o de propor atividades que levem o às suas expressões e, justamente, garante a referida dignidade.
aluno a pensar sobre sua conduta e a dos outros a partir de Devem ser abordados outros trechos da Constituição que
princípios, e não de receitas prontas, batizou-se o tema de remetem a questões morais. No art. 3o, lê-se que constituem
Ética, embora frequentemente se assuma, aqui, a sinonímia objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (en-
entre as palavras ética e moral e se empregue a expressão tre outros): I) construir uma sociedade livre, justa e solidária;
clássica na área de educação de “educação moral”. Parte-se III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
do pressuposto que é preciso possuir critérios, valores, e, gualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos,
mais ainda, estabelecer relações e hierarquias entre esses sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
valores para nortear as ações em sociedade. Situações dile- outras formas de discriminação. Não é difícil identi car valo-
máticas da vida colocam claramente essa necessidade. Por res morais em tais objetivos, que falam em justiça, igualdade,
exemplo, é ou não ético roubar um remédio, cujo preço solidariedade, e sua coerência com os outros fundamentos
é inacessível, para salvar alguém que, sem ele, morreria? apontados. No título II, art. 5o, mais itens esclarecem as bases
Colocado de outra forma: deve-se privilegiar o valor “vida” morais escolhidas pela sociedade brasileira: I) homens e mu-
lheres são iguais em direitos e obrigações; (...) III) ninguém será
(salvar alguém da morte) ou o valor “propriedade privada”
submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degra-
(no sentido de não roubar)?
dante; (...) VI) é inviolável a liberdade de consciência e de cren-
Seria um erro pensar que, desde sempre, os homens
ça (...); X) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e
têm as mesmas respostas para questões desse tipo. Com a imagem das pessoas (...).
o passar do tempo, as sociedades mudam e também mu- Tais valores representam ótima base para a escolha de
dam os homens que as compõem. Na Grécia antiga, por conteúdos do tema Ética. Porém, aqui, três pontos devem ser
exemplo, a existência de escravos era perfeitamente legíti- devidamente enfatizados.
ma: as pessoas não eram consideradas iguais entre si, e o O primeiro refere-se ao que se poderia chamar de “nú-
fato de umas não terem liberdade era considerado normal. cleo” moral de uma sociedade, ou seja, valores eleitos como
Outro exemplo: até pouco tempo atrás, as mulheres eram necessários ao convívio entre os membros dessa sociedade.
consideradas seres inferiores aos homens, e, portanto, não A partir deles, nega-se qualquer perspectiva de “relativismo
merecedoras de direitos iguais (deviam obedecer a seus moral”, entendido como “cada um é livre para eleger todos os
maridos). Outro exemplo ainda: na Idade Média, a tortura valores que quer”. Por exemplo, na sociedade brasileira não
era considerada prática legítima, seja para a extorsão de é permitido agir de forma preconceituosa, presumindo a in-
con ssões, seja como castigo. Hoje, tal prática indigna a ferioridade de alguns (em razão de etnia, raça, sexo ou cor),
maioria das pessoas e é considerada imoral. sustentar e promover a desigualdade, humilhar, etc. Trata-se

4
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

de um consenso mínimo, de um conjunto central de valores, Mesmo reconhecendo tratar-se de uma questão po-
indispensável à sociedade democrática: sem esse conjunto lêmica, a resposta dada por estes Parâmetros Curriculares
central, cai-se na anomia, entendida seja como ausência de Nacionais é a rmativa: cabe à escola empenhar-se na for-
regras, seja como total relativização delas (cada um tem as mação moral de seus alunos. Por isso, apresenta-se uma
suas, e faz o que bem entender); ou seja, sem ele, destrói-se a proposta diametralmente diferente das antigas aulas de
democracia, ou, no caso do Brasil, impede-se a construção e o Moral e Cívica e explica-se o porquê.
fortalecimento do país. As pessoas não nascem boas ou ruins; é a sociedade,
O segundo ponto diz respeito justamente ao caráter de- quer queira, quer não, que educa moralmente seus mem-
mocrático da sociedade brasileira. A democracia é um regime bros, embora a família, os meios de comunicação e o con-
político e também um modo de sociabilidade que permite a vívio com outras pessoas tenham in uência marcante no
expressão das diferenças, a expressão de con itos, em uma comportamento da criança. E, naturalmente, a escola tam-
palavra, a pluralidade. Portanto, para além do que se chama bém tem. É preciso deixar claro que ela não deve ser con-
de conjunto central de valores, deve valer a liberdade, a tole- siderada onipotente, única instituição social capaz de edu-
rância, a sabedoria de conviver com o diferente, com a diver- car moralmente as novas gerações. Também não se pode
sidade (seja do ponto de vista de valores, como de costumes, pensar que a escola garanta total sucesso em seu trabalho
crenças religiosas, expressões artísticas, etc.). Tal valorização de formação. Na verdade, seu poder é limitado. Todavia,
da liberdade não está em contradição com a presença de um tal diagnóstico não justi ca uma deserção. Mesmo com
conjunto central de valores. Pelo contrário, o conjunto garante, limitações, a escola participa da formação moral de seus
justamente, a possibilidade da liberdade humana, coloca-lhe alunos. Valores e regras são transmitidos pelos professores,
fronteiras precisas para que todos possam usufruir dela, para pelos livros didáticos, pela organização institucional, pelas
que todos possam preservá-la. formas de avaliação, pelos comportamentos dos próprios
O terceiro ponto refere-se ao caráter abstrato dos valores alunos, e assim por diante. Então, ao invés de deixá-las
abordados. Ética trata de princípios e não de mandamentos. ocultas, é melhor que tais questões recebam tratamento
Supõe que o homem deva ser justo. Porém, como ser justo? explícito. Isso signi ca que essas questões devem ser ob-
Ou como agir de forma a garantir o bem de todos? Não há
jeto de re exão da escola como um todo, ao invés de cada
resposta prede nida. É preciso, portanto, ter claro que não
professor tomar isoladamente suas decisões. Daí a propos-
existem normas acabadas, regras de nitivamente consagra-
ta de que se inclua o tema Ética nas preocupações o ciais
das. A ética é um eterno pensar, re etir, construir. E a escola
da educação.
deve educar seus alunos para que possam tomar parte nessa
Acrescente-se ainda que, se os valores morais que
construção, serem livres e autônomos para pensarem e julga-
subjazem aos ideais da Constituição brasileira não forem
rem.
intimamente legitimados1 pelos indivíduos que compõem
Mas será que cabe à escola empenhar-se nessa formação?
Na história educacional brasileira, a resposta foi, em várias este país, o próprio exercício da cidadania será seriamente
épocas, positiva. Em 1826, o primeiro projeto de ensino públi- prejudicado, para não dizer, impossível. É tarefa de toda
co apresentado à Câmara dos Deputados previa que o aluno sociedade fazer com que esses valores vivam e se desen-
deveria ter “conhecimentos morais, cívicos e econômicos”. volvam. E, decorrentemente, é também tarefa da escola.
Não se tratava de conteúdos, pois não havia ainda um Para saber como educar moralmente é preciso, num
currículo nacional com elenco de matérias. Quando tal elenco primeiro momento, saber o que a Ciência Psicológica tem
foi criado (em 1909), a educação moral não apareceu como a dizer sobre os processos de legitimação, por parte do
conteúdo, mas havia essa preocupação quando se tratou das indivíduo, de valores e regras morais.
nalidades do ensino. Em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Se-
cundário falava em “formação da personalidade integral do Legitimação dos Valores e Regras Morais
adolescente” e em acentuação e elevação da “formação espiri-
tual, consciência patriótica e consciência humanista” do aluno. Diz-se que uma pessoa possui um valor e legitima as
Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional coloca- normas decorrentes quando, sem controle externo, pauta
va entre suas normas a “formação moral e cívica do aluno”. Em sua conduta por elas. Por exemplo, alguém que não rouba
1971, pela Lei n. 5.692/71, institui-se a Educação Moral e Cívica por medo de ser preso não legitima a norma “não roubar”:
como área da educação escolar no Brasil. apenas a segue por medo do castigo e, na certeza da im-
Porém, o fato de, historicamente, veri car-se a presença punidade, não a seguirá. Em compensação, diz-se que uma
da preocupação com a formação moral do aluno ainda não pessoa legitima a regra em questão ao segui-la indepen-
é argumento bastante forte. De fato, alguns poderão pensar dentemente de ser surpreendida, ou seja, se estiver inti-
que a escola, por várias razões, nunca será capaz de dar uma mamente convicta de que essa regra representa um bem
formação moral aceitável e, portanto, deve abster-se dessa moral.
empreitada. Outros poderão responder que o objetivo da es- Mas o que leva alguém a pautar suas condutas segun-
cola é o de ensinar conhecimentos acumulados pela huma- do certas regras? Como alguns valores tornam-se tradu-
nidade e não se preocupar com uma formação mais ampla ções de um ideal de Bem, gerando deveres?
de seus alunos. Outros ainda, apesar de simpáticos à ideia de Seria mentir por omissão não dizer que falta consen-
uma educação moral, poderão permanecer descon ados ao so entre os especialistas a respeito de como um indivíduo
lembrar a malfadada tentativa de se implantar aulas de Moral chega a legitimar determinadas regras e conduzir-se coe-
e Cívica no currículo. rentemente com elas.

5
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para uns, trata-se de simples costume: o hábito de cer- Outros, pelo contrário, pensam que a felicidade deve
tas condutas validam-nas. Para outros, a equação deveria acontecer durante a vida terrena, e consequentemente não
ser invertida: determinadas condutas são consideradas aceitam a ideia de que devam privar-se. E assim por dian-
boas, portanto, devem ser praticadas; neste caso, o juízo te. Veri ca-se, portanto, que as formas de desejabilidade,
seria o carro-chefe da legitimação das regras. Para outros derivadas de seus conteúdos, são variadas. No entanto, há
ainda, processos inconscientes (portanto, ignorados do um desejo que parece valer para todos e estar presente nos
próprio sujeito, e, em geral, constituídos durante a infân- diversos projetos de felicidade: o autorrespeito.
cia) seriam os determinantes da conduta moral. E há outras A ideia básica é bastante simples. Cada pessoa tem
teorias mais. consciência da própria existência, tem consciência de si. Tal
Serão apresentadas a seguir algumas considerações consciência traduz-se, entre outras coisas, por uma ima-
norteadoras para o entendimento dos processos psicológi- gem de si, ou melhor, imagens de si — no plural, uma vez
cos presentes na legitimação de regras morais: a afetivida- que cada um tem várias facetas e não se resume a uma só
dimensão. Ora, as imagens que cada um tem de si estão
de e a racionalidade.
intimamente associadas a valores. Raramente são meras
constatações neutras do que se é ou não se é. Na grande
Afetividade
maioria das vezes, as imagens são vistas como positivas ou
negativas. Vale dizer que é inevitável cada um pensar em si
Toda regra moral legitimada aparece sob a forma de mesmo como um valor. E, evidentemente, cada um procura
uma obrigação, de um imperativo: deve-se fazer tal coi- ter imagens boas de si, ou seja, ver-se como valor positivo.
sa, não se deve fazer tal outra. Como essa obrigatoriedade Em uma palavra, cada um procura se respeitar como pessoa
pode se instalar na consciência? Ora, é preciso que os con- que merece apreciação.
teúdos desses imperativos toquem, em alguma medida, a É por essa razão que o autorrespeito, por ser um bem
sensibilidade da pessoa; vale dizer, que apareçam como essencial, está presente nos projetos de bem-estar psico-
desejáveis. Portanto, para que um indivíduo se incline a le- lógico, nos projetos de felicidade, como parte integrante.
gitimar um determinado conjunto de regras, é necessário Ninguém se sente feliz se não merecer mínima admiração,
que o veja como traduzindo algo de bom para si, como mínimo respeito aos próprios olhos.
dizendo respeito a seu bem-estar psicológico, ao que se O êxito na busca e construção do autorrespeito é fe-
poderia chamar de seu “projeto de felicidade”. Se vir nas nômeno complexo. Quatro aspectos complementares são
regras aspectos contraditórios ou estranhos ao seu bem essenciais.
-estar psicológico pessoal e ao seu projeto de felicidade, O primeiro diz respeito ao êxito dos projetos de vida
esse indivíduo simplesmente não legitimará os valores que cada pessoa determina para si. Os projetos variam mui-
subjacentes a elas e, por conseguinte, não legitimará as to de pessoa para pessoa, vão dos mais modestos empreen-
próprias regras. Poderá, às vezes, comportar-se como se dimentos até os mais ousados. Mas, seja qual for o projeto
as legitimasse, mas será apenas por medo do castigo. Na escolhido, o mínimo êxito na sua execução é essencial ao
certeza de não ser castigado, seja porque ninguém toma- autorrespeito. Raramente se está “de bem consigo mesmo”
rá conhecimento de sua conduta, seja porque não haverá quando há fracassos repetidos. A vergonha decorrente, as-
algum poder que possa puni-lo, se comportará segundo sim como a frustração, podem levar à depressão ou à cólera.
seus próprios desejos. Em resumo, as regras morais devem O segundo aspecto refere-se à esfera moral. Cada um
apontar para uma possibilidade de realização de uma “vida tem inclinação a legitimar os valores e normas morais que
boa”; do contrário, serão ignoradas. permitam, justamente, o êxito dos projetos de vida e o de-
Porém, ca uma pergunta: sendo que os projetos de corrente autorrespeito.
E, naturalmente, tenderá a não legitimar aqueles que
felicidade são variados, que dependem inclusive dos dife-
representarem um obstáculo; aqueles que forem contradi-
rentes traços de personalidade, e sendo também que as re-
tórios com a busca e manutenção do autorrespeito. Assim,
gras morais devem valer para todos (se cada um tiver a sua,
é sensato pensar que as regras que organizem a convivên-
a própria moral desaparece), como despertar o sentimento
cia social de forma justa, respeitosa e solidária têm grandes
de desejabilidade para determinadas regras e valores, de chances de serem seguidas. De fato, a justiça permite que
forma que não se traduza em mero individualismo? as oportunidades sejam iguais para todos, sem privilégios
De fato, as condições de bem-estar e os projetos de que, de partida ou no meio do caminho, favoreçam alguns
felicidade são variados. Para alguns, por exemplo, o ver- em detrimento de outros. Se as regras forem vistas como
dadeiro bem-estar nunca será usufruído na terra, mas sim injustas, di cilmente serão legitimadas.
alhures, após a morte. Tais pessoas legitimam determinadas O terceiro aspecto refere-se ao papel do juízo alheio na
regras de conduta, inspiradas por certas religiões, como as imagem que cada um tem de si.
de origem cristã, porque, justamente, correspondem a um Pode-se a rmar o seguinte: a imagem e o respeito que
projeto de felicidade: car ao lado de Deus para a eterni- uma pessoa tem de si mesma estão, naturalmente, referen-
dade. Aqui na terra, podem até aceitar viver distantes dos ciados em parte nos juízos que os outros fazem dela. Al-
prazeres materiais, pois seu bem-estar psicológico está em gumas podem ser extremamente dependentes dos juízos
se preparar para uma “vida” melhor, após a morte física do alheios para julgar a si próprias; outras menos. Porém, nin-
corpo. guém é totalmente indiferente a esses juízos.

6
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

São de extrema importância, pois alguém que nunca Na busca de maior clareza desta exposição, podem ser
ouça a crítica alheia — positiva ou negativa — corre o risco estabelecidas desde já duas decorrências centrais para a
de enganar-se sobre si mesmo. Então, a crítica é necessária. educação moral. São elas:
Todavia, há uma dimensão moral nesses juízos: é o reco- • A escola deve ser um lugar onde cada aluno encontre
nhecimento do valor de qualquer pessoa humana, que não a possibilidade de se instrumentalizar para a realização de
pode ser humilhada, violentada, espoliada, etc. Portanto, o seus projetos; por isso, a qualidade do ensino é condição
respeito próprio depende também do fato de ser respeita- necessária à formação moral de seus alunos. Se não pro-
do pelos outros. A humilhação — forma não rara de relação move um ensino de boa qualidade, a escola condena seus
humana — frequentemente leva a vítima a não legitimar alunos a sérias di culdades futuras na vida e, decorrente-
qualquer outra pessoa como juiz e a agir sem consideração mente, a que vejam seus projetos de vida frustrados.
pelas pessoas em geral. As crianças conhecem esse meca- • Ao lado do trabalho de ensino, o convívio dentro da
nismo psicológico. escola deve ser organizado de maneira que os conceitos
Uma delas, perguntada a respeito dos efeitos da humi- de justiça, respeito e solidariedade sejam vivi cados e com-
lhação, a rmou que um aluno assim castigado teria mais preendidos pelos alunos como aliados à perspectiva de
chances de reincidir no erro, pois pensaria: “Já estou dana- uma “vida boa”.
do mesmo, posso fazer o que eu quiser”. Em resumo, serão Dessa forma, não somente os alunos perceberão que
legitimadas as regras morais que garantirem que cada um esses valores e as regras decorrentes são coerentes com
desenvolva o respeito próprio, e este está vinculado a ser seus projetos de felicidade como serão integrados às suas
respeitado pelos outros. personalidades: se respeitarão pelo fato de respeitá-los.
O quarto e último aspecto refere-se à realização dos
projetos de vida de forma puramente egoísta. A valorização Racionalidade
do sucesso pro ssional, coroado com gordos benefícios -
nanceiros, o status social elevado, a beleza física, a atenção Se é verdade que não há legitimação das regras morais
da mídia, etc., são valores puramente individuais (em geral sem um investimento afetivo, é também verdade que tal
relacionados à glória), que, para uma minoria, podem ser
legitimação não existe sem a racionalidade, sem o juízo e a
concretizados pela obtenção de privilégios (por exemplo,
re exão sobre valores e regras. E isso por três razões, pelo
conhecer as pessoas certas que fornecem emprego ou aces-
menos.
so a instituições importantes), pela manipulação de outras
A primeira: a moral pressupõe a responsabilidade, e
pessoas (por exemplo, mentir e trapacear para passar na
esta pressupõe a liberdade e o juízo.
frente dos outros), e pela completa indiferença pelos outros
Somente há responsabilidade por atos se houver a
membros da sociedade. Diz-se que se trata de uma mino-
liberdade de realizá-los ou não. Cabem, portanto, o pen-
ria, pois é mero sonho pensar que todos podem ter carro
samento, a re exão, o julgamento para, então, a ação. Em
importado, sua imagem na televisão, acesso aos corredores
do poder político, etc. Mas o fato é que a valorização desse resumo, agir segundo critérios e regras morais implica fazer
tipo de sucesso é traço marcante da sociedade atual (não só uma escolha. E como escolher implica, por sua vez, adotar
no Brasil, mas no Ocidente todo) e tende a fazer com que as critérios, a racionalidade é condição necessária à vida moral.
pessoas o procurem mesmo que o preço a ser pago seja o A segunda: a racionalidade e o juízo também compa-
de passar por cima dos outros, das formas mais desonestas recem no processo de legitimação das regras, pois di cil-
e até mesmo violentas. Resultado prático: a pessoa perderá mente tais valores ou regras serão legítimos se parecerem
o respeito próprio se não for bem-sucedida nos seus planos contraditórios entre si ou ilógicos, se não sensibilizarem a
pessoais, mas não se, por exemplo, mentir, roubar, despre- inteligência. É por essa razão que a moral pode ser dis-
zar o vizinho, etc. cutida, debatida, que argumentos podem ser empregados
Ora, para que as regras morais sejam efetivamente legi- para justi car ou descartar certos valores. E, muitas vezes, é
timadas, é preciso que sejam partes integrantes do respeito por falta dessa apreensão racional dos valores que alguns
próprio, ou seja, que o autorrespeito dependa, além dos di- agem de forma impensada.
versos êxitos na realização dos projetos de vida, do respeito Se tivessem re etido um pouco, teriam mudado de
pelos valores e regras morais. Assim, a pessoa que integrar ideia e agido diferentemente. Após melhor juízo, arrepen-
o respeito pelas regras morais à sua identidade pessoal, à dem-se do que zeram. É preciso também sublinhar o fato
imagem positiva de si, com grande probabilidade agirá con- de que pensar sobre a moralidade não é tarefa simples: são
forme tais regras. necessárias muita abstração, muita generalização e muita
Em resumo, a dimensão afetiva da legitimação dos va- dedução.
lores e regras morais passa, de um lado, por identi cá-los Tomando-se o exemplo da mentira, veri ca-se que
como coerentes com a realização de diversos projetos de poucas pessoas pensaram de fato sobre o que é a mentira.
vida e, de outro, pela absorção desses valores e regras como A maioria limita-se a dizer que ela corresponde a não di-
valor pessoal que se procura resguardar para permanecer zer, intencionalmente, a verdade. Na realidade, mentir, no
respeitando a si próprio. sentido ético, signi ca não dar uma informação a alguém
Assim, o autorrespeito articula, no âmago de cada um, que tenha o direito de obtê-la. Com essa de nição, po-
a busca da realização do projetos de vida pessoais e o res- de-se concluir que mentir por omissão não signi ca trair a
peito pelas regras coerentes com tal realização. verdade, mas não revelá-la a quem tem direito de sabê-la.

7
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Portanto, pensar, apropriar-se dos valores morais com o dizer da criança que ela “é o que faz”, ou seja, a imagem que
máximo de racionalidade é condição necessária, tanto à legi- ela tem de si mesma está intimamente relacionada com suas
timação das regras e ao emprego justo e ponderado delas, ações. Sua autocon ança depende do êxito de suas ações.
como à construção de novas regras. A partir dos onze ou doze anos, o respeito próprio torna-se
Finalmente, há uma terceira razão para se valorizar a pre- mais abstrato: começa a basear-se nos traços de sua perso-
sença da racionalidade na esfera moral: ter a capacidade de nalidade, traços que não necessariamente se traduzem em
dialogar, essencial à convivência democrática. De fato, viver ações concretas. Projetos de vida começam a ser vislumbra-
em democracia signi ca explicitar e, se possível, resolver con- dos, e, por volta dos quinze anos (correspondente ao m do
itos por meio da palavra, da comunicação, do diálogo. Signi- ensino fundamental), poderão já estar claramente equaciona-
ca trocar argumentos, negociar. Ora, para que o diálogo seja dos. Portanto, o respeito próprio começa a ser baseado não
profícuo, para que possa gerar resultados, a racionalidade é apenas em sucessos momentâneos, mas sim em perspectivas
condição necessária. Os interlocutores precisam expressar-se referentes ao que é ser um homem ou uma mulher de valor.
com clareza — o que pressupõe a clareza de suas próprias Os juízos e condutas morais também se desenvolvem
convicções — e serem capazes de entender os diferentes com a idade, já que estão assentados na afetividade e na ra-
pontos de vista. Essas capacidades são essencialmente racio- cionalidade.
nais, dependem do pleno exercício da inteligência. A primeira etapa do desenvolvimento moral da criança é
Aqui também são estabelecidas duas consequências cen- chamada de heteronomia. Começa por volta dos três ou qua-
trais para a educação: tro anos e vai até oito anos em média. Nessa fase, a criança
• A escola deve ser um lugar onde os valores morais são legitima as regras porque provêm de pessoas com prestígio e
pensados, re etidos, e não meramente impostos ou frutos do força: os pais (ou quem desempenha esse papel).
hábito. Por um lado, se os pais são vistos como protetores e bons,
• A escola deve ser o lugar onde os alunos desenvolvam a criança, por medo de perder seu amor, respeita seus man-
a arte do diálogo. damentos; se, por outro, são vistos como poderosos, seres
imensamente mais fortes e sábios que ela, seus ditames são
Desenvolvimento Moral e Socialização
aceitos incondicionalmente. Vale dizer que a criança não pro-
cura o valor intrínseco das regras: basta-lhe saber que quem
Tanto a afetividade como a racionalidade desenvolvem-
as dita é uma pessoa “poderosa”.
se a partir das interações sociais, desde a infância e durante a
É neste sentido que se fala de moral heterônoma: a va-
vida toda. Como representam a base da moral, esta também
lidade das regras é exterior a elas, está associada à fonte de
se desenvolve.
onde provêm. Quatro características complementares da mo-
Quanto ao respeito próprio, sua necessidade está presen-
ral da criança são decorrência dessa heteronomia. A primeira
te em crianças ainda bem pequenas. Uma criança que passa
é julgar um ato não pela intencionalidade que o presidiu, mas
por violências, por constantes humilhações, estará inclinada
a se desvalorizar, a ter muito pouca con ança em si mesma; pelas suas consequências. Por exemplo, a criança julgará mais
vale dizer que sua afetividade será provavelmente muito culpado alguém que tenha quebrado dez copos sem querer
marcada por essas experiências negativas. Vários autores já do que outra pessoa que quebrou um só num ato proposi-
apontaram as desastrosas consequências dos sentimentos de tal. O tamanho do dano material, no caso, é, para ela, critério
humilhação e vergonha para o equilíbrio psicológico. Isso não superior às razões de por que os copos foram quebrados. A
signi ca que sempre se devam fazer avaliações positivas das segunda característica é a de a criança interpretar as regras ao
condutas das crianças. Pelo contrário. Se a criança perceber pé da letra, e não no seu espírito. Assim, se uma regra a rma
que, seja qual for sua realização, ela recebe elogios, chegará que não se deve mentir, sempre condenará qualquer traição
facilmente à conclusão que tais elogios são falsos, sem valor. à verdade, sem levar em conta que, no espírito dessa regra, é
E pior ainda: acabará justamente por atribuir pouco valor a si o respeito pelo bem-estar da outra pessoa que está em jogo,
mesma por pensar que os elogios representam uma forma e não o ato verbal em si. A terceira característica refere-se às
de consolá-la por seus fracassos reais. Portanto, não se trata condutas morais: embora a criança, quando ouvida a respeito,
em absoluto de, a todo o momento, dar sinais de admiração defenda o valor absoluto das regras morais, frequentemente
à criança, ou de induzi-la a pensar que é perfeita. A crítica de comporta-se de forma diferente e até contraditória a elas. Esse
suas ações é necessária. fato provém do não-entendimento da verdadeira razão de ser
Trata-se, isto sim, de dar-lhe todas as possibilidades de ter das regras; às vezes, sem saber, age de forma estranha a elas,
êxito no que empreender, e demonstrar interesse por esses mas pensando que as está seguindo. A quarta e última carac-
empreendimentos, ajudando-a a realizá-los. terística é o fato de a criança não conceber a si própria como
Embora o respeito próprio represente uma necessida- pessoa legítima para criar e propor novas regras (caberia a ela
de psicológica constante, ele se traduz de formas diferen- apenas conhecer e obedecer a aquelas que já existem). Em
tes nas diversas idades. Em linhas gerais, pode-se dizer que, uma palavra, todas as características desta primeira fase do
entre oito e onze ou doze anos de idade, ele se traduz por desenvolvimento moral decorrem da não-apropriação racio-
pequenas realizações concretas. Não existe ainda um projeto nal dos valores e das regras. A criança as aceita porque pro-
de vida (ser ou fazer tal coisa quando crescer) que justi caria vêm dos pais “todo-poderosos”, e não procura descobrir-lhes
um paciente trabalho de preparação. Os objetivos são mais a razão de ser. Ora, será justamente o que procurará fazer na
imediatos, seu êxito deve ser rapidamente veri cado. Pode-se próxima fase de seu desenvolvimento moral, a da autonomia.

