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Bem-vindo ao curso

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial

Créditos
Maj PMDF Julian Rocha Pontes
Cap PMDF Juvenildo dos Santos Carneiro
2º Ten PMESP Fem. Inaê Pereira Ramires

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1


SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009
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Apresentação

O curso “Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial” é composto por três módulos. A


divisão dos assuntos foi elaborada para facilitar o aprendizado, os conhecimentos
serão apresentados gradativamente, mantendo correlação lógica entre suas aulas e
módulos. A todo o instante a proposta é buscar ligação entre os assuntos e as
experiências vivenciadas no cotidiano policial, possibilitando o desenvolvimento dos
objetivos gerais e específicos traçados.

Para que você tenha uma ideia do caminho a ser percorrido, observe os objetivos
estabelecidos para o curso, contudo, vale ressaltar que os mesmos foram traçados
com a percepção voltada para a sua aprendizagem.

Ao final do curso, você será capaz de:

● Identificar os direitos e garantias fundamentais do cidadão no ordenamento pátrio


e legislação internacional;
● Apontar os requisitos legais indispensáveis à realização da abordagem pessoal e
domiciliar;
● Identificar os principais delitos penais correlacionados ao tema;
● Reconhecer quais são os entendimentos jurisprudenciais dos principais tribunais
superiores do país;
● Aplicar corretamente os direitos e garantias fundamentais na abordagem policial;
● Apontar os principais ilícitos penais cometidos, em tese, pelo cidadão infrator
durante a abordagem policial;
● Reconhecer as consequências jurídicas da realização da abordagem pessoal ou
domiciliar alheia à legalidade, proporcionalidade e necessidade; e
● Reconhecer o valor e a importância dos direitos e garantias fundamentais da pessoa
humana, na atividade de Segurança Pública.

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Para alcançar os objetivos, você estudará os seguintes módulos:

Módulo 1 – Os principais aspectos das normas constitucionais e da legislação


internacional relacionadas à atuação policial no contexto do Estado Democrático de
Direito.

Módulo 2 – Aspectos jurídicos relacionados à abordagem policial.

Módulo 3 – Aspectos jurídicos que balizam a ação policial diante dos crimes de
constrangimento ilegal, corrupção passiva, resistência, desobediência, desacato e
corrupção ativa.

Antes de iniciar os estudos dos módulos, reflita sobre algumas questões pertinentes à
ação do profissional da área de Segurança Pública, lendo a contextualização.

Contextualizando

Antes de iniciar o estudo dos módulos, leia o texto a seguir e reflita sobre a questão que ele
apresenta.

O Estado Democrático de Direito idealizado e desejado pelo constituinte originário caminha a


passos firmes rumo à sua solidificação no Brasil. Não há quem não defenda a Lei Fundamental
de 1988. Nesse contexto, o Estado deixou de ser um fim em si mesmo e, gradativamente,
focou seus esforços na satisfação dos legítimos interesses da sociedade.

O cidadão passou a ter consciência de seu papel e importância no contexto social. Abandonou
as praxes passivas e, em postura ativa, exige, a todo instante, a concretização e preservação
de seus direitos e garantias, sejam individuais, coletivos ou difusos. Dessa situação,
imposições arbitrárias, apoiadas exclusivamente na vontade da autoridade, não são mais
aceitas como outrora. Toda e qualquer restrição a direitos deve encontrar fundamento na
legalidade, proporcionalidade, necessidade e adequação, caso contrário será combatida pelos
seus destinatários.

Essa nova relação construída entre o cidadão e o Estado exige do agente público (Conceito
adotado em seu sentido amplo) o desenvolvimento de seu labor (trabalho) com probidade,
impessoalidade, moralidade, eficiência, dentre outros. Tamanha a importância dessas

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qualidades que foram elevadas à condição de princípios, conforme se obtém da simples
leitura do caput do artigo 37, da Constituição Federal, permearem todos os aspectos
inerentes à Administração Pública.

Muito ainda há que se fazer para que o cidadão tenha serviços públicos condizentes com a sua
dignidade, porém, são explícitas as melhoras já alcançadas. Nesse contexto, importa salientar
que a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, as
diversas formas de controle da administração, o regramento da responsabilidade civil do
Estado, por exemplo, consolidam a democratização e a transparência vivenciadas
atualmente.
No entanto, em todo esse desenvolvimento experimentado, o certo é que a vida em
sociedade ainda clama pela presença do Estado. A sociedade para manter sua sobrevivência
impõe normas de condutas a serem seguidas. Ao ser humano não é permitida a livre e
incondicionada satisfação de seus interesses. Caso contrário, retornaríamos à barbárie, a um
estado de natureza, situação em que só os mais fortes encontrariam voz. E mais, por vezes, a
harmonia social é quebrada por conflitos de interesses. Diante disso, dependendo da natureza
do bem jurídico, o Estado deixa à vontade da parte sua solução ou intervém de modo brando.
Mas, quando os valores de maior relevo para a sociedade são violados, o Estado age de forma
mais enérgica, impondo punições mais graves, inclusive com a privação da liberdade aos seus
transgressores. A aplicação da sanção penal se for o caso, só atinge o cidadão infrator após
regular processo que, além de fornecer elementos de convicção ao julgador, destina-se a
fornecer ao denunciado a oportunidade de exercitar sua ampla defesa. Nesse âmbito estão
inseridos os órgãos componentes da Segurança Pública relacionados, juntamente com suas
atribuições, no artigo 144, da Constituição Federal.

Apesar da preservação da ordem pública e proteção das pessoas e do patrimônio ser


responsabilidade de todos, antes de tudo, é dever do Estado. Dentro desse aspecto, tem-se a
perseguição penal promovida pela polícia judiciária, tão importante quanto é o trabalho
desempenhado pela chamada polícia ostensiva na prevenção e repressão imediata do delito.
Para o desempenho de suas atividades, as polícias fazem uso do dever-poder de polícia, que
em resumida análise, é a limitação do exercício de direitos individuais em benefício do
interesse público.
Extrai-se como importante instrumento do dever-poder de polícia, a busca pessoal, ou seja, a
abordagem como prática comum no cotidiano policial. Em outras palavras, o policial ao
cumprir sua atribuição no sentido de prevenir ou reprimir delitos, exerce atividades que
interferem na rotina e nos direitos básicos das pessoas, seja para identificá-las, seja para
encontrar e apreender armas de fogo ou substâncias entorpecentes, dentre outras. Mas, vale

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ressaltar que existe uma limitação, mesmo que temporária, no gozo de alguns direitos
individuais. Essas ações encontram amparo no ordenamento jurídico pátrio, pois visam
proteção do interesse público, representado pela manutenção da ordem e da paz, e dos
próprios indivíduos.

IMPORTANTE!
A atividade policial, com nítida natureza de ato administrativo, encontra limites que buscam
tutelar (proteger) a dignidade humana, bem como a legitimidade da atuação estatal.

O profissional de Segurança Pública deverá agir dentro das balizas definidas em lei, alinhado
com o propósito firme de ser um agente defensor da dignidade da pessoa humana. O bom
policial é justamente aquele que defende a sociedade por meio da proteção de seus
indivíduos, e isso implica, obrigatoriamente, em enxergar o cidadão, mesmo que infrator,
como detentor de direitos e garantias fundamentais, inerentes à sua condição de pessoa
humana.

Você é um profissional da área de Segurança Pública, portanto, seu promotor.


Em sua corporação, seja militar ou civil, as pessoas, independentemente de suas
características, são tratadas e vistas como cidadãos? O infrator da lei, apesar da natureza do
delito perpetrado, é respeitado em sua dignidade?

Saiba que não é objetivo desse curso fornecer respostas exatas às indagações e, sim, em
conjunto com você, criar condições para que você possa construir conhecimentos condignos
com o Estado Democrático de Direito experimentado em nosso país.

Bom curso!

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Módulo 1 - As normas constitucionais, a legislação internacional
e atuação policial

Neste módulo, você estudará o enfoque do ordenamento constitucional e da


legislação internacional ligada aos direitos humanos. Por certo, é na Constituição de
1988 que se encontram os fundamentos da República Federativa do Brasil, com
ênfase para a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos e garantias
fundamentais. Além disso, você também discutirá os princípios da proporcionalidade
e razoabilidade, importantes balizas para o desenvolvimento das atividades da
Administração Pública, que de acordo com o § 6º, do artigo 37, da Constituição
Federal, responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros. Em consequência, a responsabilidade civil do Estado será tocada. Por fim,
analisará as atribuições dos diversos órgãos componentes do sistema de Segurança
Pública do país.
Ao final do módulo, você será capaz de:

● Identificar as normas constitucionais, além dos princípios e regras internacionais


relacionados aos direitos e garantias fundamentais;
● Descrever a importância dos direitos humanos e da cidadania dentro do contexto
atual, com ênfase nos movimentos sociais;
● Defender a necessidade da atuação estatal na efetivação do bem comum;
● Apontar as justificativas e as características dos direitos fundamentais e da
dignidade da pessoa humana;
● Delinear os elementos e características que configuram a dignidade da pessoa
humana na solução de problemas;
● Nomear as restrições e supressões legais aos direitos humanos fundamentais;
● Aplicar, no caso concreto, as habilidades e conhecimentos técnicos sem descuidar
das limitações jurídicas;
● Reconhecer o princípio da proporcionalidade como balizador da atividade policial;
e
● Reconhecer as limitações constitucionais da atuação policial e as consequências
dos desvios desses limites na extensão da responsabilidade.

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O conteúdo deste módulo está dividido em 4 aulas:

Aula 1 – Principais conceitos


Aula 2 – Direitos e garantias fundamentais
Aula 3 – Limitações constitucionais em face à atuação policial
Aula 4 – Os órgãos de Segurança Pública: limites e atribuições

Aula 1 – Principais conceitos

O processo de conscientização de direitos e deveres fez com que os membros da


sociedade, considerando a evolução social, econômica e cultural, vivenciada no
mundo e, em especial no Brasil, exigissem a mudança de paradigmas (modelos) na
atuação do Estado, de seus poderes e de seus órgãos. Assim, os agentes públicos
devem estar aptos a absorverem essa realidade.

Esse contexto é nitidamente sentido na área de Segurança Pública, que inspira a


proposta do curso, de conduzir você, policial, a essa realidade, para que sua
atuação seja apta a produzir os efeitos esperados pelo cidadão, uma prestação de
serviço público adequada, eficiente e em consonância com direitos e garantias
fundamentais, propulsores da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos.

Nessa aula, você estudará:

● A concepção básica do que vem a ser uma Constituição, sua importância para a
estrutura, organização e competências do Estado; e

● Os princípios e regras internacionais que norteiam a atuação policial no exercício


da preservação da ordem pública e da incolumidade (proteção) das pessoas e do
patrimônio, como vetores da defesa do Estado e das instituições democráticas.

Reflita sobre estas questões antes de começar.

Como agente policial, você tem noção das finalidades, objetivos e fundamentos
do Estado brasileiro?

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Você sabe quem cria e como é criado o Estado?

E quais seriam as influências que ele pode sofrer nas relações internacionais
envolvendo as questões de direitos humanos?

Constituição Federal como norma de organização e estruturação do Estado e


disciplinadora de suas finalidades.

A Constituição Federal de 1988 constitui a Lei Fundamental que traça a estrutura


organizacional básica dos poderes e o funcionamento do Estado brasileiro, com o
objetivo único de atender as necessidades da coletividade, do povo. Também nela
se definem os direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, como forma
de limitar o exercício dos poderes pelo Estado, com o intuito de evitar abusos e
arbitrariedades.

A Lei Fundamental é fruto do anseio de um povo organizado, que, em dado


momento, se reúne em um grupo de pessoas, com vínculo de origem étnica ou
cultural comum, para firmar a vontade das forças determinantes da sociedade,
estabelecendo os fundamentos de sua convivência e de seu destino.

Nessa órbita, o povo é o titular do poder constituinte originário, que diretamente


ou por meio de seus representantes (deputados e senadores), de forma soberana,
inicial, ilimitada e incondicionada, elabora a Constituição.

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Poder constituinte

O poder constituinte originário (PCO) é aquele capaz de criar uma nova ordem constitucional,
sendo inicial, ilimitado e incondicionado.

O titular do PCO é o povo (art. 1º, parágrafo único, CF/88).

O exercício do PCO é efetivado pelos representantes do povo, chamados de constituintes


(deputados e senadores).

É inicial porque inaugura uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem
antecedente.

É ilimitado porque não está sujeito a regras anteriores (Obs.: Os jusnaturalistas que
defendem a existência de um “direito natural” acima daquele estabelecido pelo homem
sustentam que o poder constituinte originário deve observância ao direito natural. Essa tese
não é adotada no Brasil).

É incondicionado porque não está submetido a regras procedimentais para elaboração da


nova ordem jurídica.

Enfim, o objetivo fundamental do poder constituinte originário é criar um novo Estado, uma
nova ordem jurídica, não importando que a nova Constituição ocorra de movimento
revolucionário ou de assembleia popular.

É importante dizer para você que a Constituição cria e estrutura o Estado como uma
instituição organizada política, social e juridicamente, com a responsabilidade de
constituir e estabelecer as bases do controle social e o desenvolvimento de um país,
de uma nação.

Isso tudo se resume, como já dito, no objetivo único de promover o bem comum,
proporcionando a toda a sociedade: saúde, emprego, moradia, educação,
previdência, segurança, etc.

Para compreender melhor essa questão é necessário entender a lição de Jean-


Jacques Rousseau (1762), cuida-se de um verdadeiro contrato social celebrado entre
a sociedade e o Estado, onde cada indivíduo cede uma parcela de sua liberdade em
benefício do todo, conferindo ao ente público os poderes necessários para que ele

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regule as relações sociais, defendendo e protegendo cada pessoa, e seu respectivo
patrimônio, de eventuais agressões e ameaças.

Por isso que se paga tributos ao Estado (impostos, taxas, contribuições, etc), e se
permite, por meio das leis, que seus agentes interfiram nos direitos e liberdades de
cada cidadão.

Avançando na ideia inicial, através da CF/88, o Brasil adotou como forma de governo
a República – organização política que visa a coisa pública, o interesse comum –,
como forma de Estado o federalismo – organização descentralizada, tanto
administrativa quanto politicamente, proporcionando a repartição de competências
entre o governo central e os estados-membros, que deliberam sobre os rumos da
nação – e constitui-se em um Estado democrático de direito, que é destinado,
através da proteção jurídica e material, a garantir o respeito das liberdades civis,
dos direitos humanos e garantias fundamentais. Para tanto sua estrutura tem por
fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho, a livre-iniciativa e o pluralismo político.

Em decorrência, percebe-se que os mandatários políticos (presidente,


parlamentares, prefeitos, etc), os integrantes dos poderes (Executivo – Que
administra e aplica as leis; Legislativo – Que edita as leis; e, Judiciário – Que julga os
conflitos e a inobservância das leis e da Constituição) e dos órgãos do Estado (ex.:
Segurança Pública) estão sujeitos às regras de direito, às leis, cumprindo-lhes, então,
proteger e respeitar as liberdades civis, o respeito pelos direitos humanos e
liberdades fundamentais.

Também não se deve esquecer os objetivos traçados para o Estado, quais sejam:
● De construir uma sociedade livre, justa e solidária;
● Garantir o desenvolvimento nacional;
● Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; e
● Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.

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Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos

Dentro da concepção apresentada até aqui, cabe dizer que o Estado brasileiro é
regido nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos
humanos, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao
racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, dentre outros.

Assim, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros


decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou contidos em tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§2º, art. 5º, da
CF/88). Sendo possível, ainda, os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos, aprovados no Congresso Nacional, assumirem o status de emendas
constitucionais, i.e., acima das demais leis (§3º, art. 5º, da CF/88).

A questão dos direitos humanos, como se vê, assume relevância em nossa ordem
constitucional, pois que diz respeito a certas posições essenciais ao homem ao longo
de sua evolução histórica. Por assim dizer, suas bases assumem uma vocação
universalista, supranacional, razão pela qual são objeto de tratados ou convenções e
em outros documentos de direito internacional.

Nessa medida, sem ingressar nas discussões que são travadas entre autores, bem
como em nossos tribunais, no contexto atual, por conta das disposições
constitucionais já citadas, quando o Brasil celebra algum tratado internacional que
verse sobre direitos humanos, estes podem ingressar em nosso ordenamento jurídico
com status de normas constitucionais, merecendo especial tratamento pelo Poder
Público.

Você deve estar se perguntando: e se um tratado não alcançar o êxito de ser


aprovado como norma constitucional, à luz do art. 5º, §3º, qual será o seu status?

Cabe ressaltar que não será trabalhada a discussão travada na doutrina, mas sim na
tese firmada no Supremo Tribunal Federal – STF, no sentido de que os tratados sobre
direitos humanos que não forem aprovados de acordo com o §3º, do art. 5º, possuem

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status de norma infraconstitucional (abaixo da Constituição), porém, supralegal, ou
seja, acima da legislação interna.

Para compreender melhor essa questão, leia o HC 90172 / SP


http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=90172&c
lasse=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M) Relator Ministro Gilmar Mendes
e o RE 466.343-1/SP
(http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=466343
&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M), Relator Ministro Cezar
Peluso, datado de 03/12/2008.

Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo (assinados em Nova York, no dia 30/03/2007), foram os
primeiros a serem aprovados pelo Congresso Nacional em observância ao §3º do art.
5º da CF/88, consoante o Decreto Legislativo nº 186, de 09/07/08. Mas, somente em
25/08/2009, por meio do Decreto Federal nº 6.949, passaram a compor a ordem
jurídica pátria com status de norma constitucional (disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>).

De outro lado, existem alguns pactos que integram a ordem jurídica do Brasil, cujo
conteúdo versa sobre direitos humanos, constituindo verdadeiros limites da atuação
estatal, em especial para os órgãos policiais e jurisdicionais.

Com efeito, é possível citar dois pactos que estabelecem direitos individuais para
aqueles que se submetem à ação estatal, em face da sua atribuição de preservação
da ordem pública.

- O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), adotado pela


Resolução nº 2.200-A, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16/12/1966, foi
aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12/12/1991, ratificado pelo Brasil em
24/01/1992. Entrou em vigor no Brasil em 24/04/1992 através do Decreto nº 592, de
06/07/1992.

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- Por sua vez, o Decreto nº 678/1992 promulgou a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em 22/11/1969.
Em suma, tais pactos estabelecem regras e princípios em favor da pessoa que é
submetida “à apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra
ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil”, tais como:

● Presunção de inocência;
● Direito a um julgamento justo por autoridade competente e imparcial;
● Direito à privacidade;
● Direito a não ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes;
● Direito a não produzir prova contra si mesmo e o de permanecer calado;
● Direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada contra si;
● Direito de defender-se e de constituir defensor; e
● Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser
conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei
a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de
ser posta em liberdade, dentre outras.

Aula 2 – Direitos e garantias fundamentais

Nesta aula, você estudará os direitos e garantais fundamentais da dignidade da


pessoa humana, como verdadeiros parâmetros de limitação dos agentes do Estado
na consecução de suas atribuições. É imprescindível que você leia o artigo 5º, da
Constituição Federal.

Reflita sobre as questões abaixo antes de começar esta aula.

Os excessos na atuação policial, frequentemente, são objetos de severas críticas


que, invariavelmente, vinculam-nos à falta de preparação. De outro lado,
empregando o provérbio “a polícia é uma presença que incomoda, mas,
principalmente, uma ausência sentida”, sabe-se que o uso da força, a abordagem, a

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efetivação de uma prisão, constituem procedimentos necessários para se alcançar os
objetivos dos órgãos da Segurança Pública.

Pensando na sua realidade e experiência profissional, qual sua ideia a respeito?


Você acredita que seja possível minimizar e até eliminar as críticas sobre a
legitimidade de uma intervenção policial?
Direitos e garantias fundamentais

Você estudou na aula passada que a Constituição Federal estabelece as normas de


organização e estruturação do Estado, de seus poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário) e de seus órgãos, para que possa atingir a finalidade pública e atender os
interesses da coletividade. Também foi dito que a Carta Magna traça os direitos e
garantias fundamentais com o intuito de limitar a atuação estatal, evitando as
arbitrariedades, próprias de quem ocupa o poder.

A partir de agora serão delineadas as bases do tema – direitos e garantias


fundamentais –, para que se possa entender a razão pela qual tanto se fala em
limitação de poderes e o porquê de sua existência.

O Estado, através dos representantes do povo, quando age no sentido de decidir os


rumos da nação, recebe poderes como verdadeiros instrumentos para atingir suas
finalidades. Como ensina Alexandre de Moraes (2007), tais poderes delegados pelo
povo não são absolutos, encontrando limitações nos direitos e garantias
fundamentais.

