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O termo “democracia” niio deriva apenas etimologi- camente de “povo. Estados democriticos chamam-se gover- nos “do pov” [“Volks"herrschaften eles se justificam afir- ‘mando que em Gitima instincia o pove estaria “governando” [herrscht"}. ‘Todas as razSes do exercicio democritico do poder © da violencia, todas as razées da critica da democracia depen- dem desse ponto de partida ‘A explanagio, bem como a justificaglo, movem-se hhabitualmente no campo das séenicas de representagio, de instituigdes e procedimentos. S6 assim 0 “pove” entra no ‘campo visual; ou ainda nos momentos nos quais a delimita- ‘gio (da “nag”, da “sociedade”) esta em jogo. (© presente texto indaga: quem seria esse povo, que pudesse legitimar “democraticamente™? Talvez se descubra no curso dessa indagago que ndo basta que um documento invoque (beschwért} 6 povo; ou ainda, inversamente, que a escoberta (Einsicht] s6bria de que © povo com efeito no exerce a dominagio ainda nio deve destegitimar. (© preimbulo da constituigao brasileira (CB) de 1988 foi promulgado juntamente com documento integral pelos “representantes do povo brasileiro”, ‘para instituir um Estado “ PuUcpaicH MOLLER Democritico”. No Titulo I, Att. 1° constit Federativa do Brasil como “Estado Demoeritico de Direito”, ro qual “[tJodo 0 poder emana do povo, que 0 exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituigio” (CB Ant. I, pardgrafo tnico). ‘Similarmente a Lei Fundamental alema {Grundgeset, doravante citado pela sigla GG] invoca no seu preambulo fato de que “o Povo Alemao, por forga do seu poder consti- tuinte” teria outorgado esse texto; a Repiblica Federal da ‘Alemanha seria “um Estado federativo democratic © de bem-estar social”, no qual “iodo o poder de Estado” emanaria “do povo" e deveria ser exercido “pelo povo em eleigdes e votagées”, bem como “por meio” da atividade dos cléssicos ‘rgios piiblicos divisores dos poderes (GG Ar. 20, §§ 1 e 2: declarada como intocavel por meio de alteragio da consttui- ‘gio em GG Art. 79, § 3), Para os nfveis inferiores dos Esta- dos da federagio ¢ dos municipios estatui-se que aqui “o ovo” deveria possuir uma representagio democraticamente leita (GG Ant. 28, § 1, frase 2); 0s deputados do Parlamento, Federal sio credenciados como “representantes do povo in- twiro” (GG Ant. 38, § I, frase 2). Por fim os partidos (GG Art. 21, § 1) devem co-atuar {mitwirken] na “formagio da von- tade politica do povo”. O fato dessa “co"-atuagio ser ex- pressa em eufemismo jé caiu na boca do povo. Mas quem legitimaria aqui essa co-atuag3o — realmente 0 povo inteiro, ‘ou apenas 0s membros dos partidos ou apenas estes siltimos — descontados os membros inativos, que apenas fazem nii- ‘mero (Karteileichen]" —, ou, ainda, apenas as liderangas (ou liderangas de bancadas) oligarquicamente instaladas? Seria o povo, fora dos partidos e dos seus aparelhos, simplesmente a populagio? Essa idéia provavelmente parecerd temerdria ‘Awalugo eral do temo alert €“cadiveres do ho e designs ato ‘os membros do pare que cnstam pens noch [NT ‘que eo revo ” 40 senso de responsabilidade dos competentessetores {madgebende Kreise]”. Ou sera que a legitimagio dessa co- atuagdo advém a0 menos de todos os titulares da nacional dade [Staatsangehorigen] ou ainda dos ttulares de direitos cleitoraisativose passives? Esses conjuntos parciais nao so id2oticos ene si; e pergunta-se quem deles sera iatico 20 “povo", Ao passo que a elegbilidade, odireitoeleitoalativo, 4 nacionalidade 0s diversos graus © pressuposios da Partcipago sfo perfraseados por textos de normas (em nivel consitucional infraconstitucional), tas textos de normas faltam para a explanagSo, para a definigio legal [Legaldefnition} de “povo" Nem a todos 0s cidadios & permitido votar. Nem todos os eleitores votam efetivamente. E por meio de que deve legitimar a minoria, sempre vencida pelo voto da maio- ria nas eleigbes € em posteriores ats legislativos? E que “povo” — caso necessirio, novamente um outro “povo” — se esconde atris dos efeitos informais sobre a formagio da pinio piblica e da vontade politica “do povo” — efeitos 4ve por exemplo as pesquiss de opniso ou todas as atvida- des individuais © sobretudo as atividades associativas corporativas podem produzir na politica? Justiicado enguanto objeto (ntencionado) & sempre o Estado, enquanto “democritico". Mas quem legitima no papel do sujito (intencionado “ou nSo-intencionado/no- consuliado)? Ao nivel da federagio s6 todos os titulares de direitos eleitorais ativos [Wablberechtigten] (GG, Art. 38, § 2) podem — o que € realsta — ser representados pelos de- putados — pelos mesmos deputados que o texto da teodicgia «stata denomina “representantes do povo intro”. Talvez isso soja uma ideologia; mas talvez aqui um povo “inteiro” de SA expe alr clogul¢frgtetenente wads por malts neriios on propesio para o ali (NT) 50 FRIEDRICH MOLLER titulares de nacionalidade ou até a populagdo efetiva do ter- FitGrio legitimem realmente de outro modo. Até agora, no enntanto, esté cada vez menos claro que povo supre aqui a legitimidade; isso fica cada vez menos claro, quanto mais de perto examinarmos o fenémeno em questio. ‘Se uma constituigio recorre ao poder constituinte “do ovo ou se ela atribui “todo 0 poder (de Estado}... [20] povo”, serd que ela entdo formula um enunciado sobre a rea- Tidade? Hé uma impressio difundida de que as coisas niio se ppassam assim, Nesse caso a constituigio fala e cala 30 ‘mesmo tempo. Ela fala [spricht], mas ndo sobre 0 poder do ovo; ela se atribu (spricht sich zu] legitimidade. Ao mesmo tempo cla silencia sobre o fato de que essa atribuigao (Zu- Schreiben) no alcanca a realidade ou, como no caso da Lei Fundamental alema, que nlo conhecew nenhum procedimento demoeritica de outorga da constituiglo, sobre 0 fato de que cla também no pode mais alcangécla, Existem ento ainda ‘caminhos indiretos, pelos quais se pode reduzir a distincia centre a lei fundamental e a “realidade constitucional”, entre a promessa de legitimidade e a realidade, com os meios possi veis para uma consttuigGo burguesa: por intermédio de for- mas de legislagao popular democrtica sem mediagdes, da clegibilidade dos funciondrios piblicos ¢ dos juizes, por intermédio da participagio decisiva do povo em partidos associagées, concretamente normatizada, e por intermédio de medidas similares, tais como so encontradicas em paises individuais da familia constituciortl. No entanto, toma & baila a pergunta sobre quem deve ser aqui em cada caso 0 povo, que se beneficia de tais ocasives de ago enquanto ovo unitério ou segmentado ou mesmo apenas imagindrio; © toma também a baila a pergunta até que ponto tais medidas so suficientes para fazer democritico © ordenamento de umzorovo si poser-voléncia (Gewaltordnung)" representado por um Es- tado.O primeiro desses dois problemas, a pergunta Quem é povo?, merece uma indagacdo mais profunda — antes de € mesmo sem deseer aos pormenores da conhesida arquitetura, ramificada da teoria da democracia. Nio se trata, portanto, de justapor os conceitos de povo do discurso das diferentes disciplinas. Esse éo trabalho dda Cigncia Politica; © assim procedeu também Paulo Bonavides na sua Ciéncia Politica,” justapondo a concepgio politica, juridica e “natualista ou nica, socilégica” de ovo" ‘Aqui se tata do conceito juridico ou, mais precisa- mente, dos modos de emprego da expresso “pove” nos 5.0 temo alemto iid pelo ator € Gena que se pode uniuas poe oleae po poder ambien do eo demo revela ua ambelEala (a propia eae 3 gu term se reer temo lems te: prim ‘dae, oe o poder fem ncesaromene urn cootgto de wen, da gue 2 San a peas do Estado de Due ne enpentem em formal. le der, ‘oar asim tomar tranepretee deal esa lec cone dat feugees soca. Ope por padervolinca por fades que lor pale Aepecnder ds argamnarso Gesmvlvde por Fisch Maller no ser Dire lingwagem "veloc, Elemento de ae toiaconataconl Too ‘ase, asus por Ptr Nauman epublica em Poa Alege po Sem ‘Avvomo Faris Er em 1995), Na dcssio dese problema de ado © {ator exlrcey em cae 3 eal de 1995 a sun pia, Guero sgraiece. The pla permis de reqrdare at dis wechos dea cata, ice ath yantclarente pines « eanguecem 0 ete: “Todo o met tealo ¢ 2 ‘xpltatn do jog de dicen de oder e lnc mesa temo Geval, ‘Stim como empreps ag [Nios ata apenas de er jogo do aca 9 Embivalac, mas do fa de ue essa asleca petro ere ral danse tea ecarante consds nas rapes juries)” (NT, Woe com Feqveas sere: © aeficinos da ciach eigio basen) de Dirtho ~ Trawagem: silencio p20 gras Sra Annie Fars pl pesto de rear a lems Sess Rt TR'Ct 1 shordagem cheontaninds de Gsorges Bardens, Trae de science poiiqu el 1966 1977, Vl Vopp 1336 5 Td. p, 74 s.- Sobre © papel do povo na democrat Kd Ieper Police dire 198; pp. 16S, 199s, 3988 ©, Connie 2 roepnicn MOLLER textos das normas de uma consttuiglo democritica: de uma consttuigo, para dizé-Lo em outros termos, que quer justi caro seu aparelho de Estado o exercicio da sua violéncialdo seu poder enquanto “democriticos”. “Quem é 0 povo?” transmudase agui na pergunta: como se pode empregar “povo" nesse context, caso a pretenséo de leitimidade “do overo do povo deva fazer suficentemente sentido? De qualquer modo essa expresso pertence a0 conjunto das ex- press6es mais prenhes de pressupostos e também a0 conjunto das expresses menos seguras dos referidos documentos, constitucionais © objetivo, com 0 qual estes a empregam, € eviden- temente sempre a legitimagio do Sistema Politico consti- tufdo. “Nag0" também poderia servir para tal fim. Mas fora da Franga, onde esse conceito — aparentemente — logrou preservar uma certainocéneia, 0s textos constitucionas idam hesitantemente com cle. Ora, no existe na realidade nenhuma comunidade “de sangue", mas comunidades cultu- ris que representam culturas consitucionis na esfera do direito consttucional: a “nagao" politica dos que querem viver sob essa constiwigSo. Assim “povo” e “nagio™ foram igualados sem dificuldades ainda no séc. XVIIL" Mas iso j no vale mais por bons motivos — desde a carrira duvidosa do coneeito de nagio durante o nacionalista sée. XIX. E verdade que também o conceito de “povo” seguiu,sobretudo no sée. XX, uma carreira que o fez atravessardelrios autri- titio-chauvinists toalitério-nacionalistas e que s6 pode ser clucidativa ex negativo para o contexto da legitimagzo de- mocritica. 