8
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Nesta etapa — a partir de oito anos em média — a respeitado no que tem de peculiar em relação aos outros.
criança inicia um processo no qual pode cada vez mais jul- Se o objetivo é formar alguém que procure resolver con itos
gar os atos levando em conta essencialmente a intenciona- pelo diálogo, deve-se proporcionar um ambiente social em
lidade que os motivou, começar a compreender as regras que tal possibilidade exista, onde possa, de fato, praticá-lo.
pelo seu espírito (não mais ao pé da letra) e legitimá-las não Se o objetivo é formar um indivíduo que se solidarize com
mais porque provêm de seres prestigiados e poderosos, mas os outros, deverá poder experienciar o convívio organizado
porque se convence racionalmente de sua validade. O res- em função desse valor. Se o objetivo é formar um indivíduo
peito que antes era unilateral — no sentido de respeitar as democrático, é necessário proporcionar-lhe oportunidades
“autoridades”, mas sem exigir a recíproca — torna-se mútuo: de praticar a democracia, de falar o que pensa e de subme-
respeitar e ser respeitado. O medo da punição e da perda do ter suas ideias e propostas ao juízo de outros. Se o objetivo é
amor, que inspirava as condutas na fase heterônoma, é subs- que o respeito próprio seja conquistado pelo aluno, deve-se
tituído pelo medo de perder a estima dos outros, perder o acolhê-lo num ambiente em que se sinta valorizado e res-
respeito dos outros, e perder o respeito próprio, moralmente
peitado. Em relação ao desenvolvimento da racionalidade,
falando. Finalmente, a criança se concebe como tendo legi-
deve-se acolhê-lo num ambiente em que tal faculdade seja
timidade para construir novas regras, e colocá-las à aprecia-
estimulada. A escola pode ser esse lugar. Deve sê-lo.
ção de seus pares.
A conquista da autonomia não é imediata. Durante um
tempo, o raio de ação dessa autonomia ainda está limitado Fonte: BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ética. 1997
ao grupo de amigos e pessoas mais próximas; mais tarde a
criança passa a perceber-se como membro de uma socieda-
de mais ampla, com suas leis e instituições. É então, nessa 3. AS POLÍTICAS PARA O
época, que poderá re etir sobre os princípios que organi- CURRÍCULO NACIONAL.
zam um sistema moral humano (portanto, mais amplo que
sua comunidade, como o grupo de amigos e conhecidos).
No entanto, é preciso que que claro que um sujeito, ao al-
cançar a possibilidade de exercer a autonomia moral, não Sistema Nacional de Educação
necessariamente torna-se autônomo em todas as situações
da vida. Os contextos sociais e afetivos em que está inserido O Sistema Nacional de Educação é tema que vem sus-
podem contribuir ou mesmo impedir a autonomia moral. citando o aprofundamento da compreensão sobre sistema,
Assim, é importante re etir sobre o que faz uma criança no contexto da história da educação, nesta Nação tão di-
passar de um estado de heteronomia moral, característico versa geográ ca, econômica, social e culturalmente. O que
da infância, para um estado de autonomia moral. a proposta de organização do Sistema Nacional de Educa-
Durante muito tempo, pensou-se que educação moral ção enfrenta é, fundamentalmente, o desa o de superar
deveria ocorrer pela associação entre discursos normatiza- a fragmentação das políticas públicas e a desarticulação
dores, modelos edi cantes a serem copiados, repressão, in- institucional dos sistemas de ensino entre si, diante do im-
terdição e castigo. pacto na estrutura do nanciamento, comprometendo a
Hoje, sabe-se que o desenvolvimento depende essen- conquista da qualidade social das aprendizagens, median-
cialmente de experiências de vida que o favoreçam e esti- te conquista de uma articulação orgânica.
mulem. No que se refere à moralidade, o mesmo fenôme- Os debates sobre o Sistema Nacional de Educação, em
no acontece. Por exemplo, na racionalidade: uma criança a vários momentos, abordaram o tema das diretrizes para
quem nunca se dá a possibilidade de pensar, de argumentar, a Educação Básica. Ambas as questões foram objeto de
de discutir, acaba frequentemente por ter seu desenvolvi-
análise em interface, durante as diferentes etapas prepa-
mento intelectual embotado, nunca ousando pensar por si
ratórias da Conferência Nacional de Educação (CONAE) de
mesma, sempre refém das “autoridades” que tudo sabem
2009, uma vez que são temas que se vinculam a um ob-
por ela. Em relação ao autorrespeito: uma criança a quem
jetivo comum: articular e fortalecer o sistema nacional de
nunca se dê a possibilidade de se a rmar, de ter êxito nos
seus menores empreendimentos, uma criança sempre humi- educação em regime de colaboração.
lhada, di cilmente desenvolverá alguma forma de respeito Para Saviani, o sistema é a unidade de vários elementos
próprio. Ora, sendo que o desenvolvimento moral depende intencionalmente reunidos de modo a formar um conjunto
da afetividade, notadamente do respeito próprio, e da ra- coerente e operante (2009, p. 38). Caracterizam, portanto,
cionalidade, e sendo que a qualidade das relações sociais a noção de sistema: a intencionalidade humana; a unidade
tem forte in uência sobre estas, a socialização também tem e variedade dos múltiplos elementos que se articulam; a
íntima relação com o desenvolvimento moral. coerência interna articulada com a externa.
Sendo que as relações sociais efetivamente vividas, Alinhado com essa conceituação, este Parecer adota o
experienciadas, têm in uência decisiva no processo de le- entendimento de que sistema resulta da atividade inten-
gitimação das regras, se o objetivo é formar um indivíduo cional e organicamente concebida, que se justi ca pela
respeitoso das diferenças entre pessoas, não bastam belos realização de atividades voltadas para as mesmas nalida-
discursos sobre esse valor: é necessário que ele possa ex- des ou para a concretização dos mesmos objetivos.
perienciar, no seu cotidiano, esse respeito, ser ele mesmo

9
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Nessa perspectiva, e no contexto da estrutura federativa Nesse sentido, a fonte em que residem os conheci-
brasileira, em que convivem sistemas educacionais autôno- mentos escolares são as práticas socialmente construídas.
mos, faz-se necessária a institucionalização de um regime Segundo os autores, essas práticas se constituem em “âm-
de colaboração que dê efetividade ao projeto de educa- bitos de referência dos currículos” que correspondem:
ção nacional. União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a) às instituições produtoras do conhecimento cientí -
cada qual com suas peculiares competências, são chama- co (universidades e centros de pesquisa);
dos a colaborar para transformar a Educação Básica em b) ao mundo do trabalho;
um conjunto orgânico, sequencial, articulado, assim como c) aos desenvolvimentos tecnológicos;
planejado sistemicamente, que responda às exigências dos d) às atividades desportivas e corporais;
estudantes, de suas aprendizagens nas diversas fases do e) à produção artística;
desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social. f) ao campo da saúde;
Atende-se à dimensão orgânica quando são observa- g) às formas diversas de exercício da cidadania;
das as especi cidades e as diferenças de cada uma das três h) aos movimentos sociais.
etapas de escolarização da Educação Básica e das fases que Daí entenderem que toda política curricular é uma
as compõem, sem perda do que lhes é comum: as seme- política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção e
lhanças, as identidades inerentes à condição humana em produção de saberes: campo con ituoso de produção de
suas determinações históricas e não apenas do ponto de cultura, de embate entre pessoas concretas, concepções
vista da qualidade da sua estrutura e organização. Cada eta- de conhecimento e aprendizagem, formas de imaginar e
pa do processo de escolarização constitui-se em unidade, perceber o mundo. Assim, as políticas curriculares não se
que se articula organicamente com as demais de maneira resumem apenas a propostas e práticas enquanto docu-
complexa e intrincada, permanecendo todas elas, em suas mentos escritos, mas incluem os processos de planejamen-
diferentes modalidades, individualizadas, ao logo do per- to, vivenciados e reconstruídos em múltiplos espaços e por
curso do escolar, apesar das mudanças por que passam por múltiplas singularidades no corpo social da educação. Para
força da singularidade de cada uma, bem assim a dos sujei- Lopes (2004, p. 112), mesmo sendo produções para além
das instâncias governamentais, não signi ca desconsiderar
tos que lhes dão vida.
o poder privilegiado que a esfera governamental possui na
Atende-se à dimensão sequencial quando os processos
produção de sentidos nas políticas, pois as práticas e pro-
educativos acompanham as exigências de aprendizagem
postas desenvolvidas nas escolas também são produtoras
de nidas em cada etapa da trajetória escolar da Educação
de sentidos para as políticas curriculares.
Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio), até
Os efeitos das políticas curriculares, no contexto da
a Educação Superior. São processos educativos que, embo-
prática, são condicionados por questões institucionais e
ra se constituam em diferentes e insubstituíveis momentos disciplinares que, por sua vez, têm diferentes histórias, con-
da vida dos estudantes, inscritos em tempos e espaços edu- cepções pedagógicas e formas de organização, expressas
cativos próprios a cada etapa do desenvolvimento humano, em diferentes publicações. As políticas estão sempre em
inscrevem-se em trajetória que deve ser contínua e progres- processo de vir-a-ser, sendo múltiplas as leituras possíveis
siva. de serem realizadas por múltiplos leitores, em um constan-
te processo de interpretação das interpretações.
Organização curricular: conceito, limites, possibili- As fronteiras são demarcadas quando se admite tão
dades somente a ideia de currículo formal. Mas as re exões teó-
ricas sobre currículo têm como referência os princípios
No texto “Currículo, conhecimento e cultura”, Moreira educacionais garantidos à educação formal. Estes estão
e Candau (2006) apresentam diversas de nições atribuídas orientados pela liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
a currículo, a partir da concepção de cultura como práti- divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o conhecimento
ca social, ou seja, como algo que, em vez de apresentar cientí co, além do pluralismo de ideias e de concepções
signi cados intrínsecos, como ocorre, por exemplo, com pedagógicas, assim como a valorização da experiência ex-
as manifestações artísticas, a cultura expressa signi cados traescolar, e a vinculação entre a educação escolar, o traba-
atribuídos a partir da linguagem. Em poucas palavras, essa lho e as práticas sociais.
concepção é de nida como “experiências escolares que se Assim, e tendo como base o teor do artigo 27 da LDB,
desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas pode-se entender que o processo didático em que se reali-
relações sociais, buscando articular vivências e saberes dos zam as aprendizagens fundamenta-se na diretriz que assim
alunos com os conhecimentos historicamente acumulados delimita o conhecimento para o conjunto de atividades:
e contribuindo para construir as identidades dos estudan- Os conteúdos curriculares da Educação Básica obser-
tes” (idem, p. 22). Uma vez delimitada a ideia sobre cultura, varão, ainda, as seguintes diretrizes:
os autores de nem currículo como: conjunto de práticas I – a difusão de valores fundamentais ao interesse so-
que proporcionam a produção, a circulação e o consumo cial, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao
de signi cados no espaço social e que contribuem, intensa- bem comum e à ordem democrática;
mente, para a construção de identidades sociais e culturais. II – consideração das condições de escolaridade dos
O currículo é, por consequência, um dispositivo de grande estudantes em cada estabelecimento;
efeito no processo de construção da identidade do (a) es- III – orientação para o trabalho;
tudante (p. 27). Currículo refere-se, portanto, a criação, re- IV – promoção do desporto educacional e apoio às
criação, contestação e transgressão (Moreira e Silva, 1994). práticas desportivas não-formais.

10
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Desse modo, os valores sociais, bem como os direitos Por outro lado, enquanto a escola se prende às carac-
e deveres dos cidadãos, relacionam-se com o bem comum terísticas de metodologias tradicionais, com relação ao en-
e com a ordem democrática. Estes são conceitos que re- sino e à aprendizagem como ações concebidas separada-
querem a atenção da comunidade escolar para efeito de mente, as características de seus estudantes requerem ou-
organização curricular, cuja discussão tem como alvo e tros processos e procedimentos, em que aprender, ensinar,
motivação a temática da construção de identidades sociais pesquisar, investigar, avaliar ocorrem de modo indissociá-
e culturais. A problematização sobre essa temática contri- vel. Os estudantes, entre outras características, aprendem a
bui para que se possa compreender, coletivamente, que receber informação com rapidez, gostam do processo pa-
educação cidadã consiste na interação entre os sujeitos, ralelo, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, preferem
preparando-os por meio das atividades desenvolvidas na fazer seus grá cos antes de ler o texto, enquanto os docen-
escola, individualmente e em equipe, para se tornarem ap- tes creem que acompanham a era digital apenas porque
tos a contribuir para a construção de uma sociedade mais digitam e imprimem textos, têm e-mail, não percebendo
solidária, em que se exerça a liberdade, a autonomia e a que os estudantes nasceram na era digital.
responsabilidade. As tecnologias da informação e comunicação consti-
Nessa perspectiva, cabe à instituição escolar com- tuem uma parte de um contínuo desenvolvimento de tec-
preender como o conhecimento é produzido e socialmente nologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo
valorizado e como deve ela responder a isso. É nesse sen- apoiar e enriquecer as aprendizagens. Como qualquer fer-
tido que as instâncias gestoras devem se fortalecer instau- ramenta, devem ser usadas e adaptadas para servir a ns
rando um processo participativo organizado formalmente, educacionais e como tecnologia assistiva; desenvolvidas de
por meio de colegiados, da organização estudantil e dos forma a possibilitar que a interatividade virtual se desen-
movimentos sociais. volva de modo mais intenso, inclusive na produção de lin-
A escola de Educação Básica é espaço coletivo de con- guagens. Assim, a infraestrutura tecnológica, como apoio
vívio, onde são privilegiadas trocas, acolhimento e acon- pedagógico às atividades escolares, deve também garantir
chego para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, acesso dos estudantes à biblioteca, ao rádio, à televisão, à
jovens e adultos, no relacionamento entre si e com as de- internet aberta às possibilidades da convergência digital.
mais pessoas. É uma instância em que se aprende a valo- Essa distância necessita ser superada, mediante apro-
rizar a riqueza das raízes culturais próprias das diferentes ximação dos recursos tecnológicos de informação e comu-
regiões do País que, juntas, formam a Nação. Nela se res- nicação, estimulando a criação de novos métodos didáti-
signi ca e recria a cultura herdada, reconstruindo as iden- co-pedagógicos, para que tais recursos e métodos sejam
tidades culturais, em que se aprende a valorizar as raízes inseridos no cotidiano escolar. Isto porque o conhecimento
próprias das diferentes regiões do País. cientí co, nos tempos atuais, exige da escola o exercício da
Essa concepção de escola exige a superação do rito es- compreensão, valorização da ciência e da tecnologia desde
colar, desde a construção do currículo até os critérios que a infância e ao longo de toda a vida, em busca da am-
orientam a organização do trabalho escolar em sua mul- pliação do domínio do conhecimento cientí co: uma das
tidimensionalidade, privilegia trocas, acolhimento e acon- condições para o exercício da cidadania. O conhecimento
chego, para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, cientí co e as novas tecnologias constituem-se, cada vez
jovens e adultos, no relacionamento interpessoal entre to- mais, condição para que a pessoa saiba se posicionar frente
das as pessoas. a processos e inovações que a afetam. Não se pode, pois,
Cabe, pois, à escola, diante dessa sua natureza, assumir ignorar que se vive: o avanço do uso da energia nuclear;
diferentes papéis, no exercício da sua missão essencial, que da nanotecnologia; a conquista da produção de alimentos
é a de construir uma cultura de direitos humanos para pre- geneticamente modi cados; a clonagem biológica. Nesse
parar cidadãos plenos. A educação destina-se a múltiplos contexto, tanto o docente quanto o estudante e o gestor
sujeitos e tem como objetivo a troca de saberes, a sociali- requerem uma escola em que a cultura, a arte, a ciência e a
zação e o confronto do conhecimento, segundo diferentes tecnologia estejam presentes no cotidiano escolar, desde o
abordagens, exercidas por pessoas de diferentes condições início da Educação Básica.
físicas, sensoriais, intelectuais e emocionais, classes sociais, Tendo em vista a amplitude do papel socioeducativo
crenças, etnias, gêneros, origens, contextos socioculturais, atribuído ao conjunto orgânico da Educação Básica, cabe
e da cidade, do campo e de aldeias. Por isso, é preciso fa- aos sistemas educacionais, em geral, de nir o programa
zer da escola a instituição acolhedora, inclusiva, pois essa é de escolas de tempo parcial diurno (matutino e/ou ves-
uma opção “transgressora”, porque rompe com a ilusão da pertino), tempo parcial noturno e tempo integral (turno
homogeneidade e provoca, quase sempre, uma espécie de e contraturno ou turno único com jornada escolar de 7
crise de identidade institucional. horas, no mínimo , durante todo o período letivo), o que
A escola é, ainda, espaço em que se abrigam desen- requer outra e diversa organização e gestão do trabalho
contros de expectativas, mas também acordos solidários, pedagógico, contemplando as diferentes redes de ensino,
norteados por princípios e valores educativos pactuados a partir do pressuposto de que compete a todas elas o de-
por meio do projeto político- pedagógico concebido se- senvolvimento integral de suas demandas, numa tentativa
gundo as demandas sociais e aprovado pela comunidade de superação das desigualdades de natureza sociocultural,
educativa. socioeconômica e outras.

11
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Há alguns anos, se tem constatado a necessidade de a Na Educação Básica, a organização do tempo curricular
criança, o adolescente e o jovem, particularmente aqueles deve ser construída em função das peculiaridades de seu
das classes sociais trabalhadoras, permanecerem mais tem- meio e das características próprias dos seus estudantes, não
po na escola. se restringindo às aulas das várias disciplinas. O percurso
Tem-se defendido que o estudante poderia bene ciar- formativo deve, nesse sentido, ser aberto e contextualizado,
se da ampliação da jornada escolar, no espaço único da es- incluindo não só os componentes curriculares centrais obri-
cola ou diferentes espaços educativos, nos quais a perma- gatórios, previstos na legislação e nas normas educacionais,
nência do estudante se liga tanto à quantidade e qualidade mas, também, conforme cada projeto escolar estabelecer,
do tempo diário de escolarização, quanto à diversidade de outros componentes exíveis e variáveis que possibilitem
atividades de aprendizagens. percursos formativos que atendam aos inúmeros interesses,
Assim, a qualidade da permanência em tempo integral necessidades e características dos educandos.
do estudante nesses espaços implica a necessidade da in- Quanto à concepção e à organização do espaço cur-
corporação efetiva e orgânica no currículo de atividades e
ricular e físico, se imbricam e se alargam, por incluir no
estudos pedagogicamente planejados e acompanhados ao
desenvolvimento curricular ambientes físicos, didático-pe-
longo de toda a jornada.
dagógicos e equipamentos que não se reduzem às salas
No projeto nacional de educação, tanto a escola de
de aula, incluindo outros espaços da escola e de outras
tempo integral quanto a de tempo parcial, diante da sua
responsabilidade educativa, social e legal, assumem a instituições escolares, bem como os socioculturais e espor-
aprendizagem compreendendo- a como ação coletiva co- tivo-recreativos do entorno, da cidade e mesmo da região.
nectada com a vida, com as necessidades, possibilidades e Essa ampliação e diversi cação dos tempos e espaços
interesses das crianças, dos jovens e dos adultos. O direito curriculares pressupõe pro ssionais da educação dispostos
de aprender é, portanto, intrínseco ao direito à dignidade a reinventar e construir essa escola, numa responsabilidade
humana, à liberdade, à inserção social, ao acesso aos bens compartilhada com as demais autoridades encarregadas
sociais, artísticos e culturais, signi cando direito à saúde em da gestão dos órgãos do poder público, na busca de par-
todas as suas implicações, ao lazer, ao esporte, ao respeito, cerias possíveis e necessárias, até porque educar é respon-
à integração familiar e comunitária. sabilidade da família, do Estado e da sociedade.
Conforme o artigo 34 da LDB, o Ensino Fundamental A escola precisa acolher diferentes saberes, diferentes
incluirá, pelo menos, quatro horas de trabalho efetivo em manifestações culturais e diferentes óticas, empenhar-se
sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período para se constituir, ao mesmo tempo, em um espaço de
de permanência na escola, até que venha a ser ministrado heterogeneidade e pluralidade, situada na diversidade em
em tempo integral (§ 2º). Essa disposição, obviamente, só é movimento, no processo tornado possível por meio de re-
factível para os cursos do período diurno, tanto é que o § 1º lações intersubjetivas, fundamentada no princípio eman-
ressalva os casos do ensino noturno. cipador. Cabe, nesse sentido, às escolas desempenhar o
Os cursos em tempo parcial noturno, na sua maioria, papel socioeducativo, artístico, cultural, ambiental, fun-
são de Educação de Jovens e Adultos (EJA) destinados, mor- damentadas no pressuposto do respeito e da valorização
mente, a estudantes trabalhadores, com maior maturidade das diferenças, entre outras, de condição física, sensorial e
e experiência de vida. São poucos, porém, os cursos regu- socioemocional, origem, etnia, gênero, classe social, con-
lares noturnos destinados a adolescentes e jovens de 15 a texto sociocultural, que dão sentido às ações educativas,
18 anos ou pouco mais, os quais são compelidos ao estudo enriquecendo-as, visando à superação das desigualdades
nesse turno por motivos de defasagem escolar e/ou de ina- de natureza sociocultural e socioeconômica.
daptação aos métodos adotados e ao convívio com colegas
Contemplar essas dimensões signi ca a revisão dos ri-
de idades menores. A regra tem sido induzi-los a cursos de
tos escolares e o alargamento do papel da instituição esco-
EJA, quando o necessário são cursos regulares, com progra-
lar e dos educadores, adotando medidas proativas e ações
mas adequados à sua faixa etária, como, aliás, é claramente
preventivas.
prescrito no inciso VI do artigo 4º da LDB: oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando. Na organização e gestão do currículo, as abordagens
disciplinares, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisci-
Formas para a organização curricular plinar requerem a atenção criteriosa da instituição escolar,
porque revelam a visão de mundo que orienta as práticas
Retoma-se aqui o entendimento de que currículo é o pedagógicas dos educadores e organizam o trabalho do
conjunto de valores e práticas que proporcionam a produ- estudante. Perpassam todos os aspectos da organização
ção e a socialização de signi cados no espaço social e que escolar, desde o planejamento do trabalho pedagógico,
contribuem, intensamente, para a construção de identida- a gestão administrativo-acadêmica, até a organização do
des sociais e culturais dos estudantes. E reitera-se que deve tempo e do espaço físico e a seleção, disposição e utiliza-
difundir os valores fundamentais do interesse social, dos di- ção dos equipamentos e mobiliário da instituição, ou seja,
reitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem comum todo o conjunto das atividades que se realizam no espaço
e à ordem democrática, bem como considerar as condições escolar, em seus diferentes âmbitos. As abordagens multi-
de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento, disciplinar, pluridisciplinar e interdisciplinar fundamentam-
a orientação para o trabalho, a promoção de práticas edu- se nas mesmas bases, que são as disciplinas, ou seja, o re-
cativas formais e não-formais. corte do conhecimento.