A concepção sobre o tema está vinculada à ideia básica de que o detentor do poder,
invariavelmente, pode exorbitar suas finalidades, agindo com arbitrariedade.Vale
lembrar que os poderes são os de editar leis (Legislativo), aplicá-las em favor e
sobre os cidadãos, disciplinando as relações em sociedade (Executivo) e resolver
as controvérsias decorrentes de conflitos nas relações sociais e a inobservância do
direito (Judiciário). É bom dizer, empregando os ensinamentos do professor Paulo
Gonet Branco (2008), que os direitos fundamentais constituem um núcleo, um
conjunto de regras e princípios que visam proteger a dignidade da pessoa
humana.

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Essa concepção é fruto de uma evolução histórica desde a origem do homem, ser
eminentemente gregário que se reúne em grupos a fim de aumentar sua força e
possibilidades para perpetuar sua existência, para que possa assegurar sua
sobrevivência.

Esse conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da pessoa humana


possui algumas características que devem ser observadas. Segundo Paulo Gonet
(2008), por maior que seja a dificuldade de se fixar as características desse instituto,
é possível elencar as principais. Veja estas características a seguir.

Características do conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da


pessoa humana

● Universais: Atingem a todos os seres humanos, independentemente de idade, sexo,


cor, escolaridade, posição socioeconômica.
● Absolutos: Estão situados no patamar máximo da hierarquia jurídica, gozando de
prioridade absoluta sobre qualquer interesse estatal ou coletivo.
● Inalienáveis: Não podem ser submetidos à transmissão, venda ou negociação.-
● Indisponíveis: Mesmo que o indivíduo renuncie o seu gozo, o Estado deve atuar no
sentido de respeitá-lo e de protegê-lo.
● Consagrados na ordem jurídica: Servem de traço distintivo em face dos direitos
humanos, fruto de uma evolução histórica, de lutas, de valores e princípios de índole
essenciais para o homem, ligados à sua existência, com bases jusnaturalistas, que
antecedem às leis escritas. Os direitos fundamentais constituem-se na inserção dos
direitos humanos na ordem jurídica concreta, que o Estado os reconhece como sendo
essenciais e fundamentais, motivo pelo qual os vincula no sentido de dar especial
proteção.
● Limitativos dos poderes constituídos: Serão trabalhados mais adiante.
● De aplicabilidade imediata: Não precisa de uma regulamentação
infraconstitucional, ou seja, uma vez inserido na norma constitucional, o Estado
deverá respeitá-lo.

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Diferença entre direitos e garantias fundamentais

De uma forma bem geral, os direitos representam por si bens, isto é, algo que está
inserido no patrimônio ou tem como objeto imediato um bem específico da
pessoa (vida, honra, liberdade, integridade física, etc.). Ao passo que as garantias
representam um instrumento posto à disposição dos indivíduos para assegurar os
direitos e limitar os poderes do Estado. Nessa medida, vários são os dispositivos
contidos no art. 5º, da Constituição, que comportam esse conceito.

Constituição - Art. 5º
III - Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
LVIII - O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo
nas hipóteses previstas em lei (vide Lei nº 10.054/2000);
LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII - A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
LXIV - O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial;
LXV - A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI - Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;
LXVIII - Conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX - Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público;
LXX - O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) Partido político com representação no Congresso Nacional;

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b) Organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e
em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros
ou associados;
LXXI - Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
LXXII - Conceder-se-á "habeas-data":
a) Para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de
caráter público;
b) Para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,
judicial ou administrativo;
LXXIII - Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência;
LXXIV - O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos;
LXXV - O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar
preso além do tempo fixado na sentença;
LXXVII - São gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da
lei, os atos necessários ao exercício da cidadania;
LXXVIII - A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O artigo 5º, da Constituição, em um primeiro momento, dá a entender que os


destinatários da proteção jurídica e material são apenas os brasileiros e os
estrangeiros residentes no país. Porém, é bom que fique claro que os estrangeiros em
trânsito no território nacional também são beneficiados com a tutela estatal,
conforme descrito nos artigos 1º, 3º e 4º da Constituição, onde fala da dignidade da
pessoa humana, construção de uma sociedade livre justa e solidária, promoção do
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação e a prevalência dos direitos humanos.

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1


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Vinculação dos poderes públicos

A inserção de regras e princípios na Constituição tem sua razão de ser centrada na


magnitude (dimensão) dos valores mais caros da existência humana, que, por isso,
devem estar resguardados em um documento jurídico supremo e com força
vinculante máxima, tornando-se imune aos temperamentos ocasionais de quem ocupa
o centro de poder, bem como das instabilidades políticas, religiosas, econômicas e
sociais.

Com efeito, a previsão dos direitos fundamentais na Constituição vincula a atuação


do Estado, de seus poderes, de seus órgãos. Circunstância que impede a
interpretação de que constituem simples autolimitações dos poderes, passíveis de
serem alterados ou suprimidos ao talante desses, sob o mero argumento de vigorar o
interesse do Poder Público na consecução de seus fins.

Em razão disso é que esses valores recebem proteção especial do Estado, conhecida
também como “cláusulas pétreas”, isto é, não podem ser objeto de deliberação
sobre proposta de emenda à Constituição no sentido de lhes abolir (CF/88, art.
60, §4º).

Portanto, deve ficar claro que a informação contida avisa aos poderes constituídos,
bem como a seus órgãos, que seus atos devem conformidade aos direitos e garantias
fundamentais e se sujeitam à invalidação se os desprezarem, bem como à
responsabilização de seus agentes nas esferas administrativa, civil e criminal.

Constituição Federal 1988. Art. 60


§4º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - A forma federativa de Estado;
II - O voto direto, secreto, universal e periódico;
III - A separação dos poderes; e
IV - Os direitos e garantias individuais.

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Pode-se concluir que os órgãos públicos que constituem a Administração (dentre eles,
os da Segurança Pública) estão vinculados às normas de direitos e garantias
fundamentais, pelo que seus agentes devem agir, interpretar e aplicar as leis
segundo ao que se dita. Em outras palavras, a atividade da Administração Pública
não pode deixar de respeitar os limites que lhe acenam os direitos fundamentais.
Em especial, destacam-se as atividades discricionárias da administração, cuja
margem de liberdade abre um leque de possibilidades para atuação do agente
público, de acordo com a oportunidade e conveniência, como ocorre na abordagem
policial, pautada essencialmente na fundada suspeita.

Relatividade dos direitos e garantias fundamentais

Com a contextualização mencionada, uma pergunta não escapa.

Os direitos e garantias fundamentais assumem feição absoluta? São intangíveis ou


intocáveis a todo o momento?
A resposta evidente é que não. Isso porque, pelo Brasil ser um Estado de Direito,
todos os membros da sociedade se submetem à lei, não podendo, dessa feita, se
valer de direitos e garantias fundamentais para a prática de ilícitos, bem como se
esquivar de uma eventual responsabilidade pecuniária, civil ou penal. Do
contrário, os princípios estatuídos nas normas constitucionais estariam relevados à
extinção material, uma verdadeira ruína, de anos de evolução da história humana.
Pense na hipótese em que todas as pessoas viessem a praticar condutas sem limites,
como conduzir veículo aonde bem quisesse ou invadir a residência de qualquer
cidadão sem sua autorização. Uma reação em cadeia, sem precedentes, geraria a
extinção do próprio ser humano.

Entretanto, sabe-se que não é assim que funciona e, até hoje, o ser humano existe
porque o direito impõe limites na pratica de condutas, nas relações sociais, enfim,
no exercício de direitos. A isso Alexandre de Moraes (2007) chama de princípio da
relatividade ou convivência das liberdades públicas, traduzindo, em suma, a ideia
de que os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição de 1988 não
são ilimitados, encontrando restrições nos demais direitos estatuídos nessa Lei Maior.

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Faça uma leitura do artigo 78, do Código Tributário Nacional – CTN, que, por mais
que seja subordinado aos tributos (impostos, taxas, contribuições, etc.) definindo
poder de polícia, traduz com clareza a possibilidade de se limitar direitos em
benefício da coletividade e, com isso, assegurar a estabilidade das relações em
sociedade. Veja:

Art. 78 Considera-se poder de polícia atividade da Administração Pública que,


limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício
de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder
Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de
28.12.1966 http://www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID=129072).

Essa noção é extraída da concepção comum de que o Estado deve cumprir suas
atribuições e de que o direito de cada pessoa acaba quando começa o de outra.
Assim, o Estado, por seus órgãos, pode intervir na liberdade das pessoas, desde
que seja para beneficiar a coletividade, para cumprir a sua finalidade.
Dignidade da pessoa humana

Não é preocupação aqui traçar a definição exata dessa expressão, no âmbito


científico, já que tal tarefa é controvertida inclusive na doutrina, onde muitos
autores travam discussões sobre o tema, expressando posicionamentos distintos uns
dos outros. Fica à sua vontade a leitura de textos de autores que se dedicaram a essa
aspiração. Mas, não se pode fugir da necessidade de ter uma noção geral e comum.
Ela cuida de um princípio base do sistema jurídico pátrio, contido na Constituição de
1988, onde todos os ramos do direito, o Estado e seus órgãos devem respeitar.

Em suma, sua ideia central consiste na possibilidade de se assegurar um mínimo


existencial à pessoa humana, sob o aspecto moral e material.

Então, quando se considera que o princípio da dignidade da pessoa humana foi


atendido?

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Quando os valores morais e éticos, a liberdade, a intimidade forem respeitados,
bem como quando for garantida a assistência material mínima (moradia,
alimentação, educação, saúde, segurança, lazer) necessária à satisfação das
necessidades humanas. Essa é a ideia por trás dos dispositivos contidos no artigo
5º, da CF/88.

Aula 3 – Limitações constitucionais em face à atuação policial

Limitações constitucionais na atuação policial

Até o presente momento, você estudou a razão de existir do Estado, qual seja, a de
atingir o bem comum, constituído, estruturado e organizado pela Constituição
Federal, a qual ainda estabelece os direitos e as garantias fundamentais.

Também estudou que o Estado, para alcançar o interesse de todos é composto por
poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) e estruturado em órgãos, destacando-se
os da Segurança Pública.

É lícito dizer, na concepção específica do curso, que os direitos e garantias


fundamentais funcionam como verdadeiros limitadores da atuação policial, ou seja, é
com base nesse contexto jurídico que o membro de um órgão policial deve executar
as medidas cabíveis para a manutenção e restabelecimento da ordem pública, por
meio de técnicas e tecnologias policiais alinhadas com os direitos e garantias
fundamentais, cujo núcleo é vertido para a proteção da dignidade da pessoa humana.

Ainda que o cidadão seja o sujeito ativo de um crime hediondo, mesmo que o
aparato de segurança deva alcançar seus níveis máximos face às necessidades
concretas ao restabelecimento do status quo ante, a Constituição, através das
limitações impostas pelos direitos e garantias individuais, com suas características
indisponíveis, universais, absolutos, inalienáveis, assegura àquele, que é destinatário
dessa atuação estatal, um tratamento tal que o mínimo existencial deva ser

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respeitado, protegendo a vida, a integridade física, moral, psicológica, etc. (vide os
dispositivos do artigo 5º ligados ao tema).

Direito de ir, vir e permanecer

Um dos direitos fundamentais mais afetados com a intervenção estatal, em especial


através da atuação dos órgãos de Segurança Pública durante uma busca pessoal, no
exercício do poder de polícia, é o direito de ir, vir e permanecer. Isso porque a
CF/88 em seu artigo 5º foi clara ao dizer que é garantindo aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à liberdade, ou seja,
esse direito fundamental decorre naturalmente do direito à liberdade da pessoa
humana no sentido de se locomover livremente por toda parte do território
nacional.

Você tem ideia da magnitude, da importância e do relevo que contorna esse


direito fundamental?

A resposta parece simples, mas na prática não o é. Perceba que com a liberdade a
pessoa pode desenvolver-se em várias dimensões (física, espiritual, educacional,
religiosa, política, etc.). E um dos aspectos dessa liberdade é o direito de locomoção
(direito de ir, vir e permanecer), que permite ao cidadão a possibilidade de
movimentar-se por todos os espaços públicos e privados na busca de integrar-se com
sua sociedade, com sua família, com o Poder Público, seja para emprego, educação,
saúde ou lazer. Vale lembrar que isso tudo faz parte da dignidade da pessoa, ponto
de partida de estudo, que contida na Constituição, ao Estado compete proteger e
estimular o seu pleno exercício, porque para isso foi concebido.

Princípio da proporcionalidade: ponderação de valores

A limitação do direito à liberdade para satisfazer uma necessidade pública, é, na


verdade, de forma ampla, uma projeção da proteção conferida ao cidadão no seu
relacionamento no meio social, com o fim legítimo de resguardar o bem comum,
através da fiel observância do que dita a lei, que representa a vontade popular,

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titular do poder constituinte originário. Com isso, percebe-se que é enorme a
responsabilidade dos agentes públicos na consecução de suas atribuições.

Então, como fazer para adequar a atuação policial sem se descuidar dos direitos e
garantias fundamentais?
Qual é o momento ideal para limitar a liberdade do indivíduo e observar a sua
dignidade?

A resposta não é tranquila. O policial tem que estar bem preparado tecnicamente
para aplicar seus conhecimentos em uma busca pessoal (abordagem), que abrange
níveis que vão desde a emissão de comandos verbais até a efetivação da busca,
com o contato físico e imobilização, se for o caso.

Essa dinâmica não pode ser levada a efeito de qualquer forma, sobre qualquer
pessoa, em qualquer momento, a qualquer pretexto. O ordenamento jurídico traça
os parâmetros, que, ao lado das técnicas de busca pessoal, de abordagem, devem
fazer parte da conduta do agente.

A leitura e compreensão do texto constitucional, das leis e legislação que conduzem


os direitos e garantias fundamentais, são essenciais, assim como a verificação do
posicionamento dos juristas e do poder judiciário sobre os atos estatais e as
restrições impostas aos direitos individuais. Aliando a técnica policial com os
parâmetros jurídicos, o resultado será uma atuação legítima, adequada, necessária e
razoável.

Observe que está sendo discutida a ponderação de valores que, através do princípio
da proporcionalidade, constitui instrumento capaz de solucionar os problemas mais
cruciais ou triviais do dia-a-dia enfrentados pelos agentes estatais.

Lembra o professor Thiago André Pierobom de Ávila (2007) que essa concepção é
própria da estrutura das normas de direitos fundamentais, esculpida no Estado
constitucional contemporâneo. Com essas palavras ele apresenta os ensinamentos de
Robert Alexy, para quem o direito, que existe para disciplinar as relações sociais, se

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expressa por meio de normas e essas, por sua vez, abrangem as regras e os
princípios.

As regras proíbem ou permitem algo em termos categóricos, são cumpridas na


lógica do tudo ou nada.

Os princípios constituem espécies normativas que traduzem valores da sociedade


inseridos na ordem jurídica (vida, honra, intimidade, liberdade, dignidade, moral,
etc.), que devem ser aplicados na medida do possível, de acordo com as
possibilidades fáticas e jurídicas. Em consequência, são considerados como
mandados de otimização. Lembrem que são esses valores que o Estado deve proteger
e respeitar. Mas, na consecução de suas atribuições esses valores podem ser
relativizados, como já foi dito anteriormente.

É nesse momento que entra a questão da ponderação. A questão é crucial. Tanto que
o professor Paulo Gonet (2008) indaga: O que acontece quando duas posições
protegidas como direitos fundamentais diferentes brigam por prevalecer numa
mesma situação? Pode uma prostituta invocar o direito de ir e vir para justificar
pedido de salvo conduto que lhe assegure fazer o trottoir?

Tendo por base a questão anterior, o agente do Estado, diante de eventual conflito
de direitos fundamentais, deve promover um juízo de valor, principalmente frente a
uma fundada suspeita, uma ponderação de valores que se assenta sobre o princípio
da proporcionalidade, que abrange três critérios: o da adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação exige que as medidas interventivas, adotadas pelo agente do Estado,


sejam aptas a atingir os objetivos pretendidos. A necessidade, também conhecida
por exigibilidade, diz respeito à escolha, dentre os vários meios existentes, do menos
gravoso para o indivíduo sujeito à atuação estatal. A proporcionalidade em sentido
estrito (também mencionada por alguns como razoabilidade) constitui um juízo
definitivo da medida sobre o resultado a ser alcançado, ponderando-se a intervenção
e os objetivos perseguidos, sobre o fundamento do equilíbrio entre um e outro.

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1


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Imagine...

É irradiado pela central de operações a existência de um veículo automotor, com três


indivíduos em seu interior, portando entorpecentes e arma de fogo. Em dado
momento, uma viatura se depara com um veículo com as exatas características
transmitidas pela central. Diante disso, os agentes devem começar a promover juízos
de valor, ponderações para que possam atuar.

É necessário abordar?
Qual a técnica a ser utilizada na abordagem?
O número de policiais garante a segurança da guarnição, da população e dos
próprios indivíduos a serem submetidos à atuação estatal?
Dentre os meios disponíveis para a busca, qual é o menos gravoso?
A atuação técnica mostra-se suficiente e equilibrada para neutralizar qualquer
tipo de reação e atingir os objetivos?

As respostas a essas indagações, em observância aos requisitos da necessidade,


adequação e razoabilidade, representam a legítima atuação dos agentes policiais,
assegurando a todos os cidadãos um agir estatal eficiente no âmbito da Segurança
Pública, mostrando-se adequado com a dignidade da pessoa humana, com o devido
respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Aula 4 – Os órgãos de Segurança Pública: limites e atribuições

Nesta aula, você vai encontrar uma abordagem que traz as consequências pelas quais
o Estado e seus agentes se submetem a uma responsabilização quando os limites de
seus atos são extrapolados. Ao final, fechando este módulo, você terá a oportunidade
de conhecer as principais atribuições dos órgãos de Segurança Pública.

Antes de começar, reflita sobre as questões abaixo.

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Pela terceira teoria de Isaac Newton “para cada ação há sempre uma reação, oposta
e de mesma intensidade”. Diante dessa teoria, você teria condições de estabelecer
uma relação entre ela e a extrapolação de limites pelo Estado, quando atua através
de seus agentes públicos?Em outro contexto, considerando sua experiência
profissional, você consegue enxergar os contornos da atividade exercida em sua
instituição?

Responsabilidade civil do Estado decorrente da atuação policial

Na atuação estatal eventualmente o agente público se desvia de suas atribuições,


podendo gerar danos aos indivíduos, à população e à sociedade.

Quando não são observados os direitos e as garantias fundamentais, quando o juízo


de ponderação de valores (adequação, necessidade e razoabilidade) não se cumpre,
gerando danos morais e/ou materiais às pessoas, o Estado, por seu agente, pratica
ato ilícito.

No sistema jurídico, a prática de atos ilícitos enseja o dever de indenizar. Nesse


sentido, veja o que estabelece o Código Civil.

Código Civil
Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes.
Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.

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Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Vale dizer que, em face do Estado, existem regras peculiares. Em outras palavras, o que se
pretende dizer é que a responsabilidade civil do Estado é objetiva. De acordo com o
estabelecido na Constituição Federal:
Art. 37 A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art3
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
No mesmo sentido, é o que define o Código Civil:
Art. 43 As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos
dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte desses, culpa ou dolo.

E o que significa responsabilidade objetiva?

É aquela na qual não se observa a existência de dolo (vontade) ou culpa


(inobservância do dever de cuidado objetivo, nas modalidades imperícia,
imprudência e negligência). O critério para sua observância decorre da análise da
existência de conduta, do dano e da lógica de causalidade entre esse e aquela.

A lógica dessa consequência é a de que se o dano foi causado pelo Estado, o qual foi
concebido para atuar em benefício e em nome da sociedade, com efeito, a
responsabilidade recairá sobre essa. Portanto, é a sociedade que suportará os custos
pelos prejuízos, os quais serão distribuídos de forma equitativa, igualitária e indireta
a cada membro.

Responsabilidade do agente público na prática de atos ilícitos

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Das ideias discorridas na página anterior, uma indagação surge: Não seria injusto
para a sociedade suportar os prejuízos decorrentes de uma responsabilidade civil,
quando foi o agente público quem deu causa de forma intencional ou sem a
observância dos cuidados mínimos exigidos?

Sim, seria. Por isso que o artigo 37, §6º, da CF/88, garante o direito de regresso
sobre o servidor público, ou seja, se ele praticou ato ilícito de forma dolosa ou
culposa, resultando na responsabilidade civil do Poder Público, e esse venha a arcar
com os prejuízos, o Estado poderá buscar as medidas cabíveis para repassar esse
encargo àquele que deu causa, assegurando, assim, a justiça.
Cabe salientar que o direito de regresso não comporta prazo prescricional (perda da
possibilidade de se cobrar o prejuízo em face do decurso do tempo), conforme
entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ esposado no RESp. nº 328.391-DF,
julgado em 08.10.2002 e publicado no DJ de 02/12/2002.

É possível, ainda, que a responsabilidade civil estatal seja excluída quando os danos
originados decorrerem de caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima.
Por fim, é possível ainda que o servidor público, além de responder diante de uma
ação regressiva, de natureza cível, venha a ser submetido a um processo
administrativo ou criminal, por ter excedido em suas atribuições, sem que isso
configure o bis in idem.