35.Ck Ingeborg Mave. Zar Tromformation des Velsomerinititrini in der Weimarer Repu: P. Natumouia eS Breer (ei) Poiit-Verastung Geslichft 1995 pp. 107s 108: par uma gums cr trode Feiepio I. “Vol tnd "Nation" im Denker der Alana, i: Dir St ‘Sauce und neratonale Pot 1988, pp 403s ufo revo 3 © termo “nag” havia sido introduzido com mais cla- reza a0 inicio da Revolugdo Francesa por Sieyés e pela ‘Assembléia Nacional: como figura de argumentagao [Kunstfigur], que se propunha a resolver a contradigao entre © pouvoir constituant (como cujo resultado a constituigio de 1791 foi fingida) © 0 pouvoir constitué (a monarquia ¢ 0 tei)" E certo que o enfoque que separava os dois pouvoirs se colocou contra Rousseau, e isso jf vale também para a reu- niio da Assembléia Nacional como “representasio” do povo, ‘Mas a operagio abriu 0 caminho para desvincular © “povo"” das relagdes de poder existentes e da discurseira do Ancien Régime em tomo da legitimaco, permitindo empurré-lo en- quanto “consttuinte” para o papel transformador, revoluci nirio. Ao menos na diree3o do seu impulso politico, essa guinada ainda continua seguindo Rousseau; ela atribui 20 “povo” a legitimidade suprema. ‘Mas 0 que deve impedir, justamente a partir de Rousseau, que esse “povo” seja compreendido enquanto multiplicidade das pessoas reais que habitam no tervt6rio de uum Estado, como uma multiplicidade no “unitiria" em si, mista, consttuida em grupos, mas organizada de forma igua- litria e nio-discriminada? 36 CEs pops Feedch Mule. Fagmen (ier) Verfasanggcbonde Gavalt. des Voter lemente car Versngsheoe V- 1985.60... 1 “Povo” como povo ativo O primeiro componente de “democracia” é objeto de ppouca reflexio; o segundo domina continuamente o Direito Pblico, a Sociologia Politica e a Ciéncia Politica. “Domina- fo” {"Herschen"] abrange a elaboracio e promulgagio da constituigdo, a legislagoe a insituigdo de normas nos planos subordinados, signficando a execugio das prescrigdes vigentes e, por fim, o controle (a nivel interno do Executiv, no parlamento © no Judicidrio). Segundo a doutrina mais em voga, 0 povo atua como sujeito de dominagio nesse sentido por meio da eleigao de uma assembléia constituinte efou da Yotagio sobre o texto de uma nova constituigdo:” por inter- iédio de eleigbes e, em parte, por meio da iniciaiva popular [Wolksbegehren] e do referendo [Volksentscheid]; por meio 57. prin forma coma concep do “par coasttinte do pov” & ‘impels por mo da ext « do pocedimeno derersic de orp ds ‘iets «-manutegio ce um cleo. consmcona (que sbange [undomenalnete a democac) a pass fut serch Male. Fragment iter Verasonggcbende Gov det Vole, 1995-4 no eli eeu teria de “matinca'™ mu plo contro, ein se 2 mite came ‘corre Cal Schmit) bem como aterverao fora (al one eco cm ne Keine) CL qua a elles de picpi sobre» 'desoliag da leptinidade Paulo Boravides. A deol da lepiidade. te: O Dieto (0593), pp 61 Se agra Sob 0 lo Die Enplienng der Leptin, ot ‘rug par o slemlo de Peer Nauman » Fisch Mile De Sit HARV. Ah 56 razpnicn MOLLER de eleigées para instancias de antogestio e, se for 0 caso, por ‘meio da eleigdo dos funciondtios publicos ou ainda da eleiga0 dos juizes, incluida a eleigdo dos jufzes da Corte Constitucio- nal Federal alemé, mediada de forma apenas muito rarefeita fem termos de “demo"cracia, No geral esse pove ativo, a totae lidade dos eleitores & considerada — nao importa quio direta (ou indiretamente — a fonte da determinagio do convivio social por meio de prescrigées juridicas. Disso faz parte também, num sentido mais amplo, a autodeterminagdo insti- tucionalizada ao lado da autodeterminagio municipal, e.g. em formas de participagio na profissio, nas empresas, nas uni versidades e nas eseolas. EleigGes © votagdes tém a dupla fungio de enviar representantes a grémios e sancioné-los por atos eleitorais posteriores, se for 0 caso, bem como de tomar ecisbes individuais validas ou editar prescrigdes, em Ambit restrito, No Poder Executivo no Poder Judicirio a “domina- glo” do povo ativo pode ser vista operando de forma me- diada, na medida em que prescrigdes capazes de justificagao democritica estio implementadas em decises de maneira correta em termos de Estado de Direito, no sentido de capazes de universalizapio e de recapitulagao plausivel [uberzeugend nachvollzichbar) Por forga da prescrigdo expressa_as constituigdes somente contabilizam como povo ativo os titulares de nacio- nalidade; isso resulta 20 menos da sistemética do texto (e.g. diretamente na CB, Titulo Il, Capitulo IV, Ant. 14°, §§ 2 € 3; indiretamente com relagao a GG, An. 38, § 2; Art 28, § 1, frase 2). Uma novidade € a introdugao do diteto de voto para cidadios da Comunidade Européia ao nivel municipal no 4quadro da Unido Européia. Valem como possibilidades legi- timas de restricio do direito de voto de itulares de nacionali- dade a decretagio da perda dos respectivos direitos civis,cor- reta em termos juspenalistas, bem como a faixa etitia € 0 Quer 0FOvo 37 estado “mental”. Elas tradicfonalmente no so consideradas uma discriminago contrria & democracia, mas estio, como tudo, tanto mais abertas & manipulagdo quanto. mais um Estado se reveste de tragos autoritérios. Mas justamente entéo priticas como as de uma psiquiatria politica fomecem a do- ‘curentago comprobaria de processos de deslegitimizacio diante do critério de aferigdo“povo ative": ‘Tradicionalmente esse dimensionamento para os tity lares da nacionalidade € matéria de direito positive, mas no se compreende por evidéncia. Estrangeiros, que vivem per ‘manentemente aqui, trabalham e pagam impostos e contribui- s8es, pertencem & populacio. Eles séo efetivamente cidadaos aktisch Inlander|, si0 atingidos como 0s cidadios de di- reito (rechtliche Inlander] pelas mesmas prescrigdes “demo- craticamente” legitimadas. A sua exclusio do povo ative restringe a amplitude ¢ a coeréncia da justificago democré- tica, Especialmente deficitirio em termios de fundamentacio € 0 principio da ascendéncia (ius sanguinis), que representa uma construgdo da fantasia, nio uma concluséo fundaments- vel pela empiria ("sangue"). A idéia fundamental da de- ‘mocracia & seguinte: determinag3o normativa do tipo de convivio de um povo pelo mesmo povo. J que nio se pode ter 0 autogoverno, na pritica quase inexequivel, pretende-se {er a0 menos a autocodificagio das prescrigdes vigentes com base na livre competicdo entre opinices ¢ interesses, com altemativas manusedveis © possibilidades eficazes de san- cionamento politico. Todas as formas da decisio repre sentativa arredam [nehmen aus dem Spiel] a imediatidade SK im democradas devese car pra que medidas Bo graves como Inserighoon a rtemago eum citea puis dam er repulse ‘valine foro exo, ropa, apart eum fndament norma SO temo senso pra ‘ctangeo"¢AulnderQurament: qo de for 80 ul) ev ati no seni ce "ila dancin” aander (gu & Se |e do pi), a ops de wad oe orca’ (NT se ROEDRICH MOLLER [Unmitelbarket). Nao hé nenbuma razo democrética para despedir-se simultaneamente de um possfvel conceito mais, abrangente de povo: do da totalidade dos atingidos pelas rnormas: one man one vote. Tudo 0 que se afasta disso neces- sita de especial fundamentagao em um Estado que se justfica como “demo'eracia, Essa imagem do “povo" nio se derivou da imagem da soberana.” Para as teéricos 0 “povo” se apresenta como algo diferenciado, de acordo com as suas respectivas esratégias. ‘Mas 0 “pov” das consttigdes atuais nio deveria ser dife- renciado segundo a disponibilidade de procedimentos repre- sentatives ou plebiscitérios ou de qualquer outra natureza mista; ele no. deveria ser diferenciado segundo 0 tipo de direito eleitoral, que um sistema adota, ou conforme a sua ‘psi pela instdlagdo de um sistema parlamentarsta ou pre- sidencalista de govemo, e assim por diante, © povo dos textos constitucionais modemnos, que procuram justificar-se por meio dele, € 0 ponto de pata, o grau zero (degré zéro] da legitimagéo pés-monérquica® 0 povo ativo no pode sustentar sozinho um sistema to repleto de pressupostos. 18 No semdo de ura espe de abla popula, do al (la Goo Jelinek Allgemeine Staaslre ed, repr, 190, p98. 401 a revpeno em frmulsgi glbanante tain Jone Manso da Siva Cars deDirsin Contineioel Pot, 10 1993p. Vs: deer ib apenas “goero", rat "muito mals de que 0; € Fein, forma de wae Ppincpameate, proces m “Povo” como instincia global de atribuigao de legitimidade ‘Além disso é de se perguntar se antes o papel do povo ‘no trabalho dos administradores, governantes e juizes ndo foi visto de forma demasiado idealista. Onde funcionérios pal 05 ¢ jufzes nao chegam ao seu cargo por meio de uma clei 0 pelo povo, a sua agdo se liga de forma demasiado etérea A aco origindria do povo ative — 4 eleigao de parlamentares que colaboraram na promulgagio de textes de normas, que foram depois implementadas de forma defensével no Execu- tivo e no Judicisrio. Por essa razio deveriamos formular a pergunta aqui jé de forma diferente. E certo que no caso ideal as coisas se apresentam da seguinte maneira: textos de rnormas democraticamente insttufdos so ius civle.