12
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para Basarab Nicolescu (2000, p. 17), em seu artigo compreensão interdisciplinar do conhecimento, a transver-
“Um novo tipo de conhecimento: transdisciplinaridade”, a salidade tem signi cado, sendo uma proposta didática que
disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a transdisciplinari- possibilita o tratamento dos conhecimentos escolares de
dade e a interdisciplinaridade são as quatro echas de um forma integrada. Assim, nessa abordagem, a gestão do co-
único e mesmo arco: o do conhecimento. nhecimento parte do pressuposto de que os sujeitos são
Enquanto a multidisciplinaridade expressa frações do agentes da arte de problematizar e interrogar, e buscam
conhecimento e o hierarquiza, a pluridisciplinaridade es- procedimentos interdisciplinares capazes de acender a
tuda um objeto de uma disciplina pelo ângulo de várias chama do diálogo entre diferentes sujeitos, ciências, sabe-
outras ao mesmo tempo. Segundo Nicolescu, a pesquisa res e temas.
pluridisciplinar traz algo a mais a uma disciplina, mas res- A prática interdisciplinar é, portanto, uma abordagem
tringe-se a ela, está a serviço dela. que facilita o exercício da transversalidade, constituindo-se
A transdisciplinaridade refere-se ao conhecimento pró- em caminhos facilitadores da integração do processo for-
prio da disciplina, mas está para além dela. O conhecimen- mativo dos estudantes, pois ainda permite a sua participa-
to situa-se na disciplina, nas diferentes disciplinas e além ção na escolha dos temas prioritários. Desse ponto de vis-
delas, tanto no espaço quanto no tempo. Busca a unidade ta, a interdisciplinaridade e o exercício da transversalidade
do conhecimento na relação entre a parte e o todo, entre
ou do trabalho pedagógico centrado em eixos temáticos,
o todo e a parte. Adota atitude de abertura sobre as cultu-
organizados em redes de conhecimento, contribuem para
ras do presente e do passado, uma assimilação da cultura
que a escola dê conta de tornar os seus sujeitos conscien-
e da arte. O desenvolvimento da capacidade de articular
tes de seus direitos e deveres e da possibilidade de se tor-
diferentes referências de dimensões da pessoa humana, de
seus direitos, e do mundo é fundamento básico da trans- narem aptos a aprender a criar novos direitos, coletivamen-
disciplinaridade. De acordo com Nicolescu (p. 15), para os te. De qualquer forma, esse percurso é promovido a partir
adeptos da transdisciplinaridade, o pensamento clássico é da seleção de temas entre eles o tema dos direitos huma-
o seu campo de aplicação, por isso é complementar à pes- nos, recomendados para serem abordados ao longo do de-
quisa pluri e interdisciplinar. A interdisciplinaridade pres- senvolvimento de componentes curriculares com os quais
supõe a transferência de métodos de uma disciplina para guardam intensa ou relativa relação temática, em função
outra. de prescrição de nida pelos órgãos do sistema educativo
Ultrapassa-as, mas sua nalidade inscreve-se no estudo ou pela comunidade educacional, respeitadas as caracterís-
disciplinar. Pela abordagem interdisciplinar ocorre a trans- ticas próprias da etapa da Educação Básica que a justi ca.
versalidade do conhecimento constitutivo de diferentes Conceber a gestão do conhecimento escolar enrique-
disciplinas, por meio da ação didáticopedagógica mediada cida pela adoção de temas a serem tratados sob a pers-
pela pedagogia dos projetos temáticos. Estes facilitam a or- pectiva transversal exige da comunidade educativa clareza
ganização coletiva e cooperativa do trabalho pedagógico, quanto aos princípios e às nalidades da educação, além
embora sejam ainda recursos que vêm sendo utilizados de de conhecimento da realidade contextual, em que as esco-
modo restrito e, às vezes, equivocados. A interdisciplinari- las, representadas por todos os seus sujeitos e a sociedade,
dade é, portanto, entendida aqui como abordagem teóri- se acham inseridas. Para isso, o planejamento das ações
cometodológica em que a ênfase incide sobre o trabalho pedagógicas pactuadas de modo sistemático e integrado é
de integração das diferentes áreas do conhecimento, um pré-requisito indispensável à organicidade, sequencialida-
real trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e de e articulação do conjunto das aprendizagens perspecti-
ao planejamento (Nogueira, 2001, p. 27). Essa orientação vadas, o que requer a participação de todos. Parte-se, pois,
deve ser enriquecida, por meio de proposta temática tra- do pressuposto de que, para ser tratada transversalmente,
balhada transversalmente ou em redes de conhecimento e a temática atravessa, estabelece elos, enriquece, comple-
de aprendizagem, e se expressa por meio de uma atitude menta temas e/ou atividades tratadas por disciplinas, eixos
que pressupõe planejamento sistemático e integrado e dis- ou áreas do conhecimento.
posição para o diálogo.
Nessa perspectiva, cada sistema pode conferir à comu-
A transversalidade é entendida como uma forma de
nidade escolar autonomia para seleção dos temas e deli-
organizar o trabalho didáticopedagógico em que temas,
mitação dos espaços curriculares a eles destinados, bem
eixos temáticos são integrados às disciplinas, às áreas di-
como a forma de tratamento que será conferido à transver-
tas convencionais de forma a estarem presentes em todas
elas. A transversalidade difere-se da interdisciplinaridade e salidade. Para que sejam implantadas com sucesso, é fun-
complementam-se; ambas rejeitam a concepção de conhe- damental que as ações interdisciplinares sejam previstas no
cimento que toma a realidade como algo estável, pronto projeto político-pedagógico, mediante pacto estabelecido
e acabado. A primeira se refere à dimensão didáticope- entre os pro ssionais da educação, responsabilizando-se
dagógica e a segunda, à abordagem epistemológica dos pela concepção e implantação do projeto interdisciplinar
objetos de conhecimento. A transversalidade orienta para na escola, planejando, avaliando as etapas programadas e
a necessidade de se instituir, na prática educativa, uma ana- replanejando-as, ou seja, reorientando o trabalho de todos,
logia entre aprender conhecimentos teoricamente sistema- em estreito laço com as famílias, a comunidade, os órgãos
tizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida responsáveis pela observância do disposto em lei, princi-
real (aprender na realidade e da realidade). Dentro de uma palmente, no ECA.

13
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Com a implantação e implementação da LDB, a expressão Incide sobre a aprendizagem, subsidiada pela consciên-
“matriz” foi adotada formalmente pelos diferentes sistemas cia de que o processo de comunicação entre estudantes
educativos, mas ainda não conseguiu provocar ampla e apro- e professores é efetivado por meio de práticas e recursos
fundada discussão pela comunidade educacional. O que se tradicionais e por práticas de aprendizagem desenvolvidas
pode constatar é que a matriz foi entendida e assumida carre- em ambiente virtual. Pressupõe compreender que se trata
gando as mesmas características da “grade” burocraticamente de aprender em rede e não de ensinar na rede, exigindo
estabelecida. Em sua história, esta recebeu conceitos a partir que o ambiente de aprendizagem seja dinamizado e com-
dos quais não se pode considerar que matriz e grade sejam partilhado por todos os sujeitos do processo educativo. Es-
sinônimas. Mas o que é matriz? E como deve ser entendida a ses são procedimentos que não se confundem.
expressão “curricular”, se forem consideradas as orientações Por isso, as redes de aprendizagem constituem-se em
para a educação nacional, pelos atos legais e normas vigentes? ferramenta didáticopedagógica relevante também nos
Se o termo matriz for concebido tendo como referência o
programas de formação inicial e continuada de pro ssio-
discurso das ciências econômicas, pode ser apreendida como
nais da educação.
correlata de grade. Se for considerada a partir de sua origem
Esta opção requer planejamento sistemático integra-
etimológica, será entendida como útero (lugar onde o feto de
do, estabelecido entre sistemas educativos docentes como
desenvolve), ou seja, lugar onde algo é concebido, gerado e/
ou criado (como a pepita vinda da matriz) ou, segundo Antô- infraestrutura favorável, prática por projetos, respeito ao
nio Houaiss (2001, p. 1870), aquilo que é fonte ou origem, ou tempo escolar, avaliação planejada, per l do professor, per-
ainda, segundo o mesmo autor, a casa paterna ou materna, l e papel da direção escolar, formação do corpo docente,
espaço de referência dos lhos, mesmo após casados. Admi- valorização da leitura, atenção individual ao estudante, ati-
tindo a acepção de matriz como lugar onde algo é concebido, vidades complementares e parcerias.
gerado ou criado ou como aquilo que é fonte ou origem, não Mas inclui outros aspectos como interação com as fa-
se admite equivalência de sentido, menos ainda como dese- mílias e a comunidade, valorização docente e outras medi-
nho simbólico ou instrumental da matriz curricular com o mes- das, entre as quais a instituição de plano de carreira, cargos
mo formato e emprego atribuído historicamente à grade cur- e salários.
ricular. A matriz curricular deve, portanto, ser entendida como As experiências em andamento têm revelado êxitos e
algo que funciona assegurando movimento, dinamismo, vida desa os vividos pelas redes na busca da qualidade da edu-
curricular e educacional na sua multidimensionalidade, de tal cação. Os desa os centram-se, predominantemente, nos
modo que os diferentes campos do conhecimento possam se obstáculos para a gestão participativa, a quali cação dos
coadunar com o conjunto de atividades educativas e instigar, funcionários, a integração entre instituições escolares de
estimular o despertar de necessidades e desejos nos sujeitos diferentes sistemas educativos (estadual e municipal, por
que dão vida à escola como um todo. A matriz curricular cons- exemplo) e a inclusão de estudantes com de ciência. São
titui-se no espaço em que se delimita o conhecimento e repre- ressaltados, como pontos positivos, o intercâmbio de infor-
senta, além de alternativa operacional que subsidia a gestão mações; a agilidade dos uxos; os recursos que alimentam
de determinado currículo escolar, subsídio para a gestão da relações e aprendizagens coletivas, orientadas por um pro-
escola (organização do tempo e espaço curricular; distribuição pósito comum: a garantia do direito de aprender.
e controle da carga horária docente) e primeiro passo para a Entre as vantagens, podem ser destacadas aquelas
conquista de outra forma de gestão do conhecimento pelos que se referem à multiplicação de aulas de transmissão em
sujeitos que dão vida ao cotidiano escolar, traduzida como tempo real por meio de tele aulas, com elevado grau de
gestão centrada na abordagem interdisciplinar. Neste sentido, qualidade e amplas possibilidades de acesso, em telessalas
a matriz curricular deve se organizar por “eixos temáticos”, de-
ou em qualquer outro lugar, previamente preparado, para
nidos pela unidade escolar ou pelo sistema educativo.
acesso pelos sujeitos da aprendizagem; aulas simultâneas
Para a de nição de eixos temáticos norteadores da or-
para várias salas (e várias unidades escolares) com um pro-
ganização e desenvolvimento curricular, parte-se do entendi-
fessor principal e professores assistentes locais, combina-
mento de que o programa de estudo aglutina investigações e
pesquisas sob diferentes enfoques. O eixo temático organiza das com atividades on-line em plataformas digitais; aulas
a estrutura do trabalho pedagógico, limita a dispersão temá- gravadas e acessadas a qualquer tempo e de qualquer
tica e fornece o cenário no qual são construídos os objetos de lugar por meio da internet ou da TV digital, tratando de
estudo. O trabalho com eixos temáticos permite a concretiza- conteúdo, compreensão e avaliação dessa compreensão;
ção da proposta de trabalho pedagógico centrada na visão e oferta de esclarecimentos de dúvidas em determinados
interdisciplinar, pois facilita a organização dos assuntos, de momentos do processo didáticopedagógico.
forma ampla e abrangente, a problematização e o encadea-
mento lógico dos conteúdos e a abordagem selecionada para Formação básica comum e parte diversi cada
a análise e/ou descrição dos temas. O recurso dos eixos temá-
ticos propicia o trabalho em equipe, além de contribuir para a A LDB de niu princípios e objetivos curriculares gerais
superação do isolamento das pessoas e de conteúdos xos. para o Ensino Fundamental e Médio, sob os aspectos:
Os professores com os estudantes têm liberdade de escolher I – duração: anos, dias letivos e carga horária mínimos;
temas, assuntos que desejam estudar, contextualizando-os em II – uma base nacional comum;
interface com outros. III – uma parte diversi cada.

14
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Entende-se por base nacional comum, na Educação Bá- Cabe aos órgãos normativos dos sistemas de ensino
sica, os conhecimentos, saberes e valores produzidos cultu- expedir orientações quanto aos estudos e às atividades cor-
ralmente, expressos nas políticas públicas e que são gera- respondentes à parte diversi cada do Ensino Fundamental
dos nas instituições produtoras do conhecimento cientí co e do Médio, de acordo com a legislação vigente. Segundo
e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento a LDB, os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoria-
das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na mente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras
produção artística; nas formas diversas e exercício da ci- línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmen-
dadania; nos movimentos sociais, de nidos no texto dessa te o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta,
Lei, artigos 26 e 33 , que assim se traduzem: locais e horários de nidos pelos sistemas de ensino.
Correspondendo à base nacional comum, ao longo do
I – na Língua Portuguesa;
processo básico de escolarização, a criança, o adolescente,
II – na Matemática;
o jovem e o adulto devem ter oportunidade de desenvol-
III – no conhecimento do mundo físico, natural, da rea-
ver, no mínimo, habilidades segundo as especi cidades de
lidade social e política, especialmente do Brasil, incluindo-
cada etapa do desenvolvimento humano, privilegiando- se
se o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, os aspectos intelectuais, afetivos, sociais e políticos que se
IV – na Arte em suas diferentes formas de expressão, desenvolvem de forma entrelaçada, na unidade do proces-
incluindo-se a música; so didático.
V – na Educação Física; Organicamente articuladas, a base comum nacional e a
VI – no Ensino Religioso. parte diversi cada são organizadas e geridas de tal modo
Tais componentes curriculares são organizados pelos que também as tecnologias de informação e comunicação
sistemas educativos, em forma de áreas de conhecimento, perpassem transversalmente a proposta curricular desde a
disciplinas, eixos temáticos, preservando-se a especi ci- Educação Infantil até o Ensino Médio, imprimindo direção
dade dos diferentes campos do conhecimento, por meio aos projetos político-pedagógicos. Ambas possuem como
dos quais se desenvolvem as habilidades indispensáveis ao referência geral o compromisso com saberes de dimensão
exercício da cidadania, em ritmo compatível com as etapas planetária para que, ao cuidar e educar, seja possível à es-
do desenvolvimento integral do cidadão. cola conseguir:
A parte diversi cada enriquece e complementa a base I – ampliar a compreensão sobre as relações entre o
nacional comum, prevendo o estudo das características re- indivíduo, o trabalho, a sociedade e a espécie humana,
gionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e seus limites e suas potencialidades, em outras palavras, sua
da comunidade escolar. Perpassa todos os tempos e es- identidade terrena;
paços curriculares constituintes do Ensino Fundamental e II – adotar estratégias para que seja possível, ao longo
do Médio, independentemente do ciclo da vida no qual os da Educação Básica, desenvolver o letramento emocional,
sujeitos tenham acesso à escola. É organizada em temas social e ecológico; o conhecimento cientí co pertinente
gerais, em forma de áreas do conhecimento, disciplinas, aos diferentes tempos, espaços e sentidos; a compreensão
eixos temáticos, selecionados pelos sistemas educativos e do signi cado das ciências, das letras, das artes, do esporte
pela unidade escolar, colegiadamente, para serem desen- e do lazer;
volvidos de forma transversal. A base nacional comum e a III – ensinar a compreender o que é ciência, qual a sua
história e a quem ela se destina;
parte diversi cada não podem se constituir em dois blocos
IV – viver situações práticas a partir das quais seja
distintos, com disciplinas especí cas para cada uma dessas
possível perceber que não há uma única visão de mundo,
partes.
portanto, um fenômeno, um problema, uma experiência
A compreensão sobre base nacional comum, nas suas
podem ser descritos e analisados segundo diferentes pers-
relações com a parte diversi cada, foi objeto de vários pa- pectivas e correntes de pensamento, que variam no tempo,
receres emitidos pelo CNE, cuja síntese se encontra no Pa- no espaço, na intencionalidade;
recer CNE/CEB nº 14/2000, da lavra da conselheira Edla de V – compreender os efeitos da “infoera”, sabendo que
Araújo Lira Soares. Após retomar o texto dos artigos 26 e estes atuam, cada vez mais, na vida das crianças, dos ado-
27 da LDB, a conselheira assim se pronuncia: lescentes e adultos, para que se reconheçam, de um lado,
(…) a base nacional comum interage com a parte di- os estudantes, de outro, os pro ssionais da educação e a
versi cada, no âmago do processo de constituição de família, mas reconhecendo que os recursos midiáticos de-
conhecimentos e valores das crianças, jovens e adultos, vem permear todas as atividades de aprendizagem.
evidenciando a importância da participação de todos os Na organização da matriz curricular, serão observados
segmentos da escola no processo de elaboração da pro- os critérios:
posta da instituição que deve nos termos da lei, utilizar a I – de organização e programação de todos os tempos
parte diversi cada para enriquecer e complementar a base (carga horária) e espaços curriculares (componentes), em
nacional comum. forma de eixos, módulos ou projetos, tanto no que se re-
(…) tanto a base nacional comum quanto a parte diver- fere à base nacional comum, quanto à parte diversi cada,
si cada são fundamentais para que o currículo faça sentido sendo que a de nição de tais eixos, módulos ou projetos
como um todo. deve resultar de amplo e verticalizado debate entre os ato-
res sociais atuantes nas diferentes instâncias educativas;

15
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

II – de duração mínima anual de 200 (duzentos) dias Considera, ainda, que o avanço da qualidade na edu-
letivos, com o total de, no mínimo, 800 (oitocentas) horas, cação brasileira depende, fundamentalmente, do compro-
recomendada a sua ampliação, na perspectiva do tempo misso político, dos gestores educacionais das diferentes
integral, sabendo-se que as atividades escolares devem instâncias da educação, do respeito às diversidades dos
ser programadas articulada e integradamente, a partir da estudantes, da competência dos professores e demais
base nacional comum enriquecida e complementada pela pro ssionais da educação, da garantia da autonomia res-
parte diversi cada, ambas formando um todo; ponsável das instituições escolares na formulação de seu
III – da interdisciplinaridade e da contextualização, que projeto político-pedagógico que contemple uma proposta
devem ser constantes em todo o currículo, propiciando a consistente da organização do trabalho.
interlocução entre os diferentes campos do conhecimen-
to e a transversalidade do conhecimento de diferentes Fonte: BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Da
disciplinas, bem como o estudo e o desenvolvimento de Educação Básica, 2013.
projetos referidos a temas concretos da realidade dos es-
tudantes;
IV – da destinação de, pelo menos, 20% do total da
6. POLÍTICAS EDUCACIONAIS COMO
carga horária anual ao conjunto de programas e projetos
POLÍTICAS PÚBLICAS DE NATUREZA SOCIAL
interdisciplinares eletivos criados pela escola, previstos no
projeto pedagógico, de modo que os sujeitos do Ensino
Fundamental e Médio possam escolher aqueles com que
se identi quem e que lhes permitam melhor lidar com o Políticas educacionais e Direito à Educação
conhecimento e a experiência. Tais programas e projetos
devem ser desenvolvidos de modo dinâmico, criativo e e- Da forma que modernamente se con gurou, o direi-
xível, em articulação com a comunidade em que a escola to à educação pode ser traduzido basicamente em dois
esteja inserida; aspectos: a oportunidade de acesso e a possibilidade de
V – da abordagem interdisciplinar na organização e permanência na escola, mediante educação com nível de
gestão do currículo, viabilizada pelo trabalho desenvolvi- qualidade semelhante para todos. O direito à educação
do coletivamente, planejado previamente, de modo inte- traz uma potencialidade emancipadora do ponto de vista
grado e pactuado com a comunidade educativa; individual e igualitária do ponto de vista social, visto que
VI – de adoção, nos cursos noturnos do Ensino Funda- a sua a rmação parte do pressuposto que a escolarização
mental e do Médio, da metodologia didáticopedagógica é niveladora das desigualdades do ponto de partida. Com
pertinente às características dos sujeitos das aprendiza- base nisso, a partir de 1917, a escolarização foi transforma-
gens, na maioria trabalhadores, e, se necessário, sendo al- da em responsabilidade estatal e social pela maioria dos
terada a duração do curso, tendo como referência o míni- países mediante inscrição em textos constitucionais.
mo correspondente à base nacional comum, de modo que Contudo, não se pode confundir a existência de esco-
tais cursos não quem prejudicados; las públicas com o direito à educação. O direito à educa-
VII – do entendimento de que, na proposta curricular, ção pressupõe o papel ativo e responsável do Estado tanto
as características dos jovens e adultos trabalhadores das na formulação de políticas públicas para a sua efetivação,
turmas do período noturno devem ser consideradas como quanto na obrigatoriedade de oferecer ensino com iguais
subsídios importantes para garantir o acesso ao Ensino possibilidades para todos. Quando o Estado generaliza a
Fundamental e ao Ensino Médio, a permanência e o suces- oferta de escolas de ensino fundamental, tem o poder de
so nas últimas séries, seja em curso de tempo regular, seja responsabilizar os indivíduos e/ou seus pais pela frequência.
em curso na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Portanto, o direito à educação, diferentemente dos de-
tendo em vista o direito à frequência a uma escola que mais direitos sociais, está estreitamente vinculado à obri-
lhes dê uma formação adequada ao desenvolvimento de gatoriedade escolar. Isso porque, enquanto os cidadãos
sua cidadania; podem escolher entre fazer uso ou não dos demais direitos
VIII – da oferta de atendimento educacional especia- sociais, a educação é obrigatória porque se entende que as
lizado, complementar ou suplementar à formação dos es- crianças não se encontram em condições de negociar se
tudantes público-alvo da Educação Especial, previsto no querem ou não recebê-la e de que forma. Paradoxalmen-
projeto político-pedagógico da escola. te, a educação é ao mesmo um direito e uma obrigação.
A organização curricular assim concebida supõe ou- Assim, o direito de não fazer uso dos serviços educacio-
tra forma de trabalho na escola, que consiste na seleção nais não está colocado como possibilidade e a perspectiva
adequada de conteúdos e atividades de aprendizagem, de emancipadora não está colocada como ponto de partida e,
métodos, procedimentos, técnicas e recursos didático-pe- sim, como ponto de chegada. Daí a relação estreita entre
dagógicos. A perspectiva da articulação interdisciplinar é direito à educação e educação obrigatória.
voltada para o desenvolvimento não apenas de conheci-
mentos, mas também de habilidades, valores e práticas.