Atribuições dos organismos de Segurança Pública

Dentro da execução do contrato social, citado no início de nossos estudos, onde cada
indivíduo cede uma parcela de sua liberdade para que o Poder Público defenda e
proteja de toda a força comum a pessoa e os seus bens, há a Segurança Pública.

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Nas palavras do professor Álvaro Lazzarini (2003), a Segurança Pública constitui-se
como um aspecto da ordem pública, ao lado da tranquilidade e salubridade públicas.
Ela é causa da ordem pública, que se traduz em um estado antidelitual, livre,
portanto, da violação de bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica (vida, saúde,
integridade física, honra, patrimônio), ou seja, há ordem pública, e,
consequentemente, Segurança Pública, quando, por exemplo, no dia-a-dia o cidadão
tem a possibilidade de transitar nas vias públicas, a qualquer hora, e não ser
molestado por atos de roubo ou furto, ou mesmo, quando em viagem de férias, sua
residência não é alvo de vagabundos.

Enfim, na lição de Diogo Figueiredo Moreira Neto, lembrado por Álvaro Lazzarini
(2003), a Segurança Pública se perfaz em um conjunto de processos políticos e
jurídicos, destinados a garantir a ordem pública, sendo essa objeto daquela.

O tema guarda tanta relevância que tem reservado um capítulo (III) no título V, da
CF/88, que cuida “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. Nessa
medida, traz o artigo 144 a previsão de que o Poder Público, dentro de suas
atribuições, tem a incumbência de assegurar a preservação da ordem pública, a
incolumidade das pessoas e do patrimônio. Essa atividade une na Segurança Pública,
que é implementada através de órgãos:

Art. 144 A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,


é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - Polícia federal;
II - Polícia rodoviária federal;
III - Polícia ferroviária federal;
IV - Polícias civis; e
V - Polícias militares e corpos de bombeiros militares.

As atividades desenvolvidas por esses órgãos possuem atributos peculiares, ligados a


instrumentos aptos a preservar a ordem pública, tais como os poderes-deveres
discricionários, de polícia, autoexecutoriedade, dentre outros. Portanto, conclui-se
que essas atividades exteriorizam-se como uma típica manifestação administrativa da

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Administração Pública. Na concretização das atividades em apreço, impõe salientar
que cada órgão possui sua atribuição bem definida.

A atividade de polícia judiciária é exercida pelas polícias federal e civil e se


conclui no sentido de apurar as infrações penais (crimes/delitos e contravenções) e
de cumprir as determinações das autoridades judiciárias (juiz de 1º grau,
desembargador de Tribunal de Justiça, ministros do STJ e STF), como por exemplo,
no mandado de prisão, na busca e apreensão de bens, na realização de perícias etc.
Seus atos, em regra, são documentados em inquéritos policiais que, encaminhados
para a Justiça, tem por finalidade subsidiar o exercício de ação penal por seus
titulares (Na ação penal pública, o Ministério Público, através da denúncia; na ação
penal privada, o ofendido/vítima ou representante legal, através da queixa-crime),
ao apontar indícios de autoria e materialidade. Portanto, a polícia judiciária exerce
suas atribuições após a ocorrência do fato-crime.

De outro lado, existe a denominada polícia administrativa que tem por objeto a
prevenção do ilícito penal e não penal (ex.; polícia de trânsito de veículos
terrestres, polícia das construções, polícia aduaneira, polícia fiscal, polícia do meio
ambiente, polícia sanitária, etc.). As atividades desenvolvidas aqui são atribuídas às
polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal e polícias militares.

A linha demarcatória da polícia administrativa e da polícia judiciária é a


ocorrência ou não do ilícito penal.

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Dentro desse âmbito, segundo Álvaro Lazzarini (2003) e Maria Silvya Zanela Di Pietro
(2007), destaca-se a polícia de Segurança Pública, que, na lição de José Cretella
Júnior (Apud, Álvaro Lazzarini, 2003), tem a atribuição de prevenir a criminalidade
em relação à vida, à incolumidade pessoal, à propriedade e à tranquilidade pública e
social, ou seja, é orientada para a proteção dos bens supremos da ordem pública,
da paz e da tranquilidade social. Essa atividade é exclusiva das policiais militares,
que também exercem a polícia judiciária militar, na esfera dos crimes militares
(artigo 144, §§1º e 2º, CF/88).

Conclusão
Neste primeiro módulo, você estudou os principais aspectos das normas
constitucionais e da legislação internacional ligados aos direitos humanos, voltados
para a atuação policial.

Neste módulo são apresentados exercícios de fixação para auxiliar a compreensão


do conteúdo.
O objetivo destes exercícios é complementar as informações apresentadas nas
páginas anteriores.

1. Cite 4 (quatro) dos principais direitos e garantias fundamentais inseridos no


Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e na Convenção
Americana de Direitos Humanos.

2. De que modo os direitos e garantias fundamentais exercem influência em uma


atuação policial?

3. Na atuação policial, como a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada?

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1


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4. No que consiste as limitações constitucionais da atuação policial?

5. Qual é a distinção existente entre responsabilidade objetiva e subjetiva? Em


qual delas o agente policial poderá estar sujeito?

6. Você, como agente policial, se depara com um evento em que exige sua
atuação. Caso seja necessário promover uma busca pessoal, descreva, de acordo
com os ensinamentos discorridos aqui, os critérios para a formulação de um juízo
de ponderação, para que sua ação seja legítima e atinja sua finalidade.

7. Imagine que determinado indivíduo, proveniente de outro país, esteja no Brasil


com a finalidade de praticar ecoturismo. Um agente policial, ao ser acionado para
atender a ocorrência envolvendo essa pessoa, na qualidade de suposto autor de
infração penal, entende que os direitos e garantias fundamentais inseridos no
artigo 5º, da Constituição, apenas se destinam aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país. Diante disso, avalie se o pensamento do referido policial está
de acordo com os dispositivos contidos na CF/88.

Este é o final do módulo 1 - As normas constitucionais, a legislação internacional e


atuação policial

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1


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Módulo 2 – Aspectos Jurídicos relacionados à abordagem policial

Neste módulo, você estudará a abordagem policial propriamente dita. A ação de


abordar representa um típico ato administrativo, sendo de suma importância o
estudo de seus requisitos. Além do mais, a abordagem é uma manifestação do
dever-poder de polícia, ocasião em que o policial promoverá restrição de
determinados direitos individuais em atenção ao interesse público de manutenção da
ordem.

Como você estudará, a citada limitação, de ordem discricionária, para ser conforme
o ordenamento jurídico, deve ser justificada, não bastando a simples opção do
agente. O dever-poder de polícia, o dever-poder discricionário e a fundada suspeita
terão seu espaço garantido no estudo do módulo. Ao final, para fechar o módulo,
você estudará as buscas pessoal e domiciliar.

O conteúdo deste módulo está dividido em 4 aulas:

Aula 1 – Ato administrativo: atributos e elementos


Aula 2 – Poder-dever de polícia e poder-dever discricionário
Aula 3 – Fundada suspeita: conceituação, fundamento legal e necessidade de
elementos objetivos
Aula 4 – Busca pessoal e busca domiciliar

Aula 1 – Ato administrativo

Tendo em vista que todo profissional da área de Segurança Pública corresponde a um


agente público, logo, pratica atos administrativos e é responsável pelas suas
consequências, nada mais adequado do que estudá-los e entender a sua importância
e significado, pois, dessa forma, você poderá pautar suas condutas de acordo com o
que foi preceituado no ordenamento jurídico.

O que você entende por ato administrativo?

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 2


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É possível definir ato administrativo como o ato praticado como manifestação da
vontade do Estado, que cumpre os preceitos legais, sejam de ordem
constitucional como infraconstitucional, visando produzir efeitos jurídicos
concretos para atingir o interesse público.
Antes de prosseguir, leia os conceitos sobre ato administrativo mais utilizados no
mundo jurídico.

Diversos conceitos de ato administrativo

O doutor Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 368) conceitua da seguinte forma:
“Declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário
de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante
providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a
controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.

Já para o renomado Helly Lopes Meirelles (2001, p. 141), “ato administrativo é toda
manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade,
tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar
direitos ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.

Por fim, Carvalho Filho (2007, p. 92) considera ato administrativo como a “exteriorização da
vontade da Administração Pública ou de seus delegatários que, sob regime de direito público,
tenha por fim adquirir, resguardar, modificar, transferir, extinguir e declarar situações
jurídicas, com o fim de atender ao interesse público.”

O que deve ficar claro para você é que o profissional da área de Segurança Pública
é um agente público, representante do Estado, e como tal deve pautar suas ações
no interesse público, tendo o dever de praticar todos os seus atos dentro da
legalidade. Daí a necessidade de estudar diversas matérias, dentre elas, o ato
administrativo.

Agora que você já sabe o que significa o ato administrativo e a correspondente


importância para a sua atividade profissional, estude um pouco mais, lendo os seus
atributos e elementos.

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Atributos do ato administrativo

Você deve estar se perguntando:


Por qual motivo devo conhecer os atributos do ato administrativo?

O atributo nada mais é do que uma qualidade do ato, ou seja, algo que o
particulariza, que o distingue. Ao conhecer essas características você será capaz de
fazer a distinção entre um ato de particulares e um ato do Poder Público.

Os atributos prestigiam a ação do Poder Público sobre o particular.

Ex: Se um particular lhe der uma ordem, você a cumprirá se quiser; por outro lado,
uma ordem originária do Poder Público deve ser observada, sob pena de gerar
responsabilidade, nos termos do ordenamento jurídico. Veja que uma das formas
dessa ordem ser emanada é por você, agente da Administração Pública!

Os atributos do ato administrativo correspondem às suas características,


circunstância que o destaca como sendo proveniente do Poder Público. São elas:
Presunção de legitimidade;
Imperatividade; e
Autoexecutoriedade.

Para uma melhor compreensão, estude, separadamente, cada uma das


características.

Presunção de legitimidade

Por esse atributo presume-se que, em princípio, a ação do Poder Público está em
conformidade com a lei, ou seja, que o ato administrativo foi praticado e/ou
elaborado de acordo com a legislação em vigor.

Princípio
Dizem em princípio, pois pode haver prova em contrário, já que aquele que se sentir
prejudicado poderá, posteriormente, se insurgir contra o ato praticado.

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Nesse caso, a administração pública não precisará provar que seu ato é legal, caberá
àquele que se sentir prejudicado demonstrar sua ilegalidade. Ocorre dessa forma
justamente porque se aceita que ao ser editado ou praticado está em conformidade
com o ordenamento jurídico.

A consequência desse atributo é a pronta execução do ato administrativo, que será


imediatamente aplicado, pois é considerado válido (legal) desde o seu nascimento.
Sendo assim, a administração pública faz com que o particular, de pronto, aceite sua
ação.

Antes de continuar, reflita se todos os atos administrativos gozam de presunção de


legitimidade, tendo aplicação imediata aos administrados. Em caso positivo, o que
pode fazer um administrado, caso se sinta prejudicado?

Imperatividade

Imperativo refere-se a algo imposto. O ato administrativo já nasce imperativo. Essa


característica está diretamente relacionada com o seu cumprimento ou execução.

Esse atributo permite que a administração pública imponha diretamente seus atos,
independentemente da anuência ou concordância dos administrados atingidos.

Em decorrência desse atributo, o ato administrativo é coercitivo e gera obrigações ao


seu destinatário, a esse cabe apenas cumprir o que lhe for determinado, não há
possibilidade de negociação, já que aqui se prestigia o interesse público em
detrimento do interesse do particular.

A administração pública ao editar um ato não precisa ter o consentimento de seus


destinatários, ocorrendo apenas, a imposição de seu cumprimento.

É importante que você saiba que essa característica não está presente em todos os
atos administrativos, mas tão-somente nos que impõem obrigações, pois existem atos
que são solicitados pelo próprio administrado, tais como as certidões e os atestados,

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nos quais não há que se falar em imperatividade, porque não impositivos. É por isso
que não cabe ao cidadão escolher se pode ser abordado ou não.

Autoexecutoriedade

Você já aprendeu que os atos administrativos presumem-se legais, até prova em


sentido contrário, e que são aplicados imediatamente, sem necessidade de aprovação
do destinatário.

Agora, você aprenderá que o ato administrativo possui também o atributo da


autoexecutoriedade, o qual possibilita que o Poder Público faça cumprir as suas
decisões sem a necessidade de autorização prévia do Poder Judiciário. Significa que
o ato basta por si só, não há necessidade de qualquer manifestação do Poder
Judiciário para impor o seu cumprimento.

É importante que você reflita que muito embora não precise de autorização do Poder
Judiciário, a parte que se sentir prejudicada poderá buscar amparo nele, frente ao
disposto no inciso XXV, artigo 5º, da Constituição Federal, como já estudado no
atributo da presunção de legitimidade.

A autoexecutoriedade é de suma importância para a sua atividade de profissional da


área de Segurança Pública, uma vez que é dele que vem a possibilidade do uso da
força, pois a administração pública pode fazer cumprir as suas determinações, sem
precisar recorrer ao Judiciário e, caso necessite, o fará de forma coercitiva.

Elementos do ato administrativo

Você já estudou que os atributos são as qualidades do ato, agora estudará que o ato
administrativo possui elementos indispensáveis, também chamados requisitos, para
a sua existência.

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Os elementos ou requisitos são as partes que integram a estrutura do ato. São
eles:

Sujeito;
Objeto;
Forma;
Finalidade; e
Motivo.

Como foi feito com os atributos, estude cada um dos elementos separadamente.

Sujeito

É quem produz o ato administrativo, trata-se daquele a quem a lei atribui


competência para praticá-lo. Esse elemento também é conhecido como
competência, referindo-se ao conjunto de atribuições outorgadas por lei.

A lei é que dá ao agente da Administração Pública a capacidade de praticar o ato


administrativo.

Tal requisito deve ser analisado sob dois aspectos:


Primeiro é necessário verificar se a pessoa jurídica de direito público e seus
respectivos órgãos têm atribuição para a prática do ato. No caso do profissional da
área de Segurança Pública, tal atribuição está elencada nos parágrafos do artigo 144
da Constituição da República. Nele, você encontrará as atribuições específicas da sua
instituição.

Num segundo momento, deverá observar se tal competência é distribuída entre os


seus servidores.

A Constituição de 1988 estabeleceu a competência do seu órgão, tornando-o


responsável por determinada parcela da Segurança Pública. Dentro dessa
responsabilidade, a lei criou os cargos da sua instituição atribuindo-lhes competência

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para realizar diversos atos administrativos, dentre eles a abordagem, que é o objeto
do nosso estudo.

É imprescindível que o agente público que realiza a abordagem policial esteja no


exercício do cargo ou função, já que a lei destinou competência a esses e não às
pessoas. Outro aspecto importantíssimo da competência é que ela é vinculada à lei,
possuindo limites estabelecidos no ordenamento jurídico. Ao realizar a abordagem,
você deverá sempre respeitar esses limites, sob pena de incorrer em abuso de poder,
conduta que poderá caracterizar um dos crimes previsto na Lei de Abuso de
Autoridade, que será estudada no módulo 3.

Objeto

Também conhecido como conteúdo, o objeto é o resultado prático do ato. Por


exemplo, no ato administrativo em que o agente de trânsito (sujeito) aplica uma
multa, o objeto do ato consiste na imposição de penalidade administrativa pelo
descumprimento de um mandamento legal.

O objeto do ato administrativo deve ser:

● Lícito
O objeto está previsto e é autorizado em lei. A abordagem policial está prevista no
Código de Processo Penal Brasileiro, que será visto na aula 4.

● Determinado
Deve ser certo quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar. A partir
desse entendimento, você, como aplicador da lei, não poderá realizar uma
abordagem indistintamente. Ao limitar o direito individual, deverá precisar a(s)
pessoa(s), o momento e o lugar em que a ação será levada a efeito, bem como o
tempo necessário para realizá-la com segurança.

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Forma

A lei determinará de que forma o ato administrativo poderá ser exteriorizado. É o


modo pelo qual a administração pública expressa a sua vontade, podendo ser:

● Escrito
Por meio de regulamentos, decretos, leis, dentre outros. Por exemplo, o mandado de
busca e apreensão, o qual deverá ser essencialmente escrito e emanado pela
autoridade judiciária competente, conforme preconizado no Código de Processo
Penal.

● Verbal
A abordagem é um excelente exemplo de ato verbal. Isso não significa que poderá
passar à margem da lei, pois é ela que estabelece as regras que deverão ser
respeitadas pelo profissional de Segurança Pública no desempenho de seu mister.

● Gestos
Os sinais que o agente de trânsito realiza com as mãos e braços.

● Sonoros
O emprego de apitos pelos agentes de trânsito, por exemplo.

Finalidade

Esse elemento refere-se ao resultado específico que cada ato deve produzir, qual
bem de ordem pública visa atingir. Em outras palavras, todo e qualquer ato
administrativo tem que buscar uma razão de interesse público, visando sempre o
bem comum. Além disso, o ato deve basear-se na finalidade descrita na norma,
expressão máxima do interesse comum, que atribui competência ao agente para a
sua prática.

O objetivo da abordagem é a preservação ou restauração da ordem pública, ao


realizá-la o policial sempre visará a Segurança Pública e não a satisfação de anseios
pessoais.

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policial que abordar aleatoriamente, sem finalidade específica, incorre em desvio de
finalidade, mais uma vez, sujeito a Lei de Abuso de Autoridade, além disso, o ato
poderá ser declarado nulo, em tese, por não possuir todos os seus elementos.
Desvio de finalidade ou desvio de poder corresponde ao vício que atinge o ato
administrativo sempre que for praticado fora da finalidade previamente estabelecida
em lei.

Motivo

É a causa, é o porquê do ato, é o fato de origem que irá exigir ou autorizar a


administração pública a praticar o ato administrativo.

O motivo é diferente da finalidade porque antecede ao ato, corresponde aos fatos


que levam o agente a executá-lo, enquanto a finalidade é o objetivo que a
administração visa com sua edição.

Aula 2 – Poder-dever de polícia e poder-dever discricionário

Na aula anterior, você aprendeu sobre o ato administrativo: seus atributos e


elementos. Nesta aula, você estudará os dois poderes da administração: poder-dever
discricionário e poder-dever de polícia.

É importante você saber, conforme José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 37) que:
“O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito público
outorgada aos agentes do Estado. Cada um desses terá a seu encargo a execução de
certas funções. Ora, se tais funções foram por lei cometidas aos agentes, devem eles
exercê-las, pois que seu exercício é voltado para beneficiar a coletividade. Ao fazê-
lo, dentro dos limites que a lei traçou, pode dizer-se que usaram normalmente os
seus poderes.”

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Uso do poder, portanto, é a utilização normal, pelos agentes públicos, das
prerrogativas que a lei lhes confere.
Reflita! É um poder ou um dever-poder?

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “embora o vocábulo poder dê a


impressão de que se trata de faculdade da administração, na realidade trata-se de
um poder-dever, já que reconhecido ao Poder Público para que exerça em benefício
da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis”.

Poder- dever discricionário

Termo extremamente usual na atividade policial e nas escolas de formação. Não é


por acaso que você o ouve a todo instante, ele está diretamente ligado à atividade
de Segurança Pública.

O poder discricionário caracteriza um poder de escolha, que não é aleatória, tem


alguns limites estabelecidos em lei. Esse poder possibilita que a administração
pública pratique seus atos administrativos com liberdade na escolha de sua
conveniência, oportunidade e conteúdo.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Melo (2007, p. 414), a discricionariedade é


a liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: “A
margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este
cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do
caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos
objetivos consagrados no sistema legal”.

Essa liberdade se origina no fato de que só o administrador possui condições de


analisar se a prática do ato é conveniente e oportuna, visto que é ele quem está em
contato com a realidade da sua atividade.

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Relembrando...

Você se recorda do ato administrativo? Você estudou na aula passada, dentre outros
assuntos, seus atributos e elementos, indispensáveis à sua existência.

Nesse ponto, é possível dizer que o poder discricionário não alcança todos os
elementos do ato administrativo, ele está consolidado apenas no motivo e no
objeto, pois os demais (sujeito, a forma e a finalidade) são sempre vinculados à
lei. A administração pública só poderá exercer a escolha nos casos em que a lei não
vincular o objeto e o motivo.

Ex: Um exemplo de exercício do poder-dever discricionário é a nomeação para cargo


em comissão, hipótese em que o administrador público, através de um ato
administrativo, possui liberdade de escolha para nomear aquele que for de sua total
confiança.

Pensamento semelhante ocorre na abordagem policial. Você, profissional da área de


Segurança Pública, terá a liberdade de escolha, dentro dos requisitos da fundada
suspeita (tema da próxima aula) quanto aos motivos para submeter um cidadão à
abordagem policial.