* Quando eles sio respeitados no trabalho cotidiano dos juristas (trata- mento do caso, decisio com caréter de abrigatoriedade, con- trole € revisio) como vinculantes e observados de forma correspondentemente séria no tocante a0 método, 0 trabalho jutidico permanece no discurso do direito popular. Ele no {U- No sentido do ito pupa da Roms ania, epblicaa, dead 8 Ll at Doze Tabns (pr vain de 450 AC), qe fo eibrado com a paris dos fidaaosromanos e ness serio pe ia democrta. No Seco al © 4 Slaso no tet eiga os dois somos» como presiges det prdas reo de procdimenosconstuconssdemaerdios © FRIEDRICH MLLER resvala para um ius honorarium:® no Estado Democritico de Direito,o jurista no pode brinear de pretor romano.” Os poderes ‘executantes’(‘ausfhrenden’] Executivo e Jud rio no estdo apenas insttuidos ¢ no sto apenas controlados conforme o Estado de Direito; estio também comprometidos com a democracia. O povo atvo elege os Seus representantes; do trabalho dos mesmos resultam (entre outras coisas) 05 textos das normas; estes so, por sua vez, implementados nas diferentes fungSes do aparetho de Estado; 0s destinatéios, os atingidos por tis atos so potencialmente todos, a saber, 0 “povo" enguanto populagso. Tudo isso forma uma espécie de ciclo (Kreislauf] de atos de legitimagio, que em nenhum lugar pode ser interrompido (de modo ndo-democrdtico). Esse € 0 lado democritico do que foi denominado estrutura de legitimagao* Mas afirmar que os agentes juridicos esta- riam democraticamente vinculados © que aqui 0 povo ativo estar atuante, ainda que apenas de forma medida, nlo € a ‘mesma coisa. £ verdade que 0 ciclo da legitimagio nio foi interrompido a esta altura de forma nio-democritica, mas foi imerrompido. Parece plausivel ver nesse aso 0 papel do ppovo de outra maneira, como instancia global da atribuigio de legitimidade democritica. E nesse sentido que sio profes dase prolatadas decides judiciais “em nome do povo”. "2, No wat do Dice Romano: odo cio durante a oca da Replica Palos mags jes do paid (aepratrian), que cab = "prio do pvo 6 de oma ndodemocrica "A dus sess xed ‘rca no exo aia iii que a eonstiugso modern de uma democrats ‘mum Extado de Dre niopermte ais naan dit ee. jd) gue se ‘Sign das dsc ds lee demnericamemeprsaulgadas econ eto Jcspodenaih eens ca; claps, porart,que sj wo Estado ‘mcr de Deon se pose compar con en ptr ore, {51CE Priih Miler Juice Method 8, 1985 pp. 9 = 4G Veo a pir co lao do Esadp de Dito. Ceammra texusl 3 Tepid) por Fedch Maller nd. () Unereuuagen cur Recht igus 189, 9p. 2088. ‘ura £orovo o Tse patio se repete: © povo no é apenas — de forma mediada — a fonteativa da instituigdo de normas por meio de eleigbes bem como — de forma imediata — por meio de referendos legislatvos; ele & de qualquer modo o ‘estinaério das prescrigdes, em eonexdo com deveres,diei- tos ¢ fungSes de protesao. E ele jusifice esse ordenamento jurico num seatido mais amplo como ordenamento demo- critica, medida que o aceitaglobalmente, ndo se revoltando contra’o mesmo." Nesse sentido ampliado, vale 0 argumento também para os ndo-eleitores, igualmente para os eleitores vencidos pelo voto (tocante a0 direto eleitoral fundamentado no principio da maioria) ou para aqueles cujo voto foi vit- ‘mado por uma cléusula Timitadora (Spersklausl]”. Além disso uns conservam o direito de i eeigdo na ocasio vi ddoura; 0s outros continuam tendo a chance de combater tentio talvez ao lado das tropas mais fortes [bet den strkeren Bataillonen zu sein]. Podemos nomear diversas camadas na outorga da constituigio [Verfassunggebung]: abstraindo do fato de que © conceit juridico do poder constwinte do povo exige a text- ficago,* fazse mister, em Segundo lugar, um procedimento ddemocrético para criar a consiuigdo: 0 povo (eleitor) lege ‘0s membros da assembléia constituntee/ou vota o texto aca- bado da constuigdo. Isso significa normatizar — de forma rmediadsa e/ou imediata — por intermédio do povo ativo; quet {BO que paralneetaménwies: Ueno deve ser impo aan pris, de vevolr wPG enna “Sperlone!,Heranente “nein de Rsrameno™, design wa “isp na lean eco ler segando qu paiorecee apenas ‘tanins po primento caso terha ebido uv dteminado pte Td dos wer, No Paameno Fede e na msn dos planers ‘Stans eldgle em questo eie om ining ce, rzio pela qu € Tamm conbecia pr "ena dos 85°. A “Speausel™ vis impede 3 Nomis de ereseg nos pcianens (NT) 10 repo dso sobre ovcomplexo global dessa perma ct, Fich Mater Fragment aber! Veasnogeebende Goal des Ves. 1995. e rurpnich MOLLER dizer, 0 lado referente & funcionalidade da dominacao, 0 “kratein” em “democracia”. Mas o terceiro requisito para poder estar & altura da invocagio do poder consttuinte do povo diz respeito ao lado referente & democracia de base: 0 ovo como destinatério que permenece na postura de boa Yontade, como o fundamento — legitimador na duragao tem: Poral — de uma ordem politica cujo micleo [Kembestand] constitucional € preservado, pratcamente respeitado pela ago do Estado, ‘A razio pela qual se pode ver nesse dispositive um papel proprio do “povo” na democracia reside no prot6tipo desse mesmo dispositive: “Todo o poder do estado emana do ove". Todo 0 poder estatal [Staatsgewalt]é poder de dieito. O estado nio € e.g. 0 seu suito, 0 seu proprietirio; ee é 0 "seu Gmbito material de responsabilidade e atribuigio. A “es- tatalidade” desses poderes nao reside no fato de que o estado seja sajeité @é-poder, seu titular nato enquanto ente volitivo subjetivo, pessoal (ainda que ficticio). Ble é menos ainda a sua origem; como tal & mencionado justamente 0 “povo" na CB Art 1, parégrafo tnico, bem como no GG, Ar. 20, § 2, frase 1. Mas iso evidentemente nfo no sentido naturlista de tum procedimento tinico, t6pico de “emanar", mas no sentido Juridico de uma instaneia permanente, diate éa qual o poder ‘de Estado € responsével, perante a qual ele deve defender cfetivamente o exereicio da sua atividade “de poder-violén cia” [“Gewalt”-Taigkeit): no sentido dessa versio do princi pio democritico. Segundo 05 textos mencionados todo 0 poder de Estado no esté “no povo”, mas “emana” dele. En- tende-se como exercido por encargo do povo e em regime de responsabilizagao realizavel perante ele. Esse entendimento de “emanar” também néo € supostamente metafisico; é no Imativo. Por isso no pode ele permanecer uma ficglo, send {ue deve ter 0 poder de desemibocar em sangSes sensfveis na quateorove 6 realidade, tendo necessariamente a0 seu lado a promessa democritica na sua vatianteativa. Dito de outra forma: 0 “povo” como instincia de atri- buigio nio se refere ao mesmo aspecto do “povo” enquanto ovo ativo. Mas esse entendimento & defensével somente ‘onde ele & simultaneamente real: no em sistemas autorits- Tios, onde 0 “povo" é fartamente invocado como instancia de atribuigdo, ao passo que depois s6 tem (des)valor ideot8zico, nfo mais funglo juridica. A figura da instancia de atribuigio justifiea — embora de maneira sui generis — somente onde cesté dada ao mesmo tempo a figura do povo ativo, Entretanto, s6 se pode falar enfaticamente de povo ative quando vigem, se praticam e sSo respeitados os direitos fundamentais individuais e, por igual (nicht zuletzt], também (0 direitos fundamentais politicos. Direitos fundamentais ndo so “valores”, privilégios, “excegoes” do poder de Estado ou “lacunas” nesse mesmo poder, como 0 pensamento quie S¢ submete alegremente & autoridade _governamental [obrigkeitsfreudiges Denken] ainda teima em afirmar. Eles so normas, direitos iguais, habilitagio dos homens, i. &, dos ‘idadios, a uma participagio ativa [aktive Ermichtigung]. No ‘que Ihes diz respeito, fundamentam juridicamente uma socie- dade libertéria, um éstado democritico. Sem a pritica dos Giteitos do homem e do cidadio, “o povo”” permanece em ‘metéfora ideologicamente abstrata de mé qualidade. Por meio dd pritica dos human rights ele se torna, em fungo norma- tiva, “povo de um pals” ("Staatsvolk”} de uma democracia To vem semi Obra (ena) ents 29 mentor rac seat th pea née one eos Bape: ‘etal de sto earn oman Go cen masa TEMGTRSGX rence ope since polica em Snomine serena mt uname na emesis trip neue sae FRIEDRICH MOLLER capaz de justficagiio — e torna-se a0 mesmo tempo “povo” enquanto instincia de atribuigdo global Vv Povo como “icone” Um regime autoritrio no consegue justiticar-se 6 com 0 “povo” de atribuicdo sem 0 povo alivo. Mas essa ope- ragio pode, em uma avaliago conereta, fracassar também na democracia — que € 0 tinico tema desse texto. Pois o que eve valer se a constiuigio invoca no seu texto 0 poder constituinte do povo, mas essa constituigao — como aconte~ ‘eeu no caso da Lei Fundamental alema — 6 posta em vigor sem um procedimento democritico?” E 0 que vale, se as leis parlamentares so promulgadas corretamente, mas se 0 par- lamento no é “representativo” — em virtude de eleigdes fraudadas ou em virude da manipulago do procedimento de ‘votacio ou por razes similares, quer genericamente, quet no ‘caso em questio? Certamente tais problemas podem ser ses ppondidos pelo direito constitucional positive no caso indivi ‘dual; mas agui o tema é a reflexio sobre a legitimidade. O {que deve valer, se leis Iegitimas ou decretos no sao imple- ‘mentados pelo governo ou pela administragio piblica ou se a 7, Docu neue spurt afens 0 procedmeno aumento ¢ a, ‘Sho sci a egitmagi mags tenor! pe mo ca peserag do tiles ur consign (0, povo cago icin de abo)” A. Let Fndnmena sles ¢ una consti lepia quit ose eld; ras io (Gamben) forge 0 momento rodent necessaries con ann Invocglo Go spoder conti’ teva 840 suakeago a= CY Fides Mate: Papmen ier) VerfasungpcendeGoval des Votes eg. 268,48 66 FREDRICH MOLLER sua realizagio se desencaminha subjetiva ou objetivamente, fou de qualquer modo objetivamente? E 0 que deve valer — com vistas & legitimagio democritica —, se a justia decide com caréter de obrigatoriedade “em nome do povo”, mas se a sentenga judicial nfo pode ser atribuida com plaw. sibilidade a nenhuma lei vigente — seja mais uma vez por razbes subjetivas ¢ objetivas no sentido juspenalista da prevaricagio, seja apenas objetivamente como deformacdo do direito [Rechtsverbiegung] ou como tutela juridica [Rechisunterstellung] (direito jutisprudencial “Iivre")?