16
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

No Brasil o processo de a rmação dos direitos de cidada- De início, é preciso destacar que a expansão das opor-
nia (ainda inconcluso) irá conferir um grau maior de ambigui- tunidades de escolarização no Brasil foi assinalada por uma
dade nas medidas de proclamação e de implementação do ambiguidade fundamental: ao mesmo tempo em que havia
direito à educação, uma vez que apenas a partir de 1988 uma um reconhecimento, no nível do discurso, da educação es-
concepção universalista dos direitos sociais foi incorporada ao colar como fator importante para o desenvolvimento eco-
sistema normativo brasileiro e que o processo de a rmação nômico e social, ou seja, como projeto civilizador, o direito
dos direitos no país foi assinalado pela defasagem entre os ao acesso e à permanência na escola elementar era negado
princípios igualitários proclamados na lei e a realidade de de- tanto pelo sistema normativo, quanto pelos mecanismos de
sigualdade e de exclusão. seleção intra e extraescolares.
Essa introdução tardia da concepção universalista dos di- É inegável que, pelo menos desde 1934, o sistema nor-
reitos sociais guarda relação com a não institucionalização de mativo brasileiro inscreveu a educação como direito e que
uma esfera pública democrática, pois os ideais de igualdade e os avanços dessa inscrição foram notáveis tanto em relação
justiça eram e ainda são introduzidos numa sociedade marca- à forma quanto em relação ao conteúdo. Também é inegável
da por relações verticalizadas e autoritárias e, portanto, fratu- que o Brasil acompanhou a tendência mundial pela demanda
rada internamente por suas contradições. por educação a partir da década de 1940 com processo sig-
Além disso, o ideal emancipador e igualitário do direito à ni cativo de expansão das oportunidades de escolarização.
educação também foi mitigado pelas próprias relações que se Apesar disso, no sistema normativo brasileiro, o direito
estabeleceram na dinâmica interna da escola, já muitas vezes à educação correspondeu à obrigatoriedade escolar como
denunciadas como reprodutoras das desigualdades sociais e imposição ao indivíduo e não como responsabilidade esta-
como inculcadoras dos valores e interesses das classes sociais tal. Mesmo, quando se tornou responsabilidade estatal não
que detêm o poder econômico e político. As práticas curricula- havia uma concepção universalista que lhe servisse de base.
res, avaliativas e de gestão das escolas brasileiras vêm, ao lon- Só a partir de 1988, ao direito à educação por parte do indi-
go da história, corroborando um contexto de exclusão de um víduo, correspondeu à obrigatoriedade de oferecer educação
enorme contingente de brasileiros da plenitude de signi cado por parte do Estado e só muito recentemente o Brasil atingiu
do direito à educação composto pelo acesso, pela permanên-
índices de escolarização obrigatória alcançados por muitos
cia e pela qualidade para todos.
países europeus desde o início da segunda metade do século
Primeiramente pela di culdade de acesso, quando não
XX.
havia acesso à educação obrigatória para a maioria dos brasi-
Assim, após mais de um século de história constitucional,
leiros; depois, quando houve a ampliação do acesso por volta
é que o país terá, no nível dos valores proclamados, o direito
dos anos 1970, pelos mecanismos que levavam à reprovação
de grande contingente de alunos que superavam a barreira do à educação inscrita a partir de uma lógica mais universalista,
ingresso na etapa obrigatória de escolarização e; atualmente, fazendo frente ao longo trajeto de iniquidades e privilégios
com a quase universalização da oferta da etapa obrigatória de na oferta da instrução elementar. De 1824 até 1988, as inscri-
escolarização, o direito à educação vem sendo mitigado com ções do direito à educação nos textos constitucionais eram
a baixa qualidade do ensino oferecido pelas escolas, que faz assinaladas por uma concepção de que o mínimo era o bas-
com que muitos alunos percorram todas as séries do ensino tante.
fundamental, mas não se apropriem do instrumental mínimo Dessa forma, se o direito pode ser de nido como tipi -
para o exercício da cidadania num contexto em que o letra- cação e de nição de responsabilidade, bem como por rela-
mento é condição mínima para inserção social. ções sociais pautadas pela igualdade e pela reciprocidade, na
Se, no Brasil, não podemos falar de direitos como normas educação brasileira só houve ruptura na racionalidade jurídi-
de civilidade nas relações sociais mediante os pressupostos da ca a partir de 1988.
igualdade e da reciprocidade, podemos a rmar que esse ideal Apesar de essa ruptura na racionalidade jurídica constituir
sempre esteve no horizonte político como campo de referên- grande avanço no campo do direito à educação, o desa o
cia para as lutas pela cidadania. que está colocado é a ruptura na racionalidade política da so-
Apesar de os direitos sociais terem sido inscritos no sis- ciedade em geral e dos trabalhadores em educação, uma vez
tema normativo brasileiro desde a década de 1930, essa ins- que até mesmo nas instituições de ensino a educação não se
crição se deu desde uma perspectiva classista no contexto con gurou como direito entendido como medida que opera
do Estado corporativo inaugurado por Getúlio Vargas. Disso a passagem para a igualdade no plano das relações sociais.
resulta a íntima relação entre os direitos sociais e o mundo Com efeito, ao lado do tardio surgimento de uma con-
do trabalho regulado e a exclusão de amplos contingentes da cepção mais universalista do direito à educação nos textos
população brasileira (empregadas domésticas e trabalhadores constitucionais, a dinâmica de expansão da escolarização
rurais, por exemplo) das garantias sociais. obrigatória foi refreada, até a década de 1960, por meca-
E é justamente esse campo de referência do possível que nismos de seleção nas instituições escolares. Mantínhamos
nos coloca o problema complexo da relação entre o projeto uma escola “de” e “para” as elites que tinham objetivos con-
brasileiro de modernização e os princípios da igualdade e da vergentes com os da escola: buscava-se prestígio, inserção
responsabilidade social como chaves de compreensão para no mercado de trabalho e ascensão social. Dessa forma, o
a questão da cidadania no Brasil e, mais ainda, nos desa a a acesso à educação era fator de diferenciação social, pois me-
entender “se” e “como” circulam socialmente os direitos con- diante rigorosos mecanismos de seleção e ensino propedêu-
quistados nos embates travados nesses campos nas últimas tico voltado para o acesso a níveis superiores de educação
décadas, como é o caso das garantias constitucionais de 1988, ou para postos mais elevados no mercado de trabalho eram
ou mais especi camente, “se” e “como” o direito tem se con - “eleitos” aqueles que seriam incluídos nos demais direitos de
gurado como mediação jurídica e política nas relações sociais. cidadania.

17
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O crescimento da população urbana e a industrialização NÍVEL DO ESPAÇO SOCIAL: A DIMENSÃO SOCIOE-


do país a partir da década de 1940 contribuíram para o au- CONÔMICA E CULTURAL DOS ENTES ENVOLVIDOS
mento das pressões sociais por expansão das oportunidades
de escolarização. Essas demandas por ampliação das oportu- Uma compreensão mais aprofundada da ideia de uma
nidades de escolarização, ainda que atendidas de forma pre- escola de qualidade não pode perder de vista o nível do
cária nos marcos do populismo, interferiram na ação estatal no espaço social, ou melhor, a dimensão socioeconômica e
sentido da efetivação do princípio da igualdade de oportuni-
cultural, uma vez que o ato educativo escolar se dá em
dade para o acesso nas décadas seguintes.
um contexto de posições e disposições no espaço social
Contudo, foi entre as décadas de 1970 e 1990 que hou-
ve um aumento expressivo no número de matrículas na etapa (em conformidade com o acúmulo de capital econômico,
obrigatória de escolarização. Mas outras formas de exclusão social e cultural dos sujeitos-usuários da escola), de he-
assumiram a posição central no processo de escolarização nas terogeneidade e pluralidade sociocultural, de problemas
décadas de 1970 e 1980: os próprios procedimentos internos sociais re etidos na escola, tais como: fracasso escolar,
da escola, sua estrutura e funcionamento, que conduziam à desvalorização social dos segmentos menos favorecidos,
elitização do ensino, não mais por falta de vagas ou mecanis- incluindo a autoestima dos alunos etc.
mos de seleção, mas mediante a produção do fracasso escolar Pesquisas e estudos do campo educacional eviden-
(repetência, evasão) como fator de diferenciação entre os me- ciam o peso de variáveis como: capital econômico, social
recedores e os não merecedores do acesso ao saber historica- e cultural (das famílias e dos alunos) na aprendizagem es-
mente construído. colar e na trajetória escolar e pro ssional dos estudantes.
Na década de 1990 assistimos a um processo de expansão De modo geral, pode-se a rmar que o nível de renda, o
das oportunidades de escolarização, em que esses mecanis- acesso a bens culturais e tecnológicos, como a Internet,
mos internos de exclusão por parte da escola foram ameniza-
a escolarização dos pais, os hábitos de leitura dos pais, o
dos (democraticamente ou não) por políticas de regularização
do uxo (ciclos, progressão continuada, aceleração da apren- ambiente familiar, a participação dos pais na vida escolar
dizagem). Porém, novamente, “estratégias” de exclusão foram do aluno, a imagem de sucesso ou fracasso projetada no
criadas pela dinâmica interna da escola: os alunos percorrem estudante, as atividades extracurriculares, dentre outras,
todas as séries ou todos os ciclos do ensino fundamental sem interferem signi cativamente no desempenho escolar e
se apropriar de um instrumental mínimo necessário para a in- no sucesso dos alunos.
serção social. Em muitas situações, os determinantes sócio-econô-
Esses mecanismos internos de exclusão forjados no inte- mico-culturais são naturalizados em nome da ideologia
rior das práticas educativas precisam ser superados para a rup- das capacidades e dons naturais, o que reforça uma visão
tura da racionalidade política dos trabalhadores em educação, de que a trajetória do aluno, em termos de sucesso ou
uma vez que a defesa da educação como direito não signi ca fracasso, decorre das suas potencialidades naturais. Essa
a sua consolidação no campo das representações sociais. Do visão social é, muitas vezes, reforçada na escola e, sobretu-
lado da sociedade, a ruptura da racionalidade política, deve do, na sala de aula, ampliando o processo de exclusão dos
passar, necessariamente, pela aceitação, circulação social e de-
já excluídos socialmente, seja pela etnia, raça, classe social,
fesa nos fóruns apropriados dos mecanismos jurídicos que as-
segurem não só vagas, mas também qualidade de ensino nas capital econômico, social e cultural, religião, dentre outros.
escolas públicas, além da superação da resistência aos direitos Estudos mostram que até mesmo a visão que se tem
assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, tido, da escola na comunidade e no sistema educativo, e que
muitas vezes por professores e pais como um instrumento que leva os usuários à escolha da escola e mantém motivações
elimina a autoridade paterna ou docente, ao proibir o trabalho para sua permanência, in uencia na aprendizagem e na
infantil ou ao proteger o aluno das relações de poder estabe- produção de uma escola de qualidade social para todos.
lecidas na dinâmica interna das práticas escolares. Isso também acaba contribuindo na expectativa de apren-
Se por um lado, hoje a educação é proclamada como di- dizagem na escola pelos professores, pais e alunos, que
reito do cidadão e dever do Estado e estamos, segundo o dis- aceitam como normal e natural um determinado padrão
curso o cial, muito próximos da universalização do acesso no de aprendizagem para parte dos estudantes.
ensino fundamental, por outro lado, as representações sociais De modo geral, a criação de condições, dimensões
estão muito distantes das promessas de emancipação e de e fatores para a oferta de um ensino de qualidade social
igualdade que estão na base do direito à educação.
também esbarram em uma realidade marcada pela desi-
Dessa forma, a ruptura dessa racionalidade política exclu-
gualdade sócio-econômica-cultural das regiões, localida-
dente é o grande desa o histórico para esse século no que diz
respeito à educação obrigatória e, se temos a de nição jurídica des, segmentos sociais e dos sujeitos envolvidos, sobre-
da questão da responsabilidade social com a educação, ainda tudo dos atuais sujeitos-usuários da escola pública, o que
há um longo percurso quanto às representações sociais sobre exige o reconhecimento de que a qualidade da escola seja
os valores do direito, da igualdade e da inclusão. uma qualidade social, uma qualidade capaz de promover
uma atualização histórico-cultural em termos de uma for-
Referência: mação sólida, crítica, ética e solidária, articulada com polí-
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à ticas públicas de inclusão e de resgate social.
educação no Brasil. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n.
39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR

18
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Portanto, a produção de qualidade da educação, sob


o ponto de vista extraescolar, implica, por um lado, em
7. REFORMAS NEOLIBERAIS
políticas públicas, programas compensatórios e projetos
PARA A EDUCAÇÃO.
escolares e extraescolares para enfrentamento de ques-
7.1 IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
tões como: fome, violência, drogas, sexualidade, deses-
truturação familiar, trabalho infantil, racismo, transpor- PARA A ORGANIZAÇÃO DO
te escolar, acesso à cultura, saúde e lazer, dentre outros, TRABALHO ESCOLAR.
considerando-se as especi cidades de cada país e sistema
educacional. Por outro lado, implica em efetivar uma visão
democrática da educação como direito e bem social, que A INFLUÊNCIA NEOLIBERAL NA EDUCAÇÃO BRASI-
deve expressar-se por meio de um trato escolar pedagógi- LEIRA
co que ao considerar a heterogeneidade sociocultural dos
Como podemos analisar, a in uência neoliberal tem sido
sujeitos-alunos seja capaz de implementar processos for-
muito forte no Brasil, consequentemente a educação foi e
mativos emancipatórios. ainda é um alvo de extrema importância para a dissemina-
Tão perspectiva, na direção do enfretamento dos pro- ção em massa desses ideais neoliberais.
blemas advindos do espaço social, deve materializar-se, O neoliberalismo defende a não participação do estado
por um lado, no projeto da escola por intermédio da cla- na economia. No discurso neoliberal a educação como um
ra de nição dos ns da educação escolar, da identi cação todo passa a ingressar no mercado capitalista funcionando
de conteúdos e conceitos relevantes no processo ensino logo a sua semelhança, deixando-se assim de ser parte do
-aprendizagem, da avaliação processual voltada para a campo social e político, os conteúdos políticos da cidada-
correção de problemas que obstacularizam uma aprendi- nia, foi substituído pelos direitos do consumidor. Daí a visão
zagem signi cativa, da utilização intensa e adequada dos neoliberal de que os pais e alunos são consumidores.
recursos pedagógicos, do envolvimento da comunidade Sonia Marrach (1996) explica que a retórica neoliberal,
escolar e, sobretudo, do investimento na quali cação e va- atribui um papel estratégico para a educação com três ob-
lorização da força de trabalho docente, seja por meio da jetivos basicamente; preparação para o trabalho atrelado a
formação inicial seja por meio da formação continuada. educação escolar e a pesquisa acadêmica ao imperativo do
Por outro lado, faz-se necessário implementar políti- mercado. Assegura que o mundo empresarial tem interesse
cas públicas e, dentre essas, políticas sociais ou progra- na educação por que deseja uma mão de obra quali cada,
mas compensatórios que possam colaborar efetivamente apta para a competição no mercado. Valoriza as técnicas de
organização, capacidade de trabalho cooperativo e o racio-
no enfrentamento dos problemas sócioeconômico-cultu-
cínio de dimensão estratégica.
rais que adentram a escola pública. Nessa perspectiva, a
O que está em questão é a adequação da escola a ideo-
melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem logia dominante, a rma Marrach (1996) que torna a escola
deve envolver os diferentes setores a partir de uma con- um meio de transmissão de seus princípios doutrinários, e
cepção ampla de educação envolvendo cultura, esporte e cita ainda que a realidade simbólica ela é de fato constituída
lazer, ciência e tecnologia. Ou seja, é necessário avançar pelos meios de comunicação de massas e que a escola tam-
para uma dimensão de uma sociedade educadora, onde a bém é responsável pela expansão da ideologia o cial.
escola cumpre a sua tarefa em estreita conexão com ou- No neoliberalismo pais e alunos são consumidores da
tros espaços de socialização e de formação do indivíduo educação, dessa forma ocorrerá uma competição para a
garantindo condições econômicas, sociais e culturais, bem melhor oferta educacional entre as escolas. Marrach a rma
como nanciamento adequado à socialização dos proces- também que o banco mundial recomenda que se reduzam
sos de acesso e de permanência de todos os segmentos os investimentos na educação pública, para que os pais pro-
a educação básica (de zero a 17 anos), entendida como curem escolas privadas que possam garantir um bom ensino
direito social. para seus lhos, aproximando assim a ideia de escola como
uma empresa. Outro ponto que é nítido é a transformação
Referência: dos problemas educacionais em problemas mercadológicos.
Disponível em: http://escoladegestores.virtual.ufc.br/ Com a participação do banco mundial na política edu-
PDF/sala4_leitura2.pdf cacional foi proposto aos países em desenvolvimento inclu-
sive o Brasil um pacote de reformas educativas, também foi
propalado soluções consideradas cabíveis no que diz res-
peito a educação para os países em desenvolvimento pelos
organismos internacionais, além do Banco Mundial foram
os: fundo monetário internacional(FMI), banco internacional
de reconstrução e desenvolvimento (BIRD), banco interame-
ricano de desenvolvimento ( BID),organização mundial do
comercio (OMC), programa para as nações unidas para o
desenvolvimento (PNUD), comissão econômica para a Amé-
rica latina Caribe (CEPAL), associação latino americana para
o desenvolvimento industrial e social (ALADIS).

19
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A partir desses organismos internacionais, em uma con- Com o esgotamento do regime militar e a crise da dé-
ferência mundial de educação para todos (1990), foi acor- cada de 80 a ideologia privatista ganha força, o privado
dado que a educação básica de qualidade seria prioridade. inclui na lógica neoliberal a administração do ensino, tra-
Para essas organizações, a educação básica deveria çando com alternativas o recebimento de subsídios gover-
dar conta de atender as necessidades básicas da educação. namentais para o seu empreendimento.
Logo visando com isso as seguintes questões; a redução da Cabe neste momento de discussão nos perguntarmos;
pobreza, ao aumento da produtividade de trabalhadores, a ideias neoliberais na LDB? A resposta é sim, pode-se per-
melhoria da saúde, redução da fecundidade. Ou seja, com ceber de forma muito clara essa in uência, alguns pontos
a educação básica pretendida contribuiria para a formação
são relevantes quando nos dispomos a analisar a LDB.
do sujeito mais adaptável a nova demanda de mercado glo-
A lei de diretrizes e bases da educação nacional, foi
balizado.
sancionada pelo presidente da república em 20 de de-
Doravante é notório observar paulatinamente que a
intervenção nas políticas educacionais por esses organis- zembro de 1996 (lei 9.394) e publicada no diário o cial da
mos evidencia de forma clara a expansão das políticas mais união, uma nova lei de educação que objetivou a aquisição
convenientes aos interesses do capital internacional. Sendo de novas competências e habilidades pelos indivíduos.
assim a educação na sociedade neoliberal tem como princi- Bianchetti (2005) a rma que o primeiro ponto crucial
pal o papel de reproduzir a força de trabalho para o capital, é a descentralização de poderes e da responsabilidade
formando individuo ideologicamente conforme os interes- atribuídas, onde a lei aponta que o ensino fundamental é
ses do mesmo, sendo explorado comercialmente pelo setor prioridade de responsabilidade do estado e municípios. E
privado. a educação infantil como responsabilidade dos municípios,
A modernização em curso pretende reformar o es- supondo dessa forma que as escolas tornar-se-iam mais
tado para transformá-la em estado mínimo desenvolver a sensíveis à dinâmica do mercado.
economia, fazer a reforma educacional e aumentar o poder
da iniciativa privada. O desaparecimento de um poder centralizador per-
No Brasil, a modernização neoliberal assim como as mitia que a maioria das atividades de serviços do governo
anteriores não toca na estrutura piramidal da sociedade. poderia ser delegada vantajosamente a autoridades regio-
Apenas amplia sua verticalidade, que se nota pelo aumento nais ou locais, totalmente limitadas em seus poderes coer-
do número de desempregados, de moradores de rua, de
citivos pelas regras ditadas por uma autoridade legislativa
mendigo e etc..., em outras palavras, a pirâmide social se
superior.
mantém e as desigualdades sociais crescem. Para a edu-
Doravante esta autonomia é apenas administrativa, as
cação o discurso neoliberal parece propor um tecnicismo
reformado. Os problemas sociais, econômicos, políticos e avaliações, os livros didáticos, os currículos, os programas,
culturais da educação se convertem em problemas admi- os conteúdos, os cursos de formação e scalização conti-
nistrativos, técnicos de reengenharia. A escola ideal deve nuam sendo centralizados, porém se torna também des-
ter gestão e ciente para competir no mercado. O aluno se centralizado quando se refere a questão nanceira.
transforma em consumidor do ensino e o professor um fun- Essa estratégia de des-responsabilizaçao do estado
cionário treinado e competente para preparar seus alunos para com a educação, esta cada vez mais contribuindo para
para o mercado de trabalho e para fazer pesquisas práticas a redução da ofertas dos serviços educacionais ao povo
e utilitárias a curto prazo. brasileiro.
Neste contexto, a proposta educativa referendada pela
A partir das colocações de Marrach (1996), Podemos lei máxima da educação em nosso país tem provocado a
entender que, além de querer diminuir a responsabilidade desestrutura do sistema educativo público e estimulando
do estado, o neoliberalismo mantém um caráter meritocrá- assim a privatização do ensino de forma competitiva.
tico no ensino, por trás da ideia de competitividade e livre Uma vez que ao ser transferida para a esfera do merca-
escolha entre as várias opções de mercado. do, a educação deixa de ser direito universal e passa a ser
As propostas neoliberais com relação a educação se- condição de privilegio, tornando-se seletiva e excludente.
guem a lógica de mercado, restringindo a ação do estado
Quando o estado começa a compartilhar as responsa-
a garantia da educação básica e deixando os outros níveis
bilidades pela educação com a iniciativa privada, ela rea-
sujeitos as leis de oferta e procura.
rma que a educação é uma questão pública, mas não é
Os sinais da in uência neoliberal na educação, foram
mais evidenciadas a partir da década de 60, pois deu início necessariamente estatal.
ao processo de privatização da educação com a colabo-
ração dos agentes do golpe de 64 cujo tinham a nidades Lei federal n◦ 9.394/ 1996 lei de diretrizes e bases da
ideológicas com os grupos que defenderam a LDB de orien- educação nacional.
tação privatista e que deram origem a lei n◦ 4.024/61.
Após 64 o ensino privado cresceu teve uma expansão Art.2◦ A educação, dever da família e do estado, inspi-
considerável. A primeira LDB favorecia os interesses priva- rada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidarieda-
dos onde permitia que em níveis federais e estaduais os de humana, tem por nalidade o pleno desenvolvimento do
empresários da educação ocupassem cargos nos conselhos educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
da educação. quali cação para o trabalho.