Discricionariedade X Arbitrariedade
Embora ambos tragam a ideia de liberdade de escolha, são inconfundíveis.

A discricionariedade é o exercício da escolha dentro dos limites da lei. Enquanto


a arbitrariedade corresponde ao abuso da discricionariedade, já que extrapola ou
é contrária aos limites legais.

É importante que você reflita acerca da grande responsabilidade que possui, pois,
diferentemente, dos demais agentes públicos, o policial, no desempenho de seu
labor, limita a liberdade das pessoas, sendo assim, se o seu ato for arbitrário,
possivelmente, acarretará grandes abusos.

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Poder de polícia

poder-dever de polícia corresponde ao poder que a administração tem de limitar


o exercício de direitos individuais em benefício da coletividade.

Esse poder constitui um meio posto à disposição da administração pública, para


conter, caso necessário, os abusos praticados pelos particulares no gozo de suas
liberdades. Em outras palavras, é através do poder de polícia que a liberdade e a
propriedade dos indivíduos são passiveis de restrição, com o intuito de beneficiar a
coletividade.

Através do poder de polícia a lei confere a você, agente público, mecanismos para
restringir os abusos do direito individual. A abordagem policial nada mais é do que
um desses instrumentos.

Por sua relevância, o poder de polícia não escapou do labor legislativo, sendo
definido no artigo 78, do Código Tributário Nacional.

Código Tributário Nacional


Art. 78 Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato,
em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à
disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado
pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e,
tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Por que o poder de polícia está conceituado no Código Tributário Nacional?


Não é o poder de polícia algo inerente às atribuições policiais?

Na Administração Pública, seja federal, estadual ou municipal há diversos órgãos não


elencados no artigo 144, da CF/88, que exercem o poder de polícia. Por exemplo, a
Vigilância Sanitária, a qual incumbe inspecionar determinados estabelecimentos

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comerciais concedendo-lhes habilitação para funcionamento. Essa inspeção é
manifestação inequívoca do poder de polícia, situando onde há uma fiscalização do
Poder Público visando ao interesse de todos, já que o novo estabelecimento deve
obedecer às condições de higiene para funcionar.

Observe que será tratado sempre do “poder de polícia”


(http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=rhc%201833) e não do
“poder da polícia”, já que esse não é exclusividade dos órgãos da Segurança
Pública.

Atributos do poder de polícia

Como já estudado no ato administrativo, atributos são qualidades e aqui


correspondem à:

- Discricionariedade
Trata-se da liberdade de escolha dentro dos limites legais, da oportunidade e
conveniência para exercer o poder de polícia. A administração pública também
possui a liberdade de empregar os meios que julgar mais condizentes para atingir a
sua finalidade, a qual será sempre relacionada à proteção de algum interesse
público. Observe que o ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a
ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e a forma de sua
realização. Nesse caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a
todas as exigências da lei ou regulamento pertinente.

- Autoexecutoriedade
A administração decide e executa diretamente suas decisões, por seus próprios
meios, sem precisar de autorização de outro poder, seja o Judiciário, seja o
Legislativo, para agir.
Como você já estudou, no atributo do ato administrativo, caso o particular se sinta
prejudicado pode reclamar perante o Poder Judiciário, com fundamento primeiro no
inciso XXXV, artigo 5º, da Constituição Federal.

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- Coercibilidade
As medidas administrativas possuem caráter impositivo, sendo de observância
obrigatória para o particular. A administração pode até usar da força, desde que
pautada na proporcionalidade, necessidade e legalidade, para impor as suas ações e
vencer qualquer resistência do administrado.

Você, policial, sabe que para realizar a abordagem, dentro dos limites legais, não há
a necessidade de autorização judicial, pois o seu ato possui autoexecutoriedade. O
mesmo ocorrerá diante da recusa do abordado em obedecer a seu comando, quando
você poderá empregar a força necessária para fazer valer sua determinação, que é
legítima expressão da vontade estatal. Esse ato de coerção, do mesmo modo,
independe da autorização judicial.

Ex: Fechamento de um estabelecimento por não atendimento das condições de


higiene. O particular não pode chegar e determinar que seja fechado, contudo, a
Administração não deve somente fechar, como também pode utilizar a força policial
para cumprir o seu ato, caso o administrado se oponha.

Extensão e limitações ao poder de polícia

A extensão do poder de polícia é muito ampla, abrange diversas áreas de atuação da


administração pública, que vão desde a proteção à moral e aos bons costumes,
passando pela preservação da saúde pública, pelo controle de publicações, pela
segurança das construções e dos transportes, até os aspectos afetos à segurança
nacional.

Já os limites de tal poder são estabelecidos pela compatibilização dos direitos


fundamentais da pessoa, já estudados por você no módulo 1, com o interesse da
coletividade. Há uma linha, insuscetível de ser ignorada, que reflete a junção entre o
poder restritivo da administração e a intangibilidade dos direitos assegurados aos
indivíduos. Atuar aquém dessa linha demarcatória é renunciar ilegitimamente a
poderes públicos; agir além dela representa arbítrio e abuso de poder.

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Segundo a atualizada lição de Hely Lopes (2001, p. 126), “os limites do poder de
polícia administrativa são sempre demarcados pelo interesse social em
conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na
Constituição da República”. Os Estados Democráticos, por se inspirarem nos ideais
da liberdade, clamam pelo equilíbrio entre a fruição dos direitos de cada um e os
interesses da coletividade, em prol do bem comum.

As limitações pautam-se na necessidade, proporcionalidade e eficácia.

Necessidade
O poder de polícia só deve ser empregado quando for necessário para evitar possíveis
ameaças de perturbações ao interesse público, se outro meio menos gravoso existir
para a preservação da ordem, deverá ser utilizado com prioridade.

Proporcionalidade
Precisa existir uma relação de equilíbrio entre a limitação ao direito individual e o
prejuízo a ser evitado.

Eficácia
O ato deve ser apropriado para impedir o dano ao interesse público, empregando
meios legais e humanos, a fim de evitar medidas extremas. Mesmo com o intuito de
realizar o bem comum, não é permitido ao agente público utilizar de meios ilícitos
para atingir seu intento, pois os fins não justificam os meios.

Lembre-se de que seus atos atingem diretamente a liberdade individual, em


decorrência, exerça seu labor sempre pautado na legalidade, sob pena de causar a
invalidação do ato administrativo praticado e, mais grave ainda, afrontar
diretamente os direitos e garantias individuais estabelecidos na CF/88.

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Aula 3 – Fundada suspeita: conceituação, fundamento legal e necessidade
de elementos objetivos

Nesta aula, você estudará sobre a fundada suspeita, levando em conta seu conceito,
fundamento legal e a necessidade de elementos objetivos para a sua caracterização.

Prepare-se! Você estudará um aspecto essencial à sua atividade policial.

Fundada suspeita

Você, como profissional da área de Segurança Pública, sabe o quanto as suas atitudes
são questionadas.

As reclamações são potencializadas quando se trata da abordagem, já que


NINGUÉM GOSTA DE SER ABORDADO.

Não é difícil entender o motivo que leva as pessoas, quase que na sua totalidade, a
reclamar de qualquer intervenção policial, pois, de uma forma ou de outra, limita-
se, com essa ação, o seu direito. Dificilmente você ouvirá alguém dizer: “muito
obrigado senhor policial por me abordar!”.

É pouco provável que o cidadão saia contente após sofrer uma ação policial, como
colocado, seus interesses são de alguma forma atingidos. Contudo, quando percebe
que está sendo submetido a uma medida restritiva de direitos aplicada por um
profissional especializado, detentor do conhecimento pleno de suas atitudes, que
atua em prol do bem comum, passa a compreender e colaborar com o labor policial.

O maior intuito dessa aula é criar condições para habilitá-lo a realizar a abordagem
policial de acordo com o ordenamento jurídico pátrio com o fito de suas ações,
mesmo após análise do judiciário, serem consideradas legítimas e coerentes na sua
totalidade.

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Conceito

Você já deve ter escutado o termo fundada suspeita em sua vida profissional,
possivelmente, desde os cursos de formação. Diferentemente do poder de polícia,
ele ainda não foi conceituado em nenhum diploma legal.

Embora apareça transcrito em uma lei, citada em linhas futuras, e no Código de


Processo Penal, a doutrina pouco escreve a respeito do tema. Mesmo assim é
largamente utilizado por diversos profissionais, dos policiais aos juristas, por
exemplo, o julgado do Supremo Tribunal Federal, abaixo destacado, onde a fundada
suspeita consta do relatório:

"O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser
adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou
reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de
que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios
policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como
balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade." (HC 89.429), Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 22-08-06, DJ
de 02-02-07). No mesmo sentido: HC 91.952, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
07-08-08, Informativo 514.

A suspeita é a atitude do cidadão, é a forma como ele age que leva, você, policial,
a suspeitar de uma possível situação ilegal, merecedora de verificação.

Jamais pode se dizer que “a pessoa é suspeita”, o cidadão por si só não carrega
essa característica. Sem dúvidas, a adjetivação de suspeita deve recair sobre
condutas.

Reflita...

Seria possível estabelecer uma espécie de tabela com os detalhes físicos de quem
é suspeito e de quem não o é?

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Óbvio que a preconização desses parâmetros seria repleta de ilegalidades,
afrontando a moralidade e todos os demais pilares democráticos que a sociedade
atual alcançou. Mais que isso, a atuação do profissional de Segurança Pública
baseada em estereótipos não gera a manutenção da ordem e da paz social, ao
contrário, só produz injustiça e sensação de insegurança.

Lembre-se
Não existem pessoas suspeitas e sim, pessoas em atitudes suspeitas!
A suspeição não guarda relação com sexo, raça, nível social, dentre outros.

O cidadão por si só não é suspeito, o que leva a efetiva abordagem policial são as
suas atitudes, que por algum motivo destoam da realidade daquele momento.

Do que você estudou aqui, é possível obter que a fundada suspeita baseia-se no
entendimento do agente público, que ao visualizar determinado fato, pressupõe
que nele há fortes indícios de ilegalidade.

Observa-se que o pressuposto de indícios é apoiado essencialmente em critérios


subjetivos, pois é intrínseco ao policial. Você verá que não basta o subjetivismo para
respaldar sua abordagem, mostrando-se também necessária certa dose de critérios
objetivos, ou seja, elementos capazes de caracterizar a conduta do cidadão como
suspeita.

A subjetividade integrante da fundada suspeita origina-se na própria lei, porque o


legislador permitiu uma larga margem para a apreciação do policial, sendo expressão
de toda a sua experiência e conhecimento profissional, espelhado em seu conteúdo
técnico-policial.

Lembra o que estudou a respeito da discricionariedade?

A administração executa o ato de acordo com a oportunidade e conveniência. O


mesmo ocorre na abordagem, situação em que o policial procede sustentado na
discricionariedade e nos demais elementos de convicção, escolhendo, para tanto, o

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melhor local e momento de fazê-lo, visando sempre o bem comum, o interesse da
coletividade.

Fundamento legal

O termo fundada suspeita está transcrito em dois diplomas legais, a saber:

● Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal


Brasileiro; e,
● Lei nº 10.054, de 07 de dezembro de 2000 – Lei da Identificação Criminal.

No Código de Processo Penal Brasileiro a sublinhada expressão aparece por duas


vezes, a primeira no artigo 240 e a outra no artigo 244. Ambos os dispositivos
pertencem ao capítulo XI, que trata da busca e apreensão.

Código de Processo Penal Brasileiro


Art. 240 A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) Prender criminosos;
b) Apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) Apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou
contrafeitos;
d) Apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou
destinados a fim delituoso;
e) Descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) Apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando
haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) Apreender pessoas vítimas de crimes; e
h) Colher qualquer elemento de convicção.
§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém
oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo
anterior.

Código de Processo Penal Brasileiro


Art. 244 A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver
fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis

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que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca
domiciliar.

Observe que a fundada suspeita só foi referida pelo legislador quando da busca
pessoal, vez que a busca domiciliar apoia-se em requisitos que serão tema da
próxima aula.

A Lei de Identificação Criminal – Lei nº 10.054/00


(http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/caocrim/legislacao/leis/lei_10054_2000.pdf) – a
fundada suspeita é reproduzida uma única vez, pontualmente no inciso II, do artigo
3º. Observe que essa lei não abrange todas as pessoas, só estão sujeitos aos seus
termos:
● Os presos em flagrante delito;
● Os indiciados em inquérito policial;
● Aqueles que praticaram infração de menor potencial ofensivo, definidas, em
homenagem ao princípio da reserva legal, no artigo 61, da Lei nº 9.099/95 e no artigo
2º, da Lei nº 10.259/(01); e
● Aqueles contra os quais tenha sido expedido mandado de prisão judicial.

Em resumo, aquele que se encontrar em uma das situações acima descritas,


mesmo possuindo documento original que comprove sua identificação civil,
poderá ser submetido à identificação criminal, desde que haja a fundada suspeita
de que tal documento tenha sofrido algum tipo de adulteração ou falsificação.

Reflexão
Embora essa lei não trate especificamente da abordagem policial, ela nos leva a uma
questão interessante: Como você deve agir nos casos em que ao abordar um cidadão
ele se nega a fornecer a sua respectiva identificação?

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Apesar da abordagem ser uma atividade de rotina, não são raras as ocasiões em que
o policial possui dúvidas de como agir quando o cidadão desacata a ordem de se
identificar.

Partindo do princípio que a abordagem não foi arbitrária, possuindo os elementos


caracterizadores da fundada suspeita, o policial deverá agir em conformidade com o
ordenamento jurídico, evitando atentar contra a integridade física e moral do
cidadão abordado.

Nesse exemplo, basta você, policial, conhecer o ordenamento jurídico para constatar
que a não-identificação, quando legalmente solicitada, configura delito, conforme
mostra o Decreto-lei nº 3.688.

O artigo 68, da Lei das Contravenções Penais, é referente à administração pública,


por isso, o bem jurídico tutelado é o seu normal funcionamento. A norma busca
fornecer condições para que as funções administrativas possam ser levadas a efeito e
exercidas com normalidade.

DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.


http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEL%203.688-
1941?OpenDocument

Lei das Contravenções Penais

O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o artigo 180 da
Constituição,

DECRETA:

LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS

Art. 68 Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos,


dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e
residência:
Pena – Multa de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Parágrafo único. Incorre na pena de prisão simples, de um a seis meses, e multa, de
duzentos mil réis a dois contos de réis, se o fato não constitui infração penal mais grave,
quem, nas mesmas circunstâncias, faz declarações inverídicas a respeito de sua identidade
pessoal, estado, profissão, domicílio e residência.

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Recusar à autoridade

O verbo recusar indica que houve uma solicitação ou determinação anterior que não
foi obedecida e sim, rejeitada.

A autoridade descrita no tipo pode ser qualquer servidor público, desde que esteja
imbuído do poder-dever de polícia inerente àquela função, ou seja, tem que estar no
exercício do cargo, emprego ou função.

No caput do artigo pune-se a conduta do sujeito que se recusa a fornecer seus dados
quando solicitado ou exigido. Por sua vez, o parágrafo único tipifica a ação daquele
que faz afirmações inverídicas sobre seu estado natural.

Cultura jurídica

Você sabe apontar a diferença entre o artigo 307, do Código Penal, e o artigo 68,
da LCP?

No artigo 307 a pessoa, ao recusar o fornecimento de dados identificadores, busca


vantagem para si. Por exemplo, seria o caso daquele que por constar como
“procurado” da Justiça fornece ao policial documento de seu irmão, passando-se por
ele, para não ser preso.

Já na contravenção a recusa não traz benefício algum para o sujeito passivo.


A lei não obriga a pessoa portar documento que a identifique. Entretanto, a pessoa é
obrigada a fornecer os dados que possibilitem a sua identificação.

Cabe salientar que, de acordo com o § 1º, do artigo 159, do Código de Trânsito
Brasileiro – CTB, se o abordado estiver na direção de veículo automotor deverá estar
portando, obrigatoriamente, a Carteira Nacional de Habilitação ou a Permissão para
Dirigir.

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LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997.
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.503-
1997?OpenDocument
Institui o Código de Trânsito Brasileiro.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 159 A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as
especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá
fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de
identidade em todo o território nacional.
§ 1º É obrigatório o porte da Permissão para Dirigir ou da Carteira Nacional de
Habilitação quando o condutor estiver à direção do veículo.

Ao realizar uma abordagem legítima, você sabe que diante da recusa do cidadão em
identificar-se haverá, no mínimo, uma contravenção penal.

Necessidade de elementos objetivos

O último tema dessa aula refere-se ao fato de que o policial não pode ficar restrito
apenas à sua subjetividade ao abordar alguém.
A atitude da pessoa pode ser considerada suspeita por uma série de características,
sendo que todas elas, obrigatoriamente, deverão ser incomuns diante da realidade do
lugar, momento, situação climática, dentre outros. Significa que a abordagem
legítima requer a existência de elementos concretos e sensíveis, anteriores a
execução do ato, os quais demandarão a real necessidade de limitação dos direitos e
garantias fundamentais.

Sabe-se que o rol de elementos objetivos é infindável, variando muito de acordo com
o lugar, costumes, cultura, só para exemplificar. Entretanto é imprescindível que
exista, pois é parte integrante da motivação do ato, logo, é requisito essencial para a
sua validade.

Os tribunais pátrios têm acenado nesse sentido, veja alguns exemplos:

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Supremo Tribunal Federal
A fundada suspeita, prevista no artigo 244, do CPP, não pode fundar-se em
parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a
necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso,
de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de
que trajava, o paciente, um ‘blusão’ suscetível de esconder uma arma, sob risco de
referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e
caracterizadoras de abuso de poder." (Supremo Tribunal Federal, HC nº 81.305-4/GO,
1ª Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, J. 13.11.01, v.u., DJU 22.02.02, p. 35).

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


TRÁFICO DE ENTORPECENTES. Modalidade trazer consigo. Preliminar de cerceamento
de defesa em razão do indeferimento do pedido de exame de dependência
toxicológica e ilegalidade da busca pessoal. IMPOSSIBILIDADE. Análise do magistrado
quanto à necessidade de tal exame, não podendo ser indeferido por mera alegação
de uso. A mera aferição de que o apelante usava o entorpecente não tem o condão
de desvincular o tipo penal em que se encontra incurso se, ante todo o conjunto
probatório, não encaminhar para a desclassificação. BUSCA PESSOAL que fundada na
suspeita de estar cometendo ilícito. Local dos fatos conhecido como venda de
drogas. Agente que ao ver a viatura policial apresenta atitude suspeita sendo
abordado e em seu poder é encontrado o entorpecente. Quantidade de droga
apreendida incompatível com o uso, depoimento dos policiais no sentido de que
confessou que a droga era destinada para a venda e não comprovação de seu álibi
configuram a tipicidade da conduta. (TJ-SP – AP – 6ª C. – Rel. Ruy Alberto Leme
Cavalheiro – J. 14.06.06). Constrangimento ilegal. Policial militar que, devidamente
fardado e em horário de folga, recebe informação sobre a presença, dentro de
estabelecimento comercial, de um indivíduo suspeito e procede a busca pessoal.
Absolvição. Necessidade: - deve ser absolvido da prática do delito previsto no artigo
146, "caput", do CP, nos termos do artigo 386, III, do CPP, o agente que, sendo
policial militar, devidamente fardado e em horário de folga, recebe informação sobre
a presença, dentro de estabelecimento comercial, de um indivíduo suspeito e
procede, devido à fundada suspeita e nos moldes do artigo 240, § 2º, do CPP, a busca
pessoal, uma vez que esta é autorizada por lei, sendo certo, ainda, que o fato do
policial estar fardado e portando arma não implica, por si só, em violência ou grave

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ameaça. (TACRIM-SP – AP – 8ª C. – Rel. RENÉ NUNES – J. 29.11.01). O excesso
desnecessário na busca e apreensão, a pretexto de se colher material para a
formação do corpo de delito, constitui ilegalidade. Lesa o direito líquido e certo do
impetrante, autorizando a concessão do mandado de segurança (TACRIM-SP – MS – 6ª
C. – Rel. Fernandes Rama – J. 29.12.81 – RT 565/341). "A busca é autorizada nos casos
previstos no artigo 240 e ss. do CPP, como exceção às garantias normais de liberdade
individual. Mas, como exceção, para que não degenere a medida, sem dúvida
violenta, em abusivo constrangimento, a lei estabelece normas para a sua execução,
normas que devem ser executadas com muito critério e circunspecção pela
autoridade" (TJSP – AP – Rel. Dalmo Nogueira – RT 439/360).

Aula 4 – Busca pessoal e busca domiciliar

Nesta aula será estudada a busca pessoal e a domiciliar. É importante que saiba que
há um curso na Rede Nacional de EAD que trata desse assunto de forma mais
aprofundada. Aqui o foco será nos principais aspectos do ordenamento jurídico sobre
o tema.