* "“O que deve valer” significa sempre, por um lado: © {que isso significa no respectivo caso para a legitimidade democritica? E, por outro lado: em que significado resvala aqui o termo “povo”, uma vez que a sua consideragao jé nfo pode ser justificada nem na sua condigfo de povo de atri- bbuigao? (© Estado Constitucional possui o monopélio do exer- so legitimo da violéncia, nfo © monopblio do exereicio ilegitimo da mesma. Para’ este Gltimo ele jf no possui renhum direito. Decisées de funcionétios ou grémios do sistema juridico, que tenham caréter de obtigatoriedade, deve poder ser atribuidas a textos democraticamente postos tem vigor desse Estado de Direito, i. 6, devem poder ser atti- Dbuidas a textos de normas de forma convincente em termos de método. Mesmo se esse for 0 caso, 0 tribunal (ou a outra instancia de decisd0) exerce o poder-violéncia [Gewalt]” um. 48. espato com expos peicosFech Malle. "Rcirrech 1985. ‘9. respeo da dingo eae oes contra © lala seal 90 lio du tera conattuiona cf Fednch Miller dee: Recht = Sache Gena 197 (radoeo tales de Peet Naaman 3000 ilo Dirt “Linguagem~ Velen Por Alege, Sapo Antonia Fabris Er, 1995) Sobre ‘concep ds cnr Yesual cl 18 turitsche Method nd poiticher Stom 1976, p80 ss 95s; I (9). Uerschangen sr Rech 1969, pp. 205,215 Id. Jrnache Meh 1995, pp 13628 156, 28962956 ‘qumseorovo o poder-violéncia, que € criado de forma consttucionslmente necessiria com a insalagéo de uma tal competéncia decis6- ria, A instncia prlatadora da sentenga com caster de obri~ aloriedade, que ndo se pode basear em textos de norma de ‘modo plausivel em termos de método, exeree contraiamente uma violéncia que utrapassa esse limite, uma violencia sel ‘vagem, transbordante, consistente to-somente nesse ato que 4 nfo € consttuconal ela exerce uma violencia “ata!” [Nesse caso a invocagio do povo, a ago “em nome do povo"™ € apenas ici Diante de tl configuragio nfo se trata nem do “povo” tivo nem também apenas do “pova" de aribuiglo; e muito ‘menos af povo estéexercendo a dominagao real. Mas fala- se como se ele estivesse exercendo a dominacio real, como se tvesse agido de forma mediada, como se legitimasse por meio de lealdade mediada por normas. Nesse c350 usamos 0 povo como sucessor da jusificativa pré-democritica, mundana: eis 0 legitimismo “por obra e graga do povo" [ Volkes Gnaden"} © povo como icone, erigido em sistema, induz a prti- cas extremadas. A iconizagio consiste em abandonar 0 povo asi mesmo; em “destealizat"[enealisieren] a populagio, em ritifié-la (naturalmentejéndo se rata ha muito tempo dessa populacdo), em hipostasé-la de forma pseudo-sacral e em insttut-la assim como padroeira tutelarabstrata, tomada ino- fensiva para 0 poder-violéncia — “notre bon peuple” (Ou, caso a populagio real tiver dimensdes que atra- vvanquem os planos de legitimasio (als 2u sperrigerscheint), importa “eriar © povo", 0 que se faz por meio de medidas externas: colonizago, reassentamento, expulsio, liquidasio; thaisrecentemente também por meio da “limpeza énica”, um neologismo bisbaro a denotar uma velha.prénis babar Examos aqui em um museu histérico e atual de horrores de manipulagées brutais de popalagées, para em seguida poder 6 FRERICH MOLLER sacralizar 0 grande grupo composto corretamente& imagem ¢ 2 semelhanga dos atores dominantes — e aqui a pergunta pela rSpria lgitimidadej& nfo poderé ser feta, Nos das tus, neste fim de século, um “corpo popular” jungido 2 forga desse modo pode ser perfitamente levado em considerasio como povo avo. Em tal easo as eleigBes deixam de ser espe- cialmentearriscadas; do mesmo modo, as votagSes, eg. sobre ‘uma nova constnigdo, cujos conteidos foram imposts & «que deve ser sacramentada formalmente pela mora. ‘A expresso “criar 0 povo” pode referr-se também a coutra coisa, que oscila entre as duas fungBes do “povo”, mas ‘que se refere, nos textos fundadores idealistas desse teorema, Sobzetudo 20 povo ativo: cla pode referirse & concepsio do estado edueador, usual na inhagem de Plat até segmentos, dda tradigio eomunista (de forma pronunciada sobretudo em Mao Tsé-tung),passando por Rousseau e Fichte. Abstraindo de dissidentesteimosos, que precisam ser eliminados, essa concepedo busca produzir um povo global homogéneo, uma populagao ativa completamente politizada (durchpolisiier} pela outorga da constituigao (“Iégslateur),pelas les, pelos Costumes, pela educasio e pelo folelore coletvo, bem como por modelos libidinalmente investides (libinds besetzte Vorbiler)* Se ainda Jean-Paul Sante fala da necessidade de “eriar © povo", ele se move na linha de um rousseaunismo difuso com tendéncia anareo-ibertra Por fim 0 “povo” — compreendido como conjunto os cidadios ativos e diferenciado da populagéo total — pode, num sentido mais atenuado, naturalmente ser também feivo sob medida (aurechtgeschneidert} pelo ditito de imi- ragio, pelo dieto regulamentador da assimilaeio de pop 50. Ch a mpeto Sind Feed Masenpcholpi wad IehAnelse 1987 pr27steemtadoeesn9, qumeorovo © lagbes expulsas (Aussiedlerrecht]’, pelo drcito de estrangei- +08, pelo direito de nacionalidade [Staatsbirgerschafisrecht] € pelo direito eleitoral. Isso ocorre também constantemente na pritica. Mas aqui ja estamos de novo no campo das opera- ‘g6es cotidianas do estado constitucional democritico © nko mais diante da constelago do “icone”. Essa constelagio ja pertenceu ao inventério supra- rmundano da tradiggo mondrquica mais antiga, escorada na religido, O rei garantia a sua boa moral perante Deus por meio do sermio de govemnar para “o povo” e para o bem deste, Historicamente seguiu-se a isso, passo a passo, 0 cons- trangimento das pessoas ¢ dos grupos dominantes de se justi- ficarem no quadro de uma ética intramundana, Estava & mio ‘a estratégia de invocar agora “o povo” — a servigo da posi- {glo dos detentores do poder diante dos que eram dominados por eles, Os pintores de fcones langaram mio da escala de ‘cores do “poder constituinte do povo". Mas esse ritual também ainda quer sugerir ilusoriamente [vortiuschen] 0 retomo a uum estado social, no qual o “povo” teria realmente existido; a totaidade de todas as pessoas do grupo arcaico, da horda, da tribo, da grande familia, que ainda néo foram cin- ddidos por insituigdes juridicas e polftcas ou, nos termos da sociologia do direito, que esto apenas segmentariamente, tinda ndo funcionalmente diferenciados; nos quais, acres- ‘centemos, justamente por isso © povo nao tinha necessitado The Rep Fedead da Aleminha, of Asie sip “ilaes. da ecloslde ales ou pssst peecetes ab povo ae, que ants de 8 de Ta 6 943 cram domclinar vst eles oes da Aleman, ‘Ninth Bulgsn na China, om Danny (Oda), na Estima inguin Ltn, a Lita, ra Pon, na Roména, ma Unio Sovicica, fo Checodvaqut 07 2 Hugpta, ov ajeas pesoas gue abandon endo ees paee depot do sncerameno das reid genes de pelo” (Creed et a. Recheck IT", Mungue. CH. Bec sche ‘Veapuchbnng 992s Auster INT. 70 Prepac MCLLER de uma constituigdo." Também isso & portanto projecio; 0 seu carter ora intramundano no muda nada nso. Os pouvoirs constitués dominam 0 pouvoir constituant. Este, quer dizer, 0 povo, teria precisamente uusado do seu poder-violncia para fundamentar 0 poder- violencia daqueles outros sobre ele; ter-Ihes-ia insuflado de uma vez por todas a legitimidade. O poder-Violéncia encara 0 povo de modo alienado; o povo encontra-se sob o poder- violencia de um Estado, que mantém um povo para si — sew ppovo do “poder constituinte”, de um santinho de forte lumi nosidade. Na realidade, justamente no se trata mais agui de ‘grandes grupos estruturados de forma arcaica. Com o inicio dda Idade Moderna européia isso também se faz sentir. Para Bodin © Althusius 0 “povo” ainda tinha os tragos da luniversitas cuidadosamente hierarquizada, “organicamente articulada” do feudalismo. Contrariamente, Locke, na esteira de Hobbes, ji parte do individuo burguesmente isolado. Essa ‘construgdo amoldava-se melhor aos interesses de justificago dda ascendente camada dirigente burguesa” Em Hobbes ¢ 0 tei que faz com que a “multidao” existente seja 0 povo. Mais tarde, em Locke, a hierarquia ideologicamente ps-antiga © és-ctistd, socialmente pés-feudal jé € determinada pela eco- rnomia. © cidadao-proprietério economicamente — e com isso jd politicamente — influente & na realidade cotidiana aguele que Iucra com © modelo lockeano: esta dotado de direitos eleitoras, sendo ja titular do chamado direito de re- sisténcia, bem como de pretensoes de direitos fundamentais. Sores sodas cals segment tess, “spo ‘cmtvs”e fundamen no pepo do paretesc, ct. Nile Lan. Rechnsodologie ed. 81.8 fe 34Ts '52.V.a propo Fri Mole Essar Tiare vn Rech nd Verse, Ralph Chastensn. 1950, <9. p39 200, QutEo FOV n Isso penetra até a superficie textual do discus liberal: © feone "pov" no apresent sar Bomente Rousset ecapa lsriminagGes, dessa espéce, Quer cle transforma a populagdoefetva em povo Justieador, porque agente: quer ransfomar osoberano em {fei detetordemoerdico do pode, Come cle lev isso 4 stig, precisa pressor como campo de testes wm poqseno txt margnal dt Europ, tertoilmente imitado, ni desenvolvigo em termos capitalists, rlatvanente homoge neo em terms econdmicose soins. Com 0 projto de una Teplice de les em teros de demcraca popular iigida pela volomé generale com isso oneniada em terms de Eentedo pelo bem comm (bien commun), Rosen aban dona 9 deurso ednico sobre 0 povo, Os alingios peas deises[Betrotfenen]devem sr smulaneamene os ates das decisdes [Betreffenden}", os outorgantes da norma devem ser intios ao conjnto dos desma da norma. Nesse toeanfe —e somentenesse toca — ele mencioa eg. @ ‘Mens de Prices como modelo, mas no respetante a0 Seu Sistema de excluie dos diets de cdadania a malora da Populgde. (nos excelo os homens aleienses lies Rabies para a atvdade guerra, cotibuimes © do Cilados nat temp) Rosen eps ex Sio coltiva de grupos do conceto normative “pove", tenburmasenentagdo acon da soiedae por inermeio A eiculonament tos diets, que exa prvi. Ocoe uses conetos de Rousse so muito exigent: replica, TEs vontade geal, bem comumse eles se acham vinulads, fo teatamento igual de tos. Por nso "povo” (Dewpe am en ndo signin em Rousseau inditamente a poulagso Chinent, ichsive os dsientes inacesivels Bdoutnagso Steamer: oF “singe © jogo de plas lo poe ser repro ‘istorameste em portguss (NT n ‘rurpnicn MOLLER [unbelehrbar]. Refere-se cle & totalidade dos cidadios (citoyens) comprometidos com 0 bem comum gragas & vie- tude politica (vertu). Nesse sentido, 0 povo deve ser primei- ramente criado por medidas politicas ou pedag6gicas ou cul- turais, que demandario muito folego. O conceito diferencia a partir da sua pretensio te6rica, mas ndo diserimina liminar- ‘mente por exclusio real juriica/violena), A Assembléia Nacional da Revolugdo Francesa atuard depois diferentemente, na esteira de Sieyes. Também aqui se supe, segundo a tradiglo antiga de um conceito seletivo de Iuta social, quem & o povo: o terceiro estado, a nova burgue- sia proprietéria, quer