20
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Art 7◦ O ensino é livre a iniciativa privada, atendidas as Neste âmbito nota-se que o currículo transforma a es-
seguintes condições: cola em um espaço que produz e legitima os interesses
I- Cumprimento das normas gerais da educação na- econômicos e políticos das elites empresariais, a sala de
cional e do respectivo sistema de ensino; aula passa a ser um local exclusivo de reprodução dos va-
II- Autorização de funcionamento e avaliação de qua- lores, das atitudes e dos comportamentos da classe média
lidade pelo poder público; alta, interferindo assim na subjetividade do aluno.
III- Capacidade de auto nanciamento ressalvado e O neoliberalismo, também in uencia na formação do
previsto no art.213 da constituição federal. professor na atualidade. As mudanças que ocorreram na
Art 19◦ As instituições de ensino dos diferentes níveis estrutura da sociedade, no processo de trabalho com a in-
classi cam-se nas seguintes categorias administrativas: (re- trodução de novas tecnologias e com o esgotamento do
gulamento) fordismo, passaram-se então a exigir a formação de um
I- Publicas, assim entendidas as criadas ou incorpora- outro trabalhador, mais exível e ciente e polivalente.
das, mantidas e administrada pelo poder público; A criação da educação a distância, a instalação de apa-
II- Privadas, assim entendidas as mantidas e adminis- relhos de tv em cada escola, 58 milhões de livros didáti-
tradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. cos distribuídos anualmente para as escolas, a reforma do
currículo e a avaliação das escolas por meio de testes com
premiação à aquela com maior desempenho, são medidas
Essas entre outras leis fazem parte da organização edu- que pretendem adequar o Brasil a nova ordem.
cacional com ideias neoliberais para com a sua formulação. O art. 21 da LDB cria uma nova estrutura para a educa-
Como pudemos analisar a questão do privado como parte ção escolar, constituída de dois níveis de escolarização, que
a substituir as responsabilidades do estado. é a educação básica e a educação superior, e a formação do
Podemos neste momento também discutir a organi- professor também sofre alterações com essas mudanças.
zação do currículo escolar uma vez que ele é organizado
conforme os critérios da LDB cujo é elaborado com ideais Segundo o art. 62 da LDB, toda a formação de docen-
neoliberais. tes para todos os níveis da educação deverá ser feita em
Antes de qualquer coisa devemos perceber que o currí- nível superior com licenciatura plena em universidades e
culo não é um elemento neutro e inocente, com desinteres- institutos de educação. Logo podemos perceber que es-
se na transmissão do conhecimento social. Ele não é mais tas mudanças expressam uma concepção organizativa da
meramente técnico, ele esta guiado agora por questões educação superior fundadas em diagnostico de crise des-
políticas sociológicas e epistemológicas. Logo podemos te nível. Cabe então perguntar: até que ponto as diretrizes
a rmar que o currículo está moldado para as suas determi- para a formação de professores levam a autonomia ou a
nações sociais, na transmissão de ideologias interessantes adaptação do sistema em funcionamento?
a elite burguesa da sociedade, O currículo logo esta impli- Para Gadotti (1974), o papel do professor é fundamen-
cado nas relações de poder uma arena política. tal e sua formação assume uma função central nas polí-
O currículo sob o olhar da LDB, busca ser feita criterio- ticas educacionais. Esse pro ssional precisa ser preparado
samente, pois é um instrumento para alcançar a cidadania para contribuir com os ajustes da educação as exigências
alvo, ou seja, pretendida. do capital, desta forma quem irá determinar os conteúdos
No entanto essas diretrizes formuladas e impostas de- de ensino e atribuir sentido prático aos educadores será o
vem ser garantidas a m de manter a ideologia dominante mundo econômico. Podendo servir na realidade, submeter
como já pudemos discutir e entender anteriormente. Tendo a formação a racionalidade que facilita uma dominação,
com isso uma visão mais crítica e minuciosa das questões com a quebra de toda resistência por meio da formação de
que norteiam a educação brasileira, dentro da política neo- indivíduos que respondam as exigências do mercado, mas
liberal. que não tenham desenvolvido as capacidades críticas que
contribuam para buscar a utilização dos conhecimentos
Os currículos devem ter uma base nacional comum a como uma forma de emancipação.
todas as instituições seja ela privada ou publica, ajustando Segundo Moacir Gadotti (2001), os educadores na con-
apenas ao público de cada local, assim determina a LDB. temporaneidade têm a necessidade de dar uma especial
Segundo a LDB os currículos obrigatoriamente devem atenção às necessidades da nossa sociedade que é a ne-
abranger, o estudo da língua portuguesa e da matemática, cessidade do povo. O autor cita o exemplo da formação
o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade do pedagogo no Brasil que por sua vez deixou de ser “A
social e política. tomada de consciência dos problemas educacionais” e tor-
Também estabelece a lei como diretriz para o ensino nou-se uma formação voltada para várias habilitações di-
médio o domínio do conhecimento de loso a e sociologia. ferenciadas (supervisão, orientação, administração, inspe-
Ou seja, dessa forma é corpori cado um conhecimento ção e planejamento), cita mais que “nenhuma pedagogia é
com pontos de vista de grupos que socialmente dominan- neutra, toda pedagogia é política”.
tes. Valerão apenas os conhecimentos institucionalizados A rma ainda que a formação do educador sempre es-
seguidos de uma cultura imposta como única, padronizada teve voltada para a reprodução do individualismo, o verda-
para tal m com objetivos concretos e lógicos para a ma- deiro papel da educação como transformadora e conscien-
nutenção do sistema capitalista. tizadora vem se esvaziando ao longo do tempo.

21
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para tanto como se pode transformar a educação qual A questão do âmbito familiar no processo de apren-
a possibilidade de corromper com aquilo que reproduz? dizagem do indivíduo, é um fator observado por Bourdieu
Moacir propõe uma educação libertadora onde o educador no intuito de discutir e analisar a bagagem cultural e o su-
se posicione e não seja de forma alguma omisso as gran- cesso escolar, Burdieu chama essa bagagem cultural de ba-
des questões que norteiam e consequentemente reprimem gagem socialmente herdada. Dentro desta bagagem estão
severamente a sociedade, e também lutem contra a educa- tais fatores; capital econômico, capital social, capital cultu-
ção dominante que é totalmente imposta juntamente com ral institucionalizado. O capital econômico é aquele onde
a ideologia e a legitimação do “status quo” dos sistemas o indivíduo tem acesso aos bens e serviços a partir desse
educacionais. O professor comprometido com a educação capital, capital social, são os conjuntos de in uencias que
segundo Moacir deve ser um político em luta constante. são mantidas pelos familiares e o capital cultural institucio-
Enquanto a educação reproduz a sociedade, a con- nalizado, são aqueles que podem ser obtidos nos centros
tradição e o con ito não são tão manifestos porque a educacionais ou seja por títulos escolares.
Doravante, Bourdieu observa que o verdadeiro e o
reprodução é dominante: a educação faz o que a classe
maior centro de desenvolvimento do educando é a família,
dominante lhe pede, nesse contexto, o que poderíamos
a partir da herança cultural familiar que se é formado a es-
chamar de pedagogia transformadora? Certamente aquela
trutura social de uma sociedade, logo a formação inicial do
pedagogia que não tenta esconder as contradições exis-
indivíduo se dá de dentro para fora, do seio familiar para
tentes na sociedade, mas tenta mostrá-las: a contradição, o exterior caracterizando assim o indivíduo pela bagagem
por exemplo, de uma escola que se diz igual para todos e socialmente herdada, dessa forma o destino escolar de in-
a seletividade escolar. divíduos com capital social teria maior de nição.

O educador deve, no entanto ser crítico, e enfrentar os A partir desta analise, Bourdieu a rma que as crianças
desa os que lhe são colocados para uma educação liberta- que são oriundas de meios favorecidos terão maior facili-
dora, pois a educação é sem dúvida um grande espaço de dade de aprendizado escolar, diferentemente das crianças
luta. Por isso não devemos nos acomodar e muito menos oriundas dos meios menos favorecidos que ao passar pelo
fazer vista grossa aos problemas da sociedade em especial mesmo processo de educação não terá tanto signi cado,
na educação. pois são coisas extremamente distantes de sua realidade.
Uma pedagogia do con ito deve estar presente em Ele observa ainda que a avaliação escolar vai muito
cada um de nós enquanto educadores, na esperança de além de uma simples veri cação da aprendizagem, incluin-
um futuro melhor para a educação brasileira. do um verdadeiro julgamento cultural e até mesmo moral
Ao novo educador compete refazer a educação, rein- dos alunos. Cobram-se que os alunos tenham um estilo
ventá-la e criar condições para que possibilite que a educa- elegante de falar, escrever e até mesmo de se comportar,
ção seja realmente democrática criar alternativas para que que sejam intelectualmente curiosos, interessados e disci-
se formem um novo tipo de pessoas, pessoas mais soli- plinados que saibam cumprir adequadamente as regras da
dárias com o intuito de superar o individualismo que fora “boa educação” para que se mantenha essa regra, o neo-
criado pela grande exploração do trabalho. liberalismo reforça paulatinamente a sua ideologia domi-
Todavia esses e novos projetos e novas alternativas não nante.
poderão jamais ser elaborados pelos tecnoburocratas da Bourdieu a rma que as exigências impostas pela es-
educação. Essa reeducação dos educadores já começou cola só poderão ser concretizadas se o indivíduo for so-
sendo ela extremamente necessária e possível a rma Moa- cializado na família previamente. O capital cultural é, no
cir Gadotti. entanto, um fator importantíssimo na sociedade neolibe-
ral, observa ainda que o título escolar é avaliado confor-
Pierre Bourdieu (2002) também discute a questão da
me a sua quantidade de ofertas e a desvalorização desse
educação na sociedade, Bourdieu faz uma análise sobre a
título ocorre quando o seu acesso é facilitado. Ele faz uma
origem social do educando na sociedade, a rmando que,
análise da credibilidade do ensino nas diferentes classes:
o desempenho escolar do indivíduo não depende apenas
populares, medias e elites concluindo que, as classes po-
dos dons individuais, mas sim também dos fatores como; pulares que são pobres em capital cultural, social e econô-
classe, etnia, sexo, local de moradia entre outros. mico, investem muito menos na educação dos seus lhos
Bourdieu (2002) a rma ainda que a massi cação do isso se deve a alguns fatores, tais como a chance reduzida
ensino na década de 60 trouxe a desvalorização dos títulos de sucesso, a consciência de que com a falta dos capitais
escolares, e com isso também à elevada frustração dos jo- necessários para um bom desempenho escolar o retorno
vens das classes média e populares. do investimento será totalmente incerto e mínimo uma vez
A educação na percepção de Bourdieu perde seu papel que é preciso ter posse de algum capital para o crescimen-
de transformadora e democratizadora passando a ser uma to intelectual do indivíduo, Bourdieu chama esse tipo de
instituição que legitima os privilégios sociais, uma vez que adoção de “liberalismo” onde a trajetória escolar dos lhos
a escola ao de nir seu currículo seu método e sua avaliação da classe popular não teria um acompanhamento regulado
passa com isso a reproduzir as desigualdades sociais. e nem uma cobrança dos pais para a obtenção do sucesso
escolar, mas sim apenas o necessário para a sua própria
manutenção dentro da sociedade.

22
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

As classes medias, ao contrário das populares tendem a A desigualdade manifesta-se, por exemplo, na distân-
investir maciçamente na educação dos seus lhos, as famí- cia entre as rendas dos mais ricos e dos mais pobres. Nos
lias desse grupo possuem capitais mais elevados e razoáveis, Estados Unidos a quinta parte rica da população recebia
que os permitem investir na educação, Bourdieu a rma ain- 50% do produto nacional em 1995, no início do governo
da que a classe média geralmente é originaria da classe po- Reagan, recebiam 41% e, no m, 44%, na Alemanha ou Itá-
pular que conseguiram por meio da educação ascenderem lia 40%, na Holanda Suécia e Noruega, 37%. No Chile, 62%
socialmente e chegar a classe média. Dessa forma os levam a frente a isto, no Chile, os 25% mais pobres recebem 3,5%
acreditar com esperanças que a educação é a melhor forma do produto.
de ascensão dos seus lhos a uma classe ainda superior à A desigualdade é tão grande que a democracia não se
dos pais, Bourdieu chama essa conduta da classe média de torna compatível, pois se é necessário uma certa igualdade
“ascetismo” onde a classe média renuncia os seus prazeres para que haja uma democracia no país. Contudo com o ní-
imediatos tais como; compras, passeios e etc. para garantir vel de pobreza elevadíssimo, o cidadão logo não participa
a boa educação aos lhos com a valorização da disciplina, e nem participara da democracia.
autocontrole e educação intensiva nos estudos. Cita ainda o Desde a instalação do programa neoliberal, outro fator
“malthusianismo” como forma de controle da fecundidade, que mais prejudica o cidadão é o desemprego. É alarmante
como estratégia de concentração de investimentos. o número de desempregados no país atualmente. As esta-
As elites no mesmo âmbito tendem a investir forte- tísticas governamentais buscam, no entanto sempre ocul-
mente na educação da prole, porém de uma forma “laxis- tar essa realidade comum na sociedade.
ta” como diz Burdieu, pois não será necessário um esforço O trabalho hoje na informalidade e até mesmo na ile-
muito grande uma vez que o sucesso escolar dos lhos da galidade se tornou a saída para as pessoas que se encon-
elite ocorre de forma natural, o fracasso seria algo imprová- tram desempregadas e que não possuem a quali cação
vel uma vez que esse indivíduo terá condições de um bom mínima exigida pelo mercado de trabalho a rma Comblim.
desempenho escolar, mediante a obtenção do volume dos Segundo Comblim José as razoes para o desemprego
capitais acumulados. seria a competitividade onde as razoes sociais desapare-
Bourdieu chama essas características da escolarização
cem ou não existem prevalecendo apenas as razoes eco-
dos lhos de “habitus familiar” sendo criticado por vários
nômicas.
teóricos acerca desse tema.
Muitos desempregados entram na categoria dos ex-
cluídos e merecem essa designação. Perdem estímulo, or-
Por mais que se democratize o acesso ao ensino por
gulho, dignidade pessoal, praticam a auto destruição. A
meio da escola pública e gratuita, continuará existindo uma
mesma coisa acontece com tantos jovens que não acham
forte correlação entre as desigualdades ou hierarquias in-
trabalho e já estudaram tudo o que podiam estudar. Vão
ternas ao sistema de ensino. Essa correlação só pode ser
explicada, na perspectiva de Burdieu, quando se considera junta-se aos que, desde o início, pertenceram a economia
que a escola dissimuladamente valoriza e exige dos alunos informal porque sempre souberam que nunca haveria em-
determinadas qualidades que são desigualmente distribuí- prego para eles. Frequentemente, os excluídos chegam a
das entre as classes sociais, notadamente, o capital cultural e perder até uma casa. Não podem mais pagar aluguel. Ou
uma certa neutralidade no trato com a cultura e o saber que vivem com parentes ou constroem uma favela. Os piores
apenas aqueles que foram desde a infância socializados na vivem na rua. A classe dos excluídos cresce, o sistema vai
cultura legitima podem ter. gerando levas e levas de excluídos: estes já não participam
Pode se concluir então que a escola é o processo de mais da vida social cam revoltados, desencantados. Mui-
reprodução das desigualdades sociais que busca legitimar a tas vezes tornam-se violentos ou cedem aos vícios: não é
dominação exercida pelas classes dominantes, sendo assim sem razão que as drogas são os sinais mais evidentes da
o seu currículo é moldado conforme o interesse da classe presença de uma sociedade neoliberal.
dominante. No entanto também é preciso ainda mais inves-
tigar e analisar a estrutura social e o processo de aprendiza- No trecho citado acima o autor deixa muito claro que
gem na sociedade em que estamos inseridos. o desemprego é um fator de extrema catástrofe na vida
de uma pessoa tanto no campo emocional como no fami-
Critica a in uência neoliberal na educação liar, ele remete também a questão dos excluídos de onde
ele faz um levantamento muito signi cativo, que seria o
Para começarmos este capitulo, não poderíamos deixar fato de muitos escolarizados estarem também passando
de falar dos efeitos sociais que o neoliberalismo trouxe e pelo mesmo problema de desemprego e logo partirem
que permanecem até os dias de hoje, prejudicando a vida pelo mesmo caminho da informalidade. Driblar as másca-
dos cidadãos na sociedade. ras neoliberais é, no entanto uma tarefa árdua e difícil pois
O primeiro grande efeito social é o aumento signi ca- suas ideologias são massacrantes e fazem se tornar legiti-
tivo da desigualdade que nos últimos anos se tornou cres- mas diante da sociedade.
cente e muito preocupante em todo o país, até mesmo no Na questão educacional como não poderíamos deixar
Chile aumentou o índice de desigualdade, o Chile que era o de discutir nesta presente monogra a, o neoliberalismo
único país que mostrava uma diminuição na proporção de afeta com abrangência e utiliza-se de suas ideologias para
pobres na população tem agora um aumento nesta mesma os rumos educacionais onde a cultura do mercado se faz
proporção segundo o autor Comblim José. valer que é o de comprar e consumir.

23
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Doravante o sentido real no neoliberalismo da arte esta no Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer,
valor do quadro da escultura, na música a quantidade de dvds da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da
e cds que são vendidos, na invenção cienti ca seria a quanti- ética, entre nós, homens e mulheres, é uma transgressão. É
dade em milhões que serão economizados com tais invenções por isso que transformar a experiência educativa em puro
e até mesmo a valor da natureza se resultaria na quantidade treinamento técnico é amesquinhar o que há de funda-
de visitantes turistas e os dólares deixados no local, no esporte mentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter
também não é diferente os ingressos vendidos da partida que formador. Se respeita a natureza do ser humano, o ensino
diz qual é o seu valor real na economia. dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral
Partindo desse princípio é notório observar que tudo na do educando. Educar é substantivamente formar.
cultura tem o seu valor girando assim no preço das coisas se
o produto não rende logo ele não será válido.Com essa forte Paulo Freire (2000) em seu trabalho pedagogia da
ideologia neoliberal podemos perceber as in uencias e os re- autonomia, a rma que a educação seja ela bem ou mal
exos tão negativos na educação.
ensinados e ou aprendidos, serve como base para a pura
Não é somente o dinheiro ou bens materiais que cam
reprodução da ideologia dominante ou para o seu desmas-
nas mãos de poucos mas também o conhecimento e tecno-
caramento. A educação não é neutra a reprodução ou a
logias, a sociedade é levada a acreditar no sistema neoliberal,
contestação da ideologia, Freire a rma que para a elite do-
que essa relação é uma condição natural e que apenas a mino-
ria devem gozar de muitos privilégios e a grande maioria nada minante a educação deve ser uma pratica “imobilizadora e
ter pois não podem pagar por eles. ocultadora de verdades” neutra.
Neste contexto, a educação de qualidade logo será con- A ideia de aproximação crítica da realidade esta visivel-
cedida à aqueles que realmente possuem meios para assegurá mente fundada na concepção de educação quando Freire
-las e não como diz a lei de diretrizes e bases que a educação a rma que a educação transformadora e humanizadora,
é um direito de todos, a educação de qualidade não é e nem, logo deve ser aquela que de uma forma ou de outra cons-
será direcionada a classe dos excluídos, pois o poder público cientize o homem para que com isso possa ele ter atitudes
não garante essa qualidade para os mesmos. Tendo este fator críticas em torno daquilo que o circunda e não aceite de
vigente da falta de políticas públicas nos campos educacionais, forma estanque os problemas sociais em que se encontra a
faz com que segundo Gentilli (1996), que o neoliberalismo sociedade com o modelo neoliberal. Diz ainda que o neoli-
logo trate de transferir a educação para a esfera mercadológi- beralismo desconsidera os interesses humanos favorecen-
ca. Consomem aqueles que por ela podem pagar da mesma do os interesses do mercado, citando o exemplo do em-
forma que compra um utensílio doméstico de alto valor. presário e do operário, onde o empresário não concordaria
que o seu operário comece a discutir os problemas sociais
A grande operação estratégica do neoliberalismo consiste tais como; “o desemprego no mundo é uma fatalidade do
em transferir a educação da esfera política para a esfera do m deste século”. E por que fazer a reforma agrária não é
mercado, questionando assim seu caráter de direito e redu- também uma fatalidade? E por que acabar com a fome e a
zindo-a a sua condição de propriedade. É neste quadro que se miséria não são igualmente fatalidades de que não se pode
reconceitualiza a noção de cidadania, através de uma revalo- fugir? “ou seja esse tipo de discussão não cabe nos progra-
rização da ação do indivíduo enquanto proprietário, enquan- mas de aperfeiçoamento técnico ou de alfabetização ofe-
to indivíduo que luta por conquistar (comprar) propriedades recidos pelo empresário, ele apenas estimula e patrocina o
mercadorias de diversa índole, sendo a educação uma delas. aperfeiçoamento técnico e recusa a formação que discuta
O modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado, o in- a presença do homem no mundo.
terpreneur, o consumidor. Freire conclui ainda que, muito mais sério ainda é a fa-
cilidade que temos em aceitar o que nos vemos e ouvimos,
Segundo Gentilli (1996), o neoliberalismo busca monopo-
a capacidade de nos escondermos da realidade, manter-
lizar o poder e está presente no âmbito educacional, logo a
mos-nos na obscuridade na verdade nos cegar mediante
educação ela é moldada de acordo com os interesses da classe
as verdades distorcidas. Essa ideologia de amaciamento do
dirigente na economia. Se o interesse neoliberal é lucrativida-
de logo o interesse deles é quali car a mão de obra no intui- neoliberalismo, nos leva de forma lenta e sempre, a acre-
to de servir as necessidades do mercado para lhes garantir a ditar que as coisas existem por elas mesmas não sofreram
lucratividade, transformar o indivíduo em um ser pensante as interferências das elites, como por exemplo a globalização
realidades que os cercam esta fora de cogitação, pois não seria da economia. A globalização ela é tida como algo natural
interessante formar pensadores, mas sim mão de obra barata. na ideologia neoliberal e não como uma produção históri-
Segundo Paulo Freire (2000), não deveríamos ter uma ca. Freire critica com toda a sua força o modelo neoliberal e
educação que quali ca o homem somente para o mercado, como ele mesmo diz a malvadeza que o capitalismo tem
mas também uma educação que humanize o sujeito tornando em aumentar a riqueza de alguns poucos e de forma cruel
-o um cidadão que seja crítico-re exivo e que atue na socieda- verticalizar a pobreza e a miséria de milhões de pessoas. A
de. Freire a rma que a educação sozinha não forma o cidadão ideologia como já vimos tem esse grande poder de per-
ela é limitada, não contribuído desta forma para a formação suasão, ela nos anestesia, e consegue com muita facilidade
do sujeito ético e preparado também para com seu próximo distorcer a percepção que temos dos fatos, das coisas e dos
conviver. acontecimentos.