É imprescindível que você leia o Capítulo XI, do Código de Processo Penal – CPP.

Busca pessoal

A busca pessoal é aquela realizada na própria pessoa. Abrange as vestes e os


demais objetos que com ela estiverem, como bolsa, carteira, mala, veículo,
dentre outros.
Pode ser feita através de forma:
● Ocular: O policial solicita que o cidadão mostre-lhe o conteúdo de uma mala, por
exemplo.
● Manual: Existe contato físico entre o policial e o cidadão ou entre aquele e os
pertences do abordado.
● Mecânica: Através de aparelhos específicos, por exemplo, os detectores de metais
e raio-x, como os utilizados em aeroportos.

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Tendo em vista que restringe a liberdade individual (direito de ir, vir e ficar), a busca
pessoal tem limites, que ao serem extrapolados podem caracterizar violação à
intimidade, constrangimento ilegal, abuso de poder, dentre outros. Nesse sentido,
veja a seguir a manifestação de um órgão do Poder Judiciário sobre o tema:

1. A busca pessoal é autoexecutável, ou seja, independe de mandado judicial,


desde que haja a fundada suspeita, já estudada na aula anterior.
2. Diferentemente da busca domiciliar (regida pela CF/88, artigo 5º, inciso XI e
CPP, artigo 245 e seguintes), a busca pessoal pode ser realizada a qualquer
dia e horário.

Busca pessoal em mulheres

O CPP, em seu artigo 249, estabeleceu que:

“A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou
prejuízo da diligência.”

Observe:
Primeiramente, o artigo não restringe que uma mulher faça a busca pessoal em um
homem. Mas, por questão de bom senso, se numa equipe policial tiver um homem,
não há porque a policial realizar a busca em pessoa do sexo masculino. Por outro
lado, a própria norma não proíbe que o policial faça a busca em mulher, entretanto a
restringe. Significa, em outras palavras, que nos casos excepcionais, em que não
houver policial feminina, o policial poderá executá-la. Mas reflita, se assim o fizer,
estará agindo na exceção da lei, em decorrência, além de fundamentar o ato de
abordar, deverá se preocupar para que o constrangimento causado seja o menor
possível.

Ex: Há forte suspeita que a abordada possua uma arma sob suas vestes e não há
policial feminino para verificar, o que fazer? Nesse caso, perfeitamente cabível que o
policial proceda na abordagem, na legítima intenção de garantir a ordem e a
Segurança Pública.

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Busca veicular
Para verificar se é permitida ou não a busca veicular, analise antes o conceito de
casa/domicílio, já que o que ocasiona dúvidas é se o carro seria ou não extensão do
mesmo, portanto também inviolável.

Veja o que estabelece a Constituição Federal e o Código Penal Brasileiro – CP, que
também traz em seus dispositivos o vocábulo “casa”.

Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:XI - A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Código Penal Brasileiro


Art. 150 Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade
expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:§ 4º
A expressão "casa" compreende:I - Qualquer compartimento habitado;II - Aposento
ocupado de habitação coletiva; eIII - Compartimento não aberto ao público, onde
alguém exerce profissão ou atividade.§ 5º - Não se compreendem na expressão
"casa":I - Hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto
aberta, salvo a restrição do nº II do parágrafo anterior; eII - Taverna, casa de jogo e
outras do mesmo gênero.

A Constituição Federal trata do termo casa, estabelecendo que é o asilo


inviolável, resguardando algumas hipóteses.

O termo “casa” é muito abrangente e o legislador quis proteger todo e qualquer


compartimento privado não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou
atividade. Ou seja, o local, para ser considerado casa, não pode ser acessível ao
público e tem que haver delimitação espacial.

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No caso de um hotel, os quartos são utilizados como moradia, logo, são acobertados
pela expressão casa, o mesmo não ocorrendo em relação aos corredores e ao saguão.
O domicílio aqui não é o fixo, que exige o ânimo de residência, acompanhando a
pessoa que está hospedada em qualquer lugar.

Mas a dúvida é: E o carro, está compreendido no termo casa? É inviolável?

Bom, existem hipóteses em que o veículo pode ser considerado a extensão do lar,
portanto, inviolável. Veja:
● Se o carro está na garagem da casa;
● Se é um veículo tipo trailer, enquanto parado;
● Se é uma embarcação; e
● Eventualmente a cabine de um caminhão, no qual, assim como nos dois casos
citados anteriormente, o proprietário também se estabeleça com ânimo de moradia.

É lícita a abordagem aos veículos, desde que haja a fundada suspeita de que no seu
interior possam existir objetos que constituam corpo de delito, mesmo que o
condutor não permita.

Essa discussão tem tanta relevância que o Supremo Tribunal Federal já se


pronunciou. Veja:
RHC 90.376/RJ - RIO DE JANEIRO
RECURSO EM HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO

Julgamento: 03/04/2007 Órgão Julgador: Segunda Turma do STF


Ementa

E M E N T A: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º,
LVI) - ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE
MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL
AINDA OCUPADO - IMPOSSIBLIDADE - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO
(QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO "CASA", PARA EFEITO DA TUTELA
CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO
CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA
FASE PRÉ-PROCESSUAL - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL
(CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE
TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS
QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE,
EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO,
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA
INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO

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PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO
QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO
CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO
JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. - Para
os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o
conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de
habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa
específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra
qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º,
XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"),
ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva,
sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível,
porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). ILICITUDE DA PROVA -
INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE
PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO
REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do
Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de
legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de
ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da
inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras
no plano do nosso sistema de direito positivo. A Constituição da República, em norma
revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os
postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer
prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem
constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de
violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em
conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a
fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA
DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A
QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou
condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária,
quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que
produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter
fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. A
exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por
derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à
garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova
ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que
assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. A doutrina da
ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por
constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos,
validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da
ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão
causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder
Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da
persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.
Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os
elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão
da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais,
de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do
ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do
Estado em face dos cidadãos. Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que
obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de
prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova
originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios

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revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude
originária.

Busca domiciliar

Com relação à busca pessoal, o ordenamento jurídico usa o termo fundada suspeita,
já para a busca domiciliar utiliza fundadas razões.

É compreensível que para a busca domiciliar seja preciso mais do que a mera
suspeita, pois a Constituição elevou a inviolabilidade do domicílio à condição de
garantia. Então, para sua restrição, é preciso algo concreto, como informação
prestada por uma pessoa, um depoimento ou uma denúncia seguida de uma
investigação.

Você já sabe o que compreende o termo casa. Também já sabe que é asilo inviolável.

Na próxima página você estudará as hipóteses que a própria norma constitucional


colocou como exceção.

Flagrante delito

Você, policial, tem certeza absoluta que no interior da residência, naquele exato
momento, há uma situação de flagrante delito.

● Extorsão mediante sequestro.

● Desastre e prestação de socorro: incêndio, inundação, suspeita de mal súbito do


morador.

● Determinação judicial: Nesse caso somente durante o dia.

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Muito embora não esteja transcrito no texto legal, a intenção do legislador
constituinte originário ao estabelecer exceções à inviolabilidade de domicílio é
salvaguardar os bens jurídicos mais caros para o cidadão, como a vida e a integridade
física. Portanto, somente quando houver possibilidade de ofensa a tais bens é que se
caracterizará a situação de emergência, essencial para a violação do domicílio de dia
ou de noite.

O mandado de busca

A Constituição de 1988 estabelece que para adentrar ao domicílio, salvo nas


situações de emergência, é necessária a autorização judicial. Já o artigo 241, do
CPP, diz:

Art. 241 Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar


pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

Esse artigo é incompatível com a nova ordem constitucional, não tendo sido
recepcionado (CF/88, artigo 5º, XI), pois prevê a possibilidade da autoridade policial
também expedir o mandado. Ainda sim, o mandado de busca pode ser dispensável,
caso o juiz queira participar da diligência. Não se exige que haja uma solicitação do
delegado ou do Ministério Público para a busca, o juiz pode determiná-la de ofício.

Correspondência (carta)

Durante a realização de determinada diligência, você, policial, tem a


discricionariedade (liberdade) para adotar os procedimentos que julgar necessários
para atingir seus objetivos, porém, quando se tratar de correspondência (carta),
ainda fechada, há ressalvas.

A maior parte dos doutrinadores entende que a alínea “f”, § 1º, artigo 240, do CPP,
que trata da apreensão de correspondência durante o cumprimento do mandado, não
foi recepcionada pela Constituição Federal, por se mostrar incompatível com a
redação do artigo 5º, inciso XII.

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Esse entendimento decorre do direito da inviolabilidade da correspondência,
entretanto, como ainda há dúvidas se esse direito é ou não absoluto, a sugestão é
que seja realizada a apreensão dos envelopes ainda lacrados, para que,
posteriormente, a autoridade policial solicite ao juiz autorização para a abertura e,
consequentemente, juntada nos autos. Entretanto, existe uma hipótese reconhecida
pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que seja possível relativizar o sigilo da
correspondência. Essa possibilidade ocorre sempre que as liberdades públicas
estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas (STF,
HC 70. 814 -5/SP, Carta Rogatória 7323-2).

E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO -


OBSERVÂNCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR
SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE CÓPIAS XEROGRÁFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA
ANÁLISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. - A estrutura formal da sentença deriva da fiel
observância das regras inscritas no artigo 381, do Código de Processo Penal. O ato sentencial
que contém a exposição sucinta da acusação e da defesa e que indica os motivos em que se
funda a decisão satisfaz, plenamente, as exigências impostas pela lei. - A eficácia probante
das cópias xerográficas resulta, em princípio, de sua formal autenticação por agente público
competente (CPP, artigo 232, parágrafo único). Peças reprográficas não autenticadas, desde
que possível a aferição de sua legitimidade por outro meio idôneo, podem ser validamente
utilizadas em juízo penal. - A administração penitenciária, com fundamento em razões de
Segurança Pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode,
sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no artigo 41,
parágrafo único, da Lei nº 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência
remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo
epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. - O reexame
da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de
habeas corpus. (sem grifos no original)

Execução da busca domiciliar

De acordo com a legislação, primeiramente o policial deverá ler para o morador o


conteúdo do mandado de busca, intimando-o a abrir a porta. Entretanto, muitas
vezes isso não é possível, por exemplo, quando há necessidade de arrombamento ou

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quando a diligência importa em risco aos agentes públicos. Nesses casos o policial
apresentará e lerá o mandado, logo que for possível.

A lei permite, no caso de desobediência, o arrombamento da porta. Caso, os


moradores estejam ausentes, caberá a você acionar um dos vizinhos para
acompanhar a revista no domicílio, note que ao concluí-la, também será de sua
responsabilidade fechar e lacrar o imóvel.

É interessante que você convide sempre duas testemunhas não policiais (maior de
idade e capaz) para que acompanhem a diligência, agindo assim estará dando maior
lisura ao seu ato.
Outro ponto que merece atenção, principalmente para evitar constrangimentos, é o
procedimento de solicitar que o morador e/ou testemunha acompanhe a diligência
em cada cômodo da residência, juntamente com os policiais.

Elaboração do relatório

Ao concluir as buscas, o policial que cumprir o mandado fará relatório contendo


todos os detalhes, registrando, inclusive, algo de ilícito que foi encontrado,
precisando em qual lugar do imóvel estava. O relatório tem que ser assinado pelo
agente, pelo morador e pelas testemunhas.

Recomenda-se que seja mencionando nesse relatório a preservação dos bens e da


residência submetida à busca, e se houver dano, precisar o motivo, bem como se foi
necessário a utilização de força ou qualquer outro meio relevante.

O relatório deverá ser encaminhado à autoridade que determinou o


procedimento.

Conclusão

Neste módulo, você estudou os desdobramentos específicos da atividade policial


como ato administrativo, com ênfase na construção de embasamento jurídico sobre a
fundada suspeita para os casos de busca pessoal, domiciliar e veicular.

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 2


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Neste módulo são apresentados exercícios de fixação para auxiliar a compreensão
do conteúdo.
O objetivo destes exercícios é complementar as informações apresentadas nas
páginas anteriores.

1. Não são elementos do ato administrativo:

( ) Forma e objeto.
( ) Imperatividade e lei.
( ) Sujeito e objeto.
( ) Motivo e forma.

2. A sinalização do agente de trânsito com as mãos e braços, refere-se ao


elemento do ato administrativo denominado de:

( ) Sujeito
( ) Objeto
( ) Finalidade
( ) Forma

3. Assinale a alternativa correta com referência ao poder-dever discricionário:

( ) É um poder de escolha com limitações legais.


( ) É um poder de escolha aleatório.
( ) O agente público não precisa avaliar a conveniência e a oportunidade do ato.
( ) O agente público pode escolher agir com base na lei ou na discricionariedade.
( ) A discricionariedade atinge o sujeito, a forma e a finalidade do ato.

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 2


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4. O poder de polícia está conceituado na seguinte norma legal:

( ) Constituição da República Federativa do Brasil.


( ) Código Tributário Nacional.
( ) Código Penal.
( ) Pacto de São José da Costa Rica.
( ) Código Civil.

5. O policial poderá entrar numa residência, sem mandado judicial, quando:

( ) Desconfiar que a casa é um depósito de produtos contrabandeados.


( ) Houver suspeita de que lá funciona uma casa de jogos de azar.
( ) Verificar a ocorrência de um crime de extorsão mediante sequestro.
( ) Recebeu denúncia que no seu interior há um aparelho de som, produto de furto.
( ) Desconfiar que é a casa de um traficante.

6. Sobre o cumprimento do mandado de busca domiciliar, é correto afirmar:

( ) O início de seu cumprimento deverá ocorrer enquanto ainda for dia.


( ) Pode ser expedido pelo próprio policial.
( ) O policial não precisa mostrá-lo ao morador.
( ) É cabível que o policial abra as correspondências ainda lacradas, para se inteirar
do seu conteúdo.
( ) O policial nunca poderá forçar a entrada por meio de arrombamento.

7. Descreva o que você deve fazer ao abordar uma pessoa que se recusa a
fornecer dados para identificação.

8. Descreva o que são os elementos objetivos e qual é a sua necessidade para o


policial.

Este é o final do módulo 2 - Aspectos Jurídicos relacionados à abordagem policial

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 2


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Gabarito
1. Imperatividade e lei.
2. Forma
3. É um poder de escolha com limitações legais.
4. Código Tributário Nacional.
5. Verificar a ocorrência de um crime de extorsão mediante sequestro.
6. O início de seu cumprimento deverá ocorrer enquanto ainda for dia.

7. A conduta consubstanciada no ato de recusa de fornecimento de dados para


identificação constitui contravenção penal, consoante os termos do art. 68, do
Decreto-Lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, verbis:
Art. 68. Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados
ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado,
profissão, domicílio e residência:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Com efeito, no caso em comento, considerando os aspectos jurídicos da
abordagem, em especial a questão da proporcionalidade (adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) seria importante alertar a
pessoa sobre a citada infração penal e suas conseqüências, e, em caso de
persistência na conduta, efetuar a prisão em flagrante, adotando-se as medidas
previstas na Lei nº 9.099/1995, por se tratar de infração penal de menor
potencial ofensivo, ou seja, lavratura de termo circunstanciado (art. 69).

8. Inicialmente cumpre dizer que a “fundada suspeita”, que também pode


assumir a figura de “fundadas razões”, é expressão contida no art. 240 do
Código de Processo Penal, senão vejamos:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.


§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem,
para: (sem grifos no original)
a) prender criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos
falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou
destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder,
quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à
elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.

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§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que
alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e
letra h do parágrafo anterior. (sem grifos no original)

Partindo da previsão legal, os elementos objetivos da fundada suspeita


consubstanciam-se em parâmetros mediante o conhecimento específico e
concreto de dados ou informações ligados a um fato ou ato que se caracteriza
ou pode se caracterizar como delituoso (ex.: número de pessoas, roupa, local,
objetos etc). Tais elementos autorizam a atuação do agente policial, de acordo
com a real e efetiva necessidade da medida a ser adotada (busca pessoal,
busca domiciliar, busca veicular, prisão, apreensão de objetos etc).
Vale dizer que são infindáveis os dados e informações que podem compor os
elementos objetivos da fundada suspeita ou fundadas razões, variando de
acordo com as circunstâncias do lugar, tempo, costumes, cultura etc.
Entretanto é indispensável que exista, pois é parte integrante da motivação do
ato a ser praticado pelo policial, logo, é requisito essencial para a legitimidade
da medida empregada. Nesse ponto, também recai a ponderação de valores
ou princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito).
Além disso, é de suma importância conhecer o que vem decidindo os tribunais
pátrios sobre o tema, já que acaba sendo casuístico, ou seja, deve ser
apreciado em cada caso (STF, HC nº 81.305-4/GO).

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Módulo 3 – Parâmetros jurídicos da ação policial diante de
alguns tipos de crime

Neste módulo, você estudará três temas fundamentais da ação cotidiana dos
profissionais da área de Segurança Pública: A Súmula Vinculante nº 11 do Supremo
Tribunal Federal, o abuso da autoridade e os crimes de resistência,
desobediência, desacato e corrupção ativa.

A Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal


Considerações sobre a súmula são indispensáveis, uma vez que o tribunal ao editá-la regulou o
emprego das algemas, que como você sabe é um instrumento extremamente útil e importante
no cotidiano policial. Porém, a utilização arbitrária ou abusiva do sublinhado equipamento
poderá configurar crime, precisamente o de abuso de autoridade, descrito na Lei nº 4.898/65,
que por sua relevância merecerá uma aula própria.

O conteúdo deste módulo está dividido em 3 aulas:

Aula 1 – Súmula Vinculada nº 11


Aula 2 – Abuso de autoridade (Lei nº 4898/65)
Aula 3 – Tipos penais relacionados à atividade policial: crimes de resistência,
desobediência, desacato e corrupção ativa

Ao final do módulo, você será capaz de:

● Justificar o emprego de algemas, quando necessário, em conformidade com os


pressupostos estabelecidos na legislação e pelo Supremo Tribunal Federal;
● Reconhecer que o tratamento a ser dispensado ao cidadão infrator deve respeitar,
por completo, seus direitos e garantias fundamentais;
● Atuar em sua atividade profissional, com lastro no ordenamento jurídico, de modo
a não configurar o abuso de autoridade; e
● Empregar com precisão o juízo de tipicidade acerca da resistência, desobediência,
desacato e corrupção ativa.

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Aula 1 – Súmula Vinculada nº 11

O Supremo Tribunal Federal – STF, na sessão plenária de 13 de agosto de 2008,


editou a Súmula Vinculante nº 11 com o seguinte teor:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga


ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de
terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade de prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.

É de suma importância que você, profissional da área de Segurança Pública,


compreenda o entendimento da mais alta corte do Brasil acerca do tema. O uso da
algema não foi proibido ou tido como ilícito, contudo, deve ser visto como uma
conduta excepcional. O emprego abusivo desse equipamento poderá gerar
responsabilidade administrativa, penal ou civil.

Nesta aula, você estudará os dispositivos legais, tanto de ordem constitucional como
infraconstitucional, que tratam da utilização da algema, compreenderá os principais
julgados do STF sobre o assunto e as limitações impostas ao seu emprego.

Antes de continuar, leia e reflita sobre o pensamento da Excelentíssima Ministra


Carmem Lúcia, do STF, proferido por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº
89.429-1.

A prisão há de ser pública, mas não há de se constituir em espetáculo. Menos


ainda, espetáculo difamante ou degradante para o preso, seja ele quem for.
Menos ainda, se haverá de admitir que a mostra de algemas, como símbolo
público e emocional de humilhação de alguém, possa ser transformado em circo
de horrores numa sociedade que quer sangue, porque cansada de ver sangrar.
Não é com mais violência que se cura a violência. Não é com mais degradação que
se chegará à honorabilidade social.

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 3


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Por certo, a reflexão sugerida já diz muito sobre o tema da aula. Sem dúvidas a
mensagem sintetiza o cuidado que você, policial, deve ter ao algemar um cidadão.
Lembre-se de que você, representante do Estado, é um promotor dos direitos e
das garantias fundamentais. Toda pessoa, inclusive o preso, deve ser tratada na
plenitude de sua dignidade que, aliás, é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, conforme o artigo 1º, da Constituição de 1988.

Principais julgados do STF

Para que possa compreender a Súmula Vinculante nº 11 do STF, você terá que
analisar os julgados que lhe serviram de precedentes. São neles que encontrará os
principais fundamentos utilizados pelos ministros, bem como, por se tratarem de
casos concretos, auxiliarão no seu entendimento, tornando-o mais fácil. Cabe
ressaltar que será feito somente um relato dos principais fatos.

Não se preocupe! Os argumentos, tanto de direito como de fato, utilizados nas


correspondentes decisões serão trabalhados em breve.