dizer, nem a atistoeracia eclesidstica secular, nem o lumpenproletariado de Babeut. Em termos bem genéricos, a iconizagto reside por igual também [nicht zuletzt] no empenho de unificar em “povo” a populagdo diferenciada, quando nio cindida pela dliferenga segundo 0 género, as classes ou camadas sociais, freqiientememte também segundo a etnia e a lingua, a cultura ©.a religido. No uso ideol6gico, tudo isso tornaria a funga0 legitimadora precéria. Em contrapartida, o holismo santifica, '0” povo esti atris da nossa prixis do poder-violéncia © tomna-a inatacével. Nesse ideologema, “o” povo “outorga”” também a forma de organizago do nosso poder-violéncia, a constituigdo, ndo importa como ela possa ser posta e mantida fem vigor na realidade, Contradigdes.sociais subsistentes apesar dessa constituig0 ou em conformidade com ela s20 30 ‘mesmo tempo justficadas “substancialmente” com 0 argu- mento de que “o” povo assim as quis. A populagio heterogé- nea é “uni"ficada em beneficio dos privilegiados e dos ocu- ppantes do establishment, € ungida como “povo" e fingida — por meio do monopélio da linguagem ¢ da definigdo nas mos do(s) grupo(s) dominante(s) — como constituinte & ‘mantenedora da constituiglo, Isso impede, conforme se ddeseja, de dar um nome as cisdes sociais reais, de vivé-las ue oFovo n {ausragente conegintement tabalhs, A simples Ifa Jo "poder const do pove™ a epela soi mete ono. Mas so povo — mesmo no conjunto normative mene testo de'povo wivo — deve apresetarse ca ijt pollo real faccse ececAnis MSOMGGNS & por igual eh ele), procedinents, cestode ura se Hie constivine,oreerendo poplar sobre o texto conse onal, instnigses juras plein, eleigtes Tres € sestivigo por meio do pocediment plebiscite [Abwl] e ota, Altenativas sangcsdevem Ser normatizadss de forme cogente no tovate aoe provediments. A pequena Tampede dante do one pode extinguitse: povo nem (Heol apencs ose conunto parc dos ekadios Wulares Se dtton aos ena em cena como desnaio e agent de responsabilidad e cone v “Povo” como destinatario de prestagdes civilizatdrias do Estado © povo enquanto cidadania ativa abrange apenas os eleitores; © povo enquanto instincia de atribuigio com- preende, via de regra, os cidadios do respectivo pais {Staatsangehérige]. O fcone € intocével, nao diz respeito a rnenhuma pessoa viva. E o que pode a populago em meio a tudo isso? Pode também ela legitimar democraticamente, & sua maneira?®™ ‘© mero fato de que as pessoas se encontram no terti~ (rio de um Estado & tudo menos irrelevante. Compete-thes, juridicamente, a qualidade do ser humano, a dignidade hhumana, a personalidade juridica [Rechtsfahigkeit). Elas so protegidas pelo direito constitucional e pelo direito infra- constitucional vigent, i. é, gozam da protecio jurfdica, tem ireito 2 oitiva perante os tribunais, sio protegidas pelos direitos humanos que inibem a agio ilegal do estado, por preserigSes de direito da policia e por muito mais. Funcions- ros publicos, que as violam nas suas posig6es garantidas, nio podem ficar impunes. Circunstincias de fato [Tatbestinde) 53 Sem esruturar mls de peo esa pga, José Afonso da Siva denomia om moa plas Jomibns de esting 0 "pov" a eee. acs alos ‘Sn tendenin eco V- Crs de Dito Conettciona Post, Vel 195, p38 % rumpeicu sues legais e contratuais, que ndo estio restritas a cidadios e titu- lares de direitos cleitorais — quer dizer, as prescrigoes normais de direito civil, penal e administrative — no geram para essas pessoas apenas deveres e Onus; elas também bene= ficiam-nas. Os habitantes ndo habitam um Estado, mas um territrio; isso vale tanto para titulares de outras nacionalida- des como para apatridas, que pertencem a populacio resi dente, E vale igualmente para os que atravessam o terrtério do tespectivo Estado, ainda que com resrigdes nio juridicas, ‘mas féticas: assim e.g. ndo entrardo eles geralmente no cit culo de regulamentagao da legislacio trabalhista e previden- A fungio do “povo”, que um Estado invoca, consiste sempre em legitimé-lo. A democracia € dispositive de Formas especialmente exigente, que diz respeito a todas as ‘pessoas no seu Ambito de “demos” de categorias distintas {enquanto povo ativo, povo como instincia de atribuigao ou ainda povo-destinatitio) e graus distintos. A distingao entre direitos de cidadania e direitos humanos no € apenas dife- rencial; ela é relevante com vistas ao sistema. Ni somente a liberdades civis, mas também os. direitos fuunanos ‘enquanto realizados so imprescindiveis para uma democra- cia legitima. O respeito dessas posigdes, que no sao proprias dda cidadania no sentido mais estrito, também apdia o sistema politico, e isso no apenas na sua qualidade de Estado de Diteito. Isso se acerca novamente, dessa vez a partir de um ‘outro angulo, da idéia fundamental ndo-realizada no sistema de dominagao: “one man one vote": do angulo da idéia do “povo” como totalidade dos efetivamente atingidos pelo direito vigente © pelos atos decisérios do poder estatal — totalidade entendida aqui como a das pessoas que se encon- tram no territério do respective Estado. Segundo essa pro- posta (20 lado da figura do povo enquanto instincia de atri- Dbuigao), o corpo de textos de uma democracia de conformi- ‘qumseorovo ” dade com Estado de Dri seta por dus exsas: em meio gar procrand dota a pose minoia dos ie Tho aos; do importa io medias ou ediatament de Competes de deeisto ¢ de sncionameno. clramente Getta em segundo Iga ¢ 20 Ido dese faor de erdom frowedimental a legitmidade cco pelo modo. mediante 0 Tra ode, © pve intro, poplaie, a ttidade dos stngidos so vetados or tas dares © Sed modo dein Tementagso. Ama, 0 dei {enguano copartcipgo poe). ca implement (enguantoefetos prazios “See pov), deve ser qusonadasdemocraeament Os dois spect io reslados de uma cata joridica event asim como o€cotego, os tees do Es- thd de Dios da observdncia por parte do Esta as c= nna de ato de mig Ga ao ext bem como de sretagiesexats ame das pessoas singidas- Poems Scnominar essa camade funciona do problema. “o povo om desinato de postage cviiztras do Estado (Suustoiche "Stasleungen?, como. "pove- "er que pre o eres ea dimensio plies da ia sca Ext tac flinpuagem ds Cents Pate NTI ‘cut zorove m rmantida apenas nominalisticamente — uma “demo"cracia sem povo; monstruosa na linguagem de Pufendorf, “imregulate aliquod corpus et monstro simile”. "Nenhum desses dois pontos extremos estava cm pauta aqui, mas justamente 0 discurso democraticamente estrutu- rado com distingGes ¢ altenativas praticveis. Nao resulta ele ‘em nenhumm “monstro simile”, mas em um “mobile”: no em rnormas pseudonaturalistas, mas em argumentos relacionais, critérios de aferigdo mutuamente deslocéveis, que no entanto ‘continuam reciprocamente referides. Quanto mais 0 “povo” for idéntico com a populagio no dircito efetivamente re- alizado de uma sociedade constitufda, tanto mais valor de realidade © conseqiientemente legitimidade teré o sistema democritico existente como forma. E essa correlagio conjun- tiva “quanto mais... tanto mais” implica que & aproximagao das dua figuras ocorre por meio de gradagGes e tipficagdes, fem correlago com as diferentes esferas funcionais: povo tivo, pove como instincia de atribuigéo, povo-destinatério ‘em oposigdo a0 povo-icone. ‘Nessa formulagio no s6 0 termo “demos” deve ser levado mais a sério como problema: urge também repensar 0 termo “kratein”. “Governar” significa tradicionalmente ser sujeito do poder decisério e do exercicio do poder. Bssa dtica reducionista concentra-se em correspondentes téenicas so- ciais, e.g., no fmbito do debate sobre a democracia, nas té. nicas da representacdo ou do plebiscito. Ocorre que “ratein significa aqui em grav bierdrquico igual: ser efetivamente Tevado a sério como o fator determinante, como 0 fator deci sivo” com vistas & Tegitimagio, Quem deve, nesse sentido, Tim porug “qungur com ines senha 2m mons” A ‘igre te Samus Put De inp gemani (166 [ST SE spats wet nm leno pr fr detriment” cm fen CR pan lene snide sep da pls "ave dtc + ser efetivamente levado a sério como fator determinante? O povo. © eestreitamento de “kratein" em “democracia” nio é simplesmente obsoleto, mas liminarmente inadequado em combinago com “demos” pois parte do antiquissimo esquema de “em cimalembaixo", oriundo do. pensamento o-democritico, pré-democritico do poder de dominagio © das suas categoria. ‘Ao transitar para a democracia, esse pensamento antigo no subverte propriamente © mencionado esquema. Este € mantido; no seu dmbito concebido em termos autorité- Flos, como no passado, pretende-se agora — de forma mais ‘ou menos sincera, no caso de Rousseau mesmo de forma de- sesperadamente sincera — colocar 0 povo no trono {das Volk uoberst gesetzt werden} — niio importa quem seja esse ovo. A deformardo autoritiia continua de pé, s6 que 0 su- Jeito do “governo” ["Herrschaft”] € substituido, Assim se ex- plica que tradicionalmente s6 estio em pauta 0 status activus {© seus compos de regras, as prescrigbes referentes & nacionali- dade, aos direitos eleitoras ativos e passivos e as suas pres- crigdes complementares, quando se justifica a democracia junto ao “poyo”. E isso explica também que tradicionalmente 6 estdo em pauta as diferengas entre o estado atual [Ist- Zustand] € 0 estado a ser atingido [Soll-Zustand] no tocante as particularidades da técnica de mediagio e dos procedi- ‘mentos de dominaZo, quando se acha em jogo a “critica da democracia” e uma “crise da democracia”. Status negativus © status postivus S20 ent&o deportados para o Estado de Direito ‘© em parte para o Estado de Bem-Estar Social, que também tm a ver com eles, mas no exclusivamente; e de qualquer "Beh se seni noes preset a consi damn dos flee (Sigua lend NT 3 Um emprendinemo, qe dese os tempos de Babin promt er mais tem sceddo drat eas, quart orovo 43 modo o status negativus € © status positivus no tém nada a ver com um Estado Social de Direito concebido como auto rnomo diante da democracia. Dito de outra forma, ndo esté em pauta, em primeira lugar, trabathar 0 “conceito” de povo como tal. Esté em pauta Tevar o povo a sério como uma realidade. Precisamente iss0 impede continuar tratando a “democracia” somente em ter mos de técnica de representagdo e legislagao, bem como ‘continuar eompreendendo “kratein”, que endo se deve referir ‘a0 povo efetivo, somente do ponto de vista do direito da sdominagao. Por causa de “one man one vote”, de uma afirmagao {que no é nenhuma norma superior sem alternativas, 0 povo ativo € © povo enquanto instancia de atribuigio devem ser aproximados na medida do possivel em termos de politica ‘constitucional; mais precisamente, eles devem ser aproxima- dos a proporgio que razdes cogentes conformes a constitu ‘¢40 no impegam isso. Isso mais uma vez no se refere a hnenhuma oposigio rigida em termos de ‘ou — ou", mas a dispositivos que introduzem gradagdes; assim e.g. 0 diteito cleitoral municipal para (determinados grupos de) estrangei ros, ainda que eles nfo devam receber nenhum direito eleito- ral para o Legislativo. SSimilarmente a “one man one vote” enquanto espécie de idéia regulativa, 0 “povo” rousseauniano pode ser preser- vado como elemento de concretizagio na politica constitu ional, que nio aparece como tal nos textos das normas do Girito vigente, mas que deveria de qualquer modo funcionar como fator de intranquilidade de uma certeza de legitimagzo, {que do contririo seria agodadamente autocomplacente: como ‘ovo inteiro de Rousseau, que justamente nao foi pensado no Seu papel icBnico, mas como sujeito agente, como sujeito realmente determinante da repdblica das leis. Ele nfo deveria {desaparecer do discurso da democracia, ua ‘RUEbnic e0.2ER Inversamente hé casos, nos quais o direito de nacio- nalidade © 0 direito eletoral (sistema censitiio, direitos eleitorais plurais, restrigées étnicas, apartheid racial, ausén- cia de dircito cleitoral para mulheres, listas de eleitozes com bareiras definidas pelo grau de instrugio etc.) estreitam for- temente 0 povo ativo, aumentam conscientemente a diferenga entre povo ative ¢ populagdo ou povo enquanto instancia de aribuigdo. Trata-se entéo de direito vigente, que — caso a Constituigio (do apartheid etc.) siga essa linha — até esté formalmente em conformidade com a consttuigdo. Mas semelhantes medidas enfraquecem na mesma proporgio a legitimidade democrética do sistema, Tal no pode ser a ‘mado normativamente, pois o sistema se concede no seu &m- bito interno fin seinem Innenbereich} os meios para tal; isso vale naturalmente com a ressalva de obrigagées intemacio- nais ou de prescrigdes supranacionais cogentes, que podem ser concebidas. No entanto, 0 mesmo pode-se dizer perfeita- mente no plano do debate sobre a legitimidade dentro da familia constitucional:* falando em termos metodolégicos, ro plano daqueles fatores de coneretizacio de politica cons- titucional, de concretizagio teérica e em parte também de dogmatica constitucional, ndo-apoiados em textos de norma. 0s fatores de politica constitucional detém uma posigio rela- tivamente fraca, mas detém-na; ¢ fraca ela igualmente apenas na constelagio do conftito metodolégico entre os elementos individuais do trabalho juridico. ‘A democracia modema avangada nio é simplesmente tum determinado dispositivo de técnica juridica sobre como ‘colocar em vigor textos de normas; ndo é, portanto, apenas, 4 Soe a concep da “aia contusion” € o nexo em eau v Fredich Miller. Fragment (ber Veresamegebonde Ge des Vole 1998 £26855, 77 55 t psi. Sobre leas de emacs ce poli sticiona 1 Junssche Method. 1995. pp. 2443. passin, ‘bre contios meodlpcos ct bp. 20 t : ' j ‘qu 2orovo us uma estrtura (egislatéria) de textos, 0 que vale essencal- mente também para o Estado de Dirt, Nio € ti-somente Siatusactivus democitco “Além diss, cla €— enesse sentido ainda a0 nivel da cstrutura textual — 0 dspositivo organizacional para que preserigdes postas em vigor de forma demoerdtica também Caractrizem efetivamente 0 fazer do Poder Executivo ¢ do Poder Judicirio. Eo dispsitivo orsanizacional para que im- pls de normatizagao demaxraticamente mediados onfigu- em aguilo, para que eles foram textficados e postos em vigor com tanto esfrgo: a reaidade social eotdiana (e com isso também arealidae individu). 'A democraciaavangada é assim —e nesse sentido ela vai também um bom pedago além da estrtura de meros textos — um nivel de exigénias, aguém do qual nio se pose fiear —e sso tendo em consieragGo a manera pela qual as pessoas devem ser genericamente tratadas nesse sistema ge poder violencia (Gewalt] orgaizados (denominado “is- {alo"), no como subpessoas [Unter Menschen] ndo como Sigitos (Untertanen), também no no caso de grupos isoados de pessoas, mas como membos do Soberano, do “povo" que Tegtima no sentido mais profundo a totalidade desse Estado, sa. democraia € portanto também um status negatias democrtico ¢ um status postvus democrético, Representa tla um nexo necessri, um nexo legitimador com a organi ‘ago da liberdade e da igualdade. Isso no € direito natura ‘dealisa inhaliches Naturecht; iso se acha incorporado fo texto das consiuiges [in den Konstutionen vetextet]. das quaisfalamos. Democracia significa direito posiivo — 0 dieto de cada pessoa, DISCURSO POR OCASIAO DO LANCAMENTO DE QUEM E 0 POVO? A QUESTAO FUNDAMENTAL DA DEMOCRACIA So Paulo, 1998" Minhas senhoras, meus senhores, Qual é a questdo fundamental da democracia? Constituigdes democriticas e os titulares de fungdes do seu respectivo sistema de dominacio preferem falar — falam mais frequentemente — do “povo". A razio disso é simples: cles precisam justificar-se, como todas as formas de poder. E aqui a invocago do povo fornece a legitimagio mais plausivel ‘Nao obstante — e, se olharmos o problema mais de pperto: justamente por essa razio —, a simples pergunta “Quem é esse povo?” nunca é formulada como uma pergunta analitica, Supée-se tacitamente que, afinal de contas, todos Teno amplad de um breve deus poe poe oso do lngameno da [*aligto be Quen o ovo? na Facial de Dsto de Unversdate de io Psa arg de Ss Panic (26 de etude 1998, no astro ds OAB fem Brass 28 de outro de 1998) eo audio da Esa do Legstatv, em elo Horzoie (5 de novemtro de 1998) 0 trader apradee a Maron Moo Alverne Bareto Lina (Fare) pela ess eudados 60 text, ue ‘shoo em rio ssa forma ial ns ueeicH MOLLER saibam quem € esse povo. Eis um tipico discurso de legitima- ‘$80 que tranghiliza em vez de criar transparéncia, ‘Mas se formularmos essa pergunta — e isso € 0 que estamos fazendo aqui — comegam as maiores dificuldades. ‘Quem € 0 povo? As pessoas que vivem de fato no pals [faktische Inkinder]? As pessoas que vivem legalmente no pais [rechtliche Inlinder]? Os titulares dos direitos de na- cionalidade? Os titulares dos direitos civis? Os titulares dos direitos eleitorais ativos e passivos? Apenas os adultos? Ape- nas os membros de determinados grupos étnicos, religiosos cu sociais? Em incontaveis paises do passado e/ou do pre- sente que se denominaram ou denominam “democraticos” hi pretensGes reconhecidas de direitos [Berechtigungen} em vvirias gradagbes, discriminagSes mais grosseiras ou mais sutis, privilégios mais ou menos juridicizados, exclusdes ¢ inclusGes que faze com que aguilo que poderia ser chamado realiter “povo” dilus-se em um mosaico desorientador. Constata-se logo que “povo” nio é um conceito simples nem ‘um conceito empirico; pove € um conccito artificial, com- posto, valorativo; mais ainda, € e sempre foi um conceito de combate, Historicamente iss0 € recapitulado nesse livro em ‘uma retrospectiva que remonta & pélis sumeriana, passa por ‘Atenas e por Roma e pela igreja cristi primitiva até chegar 20 presente, no qual por meio de préticas como expulsio, reas- sentamento, “limpeza étnica 0 “povo" tespectivamente desejado pelos donos do poder & manipulado ou criado & forga. Tal barbérie em nome de “demo” cracia € uma “— is duro do termo, mas nio tem nada a ovo" € usado aqui como expresso seletiva, como conceito finalista, como lema de guerra (Onde, porém, existem estados constitucionais que em prinefpio funcionam, 0 “povo” tem mais raramente a fungdo de fcone de uma legitimidade iluséria; mas ainda continua uEEEO OVO ho. funcionando de modos muito distintos, seja como pove ativo, seja como instdncia global de auribuigdo, seja como popula. {do real com o status de ser destinatiria de prestagses civili- ‘zat6rias do estado, tais como diteitos fundamentais, existen- cia do Estado de Direito, procedimentos justos e equitativos do poder pbc. Tudo isso & analisado com os recursos da Linguistica Juridica (que se ocupa com os modos de emprego do termo “povo” na prixis), com os recursos da andlise constitucional comparada (no caso, entre as constituigdes brasileira € lem), com os recursos da Cigneia Politica e da Sociologia, (obretudo no tocante a0 fenémeno deprimente e deslegi ‘mador da exclusio de sezmentos macigos da populacio), As anilises conduzem a resultados que podem ser formulados tanto em termos de teoria quanto em termos do diteto positivo. A dominagio nio é gerada por uma constituigdo. Esta somente organiza — © mesmo isso apenas parcialmente ex post facto, a dominagdo existente & qual ela procura em. prestariegitimidade, 0 fato de sempre encontrarmos selagies pré-existentes de dominagio caracteriza um fendmeno elementar de grupos Ihumanos; mesmo de grupos bem informais como, por exem- plo, uma comunidade [Wohngemeinschaft] ou um grupo de turistas, A sociologia analisou tais processos — inclusive os de natureza informal — na 6tica do conceito de “processos de construgo/formago do poder”. Em grandes grupos, os cen- {ros do poder econdmico-social exercem de fato a dominagdo: a oligarquias proprietirias e financeiras, mas também os centros do poder militar (e.g. 08 ‘senhores da guerra’ Lbwarlords] regionals) © as elites funcionais € os staffs que trabalham para eles. 120 ruepaicn MULLER Em sistemas democrticos a dominagéo real tanto € erivada por meio de miliplas mediagGes e diuigBes “do ovo", no ambito do discurso de dominagéo e em termos de texto © de procedimentos — precisamente por inermédio de tim ofdenamento consitucional ejurico. Na realidade a dominagéo nunca éexercida pelo povo, Mesmo a0 democrata incondiciona Jean-Jacques Rousseau, o autogoverno carece- ria de um "povo de deuses". Ora, no somos um povo de feuses. O povo