24
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para Gaudêncio Frigotto (2001), a escola é um porto se- dades pro ssionais do educador escolar, com a consequen-
guro para os ataques neoliberais, a partir do momento em te desquali cação de seu trabalho e o aviltamento de seus
que os poderes dos organismos internacionais como o FMI, salários, deu-se algo de semelhante: na medida em que não
Banco mundial, organização mundial de comercio (OMC) interessava à classe detentora do poder político e econômico,
passam a participar das reformas educacionais, reforçando a pelo menos no que diz respeito à generalização para as mas-
educação como um bem de consumo com valor previamente sas trabalhadoras, mais que um ensino de baixíssima quali-
estipulado. dade, o estado, como porta voz dos interesses dessa classe,
passou a dar cada vez menor importância a educação pública.
Estes por sua vez para alcançar com total plenitude o su-
cesso de seus objetivos, utilizam-se de ideologias e facetas A ideia de desquali cação está logo ligado a intensi ca-
consistentes para tentar passar a ideia de que as intenções ção maçante do trabalho, e o que leva a este fenômeno não é
são as melhores possíveis e que podem com elas solucionar de forma alguma difícil de se perceber, que é, a baixa remune-
as crises do modelo capitalista, dentre elas a crise educacional. ração para o pro ssional, o cumprimento de outros cargos na
A partir desta analise podemos identi car que o projeto educação ou não, sem sair da sala de aula, uma necessidade
neoliberal de educação trata a educação como “coisi cadora” de capacitação frente as tecnologias educacionais crescentes.
ou seja, uma educação que por sua vez manipula o educan- No entanto os resultados deste processo não poderiam
do a se moldar aos padrões de mercado, como já vimos an- de forma alguma ser diferente e o trabalho docente está cada
teriormente, tornando assim o conhecimento em um objeto dia mais se descon gurando.
comercial. Na escola privada os professores possuem menos auto-
Não podemos também nesta presente monogra a deixar nomia ainda para a organização do seu material de estudo,
de citar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores são obrigados a utilizar os materiais determinados e impostos
da educação no sistema neoliberal. pelas escolas com moldes empresariais.
Os professores e os demais funcionários da educação vi- O professor é um proletário sujeito a todas as mudanças
vem hoje em situações de baixa remuneração, as condições do mercado de trabalho. Se a lógica neoliberal é lucrar e o
de trabalho péssimas ou inadequadas e além disso tudo o investimento em mão de obra ser o mínimo, logo a desqua-
grande desprestigio do trabalho docente junto aos governos. li cação do pro ssional da educação é uma ótima condição
Para Henrique Paro (1999), o trabalho do professor vai para a manutenção do sistema.
muito além da sala de aula, isso se deve a grande agitação Dessa forma o sistema neoliberal passa a empregar a for-
do trabalho semanal em que o atual professor se encontra, ça de trabalho sem quali cação, aumentando a competitivi-
trabalhando em várias escolas e com baixa remuneração o dade e reduzindo os salários.
educador ca sem tempo para dar conta de tudo com a qua- As condições de trabalho as quais os professores estão
lidade devida, acaba por levando o seu trabalho para casa e sendo submetidos, e a instabilidade do corpo docente e téc-
utilizando até mesmo o seu nal de semana devido à enorme nico impedem a construção de qualquer tipo de projeto a ser
quantidade de trabalho, os seus dias de descanso, os nais realizado no âmbito educacional.
de semana e feriados estão sendo ocupados pelo trabalho As políticas públicas deveriam sem dúvida criar mecanis-
acumulado este sem nenhuma remuneração. mos para assegurar a estabilidade dos educadores, isso im-
O professor por sua vez acaba com isso aplicando as plica em melhores salários, condições de trabalho digno e a
mesmas aulas planejadas sem tempo para atualizá-las, o que valorização dos educadores.
demonstra a rotinização do trabalho e também uma trans- Para Henrique Paro (1999) o educador não deve de forma
missão mecânica dos conteúdos. alguma ser expropriado do saber e muito menos alienado as
Na intenção de maximizar o seu tempo de trabalho o questões sociais para que ele possa ter uma relação educador
professor acaba por optar por esse tipo de transmissão o sis- -educando na existência do saber.
tema não valoriza seu trabalho logo não oferece o mínimo de
condições para a realização de sua tarefa educacional. Para a tal valorização que esperamos para os pro ssio-
nais da educação faz se necessário uma mudança imediata do
Na indústria, a desquali cação do operário deu-se por modelo econômico vigente, e fazendo-se necessário implan-
força da divisão pormenorizada do trabalho, que visava a tar um novo modelo para que possamos construir um siste-
maior produtividade. Na escola, embora não se possa menos- ma educacional único, público e laico que, integre as massas
prezar a divisão do trabalho como fator de desquali cação populares ao mundo da ciência e da cultura e também que
pro ssional, não se deve desprezar também outros aspectos contribua, no entanto para o crescimento e a independência
especí cos da realidade escolar. Neste contexto, é justo a r- tecnológica e cienti ca.
mar que o ponto de partida dessa desquali cação não foi a Para tal fator devemos unir lutas com demais lutas dos
preocupação com a e ciência da escola, mas precisamente a trabalhadores, contra esse modelo capitalista neoliberal.
desatenção para com a degradação de seu produto. Como Florestan Fernandes (1986) em seu trabalho sobre a for-
acontece em qualquer processo de produção, na medida em mação política e o trabalho do professor faz uma discussão
que o bem ou serviço a ser produzido pode ser de qualidade em torno da formação atual do professor, a gura do profes-
bastante inferior, passa-se utilizar, em sua elaboração, meios sor enquanto cidadão e seu papel decisivo na sociedade bem
de produção e mão de obra de qualidade também inferior, os como a sua aceitação de condição de assalariado que logo
quais estão disponíveis, geralmente, em maior quantidade e proletariza sua consciência dentro do sistema.
a preços mais baixos. No processo de degradação das ativi-

25
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Ele é uma pessoa que esta em tensão política perma- aprendizagem vivenciados pela criança na Educação Infantil
nente com a realidade e só pode atuar sobre essa realida- da escola anterior. Mesmo no interior do Ensino Fundamental,
de se for capaz de perceber isso politicamente. Portanto a há de se cuidar da uência da transição da fase dos anos ini-
disjunção da pedagogia ou da loso a e das ciências ou da ciais para a fase dos anos nais, quando a criança passa a ter
arte, com relação à política, seria um meio suicida de reagir. É diversos docentes, que conduzem diferentes componentes e
algo inconcebível e é retrogrado. O professor precisa se colo- atividades, tornando-se mais complexas a sistemática de es-
car na situação de um cidadão de uma sociedade capitalista tudos e a relação com os professores.
subdesenvolvida e com problemas especiais e, nesse quadro, A transição para o Ensino Médio apresenta contornos
reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades, bastante diferentes dos anteriormente referidos, uma vez
que só poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente, se que, ao ingressarem no Ensino Médio, os jovens já trazem
conjugar uma pratica pedagógica e ciente a uma ação da maior experiência com o ambiente escolar e suas rotinas;
mesma qualidade. além disso, a dependência dos adolescentes em relação às
Florestan (1986), discute ainda que o professor precisa ter suas famílias é quantitativamente menor e qualitativamen-
uma consciência política para lutar em prol dos interesses da te diferente. Mas, certamente, isso não signi ca que não
classe e por uma revalorização econômica da categoria den- se criem tensões, que derivam, principalmente, das novas
tro do sistema. expectativas familiares e sociais que envolvem o jovem. Tais
Estar ciente que estamos sendo submetidos a um sistema expectativas giram em torno de três variáveis principais
elitista e excludente, se faz necessário para encarar os proble- conforme o estrato sociocultural em que se produzem: a)
mas sociais de forma crítica e re exiva perante o sistema, logo os “con itos da adolescência”;
o professor não pode estar alheio aos acontecimentos, se ele b) a maior ou menor aproximação ao mundo do traba-
quer alguma mudança deve tentar realizá-los nos dois níveis lho; c) a crescente aproximação aos rituais da passagem da
dentro e fora da escola e unir o seu papel de cidadão ao seu Educação Básica para a Educação Superior.
papel de educador para que possa ele pensar politicamente, Em resumo, o conjunto da Educação Básica deve se
que é uma coisa que não se aprende fora da prática. constituir em um processo orgânico, sequencial e articula-
do, que assegure à criança, ao adolescente, ao jovem e ao
Fonte: SILVA, S. D. da. A in uência neoliberal na educação. adulto de qualquer condição e região do País a formação
comum para o pleno exercício da cidadania, oferecendo as
IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A
condições necessárias para o seu desenvolvimento integral.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR
Estas são nalidades de todas as etapas constitutivas da
Educação Básica, acrescentando-se os meios para que pos-
A articulação das dimensões orgânica e sequencial das
sa progredir no mundo do trabalho e acessar a Educação
etapas e modalidades da Educação Básica, e destas com a
Superior. São referências conceituais e legais, bem como
Educação Superior, implica a ação coordenada e integradora
desa o para as diferentes instâncias responsáveis pela con-
do seu conjunto; o exercício efetivo do regime de colaboração
cepção, aprovação e execução das políticas educacionais.
entre os entes federados, cujos sistemas de ensino gozam de
autonomia constitucionalmente reconhecida. Isso pressupõe
o estabelecimento de regras de equivalência entre as funções Acesso e permanência para a conquista da qualida-
distributiva, supletiva, de regulação normativa, de supervisão de social
e avaliação da educação nacional, respeitada a autonomia dos
sistemas e valorizadas as diferenças regionais. Sem essa arti- A qualidade social da educação brasileira é uma con-
culação, o projeto educacional – e, por conseguinte, o projeto quista a ser construída de forma negociada, pois signi ca
nacional – corre o perigo de comprometer a unidade e a qua- algo que se concretiza a partir da qualidade da relação en-
lidade pretendida, inclusive quanto ao disposto no artigo 22 tre todos os sujeitos que nela atuam direta e indiretamen-
da LDB: desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação te. Signi ca compreender que a educação é um processo
comum indispensável para o exercício da cidadania e forne- de socialização da cultura da vida, no qual se constroem,
cer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos pos- se mantêm e se transformam conhecimentos e valores.
teriores, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de Socializar a cultura inclui garantir a presença dos sujeitos
solidariedade humana. das aprendizagens na escola. Assim, a qualidade social da
Mais concretamente, há de se prever que a transição en- educação escolar supõe a sua permanência, não só com a
tre Pré-Escola e Ensino Fundamental pode se dar no interior redução da evasão, mas também da repetência e da distor-
de uma mesma instituição, requerendo formas de articulação ção idade/ano/série.
das dimensões orgânica e sequencial entre os docentes de Para assegurar o acesso ao Ensino Fundamental, como
ambos os segmentos que assegurem às crianças a continui- direito público subjetivo, no seu artigo 5º, a LDB instituiu
dade de seus processos peculiares de aprendizagem e de- medidas que se interpenetram ou complementam, estabe-
senvolvimento. Quando a transição se dá entre instituições lecendo que, para exigir o cumprimento pelo Estado desse
diferentes, essa articulação deve ser especialmente cuidadosa, ensino obrigatório, qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
garantida por instrumentos de registro – portfólios, relatórios associação comunitária, organização sindical, entidade de
que permitam, aos docentes do Ensino Fundamental de uma classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministé-
outra escola, conhecer os processos de desenvolvimento e rio Público, podem acionar o poder público.

26
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Esta medida se complementa com a obrigatoriedade atri- ras, e, portanto, reforça a premência de se criarem processos
buída aos Estados e aos Municípios, em regime de colabora- gerenciais que proporcionem a efetivação do disposto no ar-
ção, e com a assistência da União, de recensear a população tigo 5º e no inciso VIII do artigo 12 da LDB, quanto ao direito
em idade escolar para o Ensino Fundamental, e os jovens e ao acesso e à permanência na escola de qualidade.
adultos que a ele não tiveram acesso, para que seja efetuada Assim entendida, a qualidade na escola exige de todos os
a chamada pública correspondente. sujeitos do processo educativo:
Quanto à família, os pais ou responsáveis são obrigados I – a instituição da Política Nacional de Formação de Pro-
a matricular a criança no Ensino Fundamental, a partir dos 6 ssionais do Magistério da Educação Básica, com a nalida-
anos de idade, sendo que é prevista sanção a esses e/ou ao de de organizar, em regime de colaboração entre a União, os
poder público, caso descumpram essa obrigação de garantia Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a formação inicial
dessa etapa escolar. e continuada dos pro ssionais do magistério para as redes
Quanto à obrigatoriedade de permanência do estudan- públicas da educação (Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de
te na escola, principalmente no Ensino Fundamental, há, na 2009);
mesma Lei, exigências que se centram nas relações entre a II – ampliação da visão política expressa por meio de
escola, os pais ou responsáveis, e a comunidade, de tal modo habilidades inovadoras, fundamentadas na capacidade para
que a escola e os sistemas de ensino tornam-se responsáveis aplicar técnicas e tecnologias orientadas pela ética e pela es-
por: tética;
- zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à III – responsabilidade social, princípio educacional que
escola; norteia o conjunto de sujeitos comprometidos com o projeto
- articular-se com as famílias e a comunidade, criando que de nem e assumem como expressão e busca da qualida-
processos de integração da sociedade com a escola; de da escola, fruto do empenho de todos.
- informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o Construir a qualidade social pressupõe conhecimento
rendimento dos estudantes, bem como sobre a execução de dos interesses sociais da comunidade escolar para que seja
sua proposta pedagógica; possível educar e cuidar mediante interação efetivada entre
- noti car ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz com- princípios e nalidades educacionais, objetivos, conhecimen-
petente da Comarca e ao respectivo representante do Minis- to e concepções curriculares. Isso abarca mais que o exercício
tério Público a relação dos estudantes que apresentem quan- político-pedagógico que se viabiliza mediante atuação de
tidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual todos os sujeitos da comunidade educativa. Ou seja, efetiva-
permitido em lei. se não apenas mediante participação de todos os sujeitos da
No Ensino Fundamental e, nas demais etapas da Educa- escola – estudante, professor, técnico, funcionário, coordena-
ção Básica, a qualidade não tem sido tão estimulada quanto dor – mas também mediante aquisição e utilização adequada
à quantidade. Depositar atenção central sobre a quantidade, dos objetos e espaços (laboratórios, equipamentos, mobiliá-
visando à universalização do acesso à escola, é uma medida rio, salas-ambiente, biblioteca, videoteca etc.) requeridos para
necessária, mas que não assegura a permanência, essencial responder ao projeto político-pedagógico pactuado, vincula-
para compor a qualidade. Em outras palavras, a oportunidade dos às condições/disponibilidades mínimas para se instaurar
de acesso, por si só, é destituída de condições su cientes para a primazia da aquisição e do desenvolvimento de hábitos in-
inserção no mundo do conhecimento. vestigatórios para construção do conhecimento.
O conceito de qualidade na escola, numa perspectiva am- A escola de qualidade social adota como centralidade o
pla e basilar, remete a uma determinada ideia de qualidade de diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens, o que
vida na sociedade e no planeta Terra. Inclui tanto a qualidade pressupõe, sem dúvida, atendimento a requisitos tais como:
pedagógica quanto a qualidade política, uma vez que requer I – revisão das referências conceituais quanto aos diferen-
compromisso com a permanência do estudante na escola, tes espaços e tempos educativos, abrangendo espaços sociais
com sucesso e valorização dos pro ssionais da educação. Tra- na escola e fora dela;
ta-se da exigência de se conceber a qualidade na escola como II – consideração sobre a inclusão, a valorização das dife-
qualidade social, que se conquista por meio de acordo coleti- renças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural,
vo. Ambas as qualidades – pedagógica e política – abrangem resgatando e respeitando os direitos humanos, individuais e
diversos modos avaliativos comprometidos com a aprendi- coletivos e as várias manifestações de cada comunidade;
zagem do estudante, interpretados como indicações que se III – foco no projeto político-pedagógico, no gosto pela
interpenetram ao longo do processo didático-pedagógico, o aprendizagem, e na avaliação das aprendizagens como ins-
qual tem como alvo o desenvolvimento do conhecimento e trumento de contínua progressão dos estudantes;
dos saberes construídos histórica e socialmente. IV – inter-relação entre organização do currículo, do tra-
O compromisso com a permanência do estudante na es- balho pedagógico e da jornada de trabalho do professor, ten-
cola é, portanto, um desa o a ser assumido por todos, por- do como foco a aprendizagem do estudante;
que, além das determinações sociopolíticas e culturais, das di- V – preparação dos pro ssionais da educação, gestores,
ferenças individuais e da organização escolar vigente, há algo professores, especialistas, técnicos, monitores e outros;
que supera a política reguladora dos processos educacionais: VI – compatibilidade entre a proposta curricular e a in-
há os uxos migratórios, além de outras variáveis que se re e- fraestrutura entendida como espaço formativo dotado de
tem no processo educativo. Essa é uma variável externa que efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilização e aces-
compromete a gestão macro da educação, em todas as esfe- sibilidade;

27
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

VII – integração dos pro ssionais da educação, os estu- Organização da Educação Básica
dantes, as famílias, os agentes da comunidade interessados
na educação; Em suas singularidades, os sujeitos da Educação Básica,
VIII – valorização dos pro ssionais da educação, com pro- em seus diferentes ciclos de desenvolvimento, são ativos,
grama de formação continuada, critérios de acesso, perma- social e culturalmente, porque aprendem e interagem; são
nência, remuneração compatível com a jornada de trabalho cidadãos de direito e deveres em construção; copartícipes
de nida no projeto político-pedagógico; do processo de produção de cultura, ciência, esporte e arte,
IX – realização de parceria com órgãos, tais como os de compartilhando saberes, ao longo de seu desenvolvimento
assistência social, desenvolvimento e direitos humanos, cida- físico, cognitivo, socioafetivo, emocional, tanto do ponto de
dania, ciência e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, vista ético, quanto político e estético, na sua relação com
saúde, meio ambiente. a escola, com a família e com a sociedade em movimento.
No documento “Indicadores de Qualidade na Educação” Ao se identi carem esses sujeitos, é importante considerar
(Ação Educativa, 2004), a qualidade é vista com um caráter di- os dizeres de Narodowski (1998). Ele entende, apropriada-
nâmico, porque cada escola tem autonomia para re etir, pro- mente, que a escola convive hoje com estudantes de uma
por e agir na busca da qualidade do seu trabalho, de acordo infância, de uma juventude (des) realizada, que estão nas
com os contextos socioculturais locais. ruas, em situação de risco e exploração, e aqueles de uma
Segundo o autor, os indicadores de qualidade são sinais infância e juventude (hiper) realizada com pleno domínio
adotados para que se possa quali car algo, a partir dos cri- tecnológico da internet, do orkut, dos chats. Não há mais
térios e das prioridades institucionais. Destaque-se que os como tratar: os estudantes como se fossem homogêneos,
referenciais e indicadores de avaliação são componentes cur- submissos, sem voz; os pais e a comunidade escolar como
riculares, porque tê-los em mira facilita a aproximação entre a objetos. Eles são sujeitos plenos de possibilidades de diá-
escola que se tem e aquela que se quer, traduzida no projeto logo, de interlocução e de intervenção. Exige-se, portanto,
político-pedagógico, para além do que ca disposto no inciso da escola, a busca de um efetivo pacto em torno do projeto
IX do artigo 4º da LDB: de nição de padrões mínimos de qua- educativo escolar, que considere os sujeitos-estudantes jo-
lidade de ensino, como a variedade e quantidade mínimas,
vens, crianças, adultos como parte ativa de seus processos
por estudante, de insumos indispensáveis ao desenvolvimen-
de formação, sem minimizar a importância da autoridade
to do processo de ensino-aprendizagem.
adulta.
Essa exigência legal traduz a necessidade de se reconhe-
Na organização curricular da Educação Básica, devem-
cer que a avaliação da qualidade associa-se à ação planejada,
se observar as diretrizes comuns a todas as suas etapas,
coletivamente, pelos sujeitos da escola e supõe que tais sujei-
modalidades e orientações temáticas, respeitadas suas es-
tos tenham clareza quanto:
peci cidades e as dos sujeitos a que se destinam. Cada eta-
I – aos princípios e às nalidades da educação, além do
reconhecimento e análise dos dados indicados pelo IDEB e/ou pa é delimitada por sua nalidade, princípio e/ou por seus
outros indicadores, que complementem ou substituam estes; objetivos ou por suas diretrizes educacionais, claramente
II – à relevância de um projeto político-pedagógico con- dispostos no texto da Lei nº 9.394/96, fundamentando-se
cebido e assumido coletivamente pela comunidade educa- na inseparabilidade dos conceitos referenciais: cuidar e
cional, respeitadas as múltiplas diversidades e a pluralidade educar, pois esta é uma concepção norteadora do projeto
cultural; político-pedagógico concebido e executado 35 pela comu-
III – à riqueza da valorização das diferenças manifestadas nidade educacional. Mas vão além disso quando, no pro-
pelos sujeitos do processo educativo, em seus diversos seg- cesso educativo, educadores e estudantes se defrontarem
mentos, respeitados o tempo e o contexto sociocultural; com a complexidade e a tensão em que se circunscreve
IV – aos padrões mínimos de qualidade (Custo Aluno o processo no qual se dá a formação do humano em sua
Qualidade inicial – CAQi7 ), que apontam para quanto deve multidimensionalidade.
ser investido por estudante de cada etapa e modalidade da Na Educação Básica, o respeito aos estudantes e a seus
Educação Básica, para que o País ofereça uma educação de tempos mentais, socioemocionais, culturais, identitários, é
qualidade a todos os estudantes. um princípio orientador de toda a ação educativa. É res-
Para se estabelecer uma educação com um padrão míni- ponsabilidade dos sistemas educativos responderem pela
mo de qualidade, é necessário investimento com valor calcu- criação de condições para que crianças, adolescentes, jo-
lado a partir das despesas essenciais ao desenvolvimento dos vens e adultos, com sua diversidade (diferentes condições
processos e procedimentos formativos, que levem, gradual- físicas, sensoriais e socioemocionais, origens, etnias, gêne-
mente, a uma educação integral, dotada de qualidade social: ro, crenças, classes sociais, contexto sociocultural), tenham
creches e escolas possuindo condições de infraestrutura e a oportunidade de receber a formação que corresponda à
de adequados equipamentos e de acessibilidade; professo- idade própria do percurso escolar, da Educação Infantil, ao
res quali cados com remuneração adequada e compatível Ensino Fundamental e ao Médio.
com a de outros pro ssionais com igual nível de formação, Adicionalmente, na oferta de cada etapa pode corres-
em regime de trabalho de 40 horas em tempo integral em ponder uma ou mais das modalidades de ensino: Educa-
uma mesma escola; de nição de uma relação adequada entre ção Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do
o número de estudantes por turma e por professor, que as- Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Pro ssional e
segure aprendizagens relevantes; pessoal de apoio técnico e Tecnológica, Educação a Distância, a educação nos estabe-
administrativo que garanta o bom funcionamento da escola. lecimentos penais e a educação quilombola.

28
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Assim referenciadas, estas Diretrizes compreendem


orientações para a elaboração das diretrizes especí cas 8. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL:
para cada etapa e modalidade da Educação Básica, tendo FUNDAMENTOS HISTÓRICOS.
como centro e motivação os que justi cam a existência da
instituição escolar: os estudantes em desenvolvimento. Re-
conhecidos como sujeitos do processo de aprendizagens,
têm sua identidade cultural e humana respeitada, desen- HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
volvida nas suas relações com os demais que compõem o
coletivo da unidade escolar, em elo com outras unidades Contexto Histórico
escolares e com a sociedade, na perspectiva da inclusão
social exercitada em compromisso com a equidade e a A formação do Brasil implica necessariamente na es-
qualidade. É nesse sentido que se deve pensar e conceber truturação de nosso modelo de ensino porque desde os
primeiros anos de nossa descoberta sofremos da falta de
o projeto político-pedagógico, a relação com a família, o
estrutura e investimento nessa área. Contudo, além do
Estado, a escola e tudo o que é nela realizado. Sem isso, é
componente histórico que parece ser de comum aceitação,
difícil consolidar políticas que efetivem o processo de inte-
aparece o problema do modelo pedagógico adotado. Nes-
gração entre as etapas e modalidades da Educação Básica te aspecto ocorre uma polarização e até uma divisão tripla
e garanta ao estudante o acesso, a inclusão, a permanência, se quisermos englobar a escola técnica (anos 70). Ou seja,
o sucesso e a conclusão de etapa, e a continuidade de seus as posturas mais adotadas em nosso país são justamente
estudos. Diante desse entendimento, a aprovação das Dire- a pedagogia tradicional (método fonético) e a escola nova
trizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (construtivismo).
e a revisão e a atualização das diretrizes especí cas de cada Segundo Xavier, de um lado está a escola tradicional,
etapa e modalidade devem ocorrer mediante diálogo ver- aquela que dirige que modela, que é ‘comprometida’; de ou-
tical e horizontal, de modo simultâneo e indissociável, para tro está a escola nova, a verdadeira escola, a que não dirige,
que se possa assegurar a necessária coesão dos fundamen- mas abre ao humano todas as suas possibilidades de ser. É,
tos que as norteiam. portanto, ‘descompromissada’. É o produzir contra o deixar
ser; é a escola escravizadora contra a escola libertadora; é o
Etapas da Educação Básica compromisso dos tradicionais que deve ceder lugar à neu-
tralidade dos jovens educadores esclarecidos.
Quanto às etapas correspondentes aos diferentes mo- Aparentemente temos a impressão de que o grande
mentos constitutivos do desenvolvimento educacional, a problema de nossa de ciência educacional se resume a o
Educação Básica compreende: problema da rigidez do modelo tradicional de ensino, mas
ao aprofundarmos nossa investigação constáramos que a
I – a Educação Infantil, que compreende: a Creche,
péssima qualidade de ensino presente nas escolas do Brasil
englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da
acontece devido, em parte tanto a falta de estrutura edu-
criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a Pré-Escola, cacional adequada como pela desestruturação das poucas
com duração de 2 (dois) anos. bases presentes na pedagogia tradicional, causada pela críti-
II – o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, com ca dos escolanovistas, que acreditavam piamente que pura-
duração de 9 (nove) anos, é organizado e tratado em duas mente pela crítica se atingiria uma melhoria no aprendizado.
fases: a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro) anos No entender de SAVIANI a escola tradicional procura-
nais; va ensinar e transmitia conhecimento, a escola nova estava
III – o Ensino Médio, com duração mínima de 3 (três) preocupada em apenas considerara o aprender a aprender. E
anos. posteriormente a escola técnica detinha-se em simplesmen-
Estas etapas e fases têm previsão de idades próprias, te considerar necessário o ensino da técnica. Até o início do
as quais, no entanto, são diversas quando se atenta para século XX a educação no Brasil esteve praticamente abando-
alguns pontos como atraso na matrícula e/ou no percurso nada, no entender de Romanelli: a economia colonial brasi-
escolar, repetência, retenção, retorno de quem havia aban- leira fundada na grande propriedade e não na mão-de-obra
donado os estudos, estudantes com de ciência, jovens e escrava teve implicações de ordem social e política bastante
adultos sem escolarização ou com esta incompleta, habi- profundas. Ela favorece o aparecimento da unidade básica
tantes de zonas rurais, indígenas e quilombolas, adoles- do sistema de produção, de vida social e do sistema de po-
der representado pela família patriarcal.
centes em regime de acolhimento ou internação, jovens e
Assim, a educação no Brasil caminhou por veredas tor-
adultos em situação de privação de liberdade nos estabe-
tuosas desde o início, reservada a uma elite dominante e to-
lecimentos penais.
talmente exploradora, sempre esteve voltada a estrati cação
e dominação social. Esteve arraigada por diversos séculos
Fonte: BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Da em nossa sociedade a concepção de dominação cultural de
Educação Básica, 2013. uma parte minúscula da mesma, con gurando-se na ideia
básica de que o ensino era apenas para alguns, e por isso os
demais não precisariam aprender.