Habeas Corpus nº 89.429-1 Rondônia


Nesse habeas corpus, relatado pela Ministra Cármem Lúcia, uma pessoa do Estado de
Rondônia foi presa, pela Polícia Federal, em cumprimento ao mandado de prisão expedido
pela Ministra Relatora do Inquérito nº 529, instaurado no Superior Tribunal de justiça – STJ.
Em linhas gerais, o advogado do paciente solicita o deferimento de salvo-conduto com o
objetivo de garantir a seu cliente o direito de não ser algemado, em qualquer procedimento
relacionado ao processo penal, e nem ser exposto à exibição para as câmeras da imprensa.
Argumenta em sua peça, ao que nos interessa, que o preso não teria apresentado qualquer
dificuldade para o cumprimento da ordem de prisão contra ele expedida. Ao contrário,
adotou postura passiva em todo o instante. Diz ainda, que a exibição do impetrante algemado
para as câmeras é um modo de constrangimento ilegal, significando, em suma, a submissão do
detento à humilhação pública.
O pedido de liminar foi concedido. No julgamento do mérito, os ministros da Primeira Turma,
por unanimidade, deferiram o pedido formulado no habeas corpus, sendo elaborada a
seguinte ementa:
Habeas corpus. Penal. Uso de algemas no momento da prisão. Ausência de justificativa em
face da conduta passiva do paciente. Constrangimento ilegal. Precedentes.

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O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos
casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do
preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e
para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si
mesmo.
O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes.
Habeas corpus concedido.

Habeas Corpus nº 91.952-9 São Paulo.


Nesse caso, o paciente figurava na qualidade de denunciado por ter cometido o crime de
homicídio qualificado pelo motivo fútil, emprego de meio cruel e outro que impossibilitou a
defesa da vítima. Após o julgamento pelo Tribunal do Júri foi condenado à pena de 13 (treze)
anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Inconformado com a decisão, interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça, que o


forneceu de modo parcial. Buscando o acolhimento integral de sua tese, ingressou com
habeas corpus perante o STJ, oportunidade em que pediu a nulidade do julgamento com
fulcro nos seguintes fundamentos:
Erro de votação do terceiro quesito;
Permanência do réu algemado durante todo o julgamento pelo Tribunal do Júri; e
O estabelecimento do regime integralmente fechado para o cumprimento da pena. A ordem
foi parcialmente deferida, sendo negada no toante a votação do terceiro quesito pelos
jurados e ao uso de algemas.

Diante da decisão, a defesa impetrou habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal, na
ânsia de anular o veredicto popular, sob o raciocínio de ter o acusado permanecido algemado
durante a sessão de julgamento. Em apertada síntese, ressaltou, dentre outros aspectos, que
o princípio da isonomia entre a defesa e acusação, imprescindível ao devido processo legal,
não foi observado, existindo um desequilíbrio em favor da acusação, na medida em que o réu
permaneceu “sob ferros” na frente do júri. Chegou a essa conclusão ao mencionar que o
jurado é escolhido entre pessoas da comunidade que, na maioria das vezes, não possui
conhecimento jurídico, sofrendo influência em sua decisão ao se deparar com alguém
algemado, pois tal imagem passa a ideia de pessoa com alta periculosidade. A defesa aduziu
ainda, que o princípio da dignidade humana foi ofendido.
Por ocasião do julgamento, a juíza presidente do Tribunal do Júri, decidiu por manter o réu
algemado para a preservação e segurança do bom andamento dos trabalhos no Plenário.

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 3


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Justificou sua postura na circunstância de somente 2 (dois) policiais civis estarem fazendo a
proteção do local e de todos.
Após ampla fundamentação, os Ministros do STF, em sessão plenária, acordaram em deferir a
ordem de habeas corpus, por unanimidade, sendo escrita a ementa que se segue:
Algemas – Utilização. O uso de algemas surge excepcional somente restando justificado ante a
periculosidade do agente ou risco concreto de fuga.
Julgamento – Acusado algemado – Tribunal do Júri. Implica prejuízo à defesa e manutenção
do réu algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, resultando o fato na
insubsistência do veredicto condenatório.

Arcabouço jurídico sobre o emprego da força e o uso de algemas


Você sabia?
Que o Código de Processo Criminal do Império, datado de 29 de novembro de
1832, em seu artigo 180, já disciplinava o uso da força no momento da prisão?

Dizia que: “Se o réu não obedecer e procurar evadir-se, o executor tem direito
de empregar o grau da força necessária para efetuar a prisão, se obedecer,
porém, o uso da força é proibido”.

A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execuções Penais –


LEP, estabelece em seu artigo 199 que “o emprego de algemas será disciplinado por
decreto federal”. Ocorre que até a presente data, o desejado decreto ainda não
ingressou no mundo jurídico. A respeito, o legislador deixou cristalino, na LEP, seu
sentimento acerca da excepcionalidade do uso do sublinhado instrumento,
pensamento oposto não reclamaria regulamentação. Como bem disse o Ministro
Marco Aurélio do STF, “se, quanto àquele que deve cumprir pena ante a culpa
formada, o uso de algemas surge no campo da exceção, o que se dirá em relação a
quem goza do benefício de não ter culpa presumida”.

Diante da omissão legislativa surgem determinadas perguntas:

Existe no Brasil regramento para a utilização das algemas?


Em razão da suposta ausência de regramento, pode o policial ou guarda municipal
empregá-las livremente em todas as situações?

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 3


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A resposta negativa se impõe somente a última indagação.
Apesar do ordenamento nacional não regular especificamente o uso de algemas, sua
utilização não é arbitrária, encontrando limites a partir da interpretação dos
princípios constitucionais e das normas vigentes no ordenamento infraconstitucional.

O argumento central, da qual os demais retiram sua validade para sustentar o dito, é
o princípio da dignidade da pessoa humana, apresentado no módulo 1, que como já
mencionado, por sua relevância, constitui fundamento do Brasil.

O artigo 5º, da Constituição Federal, ao estabelecer os direitos e as garantias


individuais fornece, implicitamente, as balizas para o emprego das algemas

O artigo 5º, da Constituição Federal


III, ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; e
XLIX, é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, dentre outros, explicita
tal aptidão.

Pode-se garantir que a utilização do analisado objeto só será aceita como lícita
quando se reunir com os direitos do cidadão, mesmo que esse figure na qualidade de
suspeito, indiciado, denunciado e, até mesmo, condenado. A circunstância de alguém
vir a ser sentenciado em definitivo não lhe retira a dignidade. A repreensão estatal
não pode passar dos limites impostos pela pena. A pessoa privada de sua liberdade ou
que tem o gozo de seus direitos limitado, já se encontra em posição de fragilidade,
não sendo permitido ao agente do Estado potencializar esse sofrimento.

O Código de Processo Penal – CPP, em seu artigo 284, não trata diretamente das
algemas e sim, do uso da força, e indica as hipóteses em que aquelas poderão ser
aplicadas. O pensamento para tal assertiva é simples, basta lembrar que o uso da
força é gênero que contém entre suas espécies a utilização das algemas. Estatui o
dispositivo que: “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no
caso de resistência ou de tentativa de fuga”. O CPP, ao tratar da prisão em
flagrante, mantém a mesma linha de raciocínio, dispondo que se houver, ainda que

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por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por
autoridade competente, o executor e a pessoas que o auxiliarem poderão usar dos
meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se
lavrará no auto subscrito por duas testemunhas (artigo 292).

A recente Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, que alterou dispositivos do Código de


Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri, estipulou de modo imperativo, no § 3º,
de seu artigo 474, que: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o
período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à
ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física
dos presentes”.

Em termos de ordenamento jurídico nacional, para os fins do nosso estudo, basta


mencionar ainda que o Código Penal Militar – CPM no § 1º, de seu artigo 234 trata
pontualmente sobre o uso de algemas, tornando claro que esse emprego é exceção,
sendo admitido somente nos casos de perigo de fuga ou de agressão por parte do
preso.

A comunidade internacional, principalmente através da Organização das Nações


Unidas – ONU, demonstra constante preocupação com a proteção dos direitos e
garantias da pessoa humana. O Direito Internacional dos Direitos Humanos encontra
na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada na Assembléia Geral da
ONU de 1948, sua primordial fonte. Dentre seus 30 (trinta) artigos, todos essenciais
para a compreensão do tema em questão, destaca-se o artigo 5º, a saber: “Ninguém
será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante”.

É importante registrar que outros instrumentos internacionais tocam a matéria,


como:
● A Convenção Americana dos Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São
José da Costa Rica;
● Os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei – PBUFAF; e
● Os Princípios para Proteção de Pessoas Detidas e Presas.

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Conheça mais sobre a Organização das Nações Unidas e a Declaração dos Direitos do
Homem no endereço: http://www.onu-brasil.org.br/

Você já deve ter percebido que o uso de algemas representa medida excepcional.
Essa certeza jurídica deve, daqui em diante, fazer parte de sua rotina laboral. Sua
utilização só será aceita em situações pontuais, que estudará a seguir.

É muito importante registrar, para que você agente de Segurança Pública não tenha
dúvidas, que o emprego de algemas não está proibido, o que se pretendeu foi
regular seu uso com a adoção de determinados critérios.

Sabe-se que em determinadas situações as algemas representam um meio


extremamente eficaz de se evitar condutas mais gravosas para o policial, terceiros e
o próprio cidadão infrator. Cada ocorrência policial é envolta por circunstâncias
peculiares. Não há como traçar padrões rígidos de comportamento. A dinâmica dos
fatos, os envolvidos, o local, enfim, tudo pode mudar. Só você e sua guarnição terão
os dados essenciais para resolver o caso concreto apresentado da melhor maneira
possível. Mas tenha sempre consigo que jamais esta discricionariedade pode ser
confundida com arbitrariedade. É seu dever agir conforme o direito, respeitando a
dignidade dos envolvidos, observando os ditames (o que ela dita) da lei,
independentemente das condutas praticadas.

A Constituição de 1988 estabeleceu com firmeza que não existem penas afora as
previamente prescritas em lei. Em complemento, somente ao Poder Judiciário, após
o devido processo legal, cabe a imposição de sanção ao infrator da norma. Nenhuma
outra forma de punição é admitida. Pensamento oposto certamente nos levaria ao
estado de exceção, duramente combatido. A violação dessa garantia constitucional
é reforçada quando acometida por agentes públicos, já que são os responsáveis
pela manifestação da vontade estatal.

É mister de todo representante do estado fornecer consistência aos seus


fundamentos, objetivos e normas, sendo-lhes reclamada postura compatível com
o cargo, emprego ou função pública ocupada.

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Nessa linha de raciocínio, quando um cidadão que não oferece resistência ou
periculosidade é algemado por simples vontade do agente público, não há como
negar que esse ato mostra uma forma ilícita de punição. Em outros termos, estar
diante de uma ação aflitiva imposta pelo Estado, por meio de um agente seu, a
determinada pessoa como retribuição a uma conduta, em certos casos nem conduta
há, praticada anteriormente, nega calar-se perante o policial.

A limitação do direito à liberdade de locomoção, por si só, já afeta a dignidade da


pessoa, colocando-a em posição de inferioridade perante a comunidade. O uso
desnecessário das algemas, nesse caso, só serve para exacerbar o quadro. É
inevitável notar que essa limitação, no caso concreto, pode encontrar fundamento
legal, contudo, o emprego indevido das algemas pode gerar responsabilidade
jurídica ao policial.

Em um Estado Democrático de Direito a prisão de um cidadão é uma situação


pública. Dessa forma, os encarceramentos ocultos não são tolerados, seja frente ao
ordenamento jurídico, seja frente à opinião pública. A publicidade serve para
demonstrar à sociedade o efetivo atuar na manutenção da ordem pública e repressão
dos delitos, gerando sensação de justiça e segurança, produzindo, em consequência,
para afiançar ao detento seus direitos e salvaguardar sua integridade física e moral.

Equivocado é o entendimento que a prisão, seja lá de quem for, pode transformar-se


em espetáculo. O preso não é troféu a ser exibido, ele possui direito inviolável a sua
honra, imagem e privacidade. A eficiência e a inevitável necessidade dos órgãos de
Segurança Pública não se correlacionam com a exposição aviltante de um cidadão.

Se por um lado a liberdade de comunicação e o acesso a informação são direitos


constitucionais; a proteção da personalidade, com o resguardo da honra e da
imagem, também encontra abrigo na Lei Maior. O aparente conflito deve ser mexido
através do princípio da proporcionalidade, confirmado com a distinção entre fornecer
a notícia e entrar na intimidade das pessoas. A prisão de alguém é um dado
objetivo que muito interessa à opinião pública. Transformar o acontecimento em
zombaria, condenando socialmente o detido antes de seu julgamento, é coisa
diversa e que não merece prosperar em nossa sociedade.

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Como disse o Ministro Carlos Brito, no julgamento do HC. 89.429, “o tratamento
humilhante, desonroso, infame, desfalca o ser humano não daquilo que ele tem,
mas daquilo que ele é”.

Lembre-se
A Constituição Federal estipula que “ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante” (artigo 5º, III). Em consequência, é dever do
profissional da área de Segurança Pública empregar as algemas dentro dos
permissivos legais, mesmo sabendo, como estudado anteriormente, que o
ordenamento jurídico nacional não é explícito na regulação do assunto.

Alguns pontos devem ficar solidamente assentados para que você desenvolva seu
trabalho de forma adequada em relação aos parâmetros legais. Tenha sempre em
mente que a algema só será utilizada com a finalidade de:

Vencer a resistência;

Impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que


haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; e

Evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si


mesmo.

Também deve ser enfatizado que as finalidades acima destacadas só justificam o ato
quando estão em sintonia com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
ou seja, sendo sem razão e sem guardar proporção legítima em relação ao
comportamento adotado por quem sofre a medida, não será juridicamente
sustentada a providência. Por fim, torna-se necessário que a medida seja justificada
por escrito, em formulário próprio, antes ou depois do uso das algemas. A exposição
da motivação servirá justamente para legitimar sua ação e de sua guarnição. O
controle, interno ou externo, da atuação policial é medida saudável para o
fortalecimento da democracia. Lembre-se de que a motivação deve abranger além da
sua apreciação dos fatos (aspecto subjetivo), critérios objetivos relacionados com a
finalidade da medida.

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Para conhecer mais sobre o assunto sugere-se a leitura do inteiro teor do habeas
corpus nº 89.429-1 e do nº 91.952-9 para Rondônia e São Paulo, respectivamente.
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=11.NUME.%
20E%20S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes

Concluindo
As algemas representam um valioso instrumento para o dia-a-dia dos policiais. Sua
utilização correta é capaz de salvaguardar a integridade física e moral dos mesmos,
de terceiros e, por que não dizer, do próprio contido. Sua licitude é atestada pela
mais alta corte do Brasil, o Supremo Tribunal Federal, responsável pala guarda da
Constituição e, por via direta, dos direitos e garantias do cidadão.

O que não se admite, no Estado Democrático, é que as algemas passem a ser símbolo
do poder arbitrário de um sobre o outro ser humano, que elas sejam forma de
humilhação pública, que elas se tornem instrumento de submissão juridicamente
indevida de alguém sobre o seu semelhante. Diante desses riscos, editou-se a Súmula
Vinculante nº 11, que antes de qualquer coisa, procurou reunir o emprego das
algemas com a dignidade da pessoa humana.

Para concluir esta aula bastam as palavras do Excelentíssimo Ministro César Peluso,
do STF, proferidas na sessão plenária realizada em 13 de agosto de 2008, por sua
sensibilidade em conjugar a difícil tarefa de ser policial ou guarda municipal com a
proteção dos direitos fundamentais do homem, em seus termos:

“ Senhor Presidente, sem alongar o debate, gostaria de fortalecer as ponderações


sempre muito prudentes do eminente Procurador-Geral e dizer que, realmente, o ato
de prender ou de conduzir um preso é sempre ato perigoso. Por isso, o que me
parece também necessário acentuar, na mesma linha de argumentação do eminente
Procurador-Geral, é que, provavelmente, e isso deveria ser uma diretriz, a
interpretação dos casos concretos deve ser feita sempre a favor do agente e da
autoridade do Estado. Isto é, só vamos reconhecer ilícito quando esse fique bem
claro, como caso em que se aplicam as algemas sem nenhum risco, com o só
propósito de expor o preso à execração pública, ou de lhe impor, longe do público,
constrangimento absolutamente desnecessário.”

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 3


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Aula 2 – Abuso de autoridade (Lei nº 4898/65)

Nesta aula, será estudado um assunto importante tanto para você, profissional da
área de Segurança Pública, como para a sociedade. Trata-se do abuso de
autoridade, descrito na Lei nº 4.898/65.

Hoje em dia é possível ter orgulho da democracia existente no Brasil. No entanto,


não esqueça, que nem sempre o Estado respeitou as mais básicas garantias do
homem. Tensões e conflitos, entre os direitos do cidadão e o poder estatal, fizeram
parte de séculos da história da humanidade e da história do Brasil. O equilíbrio,
muitas vezes, foi e é estabelecido com muito sangue, lutas e reivindicações. Em
consequência, quase todas as Constituições contemporâneas dedicam espaço para a
celebração dos direitos e garantias conquistados, e o homem passou a ocupar seu
lugar central na relação com o Estado, ou seja, conscientizou-se que esse existe em
sua razão e não o contrário.

A Lei nº 4.898/65 ganha ênfase justamente nesse panorama, representando mais um


instrumento jurídico contra violações arbitrárias e indevidas dos direitos do cidadão.
Sua importância salta aos olhos quando verifica-se que seus artigos incriminam,
precisamente, a conduta daqueles que por dever de ofício, os funcionários públicos,
deveriam ser os principais guardiões da dignidade da pessoa humana.

Apesar da relevância de todos os artigos da Lei de Abuso de Autoridade, o enfoque


desta aula está voltado para o direito de representação do ofendido, para o conceito
de autoridade fixado no artigo 5º e, finalmente, para algumas condutas
configuradoras do delito.

Antes de continuar o estudo da aula, assista ao vídeo


http://www.youtube.com/watch?v=JT7ZQ4xH_zA e reflita sobre o tratamento
dispensado, por agentes do Estado, às pessoas detidas. Em seguida reflita sobre as
indagações abaixo:
Você concorda com as condutas praticadas?
As ações praticadas ferem a dignidade da pessoa humana?
O Estado deve sancionar os autores, mesmo sabendo que são agentes públicos?

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Inicialmente, deve-se investigar quais os bens jurídicos são tutelados pela Lei nº
4.898/65. A doutrina ensina que os tipos penais incriminadores de abuso de
autoridade preveem dupla objetividade jurídica, protegendo:

1 - O interesse concernente ao normal funcionamento da administração pública,


tomada em seu sentido amplo, no que se refere à garantia do exercício da função
pública sem abusos de autoridade (objetividade jurídica mediata); e
2 - A plena proteção dos direitos e garantias fundamentais consagrados na
Constituição de 1988 (objetividade jurídica imediata).

Dessa forma, fica fácil obter que os seus crimes possuem dupla subjetividade
passiva. De um lado temos o Estado, titular da administração pública, na qualidade
de sujeito passivo mediato, do outro o cidadão, titular dos direitos e garantias
atingidos, como sujeito passivo imediato.

Em sendo criança ou adolescente o sujeito passivo, o abuso de autoridade poderá


configurar alguns dos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990).

Direito de representação

O artigo 1º da legislação estabelece que “o direito de representação e o processo


de responsabilidade administrativa, civil e penal contra as autoridades que, no
exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei”.

Conforme José Afonso da Silva (1998, p. 443), o direito de petição define-se “como
o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos Poderes Públicos
sobre uma questão ou situação (...), seja para denunciar uma lesão concreta, seja
para solicitar a modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à
liberdade”.

O direito de petição espelha a qualidade de democrático do Estado brasileiro, por


isso, foi elevado a dogma constitucional, estando previsto no inciso XXXIV de seu
artigo 5º, que assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, em

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defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso do poder, o acesso aos Poderes
Públicos.

O artigo 2º prescreve que a petição, forma de exercício do direito de representação,


deve trazer em seus termos, a exposição da conduta considerada abusiva, com a
máxima descrição possível de suas circunstâncias, inclusive com a indicação da
autoridade infratora. A peça, com o alvo de promover a responsabilidade
administrativa, civil e penal, deve ser dirigida:

À autoridade superior competente para a aplicação de sanção disciplinar; e

Ao órgão do Ministério Público, promotor privativo da ação penal pública, nos termos
do inciso I, artigo 129, da Constituição Federal.

Como já mencionado, a representação prevista nos artigos 1º e 2º da lei em análise,


constitui um direito de petição. Isto significa dizer, que a falta de representação do
ofendido não impede a iniciativa e nem o curso da ação penal, já que não possui a
natureza jurídica de condição de procedibilidade. Tal assertiva ficou patente com a
redação fornecida ao artigo 1º, da Lei nº 5.249, de 9 de fevereiro de 1967. Em outras
palavras, o crime de abuso de autoridade é de ação pública incondicionada.

Sujeito ativo

Para descobrir é necessário saber quem é considerada autoridade nos termos da Lei
nº 4.898.