dos homens, 0 povo humano continua ser- vindo parao fm de prover de legitimidade até pelo fato de serele dominado Essa dominagdo sempre exstente tem uma estrtura oligérquica: 0 ditador também necessta de seu partido unit Tio, 0 mperador necessta dos seus principe, 0 rei necessita 4s camara dos conselheiros. Dominagio fundamental mente um fenémeno oligarguico — e a populaio no faz pare deste oigopslio ‘Caso a “democraia® deva ser mais do que um argu- mento ideolgico, mais do que wm mero exercicio de retric, festa apenas rebelio armada que os povos empreendem Sempre de novo, de tempos em tempos, e que sempre condz 2 sua dominagdo oligirguica (sto 6, & dominagio passagera por outro oligopslio) ‘A ltemativa, com perspectivas melhores de éxito ¢ sobretudo sem a necessidade de recorer& violencia, € 9 pos- sibilidade de comegar na reflexdo com a “democraca", de omegar a pensar a"democracia inverter o exo da percep- fo. esse caso deveros recefinir 0 valor de “Kratein ‘Mesmo por medidas tais como ampliago do dreito eleitoral cde voto, como a implementagdo dos direitos findamentais das garamias processusis, como a eftvagio da igualdade perante a lei, 0 povo no & colocado na posigio de sero Si Jeito do govemo. Mas essa e outras medidas demo"erticas™ ‘qua corovo a contribuem para dificultar, complicar, limitar a dominagio dos oligateas no estado, por meio da consolidagio e amplia ‘80 dos diteitos das pessoas nesse mesmo estado, Por meio 4do povo enquanto povo ativo, do povo enquanto instincia de legitimagio global e do povo enquanto destinatirio de presta- 0es civilizatérias do estado, & essa perspectiva revalorativa- ‘mente nova sobre a democraciainstitucionalizada, tornando a pr6pria sociedade mais democritica. ALE aqui constata-se apenas as indicagdes de como esse texto opera historica, sociolégica e juridicamente, e de como ele continua e aprofunda a andlise ‘Agora eu gostaria de apresenta-Ihes o lado interno do problema. Peco licenca para fazer isso através de um caminho incomum: quero relatar sobre com cheguei & dedicatéria que as senhoras ¢ os senhores podem ver nesse livre, A margem da 16" Conferéncia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em Fortaleza, tive a oportunidade de falar aos alunos de pés-graduagio em Ciencias Sociais da UEC. Os estudantes me perguntaram que papel povo ale- indo teria desempenhado durante a reunificago em 1989, Relatci-Ihes que a realidade no tinha sido entusiés- tica. No comego a populagio da Repiblica Democritica Alema foi para as ruas e bradou “Nés somos 0 povo!”, sobretudo nas demonstragbes em Leipzig, e fez balangar 0 regime autoritirio do seu pais, Mas depois de poucas semanas essa palavra de ordem de cariter verdadeiramente revolu- iondrio foi, em decorréncia do monitoramento exercido, originariamente, por intermédio da central do partido do centdo chanceler da Repiblica Federal da Alemanha em Bonn, ret6rica e materialmente distorcida na palavra de ordem “Nos somos um povo!” Ora, isso jé era outra coisa: melhor teria sido dizer agora: “NOs somos wna s6 nagio!”, pots © povo enquanto m2 ronicH MULLER soberano da democracia origindriajé havia sido exeluido por meio de uma manipulagio que hoje € considerada fato assente pelos estudiosos da histéria contempordnea. O que everia ter acontecido depois do levante popular? Uma “uni- ficagio", sustentada pela atividade auténtica do povo € nor- ‘matizada pelo referendo popular sobre uma nova consti- tuigio. O timo artigo (Ar. 146) da velha Lei Fundamental dde 1949 previra justamente essa soluglo. Mas nada disso focorreu. Ao invés, houve a assim chamada “adesdo”: uma fanexagio buroeritico-juridica_e sobretudo _financeito econémica sem a elaboraco de uma nova consttuigao ¢, mais uma vez, como ja em 1949, sem a possibilidade de co- atuagao direta do povo. Por isso, disse eu em setembro de 1996 aos estudantes de pés-graduagio em Fortaleza, ouve-se hoje na Alemanha ‘Oriental muitos alemes, muitos dos quais estdo justamente decepcionados com 0s novos rumos de desenvolvimento da sociedad e da politica, afirmar com amargura: “Nés fomos © pool” esse momento um estudante pediu a palavra. Ele disse: “O nosso problema no Brasil deveria ser formulado ‘ent3o nos seguintes termos: "Nés nunea fomos um povo".” Na discussio subseqlente eu tive a idéia de refor- molar a pergunta, de formulé-la talvez mais radicalmente: QUEM E 0 POVO? A professora Claudia Leitio © os estu- antes insistiram comigo para que cu 0 fizesse em um livro, ‘em um livro destinado ao seu pais. Promet-thes escrever esse livro. ‘Agora esse livro est em nossas mos. Para honrar a sua génese, ele nfo € uma edico brasileira licenciada de um livro que em condigées normais teria sido primeiro publicado zna Alemanha, Trata-se da edigd0 original em portugués — traduzida por Peter Naumann de forma inovadora quanto 20 QUEM EO FOV ba discurso cientifico em lingua portuguesa, ¢ revista com com- ;peténcia fmpar por Paulo Bonavides, (© minudente preficio de Fabio Konder Comparato revela uma vez mais a vastidio do horizonte de um scholar extraordinério, a par de revelar o seu senso insubornével pelo ceme do direito — por esse centro dinimico que é insepard- vel da éticae da defesa da dimensio humana do set humano. Nesse livro, que estamos apresentando hoje, formul se uma nova base para o direito positivo, para a teoria geral do direito e para a teoria constitucional, também um novo paradigma para o discurso da Ciéncia Politica sobre a demo- cracia, Vamos juntar-nos agora e por mios a0 trabalho res- tante! O fato de eu Ihes tr falado sobre os bastidores da dedi catGria ndo se refere, como as senhoras e 0s senhores podem ver, a uma anedota de caréter privado. Tal anedota, natural- mente, ndo teria eu contado aqui. Muito pelo contrio, © motivo da dedicatsria refere-se a uma questio fundamental de natureza social, politica juridica que compromete de modo perturbador a nds, jurists e cientistas sociais. O estu- dante de Fortaleza, do qual falei antes, nio confundiu “povo” ‘com “nagio”. O Brasil é uma nagdo — uma grande nagio, uma nagio que tem o direito de se orgulhar de si, uma nagao cconsciente de si por boas razBes. Mas a pergunta, se existe no Brasil um povo no sentido de uma exigéncia avangada em termos de teoria da democracia e da propria democracia, & uma pergunta inteiramente distinta; e isso ndo apenas para 0 Brasil, mas, conforme as senhoras e os senhotes puderam ver, para a Alemanha e também para outros sistemas democri ticos, sem exceeao. Na verdade 0 povo ainda esté por ser criado. Encon- tuei essa afirmacdo, ja hé muitos anos, em Jean-Paul Sartre, Sartre nio a formulou como um apercu isolado. Ele se insere hhuma tradigo em parte clandestina, quase sempre extra- ns racemic MOLLER oficial, mas poderosa: nessa affrmagio Sartre revela ser wm pensador da linhagem rousseauniana, Jean-Iacques Rousseau foi provavelmente 0 primeiro pensador que formuloa em termos histéricos © conceito do homem para a antropologia filos6fica e a nogdo das normas para a comunidade humana, para a teoria politica: nem “o” homem nem as suas formas de vvida comunitiria estio definidas de uma vez. para sempre. [Nao so dados supratemporais, dados “brutos”, hard facts, mas dados modificiveis, in fei; estio sempre a caminho © ‘por esse motivo se véem sempre ameagados de descaminhos. Por isso faz sentido confronti-los — e € necessério — com exigéncias normativas e politicas. Rousseau também nio con- funde nada a esse respeito: nfo confunde nem a “nagio" com ‘0 “povo" nem © “homem” com o “cidadio”. O citoyen, bem ‘como 0 peuple como soberano sto conccitos enfaticos, mate- Tiais, Devemos trabalhé-los, e na sua realizagio, no irduo cotidiano da teoria, da legislagio e da esferajuridico-politca ‘Minhas senhoras, meus senhores: tenho a alegria de poder falar aqui a juristas que pensam criticamente © olham para além dos limites de sua especialidade. Para tais juristas hi, portanto, muito o que fazer: muito trabalho que & prenhe de futuro e vale a pena, Esse esforgo ndo é de natureza abstratamente estatls- tica, Nao ficamos sabendo quem € 0 povo, se apenas Fizermos compareeé-o as ummas a cada quatro ou cinco anos, Mas jus- tamente isso afirmam os manuais e os discursos. domin- _Bueiros conciliadores da burguesia: a sua forma de democra- cia significaria na sociedade eno Estado 0 governo “do ‘povo"; todos os poderes de Estado executariam a vontade “do ovo”: na fungio normatizante, por meio dos seus represen- {antes eleitos, na fungdo implementadora, por meio do Poder Executivo, e na funglo deciséria de conflitos, por meio do Judiciéio, Um tal exemplo modelar de democracia formal é a ‘qu e0 revo ae ddemocracia norte-americana, Providéncias de central impor- tncia da Constituiggo Federal de 1787 foram tomadas com 0 objetivo de manter tio reduzida quanto possivel a influéncia diteta do povo: a cisio do Legislativo em duas eimaras; a pposigdo forte dos estados na federaco, como contrapeso 20 poder central; o direito do presidente, isto é, do Poder Exect- tivo, de vetar leis promulgadas pelo Legislativo; a falta de um sistema parlamentarsta, ito &, a dependéncia do governo da ‘maioria no parlamento; system of checks and balances, considerado na sua totaidade. O fantasma que sempre reaps- rece no Federalist é “the man in the street”, o homem da rua, quer dizer, a influéncia das pessoas normais eyjos interesses otidianos estdo afetados. Sao eles que devem ser restritos no seu peso politico no sistema dos EUA; no podem tornar-se a instdncia mais poderosa. A consegiéncia é que eles efetiva- ‘mente nio 0 sio: os presidentes (Reagan na sua primeira ele 640, Clinton, Bush Jr.) assumem seu cargo com o apoio de lum quarto dos participantes das eleigbes; e a abstengdo nas eleigdes para o congresso supera a marca dos 60% (62% no utono de 1994, 64% no outono de 1998). Essa apatia calha bem com a ldgica do sistema politico formalmente democré- tico, dirigido oligarquicamente por uma caste de pessoas hhonoraveis e lobistas do setor privado e do universo politico. J Rousseau foi mais realista: pensou também nos limites da democracia. Depois das experiéncias politicas, negativas do sée. XIX