29
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

As oligarquias do período colonial e monárquico es- A superação dessa distorção far-se-ia por intermédio
tavam profundamente fundamentadas na dominação via da educação. Tendo por função “reforçar os laços sociais,
controle do saber. Caracterizou-se nesse período colonial, promover a coesão e garantir a integração de todos os
bem como no monárquico, um modelo de importação de indivíduos no corpo social”, permitindo a superação da
pensamento, principalmente da Europa e consequente- marginalidade. Por outro lado, os que defendem uma
mente a matriz de aprendizagem escolar fora introduzida postura crítica entendem que a sociedade como sendo
no mesmo momento. Nas palavras de Romanelli, foi a fa- essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou
mília patriarcal que favoreceu, pela natural receptividade, a classes antagônicas que se relacionam à base da força,
importação de formas de pensamento e ideias dominantes
a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de
na cultura medieval europeia, feita através da obra dos Je-
produção da vida material. Nesse quadro a marginalidade
suítas”.
é entendida como um fenômeno inerente à própria estru-
Assim, a classe dominante tinha de ser detentora dos
meios de conhecimento e de ensino. Isso implicou no mo- tura da sociedade.
delo aristocrático de vida presente em nossa sociedade co- Assim, a educação assume um papel de produtora da
lonial e posteriormente na corte de D. Pedro. Existiram dois marginalização, porque produz a marginalidade cultural
fatores fundamentais na formação do modelo educacional e de maneira especi ca a escolar. No entender de Sa-
brasileiro, ou seja, “a organização social (...) e o conteúdo viani existem três modalidades diferentes de con gurar
cultural que foi transportado para a colônia, através da for- os modelos educacionais expressos pelas duas teorias ex-
mação dos padres da companhia de Jesus”. pressas anteriormente, isto é, a tradicional, fundada na re-
No primeiro fator aparece com mais intensidade a pre- lação ensino aprendizagem e na relação professor aluno;
dominância de uma minoria de donos de terra e senhores a escola nova, que entende como fundamental a necessi-
de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. dade de aprender a aprender e na função de acompanhar
Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, o desenvolvimento individual do estudante por parte do
em número restrito, porquanto deveriam estar excluídos professor; e por último aparece a concepção técnica que
dessa minoria as mulheres e os lho primogênitos. Limita- se funda no fazer e elimina totalmente a relação professor
va-se o ensino a uma determinada classe da população, ou aluno.
seja, apenas a classe dominante. Surge claramente um dos Segundo Saviani a concepção crítica não apresenta
fundamentos da baixa escolaridade de nossa população e
nenhuma proposta para substituir a pedagogia tradicio-
da falta de recursos para a eliminação das diferenças entre
nal e por isso não permite ser pensada como uma solução
as classes.
do problema da relação entre escola e marginalidade so-
A segunda contribuição para a formação de nosso
sistema educacional de citário é justamente o conteúdo cial. Ao apresentar uma solução possível para a questão
do ensino dos Jesuíta, “caracterizado sobretudo por uma Saviani aponta para a de nição de prioridades políticas
enérgica reação contra o pensamento crítico”, contudo, a fundadas no princípio aristotélico de animal político, tudo
maneira como os Jesuítas cultivavam as letras permitiu al- englobaria o ato de educar.
gum alvorecer em nossa literatura. Assim, a educação sempre possui uma dimensão po-
lítica tenhamos ou não consciência disso, portanto assu-
O con ito entre as diferentes posturas de ensino me-se um caráter educativo e político para a educação
e este só cumpre seu papel quando permite a formação
A relação entre escola e democracia depende de dife- integral do indivíduo. Mas o desa o permanece, como
rentes aspectos presentes na sociedade. Contudo, parece podemos falar em educação global se vivemos em uma
que o problema aparece realmente nas teorias de educa- sociedade fragmentada, imbuída de diferentes conceitos
ção. Isso se expressa pelo elevado índice de analfabetismo de razão, educação, ética, política, marginalidade, socie-
funcional, con gurando uma marginalidade desses indiví- dade e cultura?
duos analfabetos. Por outro lado, “no segundo grupo, estão No entender de Saviani existem onze teses acerca
as teorias que entendem ser a educação um instrumento da educação que precisam ser consideradas como funda-
de discriminação social, logo, um fator de marginalização”
mentais no engajamento político. Isto é, o agir educativo
(SAVIANI, 2003).
sempre cumpre um papel fundamental na estruturação da
Deste modo, podemos constatar que ambos os gru-
sociedade. O modelo tortuoso e desorganizado de nosso
pos explicam a questão da marginalidade a partir de uma
determinada concepção da relação entre educação e so- sistema educacional gera aberrações como as que vemos
ciedade. Assim, ambos os grupos destoam partindo de um nas instituições de ensino público superior. Ou seja, os
mesmo referencial, com isso, para os não-críticos (primeiro que deveriam ter acesso as escolas públicas superiores
grupo) não conseguem e os que podem pagar adentram as por-
A sociedade é concebida como essencialmente harmo- tas das universidades públicas.
niosa, tendendo a integração de seus membros. A margi-
nalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta indivi-
dualmente um número maior ou menor de seus membros,
o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que
não pode como deve ser corrigida.

30
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A teoria da complexidade e sua relação com a educa-


ção contemporânea 9. EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E CULTURA
AFRO-BRASILEIRA.
Segundo MORIN a sociedade contemporânea possui
elementos diversi cados e complexos, isto signi ca que o
ensino precisa estar atento a complexidade da vida con-
temporânea. PLANO ETNICO-RACIAL
Desta forma, a incorporação dos sete saberes como
fundamentos para desenvolver o homem moderno. Den- São inegáveis os avanços que a educação brasileira
tro deste cenário a sociedade se preocupa cada vez mais vem conquistando nas décadas mais recentes. Consideran-
com a realidade escolar e com a formação dos indivíduos, do as dimensões do acesso, da qualidade e da equidade,
sobretudo precisa-se de criatividade para mudar a reali- no entanto, pode-se veri car que as conquistas ainda estão
dade brasileira. Contudo, “O conhecimento disciplinar, e restritas ao primeiro aspecto e que as dimensões de qua-
consequentemente a educação, têm priorizado a defesa lidade e equidade constituem os maiores desa os a serem
de saberes concluídos, inibindo a criação de novos sabe- enfrentados neste início do século XXI. A educação bási-
res e determinando um comportamento social a eles su- ca ainda é profundamente marcada pela desigualdade no
bordinado”. quesito da qualidade e é possível constatar que o direito
Por isso a interdisciplinaridade entre os diferentes sa- de aprender ainda não está garantido para todas as nos-
beres seria essencial para resolver esse problema. Morin sas crianças, adolescentes, jovens e mesmo para os adul-
entende que o conhecimento na complexidade tos que retornaram aos bancos escolares. Uma das mais
É a viagem em busca de um modo de pensamento importantes marcas dessa desigualdade está expressa no
capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o aspecto racial. Estudos realizados no campo das relações
mistério do real; e de saber que as determinações – cere- raciais e educação explicitam em suas séries históricas que
bral, cultural, social, histórica – que impõem a todo o pen- a população afrodescendente está entre aquelas que mais
samento, co-determinam sempre o objeto de conheci- enfrentam cotidianamente as diferentes facetas do pre-
mento. É isto que eu designo por pensamento complexo. conceito, do racismo e da discriminação que marcam, nem
Trata-se de um pensamento desprovido de certezas sempre silenciosamente, a sociedade brasileira.
e verdades cientí cas, que considera a diversidade e a O acesso às séries iniciais do Ensino Fundamental, pra-
incompatibilidade de ideias, crenças e percepções, inte- ticamente universalizado no país, não se concretiza, para
grando-as à sua complementaridade. “A consciência nun- negros e negras, nas séries nais da educação básica. Há
ca tem a certeza de transpor a ambiguidade e a incerteza”. evidências de que processos discriminatórios operam nos
Morin refere-se ao princípio da incerteza tal como formu- sistemas de ensino, penalizando crianças, adolescentes, jo-
lado por Werner Heisenberg, físico, um dos precursores vens e adultos negros, levando-os à evasão e ao fracasso,
da mecânica quântica. Esse princípio baseia-se na fali- resultando no reduzido número de negros e negras que
bilidade lógica, no surgimento da contradição presente chegam ao ensino superior, cerca de 10% da população
na realidade física e na indeterminabilidade da verdade universitária do país. Sabe-se hoje que há correlação entre
cientí ca. Assim, o conceito de lógica tradicional funda- pertencimento étnicorracial e sucesso escolar, indicando
do em Aristóteles não pode mais responder aos anseios portanto que é necessária rme determinação para que
da sociedade moderna, a lógica da complexidade assume a diversidade cultural brasileira passe a integrar o ideário
novas probabilidades e possibilidades. educacional não como um problema, mas como um rico
Com efeito, promover, pois, a qualidade ética em edu- acervo de valores, posturas e práticas que devem conduzir
cação, componente indispensável da qualidade total, e re- ao melhor acolhimento e maior valorização dessa diversi-
formular o modo de se relacionar de todos os atores na dade no ambiente escolar.
escola, educadores e educandos, de acordo com as dife- A Lei 10639, de X janeiro de 2003, é um marco históri-
rentes características do agir humano radicado na liberda- co. Ela simboliza, simultaneamente, um ponto de chegada
de e voltado para o bem. Portanto, a complexidade como das lutas antirracistas no Brasil e um ponto de partida para
teoria de ação precisa levar em conta a ética na conduta a renovação da qualidade social da educação brasileira.
pratica do pro ssional da educação. Ciente desses desa os, o Conselho Nacional de Educação,
já em 2004, dedicou-se ao tema e, em diálogo com rei-
Referência: vindicações históricas dos movimentos sociais, em especial
STIGAR, R.; SCHUCK, N: Re etindo sobre a História da do movimento negro, elaborou parecer e exarou resolu-
Educação no Brasil. ção, homologada pelo Ministro da Educação, no sentido
de orientar os sistemas de ensino e as instituições dedi-
cadas à educação, para que dediquem cuidadosa atenção
à incorporação da diversidade etnicorracial da sociedade
brasileira nas práticas escolares, como propõe a Lei 10639.

31
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Importante destacar a luta dos movimentos sociais ao à educação e garantia de oportunidades educativas para
criar um conjunto de estratégias por meio das quais os seg- todas as pessoas, entende que a implementação ordenada
mentos populacionais considerados diferentes passaram e institucionalizada das Diretrizes Curriculares Nacionais de
cada vez mais a destacar politicamente as suas singulari- Educação para a Diversidade Etnicorracial é também uma
dades, cobrando que estas sejam tratadas de forma justa questão de equidade, pertinência, relevância, e cácia e e -
e igualitária, exigindo que o elogio à diversidade seja mais ciência (UNESCO/OREALC, 2007).
do que um discurso sobre a variedade do gênero humano.
Nesse sentido, é na escola onde as diferentes presenças se Portanto, com a regulamentação da alteração da LDB Lei
encontram e é nas discussões sobre currículo onde estão n. 9.394/1996, trazida inicialmente pela Lei 10639/03, e pos-
os debates sobre os conhecimentos escolares, os proce- teriormente pela Lei 11645/08, buscou cumprir o estabeleci-
dimentos pedagógicos, as relações sociais, os valores e as do na Constituição Federal de 1988, que prevê a obrigatorie-
identidades dos alunos e alunas. Na política educacional, a dade de políticas universais comprometidas com a garantia
implementação da Lei 10639/2003, uma das primeiras leis do direito à educação de qualidade para todos e todas. O
sancionadas, signi ca estabelecer novas diretrizes e práticas Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curricula-
pedagógicas que reconheçam a importância dos africanos e res Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para
afrobrasileiros no processo de formação nacional. Para além o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei
do impacto positivo junto à população e da republicaniza- 10639/2003, documento ora apresentado é resultado das
ção da escola brasileira, essa lei deve ser encarada como solicitações advindas dos anseios regionais, consubstancia-
parte fundamental do conjunto das políticas que visam à da pelo documento Contribuições para a Implementação da
educação de qualidade como um direito de todos e todas. Lei 10639/2003: Proposta de Plano Nacional de Implemen-
As alterações propostas na Lei de Diretrizes e Bases da tação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das
Educação 9394/1996 pela Lei 10639/2003, geraram uma Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultu-
série de ações do governo brasileiro para sua implemen- ra Afro-Brasileira e Africana – Lei 10639/2003, fruto de seis
tação, visando inicialmente contextualizar o texto da Lei. encontros denominados Diálogos Regionais sobre a Imple-
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação aprovou mentação da Lei 10639/03, do conjunto de ações que o MEC
as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Re- desenvolve, principalmente a partir da fundação da SECAD
lações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura em 2004, documentos e textos legais sobre o assunto. Cabe
Afrobrasileira e Africana (Parecer CNE/CP nº. 03 de 10 de aqui registrar e agradecer à UNESCO, aos técnicos do MEC e
março de 2004), onde são estabelecidas orientações de con- da SEPPIR, aos movimentos sociais e ao movimento negro,
teúdos a serem incluídos e trabalhados e também as ne- ao CONSED e à UNDIME, além de intelectuais e militantes da
cessárias modi cações nos currículos escolares, em todos causa antirracista pelo forte empenho com que se dedica-
os níveis e modalidades de ensino. A Resolução CNE/CP nº ram à tarefa de avaliar e propor estratégias que garantam a
01, publicada em 17 de junho de 2004, detalha os direitos mais ampla e efetiva implementação das diretrizes contidas
e obrigações dos entes federados frente à implementação nos documentos legais já citados.
da Lei 10639/2003. A esse respeito, cabe ressaltar a qualida- O Plano tem como nalidade intrínseca a institucio-
de do Parecer nº 03/2004 emitido pelo Conselho Nacional nalização da implementação da Educação das Relações
de Educação, que, além de tratar com clareza o processo Etnicorraciais, maximizando a atuação dos diferentes ato-
de implementação da Lei, abordou a questão com lucidez res por meio da compreensão e do cumprimento das Leis
e sensibilidade, rea rmando o fato de que a educação deve 10639/2003 e 11645/08, da Resolução CNE/CP 01/2004 e do
concorrer para a formação de cidadãos orgulhosos de seu Parecer CNE/CP 03/2004. O Plano não acrescenta nenhuma
pertencimento etnicorracial, qualquer que seja este, cujos imposição às orientações contidas na legislação citada, antes
direitos devem ser garantidos e cujas identidades devem ser busca sistematizar essas orientações, focalizando competên-
valorizadas. Posteriormente, a edição da Lei 11645/2008 veio cias e responsabilidades dos sistemas de ensino, instituições
corroborar este entendimento, reconhecendo que indígenas educacionais, níveis e modalidades. O texto do Plano Na-
e negros convivem com problemas de mesma natureza, em- cional foi construído como um documento pedagógico que
bora em diferentes proporções. possa orientar e balizar os sistemas de ensino e as institui-
Assim, os preceitos enunciados na nova legislação trou- ções educacionais na implementação das Leis 10639/2003
xeram para o Ministério da Educação o desa o de consti- e 11645/2008. A introdução traça um breve histórico do
tuir em parceria com os sistemas de ensino, para todos os caminho percorrido até aqui pela temática etnicorracial na
níveis e modalidades, uma Educação para as Relações Et- educação e as ações executadas para atendimento da pauta;
nicorraciais, orientada para a divulgação e produção de a primeira parte é constituída pelas atribuições especí cas a
conhecimentos, bem como atitudes, posturas e valores cada um dos atores para a operacionalização colaborativa
que eduquem cidadãos quanto à pluralidade etnicorracial, na implementação das Leis 10639/03 e 11645/08; a segun-
tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos da parte é composta por orientações gerais referentes aos
comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais níveis e modalidades de ensino. A terceira parte foi construí-
e valorização de identidade, na busca da consolidação da da com recomendações para as áreas de remanescentes de
democracia brasileira. Por este motivo, a compreensão trazi- quilombos, pois entendemos que os negros brasileiros que
da pela Lei 11645/2008, sempre que possível, está expressa aí residem são públicos especí co e demandam ações dife-
neste Plano Nacional. O Ministério da Educação, seguindo renciadas para implementação da Lei e a conquista plena do
a linha de construção do processo democrático de acesso direito de aprender.

32
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

À SECAD, como órgão responsável no MEC pelos temas Luiz Inácio Lula da Silva, com a criação, em 2003, da Secre-
da diversidade, coube uma decisão complexa: a Lei 10639, de taria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
2003, contou com a lúcida contribuição do Conselho Nacional (SEPPIR) – que representa a materialização de uma histórica
de Educação para sua regulamentação, expressa no Parecer e reivindicação do movimento negro em âmbito nacional e in-
na Resolução já amplamente citados. O mesmo não ocorreu, ternacional - a questão racial é incluída como prioridade na
todavia, com a Lei 11645 de 2008 que igualmente altera a LDB pauta de políticas públicas do País. É uma demonstração do
nos mesmos artigos. No entanto, o CNE, em sua manifesta- tratamento que a temática racial passaria a receber dos ór-
ção, já antevia, com clareza, que o tema do preconceito, do ra- gãos governamentais a partir daquele momento.
cismo e da discriminação, se por um lado atinge mais forte e A SEPPIR é responsável pela formulação, coordenação
amplamente a população negra, também se volta contra ou- e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da
tras formas da diversidade e o Parecer, em diversas passagens, igualdade racial e proteção dos direitos dos grupos raciais e
alerta para a necessidade de contemplar a temática indígena étnicos discriminados, com ênfase na população negra. No
em particular, quando se tratar da educação para as relações planejamento governamental, à pauta da inclusão social foi
etnicorraciais. Face a esta orientação do espírito do Parecer, a incorporada a dimensão Etnicorracial e, ao mesmo tempo, a
SECAD optou por incluir referências à Lei 11645, sempre que meta da diminuição das desigualdades raciais como um dos
couber, de modo a fazer deste Plano uma ação orientada para desa os de gestão.
o combate a todas as formas de preconceito, racismo e discri-
minação que porventura venham a se manifestar no ambien- O papel indutor do Ministério da Educação Em fevereiro
te escolar. O Plano de Desenvolvimento da Educação, lançado de 2004, o Ministério da Educação, na perspectiva de esta-
pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da belecer uma arquitetura institucional capaz de enfrentar as
Educação Fernando Haddad, contempla um amplo conjunto múltiplas dimensões da desigualdade educacional do país,
de ações que, apoiado na visão sistêmica da educação, bus- criou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
ca articular, da creche à pós- graduação, políticas voltadas Diversidade (SECAD). Essa Secretaria surge com o desa o de
para garantir o acesso, a qualidade e a equidade na educação desenvolver e implementar políticas de inclusão educacional,
brasileira, em todos os seus níveis e modalidades. O PDE, na considerando as especi cidades das desigualdades brasileiras
medida em enxerga a educação como um todo, cria as con- e assegurando o respeito e valorização dos múltiplos contor-
dições necessárias para ampliar a qualidade social do ensino nos de nossa diversidade Etnicorracial, cultural, de gênero, so-
oferecido a nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos. Já cial, ambiental e regional. A instituição da SEPPIR e da SECAD,
foi dito, com razão, que as lutas de libertação libertam tam- e a profícua parceria entre estas duas Secretarias está dada
bém os opressores. Já foi constatado que as manifestações em diversas ações e programas e traduzem uma ampla con-
do preconceito estão amparadas em visões equivocadas de jugação de esforços em todo o país para implementação de
superioridade entre diferentes, transformando diferenças em políticas públicas de combate à desigualdade.
desigualdades. Participam também de sua formulação e desenvolvimen-
Por tudo isso, incluir a temática da Lei 11645 neste Plano to, a SPM e a SEDH, e assim, face os diversos níveis de abor-
faz justiça às lutas dos movimentos negros no Brasil que des- dagens para o desenvolvimento da democracia participativa,
de há muito alertam a sociedade brasileira para o que, infeliz- com o fortalecimento dos importantes segmentos da socie-
mente existe e não é reconhecido: há racismo em nossa so- dade organizada e de instituições outras que representam
ciedade e ele deve ser combatido rmemente, seja qual for o gestores educacionais, o Estado estabelece as bases para que
grupo que sofra a discriminação e o preconceito. A sociedade políticas públicas de educação para a diversidade se tornem
brasileira deve ao movimento negro um tributo por sua cora- uma realidade no país e fomenta sua continuidade, construin-
gem em se empenhar, com determinação e persistência, pela do colaborativamente com os mais diversos setores as linhas
construção de uma sociedade nova, onde a diferença seja vis- de ação que anteveem sua maior abrangência e benefício dos
ta como uma riqueza e não como um pretexto para justi car cidadãos historicamente mais vulneráveis. Sintonizada com
as desigualdades. A expectativa da SEPPIR, da SECAD/MEC e este pressuposto, a Resolução CNE/CP nº 1/2004, publicada
de todos os parceiros envolvidos na construção deste Plano é no Diário O cial da União (DOU) em 22/6/2004, instituiu as
que ele seja um instrumento para a construção de uma escola Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações
plural, democrática, de qualidade, que combata o preconcei- Etnicorraciais e para o ensino de história e cultura afro- brasi-
to, o racismo e todas as formas de discriminação, respeitando leira e africana. O Parecer CNE/CP nº 003/2004, homologado
e valorizando as diferenças que fazem a riqueza de nossa cul- em 19 de maio de 2004 pelo Ministro da Educação, expressa
tura e de nossa sociedade. em seu texto que as políticas de ações a rmativas, no campo
educacional, buscam garantir o direito de negros e negras e
I – Introdução de todos os cidadãos brasileiros ao acesso em todos os níveis
e modalidades de ensino, em ambiente escolar com infraes-
Nos últimos anos, em especial a partir da Conferência trutura adequada, professores e pro ssionais da educação
Mundial contra o racismo, discriminação racial, Xenofobia e quali cados para as demandas contemporâneas da sociedade
Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, África do Sul, brasileira, e em especial capacitados para identi car e superar
em 2001, observa-se um avanço das discussões acerca da di- as manifestações de preconceitos, racismos e discriminações,
nâmica das relações raciais no Brasil, em especial, das diversas produzindo na escola uma nova relação entre os diferentes
formas de discriminação racial vivenciadas pela população grupos etnicorraciais, que propicie efetiva mudança compor-
negra. Em consequência, na primeira gestão do presidente tamental na busca de uma sociedade democrática e plural.