A resposta está estampada em seu artigo 5º, que diz: “Considera-se autoridade,
para fins desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza
civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”.

Como salientam Moraes e Smanio (2005, p. 34): O conceito é amplo e acaba por
vincular a noção de autoridade não somente à condição de funcionário público,
mas também ao exercício de função pública, entendendo-se esta como qualquer
atividade que visa a fins próprios do Estado. Assim, é absolutamente

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imprescindível que a conduta delituosa tenha sido praticada no exercício de
função pública. Trata-se, portanto, de crime próprio.

Fique atento! Situações podem acontecer em que o agente, mesmo não estando
no exercício de suas funções, comete o crime de abuso. Isso se dará quando o
funcionário, apesar de não estar no desempenho de seu labor ao praticar o abuso,
use ou invoque a autoridade de que é investido.

Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal, in verbis:

Crime de abuso de autoridade – Comete-o o miliciano que, embora, sem farda e fora
do efetivo exercício de suas funções, age, evocando a autoridade que é investida.
Exegese do artigo 5º, da Lei nº 4.898/65. Competente, todavia, para o processo e
julgamento, é a Justiça comum estadual, eis que inexistente crime militar. Habeas
corpus indeferido”. (STF – 2ª T, HC nº 59.676-2-SP, rel. Min. Djaci Falcão, DJU de
07/05/1982)

Em homenagem ao princípio da reserva legal, é possível mencionar que todas as


figuras penais contidas na Lei nº 4.898 são dolosas, já que ausente a tipificação
culposa. Com destreza Damásio de Jesus, já em 1978, declarava ao público que o
crime de abuso de autoridade “reclama ânimo próprio, que é elemento subjetivo
do injusto: vontade de praticar as condutas sabendo o agente que está
exorbitando do poder”.

É indispensável que o dolo do possível autor do delito seja avaliado com cuidado,
somente merecendo a correspondente sanção penal àquele que agir com o
propósito de perseguição, vingança, capricho, maldade e não no interesse da
sociedade.

Você sabia?
Que uma pessoa não enquadrada no conceito de autoridade, exposto no artigo 5º da
legislação comentada, pode cometer crimes de abuso de autoridade. Para tanto,
somente poderá ser responsabilizada a título de participação, nos moldes do artigo

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29, do Código Penal, uma vez que a qualidade de autoridade é elementar dos tipos
penais.

Tipos penais
Agora que você já estudou alguns aspectos gerais da Lei nº 4.898, chegou a hora de
analisar seus tipos penais, estabelecidos em seus artigos 3º e 4º. Lembre-se de que
o interesse aqui alinha-se àqueles relacionados com a abordagem policial. Leia
atentamente os destacados dispositivos:

Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

● À liberdade de locomoção;
● À inviolabilidade de domicílio;
● Ao sigilo de correspondência;
● À liberdade de consciência e de crença;
● Ao livre exercício do culto religioso;
● À liberdade de associação;
● Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
● Ao direito de reunião;
● À incolumidade física do indivíduo; e
● Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

● Ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades


legais ou com abuso de poder;

● Submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não


autorizado em lei;
● Deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de
qualquer pessoa;
● Deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou de detenção ilegal que lhe
seja comunicada;

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● Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida
em lei;
● Cobrar o carcereiro ou agente da autoridade policial, carceragem, custas,
emolumentos ou quaisquer outras despesas, desde que a cobrança não tenha apoio
em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu valor;
● Recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância
recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;
● O ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando
praticado com abuso ou desvio de poder, ou sem competência legal; e
● Prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança,
deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente, ordem de
liberdade.

Atentado à liberdade de locomoção

O direito à liberdade de locomoção encontra seu fundamento primeiro no inciso XV,


artigo 5º, da Constituição Federal, que diz: “É livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens”. A simples leitura do texto constitucional
permite estabelecer, contrário sensu, que em tempo de guerra limitações poderão
ser impostas ao direito de locomoção, tendo-se em mira questões ligadas à segurança
nacional.

José Afonso da Silva (1999, p. 240) ensina que a liberdade de locomoção é a


principal forma de expressão da liberdade da pessoa física, conceituada essa
liberdade como “a possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de
serem senhoras de sua própria vontade e de locomoverem-se
desembaraçadamente dentro do território nacional”.

O direito à liberdade de locomoção engloba o acesso, ingresso e saída do território


nacional, bem como a permanência e deslocamento, direito de ir e vir, dentro dele.
O referido direito toca tanto os brasileiros como os estrangeiros, sejam ou não
residentes no Brasil.

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Diante de todo o dito, pergunta-se:

A abordagem policial, por limitar, mesmo que temporariamente, o direito de ir e


vir do cidadão, sempre constituirá abuso de autoridade?

Para responder satisfatoriamente a indagação, é necessário saber, primeiramente,


que não há que se falar em abuso de autoridade, por violação à letra “a” do artigo
3º, quando limitações à liberdade são impostas àqueles que ameaçam a ordem
pública, a incolumidade física das pessoas e do seu patrimônio.

A abordagem policial representa um autêntico desempenho das atribuições da polícia


preventiva, ocasião em que se verificam os documentos do cidadão, qual objeto está
trazendo consigo, dentre outros aspectos, representando, em síntese, grande fator
inibidor da ação delituosa. Entretanto, tais medidas não poderão ser tomadas de
modo arbitrário. As limitações do direito de liberdade devem ser adotadas dentro das
formalidades legais, alinhadas, sempre, com o princípio da proporcionalidade. Não há
dúvida que a atuação policial deve guardar adequação entre os meios empregados
com o fim pretendido, de modo a não exceder os limites que lhe são impostos pelo
ordenamento jurídico, a evitar restrições desnecessárias ou abusivas, com lesão a
direitos fundamentais.

Se a vítima do crime de abuso for criança ou adolescente, o delito será o definido no


artigo 230, da Lei nº 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente, datada de
13.07.1990.

Atentado à inviolabilidade de domicílio

Você já estudou no módulo 2, as principais questões referentes à garantia


constitucional para preservar a inviolabilidade do domicílio. Esclarecido o que se
entende por casa, bem como a extensão do direito à sua inviolabilidade, cabe
analisar no que consiste o abuso de autoridade inerente à violação do domicílio.

Comete o crime de abuso de autoridade, por incidência na letra “b”, do artigo 3º, o
funcionário público que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las,

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entra ou permanece em casa alheia ou em suas dependências, sem o consentimento
de seu morador. Mesmo as autoridades policiais estão sujeitas a fiel observância
do princípio da inviolabilidade de domicílio.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a garantia constitucional não pode ser
transformada em meio de impunidade de crimes (RTJ 74/88), tanto em relação aos
que se praticam no interior da casa, como nas hipóteses em que o cidadão infrator se
esconde, após o seu cometimento, não estando em situação de flagrante delito
imperfeito, em seu domicílio ou no de terceiros.

Buscando repelir o uso indevido do direito, o legislador constituinte originário gravou


em sua obra, de modo exaustivo, todas as situações em que o domicílio pode ser
violado sem o consentimento de seu morador, que são:

Durante o dia
Em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, por
determinação judicial.

Durante a noite
Em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro.

A autorização judicial só é apta a permitir a violação do domicílio durante o dia,


ou seja, se você policial entrar em uma casa, sem o devido assentimento de quem
a habite ou fora das hipóteses permissivas trazidas pela Constituição Federal,
durante a noite, cometerá um crime, mesmo tendo mandado judicial.

Questão interessante, que gera discussão na jurisprudência e doutrina, é saber se o §


2º, artigo 150, do Código Penal, que aumenta a pena do crime de violação de
domicilio, quando praticado por funcionário público, possui aplicação frente ao
comando da letra b, artigo 3º, da Lei nº 4.898/65, que tipifica qualquer invasão de
domicílio praticada (perpetrada) por todo aquele que exerce cargo, emprego ou
função pública.

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O aparente conflito de normas é perfeitamente solucionado com a aplicação do
Princípio da Especialidade. A regulamentação especial tem a finalidade,
precisamente, de excluir a lei geral e, por isso, deve precedê-la. O Código Penal ao
qualificar a violação de domicílio, quando cometida por funcionário público, é lei
geral em relação à Lei de Abuso de Autoridade que, por ser especial, deve
prevalecer.

Princípio da Especialidade
Segundo Cezar Bitencourt (2006, p. 248) “considera-se especial uma norma penal,
em relação a outra geral, quando reúne todos os elementos deste, acrescidos de mais
alguns, denominados especializantes.

Atentado à incolumidade física do indivíduo

O abuso de autoridade com base na letra i, artigo 3º, da Lei nº 4.898/65, consiste
em toda ofensa física concretizada pelo agente público, quando no exercício de
cargo, emprego ou função. Irrelevante, na espécie, que a conduta tenha deixado
vestígio, pois a violência exigida se caracteriza pelo emprego de força física, maus-
tratos ou vias de fato. Os tribunais brasileiros endossam esse entendimento, in
verbis:

Abuso de autoridade. Vias de fato. Delitos caracterizados. Procede com abuso de


autoridade o agente policial que, sob o pretexto de averiguar uma briga ocorrida
anteriormente, leva várias pessoas à delegacia de polícia e agride arbitrariamente
um menor, com tapas no rosto, na presença do pai. (TJSC – Jur. Catarinense
26/466)

Por certo, nem toda violência cometida por agente público deve ser levada à
condição de abuso de autoridade. Há situações em que o recurso da violência é
permitido e necessário, inserindo-se no estrito cumprimento de dever legal, como
exemplo, a violência utilizada por policiais para prender alguém em flagrante ou
em virtude de mandado judicial, quando houver resistência ou tentativa de fuga.

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O uso da força só será considerado, conforme o direito, se estiver pautado na
necessidade e proporcionalidade. Em outras palavras, o agente público deve agir
estritamente dentro dos limites legais, punindo-se todo o excesso cometido.
Por fim, no que é pertinente ao atentado à incolumidade física do indivíduo, aspecto
que ocupa espaço nas discussões jurídicas, é o que diz respeito ao agente que, além
do delito de abuso de autoridade, pratica lesões corporais na vítima.

Duas correntes se formaram: a primeira estabelece o concurso material entre a


lesão corporal e o abuso de autoridade, por sua vez, a segunda, anuncia que fica
a lesão corporal absorvida pelo abuso.

Alinhados com a jurisprudência majoritária é possível entender que a primeira


corrente deve prevalecer. Seu principal argumento funda-se que o crime de
autoridade tem por escopo resguardar os direitos constitucionais da cidadania de
eventuais abusos, cometidos por parte de qualquer pessoa, que exerça autoridade
pública, finalidade diversa do artigo 129, do Código Penal, que é a proteção da
integridade física.

Você sabia?
1 - Se a violência praticada pelo agente público for cometida com o fim de obter
informação, declaração ou confissão, ou, ainda, para provocar ação ou omissão de
natureza criminosa, o crime será o de tortura, conforme os termos da Lei nº
9.455/97.
2 - A Súmula 172, do Superior Tribunal de Justiça, reza que: “Compete à Justiça
comum processar e julgar militar por crime de autoridade, ainda que em serviço”.

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Aula 3 – Tipos penais relacionados à atividade policial

Neste curso, você estudou que a abordagem policial para ser conforme o
ordenamento jurídico requer conhecimentos, que vão desde noções de direito
constitucional – pelo estudo dos direitos e garantias fundamentais, dos princípios
regentes da administração pública, das atribuições dos diversos órgãos componentes
da Segurança Pública, dentre outros, passando pelo direito administrativo –, pois a
abordagem, como salientado, é um ato administrativo, até chegar ao âmbito penal.

Observam-se, por vezes, ações arbitrárias e violentas dos agentes de Segurança


Pública em ocorrências sem grande complexidade.

Por que tais atitudes ocorrem? Qual a razão que leva um policial ou guarda
municipal a atentar contra a integridade física de alguém em uma abordagem de
rotina?

Não se pretende aqui responder as indagações feitas. Isso ficará para sua reflexão.
Mas, as condutas autoritárias, em alguns episódios, refletem ausência de
conhecimento, principalmente, do Código Penal.

Em uma situação cotidiana se um cidadão adota postura ativa passando a proferir


impropérios contra o profissional da área de Segurança Pública, faltando com o
respeito, não cabe aos policiais defenderem sua honra pela violência, por pior que
seja a ofensa. É dever de todo agente do Estado agir de acordo com a legalidade.
Para tanto, o Código Penal destina um capítulo inteiro para as condutas praticadas
por particular contra a administração em geral. É primordial a ideia que não se
alcança a justiça pela injustiça.

Esta aula possui o objetivo central de criar condições para que tenha conhecimentos
sobre determinados tipos penais selecionados, não aleatoriamente, mas em razão da
possibilidade de seu acontecimento nas abordagens policiais.

Antes de prosseguir, veja alguns conceitos penais.

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Você já deve conhecê-los, pois essas noções, possivelmente foram trabalhadas em
sua formação. Mas vale a penas relembrar.

Você saberia definir o que é um crime?

O Código Penal não se preocupou em defini-lo. Para seu conhecimento, o Decreto nº


3.914/41, conhecido como Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro, traz a
seguinte definição:

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de
detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de
multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de
prisão simples ou de multa, ou ambas. Alternativa ou cumulativamente.

O conceito acima destacado é insuficiente para a compreensão do que vem a ser


um crime, pois se limitou a destacar as características que diferenciam as
infrações penais tidas como crime daquelas que constituem contravenção penal.

A doutrina, conforme Nucci (2007), apresenta três formas diferentes de se


conceituar o delito, sendo:

Material: É a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido,


mediante aplicação de sanção penal. É, pois, a conduta que ofende um bem
juridicamente tutelado, ameaçado de pena;
Formal: É a concepção do direito acerca do delito. É a conduta proibida por lei, sob
ameaça de aplicação da pena, numa visão legislativa do fenômeno.
Analítica: Pela teoria tripartida o crime é um fato típico, antijurídico e culpável.

A teoria do delito desenvolve-se a partir do conceito analítico, porém, para você,


policial, basta o entendimento do que vem a ser o fato típico, já que lhe cabe
somente o juízo prévio de tipicidade. Bitencourt (2007) ensina que o tipo penal é o
conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal, em termos simples,
é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. O tipo exerce a
função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente

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relevantes. É uma construção que surge do trabalho do legislador, que descreve
as ações, consideradas pela sociedade como graves, na norma penal.

Conhecendo as características e os elementos que compõem cada tipo penal, você


será capaz de realizar o juízo de tipicidade, que nada mais é do que uma operação
intelectual de conexão entre os infindáveis comportamentos desenvolvidos na vida
em sociedade e o modelo descrito na lei penal. Em outras palavras, é analisar se
determinada conduta apresenta os requisitos que a norma exige, para qualificá-la
como infração penal.

É importante você ter a consciência que o juízo de tipicidade realizado pelo policial
não vincula a autoridade policial e nem o Ministério Público, que poderão, a
depender dos fatos, entender que a conduta apresentada amolda-se a outro tipo ou
que, até mesmo, não configura ilícito penal.

Essa rápida revisão cuidará das principais classificações doutrinárias a que estão
submetidos os tipos penais. A divisão dos diversos delitos em categorias é
elemento facilitador de seu entendimento. A doutrina realiza as seguintes
classificações:

- Delito doloso, culposo e preterdoloso


- Crimes: Comum e próprio
- Crimes: De resultado e de atividade
- Crimes: Unissubjetivo ou plurissubjetivo

Veja nas próximas páginas as características de cada uma das categorias citadas.

Delito doloso, culposo e preterdoloso

Essa classificação diz respeito à natureza do elemento volitivo (vontade) presente na


infração penal. De acordo com o artigo 18, do Código Penal, o crime é doloso quando
o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; culposo, quando deu
causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Já o preterdoloso ou
preterintecional é o crime cujo resultado total é mais grave do que o pretendido pelo

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agente. Há uma conjugação de dolo (no resultado antecedente) e culpa (no
subsequente). A lesão corporal seguida de morte, tipificada no § 3º, do artigo 129, é
um claro exemplo de crime preterdoloso.

Você sabia?
Que em homenagem à garantia da reserva legal, constante no inciso XXXIX, artigo 5º,
da Constituição Federal, confirmada pelo parágrafo único do artigo 18, do Código
Penal, ninguém pode ser punido por conduta culposa, a menos que a figura penal
preveja, expressamente, a punição do agente a esse título.

Crimes: Comum e próprio

O crime comum é aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa, ou seja, não se
exige qualidade especial do sujeito ativo, por exemplo, homicídio, ameaça, furto. Já
os próprios só podem ser praticados por quem possua certa qualidade, como
exemplo, a condição de funcionário público para os crimes de peculato, concussão e
corrupção passiva.

Crimes: De resultado e de atividade

Os crimes de resultado, também denominados de material, são aqueles que


somente se concretizam com a ocorrência do resultado naturalístico, isto é, uma
efetiva modificação no mundo exterior. Caso não haja a produção do resultado,
que nesses delitos integram o próprio tipo penal, se estará diante da tentativa. Em
termos praticados, o delito do artigo 121 só é consumado com a modificação do
mundo exterior representada pela morte de alguém, se o agente iniciar a execução
na direção de matar alguém, porém, por circunstâncias alheias à sua vontade não
atingir o resultado morte, estará diante da tentativa.

Por sua vez, os ditos crimes de atividade se contentam com a ação humana
esgotando a descrição típica, podendo ocorrer ou não o resultado naturalístico, para
sua consumação. Conforme leciona Nucci (2007) é o caso da prevaricação (artigo
319). Contenta-se o tipo penal em prever punição para o agente que deixar de
praticar ato de ofício para satisfazer interesse pessoal, ainda que, efetivamente,

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nada ocorra no mundo naturalístico, ou seja, mesmo que a vítima não sofra prejuízo.
Parte dos doutrinadores divide os crimes de atividade em formais e de mera conduta.

Crimes: Unissubjetivo ou plurissubjetivo

O crime unissubjetivo é aquele que pode ser praticado por um único agente, mas
admite o concurso (ajuda) eventual de pessoas. Essa modalidade de delito constitui
a regra no ordenamento penal. O crime plurissubjetivo exige o concurso necessário
de no mínimo duas pessoas, por exemplo, a rixa.

Dos crimes em espécie

Resistência (artigo 329 )

O artigo 329, do Código Penal, traz ao mundo jurídico o delito de resistência,


sendo assim redigido:

Art. 329 Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a


funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:
Pena - Detenção de dois meses a dois anos.
§ 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
Pena - Reclusão, de um a três anos.
§ 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à
violência.

O delito estudado tem como objetividade jurídica a tutela do normal funcionamento


da administração pública. Regis Prado (2006) acrescenta que o tipo visa, ainda,
assegurar o exercício da autoridade estatal, o prestígio da função pública e a
segurança dos agentes públicos, bem como daqueles que lhe prestam auxílio, para a
consecução do ato legal. Trata-se de um crime comum, formal, de forma livre,
unissubjetivo e admite tentativa, embora seja de difícil configuração.

A conduta tida como injusto penal consiste em opor-se à execução de ato legal,
mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a

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quem lhe esteja prestando auxílio. Nesse caso, opor-se significa colocar obstáculo
ou fornecer combate. Na qualidade de sujeito passivo encontra-se o funcionário
público ou terceira pessoa que lhe esteja prestando auxílio.

Note bem, a terceira pessoa só será sujeito passivo da resistência se estiver


acompanhada pelo funcionário público competente para a execução do ato. Em
outras palavras, se estiver agindo sozinha, como exemplo, prendendo alguém em
flagrante delito, apesar de ser um exercício excepcional de função pública, por
expressa permissão do artigo 301, do Código de Processo Penal, e houver oposição a
essa prisão, não existirá a proteção penal inserida no artigo 329, do Código de
Processo Penal. Dependendo da violência praticada poderá ocorrer o crime de lesão
corporal. Por ser crime comum qualquer pessoa poderá figurar como sujeito ativo,
inclusive outro funcionário público. Sua conduta será equiparada a do particular, pois
sua qualidade funcional não poderá servir como um escudo para a sua
responsabilidade penal.

A violência e a ameaça são elementos objetivos da resistência merecedores de


atenção. A violência é a coerção física, sendo indispensável ser dirigida contra a
pessoa do funcionário ou do terceiro, e não contra coisas. Já a ameaça é a
intimidação, a ameaça de causar um mal injusto. O tipo penal em estudo, ao
contrário de outros, não exige que a ameaça seja grave. O fato do agente proferir
ofensas contra o funcionário não dá motivo para a configuração do delito.
Diante do mesmo caso, imagine as seguintes situações:

Você, policial, em uma abordagem, decide prender um cidadão encontrado com


uma arma de fogo não registrada.

Situação 1: Ao perceber que vai ser detido, o infrator insurge-se contra a ordem
legal, dando vários chutes na viatura, fato que dificulta seu serviço.