e catastrficas do sée. XX, sabemos 0 seguinte: para preservar democraticamente um sistema, a democracia nfo basta como mecanismo tinico no plano ins- titucional. Ela deve fundar-se nos direitos humanos. para todos. Exige um Estado de Direito configurado nos seus etalhes, para que a implementagio, a concretizacio das rnormas, democraticamente deliberadas, disponha dos pari- ‘metros mais operacionais possfveis. E essa democracia neces- 126 rucpnicu MOLLER sita, sobretudo, de uma politica direcionada para estabelecer cequilfbrios sociais, de uma politica justa, para que com efeito todo 0 povo possa participar democraticamente. Rousseau j& cconcebeu ¢ disse claramente 0 que 0 liberalismo posterior regou e continua negando sistematicamente: “O povo inglés ‘eré ser livre; mas esté assaz enganado. Somente & livre durante as eleiges dos memibros do parlamento; ap6s as el ges, 0 povo € um eseravo, é nada” (Du Contrar Social Il, 15). Esse diagnéstico sobreviveu com assustadora inco- lumidade o quarto de milénio que nos separa da sua formula- ‘glo, Sonhos de democracias de conselhos ou sovietes no puderam ser mantidos, as comunas ¢ 0s falanstérios no sen- tido de Fourier foram efémeros, sendo que devemos acres- centar que elas nem tiveram a oportunidade de fracassar dante de (possiveis) contradig6es internas, pois jé foram abatidas sangrentamente antes, de Canudos até Kronstadt, ppassando por Paris e Munique. Hoje em dia, mesmo formas. inteiramente apoliticas e absolutamente pacificas de autoges- tio, propriedade comunitéria, organizagao social informal como 08 “gratte-plages” na Camargue da Franga Meridional, {gue produzem a sua energia elética com autonomia filtam a ‘gua marinha e viver da pesca, so eliminados pelo poder de Estado, O plinico de autoridades ditatoriais, bem como for- rmalmente democréticas diante dos exemplos de formas de vida orientadas segundo a democracia de base, €traigoeira- ‘mente revelador. “Democracia” deriva de “demos”. Para que uma sociedade receba esse titulo honorifico, no basta que os cidadios reajam em grandes espagos de tempo como objetos dda propaganda eleitoral e expressem, enquanto “sujitos ideais", — nos referidos manuais ¢ discursos domingueiros coneiliadores — a sua anuéncia ao sistema a cada dia (passi- ‘vamente, “inercialmente”, na linguagem de Sartre), ao molde uM corovo, in do “plebiscite de tous les jours” (Emest Renan). Os cidadaos revelam ser sujeitos praticos justamente pela préxis: como atores que estio a cada dia dispostos a Tutar pela honestidade e pelo tratamento materialmente igual das pessoas no Estado cena sociedade. Ela € uma oficina permanente, um eanteito de obras. E quando as instituigdes estatais encarregadas io zelam suficientemente pelo cumprimento da sua tarefa de supervisio da construgdo ou chegam mesmo a violar a planta de consirucdo, a constituigdo, os cidadios devem defender-se: resisténcia democrética por meio da sociedade civil Por sua vez, tanto a resisténcia quanto a atividade cearecem de trés condigGes necessarias da democracia: direitos hhumanos eficazes; uma politica social empenhada na com- pensagio de desigualdades, para que a democracia enguanto forma estaial da inclusdo possa assentar em uma sociedade inclusiva; e formas do Estado de Direito, nas quais a resisten- cia a atividade possam expressar-se egalmente, ais formas consistem nas diferentes figuras de uma participagio da populaco — destinadas a restringir a oligar- quia de deputados, governo e grupos de interesses (pressure ‘groups) do parlamentarismo puro, dificultar a sua dominagio por meio de uma democracia como mecanismo de um con- trole € decisio “de baixo para cima”. Condigao necessécia, mas de longe nio suficiente disso € 0 Direito Eleitoral tomado isoladamente. A democracia burguesa ja € o resultado final de uma longa série de redugdes da autodeterminasao pela via da autocodificagdo do povo: a forma primeira do autogoverno pressuporia “um povo de deuses” (Du Contrat Social HM, 4, v. também Tl, 4). Numa primeira revogagio dessa pretensio, institui-se um govemo como comité com eneargos no plano dos conteddos, substituivel a qualquer tempo pela maioria da assembléia do povo. No préximo ppasso as leis so promulgadas por deputados, a0 lado disso ‘oatsnj9u09 onosigaid wun (owaureyed ou) epes -stoesj sejndod eaneroiut wun op slodop seyuswia|dust 28-2409 “sureuen ow; -opuasajas win sezsue8i0 v auaupeuo!an -Rauoa ope8uugo 9 wpindas wo ous2n08 o yenb e oPSejar wos “19| ruin ved opSous suin wjnuio} soAnE sreONR|> soxtauIp 9p sasejmn ap uunugnb wn ose> 2850N ended opSe|s139] =p opypa awuaumsiaqut oquouunAsUt uun > ox9sIg2jd 9 opuos “24 2 soyndod vinojonu) ap opSougw0> v Os Sex ‘oxod op opstoap e sopiiouigns os ‘wano8 op no oawreysed oP 12] ap sorafoid so opuenb ‘oxo -sgatd umn 2p ofaut sod epure no ‘steuoromnsuo> sepuaito 1d fopmiaigos opnuas ze} anb apepyyepout win “soriosiqajd wa ood oe sepnougns welas Seane[stay sagsioap sepeuluizrap ‘anh a81x9 opSimpsuos opuenb “myndod orn op orate 40d ‘mpioap e optisqo 9 o1uoureped o opor yenb o a1qos “1, 3p ojafoud win ap oeSewuasaide ep 2 ost zeyndod water. ep ‘put Jod :ogSe[si89j eu reme-o9 ap sapeprtiqssod se ‘siodaq, ‘Onsaiomne ep sour(d SossaAip sou opmiaiqos ‘oannoaxy op sourpuorouny op ogSiai2¢ :(owwauejed oad souaut oF “sIeU0!D minsuoa sazint ap opStoy2 v taed wupssaoou oUIsDUl 9 9 O83 -taye wssou v soatous orm anb apepryepour euin cestyrecesE, ‘onraiiq © owos onas1p op svaup sopeutuuioiap esd seuode no “steniqie souoo se no zed 2p sazjnf so oWoo seayjoadsa seuioy vied seuode no — sasouayur — seioupisut sepeutu nap exed seuade ‘#'2) onod oad sazjnf ap opSiapa e :opeis 2p saiapod sop Je]na1 oPSedionsed ow ‘wougue® eandad Sted we seuade inbe se-ouorsuayy ye 2 ibe sepeanesd aque) ‘endod orSedionued ap souojnymn semsyy sepa “Rosip os ‘joured a1sin assep seaan sv sesB|9e wary ‘oxod op ‘sopedofap op za wo ‘sareiwouryed sepeoueg sep 9 oonytod dru nas op sopedajap wo or ap sopemndap so wuuiopsisn ea oxosog wand anb ‘ouyprued opens. win 9p apepypas ad stows za eum ‘prenpas 9 ,oxod op oUraA08,, tun ap apepinaissod ¥ nado owau sed op oue|d ou 1XX "9S OP 18 ou svanssinjgee9 epure seu "esqUD204I0 aU99SeU OUSIEUOID “ynsuoa op edoang » wid seaidn) owvawesed op seougiod woo sep so0Sinsas we epure no ,opSeanpo, ap std op S908 “ayouoa wo "2pepaudosd vu sopewwaupun ‘sean sap5io> ap seuioiss (seuRouns opeysa-sapepla SEU ayIOHtA UIP bf wisquum seu ‘S91949d ap O|APoUL OU oprPO4LUOD OUEIOND} un) odor teu yy syed ou wioaisogu anb svossod a soxes289 so Sotayau se eed 0104 9p onanp uinguau: CwoUsEassE0s, ‘op sootirsiy soxnysodsip so w7quie) 2s-iHeZe90) owed flusaut assaN ‘v}peROU Up FU ‘OMIM op oUdord ‘wuouunse tun 9 seaqua| wed 9s Jowis9 908, op sodo1 ‘0 stu soa) nos ta stanpozes Seanuesd soqze Say 90d aroureg 9p sepesng[p 9 spupitofeur s29%oI9 owoD sontouinh -sut vied vu wes ‘opSnpas ap ossed oquinb wing, “ota. epeu seu la) ov suaweanesd aqarsxs pat vinbses go © anb epsyip O61 ps9 of — s2y2105 no so4osuoD 2p O85 ‘ezjuedso nuun 9p siPap! 9 SeuE I ap POWELL aaINasqos an) — pu2uo) winei20u9p ep ayosounwas euusud ¥IpPE ‘wuenbuo oxdeoyrposo!e 8 oss woD “sEuOND soMyuOD ap oSnjos 2) sean sagsemrs ered seuade no *(sopezsyea 18 dionap s9[9 anbozla anb uioo 2 as eyUIzOs 2p! eon “andi aja ¥) S124 stow oy SapdxpUOD gos — jUOSIxO pure opuenb — unisixe 9s soja no sazemndod sopuatajat Situ! wosixo ofU SWWOWS9P nas op epewes euenb wun WE Canesada owpue 0 oU09 WA “79924 wun 9p apepILa'S “sod 9s-tuopiege 'Souap Op [ead ,21002, eusn ap ‘oeSnpaL ‘bun ap o¥Seuo} wu no.9s 248 Jo an feUOIPE LINN, sopsnsap 49 wopod 9 ope|noutA orepUEUE Win tp) SIs ‘oxod op soieitasauda! Sop wore vp ‘isruoured wus, “sis ou ot1o> apuadap oulaso8 0 2 Sovtosigrd sod wipquie verriownorwenis sz 0. REDRICH MULLER ‘Tradicionalmente, combate © conservadorismo esas figuras do plebiscito em tomo de quesides de conteido com a afirmagio de que © povo nio seria “capaz” para tanto, mas, muito pelo contrério, apenas para plebiscitos pessoais. A primeira vista, o argumento € cinico, por ser, no fundo, ‘estratégico, No caso de eleigdes populares de titulares indivi- uais de cargos, eg. do presidente da repablica, a direita dis. pe em regra de vantagens estruturais: a personalizagao faz preponderar emogtes irracionais, a direita dispde de maiores recursos financeiros e domina (por essa mesma razo) em ampla medida os meios de comunicagdo de massa. J4 em plebiscitos em toro de questées de contetdo estio em jogo imeresses verificéveis; e aqui os que desprezam a participa ‘glo popular temem que os afetados possam votar nos seus préprios interesses, Mas 0 argumento também ndo coincide ‘com 0 assunto em questo. O deputado ou a deputada tam- bbém nfo compreendem a complexidade técnica das leis pelas fu contra as quais votam no parlamento; além disso, votam condicionadas por ponderagées de politica partidéria. Depu- tados no podem ser especialistas em tudo — mas isso se pede ao cidadso individual —, se quiséssemos tomar ao pé da letra essa argumentagio de mé qualidade. O conhecimento ‘téenico para o Poder Legislativo nao se localiza nem no res- pectivo titular individual do direito eleitoral, tampouco no ‘deputado, No parlamento, ele € fornecido pelos peritos das baneadas, bem como pelos ministérios, em parte também pela comunidade cientifica por meio de pareceres de petitos exter- ‘nos. Para iniciativas populares, aqui mencionadas exemplifi- cativamente, cle € fomecido igualmente por especialistas cexternos, quase sempre internos 20s partidos, sindicatos ou ‘outras organizagées ndo-governament [Nas reflexdes atuais sobre o tema existe ainda uma coutra perspectiva, a saber a de combinar a pura legislagdo po- Quenitorove ia pular ou participagao do povo na legislaglo parlamentar com ‘uma legislagdo descentralizada (I. Maus. Basisdemokratische Aktivititen und rechisstaaliche Verfassung, in: Th Kreuder (d.). Der orientierungslose Leviathan. Marburg, 1992, pp. 99ss.). Nesses casos a co-atuacio do pove, para ser cficaz, deveria ser tomada obrigatéria na primeira ou segunda forma, pela constituigao, como de qualquer modo em emen-

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