33
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, discussão inclusão e diversidade como um dos eixos temá-
na área da educação, à demanda da população afrodescen- ticos da Conferência Nacional da Educação Básica, a cria-
dente, no sentido de políticas de ações a rmativas, isto é, de ção do Grupo Interministerial para a realização da propos-
políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização ta do Plano Nacional de Implementação da Lei 10639/03,
de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política cur- participação orçamentária e elaborativa no Programa Brasil
ricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropo- Quilombola, como também na Agenda Social Quilombola,
lógicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater participação na Rede de Educação Quilombola, além de as-
o racismo e as discriminações que atingem particularmente sistência técnica a Estados e Municípios para a implementa-
os negros. Nesta perspectiva, propõe à divulgação e produ- ção das Leis 10639/2003 e 11645/2008.
ção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e
valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu perten- Em 2005, um milhão de exemplares da cartilha das DCNs
cimento Etnicorracial - descendentes de africanos, povos da Educação das Relações Etnicorraciais foram publicados e
indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para distribuídos pelo MEC a todos os sistemas de ensino no terri-
interagirem na construção de uma nação democrática, em tório nacional. Seu texto foi disponibilizado em domínio pú-
que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e blico e inserido em outras publicações, como no livro Orien-
sua identidade valorizada. (Parecer CNE/CP nº 03/2004) tações e Ações para Educação das Relações Etnicorraciais,
publicado pelo MEC/SECAD em 2006, também com larga
O MEC ampliou e criou ações a rmativas voltadas para distribuição. O Programa Diversidade na Universidade, uma
promoção do acesso e permanência à educação superior cooperação internacional entre o MEC e o BID com gestão
como o PROUNI, dirigido aos estudantes egressos do ensi- da UNESCO instituído pela Lei nº 10.558, de 13 de novembro
no médio da rede pública ou da rede particular na condição de 2002, tinha como objetivo defender a inclusão social e
de bolsistas integrais, com renda per capita familiar máxima o combate à exclusão social, étnica e racial. Isso signi cou
de três salários mínimos. Já atendeu, desde 2004, ano de sua melhorar as condições e as oportunidades de ingresso no
criação, cerca de 500 mil alunos, sendo 70% deles com bolsa ensino superior para jovens e adultos de grupos socialmente
integral. O Programa Universidade para Todos, somado à ex- desfavorecidos, especialmente de populações afro-descen-
pansão das Universidades Federais e ao Programa de Apoio dentes e povos indígenas. Os Projetos Inovadores de Curso
a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades (PICs) representaram cerca de 65% dos recursos nanceiros
Federais - REUNI, ampliam signi cativamente o número de do programa, no apoio aos cursos preparatórios para vesti-
vagas na educação superior, contribuindo para o cumpri- bulares populares e comunitários voltados para afro-brasi-
mento de uma das metas do Plano Nacional de Educação, leiros e indígenas, assim como programas de fortalecimento
que prevê a oferta de educação superior até 2011 para, pelo de negros e negras no Ensino Médio. Foram também garan-
menos, 30% dos jovens de 18 a 24 anos. O Programa Cone- tidos auxílios a estudantes universitários por meio de bolsas
xões de Saberes realiza permanência com sucesso de alu- para permanência de alunos egressos dos PICs. No ano de
nos de origem popular, ligado as Pró-reitorias de Extensão 2007, 36 PICS foram nanciados diretamente pela SECAD/
das IFES, e atendeu, desde 2005, cerca de 5 mil estudantes. MEC. Outra ação desenvolvida pelo Programa, as o cinas de
O debate sobre as ações a rmativas ganhou corpo e insti- Cartogra a sobre Geogra a Afro-brasileira e Africana, be-
tuiu uma agenda de políticas públicas e institucionais para a ne ciou 4.000 educadores, em 7 estados da federação, 214
promoção da igualdade racial na sociedade brasileira.1 Em alunos de universidades estaduais e federais e 10.647 pro-
conjunto a SEPPIR, e com outros órgãos da Administração fessores até 2006. O Programa Cultura Afro, entre 2005 e
Federal, o MEC tem participado ativamente, com elaboração 2006, teve como objetivo prestar assistência nanceira para
de pareceres, fornecimento de dados, presença em audiên- formação de professores e material didático na temática no
cias públicas, entre outras ações para a aprovação do Projeto âmbito da Educação Básica (Ensino Fundamental), com or-
da Lei de Cotas, no Congresso Nacional. A política de reserva çamento no valor de R$ 3 milhões. Foram contemplados os
de vagas no ensino superior público brasileiro, que atinge municípios das capitais brasileiras, Distrito Federal e os mu-
52 instituições no ano de 2009, revela a legitimidade e a le- nicípios que possuíam Órgãos de Promoção de Igualdade
galidade das ações a rmativas. Todo esse contexto favorá- Racial (FIPPIR), reconhecidos pela SEPPIR.
vel impulsionou o trabalho da SECAD/MEC na promoção da
educação das relações etnicorraciais. Na formulação de uma Em 2004/2005, foram realizados eventos regionais e es-
política educacional de implementação da Lei 10639/03, o taduais com a proposta de manter um diálogo entre poder
MEC executou uma série de ações das quais podemos citar: público e sociedade civil, com o objetivo de divulgar e dis-
formação continuada presencial e a distância de professo- cutir as DCN’s para a Educação das Relações Etnicorraciais,
res na temática da diversidade Etnicorracial em todo o país, resultando na criação de 16 (dezesseis) Fóruns Estaduais de
publicação de material didático, realização de pesquisas na Educação e Diversidade Etnicorracial. Essa indução propor-
temática, fortalecimento dos Núcleos de Estudos Afrobrasi- cionou a criação, no âmbito de secretarias de educação de
leiros (NEAB`s) constituídos nas Instituições Públicas de Ensi- estados e municípios, de Núcleos, Coordenações, Depar-
no, através do Programa UNIAFRO (SECAD/SESU), os Fóruns tamentos ou outros organismos destinados ao desenvolvi-
Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade Etnicor- mento de ações para educação e diversidade. A formação
racial, a implementação, as publicações especí cas sobre a continuada presencial de professores e educadores foi de-
Lei dentro da Coleção Educação Para Todos, a inserção da senvolvida por meio do Programa UNIAFRO, coordenado

34
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

pelos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros; Em 2007 e 2008 Essas ações e a realização desse Plano Nacional mostram
o programa promoveu 1.245 Especializações; 1.470 Aper- todo o empenho do governo brasileiro, na área educacional,
feiçoamentos e Extensões. O Programa UNIAFRO de 2005 para a implementação da Educação para as Relações Etni-
a 2008 recebeu investimento do MEC de mais de R$ 5 mi- corraciais. O Parecer CNE/CP 03/2004 preocupou-se também
lhões, e também desenvolveu ações de pesquisa, seminários em fornecer de nições conceituais importantes para aqueles
e publicações acadêmicas, cerca de 90 títulos, voltadas para que trabalham com a temática, sendo relações etnicorraciais
a Lei 10639. Nos anos de 2006 e 2007 a formação continua- um conceito basilar de toda a política proposta. O sucesso
da de professores a distância foi realizada no curso Educa- das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas,
ção-Africanidades-Brasil, desenvolvido pela UNB, e História [...] em outras palavras, todos os alunos negros e não negros,
da Cultura Afrobrasileira e Africana, executado pela Ágere, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados
bene ciando mais de 10.000 professores da rede pública. A e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da ree-
partir do ano de 2008, a formação a distância para a temáti- ducação das relações entre negros e brancos, o que aqui es-
ca está a cargo da Rede de Educação para a Diversidade, que tamos designando como relações Etnicorraciais. Depende,
funciona dentro da rede Universidade Aberta do Brasil (UAB/ ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos
MEC), cujo oferecimento de vagas chegou próximo a 3000, educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais,
na sua primeira edição. Foram produzidos e distribuídos, en- visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e po-
tre os anos de 2005 e 2007, 29 títulos da Coleção Educação líticas nas relações Etnicorraciais não se limitam à escola. É
para Todos (SECAD/UNESCO), dos quais seis se referem dire- importante, também, explicar que o emprego do termo ét-
tamente à implementação da Lei 10639/2003, numa tiragem nico, na expressão Etnicorracial, serve para marcar que essas
total de 223.900 exemplares. Em parceria com Fundação Ro- relações tensas devidas a diferenças na cor da pele e traços
berto Marinho, houve a produção de 1000 kits do material sionômicos o são também devido à raiz cultural plantada na
A Cor da Cultura (2005), capacitando 3.000 educadores. Em ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valo-
2009, 18750 kits serão reproduzidos e distribuídos a todas as res e princípios das de origem indígena, europeia e asiática.
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação no Brasil. Os (Parecer CNE/CP nº 03/2004)
livros Orientações e Ações para a implementação da Educa-
Em 2007, avaliações realizadas pela SECAD/MEC veri-
ção das Relações Etnicorraciais, 54.000 exemplares, e “Supe-
caram que a implementação das DCN’s da Educação das
rando o Racismo na Escola”, 10.000 exemplares, organizado
Relações Etnicorraciais precisava ganhar mais amplitude e
pelo Professor Kabenguele Munanga, foram distribuídos
escala, tendo em vista o crescimento geométrico da deman-
para as Secretarias de Educação e em cursos de formação
da por formação de pro ssionais da educação e de material
continuada para a Lei 10639, para os professores, público ao
didático voltado para a temática. Para corroborar e socializar
qual se dirigem as obras.
essas constatações iniciais, em novembro de 2007, o MEC,
em parceria com a UNESCO, realizou o cina para avaliar a
Em dezembro de 2007, a SECAD/MEC descentralizou re- implementação da Lei 10639/03, resultando em documento
cursos para a tradução e atualização dos 8 volumes da cole- entregue ao Ministro Fernando Haddad no dia 18 de dezem-
ção História Geral da África, produzida pela UNESCO, e que bro de 2007. O resultado imediato foi a instituição, por meio
possuía apenas 4 volumes traduzidos no Brasil, na década de da Portaria Interministerial nº 605 MEC/MJ/SEPPIR de 20 de
1980. Em 2008, foram publicados pela SECAD/MEC dois ma- Maio de 2008, do Grupo de Trabalho Interministerial – GTI
teriais didáticos especí cos para a utilização nas escolas bra- – com o objetivo de elaborar o Documento Referência que
sileiras com objetivo de implementação da Lei 10639/2003: serviria de base para o Plano Nacional de Implementação das
o livro Estórias Quilombolas e o jogo Yoté, distribuído inicial- Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações
mente nas escolas quilombolas. Também ao longo de 2008, Etnicorraciais. O Documento Referência foi submetido à con-
no âmbito das discussões sobre a política nacional de forma- sulta e contribuição popular em 06 (seis) agendas de traba-
ção de professores, a SECAD encaminhou proposições relati- lho conhecidas como Diálogos Regionais sobre a Implemen-
vas às temáticas de educação para as relações etnicorraciais, tação da Lei 10639/03, realizados nas 5 (cinco) Regiões do
o que foi plenamente acolhido pelo Comitê Técnico-cientí - Brasil, sendo duas no Nordeste. As cidades que sediaram os
co de Educação Básica da CAPES e encontra-se consubstan- Diálogos foram: Belém/PA; Cuiabá/MT; Vitória/ES; Curitiba/
ciado no Decreto 6755/2009, de 29/01/2009, que institui a PR; São Luís/MA e Aracaju/SE. O resultado consubstanciou-
Política Nacional de Formação de Pro ssionais do Magistério se no documento Contribuições para a Implementação da
da Educação Básica. A Pesquisa Práticas Pedagógicas de tra- Lei 10639/2003: Proposta de Plano Nacional de Implemen-
balho com relações etnicorraciais na escola na perspectiva tação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das
da Lei 10639, ainda em curso, nanciada pela SECAD/MEC Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultu-
e desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais, ra Afro-Brasileira e Africana – Lei 10639/2003, entregue ao
Faculdade de Educação – FAE, Programa Ações A rmativas Ministro da Educação por representantes do GTI, em 20 de
na UFMG, tem como objetivo mapear e analisar as práticas novembro de 2008. O documento das Contribuições é basilar
pedagógicas desenvolvidas pelas escolas públicas de acordo na construção desse plano, pois norteou os eixos temáticos
com a Lei 10639/03, a m de subsidiar e induzir políticas e que orientaram todas as discussões dos Diálogos Regionais,
práticas de implementação desta Lei em nível nacional em e aqui estão também orientando ações e metas. Os atores
consonância com este Plano Nacional. referidos neste documento, fundamentais parceiros no es-
tabelecimento do processo contínuo de implementação da

35
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Lei 10639/03 são: Ministério da Educação; Conselho Nacional com a elaboração de propostas de ações a rmativas, de im-
de Educação; CAPES; INEP; FNDE; SEPPIR; FIPPIR; Fundação plementação da Lei e de acompanhamento das ações deste
Cultural Palmares; CADARA; Movimento negro brasileiro; Plano Nacional. A necessidade de ampliação do diálogo para
Secretarias de Educação Estaduais e Municipais; Conselhos implementação da Educação para as Relações Etnicorraciais
Estaduais e Municipais de Educação; Ministérios Públicos foi dada também pela edição da Lei 11645/2008, que tor-
Estaduais e Municipais; Fóruns de Educação e Diversidade; nou a modi car o mesmo dispositivo da LDB alterado pela
CONSED; UNDIME; UNCME; unidades escolares; Instituições Lei 10639/2003, estendendo a obrigatoriedade do “estudo
de Ensino Superior públicas e privadas. da história e cultura afro-brasileira e indígena” em todos os
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
Diálogo ampliado para a implementação da Educação públicos e privados. Uma vez que a Lei 11645/08 ainda não
das Relações Etnicorraciais As di culdades inerentes à im- recebeu a sistematização que foi objeto a Lei 10639/03, este
plementação de uma lei no âmbito da Federação brasileira Plano, sempre que couber, orienta os sistemas e as institui-
também alcançaram a Lei 10639/03. A relação entre os entes ções a adotar os procedimentos adequados para sua imple-
federativos (municípios, estados, União e Distrito Federal) é mentação, visto que a Lei mais recente conjuga da mesma
uma variável bastante complexa e exige um esforço constan- preocupação de combater o racismo, desta feita contra os
te na implementação de políticas educacionais. Isso não foi indígenas, e a rmar os valores inestimáveis de sua contribui-
diferente em relação à implementação das Diretrizes Curricu- ção, passada e presente, para a criação da nação brasileira.
lares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais,
se considerarmos os papéis complementares dos diversos Objetivos do Plano Nacional
atores necessários à implementação da Lei. Deve car explíci-
to que estamos aqui falando de processo de implementação O presente Plano Nacional tem como objetivo central
da Lei, correspondendo a ações estruturantes que pretende- colaborar para que todo o sistema de ensino e as institui-
mos que sejam orquestradas por esse Plano, pois todos os ções educacionais cumpram as determinações legais com
atores envolvidos necessitam articular-se e desenvolvê-las de vistas a enfrentar todas as formas de preconceito, racismo
forma equânime. e discriminação para garantir o direito de aprender e a
Isso signi ca incluir a temática no Projeto Político Peda- equidade educacional a m de promover uma sociedade
gógico da Escola, ação que depende de uma série de ou- mais justa e solidária. São objetivos especí cos do Plano
tras, como, por exemplo, o domínio conceitual do que está Nacional;
expresso nas DCNs da Educação para as Relações Etnicorra- - Cumprir e institucionalizar a implementação das Di-
ciais, a regulamentação da Lei pelo respectivo Conselho de retrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Rela-
Educação, as ações de pesquisa, formação de professores, ções Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura
pro ssionais da educação e equipes pedagógicas, aquisição Afrobrasileira e Africana, conjunto formado pelo texto da
e produção de material didático pelas Secretarias de Educa- Lei 10639/03, Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer CNE/
ção, participação social da gestão escolar, entre outras. Com CP 03/2004, e, onde couber, da Lei 11645/08.
o propósito de ampliar o diálogo entre o MEC e os atores - Desenvolver ações estratégicas no âmbito da política
responsáveis pela implementação da Lei 10639/03, a partir de formação de professores, a m de proporcionar o co-
do ano de 2007, a Coordenação-Geral de Diversidade/DEDI/ nhecimento e a valorização da história dos povos africanos
SECAD/MEC desenvolveu ações de reestruturação e amplia- e da cultura Afrobrasileira e da diversidade na construção
ção dos Fóruns de Educação e Diversidade, resultando atual- histórica e cultural do país;
mente em 26 Fóruns Estaduais e 05 Fóruns Municipais de - Colaborar e construir com os sistemas de ensino, ins-
Educação e Diversidade, com função estratégica de acom- tituições, conselhos de educação, coordenações pedagógi-
panhamento e monitoramento da implementação da Lei cas, gestores educacionais, professores e demais segmen-
10639/03. Os Fóruns são compostos por representações de tos a ns, políticas públicas e processos pedagógicos para a
todos os atores necessários à implementação da Lei. implementação das Leis 10639/03 e 11645/08;
- Promover o desenvolvimento de pesquisas e produ-
A colaboração, o espírito de diálogo e solidariedade ção de materiais didáticos e paradidáticos que valorizem,
no fortalecimento da temática deve nortear os Fóruns para nacional e regionalmente, a cultura Afrobrasileira e a di-
que eles possam tecer parcerias, propor caminhos e políti- versidade;
cas, acompanhar, auxiliar e congregar todos aqueles que - Colaborar na construção de indicadores que permi-
são indispensáveis à implementação da temática das rela- tam o necessário acompanhamento, pelos poderes públi-
ções etnicorraciais. A CADARA, Comissão Técnico-Cientí ca cos e pela sociedade civil, da efetiva implementação das
de assessoramento do MEC para assuntos relacionados aos Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-
afrobrasileiros e a implementação da Lei 10639/2003, foi re- lações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura
centemente reconstituída, contemplando, além das Secreta- Afrobrasileira e Africana;
rias do MEC, a SEPPIR, CONSED, UNDIME, representantes da - Criar e consolidar agendas propositivas junto aos
sociedade civil, movimento negro, NEABs, Fóruns Estaduais diversos atores do Plano Nacional para disseminar as Leis
de Educação e Diversidade Etnicorracial, ABPN, especialistas 10639/03 e 11645/08, junto a gestores e técnicos, no âm-
da temática distribuídos pelos níveis e modalidades de ensi- bito federal e nas gestões educacionais estaduais e mu-
no. A Comissão tem papel fundamental de ‘colaborar com o nicipais, garantindo condições adequadas para seu pleno
MEC na formulação de políticas para a temática etnicorracial, desenvolvimento como política de Estado.

36
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Eixos fundamentais do plano visando à construção de uma sociedade anti-racista, justa e


igualitária (Edital do PNLD, 2010). O eixo 4- Gestão democrá-
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curri- tica e mecanismos de participação social re ete a necessidade
culares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais de fortalecer processos, instâncias e mecanismos de controle
e para ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana e participação social, para a implantação das Leis 10639/03 e
tem como base estruturante os seis Eixos Estratégicos pro- 11645/08. O pressuposto é que tal participação é ponto fun-
postos no documento “Contribuições para a Implementação damental para o aprimoramento das políticas e concretização
da Lei 10639/03”, a saber: como política de Estado. A União, por meio do MEC, desem-
penha papel fundamental na coordenação do processo de
1) Fortalecimento do marco legal; desenvolvimento da política nacional de educação, articulan-
2) Política de formação para gestores e pro ssionais de do os diferentes níveis e sistemas e exercendo função norma-
educação; tiva, redistributiva e supletiva, em relação às demais instâncias
3) Política de material didático e paradidático; educacionais (conforme o art. 8º da LDB).
4) Gestão democrática e mecanismos de participação so-
cial; A mesma lei estabelece normas para a gestão democráti-
5) Avaliação e Monitoramento e ca do ensino público, assegurando dessa forma a participação
6) Condições institucionais. da sociedade como fator primordial na garantia da qualidade
e no controle social dos seus impactos. O eixo 5 – Avaliação
O Plano pretende transformar as ações e programas de e Monitoramento aponta para a construção de indicadores
promoção da diversidade e de combate à desigualdade racial que permitam o monitoramento da implementação das Leis
na educação em políticas públicas de Estado, para além da 10639/03 e 11645/08 pela União, estados, DF e municípios,
gestão atual do MEC. Nesse sentido, o Eixo 1 - Fortalecimento e que contribuam para a avaliação e o aprimoramento das
do Marco Legal tem contribuição estruturante na institucio- políticas públicas de enfrentamento da desigualdade racial
nalização da temática. Isso signi ca, em termos gerais, que é na educação. Nestes indicadores incluem-se aqueles moni-
urgente a regulamentação das Leis 10639/03 e 11645/06 no toráveis por intermédio do acompanhamento da execução
âmbito de estados, municípios e Distrito Federal e a inclusão das ações contidas no Plano de Ações Articuladas (PAR) im-
da temática no Plano Nacional de Educação (PNE). Os eixos plementado pelo MEC. O eixo 6 - Condições Institucionais
2 - Política de formação inicial e continuada e 3 - Política de indica os mecanismos institucionais e rubricas orçamentárias
materiais didáticos e paradidáticos constituem as principais necessárias para que a Lei seja implementada. Rea rma a ne-
ações operacionais do Plano, devidamente articulados à revi- cessidade da criação de setores especí cos para a temática
são da política curricular, para garantir qualidade e continui- etnicorracial e diversidade nas secretarias estaduais e munici-
dade no processo de implementação. Tal revisão deve assumir pais de educação.
como um dos seus pilares as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das relações Etnicorraciais e para o ensino Atribuições dos sistemas de ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana. Todo o esforço
de elaboração do Plano foi no sentido de que o MEC pos- As exigências legais conferidas aos sistemas de ensino pe-
sa estimular e induzir a implementação das Leis 10639/03 e las Leis 10639 e 11645, Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer
11645/08 por meio da Política Nacional de Formação Inicial e CNE/CP 003/2004 compartilham e atribuem responsabilidades
Continuada de Pro ssionais da Educação, instituída pelo De- entre os diferentes atores da educação brasileira. Compõem
creto 6755/2009, e de programas como o Programa Nacional essa segunda parte as atribuições, por ente federativo, sistemas
do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didá- educacionais e instituições envolvidas, necessárias à implemen-
tico para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional de tação de uma educação adequada às relações Etnicorraciais.
Bibliotecas Escolares (PNBE).
Ações do sistema de ensino da educação brasileira
A formação deve habilitar à compreensão da dinâmica
sociocultural da sociedade brasileira, visando a construção de Segundo o art. 8º da LDB, a educação formal brasileira
representações sociais positivas que encarem as diferentes é integrada por sistemas de ensino de responsabilidade da
origens culturais de nossa população como um valor e, ao União, Estados, Distrito Federal e municípios e dotados de
mesmo tempo, a criação de um ambiente escolar que per- autonomia. A Resolução CNE/CP Nº 01/2004 compartilha res-
mita que nossa diversidade se manifeste de forma criativa e ponsabilidades e atribui ações especí cas para a consecução
transformadora na superação dos preconceitos e discrimina- das leis.
ções Etnicorraciais (Parecer CNE/CP n. 03/2004). Os princípios No art 1º da Resolução, é atribuído aos sistemas de en-
e critérios estabelecidos no PNLD de nem que, quanto à sino a consecução de “condições materiais e nanceiras” as-
construção de uma sociedade democrática, os livros didáticos sim como prover as escolas, professores e alunos de materiais
deverão promover positivamente a imagem de afro-descen- adequados à educação para as relações etnicorraciais. Deve
dentes e, também, a cultura afro-brasileira, dando visibilidade ser dada especial atenção à necessidade de articulação entre
aos seus valores, tradições, organizações e saberes sociocien- a formação de professores e a produção de material didático,
tí cos. Para tanto, os livros destinados a professores(as) e alu- ações que se encontram articuladas no planejamento estabe-
nos(as) devem abordar a temática das relações Etnicorraciais, lecido pelo Ministério da Educação, no Plano de Ações Articu-
do preconceito, da discriminação racial e violências correlatas, ladas. Nesse sentido, faz-se necessário:

37
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

a) Incorporar os conteúdos previstos nas Diretrizes j) Fomentar pesquisas, desenvolvimento e inovações


Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etni- tecnológicas na temática das relações etnicorraciais, na CA-
corraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasi- PES, CNPq e nas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa
leira e Africana em todos os níveis, etapas e modalidades e estimular a criação e a divulgação de editais de bolsas de
de todos os sistemas de ensino e das metas deste Plano na pós-graduação stricto sensu em Educação das Relações Et-
revisão do atual Plano Nacional de Educação (2001-2011), nicorraciais criados e dirigidos aos pro ssionais que atuam
na construção do futuro PNE (2012-2022), como também na educação básica, educação pro ssional e ensino superior
na construção e revisão dos Planos Estaduais e Municipais das instituições públicas de ensino.
de Educação;
Ações do governo federal
b) Criar Programas de Formação Continuada Presencial
e à distância de Pro ssionais da Educação, com base nas
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Cur-
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re- riculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorra-
lações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura ciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e
Afro-Brasileira e Africana, com as seguintes características: Africana atende a Lei 9394/96, no que tange como tarefa
I - A estrutura curricular dos referidos programas de forma- da “União a coordenação da política nacional da educação”,
ção deverá ter como base as Diretrizes Curriculares Nacio- articulando-se com os sistemas, conforme já ocorre com o
nais para Educação das Relações etnicorraciais e História PNE.
da África e Cultura Afro-Brasileira e Africana, conforme o O Art. 9º da LDB incumbe à União missão, dentre outras,
Parecer CNE/CP nº 03/2004; II – Os cursos deverão ser de- de “prestar assistência técnica e nanceira aos Estados, ao
senvolvidos na graduação e também dentro das modali- Distrito Federal e aos Municípios”; estabelecer, em colabo-
dades de extensão, aperfeiçoamento e especialização, em ração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
instituições legalmente reconhecidas e que possam emitir competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
certi cações. III - Os cursos de formação de professores de- fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos;
vem ter conteúdos voltados para contemplar a necessida- baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós- gra-
de de reestruturação curricular e incorporação da temática duação”.
nos Projetos Político