Situação 2: O cidadão infrator não chuta as viaturas, mas, por diversas vezes, diz em
alto e bom som, buscando ameaçá-lo, que vai até a corregedoria representar contra
sua atuação.

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Nas situações acima há crime de resistência?

Por certo, em nenhum dos exemplos colocados há o crime de resistência. Na


primeira situação a violência foi empregada não contra você, sua guarnição ou
terceiros, atingiu somente a viatura. O simples fato de atrapalhar seu serviço é
insuficiente para a tipificação do delito comentado. No exemplo, o infrator
responderá pelos danos causados ao patrimônio público, além dos delitos
correspondentes à posse irregular de arma de fogo. No segundo caso, a promessa de
representação não é um mal injusto, sendo direito de qualquer pessoa reclamar
contra suposta irregularidade funcional.

Por último, você analisará o elemento objetivo representado pela necessidade de ser
o ato legal e o funcionário competente para executá-lo. A Constituição de 1988, no
inciso II, de seu artigo 5º, traz como garantia fundamental a norma que “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Interpretando o dispositivo constitucional em conjunto com o artigo 329, do CP,
chega-se a inevitável conclusão que ao cidadão é permitido contrariar a ordem ilegal,
no exercício regular de seu direito. Não se pode esquecer que a legalidade da ordem
deve abranger seu aspecto substancial (conteúdo) e formal.

Apesar de tudo que foi dito é importante registrar que a ilegalidade da ordem não se
confunde com a sua justiça, ou seja, ela pode ser injusta, mas legal, circunstância
que impõem sua observância. No que toca ao funcionário público, não basta essa
qualidade para a configuração do ilícito, é necessária a presença de sua competência
funcional. Já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, que não
caracteriza o delito de resistência a oposição a diligência efetuada por guardas
municipais, pois esses não possuem competências para abordar, revistar ou prender
alguém por porte ilegal de armas. (TJSP, RJTJSP 157/294)

Você sabia?
A resistência passiva – sujeito que ao receber uma ordem legal se deita no chão para
não acatá-la – não configura o crime de resistência, pois a violência e a ameaça estão
ausentes.

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O número de funcionários públicos contra os quais se opõe o agente não faz nascer
vários delitos de resistência em concurso formal, pois o objeto jurídico protegido é a
administração pública, e não o interesse individual de cada um.

Desobediência (artigo 330)

Art. 330 Desobedecer a ordem legal de funcionário público:


Pena - Detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

O delito em estudo, além de proteger a administração pública, resguarda o seu


prestígio e sua potestade. O núcleo do tipo, expresso pelo verbo desobedecer, tem
o sentido de não ceder, descumprir, desatender a autoridade de funcionário público.
Conforme o conteúdo da ordem, se indica um comportamento positivo ou negativo,
consuma-se o delito com a ação ou omissão do desobediente. Tratando-se de
omissão, é preciso verificar se foi concedido prazo para a execução, nessa situação,
consuma-se o crime no instante de expiração do lapso temporal fornecido. Na figura
de sujeito ativo poderá estar qualquer pessoa, inclusive outro funcionário público.
Como sujeito passivo temos o Estado e o funcionário público que emitiu a ordem. A
doutrina classifica esse delito como comum, formal, de forma livre, unissubjetivo e
admite a tentativa.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (HC nº 1.390, publicado no DJU de


19/10/1992) que o funcionário público só pratica a desobediência quando agir como
particular. Em outras palavras, caso a ordem desobedecida seja referente a suas
funções, o delito cometido será outro, possivelmente prevaricação (artigo 319 do
CP).

De modo similar a resistência, a ordem descrita no tipo de desobediência é


qualificada de legal, referindo-se tanto à sua forma como substância. É preciso
anotar que a ordem deve ser clara, não a configurando simples pedido ou solicitação,
bem como deve ser dirigida diretamente a seu destinatário, seja na presença de
quem emite o comando, por notificação ou outra forma inequívoca de ciência. Em
homenagem ao inciso II, artigo 5º, da Constituição Federal, só existirá a
desobediência se aquele que não acatou a ordem tiver o dever legal de obedecê-la.

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Analise e reflita sobre a seguinte situação:

Você, policial, está realizando uma blitz quando determina a um condutor de veículo
que faça o teste do bafômetro. O cidadão, aparentemente ébrio, nega-se
decisivamente.

Nesse caso, você pode dar voz de prisão com base no crime de desobediência?

Por certo a resposta negativa deve prevalecer. Diante da garantia da não


autoincriminação não há que se falar em desobediência quando o acusado, indiciado
ou réu deixa de contribuir com o Estado no exercício do ius puniendi.

Os tribunais pátrios acordaram o entendimento que a existência de penalidade


administrativa ou civil, cominada em legislação, para a ordem desobedecida, afasta a
incidência do delito de desobediência, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a
cumulativa aplicação do artigo 330 e dos seus termos, afastando o bis in idem. Nesse
sentido decidiu o STF que:

Não há crime de desobediência (CP, artigo 330), no plano da tipicidade penal, se a


inexecução da ordem, emanada de servidor público, revelar-se passível de sanção
administrativa prevista em lei, que não ressalva a dupla penalidade. Com base nesse
entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para anular condenação imposta ao
paciente, que se recusara a exibir, ao policial militar encarregado de vistoria de
trânsito, seus documentos e os do veículo automotor que dirigia. Considerou-se que a
conduta do cidadão já está sujeita à sanção prevista no artigo 238, do Código de
Trânsito Brasileiro. (HC 88.452/RS, 2ª T, rel. Ministro Eros Graus, 02/05/2006)

Notas sobre o tema:

1 – A competência para processo e julgamento desse delito é reservada aos Juizados


Especiais Criminais, consoante o artigo 61, da Lei nº 9099/1995.

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2 – O não cumprimento da ordem emanada de funcionário público acompanhado de
violência ou ameaça, configurará o delito de resistência, que, na hipótese, absorverá
a desobediência.

Desacato (artigo 331)

O artigo 331 do Estatuto Penal reza que:


Art. 331 Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - Detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

A conduta proibida pelo tipo do artigo 331 é representada pelo verbo desacatar, que
traz o sentido de ofender, menosprezar, humilhar e menoscabar. Na lição de Nelson
Hungria (1959), desacato é “a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em
palavras injuriosa, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressões físicas,
ameaças, gestos obscenos, etc.”, complementa por dizer, que é “qualquer palavra
ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao
funcionário”. Desde já, cabe ressaltar que a crítica ou censura contra a atuação
funcional de alguém não são abrangidas pelo núcleo do tipo, a não ser que proferidas
de modo ofensivo.

O importante a ser fixado, para a realização do juízo de tipicidade, é que o sujeito


ativo deve agir com a nítida intenção de desprestigiar a função pública, desacatando
seu funcionário. A consumação do delito se dá justamente com o ato ou a palavra, de
que o ofendido presencie ou tome conhecimento direto.

Como se sabe, o Brasil é um país de tamanho continental, em razão possui as mais


diversificadas formas de expressão cultural. Alinhados na lição de Nucci (2007) e
Damásio (1999), tem-se que as condições pessoais do ofensor devem ser analisadas.
Não se pode confundir falta de educação, grau intelectual muito pequeno, posição
social com o dolo do desacato. Isso não quer dizer que você, agente de Segurança
Pública, deva suportar toda e qualquer ofensa. O essencial é agir com prudência na
tipificação do artigo 331. Além disso, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Ao se
considerar que o bem jurídico tutelado pela norma do artigo 331, do Código Penal, é
o prestígio da função pública, adota-se o posicionamento que o funcionário público

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pode ser sujeito ativo do desacato independentemente de ser superior ou inferior
hierárquico do desacatado. Mas, existe corrente defendendo a ideia que somente o
inferior hierárquico pode figurar nessa qualidade.

Por seu turno, o sujeito passivo é o Estado, pois a objetividade jurídica é a


administração pública, e o funcionário público ofendido. Nesse ponto, o tipo penal
foi explícito ao estabelecer que o crime ocorrerá tanto quando a ofensa for dirigida a
funcionário no exercício de sua função, ou seja, na prática de ato relativo ao seu
ofício, dentro ou fora de seu local de trabalho, quanto em razão dela. Quando o
funcionário público estiver no gozo de sua vida particular e vier a sofrer qualquer
tipo de ofensa, totalmente desvinculada de sua qualidade laboral, não há o crime em
estudo.

Como foi destacado anteriormente, o desacato pode ser concretizado por palavras,
gestos e até ofensas físicas. Esse crime absorverá a infração cometida em sua
execução, no caso mais leve, tendo como exemplo a ameaça, e vias de fato, lesão
corporal de natureza leve e difamação, pela aplicação do critério da consunção. Ao
contrário, em se tratando de delito mais grave, como a lesão corporal de natureza
grave, há concurso formal.

Ocorre o concurso formal quando o agente, mediante uma só conduta, pratica dois
ou mais crimes, idênticos ou não. Nessa espécie de concurso há unidade de ação e
pluralidade de crimes. Nesse caso, aplica-se a mais grave das penas cabíveis ou, se
iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até
metade.

Notas sobre o tema:

1 – A competência para processo e julgamento desse delito é reservada aos Juizados


Especiais Criminais, consoante o artigo 61, da Lei nº 9.099/1995;
2 – O desacato difere da resistência ao passo que nessa a violência ou ameaça
direcionada ao funcionário visa a não realização de ato de ofício, já naquele,
eventual violência ou ameaça tem por finalidade desprestigiar a função pública;

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3 – Considera-se crime único o desacato praticado num só contexto fático, ainda que
dirigido contra vários servidores, pois o Estado é o sujeito passivo primário e os
funcionários, sujeitos passivos secundários (TACrSP, RT 748/650) ; e
4 – Se o funcionário público provocar o cidadão e esse retribuir as ofensas
inicialmente proferidas, sua conduta não se enquadrará no tipo de desacato, pois
ausente a intenção de desprestigiar a função pública. Há, sim, o intento de
responder o que julgou indevido.

Corrupção ativa (artigo 333)

Art. 333 Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para


determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – Reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional.

O estudo da corrupção ativa começará pela análise do núcleo do tipo, que é a


essência da conduta. No artigo 333, dois são os núcleos alternativos indicados pelo
legislador. O primeiro é oferecer, que tem o sentido de pôr à disposição, apresentar
para que seja aceito. Depois há a ação descrita pelo verbo prometer, cujo significado
é obrigar-se, comprometer-se, garantir alguma coisa.

No crime de corrupção ativa não basta a presença do dolo, consistente na


consciência e vontade de oferecer ou prometer vantagem a funcionário público, para
a constituição do delito. Esse deve ser conjugado com o especial fim de agir do
agente na direção de fazer o funcionário praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Em decorrência, quando a vantagem for entregue depois da prática do ato, sem a
anterior promessa, não se trata de corrupção ativa, podendo, dependendo do caso
concreto, configurar outro ilícito penal, por exemplo, improbidade administrativa
(Lei nº 8.429/92).

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Especial fim de agir
Pode figurar nos tipos penais, ao lado do dolo, uma série de características subjetivas que os
integram ou os fundamentam. A essas características chamamos de elemento subjetivo
especial do tipo, também denominado especial fim ou motivo de agir. O especial fim de agir,
embora amplie o aspecto subjetivo do tipo, não integra o dolo nem com ele se confunde, uma
vez que o dolo esgota-se com a consciência e a vontade de realizar a ação com a finalidade
de obter o resultado delituoso ou na elevação do risco de produzi-lo. O especial fim de agir
que integra determinadas definições de delitos condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato,
constituindo, assim, elemento subjetivo do tipo de ilícito, de forma autônoma e
independente do dolo. (Bitencourt, 2006, p. 341)

O tipo objetivo traz como um de seus elementos a vantagem indevida, que constitui
todo benefício ou proveito contrário ao direito, ainda que, ofensivo apenas aos bons
costumes (Nucci, 2007). A doutrina pátria diverge acerca da natureza da vantagem,
concedendo duas correntes:

É apenas a vantagem patrimonial, como dinheiro ou outra utilidade material;

Compreende qualquer espécie de benefício ou satisfação de desejo. Deve se apoiar a


segunda linha de raciocínio que, aliás, representa o pensar majoritário. Por certo, há
situações em que o funcionário corrompe-se, por exemplo, retardando ato de ofício,
para ganhar elogio que o beneficiará profissionalmente. O direito não pode ficar
inerte diante desses fatos, mesmo na ausência de ganho patrimonial, pois a conduta
descrita atinge a administração pública, no seu interesse moral.

Por ser crime comum qualquer pessoa pode cometê-lo. O sujeito passivo é o Estado.
O bem jurídico protegido é o normal funcionamento e o prestígio da administração
pública. Por ser um crime formal, sua consumação ocorre mesmo que o funcionário
público não aceite o suborno, bastando que o oferecimento ou promessa de
vantagem chegue ao seu conhecimento, conforme decisões dos principais tribunais
nacionais.

Nota sobre o tema:


1 - O crime de corrupção ativa não é, necessariamente, bilateral. Ou seja, pode
haver corrupção ativa sem que ocorra também corrupção passiva (artigo 317).

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Penal. Crime de corrupção ativa. Policiais. Vítimas. Depoimentos dotados de
credibilidade. 1 - O crime de corrupção ativa consuma-se com a simples oferta ou
promessa de vantagem ilícita. É considerado crime formal, em que a consumação
independe da aceitação da vantagem que lhe é prometida. O simples oferecimento
de propina a funcionário público já caracteriza o crime. 2 - A exigência de prova
concreta do oferecimento da vantagem para os policiais é prescindível, já que os
policiais são agentes públicos e suas declarações devem ser consideradas, mormente
(principalmente) coerentes, firmes e consonantes. (TJDFT, Rel. Desembargador
Edson Smaniotto, 1º Turma Criminal, DJ 11/11/2008, p. 113)

Conclusão

Neste módulo, você estudou sobre o uso de algemas, sobre abuso de autoridade e fez
uma breve revisão de alguns delitos descritos no Código Penal. Os temas abordados
possuem o objetivo de orientar sua atuação quando confrontado em uma abordagem
policial. Atue dentro da legalidade, não aja, exclusivamente, com base na emoção.
Lembre-se de que o maior prejudicado, em uma atuação arbitrária, será o próprio
policial.

Os assuntos tratados neste curso, não se esgotam aqui. Pelo contrário, exigem
aprimoramento constante.

A sociedade acredita e precisa muito de você. Conheça cada vez mais seu ofício, pois
um erro do policial conduz a legalidade à ilegalidade, a vida à morte.

Neste módulo são apresentados exercícios de fixação para auxiliar a compreensão


do conteúdo.
O objetivo destes exercícios é complementar as informações apresentadas nas
páginas anteriores.

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Página 35
1. Analise a afirmação abaixo, levando em consideração as limitações impostas
pelos direitos e garantias fundamentais, ao uso da algema. Considere também, na
sua resposta, as situações em que tal emprego é admitido pelo ordenamento
jurídico.

Afirmam as autoridades policiais que não é possível saber quando haverá resistência,
uma vez que o detido pode reagir, ainda que seja uma pessoa tranquila colhida pela
ordem. Nesse sentido, as algemas seriam instrumento de segurança, até mesmo, para
a própria pessoa do preso, além de o ser também para policiais e terceiros. De outra
parte, é inegável que as algemas tornaram-se símbolo da ação policial, e da
submissão do preso àquele que cumpre a ordem de prisão. E é com essa figuração
que pode se tornar uma fonte de abusos e de ação espetaculosa, que promove a
prisão como forma de humilhação do preso e não de garantia da segurança das
providências adotadas. (Ministra do STF Carmém Lúcia – Relatora do HC nº. 89.429-1)

2. Marque a opção correta:

( ) Não comete o crime de abuso de autoridade o policial que, fundado em


competente determinação judicial, viola domicílio à noite.
( ) O agente público só comete o crime de abuso de autoridade quando no real
exercício de função, cargo ou emprego público. Quando de folga, mesmo invocando
sua qualidade laboral, não há que se falar em abuso se pratica conduta tipificada na
Lei nº 4.898.
( ) O direito de representação, descrito no artigo 1º, da Lei nº 4.898, representa
autêntica condição de procedibilidade para a oferta da ação penal, mesmo sendo
esta pública incondicionada.
( ) O crime de abuso de autoridade é um crime próprio.

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3. Marque a opção correta:

( ) O delito de abuso de autoridade pode ser cometido na modalidade culposa.


( ) O direito à liberdade de locomoção não atinge, em sua plenitude, os estrangeiros
residentes no território nacional.
( ) Para os termos do abuso de autoridade descrito na letra “i”, artigo 3º, da Lei nº
4.898, é dispensável que a violência física tenha deixado vestígios.
( ) A Justiça Militar é a competente para processar e julgar, em todas as hipóteses, o
abuso praticado por policial militar quando em serviço.

4. Todas as alternativas abaixo estão corretas, exceto:

( ) O crime de corrupção ativa exige, para a sua configuração, a presença do


especial fim de agir do agente, consistente na vontade de fazer o funcionário público
praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
( ) Para a configuração do desacato basta que o funcionário público tome
conhecimento indireto da conduta tendente a desprestigiar a função pública, em
outros termos, não é necessário estar presente no local da ação injuriosa.
( ) Se o funcionário público provocar o cidadão e este retribuir as ofensas
inicialmente proferias, sua conduta não se enquadrará no tipo de desacato, pois
ausente a intenção de desprestigiar a função pública.
( ) A simples oposição passiva a ato legal provindo de funcionário público não é apta
para a configuração do delito de resistência (artigo 329, do CP).

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5. Todas as alternativas abaixo estão corretas, exceto:

( ) A conduta do sujeito ativo, para a configuração da corrupção ativa,


necessariamente, deverá preceder a pratica, a omissão ou o retardamento do ato de
ofício pelo funcionário público.
( ) A violência apta a configurar o crime de resistência (artigo 329) é a grave.
( ) O crime de desobediência só ocorre quando não atendida ordem legal. Para
efeitos penais apregoa-se que a legalidade da ordem deve alcançar seu aspecto
formal e substancial.
( ) É entendimento majoritário, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, que a
existência de penalidade administrativa ou civil, cominada em legislação, para a
ordem desobedecida, afasta a incidência do delito de desobediência, salvo se a dita
lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do artigo 330.

6. Resolva a situação fática abaixo descrita:

No dia 5 de janeiro de 2009, o Tenente Pedro, oficial-de-dia do 1º Batalhão (Unidade


Policial Militar do Distrito Federal) foi acionado, via centro de operações, para
atender uma ocorrência na quadra 313 Sul (endereço de Brasília). Chegando ao local
deparou-se com um grupo de pessoas fechando a via de trânsito.
Após contato preliminar com o Sr. João, prefeito da quadra, verificou que aquela
manifestação buscava protestar contra a queda da bolsa de valores de São Paulo e a
alta do dólar. Diante dos fatos, o tenente decidiu contactar o seu comandante com o
objetivo de receber orientações.
O comandante da unidade ao cientificar-se da ilegalidade da manifestação (adote
essa circunstância como verdadeira) determinou que a rua fosse desobstruída. Com o
propósito de atingir tal intento, o tenente deu ordem legal, tanto em seu aspecto
formal como substancial, aos manifestantes, concedendo prazo suficiente para sua
execução. De imediato foi atendido, com exceção de 2 (duas) pessoas. Zé e Joana.
Pedro Zé ao esgotar o prazo simplesmente deitou no chão. A guarnição policial
militar, composta por 3 (três) milicianos, teve que o carregar para fora da pista.
Joana quando recebeu a ordem ficou inerte por curto período, pois com a
aproximação do oficial e de seu motorista opôs-se à execução do ato mediante

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violência. Após ser presa, Joana proferiu vários xingamentos contra a guarnição,
reduzindo-lhes a autoridade.
Diante do quadro acima desenhado, aponte o(s) possível(is) crime(s) cometido(s) por
Pedro Zé e Joana, bem como se existe a presença de mais de um delito (de mesma
natureza), em concurso formal, tendo-se em mira o número de policiais presentes na
ocorrência.

Este é o final do módulo 3 - Parâmetros jurídicos da ação policial diante de alguns


tipos de crime

Gabarito

2. O crime de abuso de autoridade é um crime próprio.


3. Para os termos do abuso de autoridade descrito na letra “i”, artigo 3º, da Lei nº
4.898, é dispensável que a violência física tenha deixado vestígios.
4. Para a configuração do desacato basta que o funcionário público tome
conhecimento indireto da conduta tendente a desprestigiar a função pública, em
outros termos, não é necessário estar presente no local da ação injuriosa.
5. A violência apta a configurar o crime de resistência (artigo 329) é a grave.
6. Pedro: Comete um único delito de desobediência (artigo 330, do CP).
Joana: Comete o crime de resistência que, em sintonia com a melhor jurisprudência,
absorve o delito de desobediência, em concurso com o desacato. Acerca do desacato
tem-se que, a despeito da pluralidade de policiais militares, o crime é único, pois o
sujeito passivo, nesse caso, é o Estado.

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